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SESSÃO DE 14 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretários os exmos. srs.:
Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado

SUMMARIO

Um officio do ministerio do reino, acompanhando dois processos eleitoraes. - Segunda leitura e admissão de dois projectos de lei apresentados, um pelo sr. Lobo d'Avila e outro pelo sr. Oliveira Martins. - Representações mandadas para a mesa pelos srs. Figueiredo Mascarenhas e Cardoso Valente. - Requerimentos de interesse particular apresentados pelos srs. Ruivo Godinho, D. José de Saldanha e Tito de Carvalho. - Justificação de faltas do sr. Cardoso Valente. - Apresenta um projecto de lei o sr. Baptista de Sousa, e tres pareceres da commissão de marinha o sr. Scarnichia. - O sr. D. José de Saldanha chama a attenção do governo para a necessidade de se reformar a lei que regula as sociedades anonymas de responsabilidade limitada, e ainda para outros assumptos.
Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - Os srs. Cardoso Valente e Figueiredo Mascarenhas pedem, e a camara permitte, que sejam publicadas, o primeiro no Diario do governo e o segundo no Diario das sessões, as representações que mandaram para a mesa.
Na ordem do dia continua em discussão o projecto de lei n.º 138, bill de indemnidade. - Lê se na mesa, e é admittida, a moção de ordem apresentada na sessão anterior pelo sr. Frederico Arouca, a quem responde largamente o sr. ministro das obras publicas. - O sr. Alves Matheus manda para a mesa o parecer das commissões reunidas de instrucção superior e especial e de fazenda, ácerca da proposta de lei n.º 107-M, que melhora os vencimentos dos professores de ensino superior. - A requerimento do sr. Tavares Crespo, são aggregados á commissão de legislação civil os srs. Poças Falcão e José Maria de Andrade. - O mesmo sr. deputado requer, em nome d'aquella commissão, que se envie ao governo, para informar, o projecto de lei n.° 56-C. É mandado com urgencia. - O sr. Antonio Villaça apresenta o parecer da commissão de obras publicas, sobre o projecto de lei n.° 156-A. - É apresentado pelo sr. Scarnichia o diploma do sr. deputado eleito por Angola, Augusto Ribeiro. - É nomeada uma deputação para ir comprimentar Sua Magestade o Imperador do Brazil. - Continuando a discussão do bill, usa largamente da palavra o sr. Dias Ferreira, que combate o projecto e sustenta uma moção de ordem que manda para a mesa, ficando ainda com a palavra reservada.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 60 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Gomes Neto, Augusto Pimentel, Miranda Montenegro, Eduardo de Abreu, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Francisco de Barros, Francisco Machado, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Sá Nogueira, Baima de Bastos, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Scarnichia, Izidro dos Reis, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Ferreira Galvão, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Julio Graça, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Estrella Braga, Visconde de Monsaraz e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Mendes da Silva, Sousa e Silva, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Pereira Borges, Tavares Crespo, Jalles, Pereira Carrilho, Santos Crespo, Victor dos Santos, Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho, Madeira Pinto, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Alves de Moura, Avellar Machado, Barbosa Collen, José Castello Branco, Dias Ferreira, Laranjo, Barbosa de Magalhães, Abreu e Sousa, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Campos Valdez, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Fuschini, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Matoso Santos, Freitas Branco, Francisco Ravasco, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Candido da Silva, Souto Rodrigues, Sousa Machado, Jorge de Mello (D.), Jorge O'Neill, Ferreira de Almeida, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, Alpoim, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Santos Reis, Julio Pires, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Pedro Diniz, Dantas Baracho, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio do reino, remettendo as actas e mais papeis relativos á eleição de dois deputados ás côrtes, pelos primeiro e segundo circulos da provincia de Angola.
Á commissão de verificação de poderes.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A commodidade dos povos do concelho do Sabugal exige que seja modificada a divisão das assembleas eleitoraes.
Solicita em defeza das conveniencias publicas, a camara municipal d'aquelle concelho representa a este respeito nos termos do documento junto.
Interpretes d'esta justa reclamação, temos a honra de vos propor o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° As assembléas eleitoraes do concelho do Sabugal, que faz parte do circulo n.° 57, serão constituidas e terão séde como segue:
1.ª assembléa - freguezias do Sabugal, Villa Boa, Aldeia de Santo Antonio, Quinta de S. Bartholomeu, Rendo; séde, Sabugal.
2.ª assembléa - freguezias de Sortelha, Pena Lobo, Bendada, Castelleiro, Santo Estevão, Moita; séde, Sortelha.
3.ª assembléa - freguezias de Villa do Touro, Pousa-Folles, Lomba, Aguas Bellas e Rapoula; séde, Villa do Touro.

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4.ª assembléa - freguezias de Villar Maior, Aldeia da Ribeira, Bismulla, Ruivós, Ruvina, Valle das Eguas, Badanallos e Valle Longo; séde, Villar Maior.
5.ª assembléa - freguezias de Alfaiates, Aldeia da Ponte, Bebollosa, Nave e Forcalhos; séde, Alfaiates.
6.º assembléa - freguezias de Aldeia do Bispo, Aldeia Velha, Lageosa e Foios; séde, Aldeia do Bispo.
7.º assembléa - freguezias de Valle de Espinho, Quadrazaes e Souto.
8.º assembléa - freguezias de Miuzella, Cerdeira, Parada, Porto de Ovelha e Seixo; séde, Miuzella.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 13 de julho de 1887. = Os deputados pelo circulo n.° 57, Carlos Lobo d'Avila = Vicente Monteiro = J. Simões Ferreira.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de administração publica.

Projecto de lei

Senhores. - A justa retribuição dos serviços publicos é uma necessidade é uma garantia, necessidade exigida pela escolha de bons funccionarios, garantia da realisação de bom serviço.
Cumpre por isso manter o preceito com igualdade. Por este pensamento foi dictado o projecto de lei que tenho a honra de apresentar, e cujos motivos especiaes são os seguintes:
Os ordenados dos guarda-móres de saude de Lisboa, Porto, Funchal e Ponta Delgada foram primitivamente iguaes, e de 500$000 réis cada um. Com o augmento da navegação pelo desenvolvimento do commercio e da industria, cresceu o trabalho nas estações de saude, o os poderes competentes elevaram a 800$000 réis os de Lisboa, Funchal e Ponta Delgada, deixando o do Porto, por falta de procurador solicito, com o ordenado primitivo. É necessario reparar esta desigualdade, desde que se prove que o serviço não é ali menor, como demonstram os numeros seguintes:
As entradas de navios de longo curso de 1880 a 1885 deram no Porto uma media annual de mais de 500, e em Ponta Delgada de muito menos de metade. Contando tambem a cabotagem nos mesmos annos, ha ainda no anno mais desfavoravel para o Porto, que foi o de 1883, uma superioridade de 450.
Em Lisboa entram muito mais, mas o serviço é repartido por tres guarda-móres, com muitas semanas de folga, e tendo o chefe 1:000$000 réis, e os dois outros, alem dos 800$000 réis, o dobro dos emolumentos que tem o do Porto.
Escusado é apontar a estatistica do Funchal; basta dizer que, depois de Lisboa, é incontestavelmente o Porto onde ha um maior movimento de navegação, e mais serviço para o unico guarda-mór que lá existe.
Não é, portanto, justo que aquelle funccionario continue a ser mal e menos equitativamente retribuido.
Taes são os fundamentos justificados do seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É equiparado o ordenado do guarda-mór de saude do Porto ao dos do Funchal e do Ponta Delgada.
Art: 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario. = J. P. Oliveira Martins.

REPRESENTAÇÕES

Das camaras municipaes dos concelhos de Silves, Lagoa e Monchique, pedindo que não seja approvado o projecto de imposto de 20 réis em litro para o alcool de procedencia que não seja de vinho.
Apresentadas pelo sr. deputado Figueiredo Mascarenhas, enviadas á commissão de fazenda e mandadas publicar no Diario da camara
Dos proprietarios, negociantes, imdustriaes e moradores no concelho de Gaia, pedindo que se ligue o porto de abrigo de Leixões com o rio Douro, a fim de se removerem os inconvenientes que acham n'aquella obra.
Apresentada pelo sr. deputado Cardoso Valente, enviada, á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.

De proprietarios, mestres de tanoaria e officiaes de tanoeiros da Figueira da Foz, pedindo protecção para a sua industria, prejudicada com a obra importada do estrangeiro.
Apresentada pelo sr. deputado Cardoso Valente e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Por parte da commissão de legislação civil, requeiro que o projecto de lei n.° 156-C, relativo á compra de propriedades na ilha da Madeira, por parte dos juizes ou commissões directoras dos hereos ou proprietarios confinentes das levadas, seja enviado ao governo, pelo ministerio da fazenda, pedindo informações a respeito dos motivos que obstaram a que se passassem as cartas regias de arrematação de propriedades e todas as mais informações respectivas a este assumpto. = O secretario Antonio Lucio Tavares Crespo.
Mandou-se expedir com urgencia.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

De João Antonio Pereira, general de brigada reformado, pedindo que lhe sejam extensivas as disposições da proposta de lei n.° 104-G, que estabelece novas tarifas para os officiaes em effectividade e para os que de futuro se reformarem.
Apresentado pelo sr. deputado Ruivo Godinho e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

De Frederico Augusto de Abreu Castello Branco, major reformado do exercito do ultramar, fazendo igual pedido.
Apresentado pelo sr. D. José de Saldanha e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

De João Manuel Pereira de Almeida, major reformado do exercito, fazendo igual pedido.
Apresentado pelo sr. deputado Tito de Carvalho e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

JUSTIFICAÇÃO DE FALTAS

Tenho a honra do participar a v. exa. e á camara que faltei por motivo justificado a algumas sessões. = O deputado, João Cardoso Vidente.

O sr. Baptista de Sonsa: - Nas sessões de 27 de abril e 4 do corrente mez tive a honra de mandar para a mesa representações da camara municipal de Sabrosa e
Villa Real, pedindo auctorisação para desviarem das verbas destinadas á viação certas quantias para fins designados nas mesmas representações.
N'essa ocasião não apresentei conjunctamente projecto algum de lei com relação a esse pedido, porque esperava que a commissão respectiva o fizesse; vendo, porém, que até agora não o tem apresentado, resolvi formular o projecto que vou enviar para a mesa, adoptando os fundamentos das representações.
Ficam por elle auctorisadas as camaras municipaes de Sabrosa e Villa Real, ambas do districto de Villa Real, a applicar dos fundos de viação: a primeira, a quantia de

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10:000$000 réis para a acquisição de um edificio para paços do concelho, e a segunda a quantia de 9:000$000 réis para exploração de aguas, sua canalisação e construcção de reservatorios e fontes.
Peço a v. exa. a bondade de dar o devido destino a este projecto, que vae tambem assignado pelo sr. deputado por Villa Real, Pires Villar.
Ficou para segunda leitura.
O sr. Scarnichia: - Por parte da commissão de marinha, mando para a mesa tres pareceres da mesma commisssão.
O primeiro é relativo aos requerimentos dos presbyteros, capellães da armada, João Albino de Aguilar, Antonio Xavier Esteves e Joaquim Antonio de Sant'Anna, pedindo dois d'elles para que lhes seja contado como tempo de serviço effectivo aquelle que permaneceram como capellães extraordinarios, ou addidos ao respectivo quadro, e o ultimo para que lhe seja levado em conta o serviço prestado no exercito.
O segundo versa sobre a pretensão dos engenheiros machinistas da armada, para lhe ser concedido o habito de Aviz; e o terceiro parecer diz respeito á proposta de lei apresentada á camara na sessão de o de maio, e que tem por fim completar os quadros do pessoal graduado do corpo de marinheiros, por meio de algumas disposições temporarias, que constituem um complemento transitorio á reorga-nisação do corpo de marinheiros.
Os tres pareceres foram a imprimir.
O sr. D. José de Saldanha: - Tomo a liberdade, sr. presidente, de mandar para a mesa um requerimento de Frederico Augusto de Abreu Castello Branco, major reformado, que pede que, quando se discutir a proposta de lei, apresentada n'esta camara em 31 de maio ultimo, pelo sr. ministro da guerra, e relativa ás novas tarifas dos soldos dos officiaes, combatentes, não combatentes, e empregados civis com graduação militar, em effectivo serviço, e ás novas tarifas de soldo para os que de futuro se reformarem, lhe seja abonado o soldo,que pela nova tarifa ficar correspondendo á effectividade do posto em que se acha reformado.
Peço a v. exa. que esse requerimento seja enviado á commissão respectiva.
Aproveito a occasião do estar com a palavra, já que se acha presente um membro do governo, para chamar a sua attenção para alguns pontos de administração publica, que julgo importantes, e a que seria bom dar remedio.
Em primeiro logar direi que o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria não podo ignorar a existencia de um facto importante, sobre o qual seria da maxima conveniencia que s. exa. manifestasse o seu modo de pensar, a sua opinião n'esta casa.
Refiro-mo a um assumpto, que muito tem occupado a opinião publica, o que carece de medidas radicaes: refiro-me á lei das sociedades anonymas de responsabilidade limitada foram introduzidas em varios paizes e tambem no nosso, em Portugal, com o fim principal de promover a aplicação, o emprego dos capitaes a emprezas mais menos arriscadas, de interesse geral e que por isso deveriam ser postas em execução, mas que por essa mesma circumstancia encontrariam difficuldades, grandes senão invenciveis, por parte das sociedades ou companhias de responsabilidade illimitada.
As leis relativas ás sociedades anonymas de responsabilidade limitada procuraram, pois, conseguir dois fins:
1.º Promover essas emprezas, mais ou menos arriscadas;
2.º Limitar os fundos dos accionistas, dos interessados, quando essas emprezas falhassem.
Isto posto, convem notar que em Portugal, com respeito á lei das sociedades anonymas de responsabilidade limitada,

lei de 22 de junho de 1867, se tem dado um caso notavel.
Nos outros paizes, em que esses principios vigoram, e principalmente em França, não passa um mez sem que appareçam novas disposições legislativas ou do poder executivo, com o fim de melhorar, de aperfeiçoar, de cohonestar as respectivas leis d'essas sociedades anonymas, e tambem com o fim de garantir, d'entro de certos limites, os lucros aos capitaes interessados nas emprezas regidas por essas leis, isto é, garantir os interesses dos accionistas e dos portadores de obrigações.
Em Portugal o facto notavel que se dá é o seguinte: É que a lei de sociedades anonymas de responsabilidade limitada não tem experimentado modificação alguma desde que foi promulgada!
Isto não póde ser.
É preciso que essa lei seja modificada, melhorada, é preciso que n'este ponto se faça o que se tem feito nos outros paizes; é preciso que a camara e o paiz saibam quaes são as intenções do sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, do governo, sobre este assumpto.
Um outro assumpto de não menor importancia é o que se refere ás matrizes prediaes, relativas ás vinhas completamente perdidas ou destruidas pela phylloxera, porque é necessario, indispensavel, desfazer as duvidas que a esse respeito se tenham levantado ou possam levantar, por parte do fisco.
O sr. deputado, o sr. Frederico de Gusmão Correia Arouca, referiu-se hontem, n'esta casa, a este assumpto, na discussão do projecto de lei n.° 138, bill de indemnidade, e será da maxima conveniencia que o sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, quando responder ao sr. deputado, o sr. Frederico de Gusmão Correia Arouca, queira desenvolver este ponto por fórma a que, por parte das auctoridades fiscaes não haja duvidas, ou difficuldades, no cumprimento da lei.
(Interrupção do sr. ministro das obras publicas, commercio e industria.)
Sei muito bem o que o sr. ministro acaba de indicar com respeito ás leis vigentes sobre a isenção de contribuição predial das vinhas phylloxeradas, mas tambem sei que na pratica as isenções legaes de pagamento de contribuições nem sempre se verificam com facilidade, quando se verificam, porque as auctoridades fiscaes por vezes se esquecem de que são, de que devem ser, meios delegados do poder executiov e que lhes cumpre facilitar, por todos os meios, a applicação das leis vigentes. Tinha em vista chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, para este lado pratico da questão levantada na sessão de hontem pelo sr. deputado o sr. Frederico de Gusmão Correia Arouca, e fico satisfeito com a declaração que o sr. ministro fez de que ha de conferenciar sobre este ponto com o seu collega o sr. ministro da fazenda.
Por ultimo direi alguma cousa sobre as juntas de parochia de Lisboa.
Pela lei em vigor, segundo as disposições do artigo 202.º do codigo administrativo de 17 de julho de 1886, despesas ha que são obrigatorias para as juntas da parochia.
Para fazer face a essas despezas, acham-se indicadas no mesmo codigo administrativo as receitas a que as juntas de parochia devem recorrer, e no n.º 7 do § 1.º do artigo 199.º está apontada a receita proveniente de uma percentagem addicional ás contribuições directas do estado: predial, industrial, de renda de casas e sumptuaria, ou aquellas que as substituem.
Tambem por outro lado é certo que juntas de parochia ha em Lisboa, as quaes, não sendo fabriqueiras, isto é, correndo as despezas com a fabrica por conta das respectivas irmandades do Santissimo, não têem, não dispõem de receita alguma effectiva, real, para occorrer de momento ás despezas obrigatorias, a que já me referi.
N'estas circunstancias todos os addicionaes, a que tambem alludi, só poderão ser cobrados com os impostos res-

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pectivos no proximo anno civil, e, como ha despezas que podem ser adiadas e outras que o não podem ser, claro é que se torna indispensavel tomar providencias por fórma a habilitar as juntas de parochia, nas condições que indique a poderem occorrer a essas despezas inadiaveis.
De uma junta de parochia de Lisboa sei eu, que ponderou superiormente que o governo poderia talvez adiantar-lhe algum dinheiro, se não todo, da futura importancia dos respectivos addicionaes cobrados pelo estado.
Na resposta negativa a essa ponderação encontrou a mesma junta de parochia base para apresentar um outro alvitre, o de ser legalmente auctorisada, como todas as mais em igualdade de circumstancias, a contrahir um emprestimo na caixa geral de depositos, por exemplo, até á quantia necessaria para occorrer ás despezas do anno, sendo essa auctorisação de effeito permanente, porque as circumstancias excepcionaes da cobrança dos addicionaes no fim do anno corrente, isto é, no principio do anno civil seguinte, se repetirão nos annos immediatos.
Esta auctorisação tornava-se indispensavel, não só porque as condições do emprestimo em questão não estão prevenidas no codigo administrativo, mas tambem porque sem essa auctorisação dificilmente poderia qualquer particular, ainda que dotado da melhor boa vontade, fazer um emprestimo gratuito, sem juro, mas seguro, a qualquer junta de parochia nas condições indicadas.
Por tudo isto, peço ao sr. ministro das obras publicas, commercio e industria, e peço com toda a instancia, que s. exa. consiga que o sr. ministro do reino seja informado do que acabo de expor, e tambem consiga que o sr. ministro do reino, de accordo com o sr. ministro da fazenda, faça todo o possivel para que sejam tomadas medidas geraes, a fim de pôr cobro ás difficuldades financeiras de algumas juntas de parochia, pelo menos de Lisboa.
Limito aqui as minhas considerações, pedindo desculpa a v. exa., sr. presidente, de ter tomado algum tempo á camara com a minha exposição; mas a verdade é que, quando pedi a palavra, não tinha tenção de me alargar n'estas considerações.
Achâmo-nos já em um periodo muito adiantado da sessão, não ha sempre ensejo para os deputados da maioria fallarem, e por isso fui levado a aproveitar a occasião para dizer alguma cousa a bem da causa publica.
O requerimento teve o destino indicado a pag. 1754.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Tres são os pontos principaes de que se occupou o illustre deputado. No primeiro referiu-se ás sociedades anonymas, fazendo sentir a necessidade de se reformar a lei que as regula. Direi, porém, a s. exa. que este assumpto vem tratado na proposta do codigo commercial do meu collega o sr. Beirão, e por isso me abstenho de fazer a respeito d'elle quaesquer considerações.
Em relação ao serviço phylloxerico e ás duvidas que se têem levantado contra o lançamento das matrizes, eu direi a s. exa. que isso está providenciado na lei de 16 de junho de 1880, artigo 8.°, que diz o seguinte:
«Artigo 8.° A completa destruição das vinhas pela phylloxera importa a annullação da verba da contribuição predial, conservando-se, porém, o predio na matriz e lançando-se-lhe nova collecta no caso de mudar de cultura.»
Isto é claro; póde haver duvidas; mas a lei é clara.
A mesma disposição se encontra no artigo 30.° do decreto de 7 de dezembro de 1886.
(Interrupção do sr. D. José de Saldanha, que não se ouviu.)
Com relação ás juntas de parochia, devo dizer a s. exa. que desconheço completamente o assumpto, mas communicarei ao meu collega do reino as observações que o illustre deputado acaba de fazer, e estou certo de que elle tomará a esse respeito as devidas providencias.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Cardoso Valente: - Mando para a mesa uma representação dos proprietarios, negociantes, industriaes, e em geral dos moradores da séde do concelho de Gaia, pedindo a construcção de um canal maritimo que ligue o porto de Leixões com o rio Douro e reclamando contra a idéa do caminho de ferro que ligue este porto com a alfandega.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se consente que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Mando ainda para a mesa uma representação dos proprietarios, mestres de tanoaria e officiaes de tanoeiro da cidade da Figueira da Foz, que representam no mesmo sentido em que o fizeram os tanoeiros de Villa Nova de Gaia, pedindo protecção para a sua industria e reclamando contra a nova pauta aduaneira.
Peço tambem a publicação d'esta representação no Diario do governo.
Aproveito estar com a palavra para mandar para a mesa uma justificação de faltas.
Foi auctorisada a publicação das representações, dando-se-lhes o destino indicado no respectivo extracto a pag. 1754.
A justificação vae publicada na secção competente.
O sr. Figueiredo de Mascarenhas: - Mando para a mesa tres representações das camaras municipaes dos concelhos de Silves, de Lagoa e de Monchique, pedindo que não seja approvado o imposto de 20 réis em litro, lançado sobre o alcool que não seja de vinho.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que estas representações sejam publicadas no Diario das sessões.
Assim se resolveu.
Vão publicadas no fim d'esta sessão a pag. 1764.
O sr. Ruivo Godinho: - Mando para a mesa um requerimento do sr. João Antonio Pereira, general de brigada reformado, pedindo que lhe sejam extensivas as disposições da proposta de lei n.° 104-G, que estabelece novas tarifas de soldos para os officiaes em effectividade e para os que de futuro se reformarem.
Este requerimento funda-se principalmente nas proprias palavras do relatorio que precede as medidas de guerra, e é sufficiente para mostrar a justiça e procedencia do pedido.
Terei ainda occasião de voltar a este assumpto e não me hei de esquecer de lembrar á camara que nem só os officiaes superiores precisam melhoria de soldo; tambem os officiaes inferiores e as praças de pret têem direito a serem considerados, porque a vida tambem se torna penosa para elles.
Limito por aqui as minhas considerações aguardando occasião opportuna para desenvolver a minha ordem de idéas.
(S. exa. não reviu.)
O requerimento tem o destino indicado a pag 1754.
O sr. Presidente: - Visto a hora estar muito adiantada, passa-se á ordem do dia. Os srs. deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa podem fazel o.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto do «bill»

O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção mandada para a mesa na ultima sessão pelo sr. Frederico Arouca.
Leu-se.
É a seguinte:

Moção de ordem

A camara, sentindo que as providencias de natureza legislativa, promulgadas pelo ministerio das obras publicas, commercio e industria não tivessem resolvido, ou pelo menos procurado attenua, a crise por que está passando a agricultura, e considerando que algumas d'essas medidas

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tendem ainda a aggravar mais a referida crise, passa á ordem do dia. = Arouca.
Foi admittida, ficando em discussão.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Disse que lhe cabia a honra de responder ao substancioso e elegantissimo discurso do sr. Arouca, e que isso era para si de grande prazer, porque era sempre de grande satisfação terçar armas com adversario tão esclarecido e talentoso. Que lhe agradecia a benevolencia e primorosa cortezia com que por elle fôra tratado, e que era mais um testemunho da boa e sincera amisade, que a ambos ligava d'esde os bancos da universidade. E feitos estes cumprimentos, à la guerre comme, à la guerre, e que trataria de responder ás accusações e criticas, que lhe haviam sido dirigidas.
Que a moção do sr. Arouca fôra ainda um impulso da sua amisade. O politico aproveitára-se da cegueira do amigo. N'essa moção lamentava o sr. Arouca que elle ministro não tivesse resolvido, ou pelo menos attenuado consideravelmente a crise por que passa a agricultura portugueza. Crise analoga atravessam todos os paizes da Europa, tendo sido infructiferos para a debellar os esforços conjugados dos mais robustos estadistas e as providencias complexas adoptadas por todos os parlamentares. O favor da amisade do sr. Arouca presumira que elle ministro era dotado de forças tão colossaes, tão extraordinarias, que era poucos mezes poderia realisar o que esses estadistas e esses parlamentos não tinham podido conseguir em muitos annos. Só assim se podia explicar a moção do sr. Arouca, porque, para ser justo, não poderia de outro modo censural-o por tal motivo. Infelizmente não tinha essas faculdades colossaes, e o problema era tão grave, que ninguem podia alimentar a esperança de só por si e em pouco tempo o resolver.
Sendo este o objectivo da moção do sr. Arouca, o illustre deputado começara todavia o seu ataque, criticando a reforma dos institutos industriaes, a qual não interessa directamente á agricultura. Parecera ao illustre deputado, que esta reforma fôra dictatorial, embora publicada só com a referenda do ministro das obras publicas, e explicou s. exa. os dizeres genericos do bill de indemnidade, que não especifica as providencias dictatoriaes a que se applica, como sendo proposito intencional da commissão respectiva, a fim de assim absolver a reforma dos institutos, e outras que os differentes ministros promulgaram isoladamente, de verdadeiro caracter dictatorial. Tal explicação não tinha rasão de ser. O bill de indemnidade de 1882, relativo á dictadura de 1881, tambem não especificava as providencias dictatoriaes, que em si abrangia. O actual bill fôra redigido segundo esse modelo. E era muito para notar, que o sr. Arouca fôra o relator do bill de 1882, o que de todo em todo mostrava a sem rasão das suas criticas de agora.
O governo estava perfeitamente convencido de que, para reformar os institutos, não precisava de assumir poderes dictatoriaes. E não tinha rasão alguma para disfarçar esse facto, se assim não fosse, visto que, tendo assumido a dictadura, e usado d'ella em larga escala, um decreto a mais ou a menos em nada acrescentaria as suas responsabilidades politicas.
Nem podia comprehender como agora se levantavam taes duvidas a respeito da legitimidade constitucional d'aquella reforma. Em 1879 fôra feita uma reforma pelo sr. Saraiva de Carvalho, tendo-se creado tres cadeiras novas no instituto de Lisboa. A reforma fôra feita por simples decreto, e a opposição regeneradora, que em nada poupava o ministerio progressista, não impugnára essa reforma, nem a accusára de dictatorial. Ora a a reforma de 1886 invocada para fundamentos legaes os mesmos decretos e leis, que tinham sido invocados para a reforma de 1879. A situação era exactamente a mesma, e não comprehendia como podia ser diverso o procedimento da opposição.
O orador lê differentes disposições legislativas, entre outras os decretos de 30 de dezembro de 1852, 30 de dezembro de 1869, e lei de 6 de março de 1884, para mostrar que a reforma dos institutos cabia effectivamente nas faculdades ordinarias do poder executivo, tal como foi feita.
O sr. Arouca censurara tambem n'essa reforma a parte respectiva ás penalidades. Accusára-o de tratar com menos consideração o corpo do professorado d'aquelles estabelecimentos scientificos, estabelecendo para elle palmatoadas, como são a pena de advertencia e censura, de reprehensão registada, etc., cousa a que não estão sujeitos os professores dos outros estabelecimentos scientificos. O illustre deputado laborava num equivoco profundo. Em primeiro logar, convinha dizer que, estando os lentes e professores sujeitos a determinadas obrigações, á falta de cumprimento d'essas obrigações não póde deixar de corresponder uma determinada repressão. Isto é fundamental para todos os serviços publicos e para todas as obrigações sociaes. Seria absurdo pretender se que os lentes e professores podem fazer ou deixar de fazer tudo o que assim quizerem, e que o estado não tem nem podo ter o menor meio de intervenção para corrigir essa preterição dos deveres, que esses professores livremente contrahiram. Portanto, o que haveria a examinar seria se as penas estabelecidas n'aquella reforma excediam os termos d'esta justa e indispensavel correspondencia. Não o mostrara o illustre deputado, que fallára só das penas de advertencia e reprehensão registada, as quaes são as mais leves, que podem ser applicadas.
Em segundo logar, era inexacto dizer-se que os lentes e professores dos institutos ficavam em situação inferior ás dos outros estabelecimentos scientificos, que não estavam sujeitos a taes penas. O nosso mais considerado estabelecimento scientifico regia-se ainda hoje pelo regulamento da policia academica de 1839. Esse regulamento é muitissimo mais aspero e severo, para os lentes e professores, do que a reforma dos institutos, a orador lê em prova algumas disposições d'esse regulamento. Era de advertir, que esse regulamento fôra, para esses effeitos, mandado applicar por differentes portarias a outros estabelecimentos scientificos; e devia julgar-se applicavel tambem a todos os outros que não tivesse regulamentos proprios, como acontecia aos institutos. Por conseguinte, a sua reforma não estabelecera palmatoadas; fizera exactamente o contrario, minorando os rigores e as durezas da legislação vigente. Podia affirmar-se que são os institutos industriaes os que têem hoje penalidades mais suaves, e mais solidas garantias para a dignidade dos professores. Bastaria dizer-se, que o director não tem por si nenhuma das amplas faculdades, que em tal assumpto confere o regulamento de 1839 ao reitor da universidade; que nenhuma pena póde ser applicada sem ser ouvido o conselho escolar, e que, para as penas mais graves, se exige parecer approvativo do conselho de instrucção industrial e commercial e consulta da procuradoria geral da corôa. Se alguem tem a queixar-se, são os professores das outras escolas, que estão n'uma situação evidente de inferioridade. Isto o que mostrava era a necessidade de se codificarem n'um só diploma, e uniforme para todos os estabelecimentos scientificos, os differentes regulamentos de policia. Com essa necessidade concordava, mas não porque a reforma dos institutos carecesse de ser amaciada, porque era a mais macia de todas. E se se fizesse o confronto com a legislação estrangeira, ainda isso mais frisantemente se mostrava.
Também o sr. Arouca censurara a reforma por ter augmentado a despeza. Era verdade. Mas desde já lhe assegurava que quem viesse substituil-o havia de augmental-a ainda mais. E elle, orador, daria o seu voto a quem assim

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procedesse com os mesmos intuitos, com que elle o fizera, sem se importar com a cor politica do ministro.
A despeza tinha augmentado, por se tinham creado algumas cadeiras novas, e desdobrado algumas das antigas. Mas isso era absolutamente indispensavel. O orador lê os algarismos officiaes dos ultimos annos lectivos. Mostra-se por esses algarismos, que qualquer dos institutos tem um numero de matriculas superior ao de toda a universidade de Coimbra. E, todavia, o numero dos alumnos approvados no fim do anno é relativamente insignificante. No ultimo anno, cada alumno approvado no instituto industrial de Lisboa custou ao estado 72$500 réis. Esta verba era enorme, lá fóra esta percentagem chega a descer a 12$000 réis em institutos analogos. No ensino, a verdadeira economia não está em reduzir em absoluto a verba orçamental; está em fazer diminuir a percentagem do custo do aproveitamento escolar; e esta diminuição só poderá conseguir-se facilitando, melhorando, e alargando o ensino.
Se ámanhã, com a reforma feita, cada alumno approvado custar ao estado 50$000 réis em vez de 72$500 réis que hoje custa, terá havido uma economia importante, apezar da elevação da verba orçamental.
A relação dos alumnos approvados para os matriculados tem estado numa grande inferioridade, pela falta de ensino idoneo. Assim, por exemplo: havia em Lisboa um só professor para as cadeiras de francez e inglez, que são das mais frequentadas no instituto. Estas cadeiras tinham de ser desdobradas, porque nas salas nem cabiam os alumnos matriculados; e o pobre professor andava n'um verdadeiro corropio, d'esde pela manha até á noite. O ensino tinha fatalmente de resentir-se d'isto, porque as forças humanas têem limites. Hoje ha um professor para francez, outro para inglez, e um substituto; e a experiencia está já dizendo, que é necessario crear uma nova cadeira de francez, porque o ensino elementar não póde proveitosamente accumular-se com o ensino complementar.
Em desenho succedia peior. Havia tambem um só professor. O ensino do desenho é um ensino essencialmente individual. Dividido por cada alumno o tempo, que o professor podia dispensar-lhe, sendo a divisão feita por igual averiguava-se que o professor não podia dispensar a cada alumno mais de sete minutos... em cada anno! Imagine-se por isso qual tinha de ser o aproveitamento. Em outras cadeiras, succediam cousas analogas.
Os institutos não tinham as cadeiras sufficientes para a frequencia, como não têem salas. O ensino em taes condições tinha necessariamente de ser deficientissimo. A isto se deve attribuir a desconsoladora desproporção entre o numero de alumnos approvados e os matriculados. O regimen do desdobramento das cadeiras, com que se pretendia corrigir este estado de cousas, era por mais de um titulo defeituoso. Salta isto aos olhos, sabendo-se que ha professores no instituto, que o são tambem n'outras escolas, e que alem d'isso, exercem outras funcções officiaes. É mil vezes preferivel augmentar os ordenados aos professores, mas que cada um reja só a sua cadeira, para que a possa reger bem.
Nas escolas industriaes já se não dá a mesma desproporção desconsoladora entre o numero dos alumnos approvados e dos matriculados. Ahi a proporção é regular, e talvez mais favoravel até que na maior parte dos estabelecimentos scientificos. Isso é ainda prova de que o defeito não está na natureza do ensino, visto elle ser industrial em ambos os casos, mas na efficacia ou deficiencia d'elle.
A frequencia de alumnos, que affluem em tão grande numero aos institutos, manifesta-se por igual fórma nas escolas industriaes. O sr. deputado, a quem tinha a honra de responder, poderia ver na escola marquez de Pombal, em Alcantara, que havia um numero crescido de alumnos supplementarcs, os quaes pacientemente esperavam nos corredores da escola, que houvesse logares vagos por ausencia de alumnos effectivos para irem occupar esses logares. No Porto, houvera o anno passado tumultos e desordens á porta da escola de desenho industrial, disputando os operarios a murro a entrada. Era para elle, orador, uma verdadeira dor de alma ver esta avidez na procura do ensino industrial, e não poder satisfazer a ella! Este movimento, por isso mesmo que é espontaneo, traduz uma grande necessidade da nossa vida social. Evidentemente, o paiz está saturado de bachareis, de medicos, de engenheiros, de padres. Os respectivos estabelecimentos, onde alias a frequencia de alumnos tende a decrescer, produzem mais do que é preciso. E note-se, que isso corresponde a tradições e preconceitos enraizados nas familias, que julgam nobilitar-se e nobilitar seus filhos, dando-lhes umas cartas, que muitas vezes só lhes servem para disputar logares inferiores na administração do estado. É a força da rotina e do preconceito social, que determina essa frequencia. Nos institutos e nas escolas industriaes não é isso; o movimento é espontaneo, o que quer dizer, que provém de necessidades imperiosas da nossa vida social. E, por isso mesmo, convém animal-o e favorecel-o por todas as maneiras. Nem de outra fórma será possivel restaurar em solidas bases o trabalho nacional.
Fôra por estas considerações, que se determinara, quando decretara a reforma dos institutos industriaes. Mas essa obra está apenas começada. Tem de se ir muito mais longe, e por isso disse, no começo do seu discurso, que quem o substituir ha-de augmentar a despeza. É preciso fundar edificações, em que os dois institutos possam funccionar devidamente; é preciso augmentar-lhes as dotações para o ensino pratico e experimental, como essencialmente deve ser o que ali se professe; é preciso crear escolas profissionaes. N'uma palavra, assim como ha lyceus, escolas superiores e universidade para as classes ricas ou para as profissões que entre ellas se exercem, é necessario creal-as para as classes populares, para as classes operarias. A avidez com que este ensino é procurado, mostra que isto não é um programma de democracia avariada ou de socialismo barato, mas uma necessidade instante do nosso renascimento social.
E tendo assim justificado a sua reforma dos institutos, passava elle, orador, a tratar da reforma dos serviços anti-phylloxericos, que tambem tinha provocado as censuras do sr. Arouca.
Tratando de responder á segunda parte do discurso do sr. Arouca, disse o orador que as reformas que fizera nos differentes ramos dos serviços agricolas foram auctorisadas pelo artigo 99.° da referma da secretaria do ministerio das obras publicas. Esse artigo falla expressamente dos serviços agricolas. Era uma auctorisação dictatorial, mas fôra n'esses termos que ficara consignada.
Fallando dos serviços anti-phylloxericos, o sr. Arouca tinha dito que elles haviam sido reformados segundo as regras infernaes da burocracia. Elle, orador, via-se por este modo guindado á dignidade de Plutão ou de Bertrand, o sr. director geral da agricultura seria Mephistopheles, e os chefes de repartição, officiaes e amanuenses sob suas ordens seriam outros diabinhos, com o qual se poderia cantar o sabbat da opera de Boito. Francamente não pedia com tamanha gloria nem tinha hombros para tão arrojados commettimentos. Pedia ao seu illustre amigo que lhe d'esse baixa na classificação satanica.
A verdade era, que a reforma dos serviços anti-phylloxericos não fôra subordinada a nenhum pensamento de concentração burocratica. Não houvera verdadeiramente centralisação; houvera apenas regularisação de um serviço que ameaçava tornar-se cahotico. Não desconhecia os importantes serviços, que tinham prestado as commissões anti-phylloxericas, e principalmente os seus presidentes, serviços tanto mais para agradecer quanto tinham sido absolutamente gratuitos; mas isso não era rasão, para que, tendo este assumpto assumido uma importancia cada vez maior, não fosse sujeito ás normas geraes de todos os outros serviços agricolas.

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As duas commissões centraes anti-phylloxericas (norte e sul) tinham sido creadas na vigencia da agricultura districtal organisada conforme o decreto de 28 de fevereiro de 1877. Foram creadas pelo decreto de 2 de novembro de 1880, mas já como expediente tendente a subordinar á acção do governo esses serviços. O decreto de 1877, como se sabe, tornava os agronomos, e os respectivos serviços agricolas, só dependentes da administração districtal. Que fez o decreto de 1880, que creou as commissões anti-phylloxericas? ! Deu ás commissões os serviços puramente administrativos, e confiou os serviços technicos a dois inspectores e aos agronomos. Os inspectores correspondiam-se directamente com o governo, e os agronomos correspondiam-se com o governo por intermedio dos governadores civis. Ora hoje succedia exactamente o mesmo. Ha, como anteriormente, dois inspectores, e em vez dos agronomos districtaes ha os agronomos regionaes e o mesmo pessoa supplementar e auxiliar. A differença estava em que os serviços administrativos tinham passado para as repartições officiaes, e ninguem póde sustentar a conveniencia da adopção do principio contrario.
Dissera que tinha havido regularisação, e não centralisação de serviços, e carecia de completar a demonstração do seu asserto. A divisão dos serviços, que primeiro fôra estabelecida d'aquella fórma, complicou se dentro em pouco. Toda a gente passou a mandar e em tudo. Segundo se vê do artigo 30.º do decreto de 5 de agosto de 1882, o pessoal technico podia receber ordens do governo, das commissões centraes, dos governadores civis, das juntas geraes e das commissões districtaes. Ora, segundo um proloquio popular, panella em que mexe muita gente dá o caldo esturrado. A intervenção do governo lá estava ainda affirmada em primeiro logar; supprimir as outras não era, portanto, centralisar, visto que aquella intervenção já predominava; era simplificar e arredar uma causa permanente de confusão o de perturbações de varias especies.
Que estes receios não eram imaginarios, provavam-no os factos; e o sr. Arouca mal podia accusar a elle ministro por tal motivo, quando assim conseguira debellar uma causa de agitação, para a qual o illustre deputado chamara o anno passado a sua attenção. Referia-se á liga agraria, que principiara a formar-se no Douro, com o intuito de restringir o commercio de vinhos de outras provincias, que se faz pela barra do Porto. N'essa questão, o sr. Arouca mais de uma vez dera os seus applausos ás declarações que elle ministro fizera no parlamento. Todavia, a agitação no Douro crescia e ameaçava tornar se perigosa. Qualquer que fosse o modo de encarar essa questão grave, cumpria deixar os poderes publicos completamente livres da pressão de perturbações populares e da ameaça de ligas agrarias. Só assim os poderes publicos resolveriam com plena liberdade. Era certo que os promotores, d'esse movimento tinham o seu principal ponto de apoio da commissão anti-phylloxerica do norte. As duas questões eram, ao menos apparentemente, distinctas; mas a concordancia das pessoas fazia com que aquelle apoio se derivasse da propria instituição official. E, de facto, supprimida a commissão anti-phylloxerica, aquelle movimento caiu de per si, sem necessidade de nenhum esforço violento, o que prova que o golpe foi bem dirigido. Não comprehendia, pois, como o sr. Arouca censurava aquella providencia, qualificando-a até de infernal. Era ingratidão sua: o illustre deputado devia até agradecer-lho o ter tão de prompto, e por um modo tão efficaz, dado satisfação ás suas reclamações anteriores.
Como ía dizendo, a reforma dos serviços anti-phylloxericos não centralisára; simplificára. A centralisação onde se deu foi na organisação geral dos serviços agricolas, que passou a ser uma dependencia directa da nova direcção geral de agricultura, acabando-se com a agricultura districtal. Mas, d'este ponto não lhe parecia, que alguem podesse erguer-se a fazer-lhe censuras. A agricultura districtal caíra n'um tal descredito, que no interesse da agricultura era necessario acabar com ella. Fôra sempre centralisador, desde os bancos da universidade, e hoje havia uma reacção vigorosa do espirito publico n'esse sentido; a agricultura districtal fôra uma das demonstrações mais completas dos perigos da chamada descentralisação administrativa. E o peior fôra o desanimo e a descrença nos processos scientificos, que o mallogro d'essa tentativa incutira no espirito publico. A rotina creára com isso novas forças e hoje luctava-se com grandes difficuldades para attrahir os lavradores e agricultores ás experiencias aconselhadas pela sciencia moderna, porque essa sciencia ficara de todo desacreditada com os tristes resultados da agricultura districtal. Se alguma cousa se poder fazer de bom será sob a acção persistente e illustrada de uma vontade e direcção unicas.
Também o sr. Arouca censurara a reforma dos serviços anti-phylloxericos por ter augmentado a despeza. Disse que tinham sido extinctas as commissões centraes, que eram gratuitas, para serem substituidas por um pessoal remunerado. O illustre deputado estava em erro. Os ultimou orçamentos das commissões centraes, de 1886-1887, subiam a 65:000$000 réis; abatendo 2:500$000 réis para a cultura do tabaco, e 20:000$000 réis para o sulfureto, restavam 42:500$000 réis, exclusivamente destinados ao pessoal. Hoje, como se póde ver do orçamento geral do estado apresentado para o exercicio de 1887-1888, o pessoal phylloxerico custa apenas 25:000$000 réis. Ha, portanto, a economia effectiva de 17:500$000 réis, em vez do augmento de despeza arguido pelo illustre deputado. A economia era superior á que fôra calculada no relatorio do respectivo decreto, onde se diz que ella seria de réis 14:000$000; relatorio que, por isso mesmo, não merecia a qualificação de serodio e vulgar, a qual em caso nenhum lhe podia ser applicada, tendo, como tem, alem da sua assignatura, as assignaturas do sr. presidente do conselho e do sr. ministro da fazenda.
O sr. Arouca atacara com grande vehemencia o disposto nos artigos 28.° e 29.° do decreto de 9 de dezembro de 1886, considerando-o como um perigo e uma causa de ruina para a agricultura, defendendo o que anteriormente se dispunha na lei de 1 de junho de 1882. Quem ouvisse o sr. Arouca diria que elle, orador, praticara o maior dos maleficios na isenção por dez annos, estabelecida no artigo 29.°, de imposto predial para as vinhas plantadas de novo em territoiio phylloxerado. Segundo o sr. Arouca, esta protecção concedida á cultura da vinha tendia nada menos do que a crear gravissimos embaraços economicos. Ia desapparecer a cultura dos cereaes, que tão necessaria nos é, iam desapparecer as outras culturas, e tudo passaria a ser cultivado de vinha.
Convinha em primeiro logar examinar essa lei sabia de 1 de junho do 1882, cuja reforma o illustre deputado tão energicamente censurara. O n.° 2.° do artigo 1.° d'essa lei dispunha que ficassem isentas de contribuição predial por cinco annos as vinhas perdidas ou quasi perdidas que fossem restabelecidas pelo tratamento phylloxerico, contando-se os cinco annos da epocha em que de novo produzissem rendimento liquido. Elle, orador, chamava-lhe lei sabia, por sujeição ou preceito constitucional, que manda ao parlamento fazer leis sabias e justas. Se não fora isso, diria que a lei tinha sido feita por sr. Calino. É uma hypothese estupenda a que a lei figura de haver vinhas que, depois de perdidas, venham a restabelecer-se. É como que fallar de um morto, que resuscite. O quasi perdidas pouco dista em absurdo para o tratamento phylloxerico; porque, segundo a opinião de mr. Jaussan de Béziers e de outros especialistas, o tratamento que se faz depois do apparecimento das nodoas vem já, pelo menos, dois annos mais tarde do que devia; e quando uma vinha se mostre, á simples inspecção, como quasi perdida, só em casos muito excepcionaes o tratamento lhe poderá aproveitar. D'onde

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se conclue, que as hypotheses e a redacção do n.° 2.° do artigo 1.° da sabia lei de 1 de junho de 1882 eram simplesmente absurdas. O n.° 3.° do citado artigo isentava de contribuição predial, por dez annos, as vinhas que, depois de perdidas, fossem replantadas. Acrescia, no primeiro caso, que a isenção do imposto começava quando a vinha tornasse a produzir, isto é, quando ella estivesse de novo em estado de soffrer esse encargo, não havendo a isenção durante o periodo critico e angustioso do tratamento!
Que fez o decreto de 9 de dezembro de 1886? No artigo 28.° estabeleceu a mesma isenção de cinco annos, mas abrangendo o periodo do tratamento, e corrigindo o disparate das vinhas que depois de perdidas haviam de tornar a renascer. E no artigo 29.° estabeleceu a mesma isenção de dez annos, mas ampliando-a á replantação que se fizesse, quer no sitio anterior, quer em outro sitio novo, comtanto que fosse em terreno phylloxerado. Era intuitivo o motivo. O solo da vinha velha poderia estar esgotado em muitos casos; nem o estado nem o particular lucravam em replantar ahi a vinha, tendo ao pé terreno melhor para isso. Se a replantação mereceu protecção e favor á propria lei de 1882, que o sr. Arouca defendêra, seria absurdo obrigar a replantação em condições pessimas. Sabe-se que o melhor conselho, que se póde dar a alguns viticultores, é abandonarem os terrenos esgotados e fazerem plantios novos. Assim se tem feito agora no Douro com grandissimo proveito. Pois fôra esta innovação, que é de simples bom senso, a que motivara tão grandes clamores por parte do sr. Arouca, que a considerara como ruinosa para a agricultura!
Não podia comprehender isto, e tanto mais porque elle, orador, encontrava já na legislação anterior e vigente isenções muito mais amplas. O regulamento de 25 do agosto de 1881 sobre contribuição predial, nos nos. 9.°, 10.° e 11.° do artigo 1.°, insere isenções de imposto, que vão desde cinco ate vinte annos, conforme os casos, aos que cultivarem baldios, terrenos abandonados de cultura ha mais de trinta annos, terrenos conquistados ao mar, paues, vertentes de montanha, etc. Ahi estava o mesmo grande maleficio! Essa cultura podia ser de vinha, e podia para ella a isenção ser de vinte annos, isto é, o dobro da que fôra estabelecida para os casos do decreto de 9 de dezembro de 1886. E todavia, ainda ninguem se lembrara de dizer, que aquelle decreto fomentava á mina da agricultura por aquella protecção eventual concedida á cultura da vinha!
Infelizmente, a influencia decisiva que o sr. Arouca queria attribuir aquelle favor proteccionista da cultura não existia. Temos 100:000 hectares de vinha invadidos pela phylloxera; 30:000 podem julgar-se completamente perdidos; e só ha em tratamento 4:000 hectares, correspondentes a 800 toneladas de sulphureto de carbonio. Se n'alguns pontos, muito raros, se lucta com grande energia, e com igual proveito, em outros, por exemplo, no districto de Bragança, deixa-se avançar o flagello, n'uma grande inercia, que a nossa raça herdou do fatalismo musulmano. Nem o mal é combatido, nem as vinhas replantadas!
Na Extremadura succede o contrario, pelo menos emquanto ao plantio. E era acertado; porque, nas condições do mercado dos ultimos dois annos, bastará que as vinhas novas vivam seis annos para pagarem de sobra os encargos da plantação e cultura.
Em vez d'isto queria o sr. Arouca que se favorecesse a cultura dos cereaes, e que se restringisse a cultura da vinha. Ao mesmo tempo notava que a companhia das lezirias tivera nos ultimos quatro annos uma diminuição de 640:000$000 réis na valorisação das suas terras. De modo que o conselho do illustre deputado é para que se alargue uma cultura que arruina os proprietarios e os lavradores!
Não podia perfilhar tal opinião, antes havia de combatel-a com todas as suas forças. Entendia, que a cultura cerealifera, está entre nós mais alargada do que convem, porque a producção se faz na maior parte dos casos em condições, que não podem ser remuneradoras. O sr. Arouca tinha posto em duvida que houvesse no nosso paiz campos de milho que produzissem 120 sementes, como elle, orador, tinha dito de outra vez. Pois ha. Os campos da Gollegã têem dado essa producção, e ainda maior. O paul da Gôcha, no concelho de Almeirim, dá regularmente 90 sementes; e não produz trigo, porque o peso da espiga faz dobrar a canna antes d'aquella amadurecer. Na veiga de Chaves dá-se tambem aquella producção; e ha um terreno especialissimo, a Villariça, onde a producção chega a 300 sementes. O orador explica o que é a Villariça; é o delta do Sabor ao entrar no Douro. Esse delta é formado por alluviões annuaes, e varia todos os annos.
Diz o orador, que estes factos não invalidam de fórma alguma, antes confirmam, a opinião que emittiu que um dos males da nossa cultura cerealifera é a falta de lavoura funda. Effectivamente, na Villariça, como em alguns magnificos campos ribatejanos, a lavra faz-se á superficie.
Mas isso succede, porque a natureza e a corrente dos rios se incumbem de revolver os terrenos a maior profundidade. Os terrenos de nateiro são molles, brandos, e as raizes das plantas facilmente mergulham n'elles. Basta que o arado arranhe a crusta endurecida pelo sol. Mas, nos terrenos, que não estiverem n'essas condições, é necessario que a charrua suppra a falta das forças da natureza, para que as raizes possam mergulhar. É elementar, que quanto mais fundo descem as raizes, mais fortemente a planta se alimenta.
Em muitos terrenos cultivados de cereaes, a lavoura não se faz tão funda como podia ser feita; em outros, a natureza d'esses terrenos torna impossivel que ella assim se faça. Nas chamadas terras altas, ha muitos terrenos assim. E uma insensatez cultival-os de cereaes. O melhor que haveria a fazer seria cultival-os de mato ou de hervagens, como os inglezes têem feito, para alimento do gado. Um dos grandes males da nossa agricultura, como já fôra reconhecido pelo sr. Antonio Augusto de Aguiar, é a falta de adubos.
Ha hoje numerosas fabricas de adubos chimicos; mas esses adubos só com muita cautela podem ser empregados, porque tendem a esgotar rapidamente as terras, em-quanto que os adubos animaes e vegetaes lhes robustecem as forças nutritivas. Por isso dizia, que em vez de se favorecer a cultura de cereaes, mais valeria transformar em pastagens ou mato muitos dos terrenos empregados n'essa cultura tão pouco productiva.
Uma boa parte dos terrenos cultivados de milho podia servir admiravelmente para a cultura da beterraba, com que hoje se fabrica o assucar, que nos vem da Allemanha e da França. Os residuos da fabricação servem para alimentação do gado. Ahi estava um largo horisonte para ricos emprehendimentos agricolas. E era bem melhor que os nossos agricultores, com o indispensavel auxilio dos capitaes, explorassem esses novos horisontes, do que teimassem em se manter agarrados á rotina, querendo que de perigosas e artificiaes protecções lhes venha o remedio.
Não se póde dizer que tenhâmos vinha em excesso, nem se deve favorecer a cultura dos cereaes, que pelo contrario convem restringir. A vinha, apesar da crise grave que atravessa, offerece uma remuneração alta. Ainda mesmo que baixe o preço dos mercados, essa remuneração convida á cultura. Um intelligente administrador e habil agricultor, o sr. conde do Paço do Lumiar, que ha pouco mandara plantar de vinhedo a chã da sua quinta das Varandas, affiançára ainda ha pouco ao orador que, com a cava feita por charruas, e com a poda feita á tesoura, poderia vender o seu vinho a 12$000 réis a pipa, tirando lucro. Nem todas as vinhas, principalmente as de encosta, poderão descer a este preço de producção; mas é innegavel que podem descer dos actuaes preços, com a cultura remunerada sufficientemente.

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Tanto basta para que se deva favorecer a cultura da vinha.
Era preciso, sim, manter abertos os mercados ; mas para isso muito deviam contribuir os viticultures e negociantes de vinho. O sr. Arouca dissera que se perdêra para nós o mercado da America, porque os hespanhoes e francezes tinham imitado os nossos vinhos. Não era exacto, porque sempre os vinhos typos deveriam valer mais que as imitações. Nós perdemos quasi de todo o mercado do Brazil, por duas rasões principaes: a primeira, porque não temos sabido accommodar os nossos vinhos aos paladares modernos, no que têem sido insignes os nossos concorrentes; e a segunda, por causa das fraudes repetidas, com que esse ramo do nosso commercio se desacreditou.
O que succedêra o anno passado ? Os nossos lavradores repetiram a fabula do ambicioso que matou a gallinha dos ovos de oiro, na esperança de lhe arrancar de uma vez o thesouro que ella tinha no ovario. Os compradores fugiram espavoridos. Depois, houve logo negociadores tão desalmados que não poderam deixar de recorrer á fraude e de empregar a fuchsina para corarem os vinhos; e houve um jury tão pouco cônscio das suas responsabilidades sociaes, que absolveu esse crime. Continuando por esse caminho, succeder-nos-ha, a respeito do mercado de Bordéus, o mesmo que nos succedeu a respeito do mercado do Brazil. Mas então não nos queixemos do alargamento da cultura da vinha e da imprevidencia dos governos; queixemo-nos da nossa má cabeça e dos nossos erros.
O sr. Arouca sabia que era grande a differença entre a nossa importação e a nossa exportação. A theoria da balança do commercio tem um grande fundo de verdade, e neste sentido ha hoje uma reacção geral entre os economistas. O nosso deficit de exportação é grande, e saldamol-o em grande parte com as receitas de uma grande calamidade, que é a emigração. O dinheiro que vem do Brazil, é que nos dá esse saldo. Portanto, todos os nossos esforços devem tender a augmentar a exportação. Ora, o vinho é um genero essencialmente de exportação. Póde talvez dizer-se com afouteza que foi o vinho quem nos salvou nos ultimos annos de uma crise financeira e bancaria muitissimo mais grave do que a de 1876. Os cereaes nunca podem ser para nós um genero de exportação; e, por mais que façamos, por mais encargos que lancemos ao consumo para favorecer a sua cultura, nunca poderemos dar a esta o necessario equilibrio e chegar a produzir para as nossas proprias necessidades. D'onde resulta que todo o nosso interesse economico está em alargar a cultura da vinha, tratando sempre de lhe manter mercados, por ser esse genero essencialmente de exportação, e compensador do grande deficit que temos na balança do nosso commercio internacional.
O orador passa em seguida a fallar do inquerito agricola.
Fallara o sr. Arouca do inquerito agricola, criticando a organisação d'esse serviço, e principalmente a deficiencia dos themas. Elle ministro não acompanharia o illustre deputado em todo o desenvolvimento das suas criticas, porque lhe bastava consideral-as na sua generalisação. O inquerito fora organisado conforme as bases adoptadas por competentissimos, e que n'isso se tinham regulado pelos mais recentes trabalhos analogos feitos no estrangeiro. O mesmo succedera a respeito dos themas. O sr. director geral de agricultura fora incumbido d'esse trabalho pela grande commissão. A sub-commissão incumbida de examinar o trabalho proposto approvara-o por unanimidade consignando um voto de agradecimento ao sr. director geral. Esse parecer tinha a assignatura de homens como o sr. Paulo de Moraes, o sr. Oliveira Martins, e o sr. Ferreira Lapa; isto é, homens que fazem auctoridado. O procedimento d'elle ministro não podia ser outro senão confirmar o que assim fora auctorisado e authenticado. Não havia gente melhor na terra.
A verdade era que os themas não podiam descer às minucias e desenvolvimentos que o sr. Arouca desejava. Quanto mais simples, mais garantias darão de poderem servir de proveito. Em Franca, no primeiro inquérito agricola, o de 1846, os themas eram muito complicados, como o sr. Arouca os desejava. O resultado foi cair-se n'uma grande confusão. Por isso, no segundo inquerito os themas foram já mais simplificados, e no terceiro ainda muito mais simplificados foram. Era esta a regra da experiencia alheia que convinha seguir.
Lamentára o illustre deputado, que o inquerito não tratasse com largueza e interesse especial da situação dos nossos gados. A esse respeito dissera o sr. Arouca que entre nós se ignoram quaes as aptidões zootechnicas das principaes especies pecuarias, e que no nosso paiz não havia documento official que trate de tão momentoso assumpto. Esta affirmativa, pede licença para dizel-o, não era exacta. Esse documento official existe e profusamente espalhado, desde 1873; é o recenseamento geral dos gados, relativo a 1870. Este trabalho, muito importante em si, é muito notavel pelas considerações geraes e analyticas que o acompanham, e que são firmadas por um dos mais distinctos zootechnistas da Europa, o sr. conselheiro Silvestre Bernardo de Lima. N'esse livro relatam com toda a proficiencia os intendentes de pecuaria geraes as raças predominantes em cada districto; sua importancia absoluta e relativa; destino industrial; regimen relativo á alimentação, producção, trabalho e engorda, estado prospero ou decadente, etc. Não existe, portanto, a falta que o sr. Arouca censurára.
Do inquerito agricola, assim ampliado a situação pecuária, queria o sr. Arouca que se derivassem os estudos necessarios para se reorganizarem racionalmente as coudelarias nacionaes, porque só por este modo se poderia averiguar quaes os typos que, pelo cruzamento, tinham dado entre nós melhores resultados. Parecera-lhe isso, a elle orador, escusado e impraticavel, pelo que passava a expor.
No nosso paiz tem-se gasto bastante dinheiro para organisar devidamente os postos hippicos, mas a verdade era que se tinha gasto quasi sem nenhum resultado, por falta de methodo e systema. Umas vezes compravam-se, para reproductores, cavallos arabes; outras, cavallos inglezes, e estes mesmo de differentes typos; outras, anglo-normandos, etc. Alem disso, os postos não eram seguidamente sustentados com os mesmos typos anteriores, acontecendo mandar-se para um posto um cavallo arabe, e no anno seguinte mandar-se para o mesmo posto um cavallo normando. Resultára d'ahi uma tal mistura de sangues, que se tornava absolutamente impossivel derivar do que se tem feito qualquer ensinamento proveitoso para o futuro. O unico ensinamento é que é preciso mudar de rumo radicalmente. Salvas rarissimas excepções de creadores particulares, a nossa producção cavallar accusa um desleixo vergonhoso. Não ha quasi nada que apurar e escolher.
Entendeu, por isso, que convinha fazer por uma só vez um esforço maior, e fundar um novo estado de cousas, que possa, dentro de quinze a vinte annos, regenerar completamente as raças cavallares portuguezes. Para o typo dos pães, não podia haver duvidas fundamentadas. Sempre que se tem tratado de regenerar a producção cavallar, vae-se buscar o cavallo arabe, que é o cavallo pae por excellencia, o que conserva mais vividos os elementos caracteristicos. A Inglaterra, no século passado e nos principies do seculo actual, importou para esse fim mais de mil cavallos arabes e berbéres. A Hungria, que hoje tem uma producção cavallar justamente afamada e talvez superior em qualidade e quantidade á da Inglaterra, recorreu ao mesmo processo. A raça andaluza e a raça de Alter tiveram paes arabes. A França está tratando com grande esforço da sua producção cavallar, e recorreu ao cavallo arabe. O mesmo tem feito e continua fazendo a Allemanha, salvo para certos typos especiaes de tiro. Por conseguinte, a este respeito

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não podia haver duvidas. Por isso resolvêra tambem mandar comprar ao oriente cavallos arabes.
As duvidas surgiam a respeito da escolha das eguas. N'este ponto queria ser muito franco e dizer a verdade toda. Mandara comprar éguas inglezas, e nisso tivera contra si a opinião geral dos homens technicos. Fôra esta a unica resolução de algum vulto adoptada pela direcção geral de agricultura, que não fôra precedida de parecer da repartição. Sabia que esse parecer seria contrario. Mas teimou.
As eguas inglezas têem uma grande massa de sangue arabe, o que deve tornar mais facil e harmonico o cruzamento com cavallos arabes pur sang. Ao mesmo tempo, sendo em geral o cavallo arabe pequeno do corpo, posto que nalgumas variedades, como na raça de Mesopotamia, attinja desenvolvimento normal, convinha corrigir pela avantajada corporatura das eguas inglezas esse defeito dos garanhões. As raças arabes mais finas são precisamente as mais minguadas do corpo. E, como as éguas inglezas, alem do sangue, têem elegancia e têem musculatura rija, insistiu elle ministro em escolher este typo, pouco sabendo do que se fazia lá fora, e não se deixando vencer pelos reparos d'aquelles que lhe diziam serem ellas difficeis de acclimar, o que daria em resultado uma quasi esterilidade ou producção defeituosa.
Tinha já em seu poder as informações enviadas pelos commissarios, que tinham ido comprar as eguas, e o chefe da missão, que saira de Portugal com aquellas preoccupações, dizia-lhe numa carta, que dava as mãos á palmatoria. Precisamente é com eguas inglezas e cavallos arabes, que se está fazendo em Aranjuez uma coudelaria magnifica; e é igualmente com este cruzamento que se restaurou a famosa coudelaria de Pompadour, talvez a primeira de França. Em França poz-se já quasi completamente de parte o typo do cavallo de corrida, que é detestavel para producção normal; e na coudelaria de Pompadour viram os nossos commissarios muitos exemplares, de uma elegancia de formas, e de um vigor de musculatura inexcediveis. Por intuição, ainda mais do que por conhecimento de causa, teve rasão contra os technicos.
As coudelarias, que se tratava de fundar, não eram para fornecer cavallos às feiras. Não está na missão do estado o exercer industrias. As coudelarias tinham por fim fornecer cavallos de padreação escolhidos, o de um typo uniforme, para os differentes postos hippicos, a fim de se constituir uma boa raça nacional. Tinhamos a raça do Alter, que, para manejo fora reputada como a melhor do mundo; mas esse typo não podia servir para o cavallo de guerra, para o cavallo solido, de trabalho.
E a este respeito, parecia-lhe que o sr. Arouca laborara num equivoco, quando dissera que a raça de Alter fora filha de cavallos árabes e eguas inglezas. Até agora, estava na persuação de que fora filha de eguas andaluzas, sendo d'ahi que lhe vinha a cabeça dolicocephala, chamada vulgarmente de feijão ou acarneirada. Este typo de cabeças foi posto em voga por uma cortezã celebre, que teve um alto predominio em França; d'ali generalisou-se pela Hespanha, e principalmente pela Andaluzia, modificando o bello typo de cabeça do cavallo arabe. Como os cavallos não respiram tambem pela boca, o só pelas ventas, a cabeça acarneirada faz com que elles bebam o ar com menos facilidade, o que é uma causa de cansaço. É esta uma das rasões porque esse typo de cabeça está sendo completamente posto de parte, até em Hespanha, onde aliás predominou. Julgava, que era d'ahi, que tinha vindo a cabeça acarneirada da raça de Alter, bem como aquelle extraordinario jogo de mãos, tambem hoje posto de parte, pelo qual o cavallo tocava algumas vezes com as ferraduras nos estribos. Não valia, porém, a pena insistir n'esta investigação, que era do interesse secundario.
O sr. Arouca censurara tambem a escolha de uma quinta nos suburbios de Coimbra para estabelecimento de uma das coudelarias, dizendo que os cavallos de Coimbra são fracos, defeituosos e pouco resistentes. Assim era, porque não havia lá producção cavallar em condições rasoaveis; e os cavallos do estado, que para lá se mandam como garanhões, são inferiores, e improprios para esse fim, como quasi todos os que ha no instituto agricola e na Granja.
É certo que os cavallos de Coimbra, têem geralmente os cascos brandos. O mesmo defeito se nota nos de Aveiro, sendo aliás hoje o districto de Aveiro o primeiro na producção cavallar. Isso, porém, provinha de causas fáceis de remediar, pelo menos emquanto aos estabelecimentos do estado. Em um e outro districto, os terrenos em que pastam os cavallos, são alagadiços molles; por isso os cascos saem mais esponjosos e brandos. É simplesmente uma questão de educação physica.
Entre outros defeitos, nota-se nos cavallos da Granja notavel fraqueza de mãos. Provém isso do pessimo systema de ter os poldros amarrados quasi sempre às manjedouras. Por esse modo, o corpo pesa-lhes principalmente sobre as mãos, cujos ossos ainda não têem sufficiente consistencia e que não se robustecem num exercicio livre. Também é um defeito de educação physica facil de corrigir. As coudelarias hão de ser organisadas com todas as indicações dos modernos aperfeiçoamentos.
O systema da educação physica faz tudo. Muitissimo mais humida que os campos de Coimbra e os de Aveiro é toda a Inglaterra, é a Hungria, é a Hollanda, é a Dinamarca, e todavia têem essas nações fortes raças cavallares. A questão é que sabem tratar d'ellas. Os defeitos ou qualidades physicas, que são accidente individual em duas ou tres gerações, tomam depois o caracter fixo da raça. Hoje na Inglaterra, póde dizer-se que se fabricam cavallos, carneiros e porcos, conforme as qualidades, que os compradores desejara.
O cavallo de corrida, que não existe na natureza, foi assim fabricado. Os inglezes viram que o galgo é destinado a correr muito, e trataram por isso de arranjar cavallos, parecidos com os galgos, de ventre arregaçado, pescoço e focinhos esguios, para o ar entrar quasi directamente nos pulmões, e o animal se fatigar menos com o respirar. Como lhe arranjaram esse pescoço e cabeças esguias?! Substituindo as manjedouras fixas por manjedouras, que gradualmente se iam levantando, obrigando o cavallo, para comer, a estender o pescoço e o focinho. A persistencia deu esse feitio ao animal; e o accidente, repetido em algumas gerações, converteu-se em distinctivo de raça. Similhantemente procederam com os carneiros, desenvolvendo numas raças a carne, em outras a lã. É a intelligencia humana modificando a natureza no reino animal, como a modifica no reino vegetal. Hoje ha fructos e milhares de flores que não existem no estado livre da natureza.
Por conseguinte não podia dizer-se que os suburbios de Coimbra são improprios para creação cavallar. O que é preciso é proceder com criterio, aproveitar com as lições de fora, e pôr de parte o empirismo e o desleixo, com que até agora só tem procedido. Em toda a parte se trata do aperfeiçoamento das raças cavallares por meio de processos scientificos. A propria Inglaterra, que fabricou o cavallo de corridas, tão esguio chegou a fazel-o, que por fim o deixou quasi sem pulmões. Hoje trata de lhe alargar os peitos. D'este segundo typo de cavallos existe hoje um soberbo cavallo, que elle, orador, julga ser o melhor do paiz. Pertence ao sr. deputado Ignacio Casal Ribeiro, que tem uma coudelaria em começo, mas que promette ser magnifica. Façamos, pois, o que fazem as outras nações. Restauremos a nossa producção cavallar. O que temos é uma vergonha. E aproveitemos para isso das lições de fóra. É o que elle ministro trata de fazer, dando o primeiro impulso a essa restauração, que outros terão de continuar, porque ella levará muitos annos.
O orador declara que está fatigado. Com a temperatura, que faz, causa o discursar por largo tempo, e a camara

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SESSÃO DE 14 DE JULHO DE 1887 1763

ainda deve estar mais cansada de o ouvir. Por isso, só tocará n'um outro ponto do discurso do sr. Arouca. O illustre deputado fallára das fruitières do Jura, e lembrara que o governo bem podia estabelecel-as, como meio de substituir o gado vaccum de engorda pelas raças lactigineas, e isto sem fazer despeza. O sr. Arouca vira talvez o assumpto n'um livro ha pouco publicado: Relévement de l'agriculture, solutions pratiques. Ahi o vira tambem o orador, e já conversara a esse respeito com o sr. director geral de agricultura; mas não achára meio pratico e facil de implantar entre nós essa instituição.
As fruitières ou queijeiras são uma espécie de associações cooperativas de producção de manteiga e queijos. Estabeleceram-se na Suissa nos fins do seculo xvn, e quasi todos os auctores são accordes em affirmar, que a ellas deve a Suissa o seu restabelecimento e a sua riqueza agricolas. Um queijo Gruyère póde exigir até 300 litros de leite. É evidente, que um só pequeno proprietario, com uma, duas ou tres vaccas, não póde sequer fabricar um quejo. A queijeira resolve a questão. A queijeira tem cem ou mais associados; cada um d'elles lhe leva o leite, de que póde dispor; e a queijeira reparte por fim, proporcionalmente às entradas do leite, o producto da venda da manteiga e do queijo fabricado. É a associação valorisando os minimos.
Ha duas fórmas de administração para a queijeira; ou ella pertence aos associados, que nomeiam os gerentes, ou pertence a um particular, que a tem como industria sua, e que estabelece uma percentagem de partilha nos dividendos da receita. A primeira fórma, que é a mais difficil e complicada, é todavia a que se acha mais espalhada na Suissa.
D'este paiz transplantou-se, por contagio, para o Jura e para todo o departamento do Doubs em França. Ha hoje ali muitas fruitières, mas quasi todas do segundo typo. Note-se, porém, que nos Pyrinéus ainda não poderam generalisar--se. E todavia, os Pyrinéus têem a sua região de pastos até 1:800 metros, emquanto que no Jura chega só a 1:200 metroa de altitude, e isto é importante, porque os pastos são tanto mais perfumados e idoneos para o fabrico da manteiga e do queijo, quanto maior é a altitude em que se encontram. A região dos pastos na serra da Estrella está tambem entre 1:600 e 1:800 metros, e por isso ali se fabricam queijos de ovelha, que o orador, para o seu paladar, considera como os melhores do mundo. E já o padre Carvalho dizia na sua chorographia, que Manteigas deriva o nome das superiores manteigas de vacca, que ali se fabricavam. Hoje essa tradição perdeu-se.
No Jura e em todo o Doubs, que dantes importavam alguns milhões de francos de manteiga e queijo, a exportação d'esses artigos é hoje consideravel. Mas nos Pyrinéus a força da rotina prevalecia contra a força do exemplo. Era Portugal succederia peior. Nas montanhas do norte do Minho e Traz os Montes, principalmente na serra da Estrella, as queijeiras deveriam produzir magnificos resultados ; e se o governo poderia auxiliar o estabelecimento d'ellas, não o podia fazer sem despeza, como o sr. Arouca inculcara, antes tinha de haver para isso despeza grande. A primeira difficuldade era a falta de vaccas idoneas. Nós só temos uma boa raça de vaccas leiteiras, que é a chamada de Jermello, espalhada principalmente no districto da Guarda; e temos já tambem bastante espalhada a raça turina. Era de notar que as melhores raças de leite não são as melhores raças para queijo e manteiga. Cumpria, portanto, antes de mais nada, arranjar as vaccas, que custam dinheiro. E só com este exemplo official se poderia fazer alguma cousa. Será preciso em seguida, que os proprietarios mais abastados dêem o impulso. O orador não combate a idéa; não nega que ella possa executar se ; mas o que assevera é que a sua realisação não ha de ser facil e que o estado não poderá leval-a a effeito sem despeza, como o sr. Arouca dissera.
O que havia desde já a fazer, e disso se estava tratando, era de installar escolas praticas de agricultura. Como succursal de uma d'essas escolas poderá depois fundar-se uma queijeira official, como modelo e incentivo para os particulares. O orador não deixará de o fazer se tiver tempo para isso, e, se o não tiver, quem lhe succeder que o faça. Estimaria muito que o seu successor fosse o sr. Arouca. Tendo este illustre deputado incontestável direito, pelos seus merecimentos e serviços partidarios, a fazer parte de um futuro ministerio, o paiz lucraria em que o seu logar n'esse governo fosse o mesmo em que está actualmente elle, orador, porque a orientação, que o sr. Arouca tem dado aos seus trabalhos parlamentares o habilitam a occupal-o com firmeza. N'este desejo ia um voto do amigo, mas ia tambem o voto do politico, porque a um ministro nada ha mais grato do que a certeza de que a sua obra será continuada no que tenha de bom e aperfeiçoada no que tenha de mau, mas em todo o caso sempre continuada por aquelle a quem na rotação constitucional tem de entregar a sua pasta. E pedia desculpa de por tanto tempo ter fatigado a camara.
Vozes : - Muito bem.
(O orador foi cumprimentado.)
O sr. Alves Matheus (por parte da commissão de instrucção superior e especial): - Mando para a mesa o parecer das commissões reunidas de instrucção superior e especial e de fazenda, sobre a proposta de lei n.° 107-M, que tem por fim melhorar os vencimentos dos professores de instrucção superior.
A imprimir.
O sr. Tavares Crespo (por parte da commissão de legislação civil) : - Requeiro que sejam aggregados á commissão de legislação civil os illustres deputados e desembargadores Poças Falcão e José Maria de Andrade, isto em resultado de uma decisão unanime tomada hontem n'aquella commissão. Mando para a mesa a respectiva proposta.
Mando tambem o projecto de lei n.° 156-C, para ser enviado ao governo, que tem a dar sobre elle esclarecimentos que são necessarios para a commissão poder deliberar.
Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Por parte da commissão de legislação civil, requeiro que sejam aggregados os srs. deputados e desembargadores Poças Falcão e José Maria de Andrade a esta commissão, em virtude de resolução unanime tomada por ella na sessão de 13 do corrente. = O deputado, António Lucio Tavares Crespo.
Foi approvado.
O sr. Villaça: - Por parte da commissão de obras publicas, mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei n.° 156-A. que tem por fim transferir para a camara municipal de Coimbra, ou para qualquer empreza incumbida da execução das obras necessarias para o abastecimento do aguas d'aquella cidade, as concessões que por carta de lei de 27 de julho de 1882 haviam sido feitas ao engenheiro inglez James Easton, encarregado, por contrato com a mesma camara, de levar a effeito a realisação de tão importante melhoramento.
Foi mandado imprimir.
O sr. Scarnichia: - Mando para a mesa o diploma do deputado eleito pelo circulo n.° 2 de Loanda, o sr. Augusto Ribeiro.
A commissão de verificação de poderes.
O sr. Presidente : - Devendo chegar a esta cidade Sua Magestade o Imperador do Brazil, creio que a camara quererá, em consideração pelas distinctas qualidades d'este augusto monarcha, que se nomeie uma deputação, que em seu nome vá apresentar os seus respeitosos comprimentos e assegurar a Sua Magestade os votos que faz pelo restabelecimento de sua saude. (Apoiados geraes.)

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1764 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Á vista da manifestação da camara, nomeio para esta grande deputação os srs. deputados:
Francisco de Castro Matoso Côrte Real.
Joaquim José Maria de Oliveira Valle.
José de Azevedo Castello Branco.
José Maria de Oliveira Matos.
Manuel Affonso Espregueira.
Miguel Antonio da Silveira.
Julio Marques de Vilhena.
Luiz Fisher Berquó de Poças Falcão.
Manuel Pinheiro Chagas.
João Menezes Parreira.
Luiz de Mello Bandeira Coelho.
Carlos Lobo d'Avila.
O sr. José Dias Ferreira: - (O discurso do sr. deputado será publicado na integra quando s. exa. devolver as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a continuação da que estava dada, e mais os projectos n.ºs 142, 146, 147, 102 e 155.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Representações mandadas publicar n'este "Diário"

E. N.° 48

Senhores deputados da nação. - A camara municipal do concelho de Monchique vem representar-vos para que não approveis o projecto de imposto de 20 réis em litro que sobrecarrega o álcool que não seja de vinho, porque tal imposto no Algarve vem prejudicar desastradamente a cultura da alfarrobeira e da figueira, de que os fructos são empregados em grande parte no fabrico do alcool, dando em resultado portanto a diminuição de valor d'estes importantissimos productos d'esta provincia.
Quando na Allemanha se protege a exportação do alcool, o fabrico d'elle em Portugal, ao parecer desta camara, deve igualmente ser protegido ; mas o projecto referido, a ser approvado, destroe completamente tão promettedora industria, principalmente se não for lançada, no alcool importado, uma taxa supplementar tão elevada que não convide a introducção d'elle do estrangeiro. - P. a v. exas. se dignem attender aos gravissimos prejuizos que a approvação do projecto e falta de elevação das taxas na importação do alcool fatalmente trará á industria do fabrico d'elle em Portugal, e consequentemente á cultura das arvores que produzem os fructos que o fornecem.-E. R. Mce.
Monchique, em vereação da camara municipal, aos 4 de julho de 1887, - (Seguem-se as assignaturas.)
(Apresentada pelo sr. deputado Figueiredo de Mascarenhas n'esta sessão.)

E. N.º 50

Senhores deputados da nação portugueza. - A camara municipal do concelho de Silves, vem por este meio pedir-vos que não approveis o projecto de imposto de 20 réis em litro para alcool de procedencia que não seja de vinho.
Este imposto tende a desproteger a agricultura do Algarve em dois dos seus principaes productos, a alfarroba, e o figo, sendo que estes artigos têem cada vez menos procura nos mercados estrangeiros, e ainda assim até hoje ao abrigo da industria distilatoria, têem encontrado, principalmente o primeiro, consumo certo e remunerador.
Das industrias agricolas que mais favorecem a agricultura, occupa o primeiro logar a da distillação. A França, a Allemanha e a Belgica devem uma grande parte do seu progresso agricola a esta industria.
É que ahi se comprehende que cousa alguma devo ir fecundar a terra, sem ter passado pelo tubo digestivo dos animaes, e que a alimentação d'estes deve ser constituida por substancias que já passaram pelo alambique, fornecendo o alcool antes de carne, leite, lã ou trabalho.
Fomentar o progresso da distilleria agricola é desenvolver a agricultura muito mais do que se se operasse directamente, e é com o vivo desejo de proteger esta provincia, que ainda não está restabelecida das estiagens que tem soffrido, que esta camara vos solicita a rejeição do imposto que vem ferir o progresso agricola que se tem manifestado á custa da industria do alcool. A alfarrobeira de que ha uns annos até se fazia carvão, é hoje tratada com cuidado, porque os seus fructos são empregados na distilleria que os paga bem.
O figo, que tem cada vez menos consumo nos mercados estrangeiros, é na distillação que tem o seu emprego e salvação.
Que enormidade de adubos se não exportavam nos 6.000:000 kilogrammas de alfarroba que se distillam, e no figo miudo que soffre o mesmo emprego?
A importação de mais de 2:000 toneladas de carvão de que esta industria precisa, tambem dá logar a obterem-se fretes baratos na exportação dos productos d'esta provincia para os mercados estrangeiros.
Ainda sujeitamos á vossa appreciação, o bónus com que a Allemanha beneficia o alcool á saida para poder luctar desaffrontadamente no mercado universal a despeito da protecção aduaneira.
Referimo-nos ao drawback aduaneiro de 60 francos 48m,03 votado pelo reichstag em suas sessões de 14 e 15 de junho ultimo. Este drawback era de 20 francos e passou a 60!
Igualmente para evitar esta manobra da industria allemã, nós, como a França, a Austria e a Russia, devemos armar-nos contra essa concorrencia desleal, e propormos um imposto supplementar de 72 réis em litro ao alcool de procedencia estrangeira, que não é senão allemã, pois só d'este paiz se importa alcool.
Resumindo, tem esta camara o desejo:
1.° De que não approveis o imposto de 20 réis em litro para o alcool de alfarroba e figo.
2.° Que voteis um supplemento de 72 réis por litro de álcool de procedencia estrangeira.
Sala das sessões da camara municipal de Silves, em sessão extraordinaria de 9 de julho de 1887. - (Seguem-se as assignaturas.)
(Apresentada pelo sr. deputado Figueiredo de Mascarenhãs, n'esta sessão.)

E. N.º 49

Senhores deputados da nação portugueza. - A camara municipal do concelho de Lagoa, no districto de Faro, constando-lhe que vae ser submettido á vossa approvação um projecto de lei que tem por fim tributar de 20 réis em litro o alcool que não seja de vinho, o que vae onerar os seus dois principaes productos, alfarroba e figo, e isto na occasião em que o mercado de Inglaterra tem fechado as suas portas a estes dois artigos, quando na França, Belgica e Hollanda o consumo do figo tende a diminuir, quando esta provincia ainda não está restabelecida da estiagem que soffreu, esperando encontrar na industria da distillação o unico recurso futuro para o consumo d'estes dois seus principaes productos, quando a Allemanha procura desenvolver a industria da distillação, premiando os fabricantes, e quando a França, a Austria e a Russia procuram acautelar-se contra a concorrencia do alcool estrangeiro, parece justo que, nós, imitando, os procuremos desenvolver esta industria, tributando o alcool estrangeiro; por isso esta camara pede, e espera que não approveis o projecto de 20 réis em litro de alcool de alfarroba e figo, e que, ao contrario, voteis um imposto supplementar de 72 réis por litro para o alcool de procedencia estrangeira.
Assim o espera da vossa illustrada sabedoria.
Lagoa, 2 de julho de 1887.-(Seguem-se as assignaturas.)
(Apresentada pelo sr. deputado Figueiredo Mascarenhas n'esta sessão.)

Redactor = S. Rego.

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