1945
depois. Não é cousa rara reunirem-se seis ou sete individuos, vindo de diversas procedencias, que talvez nunca se encontrassem, que se encontram pela primeira vez naquellas cadeiras e declararem, - respondendo a qualquer interpellação, que não tiveram tempo para conversar, que vão aproveitar a primeira opportunidade para isso, e que, depois de terem conversado, dirão o que entenderem a respeito da direcção dos negocios do estado.
Depois das experiencias desgraçadas que temos tido, e depois da crise que ultimamente presenciámos, não creio que viesse alguem tomar posse daquelles logares, sem a previa combinação, que devêra ter sido sempre condição essencial para a constituição dos governos.
A difficuldade da constituição do actual ministerio resultou por certo d'essa combinação. Quizeram conversar antes, e devo acreditar que todos conversaram ácerca do plano da governação. Para formar o ministerio teria sido facil reunir seis homens; para se formar governo com idéas de governo, era preciso que elles combinassem entre si a maneira de reger os negocios publicos. Combinaram pois, tenhamos isto por inteiramente certo; mas depois de terem combinado tiveram a dureza de coração de não revelarem aos profanos o resultado das combinações!
Eu queria que o governo tivesse tido a franqueza de dizer quaes são as suas idéas; e muito mais n'esta occasião, quando todos somos ministros da fazenda, como disse acertadamente o nobre ministro, o sr. Carlos Bento da Silva. Se todos o somos; mais o devem ser aquelles que foram chamados aos conselhos da corôa. A todos elles portanto compete esclarecer a camara, e pôr termo á inquietação que o seu silencio provoca.
Será, inopportuno tratar hoje das questões relativas á receita e despeza publica, quando a camara esta reunida e discute leis de fazenda? A occasião mais propria, penso eu, é aquella em que se discutem leis que devem dar meios ao governo para satisfação dos encargos do estado.
Já ouvi censurai ha pouco as demasias da discussão; disse-se que a camara se demorava muito tempo na discussão, e que era preciso abrevia-la. Eu não sei se a camara se demora muito ou não, mas parece-me que se a camara não quer tratar d'estas questões é melhor que não se reuna; porque são estas hoje as mais graves, e aquellas que mais ao paiz interessam. Occupe-se o governo das questões de fazenda quando a camara esta fechada; mas quando ella esta aberta é indispensavel que nos occupemos todos d'essas questões, porque ellas a todos interessam. E se dellas nos devemos todos occupar, como querem que na discussão de um projecto tão grave como este se abstenham os oradores de fazer referencias a qualquer dos elementos de receita e despeza? Como querem que elles se abstenham do fazer considerações exclusivamente financeiras, para tratarem só da pressa da auctorisação? Sei que ha quem tenha desejos de pressa, mas creio que não periga a salvação do paiz se nos demorarmos em pensar algumas horas procurando evitar uma torrencial emissão de titulos de divida publica.
Não teria logar perguntar ao governo se elle calculou os recursos, e quaes as suas intenções a respeito da receita publica? Não será este o logar proprio para lhe perguntar em que baseia o seu plano para a reducção da despeza futura? Não será logar para perguntar se attendeu já á maneira porque se acham estabelecidas as contribuições? Se a questão das contribuições directas foi já considerada? Se acaso o governo quer manter o systema actual das contribuições de repartição, ou se quer passar para o systema de quota? Se no primeiro caso elle determina que as matrizes se façam desde já como se devem fazer, o no segundo se despensa o arrolamento pessoal e predial? Estas perguntas não terão logar? Ficará satisfeita a camara com o acto simples e facil da votação? Seremos nós sómente as machinas de auctorisar?
Se não sou importuno, peço á camara que considere que nós temos um deficit superior a 7.000:000$000 réis; peço-lhe que reflicta que as nossas despezas publicas andam orçadas em 23.000:000$000 réis. Repare bem a camara que d'esta despeza de 23.000:000$000 réis ha pelo menos réis 12.000:000$000 que são susceptiveis de reducção; fica pois para as deducções apenas a quantia de 11.000:000$000 réis.
Ora, veja bem a camara que, sendo a verba reductivel apenas de 11.000:000$000 réis, se nós quizermos, por meio das economias, operar o restabelecimento do equilibrio entre a receita e a despeza, teremos que deduzir d'esses 11.000:000$000 réis a verba de 7.000:000$000 réis, que é o deficit. Supponhamos feita esta deducção! Importaria em uma deducção de 60 por cento. Quer dizer que os que pretendem equilibrar o orçamento só por meio de economias, teriam de propor uma deducção de despeza de 60 por cento!
Se applicassemos, por exemplo, esta reducção ao exercito, teriamos em breve um exercito de dezoito mil homens, mas sem um official e sem nenhum dos serviços annexos. Com uma reducção de 60 por cento, então sim, então é que desappareceriam os nixos, as sinecuras, os quadros luxuosos; desappareciam todos os officiaes desde o general até ao alferes! Com uma reducção de 60 por cento nem havia dinheiro para sustentar os cavallos; os soldados de cavallaria ficariam a pé! Seductora economia! Brilhantissima reducção de despeza.
Applique-se a todos os outros serviços este systema brutal, permitta-se-me a phrase; applique-se por exemplo o systema que eu vejo infelizmente iniciado pelo actual governo, applique-se a tudo o systema de suspender todos os trabalhos como vão suspender o das estradas, e veremos quaes são os resultados. Uma economia de que nos ha de resultar a fome e a desordem! Faça-se por exemplo uma grande economia nas repartições fiscaes, e verão os resultados. Ahi é possivel, sem duvida, reduzir a despeza, e talvez obter uma diminuição consideravel; mas será preciso reformar o serviço, crear uma fiscalisação de outra ordem, com a organisação militar que o sr. Carlos Bento propoz. E a este respeito direi que tenho muita pena de que não esteja presente o sr. ministro da guerra, porque desejo que s. ex.ª declare a sua opinião sobre este ponto, em que me parece não esta perfeitamente de accordo com o seu collega da fazenda.
Mas a reducção da despeza, n'este caso como em quasi todos os outros, não é uma simples amputação, não é meramente um côrte na despeza por uma mais ou menos precipitada diminuição de logares ou de vencimentos; é uma economia sensata, fundada na discreta organisação e simplificação do serviço. Assim devem ser todas. Se nós formos fazer, como alguns exigem, uma reducção no serviço fiscal por meio de simples córtes, o resultado ha de ser a diminuição de receita. Se fizerem a reforma como eu a propuz sempre (e todos sabem que eu nunca votei que se rasgassem indiscretamente as folhas do orçamento), se fizerem a reforma pela organisação do serviço, teremos uma economia, e grande, valiosa, importante. Mas esta economia, por grande que seja, nunca poderá chegar á extincção do deficit, porque acredito que não ha ninguem que imagine que de 11:000:000$000 réis se possa economisar 7.000:000$000 réis. Como procederemos pois?
O sr. deputado Faria Guimarães, que tem feito aqui diversas propostas, algumas dellas muitissimo attendiveis, propoz algum dia, não sei quando, que se fizesse na despeza publica uma reducção de 5 por cento. Pois vamos muito mais longe.
Não farei a reducção dos 60 por cento, da qual resultaria, como acabei de dizer, a extincção dos serviços com a extincção do deficit, o que equivaleria de certo a um deficit muito peior, porque se reduzissemos, por exemplo, a instrucção publica por este modo, obteriamos logo sem duvida uma diminuição de despeza, mas ficaria em compensação do deficit do dinheiro um excedente de ignorancia que nos seria fatal.
Eu sempre votei contra a percentagem fixa, mas agora quero suppor por hypothese uma percentagem fixa.
A proposta do sr. Faria Guimarães era de 5 por cento de reducção na despeza, e eu supponho que sejam 10 por cento. E sobre que? Sobre 11.000:000$000 réis, que é a somma reductivel.
Quando se diz — a despeza é de 23.000:000$000 réis, clama-se muitas vezes = cortemos n'esta quantia, é preciso tirar d'aqui uma percentagem.
Eu faço uma operação mais commoda. Separo primeiro a parte que não é reductivel, porque não posso fazer reducções nos juros da divida, não posso fazer reducções nos 300:000$000 réis para o banco, resultado de um contrato do anno passado, não posso fazer reducções nas restituições, porque as restituições feitas nas alfandegas são resultado de operações verdadeiramente de credito em que o governo restitue o que recebeu.
Contemos bem todas estas verbas e veremos que nos ficam 11.000:000$000 réis. Deduzindo desta quantia 10 por; cento, temos 1.100:000$000 réis, mas como o deficit é de 7.000:000$000, faltam-nos ainda cerca de 6.000:000$000 réis.
Tenho já fallado bastante em economias, e faço á camara a justiça de crer que eu já disse sobre este objecto quanto me parecia rasoavel.
Vou desde os 60 por cento, muito mais do que propunha o meu illustre collega, o sr. Motta Veiga, do que resultaria, repito, a extincção dos serviços publicos com a extincção do deficit, até aos 10 por cento, o dobro do que propunha o sr. Faria Guimarães.
É verdade, ainda assim, que esta ultima reducção, se for applicada sem cautela, póde produzir resultados horriveis, mas se for applicada discretamente, póde dar resultados uteis.
Ora, supponhamos que o governo vae conseguindo esta economia de 10 por cento sobre a despeza publica. Em quanto importa ella? Em 1.100:000$000 réis, como disse. Qual é o deficit? O deficit é de 7.000:000$000 réis. E o resto? Peço para este resto a attenção da camara.
Vejo sempre presa a attenção da camara por uma só e pequena parte da questão financeira. Vejo que geralmente olham para a questão das economias como aquella que deve absorver completamente a nossa attenção.
Eu acho-a muito digna do nosso cuidado. Quero collocada no primeiro logar. Voto ao governo todos os meios necessarios para elle entrar n'esse caminho. Voto ao governo todas as auctorisações para fazer reformas, depois de lhe fazer algumas perguntas modestas ás quaes espero que o governo todo responda.
O sr. Ministro da Fazenda: — Em côro? (Riso.)
O Orador: — Em côro não, mas separadamente, cada um por si, o que necessariamente é muito mais agradavel. Mas é preciso que respondam todos (riso).
Depois d'essas perguntas voto as auctorisações, mas instigo e provoco o governo para que faça uso das amplas faculdades que lhe concedemos. Faça economias em tudo, em todos, discreta, mas severamente, sem contemplações com individuos, desassombrada e energicamente!
O que eu quero bem alto declarar é que não emprego nenhum meio proximo ou remoto, directo ou indirecto, para impedir que o governo exerça a sua acção, a fim de obter as maiores economias nas despezas publicas.
Depois de ter declarado solemnemente isto á camara, peço licença para cuidar em outro assumpto, que me parece bem mais valioso.
Não fallemos hoje mais nas economias, visto que sómente dellas e de mais nada se têem occupado tantos alvitristas distinctos.
A questão é esta:
Ha um deficit de 7.000:000$000 réis. Quer o governo seja mais benevolo, nas minhas hypotheses, em relação ás economias, a que imagine uma economia maior? Pois imaginarei 2.000:000$000 réis, e ficam 5.000:000$000 réis. Vou mais longe, 3.000:000$000 réis, e ficam ainda réis 4.000:000$000. Deixemos o negocio assim; vamos para outro lado; quero suppor a economia feita. Mas eu entendo que a principal questão a resolver é outra, e outra em que se não falla (apoiados).
Na primeira fallam todos. Não ha hora em que se não levante alguem a pedir economias, e eu desejo tanto que ellas se façam que lhe marco com limites bem largos; mas consintam que eu pergunte ao governo como é que pretende attender á outra face da questão.
A receita publica obtem-se pelo imposto sob diversas formas; e hoje póde obter-se o augmento da receita publica pelo augmento do imposto existente, ou por imposto novo que vinha de nova materia collectavel. Não sei se me faço bem comprehender. O governo esta em uma certa difficuldade, e precisa de dinheiro que ha de vir dos contribuintes. Este dinheiro póde vir por dois modos, o augmento do imposto que recahe sobre o imposto como esta, sobre a materia collectavel como esta, ou por outro modo que vem a ser o imposto que recaír sobre a materia collectavel, isto é sobre aquella que se tem até hoje subtrahido ao imposto.
Eu que nunca pergunto aos ministros d'onde vieram, que não lhes pergunto porque estão ahi, e que estimo muito velos n'essas cadeiras, que estimarei dar-lhes completamente o meu apoio e creio que lh'o hei de dar em muitas medidas, parece-me que tenho o direito de indagar qual o caminho para onde vamos. Não o pergunto politicamente, mas para onde vamos na gerencia das cousas publicas, debaixo do ponto de vista da nossa receita.
Considerando especialmente o imposto, nós temos a attender ao imposto directo e ao indirecto. Nem uma palavra nos disse ainda o governo! Apenas sobre outros assumptos alguma cousa nos tem dito o illustre ministro da fazenda; mos as suas declarações, que têem sido francas até certo ponto na questão do emprestimo, ainda não tivemos a fortuna de as ouvir ácerca de outros assumptos, por uma certa reserva, que respeito muito, mas que não approvo. Ainda digo, não tive o prazer de ouvir agora a sua opinião a respeito do imposto!
Não perguntarei se o sr. ministro prefere o imposto directo ao indirecto, porque sei qual é a opinião de s. ex.ª que é a minha. Recorre ao imposto indirecto, e tambem ao directo. Prefere os dois...
No estado em que estão as cousas não ha meio algum de preferir o imposto directo ao indirecto. Em certas circumstancias ha de ser um, e n'outras ha de ser outro (apoiados).
O que o governo sabe e nós sabemos é que o imposto directo se funda em certas bases que não são as melhores, por uma daquellas fatalidades que não sei explicar e que não posso desculpar.
Não tivemos ainda para base do imposto matrizes que fossem competentemente feitas. O governo sabe que para fazer matrizes são necessarias estatisticas completas. Não fallo só das matrizes prediaes e industriaes (apoiados). É necessario ter estatisticas completas, e não arrollamentos, como aquelle que temos tido até agora (apoiados).
O governo sabe perfeitamente, e o sr. ministro da fazenda tem por muitas vezes manifestado aqui uma opinião com a qual me conformo completamente, que não ha economias sem estatisticas; opinião que eu applaudi, porque effectivamente não ha meio nenhum de fazer economias sem estatisticas.
Nenhum paiz tem talvez tantas estatisticas como nós, mas nenhum as tem mais incompletas e imperfeitas (apoiados).
Poderia apresentar á camara um documento com o qual se prova que sendo comparadas as estatisticas officiaes de 1864 com as de 1866, a população diminuiu e o numero do fogos augmentou em muitos dos concelhos do reino! Note-se isto que é uma cousa admiravel. No concelho de Paredes, por exemplo, ha uns 400 fogos a mais e 300 individuos a menos! (Riso.) E isto da-se em muitos outros concelhos. Eu tive a paciencia de mandar fazer esta comparação das estatisticas de 1864 e 1866, e de tudo isto tirei a conclusão que não tinhamos estatistica (apoiados.)
Mas vamos a outro ponto. Que elementos tem o governo para formar a matriz industrial? Não sei. O que devia ter era uma especie de relação ou mappa geral dos individuos que exercem as profissões em cada concelho, uma relação das pessoas que se applicam ás industrias, especificando aquella a que cada um se applica. Não ha nada disto. Quando o sr. Mártens Ferrão era ministro do reino expediu-se uma portaria ás camaras municipaes para que abrissem um livro de registo em que se inscrevessem todos os industriaes, indicando a industria a que pertencia cada um. Pois não se cumpriu esta portaria, e o presidente de uma das camaras declarou ao governo que não tinha dado cumprimento á portaria, porque a achava antipathica aos povos e perigosa! De sorte que o arrolamento da industria não se póde fazer por antipathico aos povos e perigoso!
Desejei tambem saber qual era o numero dos teares e dos fusos, para por elle poder calcular o estado das industrias de fiação e tecedura. Sabe a camara qual foi a resposta que para aqui mandou o sr. ministro das obras publicas? Foi que não só não havia estatistica do numero dos teares e fusos, mas que nunca se tinha procedido a tal estatistica! Esta foi a declaração officialmente feita pelo sr. ministro das obras publicas! E não me admira, porque n'este paiz, tendo-se creado em 1851 um ministerio com um titulo muito grande do «ministerio das obras publicas, commercio, industria e agricultura», parece que se esqueceram do