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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
É urgente destruir estas falsas apprehensões. Rompendo o circulo vicioso das organisações ministeriaes; encarregando o poder executivo a pessoa de plena confiança, que em eleição absolutamente livre obtenha do paiz representação absolutamente verdadeira; tomando a iniciativa da reforma politica em alguns pontos da lei fundamental; escolhendo o governo da maioria do parlamento; não deixando impor ao paiz a obrigação de dar maioria aos ministros, mas impondo a estes, como fatal, a obrigação de terem e de conservarem a confiança da maioria dos representantes da nação — Vossa Magestade satisfaz os desejos do paiz, restabelece a harmonia dos poderes, firma a confiança do povo, e, resolvidas facilmente todas as difficuldades que ora se apresentam insoluveis, fará, emfim, surgir uma nova era de prosperidade publica, alliando-se a execução das leis e o respeito pelos poderes constituidos ao desenvolvimento da riqueza nacional e á felicidade d'este povo, talvez o primeiro pela indole e pelos costumes, e que de certo a nenhum outro cede em respeito, em affecto e em dedicação pelo seu monarcha constitucional. Não se perdem em um só dia sentimentos que as tradições de muitos seculos affirmam. O povo portuguez, se pede com impaciencia, espera com plena confiança a salvação do estado, que hoje, principalmente, de Vossa Magestade depende.
A declaração de continuarem inalteraveis as boas relações de Portugal com as potencias estrangeiras é para esta camara motivo da maior satisfação. Para isso muito concorrera, sem duvida, as virtudes e elevadas qualidades de espirito do soberano portuguez, com o qual esta camara por tão fausto motivo sinceramente se congratula.
A tranquillidade publica ter se ía facilmente mantido inalteravel em toda a parte do reino, se a desordem não fosse em alguns pontos provocada e produzida pela illegal intervenção do governo na luta eleitoral. É este facto muito para sentir e deplorar.
A nação portuguza, testemunhando a Suas Magestades os Imperadores do Brazil, augustos parentes de Vossa Magestade, o alto apreço em que são tidas as suas altas qualidades, obedeceu ao sentimento espontaneo de admiração e de respeito, que a todos inspiram o illustrado espirito e ínclitas virtudes de Suas Magestades Imperiaes. Os deveres de gratidão obrigavam tambem todos os que experimentaram, ou conhecem, quanto, para o benevolo acolhimento dos portuguezes no Brazil, concorre sempre o augusto chefe d'aquelle vasto imperio. Na paz, como na guerra, tem Sua Magestade o Imperador do Brazil provado constantemente os elevados dotes de um caracter verdadeiramente superior, que justamente lhe assignaram logar entre os primeiros monarchas liberaes do mundo. Rodeado de instituições democraticas, mantido ali sempre o equilibrio dos poderes politicos, florece o imperio, e attesta na America que o governo monarchico representativo póde seguro rivalisar com a primeira republica do mundo. É que Sua Magestade Imperial, attento sempre, elle mesmo, á voz da opinião, escolhe o governo que lhe parece conforme á maioria, mas nunca o sustenta contra o voto da representação nacional, que ali não verga sob a ameaça da dissolução, antes se vê forçada pela obrigação de constituir governo a não desperdiçar forças em pugnas estereis e a nunca desvairar a opinião, de que vem a precisar, com promessas irrealisaveis de beneficios impossiveis. Ali, desde que uma vez o imperio indicou ao imperante o perigo de dissolver, as dissoluções tornaram-se quasi tão raras como as grandes convulsões da natureza. Diz a historia, que para as lutas politicas cessaram então as rivalidades palacianas, mas o imperio floresceu, e imperio e imperante fazem hoje inveja ao mundo.
As relações mais intimas, tanto politicas como commerciaes, com o imperio brazileiro, serão para ambos os paizes de muita e reciproca conveniencia. Os tratados de commercio, de propriedade litteraria, a facil execução das ordens e sentenças judiciaes, a possivel identidade de legislação commercial, civil e de processo, entre duas nações, nas quaes as mesmas familias têem interesses creados a conservar ou a resolver, são, alem de muitas outras, as medidas que principalmente devem occupar a nossa attenção e a de um bom governo.
O nosso estado financeiro é muito grave, e póde tornar-se quasi desesperado, se o systema, por longo tempo seguido, não mudar immediata e radicalmente.
A simples diminuição da despeza, o desejado augmento da receita, não bastam; e muito menos, como vagos enunciados theoricos. O essencial é que um governo mereça a confiança do paiz e consiga leva-lo a acreditar no que elle actualmente não acredita; — na efficacia dos sacrificios que se exigem, o na sua applicação fiel e rigorosa a remediar o mal que todos sentem.
A confiança no governo, acompanhada de algumas medidas de transição, levará facilmente o paiz a sacrificios extraordinarios, transitorios tambem, mas desde logo bastantes para o inteiro equilibrio do orçamento. A divida fluctuante deve consolidar-se a todo o custo. O novo systema de arrecadação, fazendo cessar a necessidade da representação do deficit, produzirá o adiantamento da receita corrente, evitando a creação de nova divida fluctuante, cancro que hoje não só consome em leonina usura uma grande parte dos rendimentos publicos, mas, peior ainda, é obstaculo invencivel ao desenvolvimento da riqueza nacional, porque nem a agricultura, nem o commercio, nem a industria encontram a juro modico dinheiro no mercado, onde não podem concorrer com o governo, que absorve todos os capitães disponiveis, disputando-os em letras a curto praso, de facil realisação, com alto premio e garantidas com penhor de fundos publicos. Esta concorrencia é invencivel; por isso as fontes de riqueza parecem entre nós quasi exhaustas.
Não é menos necessario, nem menos urgente, alliviar os contribuintes das despezas inuteis, que actualmente são as mais onerosas. Pôde, com segurança, affirmar-se, que o orçamente do estado excederá em saldo a somma do deficit actual, e que os contribuintes pagarão menos do que hoje pagam, se pela simplificação dos serviços desapparecer a obrigação das despezas inuteis. Todos os que hoje têem um negocio a resolver em quasi todas as repartições publicas, nas superiores especialmente, pagam em despeza, em tempo e em trabalho inuteis, um tributo enorme, que, sendo o mais pesado para o contribuinte, nada aproveita ao estado. Temos tambem dez empregados mesquinhamente retribuidos, onde quasi sempre um bastaria depois de simplificado o serviço, podendo ser bem retribuido, como é indispensavel que seja, e resultando ainda grande vantagem para o thesouro. Na organisação dos serviços ha tudo a fazer de novo, e é urgente reforma radical ou antes revolução profunda. Em quasi todos os ramos o systema actual não premeia o merito, incita ao ocio e ao desmazelo, quasi prohibe o esforço e a actividade, porque em vez de recompensar e punir, iguala tudo na retribuição e nas promoções. A concentração da responsabilidade, systema inglez, entre nós experimentado por excepção, mas sempre com vantagem; a absoluta prohibição de accumulação de funcções; a larga remuneração a par da severa responsabilidade; a combinação do maior interesse dos funccionarios com a breve execução dos serviços, tornando a simplificação dependente d'este poderoso incentivo; a plena garantia aos que bem servem; a prompta punição aos que servem mal e aos que muitas vezes nem exercem, são os meios indispensaveis para substituir pela boa ordem o cabos existente. Organisados devidamente os serviços, verse ha evidentemente, que cada contribuinte, reunidas as actuaes despezas inuteis ás contribuições publicas, pagará menos do que hoje paga, e o orçamento em vez de deficit, ha de ter saldo importante.
Dependem as mais importantes reformas da previa reforma politica. O poder judicial, aquelle que mais tem resistido á geral dissolução, aquelle que não poucas vezes tem salvo não só as liberdades individuaes, mas até algumas instituições, demanda nova organisação, que na pra-