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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
pos, homens eminentes e profundos, alguns ministros d'estado em epochas mais difficeis, todos os quaes offerecem, como seguro e irrecusavel penhor do seu affecto o dedicação á monarchia, uma vida inteira de sacrificios e de excellentes serviços. Qualquer d'elles, agrupando facilmente em torno de si homens realmente prestantes, que hoje parecem incompativeis, póde desde logo organisar um governo da plena confiança do paiz, ou pelo menos dirigir, sem a perverter, uma eleição geral absolutamente livre, pela qual appareça verdadeiramente representada a vontade nacional, desde logo destinada a formar governo. Estranhos a todos os pequenos e ridiculos compromissos de politica pessoal, esses homens nomearão, para os logares superiores de administração, não partidarios seus que dos logares precisem para viver, mas os primeiros homens, desinteressados e independentes por caracter e posição, que sejam estimados e respeitados nos districtos que se lhes confiam. Esses seguirão nos concelhos, para se ampliar ás freguezias, o mesmo systema. A missão eleitoral do governo reduz se então a averiguar em cada circulo, qual é, entre os homens ali conhecidos, respeitados e estimados, aquelle que mais confiança inspira, e cujo voto era côrtes melhor será depois recebido e cumprido pelos eleitores a quem obriga. Este é o unico meio de conseguir que o paiz se sujeite á lei, em que cooperou, e de evitar que elle se insurja contra as leis votadas, como tem frequentes vezes acontecido. O governo promove taes eleições pelos meios conducentes a esclarecer a opinião dos eleitores, abstendo-se porém de toda a intervenção na luta, evitando todos os abusos, não promovendo nem praticando nenhum. O paiz que se tem prestado a eleger representação dos ministros, seguramente se não recusa a eleger, n'estas circumstancias, a verdadeira representação nacional. Estas côrtes devem ser constituintes, não com poderes illimitados e absolutos sobre todas as instituições, mas sómente sobre aquellas anteriormente declaradas aos eleitores pelo governo, de accordo com Vossa Magestade, que é o primeiro interessado em que a nossa lei fundamental corresponda ás idéas e ás necessidades da epocha.
Não faltará quem exponha a Vossa Magestade, que com uma camara assim eleita ninguem se entenderá depois. A objecção póde ser mais ou menos fundada, e póde mesmo ser rigorosamente verdadeira, se a palavra ninguem se limitar aquelles que até hoje se habituaram a entenderem-se com as camaras eleitas, para assim levarem o paiz a este estado. É, porém, absolutamente infundada e falsa a objecção em todas as outras accepções. Tal representação, melhor ou peior, é verdadeira; é a representação nacional; é o paiz, em que Vossa Magestade reina, tal qual elle é. Essa representação, se não se entenderem com ella alguns ou todos os ministros, com os quaes o paiz se não tem entendido até hoje, ha de dar ministros á vontade do paiz, que tem direito de os ter á sua vontade, ha de formar governo, que genuinamente represente a confiança do povo, e que ao mesmo tempo seja digno da confiança de Vossa Magestade. Assim estreitam-se os vinculos entre a nação e o seu primeiro representante. Por este meio respeita-se e cumpre se, por qualquer outro sophisma se e offonde-se, o artigo 4.° da carta constitucional da monarchia, na parte em que elle estabeleceu o governo representativo.
Mandou Vossa Magestade consultar a vontade do paiz, usando da regia prerogativa que lhe confere o § 4.° do artigo 74.° da lei fundamental do estado. Esta camara reconhece e respeita as altas attribuições do poder moderador, independente e irresponsavel, que compete privativamente a Vossa Magestade. Mas, tendo de examinar, se a constituição politica do reino tem sido exactamente observada, esta camara faltaria ao dever, que lhe é imposto pelo artigo 139.° da carta constitucional, se não ponderasse a Vossa Magestade, que o § 4.° do artigo 74.° tem restricção expressa, a qual limita a faculdade da dissolução aos casos, em que o exigir a salvação do estado: emquanto que na lei fundamental existe tambem o artigo 17.°, sem restricção alguma, tão constitucional como o outro, no qual se estabelece para cada legislatura a duração de quatro annos. A duração de quatro annos é a regra geral, a faculdade de dissolver é a excepção taxativa e restricta, segundo a carta constitucional da monarchia. A excepção tem-se convertido em regra, emquanto que a regra já nem por excepção se executa. No curto periodo de tres annos, inferior ao da duração constitucional de uma só legislatura, a camara dos deputados tem sido dissolvida cinco vezes. Vossa Magestade apreciará a legalidade e a conveniencia, com que tem sido aconselhado.
A eleição geral é uma commoção violenta, cuja frequente repetição póde ser perigosa. Por isso a lei fundamental do estado designou expressamente os periodos distantes, em que o acto eleitoral deve ser exercido. A intervenção do poder executivo torna mais violenta-a commoção, e approxima o perigo, que a carta constitucional com tanta rasão, como prudencia, quiz evitar. Esta camara faltaria á verdade e á sua consciencia, se não expozesse claramente a Vossa Magestade, que a constituição politica do reino não tem n'esta parte sido cumprida, e se occultasse que o actual governo excedeu em abusos e videncias eleitoraes tudo o que podia prever-se, igualando e reproduzindo scenas deploraveis de epochas de ominosa recordação.
Esta camara faz ardentes votos, para que Vossa Magestade, assumindo como privativamente suas as altas prerogativas do titulo 5.°, capitulo 1.° da carta constitucional da monarchia, as exerça com a inteira independencia e absoluta irresponsabilidade do poder moderador, não esquecendo que dos outros poderes o que mais precisa de ser moderado é o poder executivo, porque é esse o que mais tende a invadir a esphera legal dos outros, sendo tambem o que encontra mais promptos e mais efficazes os meios da invasão. Se o poder moderador abandona ou confia ao executivo a prerogativa da dissolução, cessa a independencia, desapparece o equilibrio, não póde sustentar-se a harmonia dos mais poderes politicos, e a ordem social não póde manter-se tambem.
Não é a restricção nem a diminuição das altas prerogativas de Vossa Magestade que o paiz deseja, e que as circumstancias imperiosamente reclamam. Pelo contrario: o que todos desejam e o que as necessidades publicas exigem, é a restauração pratica do poder moderador, como chave de toda a organisação politica, exercido privativamente por Vossa Magestade, absolutamente separado do poder executivo, a tal ponto que os ministros conheçam que entre as suas attribuições não se conta a de dissolver a camara, nem a de pedir ou estipular a dissolução, e que assim como a sua nomeação depende da indicação parlamentar, a sua conservação está fatalmente ligada á condição de não perderem no parlamento a confiança da maioria dos representantes da nação.
Mais prodiga que mesquinha, tanto na latitude como na qualidade e numero das prerogativas reservadas ao poder real, foi para com o monarcha a carta constitucional da monarchia portugueza. Todavia ninguem reclama contra o abuso; ninguem pede a restricção; todos desejam uso superior e independente, todos clamam contra a usurpação feita ao poder irresponsavel pelos ministros responsaveis, que, invadindo a esphera do poder de Vossa Magestade, simultaneamente abusara e fogem á responsabilidade, oppondo aos clamores do povo a justa inviolabilidade do Rei.
Vossa Magestade, o primeiro despojado do uso livre das suas altas e privativas attribuições, é tambera o primeiro interessado em não deixar margem a que adquiram consistencia as injustas apprehensões, por emquanto apenas nascentes e só nos espiritos irreflectidos, de que o poder real é causa dos males, quando só é primeira victima, e de que as prerogativas mais essenciaes á ordem e á harmonia dos poderes são incompativeis com a liberdade dos povos o com os progressos da sociedade.