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N.º 18.

SESSÃO DE 22 DE ABRIL.

1853.

PRESIDENCIA DO Sr. SILVA SANCHES.

Chamada: — Presentes 80 srs. deputados.

Abertura: — Ao meio dia.

Acta: — Approvada.

CORRESPONDENCIA.

Declaração. — Do sr. Rezende, de que o sr. Guerreiro não póde comparecer á sessão de hoje, por impedimento justo — inteirada.

Officios. — 1.º Do ministerio das obras publicas acompanhando dois officios do nosso consul geral em França, de 2 de fevereiro e 26 de março deste anno, satisfazendo assim do modo possivel ao requerimento do sr. Santos Monteiro, em que pediu informações sobre as nossas relações commerciaes com a França. — Para a secretaria.

2.º Do presidente da camara municipal de Lisboa, acompanhando 100 exemplares impressos da representação que a mesma camara dirigiu em 7 de março ultimo, á camara dos srs. deputados ácerca do fornecimento de agoas á capital. — Mandaram-se distribuir.

Representações. — 1.ª Da camara municipal de Almeida, pedindo que seja restituida áquella villa a cadeira de latim, de que foi privada em 1834. — Á commissão de instrucção publica.

2.ª De muitos cidadãos do concelho de Pereira Jusã, no districto de Aveiro, contra o decreto de 28 de dezembro de 1852, que supprimiu aquelle concelho, unindo-o ao de Ovar. — Á commissão de estatistica.

Deu-se pela mesa destino ao seguinte.

Requerimento. — Requeiro que o governo pelo ministerio da fazenda informe a camara, no mais curto prazo possivel, do estado dos pagamentos ás classes activas e inactivas nos differentes districtos do continente do reino até ao dia 18 do corrente mez de abril. — Corrêa Caldeira.

Foi remettido ao governo.

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SEGUNDAS LEITURAS.

Projecto de lei. — Senhores: Todos estamos de accôrdo em que uma linha ferrea, que atravesse este nosso paiz na sua maior extensão, e que ligue Portugal com toda a Europa, é a primeira e a mais poderosa mola na grande machina, que ha de abrir á nossa terra um amplo e fertilissimo campo de prosperidade e de civilisação; porém para que esta machina possa funccionar assim, é preciso que se construam, ou vão construindo simultaneamente todas as molas, que lhe hão de communicar o movimento e força, e completar o seu machinismo.

E sabido que o nosso Portugal, banhado em grande extensão pelo oceano atlantico, é uma nação cuja riqueza consiste principalmente na agricultura e commercio, e para fecundar estas obras mais principaes e mais copiosas fontes de prosperidade publica, é preciso que se facilitem boas vias de communicação internas e externas por um systema perfeitamente combinado; porque se fallarem algumas, ou se se fizerem isoladamente as suas peças e sem ligação, ha perigo de que a machina por falta de nexo, ou seja improficua, ou acanhada em relação ao seu grande fim.

O actual governo de Sua Magestade, possuido de illustradas e esperançosas aspirações, convenceu-se finalmente da verdade do axioma — os povos sentem mais do que pensam e por isso precisam mais os factos, do que as estereis formulas e brilhantes theorias para se convencerem da utilidade das instituições. Por isso já deu começo ao desenvolvimento deste systema; e estou certo de que ha de apoiar, e levar a effeito o projecto, que tenho a honra de vos apresentar.

Mas, senhores, ainda mais, o objecto desta proposta, que pela sua natureza ha de infallivelmente excitar a vossa attenção e zelo para o seu complemento, tem sido reclamado desde 18 annos, de diversos ministerios, por algumas camaras municipaes, por alguns representantes da nação nesta casa, por diversas juntas geraes do districto de Béja, e ultimamente pelo actual magistrado superior do mesmo districto; porque todos se tem possuido não só do grande alcance da obra, que se pede, pelo incalculavel fomento, e desenvolvimento, que vai dar ao commercio e industria agricola de uma grande parte do districto de Béja, isto é, de toda a sua parte occidental, que comprehende os concelhos de Aljustrel, Almodovar, Castro Verde, Cercal, Messejana, Odemira, e Ourique, mas pelo importante e seguro abrigo, que com ella se vai proporcionar a toda a marinha de cabotagem, e de longo curso, mercante e de guerra, tanto nacional, como estrangeira.

Por quanto, senhores, estando o porto e barra de villa nova de Milfontes, que se pretende melhorar, situado na parte mais central de uma costa desabrida e perigosa de 30 legoas de extensão, sem outro refugio accessivel a barcos ou navios de qualquer tonelagem, quantos, e que quantiosos desastres, e perdas de fazenda e vidas, se devem poupar com uma obra baratissima com relação ao seu alcance, cuja planta já está levantada pelo habil e infatigavel engenheiro, João Luiz Lopes, e orçada a sua maxima despeza apenas em 43:000$000 reis despendidos em 3 annos?!

E reflecti que o porto e birra, que precisa este melhoramento, que em outro qualquer paiz já há muito teria sido aproveitado, é a foz da um rio importantissimo, que tendo mais de 12 legoas de curso, tem seis de um extenso leito salgado (sem uma só catadupa, ou outro qualquer embaraço) navegavel por barcos, ou navios de 200 e 300 toneladas, e que principalmente no seu primeiro torno, póde dar abrigo, com a mais segura doca, a muitos centenares de navios de muito maior lotação, tomando-se por isso de 2.ª ordem na nossa escalla fluvial.

E reflecti ainda mais que esta obra não prende só com os interesses de uma localidade, de um districto, ou de uma provincia, mas alcança e póde abranger os interesses da humanidade, evitando incalculaveis sinistros, que todos os annos se repetem naquella cosia.

A vista pois de quanto fica ponderado, tenho a honra de vos apresentar, e submetter á vossa approvação, o seguinte

Projecto de lei. — Artigo 1.º É o governo auctorisado para fazer a despeza de 15:000$000 réis, nos 3 proximos futuros annos economicos com a obra do melhoramento do porto e barra de villa nova de Milfontes, no districto de Béja.

Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.

Camara dos srs. deputados, 18 de abril de 1853. — José Maria de Andrade.

Foi admittido — E remetteu-se á commissão de obras publicas.

O sr. Justino de Freitas; — Mando para a mesa o seguinte parecer da commissão de verificação de poderes sobre o processo eleitoral de Ponta Delgada (Leu).

Parece-me, sr. presidente, que, sendo tão simples este processo, não se tendo dado nelle protesto ou reclamação alguma, e tal o numero de votos, o parecer não póde ser contestado. Peço, por tanto a v. ex.ª queira consultar a camara se o submette desde já á discussão, porque estão aí os deputados para tomarem assento.

O sr. Presidente: — Chamo a attenção da camara. O sr. relator da commissão de poderes pede que este parecer entre desde já em discussão.

O sr. Vellez Caldeira: — Sr. presidente, como havemos nós approvar o parecer, se nem o ouvimos bem? Se não querem que se imprima, fique dois ou ires dias sobre a mesa, para poder ser examinado, e depois discutir-se. O que se propõe é a cousa mais irregular que póde dar-se: ao menos preencham-se as formulas.

O sr. Justino de Freitas: — Não é a primeira vez que a camara tem decidido negocios desta ordem, quando elles são de tal modo faceis que se podem approvar á primeira vista; e nem eu aqui viria propor que ella decidisse um objecto, se presentisse que poda ler a mais pequena difficuldade. Mas na presente eleição houve 2:007 votantes, e o menos votado obteve votos 1:961, 116 votos de menos. Isto basta para mostrar que a eleição correu placida, e que é regular; não appareceram reclamações nem protestos. Não me opporia a que o parecer fique sobre a mesa, mas intendo que é absolutamente desnecessario: é perder tempo, em logar de o adiantar, porque se ha cousa de sua natureza clara, é esta. Portanto, insisto em que a camara resolva, e o que ella resolver a este respeito eu recebo de bom grado.

O sr. Vellez Caldeira: — E convicção do illustre

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Relator da commissão que a eleição está valida; mas ninguem viu os papeis á excepção dos membros da commissão: póde ser regular, mas e necessario examina-los, porque é eleição de um districto inteiro.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se é de voto, que o parecer da commissão de verificação de poderes, relativo ás eleições pelo circulo de Ponta Delgada, se deve discutir desde já, como propõe o seu relator, ou ficar sobre a mesa para poder ser examinado.

E indo pôl-o assim á votação, verificou-se que não havia numero na sala.

O sr. Corrêa Caldeira: — Se o illustre relator da commissão permitte, vou fazer algumas leves considerações, para terminar este incidente. Pediu elle, e com muito fundamento, que o parecer da commissão, attentas as especialidades que nelle se dão, não haver reclamação nem protesto, fosse desde já discutido. Eu por estas razões que ouvi expender, duvida nenhuma tinha em votar pela proposta do illustre relator; mas, desde que na camara se manifestou opposição, e duvidas a este respeito, o melhor seria que o illustre relator retirasse a sua proposta, e deixasse á camara decidir isto como quizesse.

O sr. Justino de Freitas: — Eu concordo; e que fique sobre a mesa para poder ser examinado, e discutir-se amanhã na primeira parte da ordem do dia.

O sr. Presidente; — Se a camara convem... (Apoiados)

Então fica sobre a mesa para poder ser examinado, e ámanhã discutido na parte da ordem do dia. (Transcrever-se-ha então.)

O sr. Garcia Peres: — Mando para a mesa uma representação da tanta casa da misericordia de Setubal, expondo os embaraços em que a collocou o regulamento de 16 de janeiro de 1851 da commissão administrativa do hospital de S. José, sobre a admissão dos doentes naquelle hospital sem a competente guia das respectivas misericordias do reino, e pedindo a sua revogação.

Ficou para se lhe dar destino amanhã.

O sr. Basilio Alberto: — Sr. presidente, envio para a mesa uma representação dos alumnos da faculdade de mathematica e filosofia da Universidade, pedindo que sejam fixadas as habilitações necessarias para a carreira dos alumnos militares em harmonia com as outras escólas. I

Não quero antecipar a discussão sobre esta pretenção; sómente direi que ainda que o amor da sciencia seja um grande estimulo para o estudo, e que a mocidade academica tenha dado provas delle no meio das maiores perturbações; comtudo por si só não basta; é preciso ajudal-o com outros, principalmente nas faculdades de mathematica e filosofia, cujos estudos demandam grandes fadigas e vigilias: e no entretanto são entre nós os mais mal recompensados. Peço, por tanto, que esta representação seja enviada ás commissões de instrucção publica, e de guerra com urgencia, para tomarem na consideração que merece a pertenção e os pertendentes. (Apoiados.)

Ficou para se lhe dar destino amanhã.

O sr. Alves Martins: — Mando para a mesa uma representação dos egressos do districto de Braga, pedindo que seja approvado um parecer da commissão n.º 135, de 19 de julho de 1852, para melhorar a sua sorte. Parece-me que deve ir á commissão ecclesiastica, e ouvida a de fazenda.

Para se lhe dar destino ámanhã.

O sr. Cesar de Vasconcellos: — Quando ha algumas semanas nesta casa pedi á illustre commissão de legislação para apresentar um parecer sobre o negocio que a camara lhe tinha encarregado, a respeito dos morgados, por essa occasião tambem pedi á mesma illustre commissão, que não se descuidasse de apresentar alguma provisão das contidas no decreto de 7 de agosto de 1852, que fôra revogado pelo de 21 do mesmo mez. Os membros da commissão responderam — que não podiam apresentar trabalhos nenhuns sobre este objecto, porque não havia iniciativa da parte de alguns dos srs. deputados; havia da parte do governo trabalhos na commissão de que ella se occupasse — então comprometti-me para com a camara, e a commissão, de tomar a iniciativa dessas providencias. Confesso-o francamente: tenho-me demorado até hoje, porque intendi que os membros da commissão, e outros illustres jurisconsultos, que estão nesta casa, achariam sensaboria o ser um deputado militar, que tem sido soldado toda a sua vida, quem apresentasse um projecto sobre materias forenses; mas vendo que nada se faria a este respeito, e querendo cumprir a minha palavra, apresento um projecto de lei, e declaro que copiei fielmente o decreto de 7 de agosto de 1852, a fim de servir de thema á commissão para apresentar alguma medida sobre este objecto.

Já que o projecto tem de ir para lá, peço á illustre commissão que nos apresente algum trabalho: ha quatro mezes que esta tâmara se acha reunida, e já era tempo de se conhecer, pelos seus factos, que ha aqui uma commissão de legislação. A primeira vez que eu fallei sobre este objecto, tractei a illustre commissão da maneira mais delicada que me foi possivel; e assim mesmo um dos seus membros escandalisou-se, dizendo que eu lhe tinha feito graves censuras. Se eu adivinhasse isto, havia de ter dicto toda a verdade, porque sei que a commissão de legislação pertencem dois ou tres membros que nunca se reunem, e é por isso que ella nada tem feito.

Espero que a illustre commissão dê, com a brevidade possivel, um parecer sobre o projecto, que lhe vai ser remettido.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Bordalo: — Mando para a mesa o seguinte projecto de lei (Leu).

Ficou para segunda leitura.

O sr. Maia; — Mando para a mesa seis pareceres da commissão de fazenda, e entre elles dois projectos de lei.

Ficou tudo para ser opportunamente tomado em conta.

ORDEM DO DIA.

Continua a discussão do projecto n.º 7 (Vide sessão de 29 de março, vol. 3.º, pag. 213).

O sr. Corrêa Caldeira. — Sr. presidente, hontem mostrei á camara a boa vontade que tinha de não demorar o seguimento dos seus trabalhos, resolvendo-me a começar o meu discurso na ausencia do

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srs. ministros, porque supposto mal possa prescindir-se da presença de s. ex.ªs n'um debate da natureza do actual, todavia não era essencial aquella presença em quanto ás considerações que eu tinha a fazer, se referiam principalmente ao parecer da_ illustre commissão; porém tendo na continuação e conclusão do meu discurso de fallar sobre pontos que interessam directa e pessoalmente aos srs. ministros, V. ex.ª vê que eu estou collocado n'uma falsa posição, achando-se desertas aquellas cadeiras. Nestas circumstancias pedia a v. ex.ª que me concedesse o mesmo favor, que tem sido já concedido a alguns dos meus collegas; que se esperasse pela vinda do ministerio, visto que na ausencia dos srs. ministros mal posso tractar de actos seus, e julga-los com a merecida severidade.

O sr. Presidente: — O sr. deputado diz que não póde continuar o seu discurso na ausencia dos srs. ministros, por isso que as observações que tem a fazer, dirigem-se especialmente a s. ex.ª; e pede que se lhe applique a mesma resolução que a camara já tem tomado para com alguns srs. deputados. (Vozes: — Não se lhe póde negar).

(Entrou o sr. ministro da fazenda).

O sr. Corrêa Caldeira: — Visto que já está presente o sr. ministro da fazenda, cessou a necessidade do meu requerimento, e vou proseguir nas minhas observações sobre o decreto de 11 de outubro de 1852.

Sr. presidente, dizia hontem respondendo ás allegações do sr. Nogueira Soares, pertendendo defender o decreto de 11 de outubro, que não obstante a supposta facilidade com que s. ex.ª descobria os motivos que o dictaram, a coincidencia todavia de diversas circumstancias, e annalyse comparativa da defeza apresentada pelo illustre deputado com as disposições do proprio decreto, era bastante para que sem grave risco de errar se podesse concluir, que os motivos que determinaram o governo a adoptar as providencias contidas no decreto de 11 de outubro, não eram aquellas que s. ex.ª adduziu, mas acima de tudo, primeiro que tudo, ou exclusivamente o desejo de annuir ás exigencias inglezas.

Disse o illustre deputado: que, quem examinasse imparcialmente aquelle decreto, quem procurasse explicar os factos por boas intenções, por bons motivos como o Evangelho ensina, acharia nas suas disposições a continuação da applicação dos mesmos principios de liberdade de commercio, de que o governo tinha dado repelido, e louvavel exemplo na extinção da roda. do sal, do monopolio do chá, na reforma das pautas, e n outros assumptos. — Tenho porém de observar, que a esta singular defeza se oppõe o proprio decreto pela natureza das disposições, que encerra, e pelos motivos expostos no seu relatorio, onde se diz — que o commercio e a lavoura do vinho do Douro precisa de protecção, embora differente daquella que lhe dava a legislação anterior — protecção, e liberdade de commercio são idéas, e systemas oppostas; se o decreto de 11 de outubro tem por fim proteger a lavoura dos vinhos do Douro, e o commercio deste genero, claro é que não veiu estabelecer sobre esse commercio a liberdade? Esta defeza portanto é contradictoria, e mostra claramente com que difficuldades lucta o illustre deputado.

Mas desta contradicção de allegações entre o sr. deputado membro da maioria, e defensor do decreto, e o proprio decreto para explicar o mesmo facto, isto é, a sua promulgação não resultará na intelligencia dos homens imparciaes a convicção de que as razões que se allegam ora por parte dos srs. ministros, ora pelos seus mantenedores não foram as verdadeiras razões determinativas do decreto? Não resultará ainda igual convicção das proprias disposições desse decreto, comparadas com as da legislação restrictiva anterior?! A legislação anterior ao decreto de 11 de outubro, diz-se, por parte dos meus adversarios, era muito restrictiva, embaraçava o commercio: seja! Mas quaes foram as grandes mudanças, as importantes alterações que o decreto de 11 de outubro fez naquella legislação? Do antigo systema conservou-se tudo menos as disposições de que as reclamações inglezas pediam alteração ou revogação! Notavel coincidencia! Será uma coincidencia fortuita) mas é muito notavel. E evidente, senhores, que a legislação restrictiva do decreto não consistia só em haver uma companhia encarregada de comprar 20 mil pipas de vinho de primeira e segunda qualidade, recebendo por esse e outros encargos o subsidio annual de 150 contos de réis; — não consistia sómente na differença de direitos de exportação no vinho despachado para a Europa, direitos consideravelmente superiores aos que pagava o vinho destinado para as outras partes do Mundo — não consistia sómente em não ser permittido que para os pontos da Europa se despachasse vinho de segunda ou de terceira qualidade. — Consistia o systema restrictivo além disso na demarcação, nas provas, no arrolamento, no corte quantitivo, na exportação exclusiva pela barrado Porto, etc. Por ventura foram estas ultimas disposições revogadas, abolidas como prejudiciaes pelo decreto? Não; lá ficaram todas. Porque? Porque não era contra estas que se dirigira o ariete das reclamações britannicas! Que pretendiam os inglezes? Duas cousas principalmente — 1.ª Igualdade nos direitos de exportação dos vinhos do Douro, qualquer que fosse o porto para onde se despachassem — 2.ª Que se permittisse a saída, ou exportação para o mercado de Inglaterra dos vinhos de segunda qualidade, que pela legislação anterior ao decreto de 11 de outubro não podiam ser despachados para os portos da Europa.

A primeira exigencia satisfez-se rasgada, e francamente pelo decreto de 11 de outubro igualando-se o direito de exportação do vinho do Douro

Quanto á segunda, nas palavras não houve a mesma singeleza ou sinceridade mas na essencia fez-se o que os inglezes quizeram....

O vinho do Douro não será de ora em diante qualificado de primeira, segunda ou terceira qualidade — mas dividido em duas classes — vinho exportavel, e vinho não exportavel........

E o decreto de 11 de outubro tomou as providencias de modo que o vinho de segunda qualidade pelo systema antigo podesse ser incluido no vinho exportavel, e portanto fosse directamente despachado para o mercado inglez!! Antigos preconceitos, antigos interesses, motivos de rivalidade commercial, e outros muitos illegitimos desde antiga data se insurgiram contra a companhia dos vinhos do Alto Douro sobre quem se lançava um grande numero de accusações, e calumnias inventadas, e propaladas para se fazer acreditar ao publico, em geral credulo, e facil de allucinar, que a companhia era a verdadeira causa dos vexames dos lavradores do Domo, e da deca-

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dencia daquelle commercio. Era antiga esta guerra, sobre tudo da parte dos commerciantes inglezes, á companhia; houve uma epocha em que essas accusações triunfaram totalmente e a companhia foi extincta em 1834! Houve outra épocha em que o abatimento a que tinha chegado o commercio e a lavoura do Douro, pediu providencias extraodinarias e remedio prompto por que o mal era gravissimo — e a companhia resurgiu! Começou de novo a guerra ainda que não fosse a companhia depois da sua resurreição mais que a sombra do que tinha sido antigamente; ainda que depois da lei de abril de 1843 a companhia não fosse essencialmente mais que um banco protector destinado a salvar os lavradores do Douro dos apuros em que os lança n'uma épocha determinada do anno a muito grande quantidade accumulada do unico genero que aquelle paiz produz, sem a venda do qual por um preço rasoavel não podem occorrer nem á necessidade da compra d'outros generos, nem á cultura das vinhas donde exclusivamente esperam os meios da sua subsistencia — banco protector, destinado ainda ao fim importantissimo de sustentar nos mercados principaes do mundo, e com especialidade no mercado inglez, o melhor de todos para esta qualidade de vinhos, o credito do genero pela sua genuidade pela sua pureza, pela sua superior qualidade.

Apenas pareceu á companhia, interveiu de novo pela lei de 1843, no commercio dos vinhos do Douro, começaram outra vez as intrigas, os conflictos, a rivalidade de interesses, principalmente da parte dos negociantes inglezes; queixaram-se mesmo do monopolio que a companhia tinha!... Em que tinha a companhia o monopolio deste commercio? Era só ella que o podia fazer? O que todo o mundo intende quando se diz que um monopolio existe — é que está concentrado n'um individuo ou n'uma corporação a faculdade de fabricar, ou de vender, ou de commerciar em certo genero; e por ventura linha a companhia, ella só a faculdade de commerciar no vinho do Douro? Não, sr. presidente; o que ella tinha, eram encargos muito pesados para compensação dos quaes lhe tinha sido dado um subsidio; esse subsidio cessou pelo decreto de 11 de outubro, e a companhia ficou inteiramente fóra de toda a ingerencia que lhe tinha sido dada pelas leis de 1838 e de 1843, nos arrolamentos, nas guias, nas provas, etc. E cessou por consequencia o encargo annual que a companhia tinha da compra de 20:000 pipas, etc. Era esta uma das pretenções, um dos fins a que tambem se aspirava por parte dos inglezes, posto que não fosse incluido nas reclamações officiaes; mas igualados os direitos de exportação do vinho do Douro, seccava a fonte donde saíam os 150 contos do subsidio á companhia — e de um só golpe cortavam se dous nós — Satisfez-se a este desideratum, pelo decreto de 11 de outubro, que julgou preferivel entregar a uma commissão gratuita a fiscalisação da observancia das suas disposições!

Ora, sr. presidente, á vista da coincidencia do não terem sido alterados da legislação anterior senão aquelles pontos sobre os quaes versaram as reclamações ou os interesses inglezes, o meu illustre amigo hade confessar, que, sem offensa do Evangelho independentemente de quaesquer outras informações sobre o modo como se decidiu este negocio, se póde intender sem receio de ser accusado de injusto, que foram as reclamações inglezas, e não os allegados interesses do Douro, e muito menos ainda os principios de liberdade do commercio, a principal causa da promulgação do decreto de 11 de outubro de 1852!

Sr. presidente, o governo e o illustre deputado a quem me refiro, concordam em que o commercio dos vinhos do Douro, tem principalmente necessidade de duas providencias, ou remedios para saír do estado de abatimento em que está, e para tomar consideravel incremento e outra importancia; precisa de que se lhe abram novos mercados, e de que so dê a maior ampliação possivel aos mercados já existentes; facilitando-se o maior consumo do genero; e como? Por um lado — empenhando-se o governo directa ou indirectamente em fazer apparecer o mais puro, o mais escolhido vinho nos melhores mercados do mundo, em muitos dos quaes apenas se lhe sabe o nome, vendendo-se á sombra delle as mais detestaveis misturas — Por outro, e este é o principal, promovendo com incançavel zelo, e perseverança a reducção dos direitos, que em muitos paizes, mas especialmente em Inglaterra pesava sobre o consumo dos vinhos, direitos que se tornam quasi prohibitivos pela sua alta importancia. Todos sabem que os direitos impostos em Inglaterra sobre os vinhos são de 33 libras por pipa, ou 6 shilings por galão, ou 200 e tantos réis por garrafa; todos sabem que é um direito de lai gravidade, tão enorme, tão pesado, que em quanto não fôr reduzido, é absolutamente impossivel, que os nossos vinhos naquelle mercado deixem de ser o que tem sido até agora, simples objecto de luxo; impossivel que o consumo do genero se alargue por não estar em proporção com os meios das classes menos abastadas; impossivel, que deixe de ser diminuto o consumo, e estacionario o seu movimento como é ha muitos annos. Mas, sr. presidente, se todos concordam, em que era este o grande meio de melhorar aquelle commercio, se por fortuna nisto mesmo concorda o illustre deputado e o governo, é forçoso confessar que o decreto de 11 de outubro não dá a menor idéa de que o governo tivesse taes convicções — porque por esse decreto de tudo se tractaria, menos de providencias que tenham relação com o fim designado.

Se os inglezes insistiam na equalisação dos direitos dê exportação, e na faculdade da expedição directa do vinho de segunda qualidade para o seu mercado, se nenhuma destas alterações podia exigir-se em nome do direito, e só, quando muito, sollicitar-se como favor, não podia o governo, não devia aproveitar a occasião que lhe davam essas reclamações e a insistencia nellas, para vir a um accôrdo donde resultasse da parte do governo inglez á reducção desses excessivos direitos, a troco de cuja reducção o governo portuguez tomasse algumas das providencias que os inglezes requeriam? Nada disto se fez, nem se tentou! Satisfez-se a tudo que os inglezes quizeram, sem nenhuma especie de compensação! E ainda mais, fez-se isso, e fez-se sem dignidade, e sem remedio, porque ainda que daqui a dous annos, daqui a quatro venha a experiencia mostrar-nos que as alterações feitas na legislação que regulava aquelle commercio, foram inconvenientes ou prejudiciaes, ainda que queirais então voltar atraz, não podereis faze-lo desde que pela imprevidencia mais indesculpavel, pela subserviencia mais digna de censura, dêstes á Inglaterra o direito de invocar o tractado para vos forçar a fazer aquellas concessões; porque o tractado será similhante

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mente invocado para as manter em quanto permanecer em vigor.

Sr. presidente, o illustre deputado disse, que obrigando a legislação anterior a companhia, a comprar 20:000 pipas de vinho de segunda qualidade, que não precisava de protecção, e sendo pelo contrario o vinho de primeira qualidade que de protecção precisava, acontecia que aquella anterior legislação contra o fim a que se propunha, fôra dar um novo estimulo á producção do vinho de qualidade inferior.

Sr. presidente, esta observação, deixando agora de parte a sua importancia, quanto á critica da legislação anterior, serve de resposta a um argumento produzido pelo illustre deputado, auctor della. Na verdade, se o vinho de primeira qualidade carecia de protecção, e se o decreto de 11 de outubro é destinado a dar-lha, não se comprehende como o illustre deputado invoca as theorias da liberdade do commercio, para defender esse decreto!

Tambem disse o sr. deputado que a legislação anterior pelo desequilibrio dos direitos, pelo excesso dos que pesavam sobre o vinho de primei ia qualidade, pelas qualificações que ordenava de vinhos de primeira, segunda e terceira qualidade, etc. punha peias ao commercio, creava uma carestia artificial, e tornava difficil a exportação deste importantissimo genero de nossa producção e que tudo isto se remediara agora pela equalisação dos direitos sobre os vinhos exportaveis, e pela extincção das antigas qualificações! Palavras! Senhores, declamações e mais nada! E senão, dizei-me — Intendeis que a reducção que se fez nos direitos de exportação, é importante para augmentar o consumo do vinho do Douro no mercado inglez? Estais sincera e profundamente persuadidos disso? Admiravel resultado devido a tão pequena causa! O vinho do Porto paga em Inglaterra direitos na importancia de 200 e tantos réis por garrafa, a vossa reducção deu-lhe íeis de diminuição; e augmentará extraordinariamente o consumo do vinho do Porto em Inglaterra, porque, notai bem, cada garrafa custará menos 13 réis! (O sr. Cunha Sotto-Maior: — A isso não respondem elles) Mas dizei-me — se esta ingnificanlissinia reducção é absolutamente indifferente para o resultado do consumo na Inglaterra, terá o mesmo resultado o augmento ião avultado, tão importante dos direitos de exportação, em relação ao consumo do vinho do Douro nos mercados de todos os outros portos do mundo? Quanto subiu o direito em relação ao vinho exportado para a America, Australia e para todos Os outros portos e mercados fóra da Europa?

Se a diminuição dos direitos, insignificante como demonstrei em relação ao que o vinho paga em Inglaterra, é assim mesmo tão importante como pretendeis inculcar, para alargar o consumo nesse mercado, hade o augmento de direitos em relação aos mercados da America, e da Asia ser igualmente vantajoso?

Comparai a importancia relativa da reducção com o augmento dos direitos, segundo os diversos mercados, e dizei-me qual terá effeitos de maior alcance, se a reducção em alargar o consumo em Inglaterra, se o augmento para collocar os vinhos do Douro nos portos da America fóra do mercado, por não poderem concorrer em preço com os vinhos francezes e hespanhoes — Além de que, como póde ser justificavel e defensavel que sobre generos de designai valor se imponha um direito igual? Existem vinhos do Douro de differente qualidade, merecimento e valor? Existem — São exportaveis para a Europa, e para todo o mundo os vinhos tanto da superior como da segunda qualidade? São. Se são, achais justo e bem merecido que sobre estes, genero de muito menos valor, se imponha o mesmo direito que sobre os vinho» de superior qualidade?

Disse o illustre deputado que pelas disposições da lei de abril de 18-13, acontecia muitas vezes que nem todo o vinho de superior qualidade ficava habilitado para ser exportado como tal; que ficava deste modo qualificado de segunda qualidade vinho que na essencia era tão bom como o qualificado de primeira qualidade, e daqui vinha uma carestia artificial proveniente da necessidade que tinha o especulador, o commerciante de se prover dos bilhetes ou guias que se passavam aos lavradores pelos vinhos approvados em primeira qualidade, para com essas guias dar saída áquelles que, embora iguaes na qualidade, tinham todavia pelo corte quantitativo ficado excluidos da primeira classe.

A estas observações respondo — que se nas palavras vinho exportavel, e vinho não exportavel não ha algum mysterio, que excede a minha comprehensão, julgo que se estes inconvenientes existiam, não será o decreto de 11 de outubro que as destrua; porque conservando entre outras disposições da legislação anterior taes como demarcação, as pessoas, a qualificação, o córte quantitativo, e portanto a necessidade de deixar em poder do lavrador vinho não exportarei igual ao approvado para a exportação, não sei como reproduzida assim a mesma hypothese do sr. deputado, o decreto de 11 de outubro occorre á carestia artificial que elle gera, do mesmo modo que agrava a legislação anterior?!

Sr. presidente, adduziu-se como prova das sympathias que no Douro encontrou o decreto de 11 de outubro, o não terem vindo á camara representações contra este decreto. Se ellas viessem, dir-se-ía que eram resultado de excitações hostis ao ministerio, tendentes a perturbar a ordem publica; mas essas representações não vieram provavelmente, porque as corporações interessadas na sua apresentação teem tanta fé no resultado e na attenção que mereceriam essas representações, tanto ao governo como á camara, quanta lhes deve fazer suppôr o resultado que teem tido outras de cidadãos ou corporações offendidas em seus legitimos interesses por actos da dictadura.

Sr. presidente, a questão do Douro é uma questão summamente difficil e complexa; todos os que a teem sustentado, o reconhecem; tambem o reconheceu a commissão que em 1843 elaborou o projecto que deu em resultado a lei de 21 de abril, de que foi relator o actual sr. ministro do reino, se estou bem lembrado! E o mesmo illustre deputado, o sr. Nogueira Soares deu disso recente prova, referindo-se a uma commissão nomeada por este gabinete para dar o seu parecer sobre as alterações que conviria fazer na lei de 1813, que sendo composta de sete membros se dividiu em tres pareceres! Se isto assim é, se a questão é tão difficil e complexa, se nessa questão luctam os interesses dos commerciantes de vinho, se da melhor solução della pendiam tão importantes interesses, qual é a razão imperiosa porque num paiz que se diz regido pelo systema constitucional, o governo desviou esta questão do parlamento, que era o mais compe-

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tente ou melhor quem só tinha competencia para a decidir? Qual foi a razão urgentissima que levou o governo a publicar por um acto de dictadura este decreto? Eu sei qual foi! Havia desde o anno passado apprehensões no publico de que a questão do Douro havia de ser resolvida por um acto de dictadura, e de que haviam de ser satisfeitas as reclamações inglezas; e eu por esse tempo na camara transacta chamei a attenção do sr. ministros dos negocios estrangeiros sobre este ponto, e disse-lhe que havia apprehensões sobre a resolução que projectava tomar; mas que esperava que os srs. ministro se houvessem com firmeza e dignidade propria do governo de uma nação independente. Os factos posteriores vieram, porém, provar que as apprehensões do publico eram justas! Que os receios eram bem fundados!

Eu, sr. presidente, não quiz avaliar o modo como o governo se houve neste negocio quanto á questão diplomatica, sem ter presentes documentos em que firmasse bem a minha opinião. A questão era finda: o decreto de 11 de outubro tinha-a terminado: toda a correspondencia diplomatica relativa ao assumpto anteriormente a este decreto não podia ser recusada ao exame, e conhecimento da camara desde que houve um deputado que requereu o seu exame, e que pediu esses documentos para ser justo na appreciação dos actos do governo, e para como representante do povo, fiscalisar se a dignidade da nação, e os seus verdadeiros interesses tinham sido attendidos e respeitados! A camara approvou o meu requerimento, mas os documentos não vieram, e a camara, apesar das minhas observações, consentiu em que o sr. ministro sob futeis pretextos recusasse a sua remessa. Portanto se nas informações extra-officiaes, a que fui obrigado a recorrer, e de que vou fazer uso, houver alguma inexactidão, a culpa não será minha, mas dos srs. ministros que não mandaram os documentos necessarios para dar á camara, a cada um dos seus membros, e á nação inteira informação cabal do modo como se tractam os seus negocios de maior momento.

O governo, repito, recusou enviar os documentos que lhe foram pedidos, a camara prescindiu do seu direito de insistir em que lhe fossem presentes; e eu depois de por algum modo me ter compromettido a dizer á camara e ao meu paiz o que sabia, o que me constava por communicação de pessoas que tenho razão para julgar bem informadas, não devia recuar diante de tanta má vontade, de tão caprichoso teimar, acobertado com razões especiosas, e com a formula trivial das negociações pendentes! Se as informações que vou dar á camara, não forem rigorosamente exactas, provoco os srs. ministros a que as desmintam se para tanto tiverem provas e documentos convenientes. Eu vou mostrar aos srs. ministros, e á camara que para saber o modo como s. ex.ª procederam neta negociação diplomatica, não preciso das revelações de s. ex.ªs!

Em 1842 todos sabem que foi feito um tractado de commercio com a Inglaterra de que foi negociador o duque de Palmella. Neste tractado declarou-se mui positivamente (art. 15.) que as estipulações do tractado não prejudicavam os regulamentos em vigor sobre o commercio dos vinhos do Douro, nem as modificações futuras desses regulamentos: quer dizer ficou ampla liberdade ao governo portuguez depois do tractado como antes delle para regular o commercio dos vinhos como julgasse mais conveniente

aos interesses nacionaes. O modo practico de aproveitar a bem dos interesses do commercio dos dois paizes o principio da reciprocidade, estabelecido no tractado, ficou pendente de uma convenção especial para a reducção reciproca de alguns direitos de importação existentes. Houve principio de negociações para esta convenção, mas encontrados interesses, e difficuldades supervenientes fizeram com que o projecto da convenção não fosse acceito, e que ella não progredisse. O governo inglez esperou então que saisse de Lisboa lord Howard de Walden negociador britanico do tractado de 1842, para começar a levantar varias e injustas reclamações a respeito do modo como (segundo elle) devia ser intendido o tractado. Essas primeiras reclamações foram seguidas, friamente, e com pouca fé, e o governo portuguez repelliu-as com dignidade e victoriosas razões, fortalecido com a auctoridade do voto do seu negociador o duque de Palmella, que não só na sessão de 1812, na camara alta, em resposta ás observações que alli fizera o conde de Lavradio, rejeitara, como absurdos, e excluidos pela lettra das estipulações, os imaginarios direitos da Inglaterra á equalisação; porém, assegurara mais que qualquer alteração futura nos regulamentos internos dos commercio dos vinhos do Douro, só podia ser o resultado de convenções posteriores ao tractado, e em nenhum ponto obrigatorias por virtude delle. Cumpre a este respeito notar ainda — que não tendo o governo inglez conseguido modificação alguma na legislação especial do Douro, depois do tractado de 1810, que de alguma fórma subintendia a equalisação dos direitos, todas as duvidas se extinguiam e desappareciam completamente perante o sentido claro, e a lettra expressa do tractado de 1842!

Lord Howard de Walden, como acabei de dizer, saíu de Lisboa, depois o duque de Palmella falleceu, mas o governo inglez esquecendo umas vezes, e suscitando outras a materia das reclamações sobre vinhos nunca a desamparou de todo. As reclamações mais ou menos activas, em termos mais ou menos severos fruam continuando. Todos os ministerios que houve neste paiz desde 1814 a 1851, sem excepção de côres politicas, responderam sempre com louvavel firmeza, e com a dignidade propria de um governo independente, e que preza a dignidade nacional. (Apoiados) Citarei á camara em especial as notas dos nobres ministros portuguezes dos negocios estrangeiros, do sr. visconde de Castro em 1845 e em 1848, e do sr. conde do Tojal em 30 de outubro de 1850, nota que é a reproducção das razões proferidas na sabia, bem elaborada e patriotica consulta da secção administrativa do conselho de estado de 16 de outubro do mesmo anno.

Citarei ainda o nobre procedimento, o honradissimo acto do gabinete de 18 de Junho de 1819, que em abril de 1851, a braços com a revolta a que succumbiu, tendo recebido uma nota nos termos mais energicos e instantes do agente diplomatico do governo inglez em Lisboa, que exigia satisfacção immediata ás reclamações antigas do seu governo, replicou nessa crise apertada, apesar das apuradas circumstancias e difficuldades em que se viu, com a firmeza de principios, e com a nobreza de linguagem de um governo forte que sabe zelar os interesses, e manter a dignidade e independencia do paiz a que pertence. (Apoiados)

Mas esse gabinete de 18 de junho succumbiu pe-

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rante a insurreição militar, e o governo presidido pelo sr. duque de Saldanha, tomou posse da administração, e constituíu-se em dictadura, recebendo a pasta de ministro dos negocios estrangeiros o sr. Jervis de Atouguia, a cargo de quem ainda hoje se conserva aquella repartição do estado. Este ministerio precisando do apoio inglez, e mendigando-o, apenas se deu a recomposição de julho de 1851, e sairam tres cavalheiros que occuparam por pouco tempo as pastas da marinha, justiça, e do reino, os srs. marquez de Loulé, Soure, e Pestana, e entraram os srs. ministro da fazenda, actual então da marinha, e o sr. ministro do reino, e interinamente da justiça Rodrigo da Fonseca Magalhães, concebeu e realisou o projecto de conciliar para si com mais especialidade o favor do governo inglez, e do seu agente diplomatico em Lisboa, brindando aquelle, e este, os protectores de Londres, e o seu representante com a concessão dos vinhos, que não pudera ser arrancada aos anteriores gabinetes portuguezes, nem menino em occasiões de angustia. Sobre o modo de fazer a concessão resolvida houve todavia alternativa de alvitres, segundo as differentes fazes por que foi passando este gabinete. Todos se recordam de que depois de reunida a camara de 1851, houve nova recomposição ministerial, em que entraram os srs. Seabra, e Garrett. Antes porém da ascensão destes dois cavalheiros ao ministerio, já o governo linha empenhado a promessa de levar ás côrtes um projecto sobre a legislação do Douro, em que os pontos controversos fossem resolvidos de um modo favoravel ás pertenções britanicas; e da sua parte o gabinete de Saint James obrigava-se nesta hypothese a ceder da immediata reclamação de 900 mil e tantas libras, ou perto de um milhão sterlino, acceitando a indemnisação desta quantia pelos beneficios resultantes da equalisaçâo futura dos direitos de exportação em tantos annos, quantos fossem precisos para perfazer todo o tempo que deveria ter vigorado de 1842 com a mesma equalisação reconhecida, isto é, o governo inglez dividiu por todo esse tempo a somma pedida, e tirava-a da differença dos direitos, em logar de a exigir á bocca do cofre pela força imminente! — Quando entraram para o ministerio os srs. Seabra, e Visconde de Almeida Garrett, este para a pasta dos negocios estrangeiros, acharam, como acima disse, as cousas nestes termos — a promessa contraída, e as instancias de Sir Richard Packenhan cada vez mais fortes. — O sr. Jervis nada tinha deixado a decidir ao seu successor no que respeita á essencia da contestação, e com uma nação de primeira ordem, uma vez trocados taes compromissos, pouco havia a fazer, senão cumpri-los sob pena de se perder ainda mais.

Seguiu-se a este estado de negociação a dissolução da camara dos deputados em 1852, e correu immediatamente o rumor, ou a voz de que o ministerio assumia segunda vez a dictadura. Estava-se dando a ultima correcção ao decreto de 26 de julho de 1852 (supprimento da lei de receita e despeza) e dois ou tres dias antes deste decreto ser publicado, foi passado ás mãos do ministro do negocios estrangeiros, o sr. Visconde de Almeida Garrett, uma nota de Sir Richard Packenham, em que este diplomata invocando os termos da promessa anterior, e a solidariedade do ministerio que a tinha arriscado, em nome do governo inglez dirigiu as seguintes perguntas:

1.ª Se assumindo o ministerio a dictadura, se julgava obrigado, ou a não a cumprir por acto seu da dictadura a promessa de reconhecer, por uma reforma de legislação do Douro, as suas anteriores promessas?...

2.ª Se era virtude desses mesmos compromissos, o acto que pedia, não seria dos primeiros publicados?...

3.ª Se havia alguma duvida em assim se declarar em uma nota, que elle podesse invocar perante o seu governo, não devendo em assumpto desta transcendencia satisfazer-se com declarações verbaes? Da sua parte Sir Richard Packenham não duvidava renovar as condições affiançadas com auctorisação do seu governo, relativamente ás 900 mil e tantas libras esterlinas da reclamação.

O ministerio portuguez reuniu-se todo em conselho para ouvir esta nota, e para discutir e approvar o projecto de resposta, o qual, convertido em nota, foi passado ás mãos de Sir Richard Packenham, antes de sair o paquete, como o diplomata inglez exigia com instancia.

Ora, nesta nota o governo portuguez sem declarar se estava ou não resolvido a assumir a dictadura, mas deixando entrever que sim, e os motivos da sua deliberação, replicou aos pontos suscitados pelo ministro inglez do seguinte modo:

1.º Que no caso de usar de poderes legislativos, tinha presentes as suas promessas, e estava na firme resolução de ser fiel a ellas:

2.º Que se reservava o juizo do opportunidade da publicação do decreto sobre o Douro, na certeza de que seria um dos objectos mais presentes á diligencia e estudo do governo, mas que pela sua difficuldade mesmo, importava não precipitar, sendo prudente preparar os animos para ser recebido sem conflictos. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — A data?) O Orador; — Não a posso dizer precisamente, mas sei que foi proxima á da circular passada ao corpo diplomatico, acêrca das rasões que o governo tivera para dissolver a camara transacta.

E certo, porém, que algumas instancias mais fortes e terminantes, e as respostas a ellas, acompanharam a final o exame e elaboração das bases do decreto de 11 de outubro de 1852.

Voltou depois o sr Jervis á pasta dos negocios estrangeiros, em consequencia da saída delle, do sr. visconde de Almeida Garrett, e as reclamações inglezas foram não só satisfeitas, mas como diz o discurso da rainha Victoria no parlamento inglez, reconhecidas justas! E isto depois do que se tinha passado desde 1844 até 1851, e de tudo quanto se tinha escripto, depois de tudo quanto fóra sustentado pelos differentes ministerios portuguezes contra o imaginario direito marcado pelo governo inglez para essas reclamações, ficando deste modo desauctorisados, tanto quanto podiam se-lo pelos actuaes ministros, todos esses ministerios anteriores, que constante e energicamente sustentaram a injustiça das reclamações do governo inglez a similhante respeito!...

Ao mesmo tempo que o governo portuguez cedia assim em Lisboa ás exigencias de Inglaterra para salvar a segunda dictadura, passava em Londres instrucção ao sr. Conde de Lavradio, nosso ministro ali, para entabolar com o Foreing Office alguma convenção que protegesse a exportação das nossas agoas-ardentes para Inglaterra, e que servisse para

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melhorar a sua posição depois de publica a concessão do decreto de 11 de outubro de 1852. Custa-me que a poder de muitas instancias o proprio Sir Richard Packenham deu um certo apoio a este passo do governo portuguez; e aproveitando-se a reforma pendente das pautas, quiz-se della tirar certo partido para o mesmo effeito. Porem tudo foi inutil, o sr. Conde de Lavradio nada obteve, e o governo portuguez humilhou-se sem tirar a menor vantagem!..

Quando o sr. ministro dos negocios estrangeiros, e depois o seu collega o sr. ministro dos negocios da fazenda com notoria irreverencia fallaram do periodo do discurso da corôa britannica, e quizeram insinuar, que não foram pelo governo mandadas á camara as notas pedidas por mim ácerca da ultima época desta negociação, por esta ser pendente ainda, e se terem instaurado instancias com relação á linguagem do governo inglez, quanto ao decreto de 11 de outubro, não foram nem um nem outro felizes na sua asserção. — Basta ver a data do discurso da corôa de Inglaterra, e a data tio decreto de 11 de outubro de 1852, para se ver que com este nada linha que ver a negociação pendente, nascida (pela propria confissão do sr. ministro da fazenda) de um incidente posteriormente occorrido.

A questão principal está concluida desde 11 de outubro de 1852, e foi ácerca desta que eu pedi os documentos; o que importava ver, para confirmação official de quanto acabei de referir, eram as notas trocadas entre os dois governos portuguez e inglez, desde agosto de 1851 até setembro de 1852, e estas em nada comprehendem um facto posterior, essas podia e devia o governo mandar a esta camara como se pediu, e não nega-las como o governo fez. Era pelo contrario da honra do governo envia-las logo para se ver, que nos diplomas expedidos pela secretaria de estado dos negocios estrangeiros não auctorisára a asserção tão desairosa para a dignidade e independencia do governo de Portugal, inseria no discurso da corôa britannica! O governo julgou que, esquivando-se á remessa da correspondencia, evitava que a historia da negociação fosse revelada á camara e ao paiz! Enganou-se! Já póde reconhecer agora que eu pude, sem o auxilio desses documentos, historiar a parte essencial desta desgraçada transacção diplomatica! Avalie a camara por ella o procedimento deste gabinete!

Se todos os factos que expuz a camara, são verdadeiros, como tenho toda a rasão de crer, se elles não podem ser negados pelos srs. ministros, se s. ex.ªs podem apenas torcer a questão, mas não vir a ella de frente, porque sabem que não hão de occupar eternamente aquellas cadeiras, e por isso não hão de expôr-se a aventurar asserções e proposições, que amanhã sejam desmentidas por outros cavalheiros que se sentarem nos logares que s. ex.ªs hoje occupam, segue-se que, no modo de resolver esta questão, o governo, sinto muito dize-lo, não se houve com a firmeza com que devia manter o direito, e a justiça, o procedimento, a nobreza e zelo nacional, com que os ministerios seus antecessores, sem distincção de côr politica, se tinham recusado a acceder a tão injustas exigencias.

O governo, repito, constituida em dictadura, resolveu por acto seu, sem a intervenção das côrtes, aliás expressamente exigida pelo acto addicional, uma questão de interpretação de tractados, e resolveu-a por um modo desairoso para a nação, e prejudicial aos seus interesses!

Sr. presidente, deixo em fim a questão do Douro, e continuarei nesta minha já longa peregrinação atravez dos 235 decretos, começando a tractar agora do decreto de 24 de dezembro de 1852, que diz respeito aos legados pios não cumpridos.

Pelo artigo 2.º deste decreto diz-se: — a As citações ordenadas pelo administrador da cabeça da comarca, que tiverem de executar-se fóra do seu concelho, são feitas por mandado daquelle, e cumpridas pelos officiaes do respectivo concelho.?

Sr. presidente, foi-se buscar o simile da nova reforma judicial, artigo 196.º, sem se advertir que a reforma dispunha assim, porque o juiz de direito tem jurisdicção em toda a sua comarca e julgados della, em quanto que o administrador do concelho da cabeça da comarca não tem jurisdicção alguma fóra do seu concelho; não póde, portanto, sem absurdo, ordenar diligencias e exercer jurisdicção em concelhos alheios, onde não chega a sua auctoridade. E fez-se mais quanto a Lisboa, porque dentro dos bairros até se mandam fazer citações pelos officiaes do administrador, designado para tomar as contas dos legados pios, os quaes vão assim aos bairros estranhos exercer o seu ministerio.

Pelo artigo 4.º § 2.º manda-se que os administradores decidirão as questões sobre se estão ou não pagos os legados pios, e sobre a legalidade das certidões que se apresentarem para mostrar o cumprimento de legados pios, e outras similhantes questões. Assim teem os administradores, aos quaes se não exigem habilitações scientificas, nem formatura em direito, de apreciar e julgar sobre a prova que resulta de documentos, e que é uma das partes mais melindrosas e difficeis da jurisprudencia. E note-se bem que a cousa não é pouco importante, porque os legados não cumpridos importam em muitos contos de reis. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — E em milhões talvez.) Para se ver o absurdo deste decreto basta notar que um administrador da cabeça da comarca, que póde ser um leigo, terá de decidir uma excepção de prescripção se fôr opposta pelo demandado, uma excepção de compensação, uns embargos de erro de conta, de pagamento, etc; isto é, lerá de decidir questões, para que se demandam muitos conhecimentos juridicos que elle não tem.

E permitte a carta que a propriedade individual seja sujeita á acção de juizes de commissão, inteiramente dependentes do governo? Podia o governo, e póde a camara subtrahir o conhecimento de negocios desta ordem aos tribunaes ordinarios?

O artigo 5.º é atroz e viola todas as regras do processo. Mandar intimar uma sentença a um rendeiro ou feitor, e faze-la passar em julgado e executar, tenha os defeitos que tiver, é estabelecer o posso, quero e mando. Porque se não ha de intimar a sentença ao executado? Não póde elle ter deixado de comparecer por motivos justos? Não póde ter deixado de comparecer á primeira estação por carecer de documentos que se demoraram?

O artigo 7.º cria uma hypotheca legal nova em favor dos legados pios, que não existia até aqui. — E para notar que esta hypotheca se não regista; que são innumeraveis os bens onerados com os encargos pios; e que o registo é tanto mais inutil quantas mais são as excepções que se lhe fazem: por consequencia

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a disposição deste artigo ha de trazer uma grande perturbação nas transacções sobre a propriedade immovel, e dar origem a um sem numero de pleitos. E galantissimo, e admiravel como se administra e legisla neste paiz; ao mesmo tempo que se falla todos os dias em bancos ruraes, em proporcionar á industria capitaes baratos, na necessidade de melhorara agricultura, e de lhe dar desinvolvimento por meio mesmo de instrucção especial; ao mesmo tempo que se estabelece o ensino agricola, em tres gráos, e que se cria um instituto agricola, que é quasi uma faculdade, com granjas experimentaes e quintas de ensino, com todo esse apparato Ostentoso e dispendioso, que faz outra das caracteristicas importantes desta situação; ao mesmo tempo que se faz tudo isso, digo, estabeleceu-se sobre a propriedade, sobre a innumera quantidade de propriedades, que neste paiz estão sobrecarregadas com legados pios, um onus real ale agora não existente uma nova hypotheca legal, que ha de tornar impossivel ou muito difficil que os proprietarios obtenham capitaes baratos para melhorarem as suas propriedades!

O artigo 10.º do decreto a que me refiro, não é menos importante! Tem-se intendido sempre que é conveniente diminuir os encargos que pezam sobre a terra — torna-la livre de fóros e allodial. Tem-se intendido que é conveniente extinguir e diminuir as capellas e vinculos — e a alluvião de projectos apresentados com este intuito mostra qual é a tendencia da camara a este respeito. O governo, porem, intendeu que devia difficultar mais a abolição de capellas e morgados, a commutação e a reducção dos encargos pios, e a subrogação por titulos de divida do estado — ordenando, sob pena de nullidade, que nenhum destes processos se decida sem audiencia das misericordias e hospitaes, cujo interesse, todavia, e immediata e diametralmente opposto á liberdade da terra, e ao acabamento daquelles encargos, e que portanto hão de enredar e embaraçar esses processos quanto puderem!

O sr. Cunha Sotto-Maior: — O sr. ministro do reino prometteu que havia de emendar depois esses inconvenientes!

O Orador: — Sr. presidente, deixarei os legados pios, e passo a occupar-me do decreto de 14 de outubro de 1852 sobre celleiros communs e monte-pios agricolas, visto achar-se presente o sr. ministro das obras publicas.

No relatorio deste decreto da dictadura pelo qual o ministerio quiz tambem por acto seu prover sobre a administração dos celleiros communs, e sobre o modo de promover a cobrança das dividas deste estabelecimentos, diz-se: «que o governo fôra movido a legislar sobre o assumpto em consequencia dos vicios introduzidos nos regulamentos por que eram governados estes estabelecimentos, e alguns dos quaes tinham tres seculos de duração — e da necessidade da adopção de providencias efficazes para se obter a cobrança facil, e pouco dispendiosa das muitas dividas accumuladas dos mesmos estabelecimentos, cuja mina era inevitavel, não se lhes acudindo sem perda de tempo.

Posto isto, admittida a procedencia destas razões, e a urgencia della vejamos se as providencias contidas no decreto estão de accôrdo com estes fundamentos, ou motivos!? A primeira cousa que noto, é que o systema de administração, na parte essencial, e em todas as disposições principaes e quasi textualmente, copiado dos antigos regimentos que todavia se suppunham carunchosos!! Por exemplo, os regimentos determinavam que a administração destes estabelecimentos (fallo dos situados na provincia do Alemtejo) seria confiada a uma junta de tres membros, um ecclesiastico, o corregedor da comarca, ou na sua falta o juiz de fóra, e uma terceira pessoa de inteira confiança proposta pelos dois, e nomeada por El-Rei. Esta junta tinha um escrivão, e um thesoureiro. Comparai a commissão administrativa creada pelo decreto de 14 de outubro com esta junta, achateis que a organisação é identica tanto quanto podia se-lo attentas as alterações occorridas no systema da administração geral do estado, depois de 1834.

Na verdade achareis, que segundo o decreto de 14 de outubro de 1852, a administração destes estabelecimentos é confiada a uma commissão composta do presidente da camara, do parocho da freguezia onde fôr situado o celleiro, e do juiz de paz respectivo, e de mais dois cidadãos propostos em lista quintupla pelo concelho municipal, e nomeados pelo conselho de districto. Já se vê que intervém na nova administração como na antiga uma pessoa ecclesiastica, o presidente da camara municipal, que representa o antigo juiz de fóra, e o juiz de paz, que corresponde ao terceiro membro, pessoa abonada e de confiança, que no antigo systema era proposto pelos dois primeiros á nomeação do Rei. A nova commissão pertence nomear escrivão, e depositario como pertencia tambem á antiga junta.

E portanto evidente que o systema administrativo do novo decreto não differe essencialmente do que estava estabelecido nos antigos regimentos, e de passagem observarei que esses regimentos davam ao escrivão, e ao depositario uma gratificação pelo seu trabalho, e responsabilidade, lendo-se naquelle tempo intendido que assim devia fazer-se para se poder exigir desses empregados fidelidade, e zêlo no cumprimento das suas obrigações! O novo decreto porém esqueceu-se dessa muito attendivel consideração, não lhes arbitrou gratificação alguma, e como que intendem que elles serviriam bem, e gratuitamente! Este esquecimento do decreto não deixa de ser curioso se quizer comparar-se com os principios que este mesmo governo adoptou no relatorio do decreto de 20 de novembro de 1851, segundo o qual no serviço de commissões gratuitas é lido como pernicioso por serem essas commissões arbitrarias, por não poderem ter regimento rigoroso, por serem sempre vagas, e indefinidas as suas obrigações, discricionaria a sua auctoridade, e quimerica a sua responsabilidade!» Parece que os auctores dos regimentos de 3 576, e 1581 sabiam já estes principios, e legislavam mais consequentemente com elles que os novos reformadores da dictadura actual! Quanto á parte administrativa do decreto de 14 de outubro pouco mais tenho a accrescentar; mas lembrarei á camara que pelo artigo 6.º, o administrador do concelho é o fiscal, e vigia do cumprimento dos regulamentos dos celleiros communs por parte das commissões administrativas, e que nesta conformidade deve fazer exames do estado da administração do celleiro de 6 em 6 mezes. Se descobrir omissão, ou dolo, o administrador deve levantar auto, que remetterá ao governador civil; e se deixar de satisfazer a esta obrigação, incorre na suspensão de um a seis mezes e responde pelo damno!

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Examinemos agora as providencias destinadas á cobrança das dividas destes estabelecimentos, visto que segundo o relatorio, da falla de meios efficazes para a cobrança facil e pouco dispendiosa destas dividas e que se considera proveniente a decadencia dos celleiros, e, senão se lhes acudir, a sua total ruina! Essas providencias encontram-se no artigo 7.º do decreto, onde se diz que o governo fará proceder sem demora á liquidação das dividas pelos meios mais efficazes, etc.

Feita a liquidação, quaes são os meios efficazes que o decreto estabeleceu para remediar os inconvenientes que tornavam a cobrança das dividas activas dos celleiros communs demorada, e dispendiosa? São notaveis, e a camara os encontrará nos 1.º e 2.º do artigo 7.º Para que a cobrança seja prompta ou facil deu-se aos devedores uma moratoria que nem póde ser maior de 10 annos nem menos de 5!! E para que seja pouco dispendiosa deu se nos devedores que se offerecerem o pagar de prompto, e por uma só vez toda a importancia da sua divida, o abatimento de 20 por cento, e similhantemente o de 10 por cento aos que pagarem já metade, obrigando-se a pagar o resto dentro de 2 annos!!!

Que aconteceria se o governo se propozesse a tornar esta cobrança difficil, demorada, e dispendiosa? Muitas considerações, sr. presidente, podia eu fizer a respeito de taes providencias e da sensivel contradicção em que laboram os motivos ostensivos do decreto com as suas disposições! Mas a camara deve estar fatigada, eu mesmo o estou, e não posso prescindir de observações que me suggerem outros actos da dictadura. Resumido pois o que tinha a dizer sobre este decreto, accrescentarei sómente poucas palavras ácerca da execução que se lhe tem dado, pelo menos no districto de Beja, o que não será menos curioso! O governo intendeu que devia separar as funcções administrativos dos celleiros communs da liquidação das dividas destes estabelecimentos; e por portaria do ministerio das obras publicas de 26 de novembro de 1052, creio eu, da qual s. ex.ª teve a bondade de me mandar cópia, ordenou que aos governadores civis se desse conhecimento official das disposições deste decreto para que as fizessem executar e auctorisou-os para nomearem commissões especiaes que fossem encarregadas da liquidação das dividas activas e passivas destes estabelecimentos, sem que esta liquidação embaraçasse a execução das outras disposições do decreto quanto a entrega de administração ás pessoas a quem pelo artigo 3.º ella devia ser confiada. O governador civil de Béja, o celebre ex-testamenteiro dativo da herança de Balthazar do Reis, fez porém precisamente o contrario do que lhe foi superiormente ordenado, entregando tanto a administração do celleiro commum, como a liquidação das dividas desse estabelecimento a uma só commissão, composta para maior absurdo, e escandalo, do administrador do concelho, do seu substituto e do delega lo do thesouro, sem reflectir aquelle magistrado desobediente e arbitrario que o administrador do concelho, sendo pelo artigo 6.º do decreto da dictadura, a que me refiro, fiscal privativo do desempenho dos deveres das commissões administrativa, creadas pelo artigo 3.º do mesmo decreto com a comminação de responder pelo damno, alem de incorrer na suspensão do emprego, se as não auctuar pela culpa ou dolo que commetterem, não póde ser comutativamente membro da commissão administrativa e fiscal de suas proprios culpas, ou malicia!! Eis-aqui. sr. presidente, como o governador civil de Béja, o sr. Villas Boas, de famosa memoria quiz ser tambem dictador a sua semana, não cumprindo as ordens do governo! E o governo consente tudo isto, só porque o sr. Villas Boas é creatura muito especialmente protegida pelo sr. ministro do reino!! Não me parece porém, sr. presidente, que esta situação anomala possa conservar-se. É preciso que ella tenha termo; que as auctoridades senão costumem a collocar a sua vontade caprichosa acima das leis, e das determinações do proprio governo. E em fim necessario que os srs. ministros dêem explicações á camara a este respeito, e que saibamos em fim se ao menos podem, sabem, e querem fazer cumprir pelos seus subordinados os seus proprio» decretos!

Sr. presidente, para dar por finda a tarefa, que me impuz, falla que me occupe de algumas considerações sobre o decreto de 16 de dezembro de 1852 pelo qual a dictadura estabeleceu o grandioso monumento litterario intitulado — O instituto agricola — listou porém ião enfadado já com este prolixo discursar, que terei de resumir muito as observações que desejava fazer á camara a este respeito. Seria summamente curioso comparar as palavras do relatorio deste decreto com os factos; seria de summo importancia avaliar e referir largamente os resultados practicos obtidos pelo ensino agricola official, mais ou menos analogo ao estabelecido neste decreto, nos paizes onde tem sido ensaiado; mas para ião grande desenvolvimento fallecem-me já forças e tempo. Espero todavia que a camara permittirá que lendo alguns dos periodos do relatorio, faça sobre as proposições nelle contidas rapidas considerações — Diz o relatorio deste decreto — a o ensino agricola acha-se hoje largamente a derramado em todas as nações cultas da Europa. Fundam-se em toda a parte escólas practicas, institutos aganomicos, granjas, e quintas exemplares, hortas experimentaes e de aclimatação, conselhos, a commicios, e sociedades agricolas; exposições, premios, e festas ruraes.

No mesmo relatorio, e pouco antes, lê-se tambem — a O mal que afflige a nosso agricultura é conhecido Os remedios proprios para debellar este m á, consistem em diffundir a instrucção agricola, e num systema aperfeiçoada de viação, na organisação do credito rural, e na allodialidade da terra». Da approximação dos dous periodos citados resulta necessariamente a conclusão de que para debellar o mui que afflige a nossa agricultura, é primeiro e principal remedio a instrucção agricola tal como este decreto a estabelece; e que sendo este remedio reconhecido como efficaz, e geralmente abraçado entre todas as nações cultas na Europa, ficará o pobre Portugal separado por mais este motivo da honrosa communhão dos povos civilisados se não correr depressa, se não fundar quanto antes o ensino agricola official, como este decreto o comprehende, e manda organisar! E o mal parece tão grave, o remedio tão apropriado, e tão urgente que este providentissima governo não pôde subtrahir-se á necessidade de acudir ao mal, e de decretar o remedio sem esperar pela intervenção do parlamento.!

Sr. presidente, a camara não deixará da reconhecer na sua sabedoria, como todos os intendidos reconhecem, que sem communicações faceis, sem abun-

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dancia o barateza de capitães, muito outros meios que se empreguem para fazer prosperar a nossa agricultura, livre como ella está neste paiz de pesadissimas alcavalas que por tanto tempo a opprimiram, serão pelo menos comparativamente estereis — Não será facil attrahir capitaes ás esplorações agricolas, ao ensaio de novas culturas, ou ao aperfeiçoamento das já conhecidas, se não lhes der por garantias a permanencia da ordem publica, o respeito da propriedade, um systema de imposto predial moderado na quantidade, e não oppressivo pelo methodo da cobrança, meios de transporte promptos e baratos para a saída dos productos; emfim segurança e facilidade nas transacções sobre bens immoveis pela reforma do systema hypothecario.

Ora todas, ou quasi todas estas condições faltam por desgraça neste paiz! E comtudo só depois de obtidos, só depois de lançados estes primeiros fundamentos do desenvolvimento agricola, poderia ser prudente e racional dar á vista horisonte mais largo, e procurar imitar para aperfeiçoamento o que sobre este objecto tivesse mostrado a experiencia mais conveniente, ou mais fecunda no exemplo de nações que tanta vantagem nos levam assim no desenvolvimento da producção, como na sciencia do governo.

Dadas essas circumstancias intendo que seria então justificavel que algum ensaio se fizesse das instituições de ensino agricola official que algumas nações da Europa, algumas, repito, e não todas, tem feito ou estão fazendo — Se nesta leira se commeçasse alguma vez pelo principio; se na verdade se tracta-se mais sinceramente de melhorar a solte dela nação, de preparar desde já, e não é cedo, o remedio de alguns dos males que nos tem trazido á decadencia, ao abatimento, ao marasmo em que nos vêmos, e menos de illudir os credulos, de empregar afilhado, de fazer crescer o numero dos dependentes e clientes, e de procurar emfim por todos estes artificios a prolongação da vida ministerial de certos homens; creio, sr. presidente, e creio profundamente que não seria por estas apparatosas e dispendiosas creações que se manifestaria o zelo, a verdadeira sollicitude de bem publico, a fecunda iniciativa dos srs. ministros — Parece, na verdade incrivel, que em circumstancias tão pouco felizes como aquellas em que se acha o thesouro, se emprehenda este grandioso desinvolvimento de ensino agricola em tres graos, um instituto em Lisboa, e tres escolas regionaes, não diz quantas granjas ou quintas de ensino — e que em todo este apparato se dispendem sommas importantes, deixando-se ao mesmo tempo n'um estado imperfeitissimo e em extremo deficiente a instrucção elementar primaria, primeiro e indispensavel rudimento da civilisação de um povo!

Nenhuma destas considerações conteve o ministerio — e quem der attenção a este facto, convencer-se-ha pelo menos de que são rigorosamente exactas as razões deduzidas no relatorio do decreto; que este systema de ensino agricola tem por si a auctoridade e o exemplo de todas os nações cultas da Europa, que a elle se devem os importantes melhoramentos, o gráo de aperfeiçoamento a que tem chegado a agricultura em algumas dellas; e que o governo portuguez arrastado por esta evidencia dos factos seguiu a eloquencia sem par do exemplo, e leve sincera fé nos resultados destas providencias.

Enganar se-ha muito quem assim pensar! As razões, os motivos adduzidos no relatorio dos srs. ministros, uns não leiu fundamento sabido, outros são totalmente inexactos. A Inglaterra, cuja agricultura em riqueza, prosperidade, e aperfeiçoamentos é sem contestação a primeira do Mundo, não tem uma só escóla de agricultura paga pelo estado, nem organisada por modo analogo, nem posta sobre immediata direcção do seu governo. É verdade que a illustrada aristocracia daquelle paiz, senhora do solo, deu no aperfeiçoamento agricola um poderoso impulso, promovendo a formação de associações que distribuissem premios consideraveis em dinheiro aos rendeiros ou administradores que se distinguissem pelo seu zelo, e pelo resultado avantajado de qualquer cultura, de aperfeiçoamento de raças de gados etc, estabelecendo concursos, mercados, e festas agricolas, distribuindo em fim brochuras, e publicações instructivas etc.; mas nem por isso empregou o resultado do ensino directo. O estabelecimento inglez que possa citar-se pela sua importancia, e que pela sua organisação se approxime a uma escola de ensino, é, se estou bem coito, o instituto agronómico de Cirencester fundado em 1815 á custa de uma sociedade de accionistas, e posto sobre a protecção do principe Alberto. Vê-se pois destes factos que a Inglaterra está longe de acreditar na necessidade e nas vantagens do ensino agricola official directo pago á custa do estado, e organisado por modo analogo ao do decreto de 16 de dezembro de 1852.

A Hollanda e a Belgica seguem de perto a Inglaterra na escala dos progressos, e prosperidade da sua agricultura; e todavia na Hollanda não ha nem uma só escóla de agricultura; e na Belgica foi só em 1849, e talvez por imitação do que se fez em França em 1848, que se estabeleceram oito quintas de ensino. Um judicioso escriptor contemporaneo, referindo este facto reflecte que as lições agricolas neste paiz (a Belgica) são dadas a mestres que terão o gosto de ouvir lêr de cadeira, á sua custa, principios que ha muitos annos sabem praticamente, ou theorias já condemnadas pela sua propria experiencia!

Na Suissa os differentes cantões rejeitaram sempre o projecto de gastar alguma parte da receita do estado no ensino official da agricultura. Nunca existiu na confederação senão uma quinta de ensino, o estabelecimento de Irlofwyl, fundado por mr. Fellemberg, a tres legoas de Berne. Este estabelecimento leve sempre poucos alumnos, e esses pela maior parte estrangeiros.

Mr. Fellemberg propoz ao grande conselho de Berne a cedencia do seu estabelecimento para ser convertido em escóla official do cantão, mas o grande conselho não acceitou a proposta. Ve-se pois que na Suissa não houve, nem ha enthusiasmo pela creação das quintas de ensino, nem por todo o restante systema do ensino agricola official, e que a falta deste não tem obstado aos consideraveis progressos que a agricultura tem feito naquelle paiz!

Na Sardenha, e na Lombardia paizes de tão adiantada cultura, não ha escólas de ensino agricola pagas pelos respectivos governos.

Na Toscana creou-se em 1812 em Piza, um grande estabelecimento scientifico, em que se ensina mathematica, física, botanica, chimica, geologia etc, etc. É unia academia, uma faculdade de sciencias naturaes, mas não uma escóla professional de agricultura.

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De todos estes factos é consequencia rigorosa que a Inglaterra, a Hollanda, a Suissa, a Lombardia, a Sardenha, a Toscana silo segundo a doutrina do relatorio do decreto de 16 de dezembro, excluirias do gremio das nações cultas. E igualmente, o que não e menos digno de admiração se acreditais nas proposições tão enfaticamente magistraes do relatorio, que todas essas nações conseguiram levar a tão prospero estado e tão alto aperfeiçoamento a sua agricultura sem lerem tido a fortuna de descobrir que o unico meio de obter esse fim, era a adopção, e o estabelecimento do ensino agricola em tres graos pela sabia organisação contida, no tantas vezes citado decreto da dictadura!

Bem sei que me opporeis entre outros o exemplo da França!

Em França os ensaios do ensino agricola em quintas exemplares datam de 1822; e o primeiro desses estabelecimentos, devidos quasi todos aos esforços de particulares, foi o de Roville, fundado por Mathien de Dombale. Este homem de mui distincto merito, e que fez na verdade á agricultura relevantes serviços, conseguiu parte á sua custa, parte á custa de uma subscripção voluntaria, sustentar por algum tempo aquelle estabelecimento; mas exhaustos todos os seus proprios reclusos, e os dos seus auxiliares, estava já em circumstancias desesperadas quando o governo francez veiu cm seu auxilio em 1831; e apesar dos subsidios em dinheiro, dos instrumentos aperfeiçoados, que o governo lhe forneceu, e das pensões dos alumnos, o estabelecimento pereceu em 1842. Se quizerdes estudar, senhores, a historia dos estabelecimentos analogos ou similhantes, vereis que a quinta de Grignou fundada em 1827 passou quasi por iguaes vicissitudes, e que os estabelecimentos de Grand Jonan, junto de Nantes, e de lá Saussaie junto de Lyon, depois de lerem corrido grandes azares de má fortuna, foram em fim como o de Grignon salvos sómente quando o governo, e o thesouro francez os tomou completamente a seu cargo, e debaixo da sua immediata direcção, promulgando-se o decreto de 3 de outubro de 1848, que organisou o ensino agricola official francez, e que serviu de modêlo, creio eu, ao decreto da dictadura de 16 de dezembro do anno passado.

A serie de contrariedades, difficuldades porque passaram os estabelecimentos de ensino agricola francezes, em quanto o governo os não tomou a seu soldo, prova o dispendioso e aventuroso do systema — e a ultima resolução do governo francez em 1848 está longe de passar por grande acerto no conceito dos homens mais abalisados. — Os homens que se não deixam facilmente seduzir por theorias mais ou menos deslumbrantes, e que nas cousas do governo olham sobretudo para a experiencia, duvidam muito de que este ensaio francez, sujeito ás vicissitudes do rolo annual do orçamento, e á vacilação de opiniões, que existe a respeito da utilidade real de taes instituições comparada com o seu custo, venha a produzir melhores resultados que os ensaios anteriores. A incerteza do systema é lai, que só desde o fim do anno de 1848 até ao mez de agosto de 1850, nove quintas de ensino ou foram supprimidas, ou transferidas de umas para outras localidades, que se julgaram mais vantajosas.

Não seria pois muito mais prudente, acertado e politico, que em Portugal não arriscassemos em ensaios os tenuos recursos do nosso thesouro, isto quando ao mesmo tempo que se criam estas dispendiosas instituições, se promulgam decretos de reducção forçada nos juros da divida consolidada, e outros similhantes?

Sr. presidente, devo muito á benevolencia da camara pela attenção com que se tem dignado ouvir-me! Porém, devo por isso mesmo terminar o meu discurso, e assim vou faze-lo, accrescentando apenas algumas brevissimas reflexões. Este governo quanto nos principios politicos, que dividem os partidos em todas as nações regidas pelo systema representativo, não pertence a escóla nem a partido algum — é sceptico. O sr. ministro do reino disse, que elle e os seus collegas eram cartistas. O sentido em que s. ex.ª tomou esta expressão, é tão vago e indefinido, que nada significa; mas cartistas, tomando-se esta, denominação como distinctivo daquelles, que professam as crenças e doutrinas do partido liberal moderado, não pertence de certo tal denominação aos srs. ministros, desde que reformando a caria revolucionariamente, e destruindo assim todas as garantias da sua duração, despresando, e violando gradualmente todas as suas mais importantes disposições, rasgando importantes contractos com quebramento da fé publica, destruindo o credito, constituindo-se em dictadura quasi permanente, escarnecendo e despresando o poder legislativo, não param diante de nenhuma das balisas, que o poder conservador respeita. E por tanto revolucionario tanto quanto pôde se-lo, nos negocios da politica interna, e sobretudo nos negocios de fazenda!

Nas suas relações com as potencias estrangeiras, o actual gabinete nem guarda a dignidade que cumpre ao governo de uma nação independente! Nem zela, como era de seu rigoroso dever, os verdadeiros interesses nacionaes!

Arbitrario e caprichoso nos negocios internos do paiz, é docil, e subserviente ás exigencias estrangeiras as menos justificadas; e ninguem poderá duvidar da exactidão desta censura, recordando-se do modo como o governo resolveu as ultimas reclamações de Inglaterra, sem que o detivesse, nem o bom direito que tinha da sua parte, nem o honroso exemplo que havia herdado dos seus antecessores.

Em conclusão vou offerecer á consideração da camara um facto, que a ser exacto em todas as suas circumstancias, o que não affirmo porque não o posso fazer, é de tal gravidade, que basta, despido de todos os commentarios, para complemento do retrato do actual gabinete, do qual fiz apenas um esboço. Espero ainda que os srs. Ministros dêem a este respeito tão completas, e satisfactorias explicações, que possam desvanecer a desagradavel e profunda impressão, que no meu animo, e no animo daquellas pessoas que me deram estas informações, deixou tão illegal e violento procedimento.

O facto, segundo me foi referido, é o seguinte: — por ordem do governo civil de Lisboa, e de accôrdo com o sr. ministro da marinha, foi mandado recolher a bordo da fragata D. Fernando, um individuo, por nome Manoel Gonçalves Rato, natural de Bragança, dizendo-se (mas não se provando) que elle era vadio e incorregivel; — isto com o fim de ser enviado para alguma das nossas possessões ultramarinas na primeira embarcação que para ali partisse: sendo esta violencia feita a pedido (julga-se que por grande interesse) da familia, e de um irmão seu, que se

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promptificou a pagar todas as despesas que o preso fizesse a bordo. Parece que este preso tendo-se queixado amargamente do procedimento havido contra elle, sem motivo e sem processo, proferiu insultos contra os srs. ministros, em consequencia do que foi mandado pôr a ferros no porão da fragata; e em seguida o sr. ministro da marinha deu ordem para elle ser levado para bordo do patacho Dois Amigos, com destino para Angola, logo que este navio estivesse a levantar ferro; e com effeito o desgraçado lá saíu no dia 3 deste mez; mandando o sr. ministro da marinha uma portaria ao governador geral de Angola, para fazer assentar praça áquelle individuo, em algum dos corpos da guarnição da provincia, logo que elle ali chegue. Este homem tem 36 annos de idade! Consta que o Major-general da armada foi de opinião que se desse a liberdade ao preso, ou que se mandasse entregar ao governador civil; o que todavia se não executou

Ha outro facto igual a este, practicado, segundo me informam, com o caixeiro do cambista Campeão, que sendo accusado de ter commettido um roubo, e sendo entregue ao juiz criminal respectivo, foi por este mandado pôr em liberdade, por não haver nem motivo para ser mettido em processo. Todavia foi retido na cadêa por cota do governador civil de Lisboa, e por fim mandado para fóra do reino. Não affirmo estes factos em todas as suas circunstancias, mas achando-os muito graves exijo explicações dos srs. ministros, e explicações cabaes.

Terminarei repetindo com um escriptor distincto: — que a patria não é o solo que se piza, nem o ar que se respira; é uma sympathia moral que nasce da solidariedade de interesses; é uma garantia reciproca debaixo da protecção da lei commum. Esta lei sob cuja, protecção principal estão os direitos, e garantias dos portuguezes, é a carta constitucional da monarchia, é á sombra de suas disposições sinceramente observadas que nunca hão de perecer os sentimentos de verdadeiro amor da patria, aos quaes são devidos os maiores rasgos de heroicidade practicados no mundo, os milagres de esforço e valentia de nossos maiores, e dos quaes sómente se póde esperar o verdadeiro remedio aos males que nos dilaceram. Peço, pois, aos. srs. ministros, que respeitem esse codigo sagrado. Peço, e exijo que elle seja respeitado em nome do paiz, em nome do passado, a bem do presente, e como esperança do futuro desta terra portugueza! (Apoiados, muito bem).

O sr. ministro da Marinha: — Sr. presidente, se v. ex.ª e a camara me permittem, eu desejava dar já algumas explicações a este respeito. (Vozes: — Falle, falle.)

Sr. presidente, quanto á primeira observação feita pelo illustre deputado, não ha fundamento algum para se tirarem as illações, que s. ex.ª tirou. Effectivamente esse individuo, a que se fez referencia, foi para bordo da fragata Dom Fernando, preso por vadio. O nobre deputado, que já esteve no governo civil, sabe quanto é difficil dispor de similhantes individuos, que não têem modo de vida conhecido, e que apresentando-se em varios sitios, fazendo desordens, e commettendo crimes, que muitas vezes se lhes não podem provar, ha com tudo as presumpções de que os perpetraram. Os parentes do preso offereceram-se a pagar a despeza que elle fizesse, em quanto estivesse retido como vadio; a que eu fiz a observação, de que o governo não podia ser o carcereiro dos particulares, que, por circumstancias menos agradaveis ás suas familias, lhe vinham pedir para serem retidos.

Depois disto, sr. presidente, um irmão do preso veiu dizer que tinha tenção de o fazer ir para Angola, pagando-lhe a passagem: o governo respondeu que não tinha duvida em o mandar para bordo do primeiro navio mercante, que saisse para aquelle destino, mas que não tomava a responsabilidade de que fosse ou não para Angola, porque desde o momento em que fosse posto a bordo, ficava em liberdade para fazer, o que quizesse. E assim aconteceu. Mandou-se para bordo do patacho Dois Amigos, que estava a partir para aquellas paragens; mas ficou livre; e se. acaso fosse contra sua vontade, quando a policia foi a bordo para revistar os passaportes dos passageiros, se elle se queixasse, havia de certo obstar a isso, o tinha o direito de o mandar por em terra. Depois disto o governo nada mais sabe, Estes são os factos, e nada. mais sei.

Agora quanto ao máo tractamento, que se diz que teve a bordo, não foi esse que affirmaram ao illustre deputado. O que é certo é, que se tornava tão incommodo, e tão insultante, e fazia tantos despropósitos, que não houve meio nenhum de o reprimir, porque como particular não estava sujeito aos regulamentos de bordo; e até em uma occasião, em que pertendeu passar a vias de facto, foi levado para uma das camaras, aonde esteve fechado por alguns dias; mas duvido que fosse posto a ferros. São estes os factos; e quanto ao mais nada posso dizer, porque não tenho para isso os dados necessarios.

Pelo que diz respeito ao outro individuo, que se diz ser caixeiro do Campeão, o governador civil, tendo mandado proceder á prisão de um homem, que estava involvido em outros roubos, achou-se na casa em que se fez esta diligencia uma certa porção de dinheiro, que se reconheceu pertencer ao Campeão: foi este chamado ao governo civil, e mesmo sem elle saber até então que tinha sido roubado, ahi recebeu o dinheiro, que lhe pertencia.

Sr. presidente, a não ser este o facto, a que se refere o nobre deputado, não sei, em que possa ser accusado o governo de tirar a liberdade aos cidadãos, e de não respeitar, como lhe cumpre, as garantias individuaes consignadas na carta constitucional: o governo está prompto a dar todas as informações que lhe forem pedidas, relativamente a esta prisão.

O sr. Correra Caldeira: — Sr. presidente, eu intendo, que este negocio se torna mais serio e grave, depois das explicações de s. ex.ª o sr. ministro da marinha; porque d'ellas resulta que houve um individuo, que foi declarado vadio por interesses de sua familia; que esteve preso, mettido a bordo de uma fragata, e a final mandado para fóra do reino, dando-se a circumstancia de pertencer a uma familia, que o sustentava a bordo, que linha meios de lhe pagar a passagem, e de ser o deportado homem de 36 annos de idade! De mais, sr. presidente, este individuo estando preso a bordo, foi mettido a ferros por cansa de algumas palavras insolentes que proferiu. Ora de certo, s. ex.ª ha de conceder, que sendo tractado assim, é desculpavel o procedimento d'esse individuo, que leve toda a razão de queixar-se, attento o inqualificavel, illegal, e arbitrario procedimento havido para com elle! Pondere o sr. ministro, e pondere a

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camara, que se tracta de um desgraçado, que foi preso sem fórma alguma de processo, mettido a bordo de uma fragata, d'ahi passado para bordo do patacho Dois Amigos, e arrastado em fim para Angola! Accrescendo ter s. ex.ª expedido uma portaria ao governador geral daquella provincia, para que logo que alli chegasse, lhe assentasse praça, facto este que s. ex.ª não negou na sua resposta. Por consequencia s. ex.ª offendeu a caria constitucional no despreso da liberdade individual, e das garantias que a protegem; e nos termos do artigo da carta 103.º § 4.º e 5.º, e responsavel por este insolito modo de proceder! E evidente que em quanto o negocio foi por mim apresentado á camara, como fundado em informações extra-officiaes era muito menos grave, do que agora, depois da explicação do sr. ministro da marinha: por tanto peço a s. ex.ª que faça remetter á camara todos os documentos relativos á prisão deste individuo, á sua conservação na fragata, ao tractamento que alli se lhe deu, á sua remessa para o ultramar, e mais circumstancias que revestem todos estes actos.

O sr. ministro da marinha: — Se o nobre deputado tivesse dado mais attenção ao que eu disse, veria que eu acabei por declarai que não tinha os documentos do governo civil, e que por isso não podia dizer mais circumstanciadamente os motivos por que foi preso o individuo a que se refere. S ex.ª não tem mais desejos do que eu de manifestar á camara o que houve a esse respeito: apenas se me forneçam os documentos e informações necessarias hei de apresenta-los á camara, e por elles ha de constar a razão porque foi préso, e os motivos que houve para continuar a prisão. Quanto a ser posto a ferros não acredito que isto acontecesse.

O sr. Corrêa Caldeira: — E a ordem do governador geral de Angola?

O Orador: — Não podia ir ordem ao governador: essa tem na elle para que aos vadios quando chegarem, se lhes faça assentar praça.

O sr. Corrêa Caldeira: — Mas é um vadio declarado tal pelo governo.

O Orador: — Essa questão de vadio é da localidade: o governo não póde nestas circumstancias declarar se são ou não são vadios. N'uma palavra este negocio que foi aqui apresentado na interrupção de um discurso sobre materia importante, não póde ter por incidente toda a explicação que o nobre deputado quer e a camara exije, e parecia-me mais proprio para ser tractado por meio de uma interpellação (Apoiados) o governo está prompto a apresentar todos os documentos, o dar todas as explicações necessarias quando o nobre deputado queira, mas agora não é occasião para se tractar esta questão convenientemente. (Muito bem. — Uma voz. — Ordem do dia)

O sr. Corrêa Caldeira: — Sr. presidente, peço que se lance na acta a declaração do sr. ministro de que mandaria todos os documentos sobre este assumpto. E peço votação da camara.

O sr. Ministro da marinha: — O illustre deputado pede documentos — o governo declara que os manda.

O sr. Presidente: — O sr. ministro da marinha declara que está prompto a mandar os documentos: se s. ex.ª não tem duvida, mencionou-se na acta esta declaração (Vozes: — Não é necessario — basta a declaração). Então está terminada esta questão, e continua a ordem do dia. — Tem a palavra

O sr: Ministro da fazenda (Fontes Pereira de Mello): — Sr. presidente, esta discussão já bastante longa deve ler cançado demasiadamente a camara, e é difficil na hora adiantada em que se está, depois de tantos illustre oradores terem tomado a palavra por um e outro lado, prender ainda por algum tempo a attenção desta assembléa sobre os pontos mais importantes da discussão.

Se não fosse a posição obrigada em que estou collocado diante do parlamento — posição de defeza — que me impõe o rigoroso dever de explicar os actos do governo durante o exercicio da dictadura, os actos principaes que teem sido atacados por tão distinctos oradores que me precederam, de certo não leria a pertenção de fixar a attenção da camara, e occupa-la com reflexões que nada accrescentarão ao que outros oradores igualmente distinctos teem dicto em abono desse actos promulgados pelo governo no exercicio de poderes discricionarios, e hoje se discutem.

Sinto que. o nobre deputado que acabou de fallar, tivesse concluido por um objecto incidente, estranho, á primeira vista, ao negocio principal que se debate; digo que sinto, porque queria responder ao meu antigo collega e illustre adversario, debaixo da impressão que haviam de deixar na camara as suas palavras em que convidava os ministros a — observar a constituição do estado — não exercerem mais dictaduras — garantir a propriedade não rasgar, nem calcar mais aos pés os contractos — e observar emfim a constituição e as leis.

O nobre deputado que este governo é sceptico, que não tem partido politico a que pertença e que parece viver só ela expoliação dos direitos dos outros, e do ataque das prerogativas de cada uni. Se o nobre deputado quiz dizer, quando se referia ao governo inculpando-o de ser sceptico e não pertencer a partido algum, que elle não communga exclusivamente com qualquer dos partidos politicos em que se divide a nação, o illustre deputado disse a verdade, e pela minha parte acceito toda a responsabilidade deste facto, porque é esse o pensamento que tenho repelido nesta casa muitas vezes como ministro e como deputado — de que era necessario que um dia se quebrasse este fado de querer estabelecer uma politica de exclusivismo neste paiz, em que um certo numero de homens, embora com as melhores e mais rectas intenções, se tem arrogado o privilegio de significar os principios que deviam observar-se mais ou menos exactos, mais ou menos justos do seu partido politico: nisto não haverá deshonra para ninguem, mas havia inconveniente para o paiz.

Eu sou homem novo na carreira politica, não tenho compromissos alguns com os partidos velhos, não estou ligado a elles por nenhuma consideração. O meu partido politico é a constituição do estado, e o bom desempenho dos deveres que me impõe o cargo que acceitei, em quanto o não deposito nas mãos da Soberana,

Sr. presidente, se acaso nos partidos antigos, nos partidos velhos existe alguma dissenção, algum desaccordo, isso nem se dá unicamente em relação a um determinado partido, nem póde ser imputado ao governo como erro que commettesse ou crime que practicasse. Se na esquerda entre os individuos que a compõem, se dissente em certos pontos de administração,

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tambem na direita não ha accôrdo completo. Os nobres deputados que têem combalido a politica do governo, sabem que o partido que hoje o sustenta, compõe-se das fracções de todos, e de nenhum partido exclusivamente; porque o governo procura governar para o paiz, para elle unicamente, e regular os seus desejos, as suas aspirações, e satisfazer ás suas necessidades. E neste empenho apoiam o governo caracteres mui distinctos do antigo partido cartista, e caracteres mui distinctos do antigo partido septembrista. Nada tenho com as distincções, com o pensamento, e com o alcance que estes cavalheiros dão ao seu apoio: mas o que posso asseverar é que qualquer dos individuos a que me refiro, tem um caracter bastante nobre para não acceitar condições do governo, nem o governo de certo lh'as havia de exigir, nem impôr. Se apoiam é porque querem, é porque intendem que isso é conveniente para o paiz, é porque tem julgado que valeria bem a pena n'uma circumstancia determinada, sacrificar talvez um pensamento exclusivo, uma idea que se referia mais a homens do que a cousas, para apoiar Uma situação que, no fim de tudo, creio que tem sido bastante combalida, mas que não se lhe podem imputar crimes que á deshonrem; nem erros que a envergonhem; digo erros que a envergonhem, porque erros commettemos todos; (Apoiados) erros temos nós commettido de certo, mas não daquelles, que os homens tenham de vilar a caia e esconder os olhos para não encontrar as vistas dos seus amigos.

Mas porque é esta insistencia de alguns cavalheiros do lado direito da camara, e particularmente do meu amigo o sr. deputado Avila, de fazer acreditar que algumas das medidas mais importantes, tomadas pela administração, principalmente aquellas que tem sido tomadas pelos ministerios a meu cargo, são inspiradas por cavalheiros da esquerda, por cavalheiros aliás, muito distinctos, mas que se pretende serem os agentes de que o ministerio apenas é instrumento e nada mais? Será crivel que o illustre deputado me queira despreciar na Consideração publica ate ao ponto de que eu não seja capaz por mim só de tomar qualquer destas medidas que se reputam mais ou menos importantes, mas que todas são de um alcance grave, e que precisam que outros cavalheiros me viessem inspirar o pensamento dessas medidas? Não o creio... (O sr. Avila: — E a analogia das medidas) e não o creio por um sentimento que não abdico nunca, por uma consciencia que tenho de que tambem sou capaz de pensar e executar. É para comprometter as medidas na opinião de alguem, porque segundo o que o nobre deputado acaba de declarar agora, teem analogia, encontram-se com as opiniões daquelles cavalheiros a quem me refiro? Tambem me parece que não, porque o apoio delles não é exclusivo As medidas não são apoiadas unicamente por esses cavalheiros, que, por muita que seja a sua auctoridade, por muito que seja o seu prestimo, por muita que seja a sua influencia politica, mal estavam ellas senão tivessem por si senão um ou dois votos; de certo que cabiam diante da reprovação publica, de certo que não se podiam sustentar diante do parlamento. Para que é pois esta insistencia tenaz da parte do illustre deputado, insistencia que me afflige, e que de certo elle não o faz para esse fim, (O sr. Avila — Apoiado) de fazer acreditar que as providencias promulgadas principalmente pelos ministerios da fazenda e obras publicas são inspiradas por pensamentos alheios?

Sr. presidente, não é de hoje que se faz politica nesta terra. Ha muitos annos que existe entre nós a tribuna e a imprensa, onde cada um dos individuos que teem querido manifestar a sua opinião á face do paiz, tem podido emittil-a francamente. Os individuos que formam esta administração, teem assistido a esses combales antigos em que cada uma das parcialidades politicas fazia o programma do seu proprio partido; que culpa tem o governo, como se póde dizer que elle é inspirado por este ou por aquelle individuo, porque n'uma ou n'outra providencia segue os traços que achou indicados já por outros que o antecederam ou na tribuna ou na imprensa? Querem os nobres deputados que em politica e em administração nós vamos fazer cousas novas? Serão só boas as medidas que tenham o cunho da invenção? Póde mesmo inventar-se nesta questão? Ha alguma cousa de novo a fazer. De certo que não; não ha mais do que a seguir com maior ou menor felicidade os pensamentos dos outros, a combinal-os de maneira que fôr mais conveniente, e a considerar sobre tudo a questão da opportunidade, que é em politica uma das questões mais importantes a resolver, e que é necessario ter mais em vista constantemente. O governo, sr. presidente, intendeu que satisfazia a algumas, não a todas, das muitas necessidades que o paiz reclamava incessantemente em diversos pontos de administração se de finanças. O governo lançando-se francamente nesta vereda póde ler errado. O governo o que não podia de certo, era deixar de seguir este caminho quando elle em virtude das circumstancias extraordinarias em que se linha achado depois da revolução de abril, julgou dever assumir a dictadura e promulgar alguns actos que naquella occasião foram indispensaveis, que o colloca iam nesta situação excepcional, e de certo que seria difficil para o mesmo governo justificar essa mesma situação excepcional, se acaso elle não tivesse, por medidas reconhecidamente uteis, dado provas evidentes de que se occupava seriamente dos interesses reclamados pelo paiz

Sr. presidente, vi que O nobre deputado que acabou de fallar, qualificava com demasiada severidade algumas das providencias do governo, providencias que elle reputa impotentes. Vi até que qualificou de utopia o decretamento do instituto agricola que serviu de thema ás quasi ultimas palavras do discurso do illustre deputado. O instituía agricola já foi censurado, e fortemente, por um illustre deputado que se assenta daquelle lado da camara (esquerdo). Já tive occasião de defender em outra parte esta instituição que o governo creou e de que ainda se não arrepende, esta instituição em que não fez mais do que copiar, adoptando-as as circumstancias peculiares do nosso paiz, as disposições que n'outros mais adiantados que nós, que n'outros que se pódem dizer mais cultos, mais adiante mesmo no desenvolvimento da industria agricola, se tinham já estabelecido e desenvolvido. Eu não digo que existam em todas as nações da Europa institutos agricolas como nós creámos pelo decreto de 16 de dezembro; mas negará alguem que estas instituições existam nas nações -que podem servir de modelo a todas as outras na sua administração, no desenvolvimento da instrucção publica, no adiantamento mesmo da sua agricultura? Pois porque a Inglaterra, como disse o illustre deputado não tem um instituiu agri-

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cola, segue-se que póde ser dispensado perfeitamente entre nós! (Apoiados) E engana-se o illustre deputado, porque a Inglaterra tem um muito recente no condado de Midlesex, que não e completamente um instituto agricola, mas é a instrucção do segundo gráo de agricultura. E porque não tem a Inglaterra um instituto agricola geral? Será necessario examinar qual é a situação agricola daquelle paiz, a organisação mesmo da sociedade ingleza em relação á nossa, para vêr se ha perfeita analogia nos elementos dos dois paizes? Pois ignora o illustre deputado que a Inglaterra é um paiz rico, em que a propriedade está concentrada na mão de senhores poderosos, alguns delles só por si ião poderosos como algumas casas reinantes, pelo menos de Alemanha e de Italia? Não sabe o illustre deputado que estes lords teem meios nas suas terras, nas suas immensas propriedades de desenvolver a agricultura, por todos os recursos que ellas podem subministrar aos seus rendeiros, aos povos mesmo das suas visinhanças subministrando-lhes a instrucção agricola em todos os seus differentes ramos o applicações e os instrumentos, dando-lhes por consequencia aquillo que os nossos proprietarios não podem, não teem na sua mão o poder subministrar aos povos que os rodeiam? Como, sr. presidente, comparar a situação da Inglaterra a respeito de estabelecimentos desta ordem com a situação de Portugal! E buscar a. paridade onde não existe, e buscar o argumento onde não colhe.

Mas, sr. presidente, porque não recorre o illustre deputado aos exemplos da Austria, da Baviera, da Belgica, da Prussia, da Russia, de França, (Apoiados) e de muitos outros estados de Alemanha, de Wurtemberg tambem onde existe esta instituição? Pois todos elles serão povos incultos? Pois nenhum destes paizes comprehende as necessidades da agricultura? Pois dar-se-ha caso que nestes estados que acabo de mencionar, esteja a agricultura muito mais atrazada do que entre nós, e que lá se estabeleçam estas escolas agricolas, em quanto que a nós não nos é preciso isso? Pois porque alguns estados da Europa não têem instituições agricolas, segue-se que nós não as devemos ter? Mas queremos nós condemnar-nos á immobilidade sobretudo em questões de administração e instrucção publica! Queremos ficar estacionarios! Pois quando os outros se adiantam, quando estabelecem estas instituições, havemos de nós argumentar — olhai que ainda ha poucos annos não as tinham essas nações Como ainda ha pouco não tinham, não tenhamos nós tambem!... Este argumento não colhe. E note o illustre deputado que se examinar a estatistica das instituições agricolas de outros paizes da Europa, e comparar o numero dessas escolas em relação áquellas que foram creadas pelo decreto de lo de dezembro, achará que o numero das que se estabeleceram cá ainda e inferior, relativamente á nossa população, necessidades e superficie territorial, ás que existem nos outros paizes; por exemplo, detalhadamente, na Prussia, França, e na Belgica mesmo, e não sei se noutras partes, porque não posso agora de cor comprometter-me a uma comparação arithmetica entre o numero de escólas que existem cá e lá.

Mas nós copiámos o decreto publicado em França, a este respeito no anno de 1848. (O sr. Corrêa Caldeira: — Intendo que na medida do governo estão as Ideas desse decreto; mas não lhe faço crime por

Isso. Nem é objecto de crime, nem de erro. Mas o nobre deputado que nos censurou muitas vezes, que disse que o ministro da fazenda fez o que nunca se fez em parte nenhuma, que fez o que nunca teve exemplos antecedentes, presentes, nem os teria subsequentes, vem agora, neste caso em que o ministro fez o que se fez noutra parte, condemnar o ministro por fazer um decreto a respeito de instrucção agricola, igual a um decreto que sobre o mesmo abjecto se fez noutro paiz! O modo que o ministro da fazenda está sempre collocado em muito mil posição; é condemnado porque fez o que nunca se fez, segundo a opinião de alguem, em parte nenhuma; e é condemnado porque fez o que noutra parte se fez! Isto realmente é collocar-me n'uma situação difficil para poder responder aos illustres deputados meus adversarios. (Apoiados)

O decreto de 16 de dezembro de 1852 e copia de um decreto publicado em 1848 na França; mas por aqui se vê que o governo para redigir ou elaborar o seu decreto não foi buscar uma fonte impura; a fonte era a assembléa franceza de 1848; e ninguem póde dizer que essa assembléa fosse composta de ignorantes, e que ignorante era o ministro que referendou esse decreto de 1848; não o eram de certo. E note a camara que nessa occasião do debate em 1848 ninguem combateu o principio da instituição das escólas agricolas; não foi a instrucção agricola que se combateu, o que combateram alguns deputados foi que a instrucção agricola fosse tão aristocratisada, que se não derramasse mais pelas classes pobres do povo, e a respeito de ser preciso maior numero de escólas de terceiro gráo, em relação ás de primeiro e segundo gráo: agora que senão estabelecessem escólas de ensino agricola, e que o governo não subsidiasse estes estabelecimentos, isso é o que ninguem alli disse, o é o que eu esperava que tambem aqui se não dissesse. (Apoiados)

A França já de ha muito tempo linha escólas de ensino agricola: estas escólas foram até certa época subvencionadas por particulares; porem logo depois da revolução de julho de 1830, o ministerio de então, que não se póde dizer que fosse composto de homens não illustrados, intendeu que era conveniente pagar por conta do estado uma somma destinada exclusivamente á instrucção agricola. Mas os francezes não contentes com isto só, por isso que os resultados que se haviam obtido, tinham sido optimos, reputaram que era conveniente alargar este estudo com relação a outros gráos de ensino, e augmentar o numero das escólas subvencionadas pelo estado; e veio isto a estabelecer-se em 1848. Lá existe o respectivo decreto de que é imitação o de 16 de dezembro de 1852, que está sujeito neste momento á apreciação do parlamento... (O sr Cunha. Sotto-Maior: — Foi moda, pois bem) é das modas de que gosto (Apoiados) e que desejo applicar sempre para qualquer ramo de sciencia que deva introduzir-se neste paiz (Apoiados) approvo esta moda, e espero que a camara a ha de apoiar. (Apoiados)

O sr. Corrêa Caldeira: — Era melhor que o illustre ministro applicasse os rendimentos que applicou para o instituto agricola, no augmento e melhoramento da instrucção publica.

O Orador: — O governo conhece a necessidade de augmentar e melhorar a instrucção primaria, e tanto que alguma cousa está tractando a esse res-

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peito: mas porque se não póde desde já fazer uma cousa, não se faça outra! Esta não exclue aquella. Se o governo, por exemplo, não tivesse tractado deste objecto do instituto agricola, e viesse propôr á camara alguma medida para augmentar a instrucção primaria, diziam logo os illustres deputados da opposição = não seria melhor estabelecer certos ramos de industria para certas classes especiaes, para aquellas que estão mais immediatamente ligadas com o povo, donde provém a subsistencia immediata do paiz? Diziam, diziam. (Apoiados) Eu sei quanto é impossivel contentar as opposições: já fui opposição e nunca me contentaram; os nobres deputados fazem agora o mesmo que eu fazia dantes. Mas como tenho a memoria fresca do que então fazia, direi que, salva a consideração devida a cada um dos illustres deputados, as asserções saídas do lado da opposição não têem o valor que ellas parecem ter, e os illustres deputados da opposição lhe querem dar.

Por esta occasião repito que o governo está na firme resolução de nomear immediatamente commissões para reverem de prompto e successivamente, como já ante-hontem declarou o sr. ministro do reino, não só o decreto que tractou dos legados pios (O sr. Corrêa Caldeira: — Dos legados pios! Pois não ouvi; se tivesse ouvido, não fazia as minhas observações) mas o que é relativo ao codigo penal. E declaro mais que o governo está na firme resolução, de que as alterações que houverem de se fazer no codigo penal, sejam feitas de sorte que no codigo do processo se estatua tudo quanto fôr necessario para não restringir a intervenção do jury nos crimes que estão sujeitos ao juizo de policia correccional. (Apoiados) Se fôr preciso, o governo formula por escripto esta sua declaração, para ser lançada na acta; querendo a camara o governo não tem duvida nenhuma nisso. (Vozes: — Não é preciso) Bem, o governo tambem o não julgava preciso, e só o fazia para salvar os escrupulos ou duvidas que algum sr. deputado tivesse.

O sr. Cunha Sotto-Maior: — Nada, é sufficiente a declaração verbal, mas noto ao sr. ministro que a camara ha-de approvar esses decretos, apesar dos defeitos que elles tem.

O Orador; — Eu não sei se a camara os approvará ou não, ignoro-o completamente.

O sr. Cunha: — Pois eu não o ignoro, e digo — que approva.

O Orador: — Sabe o illustre deputado mais que o governo. Se a camara approvar os decretos da dictadura, melhor para o governo, o governo não se incommoda com isso; talvez se incommode o illustre deputado. (Apoiados)

Acamara approva, se quizer. Acamara tem diante de si uma questão muito grave para resolver. E é este o seu devido e legal terreno: cumpre saber da camara se este ministerio merece della a confiança necessaria para levar á execução completa não só os decretos da dictadura que já começaram a ter effeito, senão tambem os que ainda não principiaram a executar-se; e além disto, se elles merecem a sua approvação. Se tanto merecerem, decerto que o governo terá nisso muita satisfação, e empregará todos os meios para desempenhar a sua missão, e corresponder, na execução dessas e de outras medidas que hajam de ser votadas pela camara, á confiança que nelle depositar. A camara póde rejeitar os actos da dictadura todos ou alguns delles; é livre e liberrima; não ha força nem coacção nenhuma, que a possa levar a approval-os contra sua vontade. (Apoiados) Se apptovar esses actos, o ministerio fica com isso muito satisfeito, e empenhar-se-ha quanto fôr possivel por corresponder á confiança da camara: se os rejeitar todos ou alguns delles, ha-de o ministerio sujeitar-se. ás consequencias naturaes e necessarias...

O sr. Cunha: — Se os rejeitar, dissolve-a como já fez á camara transada: diz-nos — vão-se embora, que não fazem cá falta.

O Orador — Não, senhor, não dissolve a camara; isso é o que o illustre deputado queria, mas o governo não lhe ha-de fazer a vontade. (Riso)

Sr. presidente, eu vou abordar uma questão importante, pelo menos importante para mim, o que o é tambem provavelmente para a camara; questão onde parece acharem-me involvido de uma maneira tão triste, embaraçosa e deploravel que julgam talvez impossivel que eu sáia bem. Eu contrahi um grave compromettimento nesta casa; e os nobres deputados da opposição quasi me tem amnistiado, cuidando que me seria difficil saír da posição melindroza em que estou, e como para não se seguirem do meu compromettimento as consequencias obvias e naturaes. Fui apanhado creio que em flagrante delicto.

Sr. presidente, eu declarei nesta casa em uma das passadas sessões, que se me apresentassem algum contracto que eu tivesse rasgado em virtude do decreto de 31 de agosto de 1852, iria immediatamente depositar a minha pasta aos pés do throno.

Esta declaração subsiste. Ainda até hoje se me não apresentou esse contracto, e eu vou mostrar que se não póde apresentar, porque não existe contracto algum.

O sr. Cunha: — Ahi temos o tabellião em scena.

O Orador: — É verdade, hei-de responder, e não hei-de fazer rir.

O sr. Presidente: — Peço que não haja interrupções.

O Orador: — Eu não peço que me interrompam; mas interrompendo-me, hei-de redarguir. Não costumo interromper ninguem, e estimava muito que me fizessem o mesmo (Apoiados) mas interrompido, hei-de redarguir, sem que na redarguição incommode o nobre deputado. E não deixo de o incommodar por generosidade: essa não é preciso havel-a; eu reconheço que o nobre deputado tem capacidade superior á minha. Todavia posso passar perfeitamente sem lhe responder, visto não querer elle que eu lhe responda.

Sr. presidente, quando proferi o meu discurso que levou não sei se dois, se tres dias, mandei para a mesa umas cifras relativas á questão sujeita, e que está involvida no decreto de 30 de agosto de 1852. Esperava eu que o illustre deputado, quando fallou, o que fez depois de mim, destruisse essas cifras; mas, em vez disso, mandou para a mesa uns castellos de outras, que não destruiram uma só das que eu tinha apresentado.

O sr. Cunha Sotto-Maior; — Eu noto ao sr. ministro que só pediu a palavra depois de vêr que eu e outros cavalheiros da opposição não podiamos já responder a s. ex.ª; uns por terem fallado as vezes, que marca o regimento, e outros porque a discussão será abafada. Notai, sr. ministro, que a opposição já não póde fallar, já vos não póde responder: quereis

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ficar victorioso por effeito de uma estrategia. Se pois o sr. ministro me vai responder sabendo já que lhe não posso fazer outro tanto, eu saio pela porta fóra.

O Orador — O illustre deputado póde fazer o que quizer: póde saír pela porta fóra, ou deixar-se ficar na camara. Eu tinha muito gosto em o vêr aqui, mas se quer privar-me delle, paciencia, (Riso) E certo que pelas cifras ou calculos mandados para a mesa pelo illustre deputado, não foram destruidos os que eu apresentei; póde ser que os do illustre deputado sejam bons, mas eu não creio nellas.

Porém para socegar o illustre deputado, para o não incommodar, e porque fique na camara, permitta-me v. ex. e a camara que me não occupe com o illustre deputado. (O sr. Cunha Sotto-Maior: — É commodo) Ora aqui está a situação em que eu estou collocado! Se respondo ao illustre deputado, diz-me — que sae pela poria fóra — se não respondo, diz-me — é commodo!.. E uma situação difficil da qual não sei como hei-de saír. Eu não posso fallar pela terceira vez, o regimento não o permitte mais que duas. E não obstante estar persuadido que o regimento não é assim severo para com os ministros, e me parece que elles podem fallar tantas vezes quantas lho forem precisas para dar explicações, illustrações ou informações acêrca dos objectos que se discutem, e especialmente quando recaem sobre propostas do executivo; com tudo quando n'uma outra discussão importante que teve logar nesta casa, eu quiz fallar pela terceira vez, o sr. presidente observou que não podia dar-me a palavra porque o regimento o não permittia. Submetti-me, e agora não quiz expor me aos tiros da opposição sem poder responder-lhe, pedindo pela segunda vez tão tarde a palavra para fallar nesta questão. Aqui tem o nobre deputado o a camara explicado o motivo, porque não pedi ha mais tempo a palavra

Sr. presidente, disse-se — o governo infringiu um contracto bilateral e oneroso, homologado pelo decreto de 19 de novembro de 1846. Eu disse que não conhecia esse contracto, que nunca o tinha visto no thesouro, e appellei até para o testimunho do meu nobre amigo o sr. Avila, e então s ex. não disse que havia contracto, porque s. ex.ª sabia que elle não existia no thesouro. Ora depois de quinze dias de discussão, e depois do que se tem dicto sobre este ponto, repito — este contracto não existe, nem nunca existiu no thesouro. Digo isto, e responsabiliso-me pelas minhas palavras.

Sr. presidente, ou sei que a minha intelligencia póde ser curia, mas a minha vontade é grande; e como estou collocado em uma posição em que sirvo de alvo a muitos tiros, intrincheiro-me bem sempre antes de proferir certas expressões, que parecem mais arrojadas. Eu tenho á minha disposição os archivos do thesouro, sei procurar, e sei mandar procurar, e quando venho á camara dizer que não existe contracto nenhum a respeito do decreto de 19 de novembro, é porque realmente lá não existe.

Sr. presidente, eu sei que o ministerio de 1846 mandou ao banco de Lisboa a portaria que aqui se leu, acompanhando não um projecto de contracto, mas as disposições fundamentaes de um projecto de contracto; (tenho aqui a propria minuta estas disposições fundamentaes se fossem tidas na primeira hypothese, teriam sido depois de competente accôrdo convertidas n'um contracto, e assignadas pelas partes contractantes; mas como foram tidas na segunda hypothese, por isso ellas foram convertidas n'um decreto, que do de 19 de Novembro de 1846.

A estas disposições que com a portaria se remetteram á direcção do banco de Lisboa e á direcção da companhia confiança, respondeu esta da seguinte maneira (Leu).

Já se vê que desta Portaria, remettida ás duas direcções, resultou que o projecto, com modificações approvadas pelo banco e companhia confiança, foi convertido no decreto de 19 de novembro. Resta saber quaes são as modificações que a outra parte contractante propoz (suppondo isto um contracto) ao projecto do governo. Eu estou persuadido que estas modificações vieram ao governo por parte da direcção do banco, mas não sei se o governo as acceitou, ou o que acceitou dellas, porque debalde as procuro no thesouro.

O sr. Avila: — Compare V. ex.ª o projecto que foi mandado ao banco com o decreto de 19 de novembro, e logo as encontra.

O Orador: — Mas não sei se o banco é que mandou essas modificações que se fizeram.

O que eu disse, e repito ainda, é que não existe no thesouro o contracto bilateral entre o banco de Lisboa e o governo; não existe esse contracto, não só porque lá não está, mas porque nunca lá entrou. Não faço disto crime a ninguem, conto um facto, que é indispensavel contar para justificar a minha asserção.

Agora vou lêr um documento muito curioso á camara, que ha de justificar a minha primeira asserção — de que o decreto de 19 de novembro não é contracto. Quem pensa v. ex.ª que declara que o decreto de 19 de novembro não é contracto? E a direcção do banco de Portugal. Tenho aqui uma representação dirigida ao governo pela direcção do banco de Portugal, em que ella por diversas frazes, por diversos periodos claros e repelidos, prova duas cousas — que os ministerios anteriores e as cortes não ouviram o banco de Portugal, e que não houve accôrdo... (O sr. Avila: — Pois nada disso e verdade) Isso é outra cousa, é negocio para deslindar com a direcção do banco.

O sr. Avila — Se a direcção do banco sustenta isso, -astenia uma falsidade. V. ex.ª não sabe que a direcção do banco foi ouvida a respeito de varios decretos! Acha-se provado por documentos que estão no thesouro.

O Orador: — Creio que foi ouvido a respeito de varios decretos, mas que o não foi a respeito de outros. Eu quero mostrar á camara que este documento official o authentico da direcção do banco de Portugal prova evidentemente reconhecer elle, que os poderes do estado não o ouviram em muitas alterações do decreto de 19 de novembro, e que portanto ou violaram esse contracto, ou não o reconheceram como lai; e que não é este governo o primeiro que não considera contracto o decreto de 19 de novembro. Certamente este governo segue o exemplo dos outros, não para violar o contracto, mas para o não considerar lai; porque não posso acreditar que o parlamento anterior de que fiz parte, o alguns ministerios violassem o decreto de 19 de novembro, sabendo que elle era um contracto, pelo gosto de o violar; julgo que havia alguma rasão publica que os moveu a alterarem muitas das suas disposições, e não o repu-

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tarem contracto; e eu reputo-o, como o reputaram esses governos e parlamentos.

A representação que vou lêr, é dirigida ao governo antes de haver o ataque ao fundo de amortisação. Nada havia então com o banco; estavamos em paz; e o banco poderia queixar-se dos outros governos, deste não. A representação é datada de 14 de maio de 1852, o decreto foi de 30 de agosto, nem se pensava nelle ainda. Eu a leio (Leu).

Seria uma cousa fastidiosa lêr toda a representação. Verdadeiramente é ella quasi cópia, ou pelo menos similhante a todas as representações que de tempos immemoriaes occupam as gavetas e os archivos do ministerio da fazenda. E sabe o illustre deputado o que contém? São sempre ponderações de aggravos repetidos, de longos serviços feitos ao estado, e de nenhuma retribuição por parte do governo. São estes os tres pontos obrigados de todas as representações do banco de Portugal ao governo.

(Continuou a lêr) «Sem fallar da alteração que o decreto de 10 de março de 1847 fez... Logo foi alterado sem o previo accôrdo delle. (O sr. Avila: — Mas o governo reconhecia que era contracto) Eu explico; ha outro decreto, é o de 10 de março de 1817. (O sr. Avila: — E exacto) Bem; vejo que é aquelle a que se referiu o illustra deputado; e nesse tem s. ex.ª rasão, porque effectivamente no relatorio que precede esse decreto, se diz que foi ouvida a assembléa geral do banco de Portugal; mas ha outro decreto do mesmo dia 10 de março, referendado pelos mesmos ministros, que violou um artigo importantissimo do decreto de 19 de novembro, e em que não foi ouvida a direcção do banco. Aqui tem o illustre deputado como no mesmo dia os ministros intenderam que podiam revogar um artigo essencial do decreto de 19 de novembro de 1846, quando para outra disposição tinham ido consultar a assembléa do banco de Portugal. Desde o momento em que consultaram a assemblea do banco de Portugal, reconheceram que era um contracto, creio eu, não sei se reconheceram, porque é um ponto difficil para se deslindar; isto é, por um dos decretos parece que reconhecem, pelo outro parece que não. Qual dos dois hei de acreditar, o primeiro, ou o segundo decreto? (O sr. Avila: — A natureza da cousa). E verdade, porque o decreto de 19 de novembro no fim de tudo é uni decreto como qualquer outra medida de dictadura; (Apoiados) e o governo estando ainda em dictadura revogou-o.

Não ha duvida nenhuma: foi a natureza da coma. Diz mais abaixo. (Leu) Ora pergunto póde daqui inferir-se que houve accôrdo? (O sr. Avila: — Veja o que diz o sr. Ottolini).

Acceito perfeitamente a auctoridade que o nobre deputado acaba de citar. Eu vou lêr a opinião do sr. conselheiro procurador geral da corôa, jurisconsulto distincto, e que de certo não é suspeito para o illustre deputado. (Apoiado) O sr. Ottolini, quando foi mandado ouvir a respeito da providencia que o governo tomou ácerca da prestação dos 300 contos, que pertencia ao contracto do tabaco, e que devia entrar no banco de Portugal, em resultado do que se estabeleceu em quanto ao emprestimo dos 4:000 contos, diz o seguinte (Leu) ora daqui concluo eu que os poderes publicos do estado podem alterar o decreto de 19 de novembro de 1846, ainda mesmo considerado como contracto, mas que o não é.

O sr. Avila: — Eu declaro a s. ex.ª que não é isso que está no Diario.

O sr. Presidente — Os srs. deputados têem fallado, sem serem interrompidos; e eu não posso permittir as interrupções, que transtornam a regularidade da discussão.

O sr. Ministro da fazenda: — Eu, sr. presidente, não sou quem interrompo. mas sendo interrompido, hei de responder. (Apoiados) Eu preciso provar, que a asserção que lancei no parlamento, é exacta.

O sr. Avila: —. E eu digo, que o poder legislativo não póde alterar um contracto.

Vozes. — Deu a hora.

O Orador: — Sr. presidente, eu vejo que o negocio é grave: ha acerca delle opiniões muito oppostas. E visto que deu a hora, continuarei ámanhã o meu discurso, se tiver forças para isso. Mas o que desde já peço é, que um negocio desta natureza, tão serio, e dos mais graves que podem ser trazidos ao parlamento, se discuta com serenidade de animo (Apoiados) ao menos com aquella que eu tenho constantemente guardado, que até mesmo nem pestanejo, quando fallam os illustres deputados da opposição; e parece-me que tenho algum direito, a que assim se proceda para comigo da parte dos meus illustres adversarios. (Muitos apoiados)

O sr. Presidente — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da de hoje. Está levantada a sessão. — Eram quatro horas da tarde.

O 1.º REDACTOR

J. B. Gastão

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