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SESSÃO DE 22 DE AGOSTO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo do Mello Gouveia

Summario

Apresentação de projectos de lei, requerimentos e representações. — Ordem do dia: 1.ª parte, discussão do projecto de lei n.º 8 (sobre os bancos) — 2.ª parte, continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Chamada — 37 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Cerqueira Velloso, Ayres de Gouveia, Antonio Julio, Falcão da Fonseca, Francisco Mendes, Correia de Mendonça, F. M. da Cunha, Franco Frazão, Ribeiro dos Santos, Bandeira Coelho, Dias de Oliveira, Rodrigues de Freitas, Costa e Silva, Luiz de Campos, Affonseca, Mariano de Carvalho, Visconde de Montariol, Agostinho da Rocha, Alfredo da Rocha Peixoto, Soares e Lencastre, Rodrigues Sampaio, Cau da Costa, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Sant'Anna e Vasconcellos, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Vasco Leão, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, Lourenço de Carvalho, D. Miguel Coutinho, Ricardo de Mello, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Entraram durante a sessão — os srs. Osorio de Vasconcellos, Albino Geraldes, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Correia Caldeira, Barros e Sá, Boavida, A. J. Teixeira, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Claudio Nunes, Eduardo Tavares, Vieira das Neves, Francisco Costa, Camello Lampreia, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Gomes da Palma, Perdigão, Jayme Moniz, Santos e Silva, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, Melicio, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Cardoso Klerk, Dias Ferreira, Figueiredo de Faria, José Luciano, Moraes Rego, Sá Vargas, Mello Gouveia, Menezes Toste, José Tiberio, Pires de Lima, Manuel Rocha Peixoto, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Thomás Lisboa, Cunha Monteiro, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Thomás Bastos, Thomás de Carvalho, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes.

Não compareceram — os srs. Arrobas, Carlos Ribeiro, Silveira Vianna, Silveira da Mota, Baptista de Andrade, J. M. dos Santos, Camara Leme, Alves Passos, Visconde de Valmór.

Abertura — Aos tres quartos depois do meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Requerimentos

1.° Requeiro que se requisite do ministerio do reino a remessa da representação da camara municipal de Faro e informação do governador civil do mesmo districto, ácerca da concessão do convento que foi dos Capuchos para ali se estabelecer a cadeia publica. = Barros e Cunha.

2.º Requeiro que, pelo ministerio das obras publicas, seja mandada a esta casa a nota dos officios dos fiscaes do governo nos caminhos de ferro e leste ácerca de irregularidades do serviço, bem como das multas impostas nos ultimos tres mezes. = Rodrigues de Freitas.

Foram remettidos ao governo.

SEGUNDAS LEITURAS

Projecto de lei

Senhores. — A maneira por que aos empregados judiciaes e civis, com fundamento na legislação vigente se contam os salarios dos caminhos que têem a percorrer, para fazerem uma diligencia qualquer, sobre ser vexatorio para os povos, não tem em si rasão de ser, e exige as mais promptas e energicas providencias.

Antigamente pagava-se o caminho andado, hoje pagam-se centenares de caminhos que não andam. Chegou a tanto o poder da ficção!

Um empregado que anda 10 kilometros (ida e volta) para tratar, por exemplo, em um ponto dado, cinco negocios judiciaes, recebe o salario como se tivesse andado cinco vozes o caminho, isto é, de 50 kilometros, alem dos emolumentos proprios de cada uma das diligencias que cumpre.

Isto é impossivel continuar!

O empregado recolhe capitalista, o povo, as viuvas, e os orphãos, vertem lagrimas.

A opinião sensata do paiz estygmatisa constantemente a absurda immoralidade do facto. Os proprios empregados a reconhecem. Propondo o remedio para este lamentavel estado de cousas, trago ao paiz uma economia de alguns contos de réis, com que julgando a moralidade e a justiça, se allivia o povo e não ficam cerceados os rendimentos do fisco.

Folgo por isso em ter a honra de submetter á esclarecida apreciação da assembléa o seguinte projecto de lei, para que peço a urgencia.

Artigo 1.° Será contado e pago uma só vez aos funccionarios publicos, judiciaes, civis ou de outra qualquer natureza, o caminho que andarem em objecto de serviço.

Art. 2.° Quando de um só caminho se der aviamento a differentes negocios na mesma localidade este será rateado.

Art. 3.° Sendo em localidades differentes e que de umas se faça caminho para as outras, contar-se-ha esta á localidade mais afastada, e a importancia será dividida proporcionalmente á distancia de cada uma das povoações ou localidades á sede do poder que o funccionario representa; e seguir-se-ha o rateio.

Art. 4.° O rateio será feito em partes iguaes ao numero dos negocios tratados em cada logar, embora sobre elles se hajam praticado multiplicidade de actos.

Art. 5.° O funccionario publico declara ao lado de cada certidão e documento que passar, e sobre sua responsabilidade, o numero de negocios tratados em cada caminho, com a designação da localidade e dia.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 21 de agosto de 1871. = O deputado pelo circulo do Fundão, João Antonio Franco Frazão.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Projecto de lei

Artigo 1.° É revogado o decreto eleitoral de 18 de março de 1869.

Art. 2.° A eleição de deputados continua a ser feita segundo as disposições do decreto de 30 de setembro de 1852 e carta de lei de 23 de novembro de 1859, em quanto se não proceda á confecção de nova lei eleitoral.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das côrtes, 21 de agosto de 1871. = O deputado por Silves, João Gualberto de Barros e Cunha.

Foi admittido e enviado á commissão respectiva.

Renovação de iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 43 da commissão de guerra na sessão de 30 de maio de 1864. = Hermenegildo Gomes da Palma, deputado pelo circulo de Santarem.

Foi admittida e enviada á commissão respectiva.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Cerqueira Velloso: — Participo a v. ex.ª que está constituida a commissão de petições, nomeando para presidente o sr. Mártens Ferrão, e a mim para secretario.

O sr. Mexia Salema: — Tenho a honra de mandar para a mesa, para ter o devido destino, uma representação da camara municipal de Soure, circulo que tenho a honra de representar n'esta casa, pedindo que seja revogada a lei de 28 de outubro de 1868 que creou o corpo de engenheria districtal.

As considerações apresentadas n'esta representação são momentosas, e não posso deixar de lhe prestar o meu apoio.

Infelizmente tem se conhecido pela experiencia que o corpo de engenheria districtal não satisfaz aos fins para que foi creado, e que o que simplesmente tem feito, é aggravar mais as circumstancias das municipalidades, porque soffrem grande augmento nos impostos, e não tiram partido nenhum, porque não se lhes fazem as obras que precisam.

Não me occupo agora de fazer mais considerações por as julgar extemporaneas, reservando-me para quando este objecto vier á discussão; por isso peço a v. ex.ª que dê a esta representação o destino conveniente, que me parece ser remette-la á commissão de obras publicas, e quando esta commissão der o seu parecer, e se tratar d'este negocio, farei a este respeito mais largas considerações.

O sr. J. J. de Alcantara: — Mando para a mesa um requerimento de algumas pensionistas do exercito e da armada, que pedem a esta camara que os descontos que soffrem nas pensões que recebem sejam regulados em harmonia com os que soffrem os outros empregados do estado.

O sr. Presidente: — Tenho a dizer ao sr. deputado que negocios d'esta natureza são remettidos pela caixa das petições da camara; e então tenha a bondade de mandar para lá esse requerimento.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Participo a v. ex.ª que tenho estado ausente d'esta camara n'estas tres ultimas sessões por motivo justificado.

Senti que o illustre deputado pelo circulo de Penacova, estando eu ausente, fizesse algumas observações que me dizem respeito.

S. ex.ª não está presente, e por isso dispenso-me de fazer as considerações que tencionava apresentar; mas peço a v. ex.ª que me reserve a palavra para hoje, se me competir antes da ordem do dia, e se s. ex.ª apparecer a tempo; aliás pedi-la hei ámanhã.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Recebi uma representação de varios vendedores de tabaco e outros generos na cidade do Porto, que foi tambem remettida ao meu illustre collega o sr. Pinto Bessa.

Os individuos que assignam esta representação pedem em primeiro logar que não sejam obrigados a pagar mais que uma licença, e em segundo logar que a cobrança do imposto de licença seja feita juntamente com a da contribuição industrial.

Parece-me que o sr. ministro da fazenda, já n'esta casa disse que julgava ser attribuição do poder executivo attender a uma d'estas pretensões, porque desde que esses individuos estavam habilitados para uma licença especial para vender tabaco, não podiam ser obrigados a tirar outra.

Peço a v. ex.ª remetta este documento á commissão respectiva; aos cavalheiros que a compõem rogo que se apressem a dar parecer ácerca de um projecto que, como hontem disse, versa sobre um dos mencionados assumptos; rogo-lhes tambem que considerem devidamente esta representação.

Em janeiro de 1872 deve de ser exigida nova licença a todos os vendedores de tabacos, e é por consequencia necessario que antes d'essa epocha se tome alguma providencia a tal respeito!

Este imposto tem suscitado muitas reclamações em diversos pontos do reino. Não quero agora cansar a camara, expondo às rasões que lhes assistem; direi unicamente que no Porto tem havido muitas e bem fundadas reclamações sobre o modo de fazer a cobrança, e parece-me conveniente que a commissão de fazenda estude esta questão, a fim de que possa quanto antes ser votado um projecto que attenda ás fundadas instancias de tantos cidadãos.

Por esta occasião desejo saber se já estão sobre a mesa os documentos que pedi relativos á construcção da estrada da Guarda a Castello Branco, e como está presente o sr. ministro das obras publicas, desejava que s. ex.ª me dissesse se tenciona remetter brevemente esses documentos para a camara.

Creio que não deve haver duvida n'isso, por que a dignidade do governo exige que se faça a remessa dos documentos.

Custa-me estar fazendo tantas vezes reflexões d'esta natureza, porque receio que se diga que é censuravel insistencia da minha parte, mas v. ex.ª comprehende que desde o momento em que se solicitam documentos d'esta natureza e se declara á camara e ao governo que são para ver se ha ou não motivo de o accusar, pedem o brio e a coragem do proprio governo que esses documentos sejam immediatamente remettidos.

O sr. Presidente: — Os documentos a que se referiu o sr. deputado ainda não estão na mesa, mas se quer, faz se novamente a requisição.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Mando para a mesa um parecer da commissão diplomatica.

O sr. Ministro das Obras Publicas (Carlos Bento): — Longe de estranhar que o illustre deputado insista na remessa dos documentos que pediu, acho o mais regular possivel a sua persistencia, sendo eu o primeiro a reconhecer que tem havido alguma demora na remessa dos documentos, demora que tem sido involuntaria, porque não tem concorrido para ella disposição alguma do governo. Já mandei tirar copia dos documentos, e em breve virão á camara.

Agora em referencia ás observações de s. ex.ª, quando disse que pareceria extraordinaria a insistencia da sua parte na exigencia dos documentos, declaro que não acho nada de extraordinario na insistencia do illustre deputado, e longe de censurar a insistencia de s. ex.ª, acho que seria extraordinario o emprego d'este argumento, porque sendo o logar de deputado mais duradouro que o de ministro, eu não podia negar a s. ex.ª um direito que ámanhã me poderia aproveitar como deputado.

O sr. Barros e Cunha: — Na legislatura passada apresentei um projecto de lei relativo ás attribuições das juntas geraes de districto em materia de contribuições.

N'essa occasião um dos meus collegas o sr. Luciano de Castro propoz que se nomeasse uma commissão especial para dar parecer ácerca d'este projecto. A mesa de então accedeu á auctorisação que foi feita e nomeou essa commissão, da qual foi relator o sr. Adriano Machado.

Agora proponho igualmente á camara que v. ex.ª seja auctorisado para nomear uma commissão especial, a fim de que este projecto seja de novo submettido á consideração da camara, visto que na sessão passada ficou pendente da approvação da outra casa do parlamento.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que auctorisam a mesa a nomear a commissão especial que o sr. Barros e Cunha acaba de requerer tenham a bondade de se levantar.

Resolveu-se affirmativamente.

O sr. Mariano de Carvalho: — Hontem pedi a palavra para quando estivesse presente o sr. ministro da guerra, e por essa occasião tambem pedi ao sr. ministro das obras publicas que tivesse a bondade de prevenir o seu collega de que desejava fazer-lhe algumas perguntas sobre negocios de serviço publico.

Infelizmente s. ex.ª não comparece hoje á camara, talvez por motivo de serviço, mas por isso repito hoje a mesma observação.

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Declaro que desejo dirigir algumas perguntas ao sr. ministro da guerra sobre negocios graves de serviço publico, e peço ao sr. ministro das obras publicas que previna o seu collega de que eu e outros deputados desejâmos a presença de s. ex.ª n'esta casa antes da ordem do dia para tratarmos esses negocios.

Creio que s. ex.ª poderá um dia adiar um pouco o expediente da secretaria, a fim de vir á camara antes da ordem do dia responder ás perguntas que lhe querem dirigir os representantes do povo.

Como está presente o sr. ministro das obras publicas, tomo a liberdade de perguntar a s. ex.ª se já tomou algumas providencias ácerca do serviço do correio para Salvaterra de Magos.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — Em relação á primeira parte das observações do illustre deputado, creio que o meu collega, attentas as urgencias de serviço, não póde comparecer hoje na camara, mas estou certo de que, logo que possa, não terá duvida em vir responder ás perguntas que desejam dirigir-lhe.

Agora emquanto á segunda parte das observações que s. ex.ª fez, tenho a dizer-lhe que já pedi informações, como me cumpria, ao director da repartição competente, o qual me respondeu que não havia duvida em augmentar a despeza que se fazia com o serviço do correio, mas esperava que dentro em pouco se organisasse esse serviço sem augmento de despeza, continuando o serviço do correio para Salvaterra de Magos, como era até ha pouco tempo.

O sr. Mariano de Carvalho: — Desejo agradecer ao sr. ministro das obras publicas o interesse que tomou n'este negocio, e lembro a s. ex.ª que muito estimarei que possa organisar se o serviço do correio com menor despeza.

Parece-me conveniente que para o futuro a mala do correio não seja transportada em uma lancha, como tem succedido até aqui, porque a economia de um tostão por dia não auctorisa de modo algum o prejuizo de dois concelhos importantes.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Pedi a palavra para renovar a iniciativa do projecto de lei n.º 46 da sessão passada, que foi approvado n'esta camara na sessão de 3 de junho ultimo, e que teve por fim tornar extensivas ao director geral das obras publicas e minas, ao chefe da repartição de obras publicas e ao chefe da repartição de minas, as disposições do artigo 3.° e § unico da carta de lei de 16 de abril de 1867.

Este projecto foi apresentado pelo sr. ministro das obras publicas de então, e creio que o actual sr. ministro não contrariará por certo a sua aceitação por parte do governo, pois que a sua justiça é manifesta, e foi reconhecida pela propria camara, na celeridade com que lhe deu a sua approvação. Tem elle por fim reparar uma injustiça flagrante, proveniente dos vicios da propria lei, e não da sua injusta applicação ou errada interpretação; e como ao parlamento e a elle só cumpre remediar esses vicios, facilmente me persuado de que a actual camara aceitará com a maior facilidade a renovação da iniciativa d'este projecto, e ratificará com o seu voto a sabia e justa resolução da camara transacta.

Aproveito tambem a occasião para me referir ao que na sessão passada, não estando eu presente, disse o illustre deputado por Evora e meu amigo, o sr. Pinheiro Borges, com relação á exploração dos caminhos de ferro, chamando a attenção do sr. ministro das obras publicas, sobre as demoras que soffrem as mercadorias em algumas das estações.

E como dos contratos dos jornaes se não deprehenda explicitamente se s. ex.ª se referiu tão sómente ao caminho de ferro do norte e leste, ou tambem ao do sueste...

O sr. Pinheiro Borges: — Foi ao caminho de ferro do norte.

O Orador: — Se fosse a respeito do caminho de ferro de sueste, eu poderia dar a s. ex.ª informações sobre a forma por que ali se faz o serviço, e tenho plena confiança de que s. ex.ª e a camara fariam á sua administração a devida justiça, reconhecendo que ella envida todas as suas forças e emprega todos os meios de que póde dispor para bem servir o publico (apoiados); não obstante isso, não é possivel em qualquer dos dois caminhos de ferro evitar em certas circumstancias o retardamento das mercadorias nas estações, mormente quando estas affluem de subito e em enorme quantidade, como acontece na provincia do Alemtejo frequentes vezes, facto este a que nem sempre corresponde a abundancia local de braços para o serviço de carga e descarga (apoiados).

Aproveito a occasião tambem para concordar inteiramente com as palavras do sr. Pinheiro Borges, quando s. ex.ª se refere á conclusão do prolongamento do caminho de ferro de Evora a Extremoz; eu tenho a mais decidida convicção das grandes vantagens que da conclusão d'este ramal hão de provir não só á exploração do caminho de ferro de sueste, como ao desenvolvimento da provincia, e beneficio da fazenda publica (apoiados).

Creio que o sr. ministro das obras publicas não terá difficuldade alguma em considerar este assumpto sob o duplo ponto de vista de uma questão de obras publicas e de fazenda, porque os encargos provenientes da conclusão d'este ramal hão de na minha opinião, e tenho fundamentos para o asseverar, ser largamente remunerados pelos proventos derivados da receita que a sua exploração ha de produzir (apoiados).

Eu poderia mesmo apresentar alguns dados estatisticos tendentes a confirmar esta minha opinião. Bastará dizer, por exemplo, que os quatro concelhos mais directamente interessados na conclusão d'este ramal, são seguramente os mais populares da provincia do Alemtejo.

V. ex.ª sabe que a provincia do Alemtejo tem uma população muito escassa. Em media a sua população é de 14 habitantes por kilometro quadrado, e nos quatro concelhos mais interessados na conclusão d'este ramal que são Extremoz, Borba, Villa Viçosa e Alandroal a media da população é de 24 habitantes por kilometro quadrado.

Se quizesse convencer a camara mais fortemente das vantagens do prolongamento do caminho de ferro até Extremoz poderia mesmo apresentar outros dados e esclarecimentos, cuja apreciação eu me persuado influiria no espirito da camara no mesmo sentido e com a mesma força com que actuam sobre o meu. E não se imagine que o ramal de Extremoz não tenha vida propria e que o movimento da sua estação, quando esteja concluido, importa comsigo a decadencia da estação de Evora, hoje a segunda do caminho de ferro de sueste. Cada uma tem a sua ordem propria e distincta. Os productos e passageiros mais interessados na conclusão do ramal de Extremoz, servem-se ainda hoje do caminho de ferro de leste pela força imperiosa das circumstancias, sujeitando-se a despezas de transportes que o prolongamento até Extremoz, se não elimina completamente, consideravelmente reduz (apoiados).

Estou, porém, convencido que ha ainda umas certas industrias que não podem hoje aproveitar-se do caminho de ferro de leste, e que por consequencia estão completamente improductivas, e citarei por exemplo uma industria conhecida, que é a industria dos marmores de Extremoz.

Esta industria que tem todos os elementos de prosperidade e que póde ser uma fonte não só de riqueza local, mas de riqueza publica, está completamente inexplorada, e não póde receber impulso, nem tornarse importante, na sua lavra, senão quando o caminho de ferro chegar a Extremoz (apoiados)..

Mas comparando o producto provavel de Extremoz com o da estação de Evora, posso assegurar ao sr. ministro e á camara que essa estação não deve ter um movimento de mercadorias inferior a 12:000 toneladas de expedição e 4:000 de consignação por anno.

Calculo que o numero de passageiros deve ser pelo me-

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nos de 12:000, tanto de partida como de chegada, e que o movimento de expedição de gado suino seja com toda a segurança de calculo de 6:000 cabeças o minimo. Estes algarismos não parecerão de certo exagerados aos srs. deputados que conhecem as localidades (apoiados), e são inteiramente fundados na comparação estatistica da producção e população d'esta parte da provincia do Alemtejo. Ora, tomando como base estes calculos, o producto das mercadorias expedidas e recebidas na estação de Extremoz, cujo percurso seguramente computâmos em 150 kilometros na media e pela tarifa de 20 réis por tonelada e kilometro, o que está abaixo da tarifa media actual d'este caminho, será de 45:000$000 réis. Os passageiros que para mais segurança de calculo, supporemos todos de 3.ª classe e percorrendo em media 120 kilometros produzirão uma receita bruta de 21:168$000 réis. O producto do transporte de 6:000 porcos ou 300 wagons completos é pela tarifa em vigor de 2:190$000 réis.

Abstrahindo, pois, da receita proveniente de outras origens, como bagagens e recovagens em grande velocidade, despezas de baldeação e outras verbas de menor importancia, póde computar-se a receita bruta da estação de Extremoz em 71:358$000 réis, pelo menos, desde a sua abertura á exploração, e com todas as justificadas tendencias de augmento e progresso.

Tomando agora em consideração a despeza proveniente da exploração de mais 52 kilometros, que tanto é a extensão do ramal de Evora a Extremoz, julgo poder affirmar á camara que esta exploração se deverá fazer nos limites da verba de 500$000 réis por kilometro, attendendo a que a importancia das despezas geraes diminue consideravelmente com a extensão da linha explorada, e olhando tambem á especial circumstancia de que isto é a continuação e prolongamento de um ramal já em exploração e não a abertura de um novo ramal (apoiados).

Deduzindo, pois, a verba de 26:000$000 réis d´aquella em que calculámos a receita bruta do ramal, será o producto liquido da exploração de 45:358$000 réis, cifra esta que a camara bem comprehende; eu não apresento senão uma approximação, ou antes um limite inferior da receita liquida provavel pelos calculos que tive a honra de expor.

Ora, o capital que o governo tem a desembolsar para a conclusão d'este ramal é computado em 250:000$000 réis, por isso que ha já uma parte consideravel de trabalhos começados, materiaes reunidos e todo o material de carris para a extensão total a acabar. E como o rendimento liquido de 45:000$000 réis, comparado com esta somma, representa um juro de 18 por cento do capital empregado, estou inteiramente convencido que este simples enunciado basta para demonstrar á camara que o governo faz uma excellente operação financeira, ou de thesouraria, applicando estes 250:000$000 réis á conclusão d'esta obra (apoiados).

Desejo, pois, muito que o nobre ministro das obras publicas n'este ponto seja tambem ministro da fazenda, e que as duas entidades reunidas na pessoa de s. ex.ª, para muitos contradictorias e antinómicas, se achem perfeitamente de accordo n'esta occasião e n'este assumpto em favor da minha justa pretensão.

Não alongo mais estas minhas considerações, porque não quero cansar a attenção da camara, e porque julgo que o nobre ministro das obras publicas está sufficientemente compenetrado da importancia d'este assumpto.

O caminho de ferro de sueste é um caminho que vae em prosperidade, muito claramente demonstrada.

Este caminho tem tido sempre um augmento de receita, que tem regulado entre 14:000$000 e 15:000$000 réis por anno, e as tendencias para augmento são tão manifestas, que quasi posso asseverar á camara que o augmento da receita do anno corrente apresentará em relação á do anno passado um excesso de certo superior a 40:000$000 réis.

Ora, n'estas circumstancias, collocar o caminho nas condições de produzir uma maior receita, é não só uma grande vantagem, considerado o caminho como um dominio explorado pelo governo, mas ainda uma clara demonstração do desenvolvimento da riqueza publica.

Por ultimo direi que, quando mesmo no pensamento d'este ou de outro qualquer governo entrasse como base para uma operação financeira a idéa de alienar este caminho de ferro por um contrato de venda ou de arrendamento, o desenvolvimento da sua receita será sempre a melhor das condições em favor de tal operação (apoiados).

Termino aqui as minhas reflexões.

E espero que o sr. ministro das obras publicas dará a este assumpto toda a attenção que elle justamente reclama.

O sr. Ministro da Fazenda: — Entendi que devia tomar a palavra, não só pela consideração que o illustre deputado me merece, mas tambem pela importancia do assumpto a que se referiu.

Eu não podia desconhecer as vantagens economicas que hão de resultar do prolongamento do caminho de ferro desde Evora até Extremoz; entretanto permitta-me o illustre deputado que n'esta occasião não faça longas considerações a este respeito.

Pedi a palavra, não para desfazer um equivoco, porque já está rectificado que não se applicava ao caminho de ferro do sul o que se havia dito em relação ao caminho de ferro do norte e leste, mas para dizer que a administração do caminho de ferro do sul mais uma vez demonstra quanto são injustas as accusações que todos os dias se fazem a todas as administrações do estado, inculcando-se que é impossivel que o estado administre bem.

O caminho de ferro do sul é a demonstração clara de que, quando os funccionarios que dirigem um ramo de administração, têem as condições dos cavalheiros que dirigem aquelle serviço, a administração por conta do estado não tem que invejar ás melhores administrações de emprezas particulares (apoiados).

O producto do caminho de ferro do sul satisfaz o ministro da fazenda, como homem que considera as vantagens d'elle resultantes, porque o augmento do rendimento de um caminho de ferro é symptoma de melhoramentos nas condições economicas dos pontos que percorre, e de serem melhoradas essas condições economicas ha de resultar augmento de receita publica.

A inscripção do rendimento do caminho de ferro do sul feita no orçamento, deve representar o duplo, em virtude do desenvolvimento que elle tem tido ultimamente.

E, se póde haver regularidade no progresso do augmento do rendimento de um caminho de ferro, eu não sei de nenhum caminho de ferro, cujo progresso no augmento do rendimento apresente uma marcha mais satisfactoria para todos os que se interessam por elle.

O sr. Rocha Peixoto: — Mando para a mesa uma proposta renovando a iniciativa de um projecto de lei da segunda sessão legislativa de 1868, que concede um edificio nacional á camara municipal de Vianna do Castello para estabelecimentos de utilidade publica (leu).

E peço que este projecto seja enviado com urgencia á commissão respectiva, á qual rogo que dê sobre elle quanto antes o seu parecer.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada, e por isso vae-se passar á ordem do dia.

A mesa, encarregada de nomear a commissão que ha de apresentar parecer sobre o projecto de lei, cuja iniciativa foi renovada pelo sr. Barros e Cunha, ácerca das juntas geraes, nomeia os srs. Luciano de Castro, Barros e Cunha, Adriano Machado, Dias Ferreira, Pereira de Miranda, Cau da Costa e Paes Villas Boas. Os primeiros quatro srs. deputados faziam parte da commissão da legislatura passada incumbida de estudar aquelle projecto.

Se alguns srs. deputados têem requerimentos, quaesquer papeis ou documentos a mandar para a mesa, tenham a bondade de o fazer.

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PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei n.º 8

Senhores. — Examinou a vossa commissão de fazenda com especial attenção a proposta de lei n.º 6-O, cuja iniciativa foi renovada pelo governo no dia 3 do mez corrente, com o n.º 5-S.

Considerando que a lei da multiplicidade do imposto, que da contextura organica das sociedades extrahe a sua rasão especifica, aconselha que a todas as fontes da producção se vá procurar a substancia que alimenta o estado;

Considerando que por este motivo se não póde justificar a permanencia da isenção de impostos concedida aos estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias existentes no reino e ilhas adjacentes;

Considerando que o pensamento de tributar o capital offende os principios economicos, porque o preço dos serviços prestados aos cidadãos pelo estado deve ser pago pelo rendimento;

Considerando que os juros temporariamente concedidos por algumas sociedades aos accionistas ou portadores de obrigações, quando essas sociedades carecem de immobilisar grandes capitães antes de entrarem em caminho de exploração, não podem ser tidos como aluguer das quantias subscriptas, mas apenas como incentivo para facilitar a formação d'essas sociedades ou companhias;

É a vossa commissão, de accordo com o governo, de parecer que a proposta de lei n.º 6-O deve ser convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Ficam abolidos todos os privilegios de isenção de impostos concedidos a estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias, estabelecidas no reino e ilhas adjacentes, precedendo accordo entre o governo e os interessados quando a isenção tenha sido resultado de contrato oneroso, ficando o accordo dependente da sancção legislativa, se não couber nas attribuições do poder executivo.

Art. 2.° Os juros e dividendos dos estabelecimentos mencionados no artigo antecedente, não comprehendidos na hypothese do § unico do artigo 34.° da lei de 22 de junho de 1867, que se vencerem de 1 de julho de 1871 em diante, ficam sujeitos á contribuição unica de 10 por cento.

§ unico. São comprehendidos nas disposições d'este artigo os juros e dividendos de bancos, companhias e sociedades anonymas estrangeiros de qualquer especie e natureza, com relação ás operações e transacções que esses estabelecimentos fizerem em territorio portuguez, na conformidade das disposições da referida carta de lei.

Art. 3.° Ficam isentos d'esta contribuição a parte dos juros e dividendos provenientes de titulos de divida fundada, as obrigações da companhia do credito predial, as da companhia das aguas, a parte das operações bancarias effectuadas no ultramar pelo banco nacional ultramarino, e finalmente a que resultar de rendimento de predios sujeitos á contribuição predial.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão, em 16 de agosto de 1871. = João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens = Augusto Cesar Cau da Costa = José Luciano de Castro (com declarações) = Claudio José Nunes (com declaração) = João Antonio dos Santos e Silva (com declarações) = Augusto Cesar Barjona de Freitas = Antonio Correia Caldeira = Antonio Rodrigues Sampaio = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos, relator.

O sr. Rodrigues de Freitas: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Confesso a v. ex.ª que é com alguma tristeza que tenho occasião de fazer uso da palavra, e que me arrependo sinceramente de me ter apressado a pedir a v. ex.ª que me concedesse a faculdade de chamar a attenção dos illustres deputados sobre o que tenho a dizer a respeito d'este projecto.

Mal me persuadiria eu que o illustre deputado, tão competente para tratar o assumpto, havia de limitar as suas reflexões á necessidade de rectificar as contradicções que entre os ministros tenham tido logar a respeito de um acto politico importante.

Mal pensava eu que o distincto deputado pelo Porto, cidade tão importante, cidade que nos dá exemplo de uma actividade commercial tão admiravel, mal pensava eu que s. ex.ª, depois de saber que a camara tem dividido as suas sessões em duas partes, uma mais especialmente para a questão politica, e outra mais particularmente para os negocios financeiros, invertendo a ordem natural e indicação da camara,. havia de fazer politica na primeira parte e politica na segunda.

É um direito que tem o illustre deputado de duplicação, de tratar o assumpto debaixo d'este ponto de vista; nem eu contesto esse direito; faço apenas este reparo.

Eu creio que não offendo ninguem (apoiados); mas se nas observações que fizer me escapar por acaso involuntariamente alguma phrase, da qual se possa deprehender offensa na tentativa de responder a algumas accusações ou provocações feitas da parte dos illustres deputados, peço desde já desculpa.

E este meu receio póde ter bastante fundamento, porque me parece que ainda na sessão de hontem ouvi dizer, que o silencio do governo era uma provocação (apoiados). Já o proprio silencio é uma hostilidade de uma ordem tal que importa uma provocação que póde obrigar alguns membros d'esta camara a abandonarem esta casa por esse motivo!! E n'este caso não admira, que eu receie muito não encontrar o modo de não ferir a susceptibilidade dos illustres deputados.

Parece-me que a questão da dissolução da camara transacta não está tão intimamente ligada com a questão dos bancos, que seja indispensavel que os ministros se expliquem a respeito da questão da dissolução antes de haver uma só observação a respeito da questão dos bancos. Eu confesso que não dei tanta attenção á defeza das contradicções que o illustre deputado achou entre o que disse o presidente do conselho de ministros e o que disse o ministro da fazenda, que seja precisa uma acareação entre estes dois ministros sobre as contradicções que o illustre deputado diz existirem.

Como quer o illustre deputado suppor que um facto que determina um acto seja exclusivamente o que determinou o acto? Como quer o illustre deputado suppor, que a causa occasional de um acontecimento seja a causa original que determinou esse acontecimento? O illustre deputado quer fazer a historia de um certo acontecimento; mas o illustre deputado bem vê, que a severidade póde servir para tudo menos para escrever a historia. Eu creio que não offendo o illustre deputado, quando lhe desconheço o sangue frio necessario para poder escrever a historia com imparcialidade. Eu creio que a historia exige para ser escripta...

O sr. Francisco de Albuquerque: — Já está escripta.

O Orador: — Não está. Ainda é muito cedo. A historia não se escreve assim (apoiados).

Ora o illustre deputado tambem notou uma certa demora, que para o illustre deputado tem um caracter altamente politico e suspeitoso, uma demora inexplicavel que teve esta lei na camara dos dignos pares, sendo trazida á ultima hora para esta camara. Esta demora é inexplicavel sómente emquanto se não explica (riso).

Se o illustre deputado se lembrasse de que n'uma proposta de lei sobre contribuição industrial, que foi apresentada ao parlamento, havia uma disposição em que se considerava precisamente a questão dos bancos, s. ex.ª não se surprehenderia tanto, quando ao mesmo tempo entendesse que emquanto se suppoz possivel que essa lei podesse ser

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votada n'esta casa, haveria demora em que um projecto, que sobre esse assumpto se tinha separado das outras disposições de imposto industrial, fosse discutido em outra camara. Alem de que, na espectativa de difficuldades para que esse projecto podesse ser votado no parlamento, como era natural que se apresentasse, porque todas as vezes que se propõem medidas d'esta natureza, em todos os parlamentos se têem encontrado difficuldades analogas, não admira que houvesse a demora que presenciámos. Explica-se, e não condemna ninguem essa demora. Póde ella ter contrariado a utilidade do rapido andamento dos negocios publicos; mas justifica-se. Para ir mais longe, para apreciar a responsabilidade completa ou parcial d'essa demora, é que me não parece opportuna a occasião.

Se por acaso o ministro estivesse persuadido de que esse projecto podia passar sem emendas na outra casa do parlamento, era indesculpavel que elle se tivesse resignado a que a demora se realisasse; mas como era evidente que elle não podia passar sem algumas emendas, a demora tinha a explicação de que, emquanto o governo suppunha possivel passar uma lei de contribuição industrial que se tinha proposto, não convinha tratar-se isoladamente de uma medida da mesma natureza só relativa aos bancos, a qual não podia deixar de ser emendada, e que poderia trazer o conflicto, que effectivamente depois appareceu (apoiados).

Tambem o illustre deputado entendeu que depois do que eu dissera n'esta camara, não me era possivel sustentar este projecto.

Se por acaso fosse eu unicamente o accusado, podia calar-me; como porém são accusados por essa mesma indicação cavalheiros respeitaveis, e que não estão presentes; cavalheiros que constituiam a maioria da commissão de fazenda da camara passada, os quaes, sem estarem persuadidos da excellencia do projecto que tinha vindo da outra camara, votaram todavia por elle; já o illustre deputado vê que a accusação tem uma vastidão tal, que me é impossivel deixar de tomar a defeza d'aquelles cavalheiros.

Mas eu não pretendo illudir a objecção do illustre deputado. S. ex.ª póde dizer que os cavalheiros de quem se trata, na occasião em que occorria a possibilidade de um conflicto entre as duas casas do parlamento, sacrificaram a esta circumstancia as suas opiniões, adoptando um projecto com o qual completamente se não conformavam. Entretanto, se o illustre deputado reflectir que uma das causas que mais prejudicavam a disposição para se approvar esse projecto, era effectivamente a generalidade da reducção de um artigo 4.°, que se não acha no projecto actual; verá s. ex.ª facilmente certos vislumbres de circumstancias attenuantes na accusação que quer dirigir ao ministro pela apresentação d'este projecto que se discute (apoiados).

Eu digo sinceramente a v. ex.ª e á camara: com algumas das emendas da camara dos dignos pares conformei-me sem a menor difficuldade. Mas note-se que este projecto que se discute agora não é o mesmo de então, nem é o mesmo que eu originariamente apresentei. Alem da alteração que já indiquei, no proprio artigo 1.° ha uma modificação sobre o accordo dependente da sancção legislativa, que não estava no projecto originario apresentado por mim.

Ora, desde quando é defezo a um ministro modificar os seus projectos em presença das votações de qualquer das casas do parlamento?!...

Eu não esperava que o illustre deputado, o qual está persuadido com justiça da importancia das funcções dos corpos legislativos, entendesse que tudo quanto não seja conservar a antiguidade de um projecto é uma accusação dirigida contra o ministro que effectivamente concorda com qualquer modificação.

Dito isto, que hei de eu dizer a respeito do projecto aqui apresentado por tres ministros successivamente, o que accusa talvez uma falta de imaginação, que é hoje motivo de censura para o ministerio actual, mas que em todos os paizes do mundo é uma recommendação a respeito dos projectos sobre os quaes não ha divergencia entre os differentes ministros que os apresentam?

Não vi que o illustre deputado tomasse parte na discussão d'este projecto, e peço perdão á camara para lhe declarar que me parece que elle é muito mais importante do que conhecer as contradicções dos ministros.

Eu ainda tenho esta errada opinião. E entendo que é muito mais importante para o paiz saber se a receita que se propõe por este projecto está nas condições de ser approvada pelo parlamento, do que saber se o ministro que a propõe, n'um certo dia, n'uma dada hora e n'uma casa do parlamento, está ou não em contradicção com o que disse outro ministro em outro dia, em outra hera e em outra casa do parlamento (riso).

Sem querer prejudicar a severidade das conclusões que o illustre deputado pretendeu tirar da avaliação d'estas circumstancias, eu persisto em reconhecer que, para o paiz, é muito mais importante saber se o augmento de receita proposto n'este projecto póde ser adoptado nas condições em que nos achamos.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Apoiado.

O Orador: — Ora ainda bem que estamos de accordo uma vez.

Eu trazia alguns apontamentos, e tinha tenção de fazer uma exposição financeira; mas, vendo que a accusação politica,...

(Áparte.)

O illustre deputado avalia mal os factos que se passam.

A respeito d'este projecto não digo mais nada. Houve porém uma accusação injusta quando os illustres deputados quizeram significar que querer fazer approvar este projecto com algumas excepções era a consagração dos privilegios. Eu podia voltar o argumento e dizer que não approvar este projecto é repetir o que já tinha acontecido, e prolongar os privilegios em larga escala. Creio que isso não estava nas intenções dos illustres deputados; mas os acontecimentos contrariam as suas intenções. Os illustres deputados devem considerar que a troco de não estabelecer uma limitação em condições tenuas, as excepções foram ampliadas de factos a muitos estabelecimentos que por este projecto ficavam sujeitos ao imposto.

Por consequencia, se os illustres deputados querem fazer valer como accusação ao governo o facto de se apresentarem excepções n'este projecto, eu direi aos illustres deputados que muito mais os condemna o facto de, em virtude de opposição que fizeram a este projecto, continuarem as excepções em mais larga escala do que o governo propunha.

Algumas d'essas excepções parece-me que são justificadas. E quando eu me refiro á redacção do artigo 4.°, que podia trazer duvidas para muitos espiritos illustrados, não quero de maneira nenhuma dizer que não houvesse motivo para muitas das excepções contidas n'este projecto.

Pois quem poderá negar que algumas operações bancarias do banco ultramarino no ultramar estão em condições em que pelo menos estavam alguns estabelecimentos commerciaes quando pela primeira vez se fundaram n'este paiz e receberam a consagração d'este privilegio? Pois foi possivel até agora continuar a manutenção d'estes privilegios legitimos para umas certas emprezas de industria d'esta natureza que se estabeleceram no nosso paiz, e não é licito conceder ao banco ultramarino a vantagem de igual excepção no ultramar, quando operações d'esta natureza são muito mais arriscadas e muito mais difficeis, porque são feitas em terras aonde não é muito facil encontrar pessoas que mereçam a verdadeira confiança para gerir administrações d'esta ordem? Já se vê que fazer algumas observações a respeito do pontos em que uma redacção era preferivel a outra, não é desconhecer os fundamentos com que foram feitas algumas emendas.

Declaro tambem que no projecto originario tinha escripto em vez de dividendos os «lucros» provenientes d'estes estabe-

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lecimentos; mas não duvidei conformar-me com a emenda proposta na outra casa do parlamento, e que representa uma redacção similhante áquella que alguns outros ministros tinham apresentado. Esta redacção era aceitavel quando não fosse senão para suavisar a transição do systema de privilegios para o de onerar os rendimentos.

Não seria justo considerar para o facto de lucros, o que não é dividendo, ou considerar como rendimento, o que não é distribuido como rendimento.

Note o illustre deputado a natureza especial d'estas industrias. Ellas gosavam até agora de uma excepção, porque a lei entendeu que lhes devia fazer este favor. Na occasião de se passar para o systema opposto, não considero extraordinario que se suavise a transição de maneira que não seja considerado como rendimento dos accionistas, se não o que lhes é distribuido. Já se vê que algumas das excepções apresentadas n'este projecto, que não faziam parte da sua redacção inicial, não significam um facto de uma ordem tal, que não possa ser aceito sem desdouro por parte dos individuos que aliás tinham apresentado um projecto redigido por outra fórma.

Peço desculpa de ter fallado a respeito do projecto; mas parece-me que elle é a parte essencial da discussão; e desde que o projecto é a parte essencial da discussão, não quero contrariar alguns srs. deputados, tomando mais tempo na discussão que supponho deveria ser o objecto principal em um negocio d'esta natureza (apoiados).

O sr. Presidente: — O sr. Pereira de Miranda pediu a palavra para uma questão previa; mas antes de lh'a dar, permittam-me os srs. deputados que lhes lembre que o regimento me impõe a obrigação de chamar á ordem os srs. deputados que se afastarem d'ella (apoiados). Nós estamos a discutir o projecto n.º 8, na sua generalidade, não estamos a fazer questões politicas; permittam-me dizer-lhes isto.

Tem a palavra o sr. Pereira de Miranda para uma questão previa.

O sr. Pereira de Miranda: — Está em discussão um projecto que é verdadeiramente infeliz. O sr. ministro da fazenda terminou pedindo desculpa á camara de se ter occupado d'elle, e eu peço desculpa de não me occupar d'elle. A minha opinião é conhecida, porque já em mais de duas sessões tive occasião de fallar a este respeito. Não tenho duvida em pronunciar a minha opinião sobre diversos artigos e modificações que se encontram n'este projecto; mas entendo que é de summa conveniencia um assumpto tão grave e tão importante que a camara tenha conhecimento de todas as reclamações que ha a este respeito. A camara dos dignos pares fez na ultima sessão algumas alterações importantes no projecto que foi da camara dos deputados, e uma das rasões que a levaram a isso foi a de que diversas representações, seis, se estou bem lembrado, foram dirigidas aquella casa do parlamento; e eu julgava muito conveniente que se pedissem estas representações para poderem ser examinadas pelos srs. deputados, e depois entrar-se mais conscienciosamente no fundo da questão. É a isso que limito a minha questão previa que mando para a mesa (leu).

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho o adiamento d'esta discussão até que venham á camara, e possam ser examinadas pelos srs. deputados, as representações que á camara dos dignos pares do reino foram dirigidas pelos diversos estabelecimentos, representações a que se refere o parecer da commissão do fazenda da camara dos dignos pares de 12 de maio de 1871.

Sala das sessões, em 22 de agosto de 187í. = Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Foi admittida, e ficou conjunctamente em discussão.

O sr. Mariano de Carvalho: — Conformo-me com algumas proposições que inventou o sr. ministro da fazenda; mas outras são mais aceitaveis para s. ex.ª do que para a camara.

S. ex.ª disse que a severidade póde servir para tudo, menos para escrever a historia. Tem s. ex.ª completamente rasão; porque se a historia houvesse de ser severa quando descrevesse a situação e o ministerio de que s. ex.ª_tem feito parte, seguramente s. ex.ª ficaria n'uma situação muito deploravel.

A historia espantar-se-ía, por exemplo, se ouvisse ao sr. ministro da fazenda sustentar com grande copia de rasões, que a causa occasional de um acontecimento não é a causa original. Havia de ver tambem com grande admiração que a causa de um acontecimento não é a causa d'esse acontecimento, mas outra. Nós julgavamos que, quando a causa de um acontecimento é uma, certa e determinada, não póde ser outra; mas ficâmos sabendo pela doutrina do sr. ministro da fazenda, que quando a causa de um acontecimento é uma, não é essa, é outra.

Peço á camara que veja, que medite como a historia tem obrigação de ser benevola para com s. ex.ª

Pedi a palavra sobre a ordem e ía-me esquecendo de ter as moções que vou mandar para a mesa, e que não são mais que a repetição das que apresentei o anno passado, quando foram discutidas as alterações feitas na outra casa do parlamento (leu).

Peço a v. ex.ª perdão de as não mandar já, porque tenho necessidade de as consultar para as sustentar. Hei de recorrer a argumentos quasi analogos aquelles de que me servi na sessão de outubro do anno passado, mas antes de entrar n'esta materia permitta-me v. ex.ª que, usando do direito de legitima defeza, responda a algumas observações do sr. ministro da fazenda, quando hoje e n'outra sessão quiz lançar á maioria da camara transacta a responsabilidade de conservar privilegios e isenções dos bancos.

A camara está lembrada de ouvir formular esta accusação do sr. ministro, agora e em outra sessão, quando se tratou da questão politica e financeira.

Não parece que seja justo que a maioria da camara dissolvida, em premio do seu patriotismo e constante zêlo pelos negocios publicos, soffra accusação d'esta ordem.

É preciso recordar os factos que se passaram aqui, e saber quaes as alterações que vieram da camara dos dignos pares ao projecto que foi votado depois de larga discussão. Para isso é necessario fazer a analyse de algumas d'estas alterações; uma d'ellas já o sr. ministro da fazenda citou como uma das causas que mais deviam influir no animo da camara transacta, para que as alterações feitas na camara dos dignos pares não podessem ser approvadas.

Disse s. ex.ª (leu).

A maioria da camara dissolvida e grande parte dos membros da commissão de fazenda entenderam que, recaíndo quasi sobre todos os bancos do paiz, mesmo sobre aquelles que não têem contrato oneroso com o governo, impostos especiaes, como é por exemplo o do sêllo; e comprehendendo o artigo 4.° das alterações feitas na camara dos dignos pares na isenção de pagamento de imposto, os bancos, sociedades anonymas e companhias que já pagassem algum imposto especial, a final ficariam isentos todos os bancos e companhias, sem excepção.

Na commissão de fazenda da camara transacta, aonde havia dois jurisconsultos distinctissimos, levantou-se esta questão, mas forçoso é dizer, que as rasões apresentadas por estes dois jurisconsultos muito respeitaveis não poderam convencer outro jurisconsulto não menos distincto, nem grande parte dos membros da commissão. Os meus collegas que fizeram parte d'esta commissão estarão lembrados que, segundo a opinião d'ella, o artigo 4.° das alterações deixava isentos, sem excepção, todos os bancos, sociedades anonymas e companhias que existiam no reino, pois que todas mais ou menos pagam algum imposto geral ou especial.

(Gesto negativo da parte do sr. ministro da fazenda)

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O Orador: — Bem sei que o sr. ministro da fazenda, que fez um gesto negativo, não concordou com esta opinião, mas não se serviu de fundamentar o seu parecer.

Para esclarecer mais esta opinião é preciso lembrar alguns factos da nossa historia financeira e economica.

Até certa epocha os estabelecimentos bancarios estavam isentos do imposto do sêllo. Em 1863, se bem me lembro, uma lei sujeitou ao imposto do sêllo todos os bancos que fossem auctorisados pelo poder executivo; mais tarde aconteceu que o mesmo imposto foi lançado sobre os bancos auctorisados pelo poder legislativo. Temos por consequencia que estes estabelecimentos, que eram isentos do imposto do sêllo, foram depois sujeitos a elle.

Pergunto eu; o imposto do sêllo não é um imposto geral ou especial? Realmente é; mas que seja um imposto geral ou especial, não discuto essa questão; o facto é que quasi todos os bancos estão sujeitos a esse imposto e todos elles ficaram isentos do novo imposto de 10 por cento, em virtude da deliberação da camara dos pares (apoiados). Por consequencia, não é exacta a proposição que o sr. ministro da fazenda aventou de que a maioria da camara passada, rejeitando as alterações da camara dos pares, quiz conservar os privilegios existentes; a maioria queria que, recorrendo-se ao meio constitucionalissimo de uma commissão mixta, se melhorasse o projecto, vindo da camara dos pares (apoiados), evitando-se que depois de tantos trabalhos a isenção ficasse subsistindo para todos os bancos, companhias e sociedades anonymas.

E devo dizer mais. A maioria da camara dos deputados estava perfeitamente certa de que havia o tempo necessario para se formar a commissão mixta e discutir-se o projecto de lei que ella formulasse (apoiados).

Depois do illustre deputado, o sr. Latino Coelho, que, sinto não pertencer a esta legislatura (apoiados), ter pronunciado n'esta casa um discurso que, segundo a versão do sr. presidente do conselho, provocou a dissolução da camara, ainda depois d'isso, o nobre presidente do conselho, humilde e supplicante, teve a bondade de procurar o sr. bispo de Vizeu, pedindo-lhe o auxilio do seu partido (apoiados). O sr. bispo de Vizeu disse-lhe que o partido reformista não tinha duvida nenhuma em continuar a apoiar o ministerio, se elle cumprisse as condições que primitivamente lhe tinham sido impostas. Uma d'essas condições era que o governo aceitasse todas as economias que fossem compativeis com o serviço publico; outra que o governo não aconselhasse á corôa o encerramento das côrtes, sem o orçamento do estado estar completamente discutido (apoiados). Apenas se discutiu o orçamento do ministerio da marinha; a respeito dos outros ministerios nem mesmo os respectivos pareceres tinham sido apresentados, por consequencia a camara tinha de estar aberta mais um mez ou mez e meio. Havia, portanto, tempo sufficiente para se formar a commissão mixta e approvar-se o projecto que ella formulasse (apoiados).

Acrescento ainda mais algumas palavras n'esta ordem de considerações. A maioria da camara dos deputados tambem não podia consentir que no projecto fosse consignada uma inexactidão de facto, que revertia em proveito de uma companhia poderosa. (Apoiados.) A inexactidão de facto está no artigo 3.° (leu).

Ora as obrigações da companhia das aguas, assim como as suas acções, nunca foram isentas do imposto; portanto quando no projecto se dizia que essa isenção continuava, commettia-se uma inexactidão de facto que a maioria da camara não podia sanccionar (apoiados). De mais a redacção do projecto era tal que ninguem saberia o regimen em que deveria viver. As acções da companhia das lezirias que estivessem na mão de particulares não eram tributadas; as que estivessem em poder dos bancos eram tributadas. As acções da companhia do credito predial que estivessem em poder de bancos não eram tributadas; as que estivessem em poder dos particulares eram tributadas. Exactamente o contrario. A maioria da camara electiva não quiz de modo algum sanccionar similhantes contradicções (apoiados).

Creio, portanto, ter respondido completamente ás observações que o sr. ministro da fazenda fez quando lançou uma accusação tão pungente sobre uma camara que s. ex.ª tanto mais devia respeitar quanto se devia lembrar de que já não existe.

Tambem o sr. ministro da fazenda quiz justificar a demora que o projecto teve na camara dos pares desde tantos de dezembro até principio de maio, porque o tributo sobre os bancos vinha comprehendido na proposta de lei de contribuição industrial que foi aqui apresentada em o dia 11 de março. Repito, a justificação de s. ex.ª foi esta que o governo não instou pela approvação do projecto de lei dos bancos na outra camara, porque as disposições d'esse projecto estavam comprehendidas na proposta de lei sobre contribuição industrial. Se o governo podesse convencer-se de que o projecto da contribuição industrial brevemente se discutiria, a sua desculpa poderia ser aceitavel; mas não póde ser admissivel, porque a 27 de março já o sr. ministro da fazenda sabia que o projecto da contribuição industrial não podia ser brevemente discutido e approvado.

Tinha-se concordado em que o projecto não fosse discutido emquanto não estivessem publicadas todas as representações dos que se julgavam lesados por essa contribuição; e havendo-se o illustre deputado o sr. Santos e Silva, relator d'esse projecto declarado habilitado para a discussão do mesmo projecto, o sr. ministro da fazenda pediu repetidas vezes o adiamento da discussão. Esta é a verdade, verificada a impossibilidade de entrar em discussão o projecto de contribuição industrial, devia o sr. ministro da fazenda instar na outra camara pela discussão do projecto relativo aos bancos.

Não consta que o fizesse, nenhum documento accusa as instancias por s. ex.ª feitas a tal respeito.

O que consta só é que á ultima hora quiz impor a esta camara a approvação de um projecto de lei, cujos defeitos acabo de mostrar. N'estas cousas é necessario ter grande cautela.

Não basta que o sr. ministro diga que vale mais avaliar a importancia de algum projecto, do que examinar as contradicções dos ministros, porque ha uma cousa chamada solidariedade ministerial que obriga os governos a terem pensamento harmonico.

Quando sobre um facto tão grave, como a dissolução de uma camara, o sr. ministro da fazenda tem uma opinião e o sr. presidente do conselho outra, quando s. ex.ªs se contradizem perante as camaras e perante o poder moderador, é claro que o principio da solidariedade ministerial está roto, e que o governo em face dos principios constitucionaes não póde conservar-se. Portanto, não estranhe o sr. ministro da fazenda que nós lhe notemos as suas contradicções.

Já outro dia o sr. presidente do conselho ousava aqui citar factos que s. ex.ª sabia não serem verdadeiros; e entretanto, s. ex.ª tinha dito que não tinha outra missão senão dizer a verdade á camara e ao paiz.

Quando s. ex.ª vem allegar que este governo fez mais 1.000:000$000 réis de economias que o ministerio de 1868 a 1869, e creou mais 2.000:000$000 réis de receita, faltou scientemente á verdade conhecida.

O sr. Presidente: — Mas estas asserções não são proprias do parlamento. Dizer que o sr. presidente do conselho vem aqui affirmar factos que sabia não serem verdadeiros, não me parece que seja linguagem parlamentar (apoiados).

O Orador: — Não sei se é ou não linguagem parlamentar, mas sei que de certo não é parlamentar vir um ministro da corôa asseverar factos, que sabe inexactos (apoiados) Mas, se acaso v. ex.ª julga que a phrase não é parlamentar, eu retiro-a, sem deixar de sustentar que o sr. presidente do conselho ou nada sabe das cousas de fazenda,

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apesar de ter sido largos annos ministro, ou foi inexacto e affirmou scientemente cousas não verdadeiras. Podem escolher, e se contestarem a verdade do que digo, tenho á mão os documentos por onde se prova a flagrante inexactidão ou a ignorancia de s. ex.ª em questões de fazenda. Não recuo.

Depois d'estas breves considerações que eu fiz, usando do direito de legitima defeza, em resposta ao sr. ministro da fazenda, vou agora tratar de defender as minhas moções. Uma d'ellas é a seguinte: as palavras juros e dividendos, se substituam pelas palavras juros e lucros.

A proposta originaria do governo, em 5 de dezembro de 1870, trazia as palavras juros e lucros.

Na commissão de fazenda discutiu-se este assumpto largamente, e a commissão manteve as palavras juros e lucros. Na camara dos dignos pares substituiu-se as palavras juros e dividendos ás palavras juros e lucros. Finalmente a commissão de fazenda actual tambem entendeu que devia substituir as palavras juros e dividendos ás palavras juros e lucros.

Entendo porém que as palavras que estavam no projecto primitivo do governo são muito mais convenientes e representam uma idéa mais justa.

Um banco faz por exemplo um certo numero de operações e no fim do anno calcula os seus lucros. D'esses lucros dispõe parte pelos dividendos aos accionistas e parte para o fundo de reserva.

Segundo a redacção do governo e da commissão de fazenda da camara transacta, são tributados todos os lucros qualquer que seja o destino que o banco lhes dê; segundo a doutrina da actual commissão não é assim. São tributados só os lucros que forem distribuidos em dividendos.

Não questiono sobre a palavra juros, mas para combater o uso da palavra dividendo, basta-me allegar o procedimento do fisco com qualquer agricultor, commerciante ou industrial.

O agricultor tem por exemplo 2:000$000 réis de lucros da sua lavoura por anno; reserva 1:000$000 réis para melhoramentos na sua propriedade, o que é o mesmo que augmentar o capital e 1:000$000 réis applica-o ás suas despezas. Que faz o estado?

O estado distingue entre a parte que foi destinada a augmentar o capital e a que consome nas despezas? Não distingue. Tributa tudo, porque tudo é lucro. E o que se faz por este projecto que estamos discutindo? Tributa só a parte que é destinada para os dividendos, e não a parte destinada para fundos de reserva, quando relativamente ao commerciante ou industrial, tributa tudo. Pergunto se isto é justo?

A carta constitucional diz que a lei deve ser igual para todos. Ora, se para todos os individuos não associados em bancos, companhias ou sociedades anonymas, se estabelece um certo principio, porque é que esse principio não ha de vigorar para com os bancos, companhias, etc.?

Tenho ainda uma duvida sobre a palavra juros, e essa duvida carece de explicação.

Ha alguns bancos que abonam juros aos depositantes e aos portadores de promissorias. Em virtude da redacção do projecto esses juros são tributados?

O projecto diz que são tributados os juros que estes estabelecimentos pagam pelas suas acções; mas ha bancos que tambem pagam o juro aos portadores de promissorias e a depositantes; pergunto, esses juros são tributados? Supponho que a commissão não quiz tributa-los; todavia, como as discussões d'esta camara auxiliam a interpretação das leis, parecia-me conveniente que o sr. relator da commissão fizesse, para ficar consignada, alguma declaração n'este sentido; não proponho nenhuma moção a este respeito, porque me parece que a interpellação legal do artigo 2.° tira esta duvida, mas quero que deixemos os elementos necessarios para essa interpretação.

Vamos a outra proposta (leu). Effectivamente não ha rasão nenhuma em virtude da qual sejam isentas as obrigações da companhia das aguas, que não possa ser applicavel ás outras companhias de utilidade publica. Em 1870, quando se discutiu uma proposta de lei de contribuição industrial apresentada pelo sr. Braamcamp, e em 1871 quando se apresentou a proposta do actual governo, o illustre deputado, o sr. Pinto de Magalhães, não sustentou a sua proposta de isenção para a companhia das aguas senão com o fundamento de que era uma companhia de utilidade publica. Foi essa a rasão fundamental da sua proposta. No mais s. ex.ª procurou approximar a companhia das aguas da companhia do credito predial; mas a rasão foi aquella. Se isto é uma rasão, não o é só para a companhia das aguas, mas tambem para outra qualquer companhia. Póde haver de futuro companhias de utilidade publica que emittam obrigações, e no presente já as ha, como por exemplo a companhia aurificia, a utilidade publica, e mais algumas.

As obrigações de todas estas companhias, que são realmente de utilidade publica, ficam tributadas; as da companhia das aguas não ficam tributadas, apesar de existir a mesma rasão para umas e para outras.

O principio da utilidade publica parece-me que deve tornar-se extensivo a todas, caso seja approvada a excepção em relação á companhia das aguas. Mas eu entendo que se não deve votar essa excepção quanto á companhia das aguas.

A companhia das aguas linha um capital de 5.000:000$000 réis, e emittiu metade em acções e metade em obrigações. Supponhamos que a companhia das aguas tinha emittido todo o capital em acções e que os seus lucros em um anno eram 500:000$000 réis; como pagasse 10 por cento de contribuição especial, segue-se que o estado receberia réis 50:000000.

Mas suppunhamos que a companhia das aguas dividiu o capital metade em acções o metade em obrigações. Querendo ainda admittir que o juro das obrigações é igual ao dividendo que se distribue ás acções, pertenceriam réis 250:000$000 ás acções e 250:000$000 réis ás obrigações. Sendo assim, o imposto lançado á companhia era apenas de 25:000$000 réis.

E isto para que? Para que os portadores das acções tivessem o lucro que lhes pertencesse, e mais 25:000$000 réis que o estado lhe dava de mão beijada.

(Ápartes de differentes srs. deputados.)

Torno a repetir o meu argumento.

Tambem, quando se discutiu esta questão na camara, na primeira sessão de 1870 e depois na segunda, o sr. Pinto de Magalhães allegou que os lucros da companhia das aguas era ficticios e não deviam de modo algum ser tributados.

Na minha opinião nem o juro actual das obrigações da companhia das aguas, nem o dividendo actual das acções devem ser tributados.

Pela disposição do § unico do artigo 84.° da lei de 1867, são auctorisadas as companhias a distribuir parte do seu capital em dividendos.

Declaro que condemno esta disposição (apoiados), e os factos passados em quasi toda a Europa estão de accordo com o meu parecer.

Seja como for, a lei permitte que as companhias possam distribuir o seu capital em dividendos e juros. É o que a companhia das aguas hoje está fazendo. A companhia das aguas não tem ainda lucros, e distribue dividendos ás acções e juros ás obrigações pelo seu capital; esses dividendos e juros não devem ser tributados, porque não ha lucro, antes prejuizo.

Emquanto a acções, a illustre commissão de fazenda muito bem aceitou esta doutrina, como a tinha aceitado já a commissão de fazenda da camara passada.

Mas o que digo a respeito das acções, digo-o a respeito das obrigações.

Não devem ser tributadas emquanto a companhia não ti-

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ver lucros reaes; mas desde que haja lucros, então devem tributar-se, tanto as acções como as obrigações. O sr. relator da commissão manifesta adherir a estas idéas. Mas se adhere, porque não ha de concordar em que n'este projecto de lei, se attenda ja tanto ao presente como ao futuro? Estimo a adhesão de s. ex.ª e espero ve la traduzida no projecto em discussão.

Se o illustre relator da commissão concorda commigo a este respeito, para que vem a excepção marcada no artigo 3.° para as obrigações da companhia das aguas? Se é para o futuro; se é para a epocha em que houve lucros, então esta excepção não está de accordo com as idéas manifestada por um signal de adhesão do illustre relator. Se é para o presente, a excepção está consignada no artigo 2.°, porque por este são tributados só os juros e dividendo, que provenham de lucros reaes.

Se s. ex.ª aceita a minha doutrina, como manifestou, deve concordar em que deve ser eliminada a excepção contida no artigo 3.°, porque já a temos no artigo 2.° Se s. ex.ª quizesse a isenção de imposto ainda para o caso de lucros reaes, concebia-se a existencia d'ella no artigo 3.° Mas s. ex.ª não aceita similhante isenção e agora torna a manifesta-la; s. ex.ª diz apenas «as obrigações da companhia das aguas não devem ser tributadas emquanto não houver lucros»; então, digo eu, para que vem esta parte do artigo 3.°?

É uma redundancia, porque no artigo 2.° está a excepção para os lucros ficticios; é um perigo, porque a companhia, ainda quando tenha lucros reaes, ha de prevalecer-se do artigo 3.°, que é incondicional.

Portanto, devemos propor a eliminação das palavras «obrigações da companhia das aguas».

Não admitto a excepção em relação ás operações bancarias feitas no ultramar pelo banco ultramarino, que tem a sede em Lisboa, e que regularmente deve ser tributado aqui.

A commissão quer que seja tributado em Lisboa o banco ultramarino pelos lucros que elle aqui auferir, e que em cada uma das provincias ultramarinas sejam lançados tributos sobre as succursaes do banco ultramarino pelos lucros que lá tirarem.

Digo eu: mais simples, mais economico e mais commodo para o fisco é que o banco ultramarino seja tributado só em Lisboa, onde está a sua sede, onde se fazem as suas contas, onde se apuram todos os lucros e onde se distribuem em dividendos.

Parece-me que a commissão, segundo as declarações do sr. ministro da fazenda, que deve ter ouvido naturalmente as explicações dadas pelos seus membros, quer isentar do imposto o banco ultramarino pela difficuldade das suas operações no ultramar; mas, quando leio os relatorios do banco, vejo que uma parte importante dos lucros provém exactamente de operações no ultramar...

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — É uma parte pequenissima.

O Orador: — Então menos inconveniente ha em se tributar.

Se é verdadeira a declaração do sr. ministro da fazenda, de que o banco tem difficuldade em fazer operações no ultramar, o principio da igualdade perante o imposto e a; commodidade fiscal, exigem que sejam tributados os seus lucros em Lisboa, visto que os auferidos no ultramar são tão pequenos, que o sacrificio do banco será insignificantíssimo. Se, como julgo, são importantes os lucros ganhos pelo banco no ultramar, cae por terra a argumentação do sr. ministro da fazenda, fundada na pequenez d'esses lucros. Mas, se for approvada a isenção, eu proponho que seja applicada a todos os bancos, companhias e sociedades anonymas que funccionarem no ultramar.

O sr. Ministro da Fazenda: — Tem exclusivo.

O Orador: — O banco ultramarino tem exclusivo para, as operações bancarias, porém não para outras quaesquer emprezas de utilidade publica. Quaesquer bancos, quaesquer companhias, ou quaesquer sociedades anonymas, podem empregar os seus capitaes em grandes emprezas no ultramar, commercial, industrial ou agricola.

Pergunto: se em logar de approvarmos uma lei para cada caso especial, não é mais acertado legislarmos para a generalidade dos casos?

Póde ámanhã estabelecer-se uma sociedade anonyma para emprehender uma industria no ultramar; os lucros d'essa companhia serão tão precarios como os do banco e muito contingentes. Teremos então para o mesmo caso duas leis, para a mesma rasão duas determinações, para a mesma justiça duas medidas! Querem isto?

Concedida pois a isenção do imposto ao banco ultramarino, porque não se ha de conceder a essa companhia, e se ha de estar á espera de leis especiaes?

É notavel que quando nós pedimos medidas especiaes, se nos diz: «Esperem para as medidas geraes»; e quando pedimos geraes, se nos diz: «Esperem para as especiaes» (apoiados). A final, não legislâmos nunca! Mas vamos concedendo isenções odiosas.

Agora fica o banco ultramarino sem pagar impostos pelas operações bancarias no ultramar, e diz se que é uma indemnisação pelo subsidio de 30:000$000 réis, que o estado lhe pagava, e que lhe foi tirado.

Pois se o subsidio lhe foi tirado illegalmente, restitua-se-lhe; mas não se estabeleça, a titulo de indemnisação, uma excepção odiosa em favor d'esse estabelecimento (muitos apoiados). Se não lhe foi tirado illegalmente, não ha motivo para indemnisações.

Se é justo dar-se-lhe o subsidio, dê-se-lhe; mas não se commetta uma injustiça á sombra de uma reparação (apoiados).

Leram-se na mesa as seguintes Propostas

1.ª No caso de ser approvado o artigo 3.° do projecto em discussão, proponho:

Que em additamento se declare ficarem igualmente isentas as obrigações de qualquer banco ou companhia instituida para fim de utilidade publica.

Que depois do artigo 4.° se acrescente o seguinte:

Art. 5.º As disposições da presente lei são applicaveis aos estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias estabelecidas nas provincias ultramarinas, bem como as agencias nacionaes ou estrangeiras de estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias estabelecidas nas mesmas provincias.

Sala das sessões, em 22 de agosto de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

2.ª Proponho que nos artigos 2.º e 3.°, ás palavras = juros e dividendos = se substituam = os juros e lucros =.

Sala das sessões, em 22 de agosto de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foram admittidas e ficaram conjunctamente em discussão.

O sr. Presidente: — Como a hora está adiantada e ainda estão muitos senhores inscriptos sobre a generalidade do projecto, vae passar-se á segunda parte da ordem do dia.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Ainda estão muitos senhores inscriptos?

O sr. Presidente: — Estão inscriptos sobre a ordem os srs. deputados, por Silves, Penafiel e Trancoso.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Eu não estou inscripto?

O sr. Presidente: — O sr. Rodrigues de Freitas está inscripto pela segunda vez.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Em que altura estou?

O sr. Presidente: — É o primeiro a fallar.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA •

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. deputado por Fafe para continuar o seu discurso.

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O sr. Visconde de Moreira de Rey: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Barros e Cunha: — Participo a v. ex.ª que está constituida a commissão especial, tendo nomeado para presidente o sr. Luciano de Castro, para relator o sr. Adriano Machado, e para secretario o sr. Pereira de Miranda.

O sr. Nogueira: — Mando para a mesa um parecer da commissão de saude.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje, tanto na primeira como na segunda parte.

Está levantada a sessão.

Eram pouco mais de cinco horas da tarde.

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