1944
ia, a que s. ex.ª respondeu: «o governo é portuguez e esta em Portugal, o governo quer governar com as idéas do seu paiz, o governo quer governar com esta camara, porque entendo que esta camara é a expressão da vontade do paiz.» Por consequencia, todas as vezes que se dão ao governo certos meios, e que esses meios sáem da iniciativa da camara, s. ex.ª tem obrigação, pelas suas palavras, de reconhecer que essa concessão é a expressão da vontade do paiz, e se s. ex.ª a não quer aceitar, mostra que não quer portanto governar condessas idéas do paiz, quando parece que isto era vantajoso. E difficil o facto de explicar. Se s. ex.ª não tiver difficuldade em dar explicações estimarei muito ouvi-lo.
Não irei mais longe, porque, como disse, não tenho em vista crear difficuldades ao governo, mas ainda assim peço licença para fazes duas reflexões a s. ex.ª
O sr. ministro do reino, repetindo que o governo queria governar com a vontade do paiz, disse, e a meu ver muito bem: «ai daquelles que não quizerem governar com as idéas do paiz!»
No paiz dá-se um certo movimento de idéas, embora em parte sejam até certo ponto exageradas; é preciso respeita-las e ir com ellas, e quem se quizer oppor a essa torrente, quem as quizer contrariar ha de ficar esmagado por ellas.
Eu recordo um facto dos seculos passados ou da historia, porque a historia do passado é lição para o futuro.
No seculo XVI tinha-se pronunciado um movimente de tal ordem que se suppoz que as instituições, que regiam naquella epocha, corriam grande perigo, e que daquelle movimento sairia tão sómente, na ordem intellectual, a licença, e na ordem moral, a anarchia. E qual foi a consequencia d'este modo de ver? Foi que um grande homem, que era um grande espirito, e ao mesmo tempo um grande caracter, organisou uma sociedade com o fim unico de obstar áquelle movimento, porque esperava que d'esse movimento saísse o que acabei de dizer: a licença o a anarchia.
Sabe v. ex.ª e sabe a camara qual foi o resultado? Sabe v. ex.ª e sabe a camara o que esse movimento produziu? Produziu saciedades grandes, regulares, fortes e gloriosas, que têem feito a favor das sociedades modernas, a favor da civilisação e da humanidade inteira, mais talvez do que todas as sociedades que as tinham precedido.
Cesse movimento saíu a Hollanda, a Prussia, a Allemanha, os Estados Unidos, a Inglaterra, a propria França catholica.
Isto foi a prova evidente de que aquelles que se oppunham, que se organisaram para resistir a esse movimento e lutaram com elle, se enganaram, e por isso que se enganaram caíram.
E note-se bem, não caíram só naquelles paizes, mas caíram ainda naquelles aonde se não combatiam as idéas, que elles sustentavam, em que se não dava o movimento que elles queriam combater, caíram na Hespanha, em Portugal e na Italia.
Parece-me que não preciso dizer mais nada para demonstrar a necessidade que os governos têem de ír com o movimento do paiz e governar com elle (apoiados).
Todas as vezes que se quizer ir de encontro aos seus desejos, o paiz ha de passar pôr cima de quem se lhe opposer (apoiados).
Não digo mais nada. Se o illustre ministro se dignar dar-me as explicações que pedi, e ellas me convencerem, voto o projecto sem a menor duvida, porque, como disse, não desejo nem quero levantar difficuldades ao governo.
O sr. Fradesso da Silveira (sobre a ordem): — Não tencionava fallar sobre este projecto e a camara de certo acredita que não tencionava fallar, visto que propuz o adiamento.
Propuz o adiamento do projecto, porque tenho a convicção de que o emprestimo que elle auctorisa não é necessario.
A camara votou hontem um projecto pelo qual o governo fica auctorisado a fazer uma serie de operações convenientes, que não foram definidas pela camara, mas que por isso mesmo que não foram definidas, permittem ao governo empregar muitos meios de realisar os fundos que lhe forem necessarios.
Não insisti em que se esclarecesse mais um pouco a representação dos bens subrogados, porque entendi que seria acertado deixar ao governo a faculdade de recorrei a uma ou outra operação, conforme mais lhe conviesse e mais util lhe parecesse aos interesses do paiz. Por esse motivo não insisti, mas fiquei satisfeito entendendo que o governo se achava plenamente habilitado por este facto para fazer operações de uma ou outra ordem, variando á vontade, conforme as exigencias do mercado e as exigencias da fazenda publica.
Mal pensava eu que estava em erro quando vi naquelle projecto os recursos necessarios para pagar a divida fluctuante, quando vi naquelle projecto pelo additamento dos passaes, que a camara votou, e pelas ampliações que propuz, os meios necessarios para satisfazer ao pagamento da divida fluctuante, e da differença entre a receita e a despeza no exercicio de 1868 a 1869.
Ainda hoje estou convencido d'isto; no entanto talvez tenha que mudar de convicção se as rasões apresentadas do lado contrario forem de tal força que façam uma grande impressão no meu espirito. Por ora ainda penso do mesmo modo; por ora ainda penso que este emprestimo é inutil e não só me parece inutil, parece-me tambem perigoso (apoiados).
Peço ao governo que acredite que n'estas minhas manifestações não ha a minima idéa de aggressão politica.
Dá-se um caso novo que recommendo á consideração da camara. Em todos os tempos tenho visto virem os governos aqui pedir auctorisações para emprestimos e sustentarem a necessidade de lhes serem concedidas essas auctorisações; mas o que não tenho visto é pôr tantas cordas no arco, é apresentar pedidos de tantas auctorisações, ficando o governo com a faculdade de escolher aquella que mais lhe convier!
A camara, por uma extrema confiança, póde votar mais esta auctorisação; eu não a nego por falta de confiança, nego-a porque acho este recurso perigoso. Por esta auctorisação ao governo trata-se de abrir um exemplo e o exemplo parece-me mau.
Creio que em negocios d'esta natureza e d'esta gravidade, quando um governo se acha auctorisado a fazer uma operação nova e importantissima, como é aquella que hontem votámos, é mau que esse governo venha por outra parte pedir outra auctorisação que parece complemento da primeira e que mostra falta de confiança nos meios que primitivamente se tinham pedido (apoiados).
Mas, sr. presidente, as idéas do governo estão escriptas, porque as opiniões da commissão externa, de que fazia parte o illustre ministro da fazenda, estão publicadas; e conhecidas estas opiniões e sendo completa a convicção dos individuos que firmaram o documento a que me refiro, é necessario que não venha d'elles a contradicção. E necessario não recuar, é preciso que este recurso dos expedientes não venha provar-nos que não ha a coragem e a firmeza que n'estas occasiões se tornam indispensaveis.
É necessario ter coragem, quando chega a hora de crise e se o governo n'esta hora tremer, se o governo n'esta hora hesitar, se não tiver o animo necessario para levar por diante as suas idéas, quando ha de te-lo?
Se o governo simplesmente recorrer a estes expedientes para viver alguns mezes, não vê que póde talvez prejudicar alvitres convenientissimos; não vê que poderia evitar agora o que não poderá evitar provavelmente mais tarde? (Apoiaãos.) Talvez estas phrases sejam completamente comprehendidas pelo nobre ministro da fazenda, se s. ex.ª quizer verificar no seu ministerio que já n'outro tempo, durante uma das administrações anteriores, appareceu plano similhante, e a meu ver efficaz, que ficou prejudicado, que se desprezou, com grande inconveniente para o paiz (apoiados).
Pois o nobre ministro, repito, póde examinar esses documentos que lá estão, e verá se é ou não verdadeira a asserção que eu acabo de apresentar á consideração da camara.
O governo hontem não teve só o recurso que apresentei para augmentar a massa dos bens sobre os quaes se podiam fazer operações de credito, porque propondo-se que se applicasse o mesmo systema aos bens do estado, a camara deu-lhe tambem os passaes (apoiados). Por consequencia o governo acha-se habilitado com muito mais recursos do que esperava, porque se acaso quizer aceitar por um lado a proposta, por outro tem de aceitar a votação da camara, e assim o governo tem valores sobre os quaes póde fazer operações convenientes, podendo seguir diversos systemas para chegar ao seu fim (apoiados). O governo tanto por um como por outro lado, póde fazer operações de um valor determinado, empregando differentes meios para chegar ao resultado que deseja (apoiados).
Quando em outra epocha discutimos uma questão de emprestimo, v. ex.ª recorda se indubitavelmente, porque então era meu collega n'esta casa, de que nós todos tratámos essa questão; e não vimos então reforçar a auctorisação pedida com outras para que o governo tivesse umas poucas de auctorisações conjunctamente, a fim de escolher entre ellas a que mais lhe conviesse.
Refiro-me ao emprestimo dos 6.500:000$000 réis. Propuz eu então que o emprestimo se reduzisse a 3.500:000$000 réis; o meu collega, o sr. Santos e Silva, approvando a quantia proposta, fez observações muito sensatas, como são as que s. ex.ª sempre faz, a respeito da maneira de levantar os fundos, pondo todas as cautelas para que a operação se fizesse com a maior segurança possivel; por outra parte o sr. Carlos Bento da Silva, hoje ministro da fazenda, insistiu tambem em cercar a operação de quantas condições lhe pareciam acertadas, das clausulas que lhe pareciam mais convenientes, a fim de que a auctorisação não fosse perigosa! E o governo de então não tinha outros recursos, não tinha um feixe de auctorisações como o governo actual agora nos pede.
O governo então, que eu combatia energicamente, não tinha mais cordas no arco. Não tinha outros recursos. Não tinha diversos meios como agora se offerecem. Era unica e simplesmente aquelle. Tinha falhado o contrato de 14 de outubro. O governo não tinha emittido mais inscripções, achava-se na dura necessidade de fazer uma emissão; porque o contrato do qual esperava tirar recursos financeiros, não fôra cumprido.
N'estas circumstancias veiu á camara pedir um auxilio, pedir-lhe uma auctorisação — e qual foi? A emissão de titulos de 3 por cento. Não pediu mais nada. Não pediu mais esforço nenhum, e pediu aquelle auxilio para fazer uma operação como esta ou similhante. Não pediu mais nada. Não lhe passou então pela idéa que fosse possivel pedir mais alguma cousa.
Não me parece comtudo que deva accusar o governo, porque apresenta mais recursos; ao contrario, estimo isso. Apresentasse-os para que nós escolhessemos. Seria prova de iniciativa fecunda. Mas pedir á camara que vote tudo! Apresentar diversos planos para levantar fundos, e dizer á camara: «Auctorisae-nos a levantar fundos por todos estes diversos modos para eu escolher depois o que mais me convier», não me parece pelo menos que seja o meio de deixar a camara n'uma posição favoravel perante o paiz.
E ainda se o expediente fosse novo, se acaso o governo
recorresse á camara e lhe viesse apresentar diversos planos todos differentes do systema ordinario; se nenhum delles trouxesse comsigo aquelle meio já gasto da emissão de inscripções, diria que o governo, querendo fazer um ensaio, para esse ensaio apresentava planos diversos e permittiria o ensaio. Mas o governo traz o systema ordinario, vulgar, vulgarissimo, de que pretendiamos fugir, que todos haviamos condemnado, e que eu ainda condemno! Aqui é que esta o ponto grave da questão. Para mim o ponto mais importante é este.
O governo deve ter a coragem da sua opinião. O governo já manifestou a opinião de que é perigosa a continuação de emissão das inscripções. O governo já disse que era preciso pôr prego na roda. O governo já declarou perante todos os mercados do mundo, ou por outra um dos membros do governo, antes e depois de entrar para o ministerio, declarou que era contrario á idéa da continuação d'esse systema que lhe parecia ruinoso. Porque não havemos nós agora ir de accordo com essa declaração? Seria um acto muito agradavel para a camara e muito honroso para o governo. Então o governo diria: «Venho realisar perante esta camara o systema que propuz lá fóra. Não venho propor que se emittam mais inscripções, venho substituir a emissão d'esses titulos por outra operação mais regular e conveniente». Assim demonstraria o governo a sua coragem e a firmeza das suas opiniões.
Receia que o mercado acolha mal essas novas operações? O que eu receio é o contrario. O que temo é que as praças de fundos, vendo que não abandonámos as velhas praticas, recusem o auxilio de que nós carecemos, dando logar a uma crise que poderiamos agora evitar. A suspensão das emissões de titulos de 3 por cento, e a nova direcção dada ás operações fiduciarias, firmaria o credito das inscripções, creando ao mesmo tempo sympathias para o titulo perfeitamente garantido que se emittisse para representar os bens nacionaes, e os desamortisados.
Se o governo dissesse: «não ha mais emissões de inscripções, as inscripções que estão servindo de penhor á divida fluctuante recolhem, as inscripções que estava auctorisado a emittir, para reforçar os penhores, não as emitto, o governo entende que não deve recorrer a este meio já muito conhecido de emissões de titulos de 3 por cento, o governo quer fazer operações de uma outra maneira mais regular e conveniente sobre certos valores completamente garantidos», entre elle faria operações com melhores resultados.
Eu não quero causar nenhuma especie de embaraço, nenhuma difficuldade ao governo; e tanto assim é, que se o governo declarasse, e provasse, que lhe era absolutamente impossivel governar sem esta concessão, não teria duvida em votar por ella.
Mas o que desejo é saír d'aqui tendo o meu espirito perfeitamente convencido.
Não basta que o governo venha dizer não posso aceitar, desejo que o governo me diga por que não póde aceitar.
Esta exigencia não me parece desarrasoada. E sabem porque? Tudo isto tem uma explicação. É porque o governo, ao entrar n'esta casa, não fez um certo numero de declarações que seria essencial fazer com franqueza e claramente.
Nós sabemos, como disse o meu illustre collega e amigo, o sr. Rodrigues de Azevedo, que o governo é portuguez, e esta em Portugal. Não temos sobre isso a menor duvida. E depois d'isso, mais nada alem do que observámos antes.
O governo empregou aquella diplomacia do silencio, a respeito da qual muitas cousas agradaveis nos disse o meu illustre amigo, o sr. Carlos Bento. Não se póde dizer isto de s. ex.ª com inteira verdade, porque até certo ponto tem sido franco, e a sua franqueza tem sido para mim lisonjeira e agradavel. Mas o governo, em geral, tem sido de uma diplomacia pertinaz, no seu silencio em relação aos principaes assumptos que influem, ou podem influir na governação publica.
Apesar d'este silencio, ou talvez por causa d'elle, a camara deseja retirar-se; nós estamos com pressa, porque temos calor; e o governo diz que tem pressa, porque pretende governar! Parece que os deputados não deixam governar o governo!
Não será porém ocioso recordar que o governo para governar deve ter a idéa da governação, e que nós porque estamos aqui, temos obrigação de indagar qual é essa idéa.
Os votos de confiança são muitas vezes necessarios e convenientes, mas são sempre graves, e em algumas circumstancias gravissimos, e em todos os casos o meio mais perigoso para a governação. Não sou eu que o digo, é o sr. ministro da fazenda. São palavras de s. ex.ª na occasião em que se concedia n'esta casa voto de confiança a uma das administrações anteriores.
São graves os votos de confiança em certas occasiões, e na occasião actual gravissimos. A responsabilidade para nós é enorme. Mas será enormissima se votarmos em silencio, receiando offender o governo com a nossa curiosidade indiscreta!
Eu prefiriria que o governo chegasse a esta casa e declarasse, não a serie de actos que intentasse praticar, porque nenhum ministerio tal cousa poderia fazer, mas as bases do seu plano, os elementos do seu accordo preliminar, indispensavel para a constituição de um governo que mereça este nome. Haveria assim fundamento para votos de confiança, para delegação de poderes e para largas concessões. Ninguem poderia accusar-nos de excessiva benevolencia.
Que difficuldade podia haver n'isto? Pois é possivel que o governo se constituisse sem ter um plano? Não é possivel.
Tenho assistido á formação de governos que conversam