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N.º 47 SESSÃO DE 21 DE ABRIL 1853.

PRESIDENCIA DO SR. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 82 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia e um quarto.

Acta: — Approvada sem discussão.

CORRESPONDENCIA.

Declarações. — 1.ª Do sr. Pinto de Almeida, participando de que o sr. Gomes Corrêa não póde comparecer á sessão de hoje, por doença. — Inteirada.

2.ª Do sr. Moraes Pinto, participando que o sr. Mello e Carvalho não póde vir á camara, nem poderá comparecer por alguns dias, por estar de cama.

— Inteirada.

3.ª Do sr. Francisco Damazio participando que o sr. Roussado Gorjão continua ainda hoje incommodado, e por isso não póde comparecer á sessão. — Inteirada.

4.ª Do sr. Nogueira Soares, participando que o sr. visconde da Junqueira fallou á sessão de hontem, e não comparecerá ainda a algumas sessões por falla de saude. — Inteirada.

5.ª Do sr. Placido de Abreu, participando que o sr. S. J. da Luz não comparece á sessão de hoje por motivo justificado. — Inteirada

Officios. — 1.º Do sr. Jeremias Mascarenhas participando que por incommodo de saude não comparece á sessão de hoje, nem talvez a mais algumas.

— Inteirada.

2.º Um officio do ministerio da guerra dando os esclarecimentos, que lhe foram pedidos por esta camara, relativamente ao requerimento de alguns dos donos dos terrenos em que estão collocadas as linhas de defeza de Lisboa. — Á commissão de fazenda.

3.º Outro officio do mesmo ministerio, enviando os documentos que existem naquella secretaria, relativos ao tenente coronel, que foi, do exercito hespanhol, Manoel Alvares, satisfazendo assim ao que lhe foi pedido por esta camara. — Á commissão de guerra.

Uma REPRESENTAÇÃO. — De tres individuos pertencentes ás classes inactivas, e em serviço no real archivo da torre do lombo, pedindo que no orçamento seja auctorisado o sr. ministro do reino a pagar aos supplicantes uma gratificação de 500 reis nos dias uteis, que lhes foi votada na sessão de 1849. — Á commissão de fazenda.

O sr. Bordallo: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Almeida, pedindo que seja alli creada uma cadeira de grammatica latina. Além das considerações que se fazem na representação, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu diga, que em uma area de 36 legoas quadradas, ou mais, não ha uma cadeira de grammatica latina. Esta e as outras considerações que se fazem na representação tem por fim que a commissão de instrucção publica, a quem provavelmente ella vai ser remettida a tome na devida consideração.

O sr. Sousa Pinto Bastos: — Mando para a mesa uma representação assignada por 300 habitantes do antigo concelho de Pereira Jusã, no districto administrativo de Aveiro, em que pedem a revogação do decreto de 28 de dezembro efe 1852, que supprimiu aquelle concelho.

O sr. Corrêa Caldeira. — Mando para a mesa o seguinte requerimento. (Leu)

Este requerimento, que eu desejo seja satisfeito, tem por fim mostrar que o annuncio, que todos os mezes se repele no Diario do Governo — estão concluidos os pagamentos do mez antecedente — não é exacto; ha uma desigualdade importante a respeito do estado dos pagamentos em Lisboa, e Porto, e nos outros districtos do reino. Peço que tenha o destino conveniente.

Ficou sobre a mesa o requerimento para ter ámanhã o competente destino.

O sr. J. M. de Andrade: — (Leu um projecto de lei e continuando:) — Sr. presidente, mando para a mesa este projecto de lei, e não li o seu relatorio, ou preambulo, para não cançar a paciencia da camara, posto que elle não seja diffuso ou extenso; e apenas indica ou motiva a conveniencia da medida, que o projecto involve. Peço porém que sejd impresso no Diario do Governo, assim como que seja remettido á commissão de obras publicas, sendo ouvida a de fazenda; e desejo tambem que com elle vão áquella commissão o orçamento e plano da obra, que com muito zelo e trabalho technico levantou o sr. capitão de engenheiros, João Luiz Lopes, commissionado pelo governo para esse fim.

Sr. presidente, agora permitta-me v. ex.ª e a camara que eu accrescente duas palavras em abono do meu projecto. O seu fim é levar-se a effeito uma obra de um importantissimo interesse publico, que não só ha de affectar e dar um espantoso incremento ao commercio e industria agricola do districto de Béja; mas ha de garantir, dar abrigo e salvar muita fazenda e vidas, e por isso tambem involve interesses humanitarios e geraes, não só para toda esta nossa terra portugueza peculiarmente, mas para todos os paizes commerciantes: por quanto, sr. presidente, sendo a barra de Villa Nova de Milfontes situada na parte mais central de uma especie de golfo, que pára entre os dois cabos do Espichel e de S. Vicente, e sendo a sua cosia desabrida, e sem outro refugio desde a foz do Sado até além do cabo de S. Vicente, centenares de navios se tem perdido nessa costa, dos quaes muitos se teriam salvado, se neste nosso paiz se tivessem aproveitado bem todos os elementos de riqueza e vantagens, que a natureza nos proporciona com mão danosa.

Esta obra tem sido reclamada em 1835 pelas camaras municipaes de Odemira, e de Villa Nova de Mil fontes, ou Cercal; em 1837, 1838 e 1839 pelas juntas geraes do districto de Béja; em 1838 foi aqui approvada pelo congresso constituinte uma proposta minha, e assignada tambem pelos srs. Derramado, Judice Samora, neste sentido; e v. ex.ª, sr. presidente, já tomou a peito este negocio, sendo minis-

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tro do reino em 1839; o actual sr. ministro do reino tambem já mandou estudar a obra, orçar a sua despeza, e levantar a planta; o actual governador civil de Béja tem requerido ao governo a sua factura; e o sr. ministro das obras publicas já, em um documento official, concordou na sua vantagem.

Sr. presidente, em fevereiro de 1828 vi eu em um só dia quatro navios espedaçados, e a Bombarda ou fragata de guerra ingleza Terror, capitão Hoop, varada sobre um rochedo, e todos estes navios deram á costa ou na barra, ou n'um espaço de menos de 400 toesas. Só nesse anno perderam-se naquella cosia 17 ou 18 navios, e não se passa anno algum que se não verifique algum sinistro. Neste anno já eu sei de dois — uma escuna ingleza e um brigue francez —; o é certo que muitos destes navios se teriam salvado, se aquella barra estivesse practicavel.

Ora, sr. presidente, no espaço de 18 annos, em que se tem reclamado esta obra, tem havido centenares de milhares de contos para indemnisações injustas, e para operações ruinosas; e não tem havido 43 contos de réis em que está orçada esta obra para se elevar a effeito!! Sr. presidente, eu direi, como o meu illustre amigo, o sr. José Estevão, 43 contos ou mais gastam-se, ou se tem gasto aí sem proveito algum para o paiz; e 43 contos applicados ao fim que proponho, podem trazer ao paiz um juro de 100 por cento ou mais; porque a riqueza do thesouro publico depende essencialmente do augmento da riqueza dos povos, ou da prosperidade publica, o esta esterelisa-se ou estanca-se, quando se votam ao despreso as cousas desta ordem.

O projecto ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA.

Continuação da discussão do projecto n.º 7, sobre os actos da dictadura.

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, desejava fazer largas observações sobre muitos dos differentes decretos incluidos nos dois volumes, sujeitos agora de uma só vez á discussão da camara; mas é forçoso confessar que, depois dos discursos proferidos neste já longo debate, cançada, como está, a attenção da camara, e abatidas as minhas poucas forças pelo incommodo de saude, que estou experimentando, não posso dar já a tão difficil e laborioso exame a latitude que a vastidão e importancia da materia demandava,

— Por tanto lerei de resumir o meu discurso, e de concentrar as minhas reflexões, e observações sobre alguns pontos capitaes, deixando de me occupar de muitos, e sugeitando-me assim ás duas condições que me são impostas!

Sr. presidente, hontem um illustre deputado o sr. Bazilio Alberto collocou a questão na verdadeira altura dos principios; s. ex.ª mostrou que não podia deixar de affectar perigosa, e profundamente o credito e a permanencia do systema representativo, principalmente no estado actual da Europa, a caprichosa insistencia de se apresentarem á discussão e approvação do parlamento, d'uma só vez, 235 decretos, fructo não da meditação, mas do prurido legislativo do espaço de 15 mezes, em que o governo, usurpando as attribuições das cortes, se arvorou em poder soberano desta terra? Intendo que não é possivel junctar uma só palavra, proferir um só argumento que possa fazer impressão na camara, depois dos que foram produzidos pela voz tão auctorisada, e respeitavel do meu illustre amigo e mestre o sr. Bazilio Alberto (Apoiados).

O sr. Ministro do reino que succedeu na tribuna, debalde forcejou por attenuar a impressão que as razões eloquentes, e victoriosas do illustre deputado tinham incutido no animo de todos os illustres deputados; s. ex.ª com fraze correcta e estilo ameno, procurou desviar a attenção da camara da verdadeira esfera dos principios onde a questão estava irrimissivelmente julgada, e perdida pelo gabinete, para as alias razões de estado; e disse que o governo se vira inevitavelmente obrigado a assumir attribuições do poder legislativo para evitar males maiores, para conduzir a sociedade portugueza tão violentamente abalada, e desunida a um centro de união, e para reparar de algum modo os estragos e desordens causadas pelo movimento de abril, que o governo tinha sido chamado a consolidar! Parecêra, ouvindo-se estas palavras, que todos nós ignoramos o que se passou nessa occasião; parecêra que houvera, na verdade, neste paiz um movimento que alterou completamente o modo de ser desta sociedade, que abalou profundamente os alicerces do edificio politico, e que este fora modificado sobre novas bazes!! E todavia nós sabemos que o movimento de abril de 1851 nem sequer ao principio invocou a reforma da carta constitucional! Todos sabemos que o movimento de abril nasceu de uma questão de pessoal despeito, e que pediu apenas a queda do ministerio, que então dirigia os negocios publicos! Todos sabemos que o movimento de abril abandonado completamente pela nação inteira, proximo a fenecer sem echo e sem apoio, triunfou, quando menos o seu auctor o esperava, pela revolta da soldadesca n'um quartel da segunda cidade do reino; triunfou quando alguns cavalheiros pertencentes ao partido representado no lado esquerdo da camara julgaram que deviam dar-lhe a mão para o levantar do sepulcro, em que estava quasi encerrado! Para o fazer quasi resurgir! Foi depois deste facto, foi depois de triunfante a insurreição da soldadesca, que se julgou preciso tirar-lhe o ferrete de questão pessoal e dar-lhe por bandeira, por pretexto, e por grito um principio politico! Foi então que se invocou e proclamou a reforma da carta. (Apoiados) Alas o governo que em consequencia da revolta succedeu ao ministerio, que até então tinha a honra de sentar-se nos conselhos da Soberana, teve por ventura, de luctar com difficuldades supervenientes de tal magnitude, e natureza, que fosse necessario, para defeza sua, e da nova situação politica, lançar mão de poderes e recursos extraordinarios. O supposto estado de agitação e apuro, que todos os dias se allega para justificar a primeira dictadura, e por esta primeira a segunda, existiu como pretende inculcar-se? Haveria para o procedimento do governo cauzas de força maior e irresistivel, a que elle não podesse deixar de curvar-se, pelas quaes se explique, e se torne desculpavel o excesso de poder de que se armou?

Estou inteiramente convencido que não. Estava no paiz; vi como as cousas se passaram; ainda administração nenhuma, em situações identicas ou analogas, teve menos difficuldades a superar do que esta que nos governa desde 1851 até agora.

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Entretanto ás observações que se fazem contra o proceder illegal do governo pela usurpação repelida do poder legislativo, responde-se sempre com similhantes argumentos; ainda hontem quando de um dos bancos superiores se disse — que só a justiça, e não a utilidade verdadeira, e ainda menos a supposta, podia justificar, e auctorisar o procedimento de um governo regular, e sobretudo de um governo constitucional respondeu-se dos bancos dos ministros — que esta distincção era metafísica, por que da justiça sempre vem a utilidade! — Mas esqueceu ao sr. ministro que nem sempre a utilidade e companheira da justiça) e que é esta a grande e substancial differença que separa a doutrina das duas classes. (Apoiados) Dizia hontem o sr. Bazilio Alberto: quereis que o governo representativo, nesta época de perigo, de arriscada provação possa resistir aos ataques dos seus inimigos? Se o quereis, pro vai-o pelo vosso procedimento realmente conforme aos principios e regras desse systema politico, e mostrai assim a todos que o governo representativo tem em si mesmo Os elementos de força, de vida, e do fecundidade necessaria para dirigir a sociedade, para governa-la — para acudir-lhe com remedio prompto, e efficaz em todas as circumstancias, e vicissitudes para concorrer para o seu aperfeiçoamento, e conduzir os povos por elle regidos ao mais alto desenvolvimento de felicidade, e de civilisação. Para isso é porém necessario que respeiteis os principios fundamentaes desse systema politico, e que façais com que este montão de decretos, que vós não podeis lêr, quanto mais discutir em todas as suas partes, não sejam submettidos á nossa apreciação e approvação, á discussão e deliberação da camara de uma só vez. Bem sei que não acceitais o conselho? Mas dahi resultará que não só acabeis de desconceituar o systema, mas que approveis contrasensos, e disposições inconstitucionaes, e absurdas que se involvem em meio desse montão de decretos que não analisais.

Mas que se responde por parte do ministerio a estas observações? Que dizem os srs. ministros quando a opposição lhes pondera com argumentos sem réplica, com a letra da carta, e a expressão do direito que verdadeiramente justo e util, legitimo e conveniente tanto em relação ao presente como em relação ao futuro, sómente seria que todos os actos da dictadura se considerassem como propostas de lei para serem submettidas singularmente ao nosso exame, e seguirem todos os tramites constitucionaes? «A lai proposição responde o estado da camara — dizia o sr. ministro do reino com uma concisão pasmosa, digna de notar-se. Que significa esta resposta? Chamarei acossa attenção para este ponto, senhores! Que significa esta allusão do sr. ministro do reino, ao estado da camara? Quer dizer, que o sr. ministro intende que a camara, ou não tem a intelligencia necessaria para bem avaliar todos os actos que são Submettidos ao seu exame, e á sua approvação, ou que não tem zelo e actividade para se occupar de similhantes assumptos com a perseverança e assiduidade que requer o bem da nação interessada em que elles se resolvam.

Quanto a esta segunda versão daquelle pensamento ministerial, que me parece fielmente por mim interpretado, reconhecereis, senhores, que a allusão ao estado da camara importa o mesmo que perguntar o que tem ella feito nos 4 mezes que tem decorrido de sessão, e por tanto por outras. palavras aquillo mesmo que ha pouco disse. O sr. presidente! Não será isto uma injuria feita á camara? Não será uma injustissima, immerecida apreciação dos factos? Pois se a camara tem feito pouco, muito pouco, de quem é a culpa? Não sabem todos que estes corpos deliberantes são mais ou menos activos, mais ou menos zelosos no desempenho dos seus deveres, segundo a iniciativa do ministerio lhes dá maior ou menor impulso, segundo são mais ou menos promptos, zelosos, perseverantes e activos os srs. ministros? Segundo são mais ou menos promptamente apresentados, melhorou peior elaborados os trabalhos, as propostas de lei que o ministerio deve apresentar á camara? Por ventura é a camara culpada de que o discurso que o presidente do concelho o sr. duque de Saldanha leu na abertura da sessão, recebesse as honras de magestaticas para sobre elle haver uma discussão em que se gastou um tempo precioso, que podia ter-se empregado em cousas mais uteis? Tem por ventura a camara culpa de ainda além disso, e de estar a sessão tão adiantada, lhe não tenham sido presentes nenhum dos relatorios dos srs. ministros, visto que apenas o sr. ministro da fazenda satisfez pela sua parte estrictamente ao que determina o acto addicional, quanto á apresentação do orçamento? Será tambem a camara culpada em que nos poucos projectos que o governo tem apresentado, se conheça a leveza, a versatilidade, a hesitação, a incerteza de opinião dos srs. ministros, como acontece com a proposta a respeito de nina questão tão importante como por exemplo a da rescisão do contracto do tabaco, que sendo apresentada em 7 de março, e sendo hoje 21 de abril, ainda não teve andamento algum, porque tambem o sr. ministro da fazenda ainda não assentou nos verdadeiros meios ou nas verdadeiras condições e bases, com a adopção das quaes s. ex.ª julga realisavel e exequivel esta sua proposta?! Então, sr. presidente, se isto assim é, se esta apathia da camara (perdoe-se-me a expressão) provém da negligencia, da demora, da inercia, e da hesitação do ministerio no uso da sua iniciativa, como se não offende a camara de que o ministerio, causa unica deste mal, tenha a ousadia de o allegar, e produzir na sua presença, como razão, para desvirtuar a camara no conceito publico, e de que quasi lhe diga na face em frase nua — tu nada tens feito; approva por consequencia esse feixe de decretos, e reconhece por esse proprio facto que é necessario que assim procedas, porque para nada serves senão para minha chancellaria! (O sr Cunha: — Apoiado) Isto é por differente estylo, e por differente maneira de expressão a repetição das proposições, das invectivas, das injustiças e dos sofismas com que na época presente, e em diversos paizes tem sido atacado o systema parlamentar. Veja a camara que approvando esse montão de decretos, e com elles o illegal e exorbitante procedimento do governo, lança-se espontaneamente no abysmo do descredito proprio, vai dar o cunho de verdade a estas injustissimas accusações. Ainda não quero crer que assim aconteça! Pensai bem, senhores! Mas se não obstante fizerdes o que o ministerio quer, a responsabilidade será toda vossa; os vossos nomes, a vossa memoria, a vossa reputação, a vossa propria consciencia, ainda mais cedo, soffrerá n'um futuro pouco distante o castigo e o desengano da vossa quasi cega condescendencia com o procedimento do governo.

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O sr. ministro do reino, disse tambem — como ousais dizer que o paiz se escandalisou com a dictadura? Responda o resultado das eleições posteriores a maior parte dos decretos que tão acremente censurais! Pois não está ahi essa maioria que presta ao governo um decidido apoio? Que condições vos puzeram os vasios eleitores? Aquelles que aqui vos mandaram, disseram-vos por ventura que a dictadura fóra perniciosa ao paiz, impozeram-oos a obrigação de a rejeitardes?

Sr. presidente! Eu admiro, não posso deixai de admirar o desaffogo com que se pronunciam estas palavras! No reverso do quadro está a pintura da eleição, está a participação telegráfica nunca desmentida em que o presidente do conselho, e o sr. ministro do reino, diziam a uma auctoridade superior administrativa — sejam eleitores fulano e fulano, tambem o podem ser fuão e fuão o governo quer deputados que approvem o que elle tem feito, e o que está para fazer — Aqui está a eleição! E é a eleição feita por este modo que o sr. ministro do reino invoca como prova de que a dictadura é bem recebida pelo paiz! E esta eleição que apezar das censuras que mereceu a todos os homens imparciaes, apezar da nunca vista coacção moral debaixo de que foi feito, como aqui se provou com factos, razões e argumentos nunca refutados, e esta eleição, digo, que se invoca como argumento irrecusavel para demonstrar que os actos do governo, que o exercicio da dictadura, que o seu modo de gerir os negocios publicos, é bem acceito pela nação! E o sr. ministro do reino diz que não se guia nesta apreciação, nem pela sua opinião, nem pela de seus amigos, mas pela opinião geral do paiz que procura ouvir, e que ouve a todos! estou intimamente convencido que s. ex.ª se illude tanto nesta audição como se tivera ouvidos emprestados. Com ouvidos proprios, e em bom estado era impossivel o facto!

Se s. ex.ª se lembrasse de ter já dicto no parlamento — que desde que um homem se senta nas cadeiras do governo, por melhores intenções que tenha, por maiores serviços que faço, o vaso da sua impopularidade vai enchendo, enchendo até que transborda, se não tem o cuidado vigilante de largar o poder antes que tal aconteça — Se s. ex.ª tivesse bem em vista esta verdade e a applicasse a si mesmo, havia de ler reconhecido que poucos ministerios terão occupado aquellas cadeiras, que no decurso de tão pouco tempo tenham grangeado tão grande numero de antipathias, de impopularidade e de desgosto publico, como aquelle a que s. ex.ª pertence; porque a nação inteira representada pelo que encerra de mais notavel em capitaes, em industria, em commercio, em propriedade territorial, em estabelecimentos de credito, em illustração litteraria, censura, desapprova, abomina o procedimento do ministerio.

Sr. presidente, significa a imprença periodica alguma cousa E ou não é a imprensa periodica expressão de opinião preponderante no paiz? Se ella exprime a opinião preponderante, os srs. ministros sabem qual é a parte dessa imprensa que os louva, e sustenta: regulem-se por ahi. Os srs. ministros crêem, e crêem profundamente, que a sua gerencia, que os seus actos merecem as bençãos do paiz e não duvidam confessar que receiam como perigosa uma nova appellação para o paiz no caso de que essa appellação fosse necessaria por uma nova divergencia entre a sua politica, e a politica representada pela maioria da camara!... Pois se têem a consciencia dessa immensa popularidade que os cerca, que receio poderão ter de appellar de novo para o paiz num caso dado?

Mas, sr. presidente, pouco importaria que os srs. ministros intendessem que os actos da dictadura devem ser approvados n'uma só resolução desta camara mesmo não seriamente discutidos, mesmo não cabalmente examinados, se eu não visse que esta opinião, esta vontade caprichosa acha um echo desgraçado (o que é muito mais grave) nos illustres membros da commissão que deu o seu parecer sobre os actos da dictadura, porque, examinado o parecer da illustre commissão chega-se por differente modo ás mesmas theorias, ás mesmas erradas e perigosas opiniões dos srs. ministros.

Diz o parecer da illustre commissão — «A commissão especial encarregada de dar o seu parecer sobre os decretos contendo disposições legislativas, promulgadas pelo governo desde o principio de maio de 1851 até 31 de dezembro de 1852, depois de os examinar, tanto quanto a estreiteza do tempo o permittiu, vem apresentar a esta camara o resultado do seu trabalho.»

A confissão (note bem a camara) pela qual a commissão principia o seu parecer, era, no meu intender, tanto quanto bastava para que os actos da dictadura, que propõe sejam approvados, fossem pelo contrario rejeitados pela camara, pois que a commissão (peço permissão para dizel-o) mal peneirada da extensão, e importancia dos seus deveres, não tem duvida em dizer á camara, que lhe propõe a approvação de actos, que pela estreiteza do tempo examinou tanto quanto podia!.. Quer dizer, actos que não conhece, que não examinou, não estudou, não discutiu, de que não tem a convicção necessaria que sejam uteis e justos, de que sejam admissiveis como leis do paiz!... Sr. presidente, não nos illudamos! Esta singular theoria da commissão suppõe duas consequencias; a primeira é, que o governo é infallivel; a segunda, que as côrtes são inuteis, completamente inuteis porque se o governo legisla, e legisla tão bem que a camara intende que póde approvar o que elle decretou sem ao menos o examinar, sem ler a consciencia de que esses actos, por elle promulgados com poder usurpado, são vantajosos, são proveitosos para o paiz; se a commissão sustenta esta singular theoria, então sejamos francos em admittir todas as consequencias della, então não haja camara porque o governo legisla tão bem como ella, e está demonstrado claramente que legisla mais depressa e mais barato. Pergunto, quer a commissão esta conclusão? Todavia parece-me que são as consequencia» necessarias do seu parecer.

Ora, sr. presidente, compare-se isto com o que em outras épocas se tem feito; não posso resistir ao desejo dessa comparação. Em 46 e 47 houve duas dictaduras resultado das successivas revoluções, e da guerra fratricida em que por ellas foi lançado o paiz. Os actos dessas duas dictaduras de diversa origem, n'uma das quaes pertenceu parte a v. ex.ª, sendo a outra exercida sob a influencia dominante do sr. duque de Saldanha, vieram ao exame do primeiro parlamento que se convocou depois que terminou a guerra; esses actos foram submettidos ao exame de uma commissão; e quer v. ex.ª ouvir o modo como essa commissão se exprime? Não poso resistir ao desejo

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de ler esse parecer; é o parecer n.º 59 apresentado na camara dos deputados de 1848 em 14 de junho: (Leu). A commissão tendo em vista corresponder á honrosa confiança desta camara, e á alta missão que lhe foi commettida, examinou com o maior escrupulo cada uma das providencias que se acham especificados nas synopses apresentadas a esta camara, e que foram adoptadas pelos differentes ministerios durante a interrupção dos trabalhos parlamentares, tractando de os apreciar segundo as necessidades publicas, ou a urgencia do momento em que foram decretadas. E muito para lamentar que circumstancias tão extraordinarias e difficeis, como aquellas em que esteve este reino durante o periodo que abrange a proposta de lei, occasionassem a promulgação de similhantes providencias, quando, segundo os elementares principios do systema representativo, e o art. 13.º da carta constitucional, o direito de fazer leis é da privativa competencia das côrtes com a sancção do rei. É incontestavel que o governo, arrogando a si o uso de similhante faculdade, exorbitou de suas attribuições, e commetteu uma flagrante infracção dos principios fundamentaes da carta, e do regimen constitucional; e cumprindo ás côrtes velar pela guarda da constituição, bem como pugnar pela divisão e harmonia dos poderes politicos, a commissão faltaria ao cumprimento dos seus deveres se não declarasse dignos de censura actos de tanta gravidade.) >

Compare-se uma e outra linguagem. A commissão de 1848 examinou escrupulosamente cada um dos actos da dictadura; a commissão de 1848 examina a urgente necessidade de momento, porque foram adoptados; e desculpando por essas circumstancias imperiosas e fataes a extremidade a que se vira forçado o governo, concede um bill de indemnidade aos ministros que assim tinham procedido; mas essa commissão declara não obstante, que o procedimento do governo é digno da mais severa censura. Pergunto á illustre commissão que examinou estes dois volumes de leis, se nem ao menos achou estas palavras ou outras similhantes para mostrar que zelava, como cumpria, os direitos desta camara, e o decoro desta fórma de governo V.... Não, sr. presidente, nem isso; a commissão pela estreiteza do tempo nem ao menos leu os actos da dictadura! Mas quer que a camara approve. A commissão não examinou, não sabe se os actos da dictadura são nocivos, se são uteis ao paiz, se são justas as suas disposições, se não podiam muitos delles, a quasi totalidade, deixar de ser promulgada porque não havia a urgente necessidade que se invoca para a sua promulgação!! Todavia, não obstante isso, e mesmo por isso, propõe á camara que approve!...

Depois desta introducção a commissão divide em dois periodos os actos da dictadura. Em quanto ao primeiro periodo vejamos o que a commissão diz: (Leu) «Que intende que os actos do governo, identificado com o movimento de abril de 1851, que o paiz sanccionou com a sua adhesão, foram dictados em parte por urgente necessidade, em parte por manifesto interesse publico, todos com a intenção de promover a conciliação da familia portugueza, e de assegurar-lhe as suas liberdades.)

Sr. presidente, eu milito num campo adverso á politica dos srs. ministros, mas nem por isso ponho em duvida, nem por isso quero pôr em duvida as suas boas intenções. estou persuadido de que todos os homens que se sentam naquellas cadeiras (as dos ministros) hão de ter a intenção de desempenhar os deveres ponderosos, que contrahem, de maneira que faça honra á sua propria pessoa e ao seu nome, e que seja proveitosa a sua administração ao paiz a que pertencem. Estas intenções boas a que a commissão recorre, poderiam sem duvida ser tomadas em consideração para que ou a illustre commissão propozesse um bill de indemnidade, ou implicitamente elle se concedesse ao governo não se propondo a sua accusação por ter usurpado o poder legislativo.

Mas o que eu não suppunha, o que eu não acreditava até agora, é que nos actos politicos bastassem as boas intenções, não só para desculpar a illegalidade com que foram practicados, mas para os approvar.

Sr. presidente, será necessario recorrer agora aos exemplos passados em nações estranhas, aos actos de incrivel delirio governativo que têem em differentes épocas da historia deixado vestigios da incapacidade absoluta de certos governos em certas e determinadas nações? Na nossa propria historia não acharemos nós alguns actos, que hoje detestamos, que hoje reprovamos, que hoje achamos prejudicialissimos a este paiz, e que todavia quando foram practicados, podiam ser sustentados e legitimados pelas boas intenções dos que os practicaram? Dizei-me, senhores, quando os judeos foram expulsos de Portugal, e levaram a industria nascente deste paiz para a Hollanda, para a Inglaterra, e para os outros paizes a que se acolheram, o governo portuguez que tomou esta resolução, não teria muito boas intenções? Acreditais que se tomasse uma resolução destas, que levava para fóra do paiz tantas fortunas, tanta industria, tanta actividade, tantos elementos de riqueza sem que o governo que assim procedeu, tivesse uma intenção boa quando adoptou essa medida? E deixou ella por isso de ser prejudicial, prejudicialissima para este paiz, inhumana, barbara, injusta, e injustificavel? Não será dahi, não será da perseguição movida primeiro contra os mouros, mais tarde contra os judeos que provém a despovoação que ainda hoje notamos e deploramos em algumas das nossas provincias outrora tão povoadas? Não será essa a primeira causa do atrazo em que ficou a industria deste paiz, e a sua agricultura, aggravados esses males por causas e por factos que se succederam depois? Quando D. João 111 estabeleceu a inquisição neste paiz não teria esse monarcha uma muito boa intenção? Não fallo só da intenção religiosa, da unidade da fé, mas mesmo a intenção politica. Não acreditavam os governos nesse tempo que a unidade da fé, da crença religiosa nos povos sujei-los ao seu dominio era uma das primeiras condições de duração e estabilidade nas cousas publicas; e portanto da felicidade dos estados? Não acreditaram que as diversidades hetorodoxas em crenças religiosas lançavam os primeiros germes das divisões, das discordias, das guerras civis que mais tarde assolaram outros poderosos estados? E não provou a historia até certo ponto que os governos que assim pensaram, tinham alguma razão? E todavia achais vós justificavel hoje o estabelecimento desse alto tribunal sanguinario só pelas boas intenções do Rei que o introduziu neste paiz? É preciso pensar um pouco antes de estabelecer proposições destas.

A commissão intende que as medidas promulgadas durante este primeiro periodo da dictadura, parte fo-

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ram dictadas por urgente necessidade, parte por manifesto interesse publico, e todas sobre tudo com a intenção manifesta de promover a união da familia portugueza. Isto é o que diz o parecer n.º 7. Mas analysemos. No primeiro periodo dessa dictadura ha tres factos que sobressaem aos outros todos, é a promoção militar, e o decreto de 3 de dezembro de 1851, e é a lei eleitoral de 20 de junho de 1851. A pro-moção militar no exercito foi dictada por urgente utilidade, por manifesto interesse publico, e pelo dezejo de promover a união entre a familia portugueza!... Póde isto dizer-se nesta camara desassombradamente!... Pois não sabem todos que essa promoção desnecessaria desde o principio, injustificavel, injusta, violadora das leis que regulam os accessos, e as promoções militares, trouxe, além do augmento da despeza, de que não quero occupar-me agora, a faial consequencia de dividir o exercito portuguez em dois campos oppostos — os injustamente promovidos, e Os injustamente preteridos? Pois será por este meio, era por um acto como este que a commissão intende que se promove a união da familia portugueza? Oh! Sr. presidente! Pois não sabe a camara, não é facto de notoriedade publica que os resultados destes germes de desunião no exercito têem sido taes, Ião perigosos para a boa disciplina, e se-lo-hão ainda de certo, srnão se lhes prover de remedio, que pelo conluiando em chefe do exercito se expediu lia pouco uma circulai confiscando em proveito do commando em chefe o direito de petição assegurado aos cidadãos portuguezes no § 28.º do artigo 1-15. da carta constitucional? Sobre este objecto ha muito de certo que teria sido por mim ao menos interpellado o governo, te estivesse nesta camara o sr. presidente do conselho e ministro da guerra, que era quem devia e quem podia responder a similhante respeito. Eu sei que qualquer dos seus collegas tomaria sobre si esta responsabilidade; mas eu quiz desviar de mim até a suspeita de que me aproveitava da ausencia de s. ex.ª e da ausencia de s. ex.ª motivada pelo seu prolongado padecimento, para chamar a terreno uma questão que lhe dizia pessoalmente respeito.

Sr. Presidente, esta circular do commando em chefe a que me referi, é um facto que a camara deve censurar, e censurar severamente, porque india está offendida uma das primeiras garantias estabelecidas pela lei fundamental deste paiz. Sempre se intendeu até aqui que quaesquer que fossem os regulamentos militares a respeito das formalidades da direcção de requerimentos dos inferiores aos superiores, esse rigor do regulamento militar não era applicavel ás relações dos militares como cidadãos para com o poder legislativo; nunca se tinha intendido senão assim; foi intendido agora o contrario por este gabinete. Eu podia oppôr a esta nova theoria confirmada pela circular do commando em chefe a que me refiro, o procedimento pessoal do sr. presidente do conselho para com o ministro da guerra seu superior em hierarquia, e poderia notar como as differentes situações mudam as opiniões dos differentes individuos; mas não quero prevalecer-me desse procedimento; quem só sustentar que o facto da promoção em si não é justificavel, não é defensavel, e quero apresenta-lo á illustre commisão como prova de que os actos da 1.ª dictadura não concorreram como a commissão assevera, para a união da familia portugueza!...

Segue-se o decreto eleitoral de 20 de junho. Este decreto entra sem duvida no numero daquelles que segundo a commissão foram promulgados com manifesto interesse geral, e que serviram para manter as liberdades publicas!...

Sr. presidente, todos sabem que o decreto eleitoral de 20 de junho, e por mais de uma vez o disse eu na camara passada, offendeu e poz em perigo as liberdades estabelecidas e garantidas na lei fundamental do estado, primeiro eliminando direitos politicos de cidadãos, que ella lhe mandava respeitar; segundo dando origem á reforma da lei fundamental, prostergadas completamente, violadas, o despresadas todas as condições de prudencia, e reflexão, estabelecidas na carta não só para dar a esse codigo a permanencia, sem a qual perde o seu principal caracter de veneração, e respeito, mas para obstar ás irreflectidas mudanças que nelle tendessem a introduzir as repelidas, e contradictorias vicissitudes de opiniões, porque a sociedade passa, oppondo ao que houvesse de irreflectido ou perigoso nas opiniões, ou paixões efémeras, que toda via exercem ás vezes tyrannia poderosa, uma barreira mais poderosa que ellas e inaccessivel, como o direito, á sua força!

Agora, senhores, que destruístes essa barreira, agora que está provado que por um acto do governo, chamada uma camara constituinte, a lei fundamental póde ser modificada, reformada, revista, alargada ou restringida conforme agradar á opinião dominante na época em que isso se decretar; agora que está estabelecido esse exemplo, ficará sobre vós, os que approvastes este injustificavel procedimento, o pezo da responsabilidade das suas consequencias. Deos queira que eu me engane! Alas este facto imprudentissimo foi uma das maiores desgraças que o movimento de abril trouxe a esta nação. Acredito que não foi elle um meio de conciliar a familia portugueza, porque lançou no meio dessa familia portugueza mais um elemento de discordia.

O terceiro acto importante do primeiro periodo da dictadura foi o deo elo de 3 de dezembro de 1851. Este decreto foi um emprestimo forçado, lançado sobre os juristas, sobre os credores da nossa divida fundada interna e externa, e lendo este decreto, no seu principio fundamental — a capitalisação — sido rejeitado depois de um exame meditado, pela camara passada como altamente nocivo para o paiz, camara composta de cavalheiros cujas virtudes civicas, cujo saber e distinção tem sido por muitas vezes tão enfaticamente exaltado por differentes caracteres politicos pertencentes a esta situação, e nomeadamente pelos srs. ministros; todavia a commissão agora intendeu que esse mesmo decreto, que aquella camara conspícua rejeitou como prejudicialissimo, e de manifesto interesse publico!.. entre a camara passada e o governo, a commissão optou pelo governo, o a conclusão logica desta opção ou preferencia é, attentas as declarações lautas vezes repelidas de que aquella camara tinha sido fructo de eleições libérrimas — e composta das principaes capacidades do povo, a conclusão logica desta opção feita pela commissão, é, que uma camara por mais livremente eleita que seja, por mais illustrada, por mais patriotica, fica sempre inferior em capacidade governativa ao poder executivo, como quer que este seja composto!...

Pura mim não vale a illação porque rejeito o parecer da commissão, porque longe de considerar o decreto de 3 de dezembro de 1851 de manifesto in-

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teresse publico, pelo contrario intendo que elle foi orna calamidade para o paiz. E se provado fosse que a situação governativa, na data daquelle decreto era difficil, se o sr. ministro da fazenda não sabia occorrer a essas difficuldades, e não podia governar segundo os principios de justiça universal, e preceitos da carta constitucional, com elles conformes, devia saír do ministerio; cumpria que largasse o poder cem vezes antes do que adoptar uma medida ião violenta, ião injusta, oppressiva, e desigual como a que se contém nesse famoso decreto de 3 de dezembro de 1851. Mas note-se (porque isto aggrava o procedimento do sr. ministro) que já o meu nobre amigo e collega, o sr. Avila, demonstrou na sessão passada, que era possivel na situação em que o sr. ministro da fazenda estava, saír dos apuros financeiros com que se via a braços, sem recorrer a similhante extremidade!..

Quanto ao segundo periodo da dictadura diz a illustre commissão — Que intende que alguns dos actos ditatoriaes do governo foram a consequencia necessaria do estado em que o mesmo governasse achou collocado depois da dissolução da camara: outros exigidos por imperiosas necessidades publicas, e todos com a intenção manifesta, não só de satisfazer, por um modo mais conveniente ao serviço publico nos seus differentes ramos mas tambem de desinvolver a riqueza nacional seguindo os progressos da sciencia.»

Sr. Presidente, a situação em que o governo se achou collocado depois da dissolução da camara transada, situação invocada para justificar a assumpção da segunda dictadura, seria uma razão procedente, e não perigosa, se por ventura o governo se tivesse limitado ao que era de estricta necessidade que elle fizesse, isto e, ao decreto eleitoral e á lei de meios, e mesmo a respeito dos decretos sobre estes dois objectos observarei que não são unanimes as opiniões dos homens que estudam estas materias, e procuram acertar no juizo que dellas fazem.

Ha mais, sr. presidente; quando na camara transacta se tractou de uma auctorisação provisoria para o governo cobrar os rendimentos publicos, deste lado direito da camara houve quem lembrasse que podia haver uma dissolução da camara, e o governo ficar privado da auctorisação legal para cobrar os impostos e rendimentos publicos: o governo então não admittiu esta idéa, mas o resultado veiu justificar — que as reflexões que se fizeram do lado direito da camara, eram muito bem fundadas — Mas postas de parte estas considerações incidentes, e tractando da doutrina contida no parecer da illustre commissão, digo que se a dissolução de uma camara é razão justificativa para um governo qualquer assumir a dictadura, estamos nesse caso em risco de ter frequentes dictaduras, porque qualquer governo póde crear de proposito uma collisão entre elle e a camara, dissolver esta e assumir a dictadura!! E querem os illustres deputados estabelecer uma similhante doutrina, e um tal precedente?..

Sr. presidente, a commissão, porém, intende que o governo deve ser similhantemente absolvido da usurpação que commetteu, do poder legislativo, no segundo periodo da dictadura, e que devem ser approvados pela camara os actos que o mesmo governo decretou, porque esses actos procederam da intenção manifestei (diz a commissão) de satisfazer, por

um modo mais conveniente ao serviço publico, nos seus differentes ramos! Quer dizer — Que o governo sabe satisfazer melhor ás necessidades do serviço publico, e portanto que as camaras sabem satisfazer peior; é chegar a identico resultado por differentes caminhos, isto e, ao descredito do systema parlamentar; porque se as camaras não servem para regular os methodos de satisfazer ao serviço publico, para fazer nos quadros das repartições as reformas necessarias; se não tem sabedoria, actividade, e zelo para desempenhar esta parte importante do seu mandato, então não sei para que sirvam; neste caso era melhor acabar com a representação nacional — se o governo é que tem a habilidade, o saber, o zelo, e a dexteridade para acudir ás necessidades do serviço publico, é melhor que a camara lhe entregue por uma vez o poder legislativo. Se é esta a vossa opinião, senhores, confessai o francamente, mas não se chegue a este resultado por meios indirectos, desacreditando, e tornando ridicula esta fórma de governo.

Sr. presidente, assumpto é este para meditação profunda! Parece-me que reflectindo se bem, poderemos concluir que hoje, no anno da graça de 1853, estamos muito mais atrazados na intelligencia e na execução e observancia desta foi ma de governo, e dos seus principios fundamentaes, que a nação tem realmente muito menos parte na direcção dos seus negocios, do que no tempo dos antigos nossos reis, principalmente da casa de Aviz. Nesse tempo, sr. presidente, os estados do reino não tinham voto deliberativo, entretanto os seus pedidos eram escutados muitas vezes pelos monarchas, e por elles attendidos, e hoje, sr. presidente? Hoje é o governo que legisla, hoje é o governo que impõe a sua vontade nos representantes do povo, hoje é o governo que manda confeccionar decretos sobre decretos, de grande alcance e difficuldade, que excedem, segundo um calculo que já ouvi fazer, o numero de mais de um por dia desde o momento em que o governo foi atacado desta febre legislativa; e depois de tudo isto feito e enfeixado entrega-o ao parlamento e diz-lhe: Aprovai porque o que nós fizemos, e o que devia fazer-se para utilidade desta nação; o que nós fizemos, tende a melhorar em tolos os seus ramos o serviço publico; o que nós fizemos, e de manifesta utilidade e interesse desta nação; e vós ou não sabeis, ou não tendes a actividade, diligencia e assiduidade nos trabalhos, necessaria para acudir as precisões deste povo; e desgraçado delle (!!) se para o livrar dos perigos e enfermidades que o affligem, carecesse elo vosso auxilio!...

Sr. presidente, isto em duas palavras traduz-se no seguinte — O procedimento deste ministerio desde a sua organisação até agora é a morte do systema representativo por factos, pelo despreso practico de todos os seus preceitos, e dogmas — o parecer da illustre commissão propondo que se approvem os actos das duas dictaduras pelas razões em que se funda, é a morte do Systema representativo justificada pela theoria!!

O governo destroe o systema representativo pelos factos, a commissão encarrega-se das razões justificativas desses factos!

Tenho muito pezar, lamento muito que não esteja presente um illustre deputado, meu amigo, a quem muito respeito, cujas opiniões ouço sempre com especial attenção, e lamento ainda mais elle falte á camara por motivo de molestia; fallo do sr. Roussado

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Gorjão, auctor do folheio que tenho na mão. É um dos illustres membros da commissão que examinou os actos da dictadura, e ha boas razões para crer que s. ex.ª seja um bom commentador das opiniões da commissão de que elle faz parte. Quer v. ex.ª e a camara ouvir como o que eu disse se acha confirmado pelas palavras de s. ex.ª — Neste folheio intitulado — Exposição franca, sincera, e leal, da humilde opinião de João Damásio Roussado Gorjão, sobre as conveniencias de suprema importancia, na situação actual do paiz, diz s. ex.ª — «É indispensavel reconhecer a gravidade da complicação a que se hão elevado as difficuldades financeiras do paiz, e calcular bem os perigos (note-se bem) de sujeitar a definitiva decisão de todas, e cada uma dellas, ao simples e mero influxo das discussões, votações, e deliberações parlamentares...»

Sr. presidente, se nestas palavras, o nos periodos subsequentes, que não leio para não fatigar a camara, não está clara, e terminantemente proscripto o systema parlamentar, confesso que não intendo o mais obvio sentido das palavras da lingoa portugueza! Intende o auctor desta brochura que é perigoso e nocivo ao paiz que a decisão das questões financeiras, de todas as mais importantes, seja entregue á discussão, e resolução da camara! E são estas as opiniões de um illustre deputado, membro da commissão, que ainda ha poucos dias sustentou na camara, e neste mesmo debate, que todos os graves males que nos affligem, e que affectam principalmente o thesouro, procedem dos actos da dictadura em 18441! O guantum in rebus inane!

Estou persuadido que o nosso illustre collega, auctor deste folheto tem a plena convicção da procedencia destas suas razões, está convencido da verdade, dos principios que adopta. Eu não o estou; mas tomo as palavras de s. ex.ª como fiel commentario do parecer da commissão!!

Sr. presidente, e commissão accrescenta que os actos deste segundo periodo devem ser approvados porque por elles o governo tractou de desenvolver a riqueza nacional segundo os progressos da sciencia. Desejava eu muito que um dos illustres membros da commissão se désse ao trabalho de desinvolver de modo que fosse para mim claro e convincente este principio, esta razão de decidir que adoptou no seu parecer — os actos do governo devem ser approvados porque tendem a desinvolver a riqueza nacional segundo os progressos da sciencia??

Olhando para as cousas como ellas á primeira vista parecem, póde se affirmar que esta razão dada pela illustre commissão é um verdadeiro e pungente epigramma feito ao governo. Quaes são os desinvolvimentos da riqueza deste paiz que sejam resultado dos actos da dicladura, e que estejam conformes com os programmas da sciencia! Quaes são esses melhoramentos resultados desta situação, e de algumas das providencias tomadas? Prejuizos enormes, damnos consideraveis feitos por esta administração, resultado dos seus actos, podem calcular-se muitos, já foram até apresentados nesta camara, reproduzidos, e expressos em cifras nos mappas publicados no diario do governo! É facil em vista de muitos dos actos deste governo demonstrar que o credito foi profundamente abalado; é facil provar que a oscillação existe em todas as fortunas — que a fé dos contractos foi rasgada; que o quebrantamento da fé publica foi arvorado em systema de governo; que os fundos portuguezes foram excluidos do melhor mercado da Europa! É facil dizer e provar que as medidas tomadas por este ministerio geraram a desconfiança a respeito de tudo quanto depende da resolução, e intervenção do governo, o receio constante a respeito da continuação dos ataques á propriedade, imminente no espirito de todos a idéa de que se quer chegar a uma bancarota completa. Serão estes os elementos do augmento da riqueza nacional segundo os progressos da sciencia, a que se refere a illustre commissão! Qual será o beneficio real, e palpavel que esta nação deve á dictadura dos senhores ministros? Muito estimaria que a illustre commissão o designasse! O tacto do governo, a sua proficiencia, e o seu zelo pelos interesses deste paiz, mostra-se exuberantemente nos actos, ou nas providencias que elle tem tomado, ou diz que tem tomado mais a peito — Uma das cousas que se diz ter occupado mais a attenção deste ministerio, tem sido a idéa do caminho de ferro de leste; tem este sido o thema de encomiasticos louvores, de muito longas observações e esperanças, e é todos os dias invocado pelos defensores do ministerio como a suprema razão da salvação delle, da sua conservação no poder, visto que é este o governo que tracta do fomento (palavra consagrada) desta terra portugueza! Parece que a civilisação de Portugal e a sua prosperidade depende essencialmente da existencia ministerial de ss. ex.ªs!! Os governos anteriores não tinham tido esta idéa fecunda! lista idéa nasceu com este ministerio! Esta idéa é o seu verdadeiro programma de administração!! Esta idéa, e a realisação della é a corôa de immarcessivel gloria que ha de ornar-lhes a fronte! E todos os que duvidam, não digo da utilidade desta empreza, mas da conveniencia, da prudencia, da legalidade, da efficacia dos meios empregados para conseguir este grande fim, diz-se que são inimigos do fomento, da prosperidade deste paiz, são rotineiros, são não sei se fosseis!!!

Sr. presidente! Era neste ponto que eu queria ver desinvolvidos bem, segundo os principios e progressos da sciencia, todos os preceitos e exemplos que os governos dos differentes paizes do Mundo teem seguido e adoptado, quando querem sincera e verdadeiramente levar a cabo emprezas de tamanha utilidade.

Pergunto porém, senhores, tendes a consciencia, podeis dizer com a mão sobre o coração, que neste negocio do caminho de ferro de certo o governo tem procedido, e caminhado até agora segundo os principios da sciencia, verdadeira, e vehementemente animado pelo sincero desejo de levar a cabo esta empreza? Tendes a consciencia disto? Respondei: como principiou o governo? Todos intendem, os menos como os muito versados na historia dos caminhos do ferro, que o caminho de ferro de Lisboa á fronteira póde ser um elemento de immensa prosperidade para este paiz, póde converter até certo ponto dentro em poucos annos o nosso estado de abatimento, e marasmo e atrazo, n'um estado de actividade, de esperança, e de vida!!

Mas em que caso! Se esse caminho de ferro servir para nos pôr em rapido, e immediato contado com Madrid, e com as outras capitaes da Europa. Qual era portanto a primeira condição a preencher, emprehendida esta obra? Eia saber se o governo da nação visinha estava resolvido a vir a um accordo comnosco sobre o modo, o logar, o tempo, e as cou-

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dições do entroncamento do nosso projectado carril de ferro com outro que viesse de Madrid á nossa fronteira! Pergunto; satisfez-se a esta primeira condição que o bom senso aconselha, e que todas as razões politicas inculcam como uma cousa indispensavel! Se o governo tentou isto, creio que não foi feliz na tentativa; e se não tentou, os srs. ministros foram negligentes como homens de estado. Eu quero e desejo que a empreza de caminho de ferro vá por diante, e que seja construida e levada até a nossa fronteira, mas o que é verdade é, que se ella não for levada d'ahi por diante; se a Hespanha por motivos de seu interesse não quizer continual-o, ou se exigiu condições ou modificações taes nas nossas pautas, ou outras que não sejam acceitaveis, o que se segue, é que esta linha ferrea em logar de nos ser de utilidade, ha de trazer-nos um encargo com que o nosso thesouro não póde. (Apoiados da direita) fi haverá por ventura neste modo de proceder aquella tactica governativa, aquelle zelo e dedicação a bem do seu paiz que distingue o homem de estado? Parece-me que o procedimento do governo está bem longe disso! E como se isto não fosse bastante, passou-se do systema da garantia do juro de 6 por cento e 1 por cento para a amortisações álem do bonus de 3 por cento por uma só vez, ficando o governo com o direito da fiscalisação economica, e technica das obras — para o systema da empreitada com um preço certo por kilometro. Do systema da construcção á custa da companhia concessionaria, passou-se para o systema de construcção á custa do governo e da companhia! E tudo isto sem haver nova praça, e novo concurso!

Quanto á fixação do preço do kilometro, pergunto: attendeu-se por ventura ás necessidades do paiz? Seguiram-se por ventura as regras da sciencia — aproveitaram-se os exemplos, e as lições da experiencia de outras nações? Como explicar a desigualdade entre este preço convencionado sem praça, e sem concurso, com o preço porque outras nações contractam os caminhos de ferro? Pois o preço de 50:500$000 réis por kilometro, que com o bonus anda por 52:000$000, fóra os materiaes, estará porventura em harmonia com as nossas circumstancias e com o que se practica em outras nações mais adiantadas? Quando a Suissa, o paiz mais montanhoso, e talvez mais difficil da Europa para a construcção destes caminhos, chamando, antes de contractar, o famoso engenheiro inglez Stephenson para os planos, a direcção das linhas, e indicar o custo medio, chega ao resultado de que as suas vias ferreas devem custar 157:000 francos por kilometro por uma via, 170:000 francos por duas, isto é, 24 ou 28 contos por kilometro, os srs. ministros não tendo em attenção nenhuma as circumstancias do nosso thesouro, e o que passa lá fóra, contractam com um estrangeiro a feitura de um caminho de ferro, e promettem-lhe 52:000$000 por kilometro??? Quaes são, sr. presidente, as ponderosas considerações, as bazes, as informações e dados estatisticos, os calculos e os traçados, pelos quaes se chegou a este resultado?! Pois quando a Hespanha faz abrir um concurso para a estrada de feno de Socillanos á Ciudad Real, concurso que veiu publicado na Gazeta de Madrid, que se abriu em 11 de março para findar em 31 de agosto proximo futuro; quando para entrar nesse concurso se exige um deposito de reis 160:080$000, e o preço fixado para, cada legoa, abaixo do qual tem de ser feitas as propostas é de 2:600:000 reales por legoa de 5:562 melros, ou 21:500$000 réis por kilometro, comprehendendo se nisto a construcção de um telegrafo electrico subterraneo, e o material circulante a saber: dez locomotivas com seus tenders, 54 canoagens para passageiros e 70 carros para transporte de mercadorias: quando, repito, o preço do caminho hespanhol será apesar de todo estes encargos de 21:500$000 por kilometro, o preço do caminho portuguez ha de ser de 52:000$000 contos, além das madeiras do estado??? Admire bem a camara e o paiz como o governo portuguez caminha em todos os seus actos segundo os verdadeiros interesses do paiz, e segundo os progressos da sciencia!

Mas isto ainda não é tudo. Eu tenho a este respeito grave duvidas: estou persuadido de que não obstante as declarações feitas aqui em outras sessões pelo nobre ministro da fazenda, e com as quaes s. ex.ª quiz fazer persuadir a camara de que, tudo quanto se tinha resolvido neste negocio era provisorio e ficava dependente da sua approvação, e que ainda quando as resoluções tomadas fossem menos convenientes, ellas não inportavam prejuiso para o estado, s. ex.ª quando assim se exprimiu, esqueceu-se de um dos actos do seu ministerio com referencia a este objecto, que trouxe para o estado a perda definitiva, e não provisoria irreparavel de 10:000 libras sterlinas!! Pó de ser que eu esteja enganado, e estimarei muito que o sr. ministro me demonstre que effectivamente o estou.

É sabido que a empreza que obteve a concessão provisoria do caminho de ferro, não se habilitou nos lermos do programma de 6 de maio de 1852, nem dentro do tempo que o mesmo programma marcava. O sr. ministro da fazenda e obras publicas concedeu a esta empreza mais quarenta dias para satisfazer as condições exigidas para obter a concessão defenitiva. S. ex.ª sabe que a portaria de 7 de fevereiro que concedeu esta prorogação de prazo, impôz aos emprezarios, a obrigação comminatoria de que se, dentro deste prazo, não satisfizessem ás condições do programma, e sobre tudo se não mostrassem que tinham subscriptores ou accionistas pelos do capital social, e se não verificassem o deposito das 40:000 libras em dinheiro ou em fundos publicos portuguezes, pelo valor do mercado, perderiam a caução provisoria. Pergunto: satisfizeram os emprezarios a esta condição? Não, nem a uma, nem a outra; e ahi estão para prova-lo os documentos officiaes do ministerio das obras publicas em data de 28 de março ultimo! O sr. ministro em vez de procurar tornar effectiva a comminação da perda pela supposta companhia, e a favor do estado, da caução provisoria das 10:000 libras, por seu mero arbitrio dispensou nas condições anteriores, e novou o contracto:

1.º Exigindo subscriptores por 2/3 do capital social da empreza em vez dos ¾.

2.º Associando o estado á empreza pela subscripção de 1/3 do capital social.

3.º — Consentindo que a caução para a concessão definitiva seja feita não já em dinheiro, ou em fundos publicos portuguezes pelo seu valor no mercado, mas em lettras!

4.º Cedendo generoso por conta do thesouro portuguez das 10:000 libras da caução provisor a, para que estas, juntas as lettras de 30:000 libras, a 90

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dias — vista, perfizessem as 40$000 libras exigidas para caução da concessão definitiva!

Maravilhoso exemplo de zelo e interesse pelos negocios publicos a favor de uma companhia, manifestamente inhabilitada para o desempenho da obra que por força se lhe pertende dar! O governo por generosidade cedeu em beneficio do emprezario Hislop as 10$000 libras da caução provisoria — e cedeu irremissivelmente desde que fez novação no contracto! Converteu uma caução segura e importante, como era a caução das 40$000 libras em dinheiro sonante ou em titulos pelo verdadeiro valor no mercado, n'uma garantia tão fallivel como são lettras, e ainda mais lettras sacadas a 90 dias — vista!

Quantas circumstancias podem nesse intervallo influir nus situações reciprocas do sacador ou do sacado para que não sejam pagas as lettras? Que vantagem, que argumento, e que grande motivo de interesse publico póde o sr. ministro das obras publicas invocar, para que isto se fizesse? Que ligação essencial lerá com a construcção do caminho de ferro de leste o sr. Hislop, para que o sr. ministro de concessão em concessão acuda, por novos actos seus, para evitar a completa decadencia e anniquilamento da supposta empreza? Onde descobrir em todo este procedimento do governo o cunho do saber, do zelo vigilante, da previdencia, da illustração do homem de estado? Onde encontrou a illustre commissão nestes netos os progressos da sciencia?

Sr. presidente, tractando deste objecto liga-se immediatamente com elle outro, que tem chamado muito a attenção do publico, e que póde ser nos seus resultados fatalissimo a este paiz. Falto do projecto para a rescisão do contracto do monopolio do tabaco. A proposta foi apresentada em março, e o sr. ministro não tinha ainda estudado quaes eram os verdadeiros meios que devia adoptar para substituir a importante receita proveniente daquelle monopolio: ficou adiada para ser estudada pelo governo, e estamos a 21 de abril, e ainda se não sabem quaes são os pontos em que s. ex.ª concorda, e que devem servir de base á proposta que ha de apresentar á camara!! Entre tanto já só da apresentação da proposta tem resultado no publico graves apprehensões, e talvez já consideraveis males. O sr. ministro da fazenda mesmo avalia mal a sua propria situação de ministro, se tem na verdade a intenção de insistir neste negocio, e de traze-lo á discussão da camara.

Sr. presidente, não sei como no nosso estado financeiro se possa de repente prescindir de mil e tantos contos de réis, provenientes de um monopolio que reduzido ao tabaco sómente não affecta genero algum de primeira necessidade, que é facil de subtrahir á concorrencia habitual, e cujo fabrico, pela sua simplicidade, não é susceptivel de aperfeiçoamentos importantes para o progresso das artes industriaes. Intendo, digo, que este procedimento do sr. ministro póde ser tudo, menos prudente, menos politico, menos previdente.

Sr. presidente, eu sei que os economistas censuram em geral os monopolios, e dizem que devem ser abolidos; mas quando os monopolios recaem sobre generos como o tabaco, olhe o sr. ministro para o que se faz em paizes mais adiantados, na Inglaterra, na França, e veja o que dizem sobre este monopolio especial alguns distinctos economistas. Passy diz: — «Que o monopolio do tabaco, bem considerada a natureza do producto, e a das necessidades a que satisfaz, não é mais oppressivo, nem mais prejudiciais do que outro qualquer imposto, pelo qual se levante dinheiro para o serviço do estado; e que se «não póde descobrir, nem é facil de apreciar o que «lucraria o publico em que as sommas que elle paga, e que em todo o caso terá de pagar, em vez de «serem tiradas do tabaco, e do rendimento desse «monopolio, sejam tiradas d'outra fonte, parecendo «que se diminuem os encargo? dos contribuintes de num lado, para os tornar mais pesados do outro! Eu não tocar de proposito neste instante em outras considerações, em que esta questão se prende. Direi unicamente que na apresentação da proposta para a rescisão do monopolio do tabaco não foram bem attendidos, e ainda menos conciliados nem os sãos principios da sciencia, nem o manifesto interesse publico. A commissão continua dizendo: «A commissão não desconhece a illegalidade das dictaduras, os perigos que ellas encerram, e a offensa dos principios que o seu exercicio importa; mas a commissão apreciou menos a illegalidade que os resultados; menos o principio e origem da dictadura que os seus effeitos economicos.»

Sr. presidente, grandes devem ter sido os effeitos economicos desta dictadura, para que pelo complexo delles a commissão intenda que deve lançar sobre todos absolvição plenaria, e passar-lhes assim o diploma de leis do estado!!

Sr. presidente, parece-me que ha um meio de bem comparar, conhecer e avaliar estes effeitos economicos dos actos da dictadura, sem recorrer a meios externos, invocando só, ou as proprias palavras dos ministros n'alguns dos seus relatorios, ou algumas das proposições contidas nesses actos, confrontando-as com os factos, e com asserções posteriores, ou em fim comparando o procedimento dos ministros com as suas proprias palavras, e notando a contradicção constante em que luctam. Vejamos se por este modo podemos conhecer alguns dos effeitos economicos da dictadura!!

Pelo decreto de 3 de dezembro de 1851 diz-se: — que adoptada aquella providencia, fica o governo habilitado para gerir os negocios publico?, e libertadas as rendas publicas das antecipações que existiam tanto no restante daquelle anno economico de 1851 a 1852, como no seguinte de 1852 a 1853 —! E sabe v. ex.ª como os factos respondem ás asserções dos srs. in inibi los? Em primeiro logar era sabido que o governo pertendera em vão que o banco do Porto lhe descontasse lettras do contracto do tabaco, que se haviam de pagar pelas mezadas futuras, o que constitue uma verdadeira antecipação — Em segundo logar no Diario do Governo n 0 65 de 18 de março ultimo vê-se que o thesouro em 31 de dezembro de 1852, isto é, no fim do 1.º semestre de 1852 a 1853, devia de antecipações 730:709$680 réis!! Quer dizer quasi tanto como lhe deixou o meu collega e amigo o sr. Avila quando saíu do ministerio, pagando todos os encargos do estado, e supprindo extraordinarias despezas, occasionadas pela revolta de abril de 1851.

Vamos ao segundo effeito economico. O decreto de 3 de dezembro de 1851 promette, que executadas as suas disposições, desapparece) á o deficit em relação aos 6 mezes subsequentes daquelle anno economica, e ficará equilibrada a receita com a despeza no futuro anno economico de 1852 a 1853! — E, todavia, um

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anno depois apparece o decreto de 18 de dezembro de 1852, que nos vem convencer que apezar dessa promessa do decreto de 3 de dezembro, o deficit que devia estar morto, continua a existir; e que continua o desequilibrio da receita com a despeza publica, que pelo decreto de 3 de dezembro tinham ficado equilibradas; e em fim que estavam em 18 de dezembro desembaraçadas todas as rendas, sobre as quaes, em 31 de dezembro, como posteriormente se viu, pesavam antecipações de 736:709$680 réis!!

No relatorio do decreto de 3 de dezembro de 1851 diz o governo: — Que decretava a deducção extraordinaria de 5 por cento mais nos ordenados dos empregados do estado só por aquelle semestre, e que obtidos estes e outros meios de que no mesmo decreto se faz menção, proporia na proxima reunião das côrtes um, orçamento, e leis de meios sem novos sacrificios.» Sabe v. ex. o resultado dessa pio nesta? Foi apparecer o decreto de 18 de dezembro de 1852, que estabeleceu a reducção nos juros da divida consolidada interna e externa; a deducção nos empregados publicos continuou, e continua! A diminuição na amortisação das notas do banco de Lisboa augmenta! E as espoliações ao banco de Portugal cresceram e multiplicaram-se! Estes são os effeitos economicos invocados pela commissão!

O relatorio do decreto de 18 de dezembro diz: — Que o credito se inspira, promettendo sómente o que é possivel cumprir, e cumprindo religiosamente o que se promette.» E este mesmo governo, que assim professa de cadeira, esqueceu-se de que prometteu, no decreto de 3 de dezembro de 1851 o que não podia cumprir, e de que não cumpriu o que prometteu!

Na sessão legislativa de 1852, quando se discutia a questão da capitalisação suscitada pelo decreto de 3 de dezembro de 1851, o sr. ministro da fazenda, respondendo ao illustre deputado o sr. Silva Pereira, rejeitava a proposta do illustre deputado para a reducção do juro da divida publica com o fundamento de que similhante indicação destruiria o nosso credito fóra do paiz, e obstava a que obtivessemos os capitaes de que careciamos para os melhoramentos materiaes, de que este paiz tem ião urgente necessidade! E o proprio sr. ministro da fazenda que assim se exprimira, 5 mezes depois adoptou a mesma medida que rejeitára, e affirmou no relatorio do decreto de 18 de dezembro que da reducção (forçada) do juro e que devia nascer o credito do paiz!!!

Sr. presidente, no relatorio deste mesmo decreto diz o governo que as deducções temporarias nos juros da divida fundada são um sêllo de depreciação nos nossos titulos! E para fazer desapparecer esse ferrete de depreciação (quem o acreditara!) o mesmo ministro no decreto subsequente no relatorio sustenta a mesma deducção que existia, nos titulos da divida externa; eleva-a ainda mais nos titulos da divida interna, e converte-a, de temporaria que era, em permanente!!

No relatorio do decreto de 3 do dezembro de 1851 diz-se — » que os possuidores de fundos devem de bom grado abraçar esta medida, pelo prospecto que ella offerece de regularidade, e de organisação de fazenda publica,»!

Depois disto, sr. presidente, veiu o decreto de 18 de dezembro de 1852 dizer: — que essa organisação, essa regularidade não se podia obter sem nova reducção nos juros da divida fundada interna e ex-terna.»

Na sessão legislativa passada, o sr. ministro da fazenda motejou a commissão de fazenda e um sr. deputado, por affirmarem que o deficit era de 800 contos, aproximadamente, e s. ex.ª fundando-se em documentos officiaes, sustentou que o deficit era apenas de 189 contos, com o qual, dizia s. ex.ª seria vergonhoso a um ministro não saber governar! Na sessão porém, na camara dos dignos pares, de 21 de março do corrente anno, o sr. ministro da fazenda disse, que o deficit em 1852 era de 700 contos! E que havia de provar com documentos officiaes que o deficit no orçamento futuro é de 21 contos! Provavelmente o tempo ha de mostrar, e talvez mesmo pela bocca do sr. ministro, que o deficit de 24 contos é tão exacto como o ele 189 contos em julho de 1852!

No relatorio do decreto de 18 de dezembro diz o governo — Que as deducções nos juros da divida fundada tinham o grande inconveniente de deixar em perspectiva alguns direitos, que. ainda que indefinidos, eram sufficientes pela sua existencia sómente para significarem uma especie de descredito.»

Para evitar este grave mal o governo intendeu que o remedio mais efficaz e seguro consistia em tirar aos credores toda a esperança de reparação, e de justiça?

No decreto de 18 do dezembro diz o sr. ministro — Que a taxa do juro não influe no valor dos fundos publicos.» — Ora se isto não fosse uma heresia economica, deveriam os fundos francezes de 3 por cento valer o mesmo que os de 4 e meio por cento; e todavia estes vem cotados a 105, e aquelles a 80. Como já tive occasião de tractar desta proposição, não tractarei de a desinvolver agora; e de passagem direi apenas, que, se o valor de todos os fundos publicos não sobe sempre, e regularmente na proporção da taxa do juro, é porque a falla de confiança, consequencia desastrosa do descredito de alguns governos, neutralisa aquelle resultado.

No relatorio do decreto de 18 de dezembro de 1852 diz-se — Que o unico meio de fortificar o credito é a adopção da reducção do juro, tomando-se por este modo uma medida que inspirasse confiança pela capacidade em que por ella ficaria o devedor de satisfazer aos seus encargos.

Parece porém que o sr. ministro da fazenda, ou o governo, ou não viu, ou não quiz vêr, que adoptada essa medida, e reduzido o juro, o devedor ficou exactamente nos mesmos termos em que estava, senão ficou peior, porque se a reducção do juro produziu uma economia de 350 contos, a capitalisação feita em virtude do decreto de 3 de dezembro de 1851 augmentou os encargos do thesouro com 275 contos, e se, como cumpre, se addicionar a importancia futura dos juros da divida deferida correspondente á importancia das deducções temporarias, feitas nos juros da divida consolidada anteriormente ao decreto de 18 de dezembro, vêr-se-ha que a economia resultante do decreto de 18 de dezembro de 1852 não chega a cobrir os encargos a mais que provieram do fatal decreto de 3 de dezembro de 1851, de sorte que se houve necessidade urgente e verdadeira para a reducção decretada em 18 de dezembro, essa necessidade é filha da desastrosa medida de 3 de dezembro de 1851, e se como receio, as nossas circumstancias,

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como devedores, são em logar de melhores, muito peiores que antes da ascensão ao poder do ministerio actual, a verdadeira causa deste mal está na perniciosa gerencia deste ministerio, no decreto de 3 de dezembro de 1851, e em todos os outros actos seus anteriores e posteriores, pelos quaes fez crescer em muitos centenares de contos de reis as despezas do estado!

Senhores, se o credito se inspira fallando a verdade, e demonstrando-o por factos, como este governo disse, ou fez escrever no relatorio do decreto de 18 de dezembro, reflecti como se coaduna com este principio que na sessão legislativa de 1852 declarasse o sr. ministro da fazenda que o deficit era insignificante, e de tal modo que faria vergonha a qualquer ministro não saber governar com elle, e que pouco depois viesse o decreto de 18 de dezembro referendado pelo mesmo ministro, mostrar á nação que sacrificios exige o lai deficit insignificante!!

Que se prometesse extinguir o deficit pelo decreto de 3 de dezembro de 1851; que ainda se fizesse com o vi esmo fim e pretexto a reducção forçada dos juros da divida fundada em 18 de dezembro de 1852; que com igual pretexto, disfarçado em outras palavras, a organisação definitiva do fazenda, se decrete em 31 de dezembro a contribuição directa de repartição? E em fim que a despeito de tudo isto o deficit, o amaldiçoado deficit tome a apparecer no orçamento de 1853 a 1854!

O parecer da illustre commissão diz no § 5.º — Assim a commissão considerando que tinha impossibilidade moral de descer ás especialidades de cada um dos decretos, etc...

Já mostrei, no que me parece, com razões incontestaveis que propôr a uma camara legislativa, que approva como leis do paiz decretos, que não examinou, a que não conhece, equivale á anniquilação completa do systema parlamentar pelo ridiculo. — Mas visto que a commissão julgou poder salvar-se do abysmo a que conduzia similhante premissa, accrescentando — Que intendeu que se devia limitar á apreciação dos actos da dictadura no seu complexo, e naquellas relações mais salientes que as prendem á manutenção da ordem publica, á conservação das liberdades patrias, e ao ma cimo desenvolvimento dos interesses do paiz, pela prudente applicação dos principios economicos, geralmente recebidos» — observarei que é muito para lamentar que a illustre commissão não descesse da sua altura á benevola condescendencia de revelar á camara algumas, pelo menos, daquellas relações salientes, segundo a sua expressão, que ligam os principios economicos geralmente recebidos aos actos da dictadura, e que mostram como esses principios foram prudentemente applicados em disposiçoes taes como as que se contém nos decretos de 30 de agosto, e 18 de dezembro de 1852!!!

A illustre commissão para concluir pela approvação dos actos dos dois periodos da dictadura, conscia da deficiencia de razões aglomera palavras, e invoca por exemplo, para titulos de legitimação dos decretos promulgados no primeiro periodo — V. A votação que houve na camara dos deputados, em 25 de junho de 1842, pela qual esses decretos foram declarados leis do paiz, em quanto não fossem revogadas pelo poder legislativo.

Deixando de parte muitas considerações a que estas palavras podem sei vir de thema, não posso, com tudo, deixar de notar que sendo a illustre commissão composta de individuos todos distinctos pelo seu saber, invocasse para fortalecer a conclusão que lira, a decisão tomada pela camara dos deputados na sessão passada, pela qual se declarou que os actos da dictadura eram leis do paiz em quanto não fossem revogadas pelo poder legislativo, sem reflectir que a propria commissão pelo seu procedimento vem declarar e estabelecer o contrario da sua asserção! Pois se os actos da dictadura são leis em quanto não forem revogados pelo poder legislativo, para que vem a illustre commissão apresentar um projecto de lei para que ellas continuem em vigor como taes? Em vigor estão elles. Na verdade esta rasão apresentada pela illustre commissão não é digna do saber e proficiencia dos respeitaveis membros que a compõem; em primeiro logar, porque a votação da camara passada tem contra si a votação posterior da mesma camara, quanto a uma parte essencial do decreto de 3 de dezembro de 1851; e em segundo logar, porque se a decisão da camara póde, até certo ponto, ser ponderosa para os membros della, não tem todavia força alguma obrigatoria nem para os outros cidadãos, nem para os outros poderes do estado, porque as opiniões da camara dos deputados são opiniões, e não leis. Mas se a illustre commissão crê na procedencia desta allegação, não será absurdo concluir pelo artigo unico do projecto de lei, que se segue ao parecer?

Se os decretos da dictadura são leis em quanto não forem revogadas pelo poder legislativo, para que os confirma a illustre commissão no seu projecto de lei? Pois as leis carecem de tal confirmação? Por ventura já alguem se lembrou de vir propôr que se confirme a ordenação do reino? As leis são de uma só natureza como taes, quanto á sua força obrigatoria; e se os decretos da dictadura precisam de ser confirmados, certo é que não são leis, aliás não havia motivo para serem submettidos ao juizo e approvação da camara. Na verdade basta o senso commum para ensinar que sendo os decretos da dictadura obra de um poder illegal, não podem ser leis obrigatorias; e se de feito alguns delles teem sido, ou estão sendo executados, não é pelo facto que se regula o direito. (Apoiados)

A commissão intende mais, que os actos da segunda dictadura procedem da mesma causa, são determinados pelos mesmos motivos que os da primeira.... Debaixo de um ponto de vista até eu concordo nesta parte com a illustre commissão. A primeira dictadura foi um abuso da força! A segunda teve a mesma origem. O que me parecia porém, e nisto é que infelizmente a commissão se separa da minha opinião, é que nem a primeira nem a segunda dictadura se tornavam por isso recommendaveis, e justificaveis!

Não se disse na camara passada em voz alti-sonante que se ápprovava a primeira dictadura, só porque era uma consequencia inevitavel da supposta revolução? Não foram amarga e severamente censuradas, criticadas, flagelladas as dictaduras exercidas em plena paz? Não se prometteu então que se havia, de votar contra estas? E agora?

Houve acaso guerra? Houve alguma revolta depois da dissolução da camara passada? Todos sabemos que não, mas a flexibilidade estadística modificou aquellas opiniões outrora tão austeras contra as dictaduras? A illustre commissão declara que o melhoramento

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em algumas disposições especiaes dos actos da dictadura se deve fazer pela fórma regular, sem obstar á execução delles em quanto a sua reforma, ou alteração se não realisar.»

Ha neste periodo a confissão clara de que os actos da dictadura teem defeitos e fôra preciso fechar os olhos á evidencia para o negar; mas a commissão propõe que assim mesmo se approvem, e que se remedeie depois o mal. Porém se o mal fôr irremediavel? Por exemplo: supponhamos que se executam plenamente as disposições tomadas a respeito da fazenda publica, e que dellas resulta a ruina dos estabelecimentos de credito do paiz, e das fortunas de muitos particulares, como pertende a commissão que se dê remedio posterior a esses males?...

Mas a illustre commissão de certo não viu que comprehendeu nesta conclusão, entre outros, um acto importantissimo da dictadura, contra o qual a commissão do anno passado se pronunciou, por isso que nenhuma excepção fez a respeito do decreto de 3 de dezembro, reprovado pela maioria da camara transacta, e por alguns dos cavalheiros pertencentes á maioria da actual? Além disso, a illustre commissão não está de accôrdo comsigo mesma nesta conclusão, nem os seus membros estão de accôrdo uns com os outros; porque o digno relator o sr. Maia já declarou e confessou neste mesmo debate, que intendia que os actos da dictadura não são mais que simples propostas de lei.

A illustre commissão vem propôr á camara, que approve actos, que ella mesma não examinou, não estudou, e nos quaes reconhece que ha graves defeitos, accrescentando todavia que podem depois ser remediados! Por ventura não haverá nesses actos muitos, cujas determinações tragam males que approvados pela camara, sejam depois irremediaveis? Pois os illustres deputados que devera conhecer as necessidades da nação, que reconhecem que muitos, ou alguns desses decretos não são conformes, nem com os principios de justiça, nem com o bem da sociedade para que são destinados, propõem desassombradamente que se approvem medidas a respeito das quaes já teem receios, apprehensões, e quasi certeza de que hão de causar males ao paiz?!..

Julgam que será facil, que será exequivel remediar depois esses males? Mas porque se não remedeiam antes? Para que se ha-de fazer preceder o mal ao remedio? Supponha-se que um individuo é perseguido e punido injustamente pela observancia do codigo penal, como se ha-de depois remediar o mal causado a esse individuo? Se em virtude, dos actos da dictadura, por effeito de medidas violentas, injustas, espoliadoras, fôr o credito publico arruinado, e destruido de todo, intender se-ha possivel que depois uma lei remedeie quando se quizer, todos esses estragos? Parece impossivel, que se digam, que se escrevam, que se profiram no parlamento asserções taes!

Sr. presidente, eu tinha tenção de fallar largamente sobre o codigo penal, mas nem tenho tempo para isso, nem o meu estado de saude me permitte; por isso limitar-me-hei a fazer brevissimas reflexões sobre algumas das suas disposições. Ninguem respeita mais do que eu as intenções dos illustres auctores do codigo penal, e principalmente o sr. Manoel Duarte Leitão, que pelo seu saber e rectidão, como magistrado, é digno de todo o respeito; (Apoiados) multa na verdade disposições no codigo penal, que só por irreflexão podem ter escapado aos seus auctores. A carta constitucional garante a liberdade de consciencia, e não permitte que alguem seja perseguido por motivos religiosos, salvo no caso de faltar ao respeito devido á religião do estado, ou de offender a moral publica.

Pergunto: estará em harmonia com esta doutrina da carta a disposição que se contém no artigo 139.º do codigo penal? Será indifferente que um homem que teve a infelicidade de mudar de crenças religiosas, perca o direito de cidadão portuguez, e fique sujeito, pelas disposições do codigo penal, no caso de depender a sua subsistencia de algum emprego que tenha do estado, á triste alternativa de morrer de fome, pela perda inevitavel desse emprego, reduzido á condição de estrangeiro na sua patria, e absolutamente impossibilitado de exercer os direitos politicos de cidadão na sociedade politica a que pertence? Dizei, senhores — não diz a caria constitucional expressa e terminantemente quaes os casos e os motivos, porque o cidadão portuguez perde os seus direitos politicos? Menciona a caria entre esses motivos a mudança de religião? Não diz ella tambem os motivos porque se suspende o exercicio desses direitos? Não diz o artigo 9.º § 2.º da carta que se suspende o exercicio dos direitos politicos por sentença condemnatoria a prizão, ou degredo em quanto durarem os seus effeitos? E não se acha nesse codigo penal promulgado pela vossa dictadura, a incrivel aberração de se mandar que continue a suspensão do exercicio dos direitos politicos além dos effeitos da sentença que comminou essa pena?

O codigo penal, disse-se hontem, vai ser immediatamente revisto — Seja revisto muito embora, e seja-o de modo que se lhe tirem os inconvenientes e graves defeitos que encerra. Era porém logico e racional que fosse antes da vossa approvação. Não quero agora entrar na analyse minuciosa desta materia; ella tem sido tractada Ião lucida, e tão profusamente por um dos illustres membros da outra casa do parlamento, e sel-o-ha talvez ainda n'outra discussão, que não me animo a disputar preferencias com tão illustrado censor, certo como estou de que não posso lançar sobre a materia maior clareza, nem tanta quanta os menos versados na jurisprudencia criminal acharão sem custo nas irresistiveis demonstrações, e observações de s. ex.ª

Reflectirei porém de passagem a respeito da disposição do codigo penal contra os ecclesiasticos que recuzem a administração dos tacramentos, sem motivo legitimo, que o sr. ministro do reino encarregado interinamente da parte da justiça julgou, quanto a mim muito erradamente, que tinha occorrido aos inconvenientes nascidos, ou possiveis dessa disposição do codigo por meio da portaria que mandou publicar.

Que a portaria servisse para acalmar certas apprehensões, certos escrupulos, e para obter assim occasionalmente o assentimento de pessoas que talvez se não obteria sem ella — concordo: — que a portaria resolva a questão — duvido — Mas ainda suppondo que a portaria do sr. ministro remova os inconvenientes arguidos ao codigo nesta parte quanto ao andamento do processo crime, no caso em que a recusa dos sacramentos provenha de um simples parocho, hypothese que pela portaria fica dependente da decisão do prelado diocesano, sem a qual o processo criminal não póde continuar em tanto quanto fôr dependente da acção promotora dos differentes agentes

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do ministerio publico — pergunto: para que prelado ha-de o juiz mandar, ou o agente do ministerio publico requerer que se mande a participação do crime, e o processo investigatorio no» lermos da portaria quando a recusa dos sacramentos provinha de insinuação ou ordem do proprio prelado? Não temos nós um exemplo, não temos um facto notavel, (que foi talvez a verdadeira origem das disposições do codigo a este respeito) que aconteceu na Sardenha por occasião da doença e morte do celebre ministro Sicardi? Não sabem os srs. ministros, não sabem os perigosos conflictos e peturbações a que o procedimento do clero para com esse ministro esteve para dar occasião? Não sabem que o conflicto não nasceu (se estou bem lembrado) do acto individual de um parocho, mas da execução das ordens do prelado? E para um caso analogo dá por ventura remedio a portaria? Não — a portaria é um desacerto accrescentado ao desacerto do codigo — É illegal se quiz constituir direito — inutil se o não constituiu — inefficaz se o estabeleceu? O que é certo é que são materias estas sobre as quaes deve haver muita cautella, e circumspecção antes que se legisle para não aggravar o mal que se pertende remediar! Diria mais que no codigo penal......Mas basta — deixarei o codigo.

Sr. Presidente, levantou-se aqui um terrivel combate sobre o decreto de 30 de agosto de 1852, que o sr. ministro da fazenda pretendeu, tinha sido muito injustamente avaliado, muito severamente apreciado, quando se disse por pane da opposição, que esse decreto — era espoliador e que rasgara um contracto. S. ex.ª empenhou-se em demonstrar que — nenhum contracto existia, e que portanto não fóra rasgado; que nem espoliação houvera, nem ou menos prejuiso feito aos interesses do banco.

Quanto á primeira parte, s. ex.ª empenhou a sua pasta de ministro, se houvesse alguem que tivesse o anojo de demonstrar que o decreto de 19 de novembro era um contracto. Já antecedentemente eu tive occasião de dizer ao sr. ministro da fazenda que depois das demonstrações feitas pelos illustres deputados os srs. Mello e Carvalho, Antonio da Cunha, e Avila, a pasta de s. ex.ª se estivesse embarcada na procedencia e rigor dessas demonstrações estava em grande risco. Felizmente, para s. ex.ª, cuido que foi isto um recurso oratorio e mais nada. — O decreto de 19 de novembro não e um contracto?!! Eu não devia na verdade voltar a este assumpto, porque o que se tem dicto a este respeito por parte dos illustres deputados que citei, é uma ampla demonstração de que o decreto de 19 de novembro é um contracto revestido da maior solemnidade que póde ter qualquer convenio ou convenção, em que se estipulam direitos e obrigações reciprocas entre o governo e uni cidadão, ou entre qualquer companhia e o governo; é além disso um contracto, cujas estipulações estão garantidas por um acto confirmatorio do poder legislativo com a sancção real! É portanto temeraria e paradoxal a asserção do sr. ministro da fazenda, de que o fundo de amortisação, não foi entregue ao banco de Portugal por um contracto!

O illustre ministro sabe de certo, que quando os contractos sobem até o parlamento, para serem confirmados, e que o são por uma lei, devidamente sanccionada, e promulgada, a lei que os confirma tem, para assim me exprimir, a sanctidade e o respeito de uma sentença nacional (Apoiados) e diz o illustre ministro que não é contracto, só por que nelle não figurou um tabellião!... Parece incrivel 1 Pois, sr. presidente, o que é um contracto? Já aqui foi dicto; é — toda a convenção em que duas. ou mais pessoas obrigam reciprocamente umas para com as outras a dar, fazer, ou deixar de fazer alguma cousa. O contracto é assim definido pelos jurisconsultos na sua maior generalidade; e pondo de parte as distincções que fazia o direito romano, e que não tem applicação alguma ao nosso direito, pergunto: não se darão estas condições essenciaes no contracto promulgado pelo decreto de 19 de novembro de 1846? Já se referiram as causas, de que me não occupo agora, que tinham collocado o governo em apuradas circumstancias, e que o moveram a fazer, pela portaria de 4 de novembro de 1846, ás direcções da companhia Confiança Nacional e do banco de Lisboa, a proposta assignada pelo conselheiro José Joaquim Lobo, pro-posta que continha certas e determinadas condições, ou bases de. um contracto, as quaes depois de discutidas, acceitas, ou modificadas por aquellas duas corporações, foram a final, approvadas tambem pelo governo, e convertidas no decreto de 19 de novembro de 1816. Os principios mostram ao illustre ministro, que todas as condições ou elementos essenciaes do contracto estão alli preenchidos, e reunidos; está o consentimento do governo e da companhia Confiança Nacional e do banco de Lisboa; isto é, o accordo das pessoas que contractam; está o accordo sobre o objecto, e condições propostas e acceitas; está a intenção de se obrigarem reciprocamente; está a capacidade legal das que intervieram no contracto para se poderem obrigar! Que lhe falta pois? Aonde está a lei, o principio, ao qual o illustre ministro se soccorra depois de tudo isto, para dar por não existente um contracto? Pois o official publico tem mais fé do que os ministros e secretarios de estado, que referendaram o decreto, e o poder legislativo, que o confirmou, e a real rubrica da sancção? Não ha um grande numero, o maior numero de contractos, nos quaes não é necessaria a escriptura publica? Aonde foi s. ex.ª todavia descobrir, que ella era necessaria para que se intendesse que o decreto de 19 de novembro de 1846, havia homologado um contracto?

Sr. presidente, a este respeito lembra-me agora, que era precisamente por estes principios, intendidos como eu os intendo, que a carta constitucional da monarchia no seu artigo 137, determinava, que se separassem da discussão e votação do orçamento, a parte da receita ou as contribuições applicadas aos juros, e amortisação da divida publica — reconhecendo assim a carta, como não póde deixar de reconhecer-se, que estando os juros e amortisação da divida publica assegurados e estabelecidos por contracto, não era possivel, era inconciliavel com o respeito devido a esses contractos, e por tanto com a manutenção do credito publico que se julgaste a sua observancia dependente da votação annual do parlamento! Veiu a chamada regeneração e o acto addicional alterou esta disposição da carta, sujeitando á discussão e votação annual das camaras, todas as contribuições sem distincção! A camara avaliará agora, se foi prudente a alteração feita por este modo na caria!!

Sr. presidente, as condições essenciaes aos contractos são de direito natural, e as leis civis não pódem a este respeito senão cercar de formulas, senão pro-

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teger com a garantia da lei estes elemento? doa contractos: não podem altera-los, nem destrui-los! Não sahe o illustre ministro, que as leis ou são constituintes ou regulamentares, ou tomam o caracter de actos administrativos, e que n'estas circumstancias estão todas aquellas que confirmam uma determinada estipulação? Esta doutrina se fôra só minha, teria para o illustre ministro pouca auctoridade, mas é a que sustentam os jurisconsultos que escrevem sobre esta materia. Quer o illustre ministro saber o que diz um jurisconsulto distincto? Berryat Saint-Prix, na sua theoria de direito publico constitucional, diz: que o legislador não póde impôr a si mesmo obrigações, restrictivas, e limites que não sejam os que lhe impõe a lei fundamental: que póde n'esta conformidade com ampla liberdade revogar e modificar as leis anteriores; mas que este principio tem excepção nas leis administrativas, que confirmam contractos feitos com o estado — porque uma nação deve ser fiel ás suas promessas como um simples cidadão — um tractado não póde revogar-se sem accôrdo da potencia com quem foi feito — um emprestimo, uma concessão de trabalhos publicos, um contracto qualquer não póde ser modificado pela assembléa legislativa sem consentimento dos cidadãos que contractaram com o estado!

São principios estes de eterna justiça e verdade; e não serão elles precisa e litteralmente applicaveis no decreto de 19 de novembro de 1846? Considere o illustre ministro as cousas sem paixão, e verá que aquelle decreto contém um contracto, cercado, como eu disse, da maior solemnidade, da maior que póde ter um acto publico n'um paiz constitucionalmente governado, quando nesse acto intervém o poder legislativo. (Apoiados)

Sr. presidente, se se quer arvorar o principio, de que o estado se reserva o direito de rasgar todos os contractos, quando as intenções mais ou menos rectas, as idéas mais ou menos justas dos cavalheiros que occuparem as cadeiras de ministros, intenderem que assim o devem fazer, lá se avenham com todas as consequencias que d'ahi possam resultar; mas note a camara, que o ministerio e o parlamento que sanccionar um tal principio, desde esse momento estabelece em these a bancarrota nua e descarnada! O descredito do estado com todos os seus perigosissimos e funestissimos effeitos, e que nunca mais, ou só mui tarde se levantará o credito neste paiz (Apoiados). Quem ha-de querer contractar com o governo? Quem ha-de offerecer dinheiro, quando se tractar de estabelecer uma companhia ou empreza qualquer? Quem ha-de acreditar na segurança de qualquer ajuste, convenção, ou contracto com o governo? Quem poderá julgar que tem os seus capitaes seguros por esse contracto, quaesquer que sejam as seguranças que nelle estipule? Tracta-se, por exemplo, do caminho de ferro de lesto! Supponha-se, que, pelas condições garantidas pelo governo, essa empreza promette um juro aos capitaes nella empregados de 10, 12, 14, ou 15 por cento: não deve suppor-se tambem facil achar accionistas, que convidados por este premio, e attento o baixo preço porque está o aluguer dos capitaes em todos os mercados da Europa, venham pressurosos interessar-se n'uma empreza, que lhes promette tão vantajosos lucros? Se isto parece ião provavel, tão natural, e todavia não se realisa; qual é a causa? A causa é o receio de que n'um paiz onde se fazem decretos de 30 de agosto, 11 de outubro, e 18 de dezembro de 1852, ámanhã ou depois de ámanha, daqui a um anno, ou daqui a dois annos se faça outro decreto em que tomando-se por base a gravissima lesão que teve o estado nas condições com que foi decretada uma determinada obra, um caminho de ferro supponhamos, haja por bem o ministerio propôr a reducção dos juros, a reducção por consequencia dos interesses de todos aquelles que metteram os seus capitaes nessa empreza, se junto com a reducção não vier a capitalisação dos juros devidos, e não pagos! Que mais rasão haverá então para isto se não fazer, do que ha agora? Que garantias poderão ter os accionistas de que lhes não aconteça o mesmo que aconteceu agora aos credores da divida fundada, que aconteceu ao banco de Portugal?

Sr. presidente, desde que se falta á fé dos contractos, desde que estes se rasgam, desde que se estabelece o credito pelo descredito, desde que não se pára diante da offensa á propriedade, diante dos perigos que imporia o quebrantamento da fé publica, desde que para todas estas violencias se marcam rasões especiosas, practicados uma vez estes erros, expiam-se e expiam-se por muitos annos; e lá está na nação visinha a experiencia mostrando a verdade destas minhas palavras. Tambem lá se fez uma reducção forçada, tambem lá se reduziram violenta e arbitrariamente os juros dos credores do estado, e que aconteceu? Aconteceu que o ultimo ministro da fazenda, homem de estado, segundo o que tenho lido a seu respeito, dotado de summa capacidade, de um talento transcendente, o sr. Llorente, entrando no ministerio viu-se a braços com uma divida fluctuante de 100 milhões de reales que actuava immediatamente sobre o thesouro como constituida em obrigações que precisavam de ser reformadas a prasos mui curtos, e que venciam o juro de 10 por cento! Esse ministro reconhecendo que não podia governar assim, porque lhe era preciso fazer o sacrificio de quasi metade do rendimento de um anno se esses creditos se não reformassem, e sabendo, e sabendo muito bem, que desde o momento que a paz da Europa, tantas vezes arriscada, fosse transtornada, como é possivel por um destes acontecimentos que na nossa época surgem de repente, sem sabermos de que modo vieram, e de que nasceram, o governo se veria a braços com difficuldades que não poderia vencer, porque não poderia mais obter a reforma das letras ou obrigações que constituiam este alcance; quiz obter um grande emprestimo a juro muito mais moderado por meio do qual fizesse face a este encargo, que lhe difficultava a sua acção governativa, que tolhia mesmo a acção de qualquer ministro naquella pasta. Fez as suas propostas para o emprestimo, e parece que foram acceitas pela celebre casa do banqueiro mr. Varing de Londres. Faltava porém uma circumstancia essencial para que este emprestimo fosse por diante, e era que tendo os fundos hespanhoes sido postos fóra do Stock Exchange por causa da reducção forçada, o banqueiro não queria contrahir o emprestimo sem que houvesse um accôrdo com os credores inglezes, para que cessando a excommunhão do StockExchange os fundos se podessem negociar. Foi preciso portanto vir a esse accôrdo, e o resultado, se estou bem informado, foi dar-se um bonus de 10 por cento do capital reduzido. Eis-aqui como se expiam as medidas violentas e imprudentemente tomadas; e isto ha-de acontecer

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ao sr. ministro da fazenda por causa das demasias que s. ex.ª tem commettido no exercicio das suas attribuições. E oxalá que o sr. ministro da fazenda, impetuoso e arrojado no verdor dos annos, mas seduzido por planos visionarios, e pouco meditados, não traga a este paiz maiores males!! O sr. ministro parece-me que se deixa facilmente impressionar das primeiras idéas que lhe apresentam, não vê logo todos os inconvenientes dellas.

Mas duvida o sr. ministro da fazenda que pelos principios que lhe apresentei, o decreto de 19 de novembro seja um contracto? Não é pelos principios que s. ex. se decide? É pelas auctoridades? Posso citar-lh'as muito competentes, e a primeira que devo invocar é a do presidente do gabinete a que s. ex. pertence, o nobre duque de Saldanha, que em uma celebre sessão da camara dos pares, a proposito do decreto de 13 de novembro de 1850 pelo qual o sr. Avila transferiu o fundo de amortisação por deposito para a junta do credito publico, declarou no estylo mais vehemente que esse decreto perigoso, prejudicialissimo para o paiz, tinha despedaçado um contracto solemne! Mas duvida o sr. ministro da auctoridade do nobre duque de Saldanha por não ser jurisconsultor Então recorra á sua secretaria, e lá encontrará o parecer do procurador geral da corôa, que ouvido sobre a procedencia das queixas do banco de Portugal contra o decreto de 15 de junho de 1847, diz quaes são as circumstancias e rasões porque julga que o decreto de 19 de novembro estabelecendo direitos e obrigações reciprocas entre o banco e o governo constituia um verdadeiro contracto. Tambem s. ex.ª encontrará a consulta do tribunal do thesouro do 1.º de setembro de 1847, e o decreto de 11 de setembro de 1847, assignado pelo sr. Franzini, que attende ás queixas e representações do banco contra o decreto de 15 de junho do mesmo anno, em consequencia das obrigações reciprocas que havia entre o governo e o banco. Portanto, sr. presidente, estava ou não estava o fundo de amortisação adjudicado ao banco de Portugal por um contracto, confirmado primeiro por um decreto promulgado pelo governo constituido em dictadura, e ratificado e confirmado depois por umas poucas de leis successivas? Constituia ou não constituia aquelle decreto pelas estipulações, direitos e obrigações reciprocas que contém, pela qualidade das pessoas que nelle intervieram, por todas as solemnidades emfim, e circumstancias de que estava hoje revestido, uma lei daquellas que os escriptores classificam de leis administrativas, confirmatorias de contractos e como taes sempre consideradas? Destruiu ou não destruiu o governo pelo decreto de 30 de agosto de 1852 esse decreto arrebatando ao banco com fins especiosos o fundo de amortisação? Sem duvida.

Quaes são as consequencias de toda esta demonstração?

São — 1.º Que o decreto de 19 de novembro de 1848 encerrava nas suas disposições um contracto solemne, confirmado por uma sentença nacional.

2.º Que o decreto de 30 de agosto de 1852 rasgou, despedaçou esse contracto solemne!

3.º Que o sr. ministro por esse acto não só prejudicou, mas espoliou o banco de Portugal da sua propriedade.

Repito, pois, que se a causa de s. ex.ª estivesse entregue a um tribunal justo, imparcial, estava perdida.

Mas o sr. ministro disse — não só não espoliei, mas nem prejudiquei o banco de Portugal; o que lhe dei é tanto ou mais do que o banco tinha pelo fundo de amortisação!! E tractou de provar depois esta asserção com um longo desinvolvimento de cifras e mappas, que foram depois contestados por outras cifras e mappas. Para confessar ao sr. ministro a verdade com a singeleza com que costumo fazel-o, não gosto de me entreter com calculos de cifras; ponho as cifras de parte, e concluo as minhas observações sobre este assumpto pelo seguinte epilogo. — Ou o sr. ministro pelo decreto de 30 de agosto deu ao banco mais do que elle tinha a receber pelo fundo de amortisação, ou lhe deu tanto, ou lhe deu menos; ha de ser uma destas tres cousas. Se lhe deu mais do que elle tinha por aquelle fundo, s. ex.ª dissipou nesse mais a fazenda publica nos seus rendimentos dando a um credor mais do que devia dar, e faltou ao seu dever como ministro da fazenda de zelar os dinheiros publicos, sendo tal procedimento aggravado pela consideração de que s. ex.ª é ainda o mesmo ministro que invocando os apuros do thesouro e o deficit, decretou a reducção forçada nos juros da divida publica e outras medidas violentas similhantes. Se deu tanto, peço licença para dizer a s. ex.ª, que não tem desculpa, absolutamente nenhuma, o seu procedimento, porque sem motivo nenhum verdadeiro, procedente, consideravel, attendivel, de publica utilidade foi pôr em uma crise um estabelecimento de credito como é o banco, foi excitar a desconfiança publica, ou talvez estabelecel-a, foi pôr em duvida a fé com que o governo respeita os contractos com elle feitos, foi em uma palavra crear difficuldades e resistencias que s. ex.ª não leria creado, e não existiriam se não fosse o decreto de 30 de agosto. Se s. ex.ª deu ao banco menos, então perdôe-me, mas todas as reclamações, todas as queixas, todas as representações, todos os meios empregados pelo banco para que se lhe faça justiça, s. ex.ª ha de reconhecer que são justos, s. ex.ª os reconhece necessarios, porque o que falta só a estabelecer neste paiz é a pretenção de tirar a cada um o que é seu, sem que ao espoliado se reconheça o direito de se queixar! Se lhe deu menos do que devia, lenha s. ex.ª paciencia com as queixas do banco, porque o banco offendido nos seus direitos, naturalmente havia de usar de todos os meios legaes para vêr se obtinha de s. ex.ª ou desta camara reparação dos aggravos que s. ex.ª lhe tinha feito.

Parece-me que será difficil saír s. ex.ª desta argumentação, apesar de que reconheço os seus grandes recursos.

Sr. presidente, o meu illustre amigo o sr. Nogueira Soares tendo tomado a palavra na defeza do parecer da commissão que approva os actos da dictadura, teve a bondade de se encarregar de responder ás objecções ou observações que eu fizera n'outra occasião contra o decreto de 30 de setembro de 1852 relativo ao processo eleitoral.

O illustre deputado declarando a parte que lhe coube na redacção desse decreto, dá por isso occasião a que eu pela minha parte o felicite pela honra que lhe cabe em virtude de algumas disposições desse decreto; mas nem por isso supponha o illustre deputado que eu me dou por convencido com a defeza que do decreto apresentou, especialmente na parte que diz respeito á violação do acto addicional, que

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exclue do direito de votar os empregados publicos que não tenham o rendimento exigido, proveniente de emprego inamovivel.

O debate a respeito do decreto eleitoral passou ha tanto tempo, que mesmo eu já me esqueci da maior parte das objecções e observações que fiz sobre muitas das disposições. É verdade que este decreto tem algumas disposições boas, introduziu ate alguns melhoramentos nesta materia; mas o illustre deputado não póde de certo deixar de concordar em boa paz que o governo arranjou este decreto de modo que a eleição désse o resultado que todos viram.

E o illustre deputado, na defeza que fez do decreto eleitoral, esqueceu-se muito a proposito para o seu intento de attender e responder a uma circumstancia que eu mencionei á camara, e foi que o mesmo governo tinha feito rejeitar na camara dos dignos pares uma emenda apresentada pelo sr. Ferrão, tendente a modificar a disposição do acto addicional, a fim de que se não limitasse o direito eleitoral ao cidadão, que tivesse o censo exigido, proveniente de emprego inamovivel, concedendo-se a todos os empregados que tivessem o rendimento exigido, proveniente de emprego de carta, ou mercê de serventia vitalicia; e que pela rejeição que fez desta emenda, ficou no acto addicional art. 5.º mantido o principio de que só podessem votar os empregados que tivessem a renda alli fixada, proveniente de emprego inamovivel; designando-se por esta expressão, não os que tinham titulo, carta, ou mercê de serventia vitalicia, mas sim os que não podiam ser demittidos senão por sentença: porém os srs. ministros que rejeitaram e fizeram rejeitar aquella emenda, modificaram comtudo posteriormente tios termo della o principio estabelecido no acto addicional; isto é, os srs. ministros por uma certa prevenção politica, não podendo adivinhar até quando duraria a sua permanencia no poder, não admittiram a emenda, posto que a sua disposição fosse mui vantajosa ao governo, reservando comtudo in mente o direito de applicar ou não, segundo as circumstancias, o principio nella contido. S. ex.ªs calcularam assim! Se, nós permanecermos no poder, o governo amplia a seu favor o art. 5.º do acto addicional, adoptando o principio contido na emenda do sr. Ferrão; e se não permanecermos no poder, fica-nos na observancia litteral do art. 5.º, uma grande arma contra aquelles que nos succederem — e se elles modificarem esse artigo, o direito de impugnarmos essa modificação, porque declarámos que ella é contraria ao acto addicional, á carta! Por este modo o governo que vier depois de nós, fica preso, e ha de ver-se forçado ou a seguir á risca a disposição do art. 5.º do acto addicional, ou a dar-nos uma arma forte de impugnação, se o despresar!! Estas importantissimas considerações não deviam esquecer ao illustre deputado, e se na sua defeza do decreto de 30 de setembro se não fez cargo de responder-lhes, é porque não achou resposta para dar-lhes, nem mesmo especiosa! E todavia na sua essencia ellas são já por mim reproduzidas na camara, creio que pela terceira vez!

O decreto de 30 de setembro considerou empregados inamoviveis, sómente para os effeitos eleitoraes, todos os que tivessem titulo, carta, ou mercê de serventia vitalicia. Eu pergunto ao illustre deputado se são estes os empregados inamoviveis a quem o acto addicional dá direito de votar? Quer por ventura o illustre deputado que eu lhe cite, e leia a discussão que houve na camara dos deputados por occasião deste art. 5.º do acto addicional? Quer que lhe leia os discursos pronunciados pelo sr. deputado Ferrer, que muito sinto, que não esteja aqui, em sustentação do mesmo artigo. Quer que lhe lembre o que disse o sr. deputado Dias e Sousa, impugnando a doutrina do artigo, e propondo e sustentando que nelle se estabelecesse pouco mais ou menos aquella doutrina que o illustre deputado, ou antes o governo, estabeleceu na lei eleitoral sem ter direito para o fazer?... Mas para que recordar tudo isto ao illustre deputado se s. ex.ª sabe tão bem como eu. quanto se passou a este respeito?! E qual foi a decisão clara e terminante do parlamento, rejeitando a camara dos deputados a emenda do sr. Dias e Sousa, e a camara dos dignos pares a do sr. Ferrão! O Illusttre deputado sabe muito bem, que pela letra expressa do respectivo artigo do acto addicional, sómente os empregados inamoviveis podem ser inscriptos no recenseamento, e não outros, salvo se estes outros tiverem outra fonte de rendimento, censo que provenha do emprego, ou habilitação litteraria; e sabe tambem que não podem reputar-se empregados inamoviveis segundo a legislação em vigor os que veem designados como taes no decreto eleitoral de 30 de setembro de 1852. Nem se julgue que pela disposição do decreto eleitoral, fôra dada a esses empregados uma garantia de perpetuidade, que até então não tinham, como parece deduzir-se da defeza que o illustres deputado o sr. Nogueira Soares emprehendeu desta cousa perdida. Não. A ampliação foi feita de modo, que o empregado fosse considerado inamovivel para votar, mas amovivel para todos os outros effeitos, isto é, para continuar a ser dependente da vontade e influencia ministerial, e para ter assim o voto debaixo da pressão do governo!...

E tanto foi este o intuito com que se exarou a expressão — para os effeitos deste decreto — que os factos provam, se foram ou não demittidos muitos empregados, por constar que votaram contra o governo, ou porque algum governador civil informou o governo das suspeitas que tinha, de que assim acontecera! As demissões que se deram a empregados de fazenda, a escrivães de juizes de direito, e de juizes ordinarios, e a outros empregados que tinham carta de serventia vitalicia, já eu as -mencionei n'outra occasião; foram muitas, e escusado é agora repetir a sua enumeração! Parece-me mesmo que ainda não podem dar-se por findas 1 E esses empregados que foram demittidos, não podiam considerar-se strictamente empregados de confiança foram demittidos, não porque votassem contra o governo, não porque trabalhassem ostensivamente contra elle; mas só porque se suspeitou que o seu voto tinha sido hostil!

O governo teve cuidado, para conseguir os seus fins, não só de exarar no decreto eleitoral a disposição já citada, mas de fazer conhecer, por todas as secretarias dos differentes ministerios, a esses empregados qual era a sorte que os esperava, se quizessem ter a ousadia de dar um voto livre, voto que contrariasse as vistas e fins do governo!

Lembrarei tambem ao illustre deputado, as reflexões que eu fiz, quando se discutiu o processo eleitoral, a respeito do muito que influiu, ou pode ter influido, no resultado geral da eleição, a admissão a votar do muito grande numero de empregados que

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foram considerados inamoviveis, por graça especial do governo, a fim de serem considerados como eleitores: nunca se respondeu satisfactoriamente a essas observações.

Disse-se aqui — que muitos empregados houve que votaram contra o governo, e que com tudo não foram demittidos. — Não sei se isto é exacto; mas se o é, sinto muito não ter conhecimento pessoal desses muitos empregados publicos dependentes do governo, que o illustre deputado o sr. Nogueira Soares, e os srs. ministros já por mais de uma vez citaram! Queria eu conhece-los e admira-los como exemplos de tão notavel firmeza politica, que mostraram hostilisando o governo nas passadas eleições, e da tão singular felicidade com que escaparam ao cutello demissorio! Estimaria muito que se citassem os nomes desses empregados, para mostrar então, depois de provados os factos, inteira fé a estas asserções, e para poder conhecer e louvar esse tão singular, tão raro, quão notavel exemplo da celebrada tolerancia e magnanimidade politica deste ministerio... Mas sei de certo que neste ponto ficarei só com o desejo!...

O illustre deputado fez votos para que os circulos eleitoraes sejam reduzidos na sua area, a ponto de eleger cada circulo um só deputado, porque intende que por este modo se não prestarão a muitas transacções inconvenientes, e algumas até vergonhosas, aliás faceis quando os circulos lêem de eleger um maior numero de deputados. Eu vou entrar no merecimento desta doutrina, estou com tudo persuadido que neste ponto o illustre deputado não ha de facilmente achar-se de accôrdo com os srs. ministros.

O illustre deputado encarregou-se tambem de responder ás observações que o meu amigo e collega o sr. Cunha Sotto-Maior fez a respeito do decreto de 11 de outubro de 1852; e disse — que o decreto de 11 de outubro de 1852, que alterou a legislação que regulava o commercio dos vinhos do Porto, tinha sido atacado pelo lado direito da camara, por uns, como tendo violado um contracto) por outros, como sendo resultado de méra subserviencia a injustas exigencias estrangeiras; e ainda por outros em sentidos differentes conforme as idéas que professaram os impugnadores daquelle decreto a respeito da restricção, ou da liberdade do commercio. — É verdade; o decreto tem sido atacado por todos estes differentes motivos; e o mais é que todos são procedentes, e que tem rasão todos os que combatem esse decreto!

Sr. presidente, o decreto de 11 de outubro de 1852 póde ser considerado debaixo de dois pontos de vista mais geraes: seja em relação ao merecimento, utilidade, ou inconveniencia das providencias que contém; seja em relação ao direito, ou injustiça com que o governo se houve na sua promulgação, em vista das leis de 1838 e 1813, e das obrigações que por ellas tinha contrahido para com a companhia das vinhas do Alto Douro.

Podia o governo a bel-prazer seu revogar a lei de 21 de abril de 1843, acabar com a consignação que dava á companhia dos vinhos, e dar por extinctas todas as obrigações que tinha contrahido para com ella, antes de findo o prazo de tempo que a mesma lei fixara?

Até que ponto são fundadas as desconfianças que o publico tem de que a principal razão que determinou os srs. ministros a publicar esse decreto, foi menos o interesse immediato e urgente do commercio dos vinhos do Douro, do que o dezejo de satisfazer a exigencias estrangeiras, e o intuito de grangear assim para si protecção e benevolencia da parte do governo inglez e de seus agentes diplomaticos?

Começando pelo primeiro ponto, direi que é para admirar que o illustre deputado sustentasse que pelo decreto de 11 de outubro não se tinha offendido contracto algum oneroso e bilateral, porque nenhum havia desta natureza entre o governo e a companhia dos vinhos, o que vale tanto como dizer, que não havia obrigações reciprocas entre o governo, e aquella companhia 1

Eu vejo assim repetida quanto á lei de 1843 a mesma argúcia de polemica que se estabeleceu a respeito do decreto de 19 de novembro de 1846, embora ella pareça completamente inadmissivel em vista das disposições terminantes da lei de 1843. O mesmo decreto de 11 de outubro de 1852, no seu artigo 8.º falla de obrigações reciprocas entre o governo e a companhia preexistente ao decreto, o que basta para que se não possa negar a existencia do contracto.

O sr. Nogueira Soares: — Eu disse que dentro em um anno e com relação a cada anno, a companhia tinha restricta obrigação de satisfazer aos encargos que o governo lhe impunha, qualquer que fosse o nome que se désse a isto, para mim era indifferente que lhe chamassem lei, convenção, ou pacto; mas o que sustentava, era que o governo não tinha obrigação de sustentar essa convenção, ou o que se quizer por todos os 14 annos a que se referia; foi este o ponto que me propuz demonstrar, e creio que o demonstrei com argumentos tirados da propria lei de 43.

O Orador: — Ouvi a explicação do illustre deputado; mas vou dizer-lhe as idéas que tenho dessa parte do seu discurso pelo extracto do Diario do Governo, porque eu não tive a fortuna de ouvir o illustre deputado, estava incommodado, e não assisti á sessão em que o illustre deputado usou da palavra!

O illustre deputado combateu a opinião de que houvesse um contracto oneroso e bilateral entre o governo e a companhia, e que quando muito apenas poderia admittir-se que havia um emprestimo feito pela companhia a 8 por cento, e que o estado podia quando quizesse distractar, e pagar, liquidar-lhe as contas; isto mostra que o illustre deputado suppoz que existia ou podia existir um emprestimo em que se dessem as seguintes circumstancias, em que de uma parte o em prestador ficava com o capital, usava delle e empregava-o em seu proveito, e da outra o supposto tomador do emprestimo, na hypothese do illustre deputado, obrigara-se ainda em cima a pagar-lha juros e avultados! E o illustre deputado lendo lido a honra de inventar este contracto chamou-lhe emprestimo!! Estou persuadido que em jurisprudencia não é conhecido contracto algum com semelhantes condições que se possa chamar emprestimo.

O illustre deputado não chegaria a conceber similhante idéa se quizesse recordar-se de que pelo artigo 16 da lei de 21 de abril de 1843 a companhia podia levantar fundos ou por acções, ou mesmo por emprestimo de que ella pagasse juros o que bastava para que o illustre deputado reconhecesse que a sua hypothese era totalmente gratuita, não tinha nem fundamento apparente, necessario nas que se empregam por simples argumentação. Mas suppondo mesmo que

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existisse um emprestimo da companhia ao estado, a juro de 8 por cento, o illustre deputado desde esse momento reconheceu 1.º que havia um contracto oneroso, 2.º que não estava no arbitrio do governo distractar quando quizesse, sem prestar o damno, porque se nos emprestimos a juro é em regra permittido que o devedor entregue ao credor o capital quando quizer, tendo pago os juros até ao tempo em que o conservou em seu poder, isto sómente se verifica assim quando o contracto não tem prazo certo e definido para distractar, como o illustre deputado não desconhece de certo, porque quando ha estipulação quanto ao tempo durante o qual se não ha de fazer o distracte, aquelle que nestas circumstancias tiver tomado um capital a juro, se quizer entregal-o, ou restituil-o antes de acabar o tempo convencionado, ha de indemnisar o credor do prejuizo que lhe causou pelo pagamento imtempado, privando-o do lucro certo a que linha direito durante tanto tempo quanto ainda tinha de durar o contracto. Isto parece-me que é rigorosamente verdadeiro, e juridico.

Se isto é rigorosamente verdadeiro, já o illustre deputado vê que o seu argumento, posto que empregado com amenidade de estylo de que o illustre deputado sabe revestir as suas palavras (Riso) pecca todavia pela base. Considerado como deve ser considerado por um jurisconsulto não é nem admissivel, nem procedente; mas contra-producentem, porque o illustre deputado sabe que a lei de 21 de abril de 1843 tinha precisamente determinado o espaço de tempo durante o qual haviam de existir as obrigações reciprocas da companhia e do thesouro. (O sr. Nogueira Soares: — É o que vejo.) Eu hei de lhe mostrar logo que não póde negar. Eu bem sei a que se soccorre o nobre deputado, mas hei de mostrar-lhe que se tem alguma força mais o seu segundo argumento, não é tanta como julga, nem por elle prova, nem póde provar que o contracto com a companhia não fosse violado!! Como já lhe demonstrei que o foi, servindo-me do argumento empregado pelo illustre deputado

Disse mais o sr. Nogueira Soares (e este é o seu segundo argumento) que era absolutamente impossivel que se podesse considerar estabelecido um verdadeiro contracto entre o governo e a companhia, quando era evidente por algumas disposições dessa lei de 21 de abril, que o governo se reservara o direito de alterar sem accôrdo da companhia circumstancias essenciaes nos encargos della.

Respondo ao illustre deputado, que na verdade os contractos da natureza daquelles a que este pertence, os contractos que são approvados por uma lei, e revestidos da solemnidade desta quasi sentença nacional, não são regulados pelas disposições do direito stricto que regula os outros contractos. O que vejo nas disposições da lei de 21 de abril de 1843 ciladas pelo illustre deputado, é que a legislatura que a decretou, intendeu que podiam occorrer circumstancias nas quaes os lucros que a companhia tivesse tirado da consignação dos 150 contos que o estado lhe dava annualmente, fossem lues que a companhia estivesse por esses lucros habilitada não só a fazer face aos encaegos que a cilada lei lhe impunha, mas a fazer ao Douro beneficios ainda maiores, mas ambos que o que o legislador esperava que resultassem dos encargos estabelecidos; e com este intuito quiz a lei que o governo ficasse auctorisado a alterar as obrigações da companhia, podendo n'um certo caso obrigal-a a comprar um maior numero de pipas, ou a comprar por mais alio preço; mas o illustre deputado esqueceu-se produzindo o seu argumento de duas circumstancias, ou condições importantes que vou lembrar-lhe: a primeira é que o governo reservou para si a faculdade de poder alterar certas estipulações, como protector dos interesses da agricultura do Douro, fim, ao qual era destinada a consignação importantissima de 150 contos annuaes, nos casos, e a respeito dos objectos, e pelo modo previsto, e designado na mesma lei: segunda, que não podiam ser alteradas as disposições da lei, e por tanto as obrigações da companhia, por mero arbitrio do governo, mas em circumstancias especiaes, mas depois de ouvida a companhia, a associação commercial do Porto, e o conselho de estado!! Veja o illustre deputado quantas, e quão valiosas garantias estavam estabelecidas na lei de 1843, para se não poderem alterar leviana, arbitraria, e enconsideradamente as condições reciprocas que havia entre o governo e a companhia dos vinhos!!

Por tanto o segundo argumento do illustre deputado procede ião pouco, quão pouco lhe mostrei que procedia o primeiro. Por tanto o governo não podia a seu bel-prazer, publicar as disposições que se encontram no decreto de 11 de outubro de 1852, eximindo-se por um acto seu, e de repente, a todos os encargos que para com a companhia contrahira pela lei de 1843, sem incorrer na censura de ter violado e rasgado o accôrdo ou contracto com ella feito, e de ter por esta falta de fé publica, compromettido grandemente, ou posto ao menos em grave risco os legitimos interesses daquella respeitavel corporação.

Sr. presidente, á vista disto, repito que é para admirar, muito para admirar que o illustre deputado, distincto jurisconsulto, pretenda sustentar que pelo decreto de 11 de outubro não se offendeu contracto algum oneroso e bilateral; porque nenhum havia desta natureza, entre o governo, e a companhia dos vinhos do Douro!

Sr. presidente, o illustre deputado empenhou-se depois em descobrir, e revelar-nos tolos os fundamentos de verdadeiro interesse publico nacional, todos os motivos economicos, e verdadeiramente ponderosos, que, na sua opinião, tinham provocado a publicação do decreto de 11 de outubro de 185?, e disse-nos que esse acto da dictadura sendo aconselhado por motivos obvios, pelo desejo sincero de melhorar o commercio ora decadente das vinhas do Douro — pelo desejo de fazer cessar os inconvenientes e abuzos, que a experiencia tinha mostrado, provenientes da legislação anterior sobre aquelle objecto demasiamente restrictivo, que podendo em fim explicar-se pelos principios da liberdade commercial, pelos quaes o governo mostrara decidida e louvavel preferencia nas resoluções que tomara extinguindo a roda do sal, o monopolio do chá, e nas outras similhantes providencias que se continham nas reducções importantes de direitos que fizera pela reforma das pautas; nem era justo, nem merecido, nem conforme aos preceitos do Evangelho, que fossem por conjecturas arriscadas procurar-se: motivos máos para explicar a promulgação daquelle decreto; e ainda mais attribuido a subserviencia pouco digna para com exigencias de estrangeiros.

Que os inglezes, qualquer que fosse a divergencia de opiniões politicas que os dividisse, seguiam nas suas relações para com os estrangeiros a mesma linha de procedimento, etc. etc.

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O illustre deputado póde acreditar que desejo tractar os outros do mesmo modo, porque gosto que me tractem. Nunca desejo ser injurio nem para com os meus adversarios; mas nestes debates e questões politicas, no modo de appreciar o procedimento de um gabinete, que tenho por nocivo ao meu paiz, não creio que deva guiar-me nem pelas inspirações do coração nem pela caridade evangelica! Além de que não basta, como já neste debate por vezes repeti, para se avaliar um acto politico, acreditar nas boas intenções dos que o practicaram, e ir por essas intenções guiado, procurar adivinhar os motivos patrioticos, e de verdadeiro interesse publico que se diz haverem-no dictado! É preciso que essas boas intenções, e esses motivos de conveniencia geral se encontrem nas disposições do acto que se examina, e se revelem e demonstrem pela sua analysei (Apoiados)

O illustre deputado disse que os inglezes seguem uma politica uniforme a respeito das suas questões com os estrangeiros. O illustre deputado tem razão, mas esqueceu nesta allusão uma circumstancia que não é indifferente — é que os inglezes têem a este respeito, como a muitos outros uma vantagem muito grande sobre nós; para os inglezes não ha razão, nem motivo, consideração, ou influencia que seja superior nos interesses do seu paiz, e é por isso que elles nunca mudam de politica em relação aos estrangeiros. Alas nem por isso creia o illustre deputado que os inglezes são menos severos em julgar os seus homens d'estado! Tão severos, e muito severos, e não será pelas boas intenções, nem pela caridade evangelica que os homens de estado de Inglaterra serão justificados e sustentados pela casa dos communs!

Voltando porém directamente e de frente á questão sujeita, pergunto — Póde estar sincera, e profundamente convencido o illustre deputado de que na promulgação do decreto de 11 de outubro os srs. ministros tiveram mais em vista occorrer, ou prover de remedio aos inconvenientes e abuzos que se diz existiam pela legislação de 18-13, ou conciliar os diversos, e oppostos interesses e necessidades dos lavradores do Douro, e dos commerciantes de vinhos, do que satisfazer ás antigas, e constantes exigencias do governo inglez pelo desejo de continuarem a merecer a benevolencia e favor pessoal dos ministros, e do governo da nossa antiga alliada? Parece-me que o illustre deputado não póde ler esta sincera, e profunda convicção, e que uma analyse imparcial do decreto de 11 de outubro, a coincidencia muito notavel das principaes das alterações por elle feitas na legislação anterior com a natureza, e objecto da parte mais importante das reclamações inglezas, que de certo conhece, a comparação de datas entre o decreto, e o celebre paragrafo do discurso do throno na abertura do parlamento inglez, em fim muitas outras circumstancias, parte das quaes já eu revelei á camara na questão suscitada sobre a remessa, que requisitei, de toda a correspondencia diplomatica respectiva a este assumpto, deveriam bastar para convencer o nobre deputado, e para convencer a camara de que o decreto de 11 de outubro de 1852 é só, e exclusivamente devido á subserviencia do governo portuguez ás injustas, e sempre desattendidas reclamações inglezas sobre o commercio dos vinhos do Douro, e sobre a legislação restrictiva, que o regulava. (Vozes: — Deu a hora) O Orador: — Eu vou entrar no desenvolvimento desta ultima proposição, e por isso vi-lo que deu a hora, se v. ex.ª, sr. presidente, e a camara o permittem, ámanhã concluirei.

O sr. Presidente: — Fica-lhe reservada a palavra. A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O REDACTOR

José de Castro Freire de Macedo

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