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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

cha da sua promulgação, não será, de certo, suspeito ao nobre marquez d'Avila e de Bolama. Pois o seu proprio codigo o condemna, tal foi o excesso do seu illegal procedimento! (Apoiados.)

É preciso recordar a lei ao governo; é preciso talvez ensinar as suas disposições expressas aos ministros e aos seus delegados, que as ignoram ou fingem ignorar, porque todos elles desconhecem e offendem a lei escripta d'este paiz.

Prescindo de me referir á carta constitucional, que no artigo 145.° §§ 7.°, 8.°, 9.° e 10.º estabelece plenamente as garantias individuaes a este respeito.

Vou referir-me ao codigo administrativo, que no artigo 252.º diz o seguinte:

«No que respeita á policia judicial, é permittido ao administrador do concelho prender ou mandar prender os culpados, nos casos em que se não exige a previa formação de culpa.»

Nos §§ 2.°, 4.° e 6.° d'este artigo diz o codigo administrativo que a prisão deve ser logo participada ao juiz competente pela auctoridade administrativa, a qual remetterá ao ministerio publico um auto de investigação dos factos com os nomes das testemunhas e informação sua, limitando-se a isto as suas funcções, porque os presos ficam, desde logo, só á disposição da auctoridade judicial, que ácerca d'elles procederá do mesmo modo e nos mesmos termos ordenados nas leis para os que são presos por ordem judicial.

Esta é a lei expressa, positiva e bem clara. O governo, por intermedio dos seus agentes responsaveis, por meio dos seus delegados de confiança, fez exactamente o contrario do que a lei expressamente ordena (apoiados). É o que vamos ver.

Pelas nossas leis a auctoridade administrativa não póde mandar prender senão nos casos restricta e taxativamente marcados nas leis. A prisão por ordem do administrador do concelho só póde effectuar-se nos casos de flagrante delicto, e n'aquelles casos em que se não exige a previa formação de culpa.

O que seja caso de flagrante delicto está definido no artigo 1020.° da novissima reforma judiciaria pela fórma seguinte:

«Flagrante delicto é aquelle, que se está commettendo, ou se acabou de commetter sem intervallo algum. Reputa-se tambem flagrante delicto o caso, em que o delinquente, acabando de perpetrar o crime, foge do logar d'elle, e é logo continua e successivamente seguido pela justiça, ou por qualquer do povo.»

Quaes sejam os casos, em que se não exige a previa formação de culpa, acham-se tambem definidos e especificados nas leis. São os crimes de alta traição, furto violento ou domestico, homicidio e levantamento de fazenda alheia, mencionados no artigo 1023.° da mesma reforma, e de falsidade, fabricação ou falsificação de moeda, papeis ou notas de bancos nacionaes ou estrangeiros, em harmonia com o artigo 6.° da lei de 4 de junho de 1859.

A prisão foi illegal e arbitraria, porque foi feita, sem culpa formada, fóra dos casos em que a lei a permitte. A esse respeito não ha duvida possivel.

Resta examinar apenas o alto feito de legalidade e de virtude, com que o governo affirma e exagera os seus sentimentos liberaes, e intenta provar a sua dedicação e o seu respeito pelos direitos individuaes. É o facto do governador civil de Coimbra ter mandado arbitrariamente soltar o cidadão, que arbitrariamente foi preso pelo administrador do concelho de Arganil, seu delegado de confiança, restituindo-lhe a liberdade depois de cinco dias de prisão, e principalmente depois de ter passado a eleição, na qual este cidadão foi privado de tomar parte com o seu voto e com a sua influencia, vendo-se espoliado do direito mais importante nos paizes livres por uma violencia prepotente e escandalosa da auctoridade administrativa, que devia ser paternal e benefica. O facto de soltar, se não é tão violento nem tão escandaloso, como o facto de prender, é igualmente illegal e igualmente arbitrario (apoiados).

A auctoridade administrativa, que só prende nos casos especificados nas leis e a que já me referi, não exerce nem póde exercer, porque a não tem, jurisdicção alguma sobre as pessoas que prendeu. Ha de pô-las immediatamente á disposição do juiz (apoiados), porque só ao poder judicial incumbe conhecer do delicto, apreciar as suas circumstancias, e decidir sobre a liberdade dos cidadãos. É isto o que expressamente determina a lei nos §§ 2.° e 6.° do artigo 252.° do codigo administrativo.

A nota a este artigo diz com toda a precisão e clareza, que a auctoridade administrativa em nenhum caso póde mandar soltar os presos porque lhe não compete a apreciação e julgamento de delicto. São expressas as portarias de 1 de setembro de 1837, 26 de junho de 1838, 5 e 11 de setembro de 1839 e 14 de novembro de 1851.

Que importam, porém, as leis ao sr. ministro do reino? O sr. marquez d'Avila e os seus delegados só conhecem, só approvam e só executam as portarias de 1845 (apoiados).

A auctoridade administrativa, que só póde prender nos casos especificados nas leis, nunca póde soltar; desejo ver se o sr. ministro ousa negar estes principios. Na minha vida forense tenho eu visto, em perfeita harmonia com a nossa legislação, mais de uma querella intentada contra os administradores de concelho por terem mandado soltar os presos, depois que foram recolhidos á cadeia. Se a auctoridade administrativa excede as suas attribuições, se solta depois de prender, se prende fóra dos casos legaes, commette abuso de auctoridade, e em todos os outros casos, diz a lei expressamente, não póde o administrador do concelho oadenar a prisão, mas sómente proceder ás investigações necessarias e transmitti-las ao magistrado judicial, e fazendo o contrario, commette o abuso de auctoridade pelo qual póde ser punido com a pena de prisão de tres mezes a tres annos, segundo o artigo 291.° do codigo penal.

São estas as disposições das nossas leis; e por todos os regulamentos administrativos que eu conheço, a auctoridade administrativa só póde mandar soltar aquelles que as rondas ou a policia prendem ou antes retêem por suspeitos, ordinariamente de noite, e só nos grandes centros de população, e que são levados aquella auctoridade antes de serem recolhidos á cadeia. Só esses é que a auctoridade administrativa póde mandar soltar, porque ainda não os recolheu á cadeia, quando não encontre indicio ou fundamento algum de crime, quando evidentemente reconheça que a suspeita ou detenção policial fôra absolutamente infundada.

Porventura será isto contrario aos bons principios de administração? Será isto contrario á liberdade de um paiz? Não. Pelo contrario, é indispensavel á liberdade de todos os povos, e a restricção do poder da auctoridade administrativa para ordenar ou effectuar as prisões é a primeira garantia de um povo livre.

Eu leio a v. ex.ª as poucas palavras de um commentador distincto dos artigos do nosso codigo penal, jurisconsulto profundo que todos nós conhecemos e respeitamos. Refiro-me ao sr. visconde de Paiva Manso. Diz elle:

«A detenção preventiva é um facto da maior gravidade n'um paiz livre, visto ser uma punição antecipada que vae atacar o credito do indiciado. Por isso a legislação dos povos livres tem cercado de todas as precauções e garantias essas detenções; e o que prova o poder que tem no coração humano o sentimento dos direitos individuaes, é que em todas as epochas em que o systema liberal se tem inaugurado, sempre os povos têem pugnado pela garantia real da liberdade individual. Sirva de exemplo o povo inglez que, desde a epocha de Carlos I, trabalhou pelas obter, até que em 1679 alcançou o celebre acto do Habeas corpus. N'um paiz liberal, portanto, como o nosso, aonde a legislação dá tantas seguranças aos direitos do individuo, o codigo penal não podia deixar de punir gravemente todos os attentados, que contra ellas se apresentassem por parte