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1943

rio de Lisboa, mas de que eu ainda não tinha conhecimento. Depois li essa portaria, que veiu confirmar as minhas apprehensões e dar-me um triste desengano de que effectivamente se tinham suspendido trabalhos importantes, suspensão com que eu não posso de maneira alguma concordar.

A portaria é de mais a mais contradictoria nos principios que estabelece e nas conclusões que tira, porque diz ella:

«Convindo dar ás obras de estradas e pontes que actualmente se constroem um desenvolvimento em harmonia com as necessidades publicas e com os recursos do thesouro, e não demorar, por novos emprehendimentos, a continuação dos lanços cuja feitura se acha adiantada e que importa concluir em breve tempo, determina Sua Magestade El-Rei que se sobreesteja até nova ordem, na execução auctorisada dos trabalhos encetados, ou não, dos lanços etc...»

Quer dizer, para que se dê desenvolvimento ás estradas, em harmonia com as necessidades publicas, e para não demorar por novos emprehendimentos a continuação das que estão adiantadas na construcção, manda-se suspender a continuação de estradas, proximas da sua conclusão! (Apoiaãos.) Por exemplo, a estrada de Vizeu á Guarda, que todos sabem que é uma estrada importantissima, esta quasi concluida, resta só por construir o lanço do Rio Dão (apoiados); pois mandou-se suspender a construcção d'este lanço, naturalmente para não demorar a continuação das estradas, cujo acabamento é indispensavel!

Mandou-se suspender a construcção dos dois lanços das estradas mais importantes do districto de Aveiro (apoiados). Todos nós sabemos que o districto de Aveiro tem sido um dos mais favorecidos em obras publicas. No districto de Aveiro estão-se construindo por conta do governo estradas a que se deve chamar districtaes, e talvez só de importancia municipal, com excepção de duas, que são de importancia geral, e são exactamente estas duas as que vão ficar por construir. E a estrada de Aveiro a Vizeu, começada ha quatorze annos, com 70 kilometros já construidos, e que apenas tinha agora em construcção o lanço do Rio Mau ao porto de S. Thiago, e é a estrada de Oliveira de Azemeis a Arouca com o seu lanço de Sequeiros á Farrapa, do qual não resta por abrir senão 1 kilometro, estando no mais já feitas as terraplanagens; pois mandou-se parar com estes trabalhos.

Ora, de suspender os trabalhos n'essas circumstancias, resulta um verdadeiro desperdicio (apoiados); passado tempo, quando se quer concluir a obra, tem de se fazer de novo a parte já feita.

Poder-se-me-ha dizer que a ordem para suspender estes trabalhos não significa que elles nunca mais continuem, logo que o governo esteja habilitado com os fundos necessarios; mas eu tenho graves apprehensões sobre o artigo 3.° da portaria, que diz que — nas demais obras de estradas e pontes se restrinja o desenvolvimento que actualmente têem até se fixar na proxima distribuição de fundos, a quantia que n'ellas se deverá despender durante o actual anno economico.

Portanto d'aqui deprehende-se que a proxima distribuição dos fundos, que se devem despender no actual anno economico, é applicada para essas estradas que não estão comprehendidas no artigo 1.°, e em cuja construcção se mandou sobreestar. O que parece, pois, é que para as outras estradas que não são importantes, é que hão de ser applicados os fundos da distribuição, e por consequencia, que no actual anno economico, todas estas estradas em que se manda sobreestar ficam paradas. Ora, com isto é que me não posso conformar de maneira nenhuma, porque como já disse n'esta casa, e hoje repito, isto longe de ser uma economia é um desperdicio; e entendo que quando nós temos estado a habilitar o governo com a lei de meios, com a lei para reforçar os penhores, com a lei sobre os bens desamortizáveis, e com a auctorisação que ahi se nos vem pedir para reformar os serviços e reduzir os quadros, do que devem resultar grandes economias; e quando se trata ainda de mais uma proposta de lei de emprestimos, com que o governo fica habilitado, é inadmissivel que se restrinjam tambem a tanto as forças productivas, e que não se applique nenhum d'estes fundos para as estradas em construcção e para as fontes da riqueza nacional que devem influir no desenvolvimento material do paiz (apoiados).

Desejo que o governo se explique a este respeito, quer dizer, que dê a segurança de que esta portaria não tem execução, ou pelo menos que é de uma execução muito transitoria; porque não posso acreditar que o governo depois de habilitado com estas leis se veja por muito tempo embaraçado em arranjar fundos. Eu folgo muito de ver aqui ao pé de mim o nobre ministro da fazenda, porque n'estas estradas aqui designadas estão os lanços do Rio Mau ao porto de S. Thiago e de Sequeiros á Farrapa, os quaes atravessam o circulo que deu o mandato a s. ex.ª, e espero que ao menos por parte de s. ex.ª haja uma reclamação contra esta portaria (apoiados), porque de certo se ella tem uma execução demorada, vae levantar um clamor geral em ambos os districtos de Vizeu e Aveiro, o que não póde deixar de ser. Espero, portanto, uma explicação categorica do governo a este respeito, sem o que não me julgo habilitado a dar o meu voto de approvação ou rejeição ao emprestimo.

Aproveito esta occasião para fazer uma declaração.

Vi hoje n'um jornal o meu nome citado entre outros, no numero dos deputados mais dedicados ao governo. Preciso declarar a v. ex.ª e á camara, e esta declaração fique de uma vez para sempre, que perante o novo governo, perante o que caíu, e os que vierem, a minha posição n'esta casa é a mesma e inalteravel.

Não vim para aqui ligado a nenhum grupo politico, e dirijo-me sómente pelas inspirações da minha consciencia. Se ss. ex.ªs apresentarem medidas que sejam uteis ao paiz approvo-as, senão, não. Bem sei que esta posição isolada não é boa para o deputado; é uma posição que traz as suas contrariedades, mas para compensação dellas, tenho a tranquillidade do meu espirito, e a serenidade da minha consciencia; quero deitar-me sem pezares, e levantar-me sem remorsos. (Vozes: — Muito bem.) Leu-se na mesa a seguinte

Proposta,

Proponho que o governo declare se da verba d'este emprestimo tenciona applicar os fundos precisos para a continuação das estradas começadas, e especialmente das que constam da tabella n.° 3 annexa á lei de 1862. = J. Bandeira.

Foi admittida.

O sr. José Maria de Magalhães: — Rogo a v. ex.ª a bondade de mandar lançar na acta, que eu tinha pedido a palavra, e não desisto d'ella, para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, a fim de fazer algumas observações ácerca d'esta mesma portaria a que se referiu o illustre deputado.

O sr. Presidente: — Lembro ao sr. deputado que essa declaração só tem logar no principio da sessão.

O Orador: — Mas eu pedia que se lançasse na acta, que se não podér fazer as minhas observações ao sr. ministro, na segunda feira, desejo então dirigir-lhe uma interpellação.

O sr. Presidente: — Póde mandar a sua nota de interpellação que terá destino; agora não se póde interromper a discussão.

O sr. Rodrigues de Azevedo: — Sr. presidente, V. ex.ª e a camara por certo ficaram maravilhados ao verem-me pedir a palavra n'uma questão puramente financeira, a respeito da qual me confesso completamente hospede. Mas se pedi a palavra foi porque me impuz a obrigação de não votar cousa alguma n'esta casa sem inteira consciencia ou conhecimento do que voto; e para poder votar com consciencia ou conhecimento de causa desejo fazer umas perguntas ao sr. ministro da fazenda, a que espero que s. ex.ª responderá se não achar n'isso algum inconveniente, na certeza de que da sua resposta depende, pelo que me respeita, a approvação completa ou limitada, ou a rejeição da auctorisação pedida.

Antes porém de eu fazer essas perguntas, V. ex.ª e a camara hão de permittir que eu dê uma explicação a respeito de phrases que aqui soltei um d'estes dias, quando se discutia o projecto de lei de desamortisação, phrases que a meu ver foram por alguem interpretadas com menos favor e justiça. Não me refiro ao meu collega e amigo, o sr. Motta Veiga, não só porque esse cavalheiro me conhece ha muito tempo, mas até porque a sua elevada intelligencia lhe fez sentir logo qual era o alcance que eu podia dar, e effectivamente dava ás minhas expressões; e se tivesse só de me referir a s. ex.ª, eu de certo não usaria da palavra para este objecto n'estas circumstancias.

É certo que eu disse, mas não me posso agora recordar a que proposito, que para mim não havia sociedade bem organisada quando não fosse constituida por bons cidadãos; que não podia haver bons cidadãos sem haver bons costumes; que não podia haver bons costumes sem haver sã moralidade; e que não reputava sã moralidade a que não derivasse de uma crença viva e efficaz em uma religião. Estas palavras em uma religião foram interpretadas em uma latitude tal que se poderia suppor que eu era indifferentista em materia de religião, o que não é verdade...

O sr. Presidente: — Conceda-me que lhe recorde que não é essa a materia em discussão.

O Orador: — Se v. ex.ª o julga necessario, requeiro a v. ex.ª se digne consultar a camara se dá licença que eu dê esta explicação.

O sr. Presidente: — É o mais curial. Os senhores que são de voto que o sr. deputado continue a sua explicação tenham a bondade de se levantar.

Vozes: — Falle, falle.

Votou-se affirmativamente.

O Orador: — Agradeço, com o mais profundo reconhecimento, a benevolencia que a camara acaba de mostrar-me permittindo que eu dê esta explicação, nem eu podia esperar de uma assembléa tão illustrada o contrario, porque a camara reconhecia de certo que eu não podia deixar de dar explicações desde que alguem interpretava o que eu disse em termos que não estavam nem estão em harmonia com o meu modo de sentir (apoiados).

Toda a gente sabe que dentro do proprio christianismo ha differentes igrejas. No seio do christianismo temos não só a igreja ou religião catholica, mas temos tambem a igreja ou religião grega, a igreja ou religião reformada e a igreja ou religião protestante. Pareceu-me que não offenderia ninguem dizendo que para mim era boa moral aquella que derivasse de uma crença religiosa, alludindo já se vê ás religiões existentes no seio do christianismo.

Depois d'esta explicação ninguem póde ajuizar que eu seja indifferente, ou menos religioso, porque eu disse tambem que acatava e acato o chefe visivel da igreja catholica.

Louvo o respeito, mesmo a piedade e a susceptibilidade de alguns dos meus illustres collegas, mas peço licença para dizer-lhe que tanto em religião como em politica a immobilidade é impossivel, porque lhe veda o progressivo desenvolvimento da intelligencia humana.

Concordo em que é justo, e deveis mesmo respeitar a magestade do tempo; que contemplemos com veneração os seculos que passaram, porque encerram em si a memoria e os vestigios dos nossos maiores; mas por Deus não queiram fazer-nos retrogadar até lá, porque não ha harmonia entre esses seculos e o seculo actual, nem entre o modo de ser e de pensar d'esses seculos, e o modo de pensar e a civilisação do seculo em que vivemos.

Parece-me que não devo ir mais longe, porque não desejo abusar da permissão que a camara, com tamanha benevolencia, me concedeu.

Depois das explicações que dei, parece que ficará bem definido o meu modo de pensar a este respeito, que é o fim a que me propuz. E fique-se sabendo que o meu fim principal foi distinguir a moral derivada da religião, da moral derivada do interesse proprio que para muitos é a fonte da moral.

Passo, por consequencia, a fallar agora do objecto para que especialmente pedi a palavra, e desde já declaro que não tenho o menor intento de fazer politica n'esta questão. Desejo apenas esclarecer-me.

A crise que vamos atravessando é grave e seria; não serei eu que crie ao governo difficuldades de ordem alguma, porque sou homem de governo, e desejo que o governo possa governar e governe; mas não me dispenso de apreciar, nem as suas palavras, nem os seus actos; e quando as suas palavras ou os seus actos não estiverem em harmonia com as minhas idéas, eu hei de necessariamente usar do meu direito ainda que esteja, como estou, disposto á maior benevolencia.

Não pedi a palavra n'este momento para combater, nem tão pouco para sustentar a auctorisação que no projecto se pede; mas desejo que s. ex.ª responda a umas ligeiras e innocentes perguntas que vou fazer-lhe, e das suas respostas, repito, dependerá absolutamente o meu voto.

Este projecto tem por fim nada mais e nada menos do que fornecer ao governo meios para elle poder viver até ao fim do 1.° semestre do actual anno economico, e não só este tem esse fim senão tambem o outro que já aqui se discutiu e approvou.

Este projecto dá ao governo meios para a primeira metade do anno economico, porque antes de findar esta primeira metade deve o parlamento estar reunido como o governo prometteu, e o governo ha de então vir apresentar os seus projectos definitivos.

Desejava pois que o sr. ministro da fazenda me dissesse — primeiro, a quanto montam os encargos a que s. ex.ª tem de satisfazer durante a primeira metade do anno economico actual; segundo, quaes são os recursos que s. ex.ª póde realisar durante essa mesma metade do anno economico para satisfazer a esses encargos. Quando eu souber aquillo que falta é que posso saber como e até onde poderei votar a auctorisação pedida; e em terceiro logar, desejava tambem que s. ex.ª me dissesse — qual é o seu modo de pensar a respeito de uma proposição que n'um dos dias passados nos apresentou n'esta casa o meu amigo e collega o sr. Fradesso da Silveira, cavalheiro competentissimo na materia, cujo voto tem muita auctoridade, e a quem eu escuto sempre com muita attenção; e presto-a sempre a todos os cavalheiros que fallam, porque o meu fim é esclarecer-me, nem se julgue nunca que tenho a idéa de combater; o pensamento que me domina é o de me esclarecer.

Disse pois o sr. Fradesso da Silveira do alto d'aquella tribuna, que o governo, como o projecto de desamortisação que hontem se acabou de discutir, e aceitando a proposta de additamento que eu apresentei e foi votada pela camara, tinha recursos não só para amortisar a divida fluctuante, mas para saldar o deficit do' anno economico de 1868 a 1869. Desejo ouvir o sr. ministro da fazenda a este respeito, porque, se isto for verdade, confesso a v. ex.ª e á camara que por um lado se me torna altamente inexplicavel o procedimento que hontem vi da parte do sr. ministro da fazenda, e por outro lado não vejo necessidade da auctorisação que n'este projecto se pede.

S. ex.ª tinha a respeito da desamortisação, em larga escala, idéas definidas, s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, por necessidade teve de fazer o sacrifico de parte das suas idéas; para não crear difficuldades trouxe á camara um projecto do qual tirava recursos muito mais limitados; eu comprehendia que s. ex.ª tivesse receio de que a camara lhe não votasse o seu projecto se acaso elle lhe desse maior extensão; mas tendo partido da iniciativa particular uma proposta que dava muito maior extensão ao projecto, sem o qual s. ex.ª não podia governar, e tanto que por isso reuniu a camara extraordinariamente, não comprehendo como s. ex.ª tivesse difficuldade de aceitar o que a camara lhe votava n'essa proposta de iniciativa particular, que não compromettia nada o governo nem o prejudicava, sendo approvada ou rejeitada (apoiados).

Quando eu fiz essa proposta e a apresentei, entendia que prestava um grande serviço ao sr. ministro da fazenda, e com grande magua minha vi hontem que lh'o não tinha feito; ao contrario, achei s. ex.ª muito incommodado com isso, e senti-o muito, apesar de ser medico.

Do ordinario os medicos não se incommodam facilmente quando veem um doente em agonia; mas eu, apesar de ser medico, senti muito, o incommodo e agonia do sr. ministro da fazenda; e senti muito porque o respeito pelo seu saber, pela sua intelligencia, pela sua honradez, e pela sua probidade, e porque o estimo pela sua amabilidade e pela sua delicadeza; mas foi facto que s. ex.ª não ficou satisfeito e estava profundamente incommodado, e pareceu até não querer aceitar o presente grandioso que a camara lhe fez (apoiados).

Confesso que não sei, ou não quero explicar este phenomeno, que se torna muito mais notavel quando se compara com as explicações, ou antes com as palavras do nobre ministro do reino, no primeiro dia em que levantou a sua voz auctorisada n'esta casa, dando explicações por parte do governo.

Disse s. ex.ª, quando lhe fizeram, n'aquella celebre sabbatina, as perguntas d'onde vinha o governo e para onde