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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

merecimento é todo d'esse povo, mas a culpa do governo aggrava-se, é ainda muito maior, torna-se realmente revoltante (apoiados).

É esta a liberdade, com que o sr. marquez d'Avila e de Bolama quer dotar o paiz! São estes os direitos individuaes, com cujo exercicio nos quer dotar um governo que não nasceu do parlamento, que não se organisou em virtude de nenhuma indicação constitucional, que nenhuma circumstancia conhecida recommendou, que não tem titulo algum para affirmar que representa a confiança do povo (apoiados), e que encontra n'esta camara a prova mais plena da reprovação do paiz, porque, tendo presidido a uma eleição, não acha aqui um unico partido politico, que se sujeite a partilhar e muito menos a aceitar a responsabilidade dos seus actos! É com esta liberdade, é com estes principios beneficos que o governo de 1871 quer dotar o paiz, que combateu denodadamente e venceu com esforço difficuldades superiores para conquistar a liberdade que tem direito de gosar?

Assim parece, e outra cousa não póde presumir-se, desde que o governo vem declarar que são apenas irregulares, desde que foge de declarar que são criminosos, tanto o facto da prisão arbitraria de um cidadão pacifico, como o facto não menos revoltante de se arrancar um criminoso das mãos da justiça, prendendo-se, em vez d'elle, o official judicial que obedecia ao mandado do seu juiz. Se estes actos são apenas irregulares, se não são crimes, quererá o governo por os lamentar, depois de os ter mandado praticar, a confiança da camara, um voto de louvor? Parece-me que sim. Parece que o governo espera um voto de louvor, uma moção de confiança por ter praticado estes actos e por ter dotado este paiz em 1871 com os beneficios de 1845.

Veiu ainda o illustre deputado, que me precedeu, em nome do governo, dizer que ninguem approvou as prisões arbitrarias feitas pelo administrador do concelho de Arganil. Ninguem as approvou. O governador civil tanto as não approvou, que mandou soltar immediatamente o preso.

Nós não tratamos, ao menos por emquanto, do acto do governador civil de Coimbra, mandando soltar o preso. Não é esse o crime revoltante que se accusa; não foi esse o ponto que se censurou. O acto do governador civil póde e deve censurar-se tambem, e eu logo direi porque. Mas até aqui o que se tem accusado, e do que nós tratâmos, é do crime insolito do administrador de Arganil, delegado de confiança do governador civil e delegado de confiança do governo, ter mandado prender um cidadão pacifico, arrastando-o durante cinco dias por aquellas povoações, em exposição publica pelos mercados e feiras, para intimidar e amedrontar os povos e afugentar os eleitores da urna. É d'esse facto que nós tratâmos. Ninguem approvou aquelle acto, diz o sr. Telles de Vasconcellos, e a cousa não é difficil de dizer. Suppunhamos que ninguem approvou esse acto; mas pergunta se se o reprovaram (apoiados). Pergunta-se se mandaram, ou não mandaram, a força publica ao administrador de Arganil, para lhe dar os meios de praticar, não aquelle acto irregular, mas aquelle crime revoltante (muitos apoiados). Pergunta-se, se demittiram o funccionario criminoso, e se mandaram pelo ministerio publico, instaurar contra elle o processo competente. Empregaram algum d'esses meios? Não. Mandou-se apenas fazer uma syndicancia. Era preciso realmente proceder com muito escrupulo e com todas as formalidades a esta syndicancia, depois que o governador civil reconheceu tanto a irregularidade e a criminalidade da prisão, que mandou soltar o homem preso, commettendo uma illegalidade tambem. Grande era a vontade de syndicar, quando nenhuma necessidade havia de syndicancia! Pois era preciso mandar syndicar para saber que o administrador tinha prendido o homem que elle remettia preso ao governador civil? Serviria a syndicancia para saber que se devia punir o auctor d'essa prisão illegal e arbitraria? Era preciso syndicar, para que? Para conhecer da criminalidade do acto? Não; porque essa criminalidade tinha-a reconhecido o governador civil, mandando soltar o preso, para attenuar a culpa do seu subalterno culpado (apoiados).

A syndicancia não tem explicação possivel, a não ter sido feita com o proposito de conseguir para o culpado a impunidade. Não tem outra rasão de ser, senão o intuito de disfarçar o crime e de attenuar quanto possivel as consequencias do attentado praticado. E que este foi o unico fim, veiu a syndicancia prova-lo; e o procedimento do governo até hoje, ainda melhor o prova (apoiados). É o medo depois do crime, é a fuga á justiça depois dos maleficios perpetrados. Tomem ao menos a responsabilidade dos seus actos, e ponham-lhes o nome por baixo. Já que excedem em illegalidades e violencias todas as recordações de 1845 (apoiados), igualem ao menos os seus auctores na coragem (apoiados). Assignem os actos publicos com os seus nomes. Tomem perante o paiz a inteira responsabilidade dos actos illegaes que praticam. Excedem na illegalidade, excedem na violencia, excedem em todos os meios de corrupção eleitoral, todos os abusos até hoje conhecidos. Mas fogem cheios de medo á responsabilidade, occultam-se, escondem-se uns atrás dos autros (apoiados), os superiores atrás dos inferiores (apoiados). Quando a final se procura a responsabilidade dos ministros, perante o parlamento, escondem-se, oceultam-se, desapparecem, humildes e supplicantes, os ministros da corôa atrás dos regedores da Bemfeita e da Cerdeira, pedindo-lhes que por favor estendam a mão da protecção (apoiados).

É assim que se sustenta o prestigio, é assim que se mantem a dignidade do poder! (Apoiados).

Não é só para a camara que eu trato esta questão, porque toda a camara está ao facto d'ella por todos os documentos que examinou e por todos aquelles que ouviu ler. Trato-a principalmente para o paiz, porque cumpre e é indispensavel que este governo, emquanto resiste a todas as indicações constitucionaes para se retirar, seja apresentado perante o paiz como aquillo que é, como aquillo que vale (apoiados).

Diz o governo «eu soltando aquelle que foi preso arbitrariamente pelo administrador de Arganil, desaggravei, desaffrontei a liberdade individual.»

Tem graça este systema de um governo aggravar todas as liberdades individuaes para as desaggravar depois. É cousa original! (Apoiados).

Um cidadão não póde ser preso sem culpa formada, excepto nos casos de flagrante delicto, e em outros especialissimos, taxativamente designados na legislação d'este paiz. O governo manda prender aquelles, que pelas leis lhe é prohibido mandar prender, e prende-os pelos seus delegados de confiança. As prisões verificam-se, os cidadãos estão privados da sua liberdade e oflendidos nos seus direitos. O governo e os seus agentes, depois de os terem cinco, dias presos, expondo-os em espectaculo publico, trazendo os em correrias pelas povoações, mandamos soltar depois da eleição, como agora, tendo-os privado de eleger. Apresenta-se depois satisfeito e audaz o ministro ao parlamento, e diz: «porque me accusaes? Eu desaggravei e desaffrontei as liberdades individuaes offendidas, mandando pelos governadores civis soltar os que arbitraria e despoticamente tinham sido presos pelos administradores de concelho!» O ministro não teme que lhe respondam — se desaggravou as liberdades individuaes é porque primeiro as aggravou e affrontou (Apoiados.) A tardia defeza dispensava-se, se o governo se tivesse abstido da culpavel offensa. Como quer o ministro que se lhe agradeça esta ficção de respeito pela lei, se, para poder fingi-lo, foi elle o primeiro e o unico, que em vez de cumprir a lei, como devia, deliberadamente deixou de a cumprir e flagrantemente a violou (apoiados).

Eu vou, sem difficuldade, mostrar que o governo e seus delegados, longe de uma vez qualquer cumprirem a lei, duas vezes violaram, duas vezes forçaram e duas vezes offenderam todas as leis escriptas d'este paiz (apoiados). O codigo administrativo, tanto pela doutrina como pela epo-