O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1940

Quando pela primeira vez li este projecto cuidei que a opinião e intenção da nobre commissão era declarar como regra interpretativa, que as decisões da camara ácerca dos processos crimes dos deputados eram resolutivas da questão criminal. Devo á benevolencia de um illustre membro da commissão a informação pela qual conheci que me enganava, e que tal não era o espirito e intenção da commissão. Satisfeito pois quanto á doutrina que se intentava implantar, fiquei mais confuso quanto á natureza, indole e alcance do expediente que se pretendia consignar no presente projecto. E por maior que seja a vontade que tenha de condescender com os meus illustres collegas, que se incommodam por estar causando embaraços á sua approvação, não possam condescender com elles. Na fórma por que esta redigido não posso approva-lo; se não for adoptado o adiamento, entrarei largamente na questão.

O nobre deputado, o sr. Freitas e Oliveira, interrompeu-me em um áparte para me indicar a posição em que ficam os deputados antigos de cujos processos se trata. Eu direi a s. ex.ª - se esses senhores forem incommodados, recorram para os tribunaes superiores, e estes farão justiça. Se elles quizerem, podem requerer baixa na culpa, os juizes resolverão.

Termino por pedir que, se se quer tratar d'esta materia, o façamos conveniente e dignamente. Dêem-nos tempo para discutir com largueza, e o melhor será espaçar para tempos mais apropriados (apoiados).

O sr. Ferreira de Mello: — Eu estou costumado a admirar sempre o meu nobre collega e amigo, que acabou de fallar, pela proficiencia e illustração com que entra em todas as questões, mas esperava, e parecia-me mais proprio da prudencia do meu collega que, começando por dizer que não entendia o projecto, não discutisse antes de receber algumas explicações da commissão, para não dar a esta questão uma importancia que ella não tem, e não combater umas difficuldades todas imaginarias, que não existem de fórma alguma no projecto em discussão, e que só nasceram da imaginação viva do meu collega e illustre amigo.

Disse s. ex.ª que nós não estavamos em circumstancias de entrar em uma questão constitucional, e que havia conveniencia em se guardar para a outra sessão, não havendo prejuizo algum em se esperar até esse tempo.

Antes de tudo direi que este projecto não é interpretativo da doutrina da carta constitucional; não é interpretativa das leis existentes, é interpretativo apenas das decisões tomadas por esta camara, e sobre os factos que lhe foram affectos, e sobre que ella já decidiu e julgou.

Como quer o illustre deputado que ácerca de casos decididos por esta camara se fique em duvida ou em incerteza, e que se mande interpretar lá fóra as nossas decisões, declarando-nos nós incompetentes para as interpretar?

Se somos incompetentes para as interpretar, mais incompetentes eramos para as tomar. O argumento poderia colher para que não as tomassemos, mas não colhe de maneira nenhuma para que nós, depois de as termos tomado, nos recusemos a declarar qual a verdadeira interpretação, e o sentido em que a camara tomou essas resoluções.

A questão actual é de factos, e sómente de factos. A de direito, em que o illustre deputado antecipou os seus receios, ha de vir brevemente, mas na sessão seguinte.

Na commissão de legislação estão dois projectos distinctos. Estava antes d'este um projecto apresentado em outra legislatura n'esta casa por um dos homens mais illustres e que eu mais respeito n'este paiz, o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, cuja iniciativa foi renovada pelo sr. José de Moraes, que tambem tinha tomado parte no projecto da primeira vez. Esse projecto contém toda a importancia da questão constitucional que o illustre deputado, o sr. Barros e Sá imagina para este, e que este não tem de especie nenhuma.

Quando a commissão se ocupava de examinar esse projecto do sr. Sampaio (desejo dar esta explicação ao sr. Barros e Sá), projecto constitucional e importantissimo, que não póde ser votado de leve, porque necessita da maior consideração e reflexão antes de ser approvado, appareceu na commissão uma pergunta feita pelo meu illustre amigo, o sr. Freitas e Oliveira, e um convite á commissão para apresentar um projecto de lei em que marcasse qual a interpretação das resoluções tomadas até hoje por esta camara ácerca dos crimes de que conheceu.

Esta pergunta era fundada em circumstancias imperiosas e muito urgentes.

Não é só nos tribunaes que se duvida e que ha divergencia de opiniões sobre qual é a extensão que se deve dar ás resoluções d'esta camara, tomadas até hoje nos crimes dos seus membros. Jurisconsultos distinctos, advogados de muito nome se têem pronunciado por um e outro modo, e uns têem attribuido ás decisões um effeito definitivo, emquanto que outros lhe attribuem apenas um effeito suspensivo. Não posso ser suspeito n'esta questão, porque combati o projecto apresentado na camara pelo sr. deputado Rodrigues Sampaio. Combati este projecto na imprensa contra seu auctor, onde sustentámos durante quatro mezes uma questão, em que eu segui a idéa de que a decisão da camara não podia nunca extinguir a accusação nem conhecer da existencia ou não existencia dos crimes.

Por consequencia não sou suspeito nem ao nobre deputado nem á camara, apresentando-me aqui a defender estas idéas; tenho provas escriptas e muito demoradas de que o meu fim, combatendo aquelle projecto, era exactamente o contrario do que a commissão vem hoje propor á camara; mas a questão então era de direito para o futuro, e agora é só de factos para o passado. Isto levar-nos-ía muito longe entrando na questão detidamente; mas é certo que nem na carta constitucional, nem em lei alguma portugueza, ha disposição alguma que auctorise a camara electiva a constituir-se em tribunal de justiça; não ha uma só disposição que auctorise tal. Ha por outro lado a pratica e praxe constantemente seguida até hoje, não só aqui, mas em paizes que têem constituições muito similhantes á nossa, em que as camaras electivas se têem constituido em tribunal de justiça e julgado dos crimes, examinando os processos e tomando sobre elles uma resolução definitiva como tribunaes de ratificação de pronuncia.

Tenho aqui uma decisão relativa ao processo do sr. Marques de Paiva, que foi tomada no parlamento de 1806, a fim de v. ex.ª ver como a camara considerava os casos julgados. Vou ler um dos considerandos da commissão.

O primeiro considerando diz:

«Considerando que a constituição, tornando dependente das licenças da camara a continuação do processo contra qualquer deputado, teve por fito, no interesse do systema representativo, evitar que os representantes da nação podessem ser desviados do parlamento por motivos politicos, ou por odios ou vinganças, considerando para isto, e n'estes casos, a camara como uma especie de jury especial de ratificação da pronuncia.»

No segundo considerando declarou a commissão que os factos imputados não eram criminosos, e extinguiu o crime, não ratificando a pronuncia e não consentindo na continuação do processo.

Aqui tem V. ex.ª manifestamente declarado como a camara se constituiu em 1866 como jury de rectificação de pronuncia. Ella não podia fazer isto, segundo a opinião que eu tenho sustentado, mas foi o que fez, e é isto o que invariavelmente e sem excepção se tem feito até hoje.

Não ha nas nossas leis disposição nenhuma que auctorise o juiz de direito a remetter os processos á camara electiva, e não ha um só caso, desde que ha crimes de deputados no nosso paiz, em que o juiz de direito não tenha remettido o processo a esta camara. Ora, a remessa do processo, a circumstancia da camara o considerar e resolver a final sobre elle, importa um julgamento final sobre o crime e portanto a extincção do crime.

Aqui tem V. ex.ª como a camara se encontrava entre a sua opinião interpretativa da carta constitucional e entre factos consummados, que ella não podia remediar nem evitar, factos consummados anteriormente por todos os parlamentos até ao dia de hoje.

Lá fóra, não só os tribunaes divergiam de opinião, mas até os empregados. Eu mesmo, na minha curta carreira de advogado, fui consultado n'este sentido por um digno juiz, ornamento distincto da magistratura portugueza, cavalheiro muito intelligente, e que é hoje nosso collega n'esta camara; e eu lembro-me das difficuldades com que nós lutámos antes de resolver esta questão, e declaro a v. ex.ª que apesar d'isso não a resolvemos bem, ou pelo menos resolvemo-la de uma maneira contraria á opinião que eu hoje tenho e que sustentei constantemente na imprensa.

Subsistem portanto as duvidas, as incertezas e as divergencias entre os advogados que aconselham, e os juizes que julgam, e os tribunaes acham-se hoje perplexos, não sabendo que lei hão de applicar, não sabendo se hão de fazer reviver os processos e julga-los de novo, ou se têem de remetter a decisão á camara electiva, como á corporação a quem pertence declarar novamente se os crimes estão extinctos, ou as accusações simplesmente suspensas.

O ultimo accordão da relação, que o sr. Barros e Sá aqui citou, significa que um dos tribunaes mais respeitaveis d'este paiz demora os processos e aguarda a resolução da camara. E que quer o sr. Barros e Sá que faça a camara? Quer que a camara não resolva, e que os tribunaes aguardem indefinidamente uma resolução que nós nunca lhe daremos? Isto não póde ser. Deixemos por uma vez o systema de estarmos sempre a declarar-nos incompetentes para resolver esta ou aquella questão. Deixemo-nos de estarmos a duvidar constantemente dos nossos poderes, das nossas attribuições.

E preciso que nos convençamos por uma vez de qual é o fim para que aqui viemos e qual é a nossa missão. Nós viemos aqui para legislar, para estabelecer regras, para tirar duvidas, para interpretar leis. Se não viessemos aqui para isto, era inutil virmos cá, porque então não vínhamos para cousa nenhuma.

E que prejuizo ha n'esta demora, pergunta o sr. Barros e Sá? Pois entende s. ex.ª que póde haver prejuizo maior, mais permanente e mais penoso, do que estar um homem a vergar constantemente debaixo do peso de uma accusação, sem saber se ella terminou ou não?

Haverá para um homem posição mais desagradavel do que ter um crime sem elle estar decidido por qualquer fórma?

Eu esperava que este projecto tivesse alguma impugnação pelas disposições que estabelece, mas que fosse combatida a necessidade de tomarmos uma resolução qualquer é que eu não esperava nem podia rasoavelmente presumir.

O que a commissão entendeu é que estes casos passados precisavam indispensavelmente ser resolvidos; é indispensavel resolve-los quanto antes, porque tanto os individuos contra quem correram esses processos, como os tribunaes, como os advogados, estão perplexos e indecisos, sem saberem qual é a lei applicavel a este caso e qual é a resolução definitiva a este respeito.

Diz o sr. Barros e Sá que, apesar de não entender o projecto da commissão, lhe parece todavia que elle estabelece uma regra para o passado e outra para o futuro.

A primeira parte do que o meu illustre collega entende é verdadeira. Que a commissão estabelece uma regra para o passado é exacto, mas que ella estabeleça outra regra para o futuro é que o illustre deputado não póde prever nem affirmar aqui sem se metter a adivinhar o que ainda não está resolvido.

O projecto da commissão é uma regra só para o passado, é só para os casos relativos aos membros das camaras anteriores, cujos processos foram remettidos a esta casa, cujos processos esta camara avaliou e cujos crimes a camara julgou de uma ou outra fórma. Em relação a estes unicamente é que diz este projecto em discussão que os crimes estão extinctos, porque as resoluções das camaras o mandaram extinguir.

Para o outro projecto a que me referi, apresentado pelo sr. Antonio Rodrigues Sampaio, é que a commissão se reserva apreciar competentemente a doutrina constitucional e as disposições legaes, estabelecendo-as como lei generica que não admitta para o futuro duvida nenhuma.

O illustre deputado, o sr. Barros e Sá, declarou que este projecto lhe parecia uma sentença.

Eu não conheço sentença que seja superior a uma lei.

Isto não é uma sentença, e uma lei é mais do que uma sentença, porque esta decide só o caso em questão, e a lei faz se para os resolver todos.

Não se admire portanto s. ex.ª de que uma lei, feita para resolver certos casos, os resolva. Não comprehendo mesmo que se faça uma lei para resolver certos casos, e que essa lei os deixe sem resolução. Isso é impossivel, ou pelo menos seria extraordinario e estranhavel.

Este projecto é uma resolução sobre casos passados, o n'esse ponto não admira que se pareça com uma sentença; a differença consiste em que a sentença decide casos particulares, e a lei decide casos de uma maneira generica.

E opinião do illustre deputado, a quem estou respondendo, que a lei se deve fazer para o futuro, interpretando a doutrina constitucional.

Essa lei ha de vir quando a commissão apresentar o parecer, que já esta muito adiantado, sobre o projecto do sr. Rodrigues Sampaio.

Então é que se hão de interpretar as disposições constitucionaes que de futuro devem constituir lei. Â lei actual é só para o passado.

Diz o sr. Barros e Sá que = uma lei interpretativa nunca se refere aos casos já decididos —; o n'esta parte creio realmente que o ouvido me enganou. Parece-me que s. ex.ª não proferiu esta asserção de uma maneira tão absoluta como eu a repito agora.

Não posso comprehender similhante cousa, porque s. ex.ª sabe que uma lei interpretativa é para todos os casos passados quando não ha prejuizo de direitos adquiridos, ou prejuizo de terceiro. Esta é que é a regra de direito constitucional.

A regra é que a lei interpretativa, quando não vá ferir ninguem, se applique exactamente aos casos passados, porque é a esses casos que ella tem de ser applicada.

Diz o sr. deputado que = esta lei é a extincção dos crimes =, mas engana-se s. ex.ª

A extincção dos crimes provém das resoluções dos parlamentos anteriores. Esta lei não vem agora extinguir os crimes, nem declarar os effeitos que tiveram as resoluções anteriores; effeitos que a commissão não póde deixar de reconhecer, porque os encontra repetidos em todos os casos decididos pela camara dos deputados a respeito dos crimes dos seus membros.

Quando todas as commissões, que têem tomado conhecimento d'estes casos, têem declarado, depois de examinarem o processo, que não encontram n'elle elementos para a pronuncia; e quando todas as camaras têem dito que, em virtude das leis do paiz, não ha motivo para a accusação, como quer o sr. deputado que o parlamento venha hoje interpretar as resoluções dos parlamentos anteriores? Ha de interpreta-las em harmonia com o que elles fizeram, e elles o que fizeram constantemente foi decidir sobre a validade da accusação, sobre a existencia ou não existencia da criminalidade.

O illustre deputado quando tratar esta questão de certo não poderá ir muito mais longe do que foi o sr. Rodrigues Sampaio. E note s. ex.ª que um dos nossos primeiros jurisconsultos, o sr. Silvestre Pinheiro Ferreira, combatendo o uso que as côrtes faziam das attribuições de julgar, impugnando que ellas se constituissem em tribunal de justiça, declarou que isso era um abuso, mas que era um abuso que existia não só entre nós, mas nas outras nações.

A questão toda é, portanto, que nós devemos separar os casos julgados, e os casos já decididos, da interpretação racional e philosophica da doutrina constitucional da carta para o futuro. Não podemos deixar de separar casos já julgados e já decididos de casos que ainda não vieram a esta camara, que ainda estão por acontecer, e os quaes nós podemos apreciar á face dos verdadeiros principios em qualquer lei que façamos de novo. Mas essa lei que nós fizermos de novo não a podemos de certo applicar a desfazer aquillo que esta feito.

Por consequencia, este parecer da commissão não é nem para fazer nem para desfazer o que esta feito, é apenas para declarar o alcance que tiveram as resoluções que as camaras tomaram sobre os casos que julgaram, sem se prejudicar a authentica interpretação da doutrina constitucional da carta que se faça para o futuro.

Portanto, como eu e toda a commissão de legislação estamos convencidos da manifesta vantagem e da urgente necessidade de tomar uma decisão a este respeito, insisto em que estas resoluções tomadas pelas camaras electivas se expliquem, declarando-se o alcance que tiveram; na certeza de que a decisão da camara não prejudica de fórma alguma as idéas que haja relativamente a interpretar ou reformar a este respeito tanto a doutrina constitucional da carta como a das outras leis do paiz (apoiados).

O sr. Barros e Sá: — Se esta discussão não continua hoje, mas sim em outra sessão, pretendo que v. ex.ª diga com antecipação quando é, para que eu possa comparecer a tomar a palavra sobre a materia do projecto.