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Sessão de 8 de agosto de 4868

PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA

Secretarios os srs.

José Tiberio de Roboredo Sampaio.

José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria.

Chamada — 69 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano de Azevedo, A. de Seabra, Annibal, Alves Carneiro, Ferreira de Mello, Sá Nogueira, A. Castilho Falcão, Gomes Brandão, Sousa e Cunha, Ferreira Pontes, Barros e Sá, A, J. da Rocha, A. L. de Seabra Junior, Arrobas, Falcão e Povoas, Magalhães Aguiar, Faria Barbosa, Araujo Queiroz, Falcão da Fonseca, Montenegro, Cunha Vianna, B. F. da Costa, Carvalhal Esmeraldo, Testa, Pereira Brandão, E. Tavares, Fortunato Frederico de Mello, F. M. da Rocha Peixoto, Van-Zeller, Gaspar Pereira, G. A. Rolla, I. J. de Sousa, Homem e Vasconcellos, Baima de Bastos, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, Gaivão, Cortez, J. M. da Cunha, João M. de Magalhães, Calça e Pina, Fradesso da Silveira, Faria Guimarães, J. Xavier Pinto, J. A. Ferreira Galvão, Bandeira de Mello, Costa Lemos, Sette, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Faria Pinho, Carvalho Falcão, Teixeira Marques, Pereira de Carvalho, J. M. da Costa e Silva, Frazão, Ferraz de Albergaria, José M. de Magalhães, Mesquita da Rosa, José de Moraes, J. R. Coelho do Amaral, José Tiberio, Motta Veiga, Penha Fortuna, Aralla e Costa, Lavado de Brito, Limpo de Lacerda, Paulino Teixeira, P. M. Gonçalves de Freitas, Sabino Galrão, Sebastião do Canto, Theotonio de Ornellas.

Entraram durante a sessão — os srs.: Costa Simões, Azevedo Lima, Antas Guerreiro, A. J. Teixeira, A. Pinto de Magalhães, Costa e Almeida, Torres e Silva, Augusto de Faria, Saraiva de Carvalho, Barão da Trovisqueira, Garcez, B. F. Abranches, Custodio José Freire, E. Cabral, Faustino da Gama, Fernando de Mello, Pinto Bessa, Silveira Vianna, Xavier de Moraes, Guilhermino de Barros, Faria Blanc, Freitas e Oliveira, Almeida Araujo, Santos e Silva, J. A. Vianna, Matos e Camara, Joaquim Pinto de Magalhães, Gusmão, J. B. Cardoso Klerk, Mardel, Sousa Monteiro, J. M. Rodrigues de Carvalho, Mendes Leal, Lourenço de Carvalho, Camara Leme, M. B. da Rocha Peixoto, Pereira Dias, Mathias de Carvalho, P. A. Franco, R. Venancio Rodrigues, Deslandes, Teixeira Pinto.

Não compareceram — os srs.: Fevereiro, A. de Ornellas, Braamcamp, Rocha París; Villaça, A. de Azevedo, A. B. de Menezes, Correia Caldeira, A. José de Seixas, Lopes Branco, Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), Albuquerque Couto, Silva Mendes, J. R. Coelho do Amaral, Dias Lima, Gavicho, Bicudo Correia, Henrique Cabral, Silveira da Motta, Meirelles Guerra, Judice, João de Deus, Aragão Mascarenhas, Pinto de Vasconcellos, Albuquerque Caldeira, J. T. Lobo d'Avila, J. A. Maia, Lemos e Napoles, Vieira de Sá, Achioli de Barros, J. Maria Lobo d'Avila, Menezes Toste, José Paulino, Silveira e Sousa, Batalhoz, J. F. Pinto Basto, Levy, Ferreira Junior, Leite de Vasconcellos, Julio Guerra, R. de Mello Gouveia, Thomás Lobo, Visconde dos Olivaes.

Abertura — Á uma hora menos quinze minutos.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio das obras publicas, enviando 140 exemplares da segunda memoria sobre os processos de vinificação empregados nos principaes centros vinhateiros do reino, a fim do serem distribuidos aos srs. deputados.

Mandaram-se distribuir.

2.º Do ministerio da guerra, devolvendo o requerimento do tenente do regimento de infanteria n.° 17, Manuel José Gomes, com os esclarecimentos pedidos áquella secretaria d'estado com relação á pretensão do requerente.

A commissão de guerra.

Participações

1.ª Participo que o sr. Justino Ferreira Pinto, não tem comparecido, nem comparecerá a mais algumas sessões por motivo justificado. = Dias Ferreira.

2.ª Participo á camara, que o sr. deputado Francisco Coelho do Amaral, por falta de saude, não compareceu hoje, e talvez por isso falte mais alguns dias. = Antonio Gonçalves da Silva e Cunha.

Inteirada.

Requerimento

Requeremos que, pelo ministerio do reino, seja declarado a esta camara, se existe ali alguma queixa ou reclamação contra o administrador do concelho de Almada, João Fialho de Abreu. = Eduardo Tavares = Bernardo Francisco de Abranches = João Antonio Judice.

Foi remettido ao governo.

Declarações de voto

1.ª Declaro que, se tivesse assistido á sessão de hontem, a que não compareci por falta de saude, teria approvado a proposta apresentada para se ampliar aos passaes o actual projecto de desamortisação. = Ignacio Francisco Silveira da Motta.

2.ª Declarâmos que, se estivessemos na camara, votávamos contra o additamento apresentado pelo sr. Rodrigues de Azevedo, ao artigo 1.° do projecto de lei do governo n.° 1. = Manuel Aralla = Antonio Bernardino de Menezes = Paulino Teixeira Botelho e Sousa.

3.ª Declaro que, se estivesse presente na sessão de hontem, teria votado a desamortisação forçada dos passaes. = Ferreira Pontes.

4.ª Declaro que, se estivesse presente hontem, quando no fim da sessão se votou a proposta do sr. deputado Rodrigues de Azevedo, a qual torna obrigatoria a desamorti-

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sacão dos passaes; teria dado o meu voto a favor d'ella. = Francisco Antonio da Silva Mendes.

5.ª Declaro que, se estivesse presente quando, na sessão de hontem, se votou o additamento, proposto pelo sr. Rodrigues do Azevedo, ao artigo 1.° do projecto do desamortisação, te-lo-ía approvado. = A. L. de Seabra Junior, deputado por Mogadouro.

6.ª Os abaixo assignados declarára que, se estivessem presentes na sessão de hontem, no acto da votação sobre o artigo 1.° da proposta em discussão, ácerca da desamortisação, approvariam a proposta que torna obrigatoria a desamortisação dos passaes, e de todos os bens que constituem a dotação do clero. = Francisco Manuel da Rocha Peixoto = Manuel Bento da Rocha Peixoto.

7.ª Declaro que, se tivesse assistido á sessão de hontem, a que por falta de saude não concorri, na votação sobre o projecto de desamortisação, votaria de certo contra todo o projecto coherente, e na conformidade de todas as minhas votações sobre desamortisações. = = Vicente Carlos.

8.ª Declaro que, se estivesse presente hontem, quando foi votado o artigo 1.° do projecto n.° 1, teria approvado a desamortisação obrigatoria dos passaes. = Lavado de Brito.

9.ª Declaro que, se hontem estivesse presente, quando se votou a moção do illustre deputado, o sr. Rodrigues de Azevedo, relativa aos passaes, teria votado a favor da mesma, no intuito de que ella obrigava taes bens á desamortisação. = Eduardo Tavares.

10.ª Declaro que, se estivesse presente na sessão de hontem, teria votado pela moção, approvada pela camara, que torna obrigatoria a desamortisação dos passaes. = João Antonio dos Santos e Silva.

11.ª Declaro que, se estivesse presente no fim da sessão de hontem, quando se votou o additamento do sr. Rodrigues de Azevedo, para serem comprehendidos os passaes na desamortisação, te-lo-ía approvado. = Antonio José Teixeira, deputado pelo circulo de Soure.

Mandaram-se lançar na acta.

Nota de interpellação

Desejo interpellar o sr. ministro dos negocios estrangeiros, sobre as causas que motivaram a permanencia dos duques de Montpensier a bordo do navio hespanhol, que os conduziu ao porto do Lisboa. Convido o nobre ministro a declarar, se houve reclamações de algum governo estrangeiro, tendentes a impedir o desembarque, e a obstar que os illustres viajantes fixassem residencia no paiz que vieram demandar. No caso de ter havido reclamação, peço noticia da correspondencia trocada, não havendo inconveniente. = F. Van-Zeller.

Mandou-se fazer a devida participação.

SEGUNDA LEITURA

Projecto de lei

Senhores. — Depois que a molestia dos vinhedos quasi esterilisou o principal ramo de producção agricola da ilha da Madeira, têem sido as vinhas em grande parte substituidas pela antiga cultura da canna doce, de que a industria se tem aproveitado, para a fabricação da aguardente, do mel, e principalmente do assucar, que já hoje d'ali se exporta em quantidade notavel.

Com o intuito de proteger o desenvolvimento d'estas industrias nascentes, tão proprias daquelle abençoado clima, foi promulgada a carta de lei de 20 de agosto de 1861, pela qual se estabelece que o mel, melaço e melado estrangeiros, pagarão o direito de 60000 réis em cada 100 kilogrammas que ali se importassem; isto por espaço de tres annos. Este praso foi ainda depois prorogado por mais tres annos pela carta de lei de 27 de julho de 1864.

Subsistem ainda, senhores, as mesmas rasões que aconselharam a adopção da providencia consignada naquellas leis, porquanto o mel, melaço e melado estrangeiros importados n'aquella ilha, e reduzidos depois a aguardente ou a assucar, vão fazer no mercado uma concorrencia perigosa áquelles generos de producção local, destruindo em consequencia o preço remunerador da cultura da canna, e aniquilando as industrias que d'ella dependem.

Por outro lado, senhores, não esta o thesouro em tão prosperas circumstancias, que possa prescindir daquelle direito de importação, nem das contribuições correspondentes áquellas industrias e culturas nacionaes.

Por estas rasões, temos a honra, senhores, de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º E declarado em vigor por mais seis annos a disposição da carta de lei de 20 de agosto de 1861, pela qual o direito de importação do mel, melaço e melado estrangeiros que entrem pela alfandega do Funchal, na ilha da Madeira, foi fixado em 6$000 réis por cada 100 kilogrammas.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 6 de agosto de 1868. = O deputado pelo circulo do Funchal, Caetano Velloso do Carvalhal Esmeraldo = João Barbosa de Matos e Camara = Annibal Alvares da Silva = João José de Mendonça Cortez = Alvaro Ernesto de Seabra = Antonio Cabral de Sá Nogueira.

Foi admittido, e enviado á commissão respectiva.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Senhores. — A vossa commissão de obras publicas foi presente a representação da camara municipal de Cabeceiras de Basto, a qual pede que a estrada de Braga a Chaves siga uma directriz differente da já estudada, e tome a direcção de Casares a Cavez.

Á vossa commissão é de parecer que esta representação seja remettida ao governo, para que elle a tome na devida consideração.

Sala das sessões, 7 de agosto de 1868. = Fradesso da Silveira = J. T. Lobo d'Avila = Sebastião do Canto e Castro

=Augusto Pinto de Miranda Montenegro = G. A. Rolla = José Bandeira.

Foi approvada sem discussão.

Leu-se na mesa a seguinte

Parecer

Senhores. — A vossa commissão administrativa da casa, examinando com todo o escrupulo e minuciosidade as contas da gerencia da junta administrativa da mesma casa, durante o anno civil de 1867, de 14 de janeiro a 30 de abril do corrente anno, e achando-as regulares e conformes, é de parecer que ellas sejam approvadas; entendendo outrosim que, de futuro, nenhumas verbas de serviço extraordinario sejam pagas, a quaesquer empregados da casa, extraordinariamente admittidos, uma vez que não estejam auctorisadas no orçamento geral da receita e despeza do estado, porque é a commissão tambem de parecer, que nenhum outro pessoal póde ser admittido, maxime depois de fechadas as camaras, alem daquelle que se acha fixado no mesmo orçamento.

Lisboa, e sala da commissão, aos 15 de julho de 1868. = José Maria da Costa e Silva, presidente = Visconde dos Olivaes = Antonio Gomes Brandão = José dos Prazeres Batalhoz = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello, relator, secretario.

Foi approvado sem discussão.

O sr. Ferreira de Mello: — Mando para a mesa um projecto de lei sobre organisação de serviços. Desejei apresenta-lo na sessão passada, mas desisti porque a epocha era contraria a projectos de lei, e eu queria esperar uma monção mais favoravel, em que os ares estivessem menos turvos.

Hoje que o governo, pela auctorisação que já se acha n'esta casa, deseja avocar o trabalho e responsabilidade da organisação e reducção dos quadros, eu não tenho esperança, nem manifesto a pretensão de que seja agora discutido e approvado o meu projecto.

Apresento-o apenas para que o governo, examinando as suas disposições, as tome na devida consideração, se alguma consideração merecerem.

Se o governo fizer mais e melhor, eu felicitar-me hei, ainda que seja desattendido o meu projecto. Se fizer menos, o que não é de esperar, eu pugnarei pelas minhas idéas em occasião opportuna.

O sr. Secretario (José Tiberio): — O sr. Francisco Luiz Gomes officiou á mesa, participando que não tem podido comparecer á sessão extraordinaria, por se achar fazendo uso das aguas sulphureas dos Pyrinéus, e que, se fosse necessario, mandaria attestado dos facultativos que o tratam.

O sr. Presidente: — Alguns srs. deputados pediram a palavra para antes da ordem do dia, mas como a hora esta adiantada vae-se passar á ordem do dia. Aquelles senhores que tiverem alguns papeis a mandar para a mesa, podem manda-los.

ORDEM DO DIA

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte

Projecto de lei n.° 28

Senhores. — A vossa commissão de legislação, tendo examinado a proposta do sr. deputado por Arganil, Freitas e Oliveira, a fim de se resolver se o poder judicial póde continuar um processo crime contra um cidadão, antigo deputado, depois da camara electiva ter resolvido que tal processo não continuasse, porque não havia motivo para a pronuncia, é da opinião seguinte:

Até hoje as diversas, camaras electivas têem recebido os processos crimes intentados contra os seus membros, e constituindo-se n'uma especie de jury especial de ratificação de pronuncia, têem apreciado os elementos de criminalidade e julgado sobre os fundamentos da pronuncia. Esses casos estão hoje julgados e os processos findos, e faze-los reviver em virtude de uma nova disposição seria injuridico e inconveniente.

Por estas considerações é a vossa commissão de parecer que a proposta seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.º Os processos crimes contra deputados, sobre os quaes a camara electiva resolveu até hoje que não podiam continuar, consideram-se findos, e extinctos os crimes que lhes deram causa.

Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da commissão de legislação, 10 de julho de 1868. = Antonio José da Rocha = José Maria Rodrigues de Carvalho = Antonio Pequito Seixas de Andrade = Joaquim Antonio de Calça e Pina = Carlos Vieira da Motta = Annibal Alvares da Silva = Antonio Augusto Ferreira de Mello, relator. — Tem voto dos srs. Bernardo Francisco de Abranches = José Ildefonso Pereira de Carvalho

Senhores. — Proponho que a illustre commissão de legislação se digne dar o seu parecer sobre o seguinte quesito:

Póde o poder judicial continuar o processo contra um cidadão, que foi pronunciado quando era deputado da nação, tendo a camara dos senhores deputados resolvido que não podia continuar o processo e que não havia motivo para a pronuncia? = Jacinto Augusto de Freitas e Oliveira.

O sr. Barros e Sá: — Desejaria obter da illustre commissão de legislação algumas explicações que me habilitassem a poder entender o unico artigo d'este projecto. Não suppunha, nem podia suppor, que similhante projecto, na apparencia simples, mas realmente difficil e importante, porque envolve a resolução de uma das mais difficeis questões de direito constitucional, viesse hoje á discussão. Envolve elle a interpretação authentica de um dos artigos constitucionaes da carta, relativo ás immunidades parlamentares dos deputados, outorgadas não como favores ás pessoas, mas como garantias ás instituições. E não me parecia que fosse a actual occasião a mais propicia e adequada para a camara se envolver em questões de similhante natureza as quaes, para serem tratadas e resolvidas condignamente carecem de discussão larga, reflectida e pacifica, 4 reclamam a meditação attenta, o estudo previo dos illustres membros do parlamento, que têem que resolver.

Cuido poder sem ousadia, antes respeitosamente, asseverar que a camara hoje, e durante esta pequena sessão extraordinaria, não esta em circumstancias de tratar questões da natureza d'aquella sobre que v. ex.ª declarou aberta a discussão. Fomos convocados para tratar as questões de fazenda, as de immediata necessidade e urgencia publica, tratemos d'essas e mais nada. A questão do projecto póde ficar adiada para a seguinte sessão, sem prejuizo publico nem particular.

Temos vivido trinta e quatro annos sem a interpretação authentica da carta, vivamos mais quatro mezes. Os interessados nada perdem com a demora, pois se algum juiz de 1.ª instancia, ou agente do ministerio publico os incommodar terão recurso para os tribunaes superiores, e ahi obterão justiça; tanto mais que ha poucos dias foi proferida uma decisão superior na relação de Lisboa com respeito a um processo de um antigo deputado ao qual aqui foi denegada auctorisação para continuar. Esta decisão póde dizer-se que põe os interessados a coberto de qualquer perseguição judicial.

Quanto á doutrina consignada no projecto, não desejo eu aprecia-la agora, antes desejo retira-la da discussão. Seja-me licito porém dizer de passagem que, ou eu não entendo bem o que esta escripto, ou então parece que a illustre commissão de legislação quer estabelecer uma doutrina para o preterito, outra para o futuro.

O artigo diz que =os processos crimes, contra deputados, sobre que a camara electiva resolveu até hoje que não podiam continuar, se consideram findos e os crimes extinctos =. Esta redacção inculca que esta regra não é applicavel de futuro, visto que expressamente limita aos até hoje resolvidos. Se assim é, se tal é a intenção da commissão e o espirito do projecto, não posso conformar-me com similhante doutrina. A lei é só uma, é a carta constitucional. Esta não póde ter duas interpretações, uma para o preterito, outra para o futuro. A justiça não comporta duas medidas, e como questão de jurisdicção da camara dos deputados, e este é o verdadeiro lado da questão, tambem não póde haver duas medidas para ella. A nossa jurisdicção é a mesma, a nossa competencia é a mesma, com relação ao passado e ao futuro, e é tanto a mesma que nem poder temos para a ampliar ou restringir por virtude de uma lei ordinaria!

Ha alguma cousa de extraordinario na fórma por que foi redigido este projecto. Nós podémos interpretar authenticamente os artigos da carta, mas isto por via de interpretação geral, sem referencia a casos e processos especiaes. A interpretação para casos e processos especiaes pertence aos juizes, e não aos legisladores. Como pois se pretende que nós com os meios termos do poder legislativo interpretemos por uma lei uma resolução particular e especial da camara dos deputados, considerada quer como assembléa politica, quer como tribunal de justiça?! Não entendo isto. Aqui ha falta de alguma cousa, e a falta será da minha intelligencia.

A disposição do projecto, nos termos em que esta redigido, toma o caracter de sentença interpretativa, de todas as resoluções dadas n'esta casa desde 1834 até hoje, sobre processos crimes contra deputados, os quaes aqui não temos presentes, que não vimos, que não examinamos, e que, digo mais, que não temos competencia para examinar e revêr. A missão da camara dos deputados acabou quando disse: «Continua ou não continua o processo?» Dos tres ramos de que se compõe o poder legislativo só a camara dos pares póde dar e proferir resoluções judiciaes. Nós não. Os decretos d'esta camara devem conter regras de futuro ou interpretações authenticas sem referencia a casos especiaes e processos particulares.

Eu faço toda a diligencia por me contrahir e circumscrever á questão da opportunidade da discussão; mas não o posso fazer de todo, porque para mostrar a difficuldade da materia preciso indicar os pontos duvidosos, os quaes realmente são de alta indagação. Apesar de ser impellido naturalmente para apreciar a questão da justa interpretação do artigo 27.° da carta, estou-me contendo a custo, e procurando quanto possivel não entrar n'ella. Eu não partilho a opinião de que as resoluções da camara, n'esta materia, são definitivas, cuido que são unicamente suspensivas.

Tenho para mim que a camara dos deputados não póde em caso algum, tomar o caracter de julgador de tribunal de justiça. Seria preciso um artigo expresso, claro, terminante na constituição, e este não existe. A jurisdicção, a competencia, não se póde deduzir por argumento, é preciso, texto claro. Ora, sendo assim, como podemos nós reconhecer na camara dos deputados uma jurisdicção quanto ao passado e outra quanto ao futuro. Ou a camara a tem pela carta ou não; se a tem, não lhe póde ser retirada por uma lei ordinaria, ainda que com caracter interpretativo; se anão tem, não lhe póde ser dada por este projecto. Só póde haver uma regra para o passado e para o futuro. Esta regra esta na carta, e a nós só nos cumpre examinar qual é o sentido, o espirito e a disposição da lei fundamental (apoiados).

O projecto diz que os crimes estão extinctos! Maravilho-me com esta doutrina. Os crimes extinguem-se pela prescripção, pela amnistia, pelo cumprimento da pena, pelos, modos prescriptos no codigo penal. E quando mesmo quizessemos dar ás resoluções da camara o caracter de sentença, declarando esta que não havia motivo para proseguir, equivale a dizer que não ha crime, logo não ha que extinguir. As sentenças absolutórias declaram a não existencia dos crimes, mas não extinguem os crimes.

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Quando pela primeira vez li este projecto cuidei que a opinião e intenção da nobre commissão era declarar como regra interpretativa, que as decisões da camara ácerca dos processos crimes dos deputados eram resolutivas da questão criminal. Devo á benevolencia de um illustre membro da commissão a informação pela qual conheci que me enganava, e que tal não era o espirito e intenção da commissão. Satisfeito pois quanto á doutrina que se intentava implantar, fiquei mais confuso quanto á natureza, indole e alcance do expediente que se pretendia consignar no presente projecto. E por maior que seja a vontade que tenha de condescender com os meus illustres collegas, que se incommodam por estar causando embaraços á sua approvação, não possam condescender com elles. Na fórma por que esta redigido não posso approva-lo; se não for adoptado o adiamento, entrarei largamente na questão.

O nobre deputado, o sr. Freitas e Oliveira, interrompeu-me em um áparte para me indicar a posição em que ficam os deputados antigos de cujos processos se trata. Eu direi a s. ex.ª - se esses senhores forem incommodados, recorram para os tribunaes superiores, e estes farão justiça. Se elles quizerem, podem requerer baixa na culpa, os juizes resolverão.

Termino por pedir que, se se quer tratar d'esta materia, o façamos conveniente e dignamente. Dêem-nos tempo para discutir com largueza, e o melhor será espaçar para tempos mais apropriados (apoiados).

O sr. Ferreira de Mello: — Eu estou costumado a admirar sempre o meu nobre collega e amigo, que acabou de fallar, pela proficiencia e illustração com que entra em todas as questões, mas esperava, e parecia-me mais proprio da prudencia do meu collega que, começando por dizer que não entendia o projecto, não discutisse antes de receber algumas explicações da commissão, para não dar a esta questão uma importancia que ella não tem, e não combater umas difficuldades todas imaginarias, que não existem de fórma alguma no projecto em discussão, e que só nasceram da imaginação viva do meu collega e illustre amigo.

Disse s. ex.ª que nós não estavamos em circumstancias de entrar em uma questão constitucional, e que havia conveniencia em se guardar para a outra sessão, não havendo prejuizo algum em se esperar até esse tempo.

Antes de tudo direi que este projecto não é interpretativo da doutrina da carta constitucional; não é interpretativa das leis existentes, é interpretativo apenas das decisões tomadas por esta camara, e sobre os factos que lhe foram affectos, e sobre que ella já decidiu e julgou.

Como quer o illustre deputado que ácerca de casos decididos por esta camara se fique em duvida ou em incerteza, e que se mande interpretar lá fóra as nossas decisões, declarando-nos nós incompetentes para as interpretar?

Se somos incompetentes para as interpretar, mais incompetentes eramos para as tomar. O argumento poderia colher para que não as tomassemos, mas não colhe de maneira nenhuma para que nós, depois de as termos tomado, nos recusemos a declarar qual a verdadeira interpretação, e o sentido em que a camara tomou essas resoluções.

A questão actual é de factos, e sómente de factos. A de direito, em que o illustre deputado antecipou os seus receios, ha de vir brevemente, mas na sessão seguinte.

Na commissão de legislação estão dois projectos distinctos. Estava antes d'este um projecto apresentado em outra legislatura n'esta casa por um dos homens mais illustres e que eu mais respeito n'este paiz, o sr. Antonio Rodrigues Sampaio, cuja iniciativa foi renovada pelo sr. José de Moraes, que tambem tinha tomado parte no projecto da primeira vez. Esse projecto contém toda a importancia da questão constitucional que o illustre deputado, o sr. Barros e Sá imagina para este, e que este não tem de especie nenhuma.

Quando a commissão se ocupava de examinar esse projecto do sr. Sampaio (desejo dar esta explicação ao sr. Barros e Sá), projecto constitucional e importantissimo, que não póde ser votado de leve, porque necessita da maior consideração e reflexão antes de ser approvado, appareceu na commissão uma pergunta feita pelo meu illustre amigo, o sr. Freitas e Oliveira, e um convite á commissão para apresentar um projecto de lei em que marcasse qual a interpretação das resoluções tomadas até hoje por esta camara ácerca dos crimes de que conheceu.

Esta pergunta era fundada em circumstancias imperiosas e muito urgentes.

Não é só nos tribunaes que se duvida e que ha divergencia de opiniões sobre qual é a extensão que se deve dar ás resoluções d'esta camara, tomadas até hoje nos crimes dos seus membros. Jurisconsultos distinctos, advogados de muito nome se têem pronunciado por um e outro modo, e uns têem attribuido ás decisões um effeito definitivo, emquanto que outros lhe attribuem apenas um effeito suspensivo. Não posso ser suspeito n'esta questão, porque combati o projecto apresentado na camara pelo sr. deputado Rodrigues Sampaio. Combati este projecto na imprensa contra seu auctor, onde sustentámos durante quatro mezes uma questão, em que eu segui a idéa de que a decisão da camara não podia nunca extinguir a accusação nem conhecer da existencia ou não existencia dos crimes.

Por consequencia não sou suspeito nem ao nobre deputado nem á camara, apresentando-me aqui a defender estas idéas; tenho provas escriptas e muito demoradas de que o meu fim, combatendo aquelle projecto, era exactamente o contrario do que a commissão vem hoje propor á camara; mas a questão então era de direito para o futuro, e agora é só de factos para o passado. Isto levar-nos-ía muito longe entrando na questão detidamente; mas é certo que nem na carta constitucional, nem em lei alguma portugueza, ha disposição alguma que auctorise a camara electiva a constituir-se em tribunal de justiça; não ha uma só disposição que auctorise tal. Ha por outro lado a pratica e praxe constantemente seguida até hoje, não só aqui, mas em paizes que têem constituições muito similhantes á nossa, em que as camaras electivas se têem constituido em tribunal de justiça e julgado dos crimes, examinando os processos e tomando sobre elles uma resolução definitiva como tribunaes de ratificação de pronuncia.

Tenho aqui uma decisão relativa ao processo do sr. Marques de Paiva, que foi tomada no parlamento de 1806, a fim de v. ex.ª ver como a camara considerava os casos julgados. Vou ler um dos considerandos da commissão.

O primeiro considerando diz:

«Considerando que a constituição, tornando dependente das licenças da camara a continuação do processo contra qualquer deputado, teve por fito, no interesse do systema representativo, evitar que os representantes da nação podessem ser desviados do parlamento por motivos politicos, ou por odios ou vinganças, considerando para isto, e n'estes casos, a camara como uma especie de jury especial de ratificação da pronuncia.»

No segundo considerando declarou a commissão que os factos imputados não eram criminosos, e extinguiu o crime, não ratificando a pronuncia e não consentindo na continuação do processo.

Aqui tem V. ex.ª manifestamente declarado como a camara se constituiu em 1866 como jury de rectificação de pronuncia. Ella não podia fazer isto, segundo a opinião que eu tenho sustentado, mas foi o que fez, e é isto o que invariavelmente e sem excepção se tem feito até hoje.

Não ha nas nossas leis disposição nenhuma que auctorise o juiz de direito a remetter os processos á camara electiva, e não ha um só caso, desde que ha crimes de deputados no nosso paiz, em que o juiz de direito não tenha remettido o processo a esta camara. Ora, a remessa do processo, a circumstancia da camara o considerar e resolver a final sobre elle, importa um julgamento final sobre o crime e portanto a extincção do crime.

Aqui tem V. ex.ª como a camara se encontrava entre a sua opinião interpretativa da carta constitucional e entre factos consummados, que ella não podia remediar nem evitar, factos consummados anteriormente por todos os parlamentos até ao dia de hoje.

Lá fóra, não só os tribunaes divergiam de opinião, mas até os empregados. Eu mesmo, na minha curta carreira de advogado, fui consultado n'este sentido por um digno juiz, ornamento distincto da magistratura portugueza, cavalheiro muito intelligente, e que é hoje nosso collega n'esta camara; e eu lembro-me das difficuldades com que nós lutámos antes de resolver esta questão, e declaro a v. ex.ª que apesar d'isso não a resolvemos bem, ou pelo menos resolvemo-la de uma maneira contraria á opinião que eu hoje tenho e que sustentei constantemente na imprensa.

Subsistem portanto as duvidas, as incertezas e as divergencias entre os advogados que aconselham, e os juizes que julgam, e os tribunaes acham-se hoje perplexos, não sabendo que lei hão de applicar, não sabendo se hão de fazer reviver os processos e julga-los de novo, ou se têem de remetter a decisão á camara electiva, como á corporação a quem pertence declarar novamente se os crimes estão extinctos, ou as accusações simplesmente suspensas.

O ultimo accordão da relação, que o sr. Barros e Sá aqui citou, significa que um dos tribunaes mais respeitaveis d'este paiz demora os processos e aguarda a resolução da camara. E que quer o sr. Barros e Sá que faça a camara? Quer que a camara não resolva, e que os tribunaes aguardem indefinidamente uma resolução que nós nunca lhe daremos? Isto não póde ser. Deixemos por uma vez o systema de estarmos sempre a declarar-nos incompetentes para resolver esta ou aquella questão. Deixemo-nos de estarmos a duvidar constantemente dos nossos poderes, das nossas attribuições.

E preciso que nos convençamos por uma vez de qual é o fim para que aqui viemos e qual é a nossa missão. Nós viemos aqui para legislar, para estabelecer regras, para tirar duvidas, para interpretar leis. Se não viessemos aqui para isto, era inutil virmos cá, porque então não vínhamos para cousa nenhuma.

E que prejuizo ha n'esta demora, pergunta o sr. Barros e Sá? Pois entende s. ex.ª que póde haver prejuizo maior, mais permanente e mais penoso, do que estar um homem a vergar constantemente debaixo do peso de uma accusação, sem saber se ella terminou ou não?

Haverá para um homem posição mais desagradavel do que ter um crime sem elle estar decidido por qualquer fórma?

Eu esperava que este projecto tivesse alguma impugnação pelas disposições que estabelece, mas que fosse combatida a necessidade de tomarmos uma resolução qualquer é que eu não esperava nem podia rasoavelmente presumir.

O que a commissão entendeu é que estes casos passados precisavam indispensavelmente ser resolvidos; é indispensavel resolve-los quanto antes, porque tanto os individuos contra quem correram esses processos, como os tribunaes, como os advogados, estão perplexos e indecisos, sem saberem qual é a lei applicavel a este caso e qual é a resolução definitiva a este respeito.

Diz o sr. Barros e Sá que, apesar de não entender o projecto da commissão, lhe parece todavia que elle estabelece uma regra para o passado e outra para o futuro.

A primeira parte do que o meu illustre collega entende é verdadeira. Que a commissão estabelece uma regra para o passado é exacto, mas que ella estabeleça outra regra para o futuro é que o illustre deputado não póde prever nem affirmar aqui sem se metter a adivinhar o que ainda não está resolvido.

O projecto da commissão é uma regra só para o passado, é só para os casos relativos aos membros das camaras anteriores, cujos processos foram remettidos a esta casa, cujos processos esta camara avaliou e cujos crimes a camara julgou de uma ou outra fórma. Em relação a estes unicamente é que diz este projecto em discussão que os crimes estão extinctos, porque as resoluções das camaras o mandaram extinguir.

Para o outro projecto a que me referi, apresentado pelo sr. Antonio Rodrigues Sampaio, é que a commissão se reserva apreciar competentemente a doutrina constitucional e as disposições legaes, estabelecendo-as como lei generica que não admitta para o futuro duvida nenhuma.

O illustre deputado, o sr. Barros e Sá, declarou que este projecto lhe parecia uma sentença.

Eu não conheço sentença que seja superior a uma lei.

Isto não é uma sentença, e uma lei é mais do que uma sentença, porque esta decide só o caso em questão, e a lei faz se para os resolver todos.

Não se admire portanto s. ex.ª de que uma lei, feita para resolver certos casos, os resolva. Não comprehendo mesmo que se faça uma lei para resolver certos casos, e que essa lei os deixe sem resolução. Isso é impossivel, ou pelo menos seria extraordinario e estranhavel.

Este projecto é uma resolução sobre casos passados, o n'esse ponto não admira que se pareça com uma sentença; a differença consiste em que a sentença decide casos particulares, e a lei decide casos de uma maneira generica.

E opinião do illustre deputado, a quem estou respondendo, que a lei se deve fazer para o futuro, interpretando a doutrina constitucional.

Essa lei ha de vir quando a commissão apresentar o parecer, que já esta muito adiantado, sobre o projecto do sr. Rodrigues Sampaio.

Então é que se hão de interpretar as disposições constitucionaes que de futuro devem constituir lei. Â lei actual é só para o passado.

Diz o sr. Barros e Sá que = uma lei interpretativa nunca se refere aos casos já decididos —; o n'esta parte creio realmente que o ouvido me enganou. Parece-me que s. ex.ª não proferiu esta asserção de uma maneira tão absoluta como eu a repito agora.

Não posso comprehender similhante cousa, porque s. ex.ª sabe que uma lei interpretativa é para todos os casos passados quando não ha prejuizo de direitos adquiridos, ou prejuizo de terceiro. Esta é que é a regra de direito constitucional.

A regra é que a lei interpretativa, quando não vá ferir ninguem, se applique exactamente aos casos passados, porque é a esses casos que ella tem de ser applicada.

Diz o sr. deputado que = esta lei é a extincção dos crimes =, mas engana-se s. ex.ª

A extincção dos crimes provém das resoluções dos parlamentos anteriores. Esta lei não vem agora extinguir os crimes, nem declarar os effeitos que tiveram as resoluções anteriores; effeitos que a commissão não póde deixar de reconhecer, porque os encontra repetidos em todos os casos decididos pela camara dos deputados a respeito dos crimes dos seus membros.

Quando todas as commissões, que têem tomado conhecimento d'estes casos, têem declarado, depois de examinarem o processo, que não encontram n'elle elementos para a pronuncia; e quando todas as camaras têem dito que, em virtude das leis do paiz, não ha motivo para a accusação, como quer o sr. deputado que o parlamento venha hoje interpretar as resoluções dos parlamentos anteriores? Ha de interpreta-las em harmonia com o que elles fizeram, e elles o que fizeram constantemente foi decidir sobre a validade da accusação, sobre a existencia ou não existencia da criminalidade.

O illustre deputado quando tratar esta questão de certo não poderá ir muito mais longe do que foi o sr. Rodrigues Sampaio. E note s. ex.ª que um dos nossos primeiros jurisconsultos, o sr. Silvestre Pinheiro Ferreira, combatendo o uso que as côrtes faziam das attribuições de julgar, impugnando que ellas se constituissem em tribunal de justiça, declarou que isso era um abuso, mas que era um abuso que existia não só entre nós, mas nas outras nações.

A questão toda é, portanto, que nós devemos separar os casos julgados, e os casos já decididos, da interpretação racional e philosophica da doutrina constitucional da carta para o futuro. Não podemos deixar de separar casos já julgados e já decididos de casos que ainda não vieram a esta camara, que ainda estão por acontecer, e os quaes nós podemos apreciar á face dos verdadeiros principios em qualquer lei que façamos de novo. Mas essa lei que nós fizermos de novo não a podemos de certo applicar a desfazer aquillo que esta feito.

Por consequencia, este parecer da commissão não é nem para fazer nem para desfazer o que esta feito, é apenas para declarar o alcance que tiveram as resoluções que as camaras tomaram sobre os casos que julgaram, sem se prejudicar a authentica interpretação da doutrina constitucional da carta que se faça para o futuro.

Portanto, como eu e toda a commissão de legislação estamos convencidos da manifesta vantagem e da urgente necessidade de tomar uma decisão a este respeito, insisto em que estas resoluções tomadas pelas camaras electivas se expliquem, declarando-se o alcance que tiveram; na certeza de que a decisão da camara não prejudica de fórma alguma as idéas que haja relativamente a interpretar ou reformar a este respeito tanto a doutrina constitucional da carta como a das outras leis do paiz (apoiados).

O sr. Barros e Sá: — Se esta discussão não continua hoje, mas sim em outra sessão, pretendo que v. ex.ª diga com antecipação quando é, para que eu possa comparecer a tomar a palavra sobre a materia do projecto.

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O sr. Araujo Queiroz: — Eu não sabia que este projecto estava dado para a ordem do dia de hoje; mas visto ter entrado em discussão requeiro para que fique adiada para outro dia.

O sr. Presidente: — Os senhores que são de voto que se suspenda esta discussão para se entrar já na discussão do projecto n.° 3, tenham a bondade de levantar-se.

Assim se resolveu.

O sr. Ministro da Guerra: — Mando para a mesa uma proposta de lei.

Leu-se na mesa a proposta de lei para ser o governo auctorisado a levantar a somma de 100:000$000 réis, a fim de serem applicados ás fortificações de Lisboa.

A commissão respectiva.

O sr. Abranches: — Mando para a mesa um projecto de lei.

Leu-se na mesa e entrou em discussão o seguinte:

Projecto de lei n.° 3

Senhores. — A vossa commissão de fazenda examinou a proposta de lei n.° 1-B, em que o governo pede auctorisação para levantar até á somma de 3.500:000$000 réis, com applicação ás despezas ordinaria e extraordinaria do estado no anno economico 1868-1869, que dá ao governo a faculdade de effectuar este emprestimo por meio de emissão de titulos de 3 por cento, e que finalmente auctorisa o governo a abonar aos contribuintes, que pagarem os tributos do actual anno economico antes da epocha fixada para a cobrança d'elles, uma percentagem que não exceda o juro que na epocha d'este pagamento se estiver abonando aos prestamistas da divida fluctuante contrahida no paiz.

A vossa commissão, considerando que as urgencias do thesouro vão correndo diariamente sem que os effeitos das reformas as possam acompanhar de par;

Considerando que a proposta do governo não torna perceptiva a emissão de titulos de divida publica para a realisação daquella quantia, mas apenas a torna facultativa;

Considerando que do facto do governo ficar com o recurso da emissão para levantar dinheiro não virá inconveniente, pois que da conveniencia dos meios de levantar capitaes póde vir a concorrencia dos que os emprestem, e por conseguinte a melhoria das condições em que se realise o emprestimo:

E a vossa commissão de parecer que o governo seja auctorisado a levantar até á somma de 3.500:000$000 réis, e que so lhe faculte realisar essa somma por meio de titulos de divida externa ou interna fundada de 3 por cento.

Com respeito ao abono de juros aos contribuintes que antecipadamente paguem os tributos do actual anno economico, a vossa commissão vê n'isto um expediente simples e aceitavel, parecendo-lhe todavia que para a execução d'esta medida é essencial a publicação da media mensal do juro da divida fluctuante contrahida no paiz, e de outras disposições regulamentares.

Por estas considerações é a vossa commissão de parecer que a proposta n.° 1-C seja convertida no seguinte projecto de lei.

Artigo 1.° E o governo auctorisado a levantar até á somma de 3.500:000$000 réis, com applicação á despeza ordinaria e extraordinaria. do estado no anno economico de 1868-1869.

§ unico. Esta operação poderá ser effectuada pela negociação de titulos de 3 por cento de divida interna ou externa, pelo melhor preço que for possivel obter no mercado.

Art. 2.° O governo poderá fazer crear e emittir, pela junta do credito publico, os titulos necessarios para levar a effeito a operação auctorisada pelo artigo antecedente.

Art. 3.° O governo poderá tambem conceder aos contribuintes que satisfizerem antecipadamente as suas collectas relativas ao actual anno economico, o abono de uma percentagem que não exceda aos encargos que n'essa occasião resultarem da divida fluctuante contrahida no paiz.

Art. 4.° No caso de ser levada a effeito a auctorisação concedida no artigo 2.° o governo proporá, na proxima sessão legislativa, a creação das receitas que forem necessarias para pagar os juros dos titulos que houver creado em virtude d'aquella auctorisação.

Art. 5.° O governo dará conta ás côrtes, na proxima sessão legislativa, do uso que tiver feito das auctorisações que n'esta lei lhe são concedidas.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão de fazenda, 3 de agosto de 1868. = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = João Antonio dos Santos e Silva = José Dias Ferreira (com declaração) = Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães = Francisco Van-Zeller = Antonio José Teixeira = José Maria Rodrigues de Carvalho = Antonio Joaquim Ferreira Pontes = José Gregorio Teixeira Marques (relator).

N.º 1-B

Senhores. — Na proposta que submetto á vossa consideração pede o governo ser auctorisado para levantar fundos até á importancia de 3.500:000$000 réis, para occorrer ás consequencias do desequilibrio entre a receita e a despeza do estado.

Dentro ainda do presente anno civil, e conseguintemente dentro ainda do primeiro semestre do actual anno economico, conta o governo poder aconselhar a convocação das côrtes, a fim de lhes apresentar o conjuncto das medidas indispensaveis para que termine a difficil situação em que nos temos encontrado, vivendo sempre de onerosos expedientes. A auctorisação pedida póde ser no momento actual meio efficaz de nos libertar das duas condições com que por vezes temos, sido obrigados a realisar operações de divida fluctuante. E certo que o governo tem já auctorisação para cobrar a receita e effectuar a despeza do anno economico corrente; não existindo porém equilibrio financeiro, é incontestavel que mais alguma cousa é necessario votar, para que a administração possa julgar devidamente garantidos os encargos a que tem de fazer face sobre o periodo que nos separa de uma nova reunião do parlamento.

O equilibrio entre a receita e a despeza ordinaria do estado é indispensavel que se restabeleça, e não é superior ás nossas forças e estabelece-lo de prompto. Devem concorrer para isso as reducções nas despezas de todos os ramos de serviço publico em que for possivel effectuadas sem desorganisação do mesmo serviço, e o governo pede desde já a necessaria auctorisação para chegar a este resultado.

Juntando a essas reducções o recurso indispensavel do imposto, poderemos em breve realisar o equilibrio referido.

Pertence ao credito occorrer á despeza extraordinaria indispensavel para garantir o progresso moral e material que deve constituir a marcha da nossa civilisação; mas é necessario que não tenhamos o arrojo de suppor que podemos realisar de uma só vez o que os outros paizes não poderam alcançar senão dando ao tempo o logar que se lhe não póde roubar impunemente. A receita para fazer face ás operações de credito destinadas a custear a despeza extraordinaria deve, em regra, saír do imposto, votado no mesmo tempo em que se decretar o encargo.

Nas actuaes circumstancias a auctorisação pedida é indispensavel para que o governo fique habilitado com mais um meio á sua disposição, a fim de poder contratar, em condições vantajosas, sem estar sujeito á pressão das exigencias dos mercados. A proxima epocha do vencimento de algumas obrigações contrahidas indica a necessidade de ficar o governo provido de recursos diversos, não só para que possa continuar a ter o abono das sommas que póde realisar até agora, como para que possa melhorar as condições com que ellas foram adiantadas.

N'estes termos tenho a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a levantar até á somma de 3.500:000$000 réis, com applicação á despeza ordinaria e extraordinaria do estado no anno economico de 1868-1869.

§ unico. Esta operação» poderá ser effectuada pela negociação de titulos de 3 por cento de divida interna ou externa, pelo melhor preço que for possivel obter no mercado.

Art. 2.° O governo poderá fazer crear e emittir, pela junta do credito publico, os titulos necessarios para levar a effeito a operação auctorisada no artigo antecedente.

Art. 3.° O governo poderá tambem conceder aos contribuintes, que satisfizerem antecipadamente as suas collectas relativas ao actual anno economico, o abono de uma percentagem, que não exceda aos encargos que n'essa occasião resultarem da divida fluctuante contrahida no paiz.

Art. 4.° No caso de ser levada a effeito a auctorisação concedida no artigo 2.°, o governo proporá, na proxima sessão legislativa, a creação das receitas que forem necessarias para pagar os juros dos titulos que houver creado em virtude d'aquella auctorisação.

Art. 5.° O governo dará conta ás côrtes, na proxima sessão legislativa, do uso que tiver feito das auctorisações que n'esta lei lhe são concedidas.

Art. 6.° Fica revogada a legislação em contrario.

Ministerio da fazenda, em 30 de julho de 1868. = Carlos Bento da Silva.

O sr. Fradesso da Silveira: — Mando para a mesa o seguinte requerimento:

«Requeiro que seja adiado o projecto do emprestimo de 3.500:000$000 réis sobre inscripções, até que a commissão de fazenda apresente o seu parecer ácerca das propostas relativas aos emprestimos que se auctorisaram pelo projecto de lei, que foi approvado na sessão de hontem.»

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Pedi a palavra simplesmente para declarar que não posso aceitar o adiamento que foi proposto pelo sr. Fradesso da Silveira. Póde ser que as rasões, que s. ex.ª teve para apresentar essa moção me convença quando s. ex.ª a manifestar, mas no momento actual, repito, não a posso aceitar.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Requeiro, que seja adiado o projecto do emprestimo de 3.500:000$000 réis sobre inscripções, até que a commissão de fazenda apresente o seu parecer ácerca das propostas relativas aos emprestimos que se auctorisaram pelo projecto de lei, que foi approvado na sessão de hontem. = Fradesso da Silveira.

Posta a admissão não houve vencimento.

O sr. Arrobas: — Sinto, sr. presidente, que v. ex.ª tivesse dado a palavra ao sr. ministro da fazenda para fallar sobre uma proposta antes de ser admittida á discussão pela camara.

O sr. Fradesso propoz o adiamento da discussão d'esta proposta até apparecer a opinião da commissão de fazenda relativo ás alterações propostas por varios srs. deputados á proposta do governo, que a camara votou hontem. Esta proposta, sr. presidente, podia ser posta em discussão conjunctamente com a proposta que se discute, e a final a camara tinha o direito de a rejeitar e votar a proposta do governo, sem nem ao menos se gastar tempo especialmente por isso; o governo porém julgou melhor, não obstante o sr. ministro da fazenda não ser deputado, e a questão da admissão de uma proposta ser cousa exclusivamente da competencia da camara, declarar á camara que o governo não aceitava o adiamento, e isto antes de elle ser admittido á discussão, manifestamente com o intento de que a camara o não admittisse á discussão.

O resultado foi que o governo teve só mais um voto do que os seus contrarios n'esta questão, não havendo vencimento para nenhum lado.

O sr. Presidente: — Eu não posso deixar passar uma tal censura feita á mesa sem declarar que cumpri rigorosamente o regimento, porque nenhuma proposta póde ser declarada em discussão sem que uma votação da camara assim o tenha votado.

O Orador (continuando): — Não tive em vista censurar a v. ex.ª, de quem sou amigo ha muitos annos, e mesmo porque a censura seria injusta; mas é certo que se v. ex.ª tivesse proposto á camara se concordava que o adiamento ficasse conjunctamente em discussão com a proposta, não tivesse resultado o caso novo de ir um ministro influir, sem se lhe poder responder, para que a proposta do sr. Fradesso fosse admittida á discussão.

Não obstante, sr. presidente, eu hei de discuti-la conjunctamente com a proposta do governo, porque depois da votação da camara com relação aos passaes, não sei que pressa é esta de votar a auctorisação dos 3.500:000$000 réis.

Entrando na discussão da materia, eu não posso deixar de votar que esta proposta em que o governo pede auctorisação para vender perto de 11.000:000$000 réis de inscripções nas condições mais desastrosas, se comece a discutir justamente na occasião em que vae para a mesa uma proposta do governo para ser auctorisado a gastar até réis 100:000$000 com as fortificações de Lisboa, e quando o mesmo governo pelo ministerio das obras publicas acaba de publicar uma portaria mandando suspender muitas obras de estradas e diminuir o resto das que não suspende.

Trocam as estradas por uma ficção de obras de defeza de Lisboa!

Vá o dinheiro para o campo de manobras e para as obras da defeza de Lisboa, que ha de ser com isso que as finanças se hão de organisar, com as estradas isso parece que não, porque o governo por economia as suspende.

Sr. presidente, eu voto contra esta emissão de inscripções, por desnecessaria e prejudicialissima.

Desnecessaria porque o governo, sem recorrer a meio tão reprovado pela opinião publica, e tão inconveniente pelo estado dos mercados de fundos publicos dentro e fóra do paiz, podia obter recursos muito mais valiosos, e para isso bastava adoptar a proposta do governo presidido pelo sr. conde d'Avila para a desamortisação dos passaes, os baldios e os bens dos estabelecimentos de instrucção, e ficava senhor de recursos muito mais importantes do que aquelles que o governo agora pede.

Prejudicialissimo, porque no estado dos mercados de fundos e do nosso credito uma tal venda iria fazer descer consideravelmente o preço das inscripções, e isso prejudica consideravelmente a operação de dar ás corporações de mão morta as inscripções pelo preço do mercado.

E fazer baixar o preço para depois vender na baixa.

E ainda mais prejudicial, porque nos traz um fatal desengano, que tira toda a esperança de melhor futuro.

Em 1860 fez um governo, como já disse, para que de futuro nunca mais se emittisse uma só inscripção que fosse, sem se crear a receita correspondente aos encargos do juro respectivo; esse governo logo em seguida emittiu sommas enormes de inscripções que vendeu sem crear receita para os encargos correspondentes, e isto mesmo fizeram todos os governos que se seguiram até o fim de 1867, e de modo tal, que só de junho de 1866 a dezembro de 1867, isto é, durante anno e meio se emittiram cerca de réis 70.000:000$000.

D'isto e dos abusos da divida fluctuante resultou que em janeiro de 1868 se abriu o anno com um preço insignificante para a nossa divida fundada e fluctuante.

O governo do sr. conde d'Avila resolveu não emittir mais uma inscripção para lançar no mercado, e extinguir completamente a divida fluctuante, incluida a resultante do deficit do anno corrente, e para obter este duplo resultado propoz o projecto da desamortisação, que a camara approvou na sua generalidade, e que dava ao governo réis 18.000:000$000 a 20.000:000$000 sem lançar no mercado uma unica inscripção, e acabava a divida fluctuante e o deficit do anno actual.

Caíu aquelle governo e subiu o actual, e o que acontece, o illustrado ministro da fazenda, que ha tantos annos se prepara e estuda os negocios da fazenda, começa por desprezar o meio proposto pelo seu antecessor, o recorre a outro que lhe dá bem poucos recursos, e lança-se no caminho ruinoso, que tanto havia combatido, de lançar para o mercado inscripções pelo modo que propõe agora, e para o destino que lhe dá.

E diz-nos s. ex.ª que na proxima sessão ha de propor a organisação da fazenda; pois eu faço aqui uma prophecia, e vem a ser, que s. ex.ª em novembro, ou quando se tornar a abrir o parlamento, ha de vir aqui propor mais uma outra emissão de inscripções para vender, porque a fazenda não se organisa em seis mezes; a primeira necessidade para isso é ter o governo força, e essa falta-lhe completamente.

A propriedade paga apenas 1.600:000$000 réis, e deve em logar d'isso pagar 6.000:000$000 réis, e para isso basta reformar as matrizes e exigir 5 por cento do rendimento liquido a todos os proprietarios; mas isso não se faz sem tempo e força.

As economias e reducções a fazer podem-se decretar depressa; porém tambem os seus effeitos importantes são demorados. Portanto o actual governo, por desprezar a proposta de desamortisação do seu antecessor, ha de ver-se obrigado a pedir mais outra operação de venda de inscripções como esta de agora, que para pouco lhe chega, e porque a sua proposta relativa aos lucros a desamortisar não lhe dará recursos para pagar a divida fluctuante, como pensa.

O illustre ministro diz que espera não ter de vender inscripções, mas de fazer sobre ellas alguma operação, e eu estou certo que a maior parte dellas se hão de vender ainda durante este mez.

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Não quero tomar mais tempo á camara, mesmo para que o sr. ministro da fazenda não diga que eu lhe estou fazendo opposição organisada, como hontem disse.

Pelo contrario, eu desejo que o governo apresente muitas propostas que eu possa approvar, e uma declaro eu desde já que approvo, e até de modo que serei mais ministerial do que os proprios ministros, refiro-me á auctorisação para a reducção das repartições publicas.

Eu voto mais do que isso, hei de propor e votar que o governo fique auctorisado a reorganisar os serviços publicos, reduzindo a despeza; porque entendo que sem a reorganisação dos serviços a reducção dos quadros póde trazer desordem e muito inconveniente, ou então ha de ser completamente mesquinha e talvez mesmo inconveniente.

Tratando porém de concluir, eu tinha tenção de mandar para a mesa um artigo addicional, para que a junta do credito publico publicasse mensalmente uma conta das emissões de inscripções que fizesse, e o governo uma conta da venda que fizesse dos mesmos titulos; tenho porém tanta confiança na palavra do sr. ministro que me limito por agora a pedir-lhe que declare se concorda em dar as ordens para que isto tenha logar, sem ser de lei. Se s. ex.ª concordar, eu não mandarei proposta alguma, contentando-me com a sua palavra.

Julgo da maior importancia esta disposição como medida de estatistica e fiscalisação, tanto para a camara como para o publico em geral, que tão interessado é no assumpto.

O sr. Ministro da Fazenda: — Tenho a dar em primeiro logar uma satisfação ao sr. Fradesso da Silveira, por isso que eu laborava em um equivoco. Entendia que uma proposta de adiamento para ser apoiada bastava que se levantassem cinco srs. deputados, mas o illustre deputado deu á sua proposta o caracter de questão previa...

O sr. Presidente: — Pedia aos deputados que tomassem os seus logares, porque todos agglomerados á roda do sr. ministro, impedem que os srs. tachygraphos ouçam o orador.

O Orador: — Eu cuidei que a proposta do illustre deputado era uma proposta de adiamento, o em tal caso suppuz que as minhas reflexões não poderiam prejudica-la de modo nenhum, porque me parecia que, quatro votos em qualquer circumstancia se podiam obter em favor de uma proposta.

Peço por consequencia desculpa ao auctor da proposta, porque, quando eu declarei que o governo não podia aceitar o adiamento (o que não é discuti-lo, mas unicamente mostrar a opinião do governo) eu esperava que o adiamento ficasse em discussão conjunctamente com o projecto. Parecia me que para ser admittido o adiamento bastavam quatro votos.

Uma voz: — Não ha disposição nenhuma no regimento, que determine isso.

O Orador: — Foi um engano meu, mas o illustre deputado o sr. Fradesso aprecia de certo os motivos por que eu declarei a minha opinião. Em todo o caso parece-me que o regimento previne o caso de que em qualquer estado da discussão se possa propor o adiamento.

O sr. Fradesso da Silveira: — Agradeço a s. ex.ª o sr. ministro da fazenda esta prova de benevolencia, que acaba de me dar. Acredite o nobre ministro que eu nunca imaginei que s. ex.ª me quizesse offender. Fiz um requerimento; entendia que o requerimento devia ser votado; depois consideraram-no como proposta, questão previa ou não sei o que, de modo que até me esqueci d'elle.

O Orador: — Eu tinha necessidade de dar esta explicação, porque não desejo offender pessoa alguma e muito menos desejo offender os principios, e principalmente o sagrado principio da liberdade da discussão.

Em resposta ao illustre deputado, que me precedeu na discussão, devo dizer que não julgo ser uma offensa para ninguem estar constituido em opposição a um gabinete, e dir-lhe-hei que a prova, que s. ex.ª acrescentou para me convencer, não me convence. Eu tambem votei uma auctorisação igual a esta ao sr. Fontes Pereira do Mello, e estava então na opposição. Portanto não me convence o argumento, que s. ex.ª apresentou como prova das suas boas disposições para com o governo, só por votar o que o governo pede.

O sr. Arrobas: — Mas eu voto mais do que o governo pede.

O Orador: — Isso então muda de figura. Lembra-me agora um verso latino, que eu não citarei, mas que podia ter applicação ao caso actual (riso). Em todo o caso eu já votei uma auctorisação d'estas, sem comtudo deixar de estar em opposição ao governo, que a pedia. Votei a auctorisação em attenção ás circumstancias em que nos encontravamos, e nos temos encontrado mais de uma vez.

Esta de certo longe das intenções de s. ex.ª fazer opposição ao governo n'esta questão; mas o que é verdade é que os factos atraiçoaram um pouco as suas intenções. E assim que, não se contentando de tratar do projecto em discussão, foi já condemnar asperamente um projecto recentemente apresentado pelo meu collega, o sr. ministro da guerra. De mais a mais n'este ponto s. ex.ª foi injusto e inexacto, e as qualidades de injustiça e inexactidão mal podem servir para fortalecer as suas opiniões n'este assumpto.

Disse o illustre deputado que = o governo, ao passo que vinha pedir á camara um emprestimo, pedia tambem dinheiro para despezas de fortificações e campos de manobras =.

O sr. Arrobas: — Eu não disse isso, e se o disse foi por engano, e retiro-o.

O Orador: — Eu ouço mal...

O sr. Arrobas: — O que eu disse é que no relatorio se falla na necessidade de campos de instrucção e manobras.

O Orador: — Eu ouço mal; mas em todo o caso o illustre deputado ha de permittir-me que eu restabeleça a exactidão de um documento official que foi citado, e para este fim lerei as proprias palavras do relatorio (leu).

Ahi tem o illustre deputado, que se persuade de que o facto da superabundancia do dinheiro das remissões provém de não se cumprir a lei rigorosamente, e importa um encargo pesado para a população pobre; ahi tem o illustre deputado o que aconteceu em França, onde a lei é rigorosamente executada.

A somma proveniente das remissões excedeu as necessidades do recrutamento, constituiu uma larga receita para o estado, receita que se converteu em inscripções, e ultimamente em recursos permanentes, que o estado aproveitou para fazer face ao deficit.

Por consequencia não ha simultaneidade na despeza, como me parece que o illustre deputado suppoz.

O sr. Arrobas: — Retiro completamente o que disse quanto ao campo de instrucção. Ouvindo fallar em campo de instrucção, julguei que tambem se ía gastar com elle.

O Orador: — Vê o illustre deputado como a precipitação é inconveniente! E de certo não nasceu ella da boa vontade que o illustre deputado tenha em relação á politica do gabinete.

O illustre deputado foi precipitado, apreciando um assumpto que não estava em discussão; e eu julgo mais conveniente tratar projectos quando estão em discussão.

O sr. Arrobas: — Assustaram-se as fortificações.

O Orador: — Mas eu podia dizer que talvez as despezas a mais que trazia comsigo a proposta de lei do governo transacto com referencia á fixação da força do exercito, proposta de lei que não sei se o illustre deputado adoptaria ou não, poderia dispensar se se houvesse as fortificações.

O sr. Arrobas: — Dou por testemunha o sr. ministro da guerra, que pertencia a esse gabinete, de que lhe pedi que não apresentasse similhante proposta.

O Orador: — Parece-me que se esta defendendo á custa do ministro que deixou estas cadeiras. É bom para o illustre deputado. Mas faça justiça ao ministro de que teve rasão para apresentar a proposta de lei.

O sr. Arrobas: — Não duvido. Mas respondo a v. ex.ª que se me referiu e fez apreciações injustas a meu respeito. Eu não havia de approvar então uma medida que combato agora.

O Orador: — Como posso eu responder ao illustre deputado sem me referir a ella?

O sr. Costa e Almeida: — Sr. presidente, peço a v. ex.ª que mantenha a ordem, não consentindo estes dialogos.

O Orador: — Sr. presidente, peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me declarar se eu posso responder ao illustre deputado sem me referir a elle? (Apoiados. — Riso.)

O sr. Arrobas: — Peço a palavra sobre a ordem.

O Orador: — Já vê o illustre deputado e meu amigo, porque estas questões politicas não têem nada com as nossas relações de amisade, que não tenho remedio senão referir-me á sua pessoa.

O sr. Arrobas: — Mas referiu-se tambem ás minhas intenções. Deu a entender que havia de apoiar uma medida que não apoiava.

O Orador: — Perdão, mas...

O sr. Arrobas: — Inscrevi-me sobre a ordem.

O Orador: — Muito bem.

O sr. Arrobas: — Então póde V. ex.ª continuar.

O Orador: — Muito obrigado pela condescendencia (riso).

O illustre deputado póde reprovar com toda a convicção uma medida qualquer, sem que por esse facto deixe de haver muito quem a approve; porém não lhe dá isso direito para aggredir qualquer situação, quando essa medida não esta em discussão (apoiados). 1

Pouco conhecimento tenho das cousas militares; mas confesso que não me convenceram os argumentos do illustre deputado ácerca das sommas provenientes das remissões dos recrutas.

Estas sommas nem sempre podem ter applicação; crescem muitas vezes; crescem necessariamente em todos os paizes.

O illustre deputado suppõe que não póde superabundar o dinheiro das commissões senão porque se não cumpre a lei, e portanto que a applicação d'esse dinheiro a outro uso importa um vexame no que toca ao imposto do sangue. Supporá bem? Parece-me que não.

Pergunto: em França não se cumpre com rigor a lei do recrutamento? Ninguem dirá que não. Pois em França havia em deposito uma sobejidão de sommas provenientes da remissão dos recrutas; e essas sommas, que eram consideraveis, foram capitalisadas, foram convertidas em titulos de divida fundada, e ultimamente tornaram-se um recurso financeiro, indica-se como economia, a economia já effectuada no activo da força do exercito, e n'este ponto estou de accordo com o illustre deputado.

Ora, eu não sou fanatico de nenhuma idéa; mas quer-me parecer que o illustre deputado se vae tornando fanatico por algumas idéas que eu não admitto.

Nada de divida fundada, não se emitta nem uma inscripção; e o que se faz? Divida fluctuante em larga escala, penhores de inscripções em larga escala!, (Apoiaãos.)

Sabe v. ex.ª de que eu sou fanatico? E do preço por que se realisam as inscripções. O preço é a idéa dominante (apoiados

Pois o illustre deputado não vê em Londres divida fluctuante a 9 1/2 por cento, e esta muito contente de não se lançarem inscripções ao mercado, que não podiam saír a menos de 7 1/2 por cento!

Tudo é questão de preço (apoiados). Levanta-se divida a 9 1/2 por cento quando o juro dos bancos esta a 2 por cento, e fóra do juro do banco esta a 1 1/2 por cento.

Nada de vender inscripções, porque as inscripções sairiam a por cento estando a 40 por cento.

Não quero que o illustre deputado me conceda senão a duvida sobre a conveniencia da prolongação d'esse systema.

Sinto cansar a camara com este assumpto; mas parece-me que é bastante importante para que eu possa tomar alguns minutos, embora contrarie as indicações da camara que deseja ouvir oradores com mais conhecimento do assumpto.

Não posso deixar de dizer que pedi este projecto como uma necessidade da situação, que elle não se compõe só de uma parte, que não é o unico que o governo apresentou, e que é o unico recurso que o governo tem á sua disposição para se poder habilitar ás exigencias do mercado no intervallo que o governo tem a atravessar, para apresentar um systema de finanças mais completo, cujos encargos da ausencia d'elle pesam sobre o actual ministro da fazenda.

É muito frequente fallar-se nos espinhos d'estas cadeiras, nos duros sacrificios que se fazem á patria; mas parece-me que não se póde considerar como um logar de prazeres aquelle onde se senta o actual ministro da fazenda (apoiados), e n'isto faço justiça aos meus antecessores, e respeito as difficuldades com que lutaram.

Sempre votei por todos os arbitrios que julguei indispensaveis para que o governo podesse viver, e sempre distingui entre ministros e o governo do meu paiz. Nunca recusei, apesar de o poder fazer com alguma plausibilidade ao que apresentou a administração transacta, porque sabia dar o devido peso ás difficuldades resultantes da nossa situação actual.

O illustre deputado disse que — eu tinha rejeitado a proposta de desamortisação passada, porque o meu collega do reino era contra a dos passaes =.

A organisação do paiz esta nos passaes! E admiravel tudo isto!!! Nada de divida fluctuante, nada de emissão de fundos! Emfim era a organisação mais commoda e mais barata que eu tenho visto das finanças de um paiz (riso). ¦

E a desamortisação dos passaes? Eu sacrifiquei as minhas opiniões na questão da desamortisação dos passaes ao sr. bispo de Vizeu! Agora o que não sei é a quem sacrifiquei as minhas convicções na questão da desamortisação dos bens das misericordias e confrarias. Parece-me que foi ao sr. ministro da fazenda que a propoz; n'esta parte pelo menos parece-me que votando os disposições d'aquelle projecto não sacrifiquei as minhas convicções ás exigencias do sr. bispo de Vizeu (apoiados). Parece-me pois que o illustre deputado podia ser um pouco mais justo; s. ex.ª que tanto estranha e leva a mal que penetrem nas suas intenções aquelles que o combatem, não deve querer para os mais o que não acha bom para si, entrando nas intenções de quem apresentou este projecto na sua maior simplicidade e clareza.

Diz o illustre deputado: «Façam passar os projectos dos seus antecessores». É singular esta exigencia! Quer o illustre deputado que o ministerio, que succedeu a outro, faça passar os projectos que o ministerio que os propoz não póde realisar, não conseguiu que lhe passassem! (Apoiaãos.) Não comprehendo esta exigencia, não sei que governo algum possa ser obrigado a fazer passar os projectos apresentados pelo seu antecessor, já não são poucas as difficuldades com que lutâmos para fazer passar os poucos que apresentámos, quanto mais os dos nossos antecessores; é uma surpreza para mim tão nova, que ainda não pude passar d'essa surpreza para a admiração! (Riso. — Vozes: — Muito bem.)

Pedimos 3.500:000$000 réis de inscripções, que se não pediam ha muito tempo. Não ha duvida; mas ha ou não 28.000:000$000 a 30.000:000$000 réis de inscripções, que estão servindo de penhores a emprestimos? Ha. Ha réis 12.000:000$000 de divida fluctuante? Creio que ha. Ha divida fluctuante ao juro de 1 1/2 por cento, quando na praça de Londres o juro do dinheiro fóra dos bancos esta a por cento? Creio tambem que ha. Por consequencia, não sei se isto é bom ou mau, não sei se póde ser conveniente uma divida fluctuante pelo preço de 9 1/2 por cento de juro, achando-se o governo ainda na terrivel necessidade de ficar muito obrigado aos credores, que, findos os prasos, lhe renovam as letras sem exigencia de maior juro; não sei se será um elemento de, credito ter inscripções empenhadas por 10 por cento menos do valor que ellas tem no mercado; não sei se será um elemento de credito ser preciso dar de penhor inscripções por este preço, e pagar ainda em cima de juro o triplo e mais do juro que essas inscripções vencem. Póde ser que tudo isto sejam elementos de credito, mas eu declaro que ainda não tive occasião de os apreciar (apoiados). E isto não é fazer accusações aos cavalheiros que tiveram necessidade de fazer essas transacções, a que eu tambem ámanhã, muito contra minha vontade, poderei ser obrigado, mas com este e outros projectos é que eu procuro evitar a terrivel necessidade de me ver obrigado a lançar mão de taes meios, habilitando-me para poder resistir ás pretensões exageradas de muitos d'estes credores.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Bandeira de Mello: — Tomo pouco tempo á camara, e para cumprir as prescripções do regimento vou ler a minha proposta:

«Proponho que o governo declare, se da verba d'este emprestimo tenciona applicar os fundos precisos para a continuação das estradas começadas, e especialmente das que constam da tabella n.° 3, annexa á lei de 1862.»

Sr. presidente, das explicações que o governo me der, dependerá o meu voto de approvação ou rejeição do projecto que se discute.

Hontem fiz eu aqui algumas observações a respeito de uns boatos que corriam, relativamente á suspensão de trabalhos publicos. O sr. ministro das obras publicas respondeu-me com uma portaria, que já estava publicada no Dia

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rio de Lisboa, mas de que eu ainda não tinha conhecimento. Depois li essa portaria, que veiu confirmar as minhas apprehensões e dar-me um triste desengano de que effectivamente se tinham suspendido trabalhos importantes, suspensão com que eu não posso de maneira alguma concordar.

A portaria é de mais a mais contradictoria nos principios que estabelece e nas conclusões que tira, porque diz ella:

«Convindo dar ás obras de estradas e pontes que actualmente se constroem um desenvolvimento em harmonia com as necessidades publicas e com os recursos do thesouro, e não demorar, por novos emprehendimentos, a continuação dos lanços cuja feitura se acha adiantada e que importa concluir em breve tempo, determina Sua Magestade El-Rei que se sobreesteja até nova ordem, na execução auctorisada dos trabalhos encetados, ou não, dos lanços etc...»

Quer dizer, para que se dê desenvolvimento ás estradas, em harmonia com as necessidades publicas, e para não demorar por novos emprehendimentos a continuação das que estão adiantadas na construcção, manda-se suspender a continuação de estradas, proximas da sua conclusão! (Apoiaãos.) Por exemplo, a estrada de Vizeu á Guarda, que todos sabem que é uma estrada importantissima, esta quasi concluida, resta só por construir o lanço do Rio Dão (apoiados); pois mandou-se suspender a construcção d'este lanço, naturalmente para não demorar a continuação das estradas, cujo acabamento é indispensavel!

Mandou-se suspender a construcção dos dois lanços das estradas mais importantes do districto de Aveiro (apoiados). Todos nós sabemos que o districto de Aveiro tem sido um dos mais favorecidos em obras publicas. No districto de Aveiro estão-se construindo por conta do governo estradas a que se deve chamar districtaes, e talvez só de importancia municipal, com excepção de duas, que são de importancia geral, e são exactamente estas duas as que vão ficar por construir. E a estrada de Aveiro a Vizeu, começada ha quatorze annos, com 70 kilometros já construidos, e que apenas tinha agora em construcção o lanço do Rio Mau ao porto de S. Thiago, e é a estrada de Oliveira de Azemeis a Arouca com o seu lanço de Sequeiros á Farrapa, do qual não resta por abrir senão 1 kilometro, estando no mais já feitas as terraplanagens; pois mandou-se parar com estes trabalhos.

Ora, de suspender os trabalhos n'essas circumstancias, resulta um verdadeiro desperdicio (apoiados); passado tempo, quando se quer concluir a obra, tem de se fazer de novo a parte já feita.

Poder-se-me-ha dizer que a ordem para suspender estes trabalhos não significa que elles nunca mais continuem, logo que o governo esteja habilitado com os fundos necessarios; mas eu tenho graves apprehensões sobre o artigo 3.° da portaria, que diz que — nas demais obras de estradas e pontes se restrinja o desenvolvimento que actualmente têem até se fixar na proxima distribuição de fundos, a quantia que n'ellas se deverá despender durante o actual anno economico.

Portanto d'aqui deprehende-se que a proxima distribuição dos fundos, que se devem despender no actual anno economico, é applicada para essas estradas que não estão comprehendidas no artigo 1.°, e em cuja construcção se mandou sobreestar. O que parece, pois, é que para as outras estradas que não são importantes, é que hão de ser applicados os fundos da distribuição, e por consequencia, que no actual anno economico, todas estas estradas em que se manda sobreestar ficam paradas. Ora, com isto é que me não posso conformar de maneira nenhuma, porque como já disse n'esta casa, e hoje repito, isto longe de ser uma economia é um desperdicio; e entendo que quando nós temos estado a habilitar o governo com a lei de meios, com a lei para reforçar os penhores, com a lei sobre os bens desamortizáveis, e com a auctorisação que ahi se nos vem pedir para reformar os serviços e reduzir os quadros, do que devem resultar grandes economias; e quando se trata ainda de mais uma proposta de lei de emprestimos, com que o governo fica habilitado, é inadmissivel que se restrinjam tambem a tanto as forças productivas, e que não se applique nenhum d'estes fundos para as estradas em construcção e para as fontes da riqueza nacional que devem influir no desenvolvimento material do paiz (apoiados).

Desejo que o governo se explique a este respeito, quer dizer, que dê a segurança de que esta portaria não tem execução, ou pelo menos que é de uma execução muito transitoria; porque não posso acreditar que o governo depois de habilitado com estas leis se veja por muito tempo embaraçado em arranjar fundos. Eu folgo muito de ver aqui ao pé de mim o nobre ministro da fazenda, porque n'estas estradas aqui designadas estão os lanços do Rio Mau ao porto de S. Thiago e de Sequeiros á Farrapa, os quaes atravessam o circulo que deu o mandato a s. ex.ª, e espero que ao menos por parte de s. ex.ª haja uma reclamação contra esta portaria (apoiados), porque de certo se ella tem uma execução demorada, vae levantar um clamor geral em ambos os districtos de Vizeu e Aveiro, o que não póde deixar de ser. Espero, portanto, uma explicação categorica do governo a este respeito, sem o que não me julgo habilitado a dar o meu voto de approvação ou rejeição ao emprestimo.

Aproveito esta occasião para fazer uma declaração.

Vi hoje n'um jornal o meu nome citado entre outros, no numero dos deputados mais dedicados ao governo. Preciso declarar a v. ex.ª e á camara, e esta declaração fique de uma vez para sempre, que perante o novo governo, perante o que caíu, e os que vierem, a minha posição n'esta casa é a mesma e inalteravel.

Não vim para aqui ligado a nenhum grupo politico, e dirijo-me sómente pelas inspirações da minha consciencia. Se ss. ex.ªs apresentarem medidas que sejam uteis ao paiz approvo-as, senão, não. Bem sei que esta posição isolada não é boa para o deputado; é uma posição que traz as suas contrariedades, mas para compensação dellas, tenho a tranquillidade do meu espirito, e a serenidade da minha consciencia; quero deitar-me sem pezares, e levantar-me sem remorsos. (Vozes: — Muito bem.) Leu-se na mesa a seguinte

Proposta,

Proponho que o governo declare se da verba d'este emprestimo tenciona applicar os fundos precisos para a continuação das estradas começadas, e especialmente das que constam da tabella n.° 3 annexa á lei de 1862. = J. Bandeira.

Foi admittida.

O sr. José Maria de Magalhães: — Rogo a v. ex.ª a bondade de mandar lançar na acta, que eu tinha pedido a palavra, e não desisto d'ella, para quando estiver presente o sr. ministro das obras publicas, a fim de fazer algumas observações ácerca d'esta mesma portaria a que se referiu o illustre deputado.

O sr. Presidente: — Lembro ao sr. deputado que essa declaração só tem logar no principio da sessão.

O Orador: — Mas eu pedia que se lançasse na acta, que se não podér fazer as minhas observações ao sr. ministro, na segunda feira, desejo então dirigir-lhe uma interpellação.

O sr. Presidente: — Póde mandar a sua nota de interpellação que terá destino; agora não se póde interromper a discussão.

O sr. Rodrigues de Azevedo: — Sr. presidente, V. ex.ª e a camara por certo ficaram maravilhados ao verem-me pedir a palavra n'uma questão puramente financeira, a respeito da qual me confesso completamente hospede. Mas se pedi a palavra foi porque me impuz a obrigação de não votar cousa alguma n'esta casa sem inteira consciencia ou conhecimento do que voto; e para poder votar com consciencia ou conhecimento de causa desejo fazer umas perguntas ao sr. ministro da fazenda, a que espero que s. ex.ª responderá se não achar n'isso algum inconveniente, na certeza de que da sua resposta depende, pelo que me respeita, a approvação completa ou limitada, ou a rejeição da auctorisação pedida.

Antes porém de eu fazer essas perguntas, V. ex.ª e a camara hão de permittir que eu dê uma explicação a respeito de phrases que aqui soltei um d'estes dias, quando se discutia o projecto de lei de desamortisação, phrases que a meu ver foram por alguem interpretadas com menos favor e justiça. Não me refiro ao meu collega e amigo, o sr. Motta Veiga, não só porque esse cavalheiro me conhece ha muito tempo, mas até porque a sua elevada intelligencia lhe fez sentir logo qual era o alcance que eu podia dar, e effectivamente dava ás minhas expressões; e se tivesse só de me referir a s. ex.ª, eu de certo não usaria da palavra para este objecto n'estas circumstancias.

É certo que eu disse, mas não me posso agora recordar a que proposito, que para mim não havia sociedade bem organisada quando não fosse constituida por bons cidadãos; que não podia haver bons cidadãos sem haver bons costumes; que não podia haver bons costumes sem haver sã moralidade; e que não reputava sã moralidade a que não derivasse de uma crença viva e efficaz em uma religião. Estas palavras em uma religião foram interpretadas em uma latitude tal que se poderia suppor que eu era indifferentista em materia de religião, o que não é verdade...

O sr. Presidente: — Conceda-me que lhe recorde que não é essa a materia em discussão.

O Orador: — Se v. ex.ª o julga necessario, requeiro a v. ex.ª se digne consultar a camara se dá licença que eu dê esta explicação.

O sr. Presidente: — É o mais curial. Os senhores que são de voto que o sr. deputado continue a sua explicação tenham a bondade de se levantar.

Vozes: — Falle, falle.

Votou-se affirmativamente.

O Orador: — Agradeço, com o mais profundo reconhecimento, a benevolencia que a camara acaba de mostrar-me permittindo que eu dê esta explicação, nem eu podia esperar de uma assembléa tão illustrada o contrario, porque a camara reconhecia de certo que eu não podia deixar de dar explicações desde que alguem interpretava o que eu disse em termos que não estavam nem estão em harmonia com o meu modo de sentir (apoiados).

Toda a gente sabe que dentro do proprio christianismo ha differentes igrejas. No seio do christianismo temos não só a igreja ou religião catholica, mas temos tambem a igreja ou religião grega, a igreja ou religião reformada e a igreja ou religião protestante. Pareceu-me que não offenderia ninguem dizendo que para mim era boa moral aquella que derivasse de uma crença religiosa, alludindo já se vê ás religiões existentes no seio do christianismo.

Depois d'esta explicação ninguem póde ajuizar que eu seja indifferente, ou menos religioso, porque eu disse tambem que acatava e acato o chefe visivel da igreja catholica.

Louvo o respeito, mesmo a piedade e a susceptibilidade de alguns dos meus illustres collegas, mas peço licença para dizer-lhe que tanto em religião como em politica a immobilidade é impossivel, porque lhe veda o progressivo desenvolvimento da intelligencia humana.

Concordo em que é justo, e deveis mesmo respeitar a magestade do tempo; que contemplemos com veneração os seculos que passaram, porque encerram em si a memoria e os vestigios dos nossos maiores; mas por Deus não queiram fazer-nos retrogadar até lá, porque não ha harmonia entre esses seculos e o seculo actual, nem entre o modo de ser e de pensar d'esses seculos, e o modo de pensar e a civilisação do seculo em que vivemos.

Parece-me que não devo ir mais longe, porque não desejo abusar da permissão que a camara, com tamanha benevolencia, me concedeu.

Depois das explicações que dei, parece que ficará bem definido o meu modo de pensar a este respeito, que é o fim a que me propuz. E fique-se sabendo que o meu fim principal foi distinguir a moral derivada da religião, da moral derivada do interesse proprio que para muitos é a fonte da moral.

Passo, por consequencia, a fallar agora do objecto para que especialmente pedi a palavra, e desde já declaro que não tenho o menor intento de fazer politica n'esta questão. Desejo apenas esclarecer-me.

A crise que vamos atravessando é grave e seria; não serei eu que crie ao governo difficuldades de ordem alguma, porque sou homem de governo, e desejo que o governo possa governar e governe; mas não me dispenso de apreciar, nem as suas palavras, nem os seus actos; e quando as suas palavras ou os seus actos não estiverem em harmonia com as minhas idéas, eu hei de necessariamente usar do meu direito ainda que esteja, como estou, disposto á maior benevolencia.

Não pedi a palavra n'este momento para combater, nem tão pouco para sustentar a auctorisação que no projecto se pede; mas desejo que s. ex.ª responda a umas ligeiras e innocentes perguntas que vou fazer-lhe, e das suas respostas, repito, dependerá absolutamente o meu voto.

Este projecto tem por fim nada mais e nada menos do que fornecer ao governo meios para elle poder viver até ao fim do 1.° semestre do actual anno economico, e não só este tem esse fim senão tambem o outro que já aqui se discutiu e approvou.

Este projecto dá ao governo meios para a primeira metade do anno economico, porque antes de findar esta primeira metade deve o parlamento estar reunido como o governo prometteu, e o governo ha de então vir apresentar os seus projectos definitivos.

Desejava pois que o sr. ministro da fazenda me dissesse — primeiro, a quanto montam os encargos a que s. ex.ª tem de satisfazer durante a primeira metade do anno economico actual; segundo, quaes são os recursos que s. ex.ª póde realisar durante essa mesma metade do anno economico para satisfazer a esses encargos. Quando eu souber aquillo que falta é que posso saber como e até onde poderei votar a auctorisação pedida; e em terceiro logar, desejava tambem que s. ex.ª me dissesse — qual é o seu modo de pensar a respeito de uma proposição que n'um dos dias passados nos apresentou n'esta casa o meu amigo e collega o sr. Fradesso da Silveira, cavalheiro competentissimo na materia, cujo voto tem muita auctoridade, e a quem eu escuto sempre com muita attenção; e presto-a sempre a todos os cavalheiros que fallam, porque o meu fim é esclarecer-me, nem se julgue nunca que tenho a idéa de combater; o pensamento que me domina é o de me esclarecer.

Disse pois o sr. Fradesso da Silveira do alto d'aquella tribuna, que o governo, como o projecto de desamortisação que hontem se acabou de discutir, e aceitando a proposta de additamento que eu apresentei e foi votada pela camara, tinha recursos não só para amortisar a divida fluctuante, mas para saldar o deficit do' anno economico de 1868 a 1869. Desejo ouvir o sr. ministro da fazenda a este respeito, porque, se isto for verdade, confesso a v. ex.ª e á camara que por um lado se me torna altamente inexplicavel o procedimento que hontem vi da parte do sr. ministro da fazenda, e por outro lado não vejo necessidade da auctorisação que n'este projecto se pede.

S. ex.ª tinha a respeito da desamortisação, em larga escala, idéas definidas, s. ex.ª, o sr. ministro da fazenda, por necessidade teve de fazer o sacrifico de parte das suas idéas; para não crear difficuldades trouxe á camara um projecto do qual tirava recursos muito mais limitados; eu comprehendia que s. ex.ª tivesse receio de que a camara lhe não votasse o seu projecto se acaso elle lhe desse maior extensão; mas tendo partido da iniciativa particular uma proposta que dava muito maior extensão ao projecto, sem o qual s. ex.ª não podia governar, e tanto que por isso reuniu a camara extraordinariamente, não comprehendo como s. ex.ª tivesse difficuldade de aceitar o que a camara lhe votava n'essa proposta de iniciativa particular, que não compromettia nada o governo nem o prejudicava, sendo approvada ou rejeitada (apoiados).

Quando eu fiz essa proposta e a apresentei, entendia que prestava um grande serviço ao sr. ministro da fazenda, e com grande magua minha vi hontem que lh'o não tinha feito; ao contrario, achei s. ex.ª muito incommodado com isso, e senti-o muito, apesar de ser medico.

Do ordinario os medicos não se incommodam facilmente quando veem um doente em agonia; mas eu, apesar de ser medico, senti muito, o incommodo e agonia do sr. ministro da fazenda; e senti muito porque o respeito pelo seu saber, pela sua intelligencia, pela sua honradez, e pela sua probidade, e porque o estimo pela sua amabilidade e pela sua delicadeza; mas foi facto que s. ex.ª não ficou satisfeito e estava profundamente incommodado, e pareceu até não querer aceitar o presente grandioso que a camara lhe fez (apoiados).

Confesso que não sei, ou não quero explicar este phenomeno, que se torna muito mais notavel quando se compara com as explicações, ou antes com as palavras do nobre ministro do reino, no primeiro dia em que levantou a sua voz auctorisada n'esta casa, dando explicações por parte do governo.

Disse s. ex.ª, quando lhe fizeram, n'aquella celebre sabbatina, as perguntas d'onde vinha o governo e para onde

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ia, a que s. ex.ª respondeu: «o governo é portuguez e esta em Portugal, o governo quer governar com as idéas do seu paiz, o governo quer governar com esta camara, porque entendo que esta camara é a expressão da vontade do paiz.» Por consequencia, todas as vezes que se dão ao governo certos meios, e que esses meios sáem da iniciativa da camara, s. ex.ª tem obrigação, pelas suas palavras, de reconhecer que essa concessão é a expressão da vontade do paiz, e se s. ex.ª a não quer aceitar, mostra que não quer portanto governar condessas idéas do paiz, quando parece que isto era vantajoso. E difficil o facto de explicar. Se s. ex.ª não tiver difficuldade em dar explicações estimarei muito ouvi-lo.

Não irei mais longe, porque, como disse, não tenho em vista crear difficuldades ao governo, mas ainda assim peço licença para fazes duas reflexões a s. ex.ª

O sr. ministro do reino, repetindo que o governo queria governar com a vontade do paiz, disse, e a meu ver muito bem: «ai daquelles que não quizerem governar com as idéas do paiz!»

No paiz dá-se um certo movimento de idéas, embora em parte sejam até certo ponto exageradas; é preciso respeita-las e ir com ellas, e quem se quizer oppor a essa torrente, quem as quizer contrariar ha de ficar esmagado por ellas.

Eu recordo um facto dos seculos passados ou da historia, porque a historia do passado é lição para o futuro.

No seculo XVI tinha-se pronunciado um movimente de tal ordem que se suppoz que as instituições, que regiam naquella epocha, corriam grande perigo, e que daquelle movimento sairia tão sómente, na ordem intellectual, a licença, e na ordem moral, a anarchia. E qual foi a consequencia d'este modo de ver? Foi que um grande homem, que era um grande espirito, e ao mesmo tempo um grande caracter, organisou uma sociedade com o fim unico de obstar áquelle movimento, porque esperava que d'esse movimento saísse o que acabei de dizer: a licença o a anarchia.

Sabe v. ex.ª e sabe a camara qual foi o resultado? Sabe v. ex.ª e sabe a camara o que esse movimento produziu? Produziu saciedades grandes, regulares, fortes e gloriosas, que têem feito a favor das sociedades modernas, a favor da civilisação e da humanidade inteira, mais talvez do que todas as sociedades que as tinham precedido.

Cesse movimento saíu a Hollanda, a Prussia, a Allemanha, os Estados Unidos, a Inglaterra, a propria França catholica.

Isto foi a prova evidente de que aquelles que se oppunham, que se organisaram para resistir a esse movimento e lutaram com elle, se enganaram, e por isso que se enganaram caíram.

E note-se bem, não caíram só naquelles paizes, mas caíram ainda naquelles aonde se não combatiam as idéas, que elles sustentavam, em que se não dava o movimento que elles queriam combater, caíram na Hespanha, em Portugal e na Italia.

Parece-me que não preciso dizer mais nada para demonstrar a necessidade que os governos têem de ír com o movimento do paiz e governar com elle (apoiados).

Todas as vezes que se quizer ir de encontro aos seus desejos, o paiz ha de passar pôr cima de quem se lhe opposer (apoiados).

Não digo mais nada. Se o illustre ministro se dignar dar-me as explicações que pedi, e ellas me convencerem, voto o projecto sem a menor duvida, porque, como disse, não desejo nem quero levantar difficuldades ao governo.

O sr. Fradesso da Silveira (sobre a ordem): — Não tencionava fallar sobre este projecto e a camara de certo acredita que não tencionava fallar, visto que propuz o adiamento.

Propuz o adiamento do projecto, porque tenho a convicção de que o emprestimo que elle auctorisa não é necessario.

A camara votou hontem um projecto pelo qual o governo fica auctorisado a fazer uma serie de operações convenientes, que não foram definidas pela camara, mas que por isso mesmo que não foram definidas, permittem ao governo empregar muitos meios de realisar os fundos que lhe forem necessarios.

Não insisti em que se esclarecesse mais um pouco a representação dos bens subrogados, porque entendi que seria acertado deixar ao governo a faculdade de recorrei a uma ou outra operação, conforme mais lhe conviesse e mais util lhe parecesse aos interesses do paiz. Por esse motivo não insisti, mas fiquei satisfeito entendendo que o governo se achava plenamente habilitado por este facto para fazer operações de uma ou outra ordem, variando á vontade, conforme as exigencias do mercado e as exigencias da fazenda publica.

Mal pensava eu que estava em erro quando vi naquelle projecto os recursos necessarios para pagar a divida fluctuante, quando vi naquelle projecto pelo additamento dos passaes, que a camara votou, e pelas ampliações que propuz, os meios necessarios para satisfazer ao pagamento da divida fluctuante, e da differença entre a receita e a despeza no exercicio de 1868 a 1869.

Ainda hoje estou convencido d'isto; no entanto talvez tenha que mudar de convicção se as rasões apresentadas do lado contrario forem de tal força que façam uma grande impressão no meu espirito. Por ora ainda penso do mesmo modo; por ora ainda penso que este emprestimo é inutil e não só me parece inutil, parece-me tambem perigoso (apoiados).

Peço ao governo que acredite que n'estas minhas manifestações não ha a minima idéa de aggressão politica.

Dá-se um caso novo que recommendo á consideração da camara. Em todos os tempos tenho visto virem os governos aqui pedir auctorisações para emprestimos e sustentarem a necessidade de lhes serem concedidas essas auctorisações; mas o que não tenho visto é pôr tantas cordas no arco, é apresentar pedidos de tantas auctorisações, ficando o governo com a faculdade de escolher aquella que mais lhe convier!

A camara, por uma extrema confiança, póde votar mais esta auctorisação; eu não a nego por falta de confiança, nego-a porque acho este recurso perigoso. Por esta auctorisação ao governo trata-se de abrir um exemplo e o exemplo parece-me mau.

Creio que em negocios d'esta natureza e d'esta gravidade, quando um governo se acha auctorisado a fazer uma operação nova e importantissima, como é aquella que hontem votámos, é mau que esse governo venha por outra parte pedir outra auctorisação que parece complemento da primeira e que mostra falta de confiança nos meios que primitivamente se tinham pedido (apoiados).

Mas, sr. presidente, as idéas do governo estão escriptas, porque as opiniões da commissão externa, de que fazia parte o illustre ministro da fazenda, estão publicadas; e conhecidas estas opiniões e sendo completa a convicção dos individuos que firmaram o documento a que me refiro, é necessario que não venha d'elles a contradicção. E necessario não recuar, é preciso que este recurso dos expedientes não venha provar-nos que não ha a coragem e a firmeza que n'estas occasiões se tornam indispensaveis.

É necessario ter coragem, quando chega a hora de crise e se o governo n'esta hora tremer, se o governo n'esta hora hesitar, se não tiver o animo necessario para levar por diante as suas idéas, quando ha de te-lo?

Se o governo simplesmente recorrer a estes expedientes para viver alguns mezes, não vê que póde talvez prejudicar alvitres convenientissimos; não vê que poderia evitar agora o que não poderá evitar provavelmente mais tarde? (Apoiaãos.) Talvez estas phrases sejam completamente comprehendidas pelo nobre ministro da fazenda, se s. ex.ª quizer verificar no seu ministerio que já n'outro tempo, durante uma das administrações anteriores, appareceu plano similhante, e a meu ver efficaz, que ficou prejudicado, que se desprezou, com grande inconveniente para o paiz (apoiados).

Pois o nobre ministro, repito, póde examinar esses documentos que lá estão, e verá se é ou não verdadeira a asserção que eu acabo de apresentar á consideração da camara.

O governo hontem não teve só o recurso que apresentei para augmentar a massa dos bens sobre os quaes se podiam fazer operações de credito, porque propondo-se que se applicasse o mesmo systema aos bens do estado, a camara deu-lhe tambem os passaes (apoiados). Por consequencia o governo acha-se habilitado com muito mais recursos do que esperava, porque se acaso quizer aceitar por um lado a proposta, por outro tem de aceitar a votação da camara, e assim o governo tem valores sobre os quaes póde fazer operações convenientes, podendo seguir diversos systemas para chegar ao seu fim (apoiados). O governo tanto por um como por outro lado, póde fazer operações de um valor determinado, empregando differentes meios para chegar ao resultado que deseja (apoiados).

Quando em outra epocha discutimos uma questão de emprestimo, v. ex.ª recorda se indubitavelmente, porque então era meu collega n'esta casa, de que nós todos tratámos essa questão; e não vimos então reforçar a auctorisação pedida com outras para que o governo tivesse umas poucas de auctorisações conjunctamente, a fim de escolher entre ellas a que mais lhe conviesse.

Refiro-me ao emprestimo dos 6.500:000$000 réis. Propuz eu então que o emprestimo se reduzisse a 3.500:000$000 réis; o meu collega, o sr. Santos e Silva, approvando a quantia proposta, fez observações muito sensatas, como são as que s. ex.ª sempre faz, a respeito da maneira de levantar os fundos, pondo todas as cautelas para que a operação se fizesse com a maior segurança possivel; por outra parte o sr. Carlos Bento da Silva, hoje ministro da fazenda, insistiu tambem em cercar a operação de quantas condições lhe pareciam acertadas, das clausulas que lhe pareciam mais convenientes, a fim de que a auctorisação não fosse perigosa! E o governo de então não tinha outros recursos, não tinha um feixe de auctorisações como o governo actual agora nos pede.

O governo então, que eu combatia energicamente, não tinha mais cordas no arco. Não tinha outros recursos. Não tinha diversos meios como agora se offerecem. Era unica e simplesmente aquelle. Tinha falhado o contrato de 14 de outubro. O governo não tinha emittido mais inscripções, achava-se na dura necessidade de fazer uma emissão; porque o contrato do qual esperava tirar recursos financeiros, não fôra cumprido.

N'estas circumstancias veiu á camara pedir um auxilio, pedir-lhe uma auctorisação — e qual foi? A emissão de titulos de 3 por cento. Não pediu mais nada. Não pediu mais esforço nenhum, e pediu aquelle auxilio para fazer uma operação como esta ou similhante. Não pediu mais nada. Não lhe passou então pela idéa que fosse possivel pedir mais alguma cousa.

Não me parece comtudo que deva accusar o governo, porque apresenta mais recursos; ao contrario, estimo isso. Apresentasse-os para que nós escolhessemos. Seria prova de iniciativa fecunda. Mas pedir á camara que vote tudo! Apresentar diversos planos para levantar fundos, e dizer á camara: «Auctorisae-nos a levantar fundos por todos estes diversos modos para eu escolher depois o que mais me convier», não me parece pelo menos que seja o meio de deixar a camara n'uma posição favoravel perante o paiz.

E ainda se o expediente fosse novo, se acaso o governo

recorresse á camara e lhe viesse apresentar diversos planos todos differentes do systema ordinario; se nenhum delles trouxesse comsigo aquelle meio já gasto da emissão de inscripções, diria que o governo, querendo fazer um ensaio, para esse ensaio apresentava planos diversos e permittiria o ensaio. Mas o governo traz o systema ordinario, vulgar, vulgarissimo, de que pretendiamos fugir, que todos haviamos condemnado, e que eu ainda condemno! Aqui é que esta o ponto grave da questão. Para mim o ponto mais importante é este.

O governo deve ter a coragem da sua opinião. O governo já manifestou a opinião de que é perigosa a continuação de emissão das inscripções. O governo já disse que era preciso pôr prego na roda. O governo já declarou perante todos os mercados do mundo, ou por outra um dos membros do governo, antes e depois de entrar para o ministerio, declarou que era contrario á idéa da continuação d'esse systema que lhe parecia ruinoso. Porque não havemos nós agora ir de accordo com essa declaração? Seria um acto muito agradavel para a camara e muito honroso para o governo. Então o governo diria: «Venho realisar perante esta camara o systema que propuz lá fóra. Não venho propor que se emittam mais inscripções, venho substituir a emissão d'esses titulos por outra operação mais regular e conveniente». Assim demonstraria o governo a sua coragem e a firmeza das suas opiniões.

Receia que o mercado acolha mal essas novas operações? O que eu receio é o contrario. O que temo é que as praças de fundos, vendo que não abandonámos as velhas praticas, recusem o auxilio de que nós carecemos, dando logar a uma crise que poderiamos agora evitar. A suspensão das emissões de titulos de 3 por cento, e a nova direcção dada ás operações fiduciarias, firmaria o credito das inscripções, creando ao mesmo tempo sympathias para o titulo perfeitamente garantido que se emittisse para representar os bens nacionaes, e os desamortisados.

Se o governo dissesse: «não ha mais emissões de inscripções, as inscripções que estão servindo de penhor á divida fluctuante recolhem, as inscripções que estava auctorisado a emittir, para reforçar os penhores, não as emitto, o governo entende que não deve recorrer a este meio já muito conhecido de emissões de titulos de 3 por cento, o governo quer fazer operações de uma outra maneira mais regular e conveniente sobre certos valores completamente garantidos», entre elle faria operações com melhores resultados.

Eu não quero causar nenhuma especie de embaraço, nenhuma difficuldade ao governo; e tanto assim é, que se o governo declarasse, e provasse, que lhe era absolutamente impossivel governar sem esta concessão, não teria duvida em votar por ella.

Mas o que desejo é saír d'aqui tendo o meu espirito perfeitamente convencido.

Não basta que o governo venha dizer não posso aceitar, desejo que o governo me diga por que não póde aceitar.

Esta exigencia não me parece desarrasoada. E sabem porque? Tudo isto tem uma explicação. É porque o governo, ao entrar n'esta casa, não fez um certo numero de declarações que seria essencial fazer com franqueza e claramente.

Nós sabemos, como disse o meu illustre collega e amigo, o sr. Rodrigues de Azevedo, que o governo é portuguez, e esta em Portugal. Não temos sobre isso a menor duvida. E depois d'isso, mais nada alem do que observámos antes.

O governo empregou aquella diplomacia do silencio, a respeito da qual muitas cousas agradaveis nos disse o meu illustre amigo, o sr. Carlos Bento. Não se póde dizer isto de s. ex.ª com inteira verdade, porque até certo ponto tem sido franco, e a sua franqueza tem sido para mim lisonjeira e agradavel. Mas o governo, em geral, tem sido de uma diplomacia pertinaz, no seu silencio em relação aos principaes assumptos que influem, ou podem influir na governação publica.

Apesar d'este silencio, ou talvez por causa d'elle, a camara deseja retirar-se; nós estamos com pressa, porque temos calor; e o governo diz que tem pressa, porque pretende governar! Parece que os deputados não deixam governar o governo!

Não será porém ocioso recordar que o governo para governar deve ter a idéa da governação, e que nós porque estamos aqui, temos obrigação de indagar qual é essa idéa.

Os votos de confiança são muitas vezes necessarios e convenientes, mas são sempre graves, e em algumas circumstancias gravissimos, e em todos os casos o meio mais perigoso para a governação. Não sou eu que o digo, é o sr. ministro da fazenda. São palavras de s. ex.ª na occasião em que se concedia n'esta casa voto de confiança a uma das administrações anteriores.

São graves os votos de confiança em certas occasiões, e na occasião actual gravissimos. A responsabilidade para nós é enorme. Mas será enormissima se votarmos em silencio, receiando offender o governo com a nossa curiosidade indiscreta!

Eu prefiriria que o governo chegasse a esta casa e declarasse, não a serie de actos que intentasse praticar, porque nenhum ministerio tal cousa poderia fazer, mas as bases do seu plano, os elementos do seu accordo preliminar, indispensavel para a constituição de um governo que mereça este nome. Haveria assim fundamento para votos de confiança, para delegação de poderes e para largas concessões. Ninguem poderia accusar-nos de excessiva benevolencia.

Que difficuldade podia haver n'isto? Pois é possivel que o governo se constituisse sem ter um plano? Não é possivel.

Tenho assistido á formação de governos que conversam

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depois. Não é cousa rara reunirem-se seis ou sete individuos, vindo de diversas procedencias, que talvez nunca se encontrassem, que se encontram pela primeira vez naquellas cadeiras e declararem, - respondendo a qualquer interpellação, que não tiveram tempo para conversar, que vão aproveitar a primeira opportunidade para isso, e que, depois de terem conversado, dirão o que entenderem a respeito da direcção dos negocios do estado.

Depois das experiencias desgraçadas que temos tido, e depois da crise que ultimamente presenciámos, não creio que viesse alguem tomar posse daquelles logares, sem a previa combinação, que devêra ter sido sempre condição essencial para a constituição dos governos.

A difficuldade da constituição do actual ministerio resultou por certo d'essa combinação. Quizeram conversar antes, e devo acreditar que todos conversaram ácerca do plano da governação. Para formar o ministerio teria sido facil reunir seis homens; para se formar governo com idéas de governo, era preciso que elles combinassem entre si a maneira de reger os negocios publicos. Combinaram pois, tenhamos isto por inteiramente certo; mas depois de terem combinado tiveram a dureza de coração de não revelarem aos profanos o resultado das combinações!

Eu queria que o governo tivesse tido a franqueza de dizer quaes são as suas idéas; e muito mais n'esta occasião, quando todos somos ministros da fazenda, como disse acertadamente o nobre ministro, o sr. Carlos Bento da Silva. Se todos o somos; mais o devem ser aquelles que foram chamados aos conselhos da corôa. A todos elles portanto compete esclarecer a camara, e pôr termo á inquietação que o seu silencio provoca.

Será, inopportuno tratar hoje das questões relativas á receita e despeza publica, quando a camara esta reunida e discute leis de fazenda? A occasião mais propria, penso eu, é aquella em que se discutem leis que devem dar meios ao governo para satisfação dos encargos do estado.

Já ouvi censurai ha pouco as demasias da discussão; disse-se que a camara se demorava muito tempo na discussão, e que era preciso abrevia-la. Eu não sei se a camara se demora muito ou não, mas parece-me que se a camara não quer tratar d'estas questões é melhor que não se reuna; porque são estas hoje as mais graves, e aquellas que mais ao paiz interessam. Occupe-se o governo das questões de fazenda quando a camara esta fechada; mas quando ella esta aberta é indispensavel que nos occupemos todos d'essas questões, porque ellas a todos interessam. E se dellas nos devemos todos occupar, como querem que na discussão de um projecto tão grave como este se abstenham os oradores de fazer referencias a qualquer dos elementos de receita e despeza? Como querem que elles se abstenham do fazer considerações exclusivamente financeiras, para tratarem só da pressa da auctorisação? Sei que ha quem tenha desejos de pressa, mas creio que não periga a salvação do paiz se nos demorarmos em pensar algumas horas procurando evitar uma torrencial emissão de titulos de divida publica.

Não teria logar perguntar ao governo se elle calculou os recursos, e quaes as suas intenções a respeito da receita publica? Não será este o logar proprio para lhe perguntar em que baseia o seu plano para a reducção da despeza futura? Não será logar para perguntar se attendeu já á maneira porque se acham estabelecidas as contribuições? Se a questão das contribuições directas foi já considerada? Se acaso o governo quer manter o systema actual das contribuições de repartição, ou se quer passar para o systema de quota? Se no primeiro caso elle determina que as matrizes se façam desde já como se devem fazer, o no segundo se despensa o arrolamento pessoal e predial? Estas perguntas não terão logar? Ficará satisfeita a camara com o acto simples e facil da votação? Seremos nós sómente as machinas de auctorisar?

Se não sou importuno, peço á camara que considere que nós temos um deficit superior a 7.000:000$000 réis; peço-lhe que reflicta que as nossas despezas publicas andam orçadas em 23.000:000$000 réis. Repare bem a camara que d'esta despeza de 23.000:000$000 réis ha pelo menos réis 12.000:000$000 que são susceptiveis de reducção; fica pois para as deducções apenas a quantia de 11.000:000$000 réis.

Ora, veja bem a camara que, sendo a verba reductivel apenas de 11.000:000$000 réis, se nós quizermos, por meio das economias, operar o restabelecimento do equilibrio entre a receita e a despeza, teremos que deduzir d'esses 11.000:000$000 réis a verba de 7.000:000$000 réis, que é o deficit. Supponhamos feita esta deducção! Importaria em uma deducção de 60 por cento. Quer dizer que os que pretendem equilibrar o orçamento só por meio de economias, teriam de propor uma deducção de despeza de 60 por cento!

Se applicassemos, por exemplo, esta reducção ao exercito, teriamos em breve um exercito de dezoito mil homens, mas sem um official e sem nenhum dos serviços annexos. Com uma reducção de 60 por cento, então sim, então é que desappareceriam os nixos, as sinecuras, os quadros luxuosos; desappareciam todos os officiaes desde o general até ao alferes! Com uma reducção de 60 por cento nem havia dinheiro para sustentar os cavallos; os soldados de cavallaria ficariam a pé! Seductora economia! Brilhantissima reducção de despeza.

Applique-se a todos os outros serviços este systema brutal, permitta-se-me a phrase; applique-se por exemplo o systema que eu vejo infelizmente iniciado pelo actual governo, applique-se a tudo o systema de suspender todos os trabalhos como vão suspender o das estradas, e veremos quaes são os resultados. Uma economia de que nos ha de resultar a fome e a desordem! Faça-se por exemplo uma grande economia nas repartições fiscaes, e verão os resultados. Ahi é possivel, sem duvida, reduzir a despeza, e talvez obter uma diminuição consideravel; mas será preciso reformar o serviço, crear uma fiscalisação de outra ordem, com a organisação militar que o sr. Carlos Bento propoz. E a este respeito direi que tenho muita pena de que não esteja presente o sr. ministro da guerra, porque desejo que s. ex.ª declare a sua opinião sobre este ponto, em que me parece não esta perfeitamente de accordo com o seu collega da fazenda.

Mas a reducção da despeza, n'este caso como em quasi todos os outros, não é uma simples amputação, não é meramente um côrte na despeza por uma mais ou menos precipitada diminuição de logares ou de vencimentos; é uma economia sensata, fundada na discreta organisação e simplificação do serviço. Assim devem ser todas. Se nós formos fazer, como alguns exigem, uma reducção no serviço fiscal por meio de simples córtes, o resultado ha de ser a diminuição de receita. Se fizerem a reforma como eu a propuz sempre (e todos sabem que eu nunca votei que se rasgassem indiscretamente as folhas do orçamento), se fizerem a reforma pela organisação do serviço, teremos uma economia, e grande, valiosa, importante. Mas esta economia, por grande que seja, nunca poderá chegar á extincção do deficit, porque acredito que não ha ninguem que imagine que de 11:000:000$000 réis se possa economisar 7.000:000$000 réis. Como procederemos pois?

O sr. deputado Faria Guimarães, que tem feito aqui diversas propostas, algumas dellas muitissimo attendiveis, propoz algum dia, não sei quando, que se fizesse na despeza publica uma reducção de 5 por cento. Pois vamos muito mais longe.

Não farei a reducção dos 60 por cento, da qual resultaria, como acabei de dizer, a extincção dos serviços com a extincção do deficit, o que equivaleria de certo a um deficit muito peior, porque se reduzissemos, por exemplo, a instrucção publica por este modo, obteriamos logo sem duvida uma diminuição de despeza, mas ficaria em compensação do deficit do dinheiro um excedente de ignorancia que nos seria fatal.

Eu sempre votei contra a percentagem fixa, mas agora quero suppor por hypothese uma percentagem fixa.

A proposta do sr. Faria Guimarães era de 5 por cento de reducção na despeza, e eu supponho que sejam 10 por cento. E sobre que? Sobre 11.000:000$000 réis, que é a somma reductivel.

Quando se diz — a despeza é de 23.000:000$000 réis, clama-se muitas vezes = cortemos n'esta quantia, é preciso tirar d'aqui uma percentagem.

Eu faço uma operação mais commoda. Separo primeiro a parte que não é reductivel, porque não posso fazer reducções nos juros da divida, não posso fazer reducções nos 300:000$000 réis para o banco, resultado de um contrato do anno passado, não posso fazer reducções nas restituições, porque as restituições feitas nas alfandegas são resultado de operações verdadeiramente de credito em que o governo restitue o que recebeu.

Contemos bem todas estas verbas e veremos que nos ficam 11.000:000$000 réis. Deduzindo desta quantia 10 por; cento, temos 1.100:000$000 réis, mas como o deficit é de 7.000:000$000, faltam-nos ainda cerca de 6.000:000$000 réis.

Tenho já fallado bastante em economias, e faço á camara a justiça de crer que eu já disse sobre este objecto quanto me parecia rasoavel.

Vou desde os 60 por cento, muito mais do que propunha o meu illustre collega, o sr. Motta Veiga, do que resultaria, repito, a extincção dos serviços publicos com a extincção do deficit, até aos 10 por cento, o dobro do que propunha o sr. Faria Guimarães.

É verdade, ainda assim, que esta ultima reducção, se for applicada sem cautela, póde produzir resultados horriveis, mas se for applicada discretamente, póde dar resultados uteis.

Ora, supponhamos que o governo vae conseguindo esta economia de 10 por cento sobre a despeza publica. Em quanto importa ella? Em 1.100:000$000 réis, como disse. Qual é o deficit? O deficit é de 7.000:000$000 réis. E o resto? Peço para este resto a attenção da camara.

Vejo sempre presa a attenção da camara por uma só e pequena parte da questão financeira. Vejo que geralmente olham para a questão das economias como aquella que deve absorver completamente a nossa attenção.

Eu acho-a muito digna do nosso cuidado. Quero collocada no primeiro logar. Voto ao governo todos os meios necessarios para elle entrar n'esse caminho. Voto ao governo todas as auctorisações para fazer reformas, depois de lhe fazer algumas perguntas modestas ás quaes espero que o governo todo responda.

O sr. Ministro da Fazenda: — Em côro? (Riso.)

O Orador: — Em côro não, mas separadamente, cada um por si, o que necessariamente é muito mais agradavel. Mas é preciso que respondam todos (riso).

Depois d'essas perguntas voto as auctorisações, mas instigo e provoco o governo para que faça uso das amplas faculdades que lhe concedemos. Faça economias em tudo, em todos, discreta, mas severamente, sem contemplações com individuos, desassombrada e energicamente!

O que eu quero bem alto declarar é que não emprego nenhum meio proximo ou remoto, directo ou indirecto, para impedir que o governo exerça a sua acção, a fim de obter as maiores economias nas despezas publicas.

Depois de ter declarado solemnemente isto á camara, peço licença para cuidar em outro assumpto, que me parece bem mais valioso.

Não fallemos hoje mais nas economias, visto que sómente dellas e de mais nada se têem occupado tantos alvitristas distinctos.

A questão é esta:

Ha um deficit de 7.000:000$000 réis. Quer o governo seja mais benevolo, nas minhas hypotheses, em relação ás economias, a que imagine uma economia maior? Pois imaginarei 2.000:000$000 réis, e ficam 5.000:000$000 réis. Vou mais longe, 3.000:000$000 réis, e ficam ainda réis 4.000:000$000. Deixemos o negocio assim; vamos para outro lado; quero suppor a economia feita. Mas eu entendo que a principal questão a resolver é outra, e outra em que se não falla (apoiados).

Na primeira fallam todos. Não ha hora em que se não levante alguem a pedir economias, e eu desejo tanto que ellas se façam que lhe marco com limites bem largos; mas consintam que eu pergunte ao governo como é que pretende attender á outra face da questão.

A receita publica obtem-se pelo imposto sob diversas formas; e hoje póde obter-se o augmento da receita publica pelo augmento do imposto existente, ou por imposto novo que vinha de nova materia collectavel. Não sei se me faço bem comprehender. O governo esta em uma certa difficuldade, e precisa de dinheiro que ha de vir dos contribuintes. Este dinheiro póde vir por dois modos, o augmento do imposto que recahe sobre o imposto como esta, sobre a materia collectavel como esta, ou por outro modo que vem a ser o imposto que recaír sobre a materia collectavel, isto é sobre aquella que se tem até hoje subtrahido ao imposto.

Eu que nunca pergunto aos ministros d'onde vieram, que não lhes pergunto porque estão ahi, e que estimo muito velos n'essas cadeiras, que estimarei dar-lhes completamente o meu apoio e creio que lh'o hei de dar em muitas medidas, parece-me que tenho o direito de indagar qual o caminho para onde vamos. Não o pergunto politicamente, mas para onde vamos na gerencia das cousas publicas, debaixo do ponto de vista da nossa receita.

Considerando especialmente o imposto, nós temos a attender ao imposto directo e ao indirecto. Nem uma palavra nos disse ainda o governo! Apenas sobre outros assumptos alguma cousa nos tem dito o illustre ministro da fazenda; mos as suas declarações, que têem sido francas até certo ponto na questão do emprestimo, ainda não tivemos a fortuna de as ouvir ácerca de outros assumptos, por uma certa reserva, que respeito muito, mas que não approvo. Ainda digo, não tive o prazer de ouvir agora a sua opinião a respeito do imposto!

Não perguntarei se o sr. ministro prefere o imposto directo ao indirecto, porque sei qual é a opinião de s. ex.ª que é a minha. Recorre ao imposto indirecto, e tambem ao directo. Prefere os dois...

No estado em que estão as cousas não ha meio algum de preferir o imposto directo ao indirecto. Em certas circumstancias ha de ser um, e n'outras ha de ser outro (apoiados).

O que o governo sabe e nós sabemos é que o imposto directo se funda em certas bases que não são as melhores, por uma daquellas fatalidades que não sei explicar e que não posso desculpar.

Não tivemos ainda para base do imposto matrizes que fossem competentemente feitas. O governo sabe que para fazer matrizes são necessarias estatisticas completas. Não fallo só das matrizes prediaes e industriaes (apoiados). É necessario ter estatisticas completas, e não arrollamentos, como aquelle que temos tido até agora (apoiados).

O governo sabe perfeitamente, e o sr. ministro da fazenda tem por muitas vezes manifestado aqui uma opinião com a qual me conformo completamente, que não ha economias sem estatisticas; opinião que eu applaudi, porque effectivamente não ha meio nenhum de fazer economias sem estatisticas.

Nenhum paiz tem talvez tantas estatisticas como nós, mas nenhum as tem mais incompletas e imperfeitas (apoiados).

Poderia apresentar á camara um documento com o qual se prova que sendo comparadas as estatisticas officiaes de 1864 com as de 1866, a população diminuiu e o numero do fogos augmentou em muitos dos concelhos do reino! Note-se isto que é uma cousa admiravel. No concelho de Paredes, por exemplo, ha uns 400 fogos a mais e 300 individuos a menos! (Riso.) E isto da-se em muitos outros concelhos. Eu tive a paciencia de mandar fazer esta comparação das estatisticas de 1864 e 1866, e de tudo isto tirei a conclusão que não tinhamos estatistica (apoiados.)

Mas vamos a outro ponto. Que elementos tem o governo para formar a matriz industrial? Não sei. O que devia ter era uma especie de relação ou mappa geral dos individuos que exercem as profissões em cada concelho, uma relação das pessoas que se applicam ás industrias, especificando aquella a que cada um se applica. Não ha nada disto. Quando o sr. Mártens Ferrão era ministro do reino expediu-se uma portaria ás camaras municipaes para que abrissem um livro de registo em que se inscrevessem todos os industriaes, indicando a industria a que pertencia cada um. Pois não se cumpriu esta portaria, e o presidente de uma das camaras declarou ao governo que não tinha dado cumprimento á portaria, porque a achava antipathica aos povos e perigosa! De sorte que o arrolamento da industria não se póde fazer por antipathico aos povos e perigoso!

Desejei tambem saber qual era o numero dos teares e dos fusos, para por elle poder calcular o estado das industrias de fiação e tecedura. Sabe a camara qual foi a resposta que para aqui mandou o sr. ministro das obras publicas? Foi que não só não havia estatistica do numero dos teares e fusos, mas que nunca se tinha procedido a tal estatistica! Esta foi a declaração officialmente feita pelo sr. ministro das obras publicas! E não me admira, porque n'este paiz, tendo-se creado em 1851 um ministerio com um titulo muito grande do «ministerio das obras publicas, commercio, industria e agricultura», parece que se esqueceram do

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fim do titulo que tinha «obras publicas, commercio, industria e agricultura», e pararam na palavra publicas. Do commercio, industria e agricultura esqueceram-se, e ficaram as obras publicas.

Em taes circumstancias, sem estatistica nenhuma, sem dados alguns d'esta ordem, estamos sem os elementos precisos, indispensaveis para fazer a matriz industrial.

A matriz predial esta imperfeitissima; pois não sabe a camara, ignora alguem que ha concelhos no reino que pagam muito, e outros que pagam muito pouco? E qual é o motivo da imperfeição das matrizes? A falta de estatisticas exactas.

Tenho portanto direito de pedir ao nobre ministro da fazenda que me diga se pensa fazer alguma cousa a respeito das matrizes.

De mais a mais as matrizes actuaes acabam no corrente anno, e as matrizes que hão de vigorar para 1869 devem começar a fazer-se em setembro proximo; quer dizer, estamos no tempo em que o governo deve tratar de tomar providencias. Ninguem dirá que sou exigente, perguntando lhe agora o que tenciona fazer. Ora, se em epochas ordinarias e em circumstancias normaes seria indispensavel, que o governo tomasse em agosto providencias para as matrizes de setembro, nas circumstancias extraordinarias em que estamos, e querendo fazer reformas e alterações nas matrizes, mais necessidade ha de que se tomem providencias para que as matrizes sejam fieis e exactas.

Mas para fazer estas matrizes, serve-se o governo da pauta dos repartidores, com a organisação, que elles têem actualmente? Mantém o governo as relações que existem hoje entre o pessoal do serviço fiscal e o pessoal do serviço administrativo? É um ponto para que é preciso olhar com attenção. Nós não podemos estar até ao encerramento da camara sem explicações categoricas do governo a respeito de todos estes assumptos.

Qual é o pensamento do governo a respeito do imposto pessoal? Entende o governo que deve haver só o imposto pessoal como elle esta ou que se lhe deve fazer alguma alteração?

O governo vem pedir ao parlamento auctorisação para reformar os serviços publicos, e creio que n'isso não vão comprehendidos todos os elementos de receita. É preciso tambem da parte do governo alguma explicação franca e completa sobre este ponto. Eu estava quasi reservando-me para outra occasião; tinha até pedido ao sr. presidente que riscasse o meu nome da inscripção, porque estava disposto a deixar de fazer perguntas agora ao governo. Depois pensei que seria muito acertado não adiar por mais tempo esta interrogação, porque talvez d'aqui a tres ou quatro dias sendo a camara encerrada, ficassemos todos muito arrependidos de não termos dirigido estas perguntas ao governo.

Não sabemos a opinião do governo a respeito da decima pessoal. A respeito da industrial, quer o governo adoptar o systema das patentes? Ahi tem o governo uma reforma completa. P systema que nós seguimos é muito imperfeito; o systema das patentes é um systema já experimentado. Tem tendencias para elle?

A contribuição de registo fica como esta? Mas a opinião do sr. ministro da fazenda é que a contribuição do registo obsta á transmissão da propriedade. Quer s. ex.ª fazer-lhe algumas alterações? Nada sabemos.

Outro imposto, o imposto sobre a decima de juros. É um imposto iniquo, dizem uns; rende pouco, dizem outros; póde render muito, dizem alguns. Como expediente financeiro tem sido aceitavel. Quantas vezes em epochas difficeis se recorre a expedientes, que em outras epochas rejeitámos? Tenciona pois o governo adoptar alguma providencia relativa ao imposto sobre decima de juros? E quaes são as idéas do governo a respeito de contribuições indirectas? O que pensa o governo da descentralisação dos serviços, que tanto póde diminuir a despeza? O que tenciona o governo fazer a respeito da administração da fazenda districtal e municipal? Qual é o pensamento do governo a respeito da politica commercial? Como intenta o governo proceder a respeito de tratados de commercio? Continua ou pára. E esta questão prende igualmente com o sr. ministro da fazenda e com o sr. ministro dos negocios estrangeiros. Segue ou não segue o governo a politica commercial inaugurada em 1865? Toda a camara sabe quaes são sobre este ponto as minhas opiniões; eu declaro que respeito, como devo respeitar, todas as outras; o que eu não quero é ter de estar a venerar o silencio nem a respeitar a mudez. O que eu desejo é conhecer qual é a politica commercial do governo; quaes são as suas intenções e o que é que elle pretende fazer ácerca das relações commerciaes com as outras potencias, porque não temos só propostas, como já disse, da Prussia e da Austria.

Temos reclamações, por exemplo, da Belgica, que deseja que lhe seja applicavel o systema que foi applicado á França.

Outra questão grave, e muitissimo grave, é a questão do tabaco.

Como quer o governo proceder ácerca da questão do tabaco?

Veiu a proposta relativa ás licenças e veiu a proposta relativa ao augmento dos direitos. Não quero contradizer o nobre ministro da fazenda, porque s. ex.ª muito bem disse que nenhum governo tinha obrigação de sustentar as propostas dos seus antecessores; quero só dizer que, se um assumpto grave esta pendente de resolução, o governo tem obrigação e até necessidade de manifestar as suas idéas a esse respeito.

A questão do tabaco é grave, e é grave debaixo de um ponto de vista; é grave debaixo do ponto de vista da pequena industria.

Ha umas exigencias de deposito, absurdas e exageradas emquanto a mim, que evitam o desenvolvimento da pequena industria do tabaco, e á necessario saber-se como o governo pensa a este respeito. É necessario sabermos se o governo tenciona fazer alguma cousa que dê em resultado o desenvolvimento da pequena industria do tabaco, que eu considero importante para este paiz.

Esta a dar a hora, e peço a v. ex.ª por isso que me reserve a palavra para a sessão seguinte.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)

O sr. Presidente: — A ordem do dia para segunda feira é a continuação da de hoje e mais os projectos n.ºs 5, 6 e 7.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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