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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Discurso do sr. deputado Rodrigues de Freitas, pronunciada na sessão de 23 de agosto, e que devera publicar-se a pag. 302 do Diario da camara

O sr. Rodrigues de Freitas: — Tenho a mandar para a mesa duas propostas (leu).

O sr. ministro da fazenda ficou admirado de que se levantasse a questão politica não só na segunda parte da ordem do dia, mas tambem na primeira; e eu sinto que é cavalheiro, que assim falla, fosse aquelle que não teve duvida em ligar, na sessão passada, este projecto com a questão politica, a ponto de declarar que foi a votação sobre elle que obrigou o governo a propor a Sua Magestade a dissolução da camara (apoiados).

Quem assim procedeu não tem direito de dizer que um deputado não devia pôr, a questão politica a proposito d'este projecto.

Examinemos as considerações feitas pelo illustre relator da commissão.

S. ex.ª começou dizendo que não tinha n'este projecto responsabilidade com data anterior á da apresentação d'elle.

Estimei ouvir esta verdade; ella mostra que o sr. Carlos Bento não encontra por ora quem defenda as suas continuas e deploraveis contradicções. Veremos como o sr. ministro da fazenda, que na sessão passada rejeitou a proposta de isenção de impostos em favor das obrigações da companhia das aguas, agora se levanta para contradizer a sua antiga opinião.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos, cavalheiro, cuja illustração reconheço, disse que, segundo os principios financeiros, o fundo de reserva sómente devia ser tributado quando em verdade fosse distribuido como lucro; mas que, sendo as mais das vezes destinado á fazer face a imprevistos prejuizos, não devia ser tributada a parte dos proventos destinada a forma-lo.

Note-se, porém, que em todos os casos o fundo de reserva é formado á conta de lucros, e os lucros são tributaveis; logo não ha causa de isenção para essa parte d'elles.

Emquanto á companhia das aguas, disse o sr. Sant'Anna e Vasconcellos que, se o imposto recaísse sobre aquelles individuos que recebem juro, não duvidaria tributar as obrigações, mas não sendo o imposto realmente pago pelos portadores d'ellas, mas sim pela empreza, deviamos isenta-las.

Pergunto a s. ex.ª se entende que quaesquer outras obrigações não estão no mesmo caso? Se outras companhias que tenham titulos analogos não devem ter igual privilegio?

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Eu entendo que qualquer outra companhia, cujas obrigações tenham effectivamente juro, que não seja ficticio, deve pagar para as despezas do estado; mas n'este caso não está a companhia das aguas, cujas obrigações têem um juro tirado do capital e que não significa por consequencia o seu estado de prosperidade.

O Orador: — Eu agradeço no illustre relator da commissão o obsequio de responder ás observações que eu estava fazendo; pelo que s. ex.ª diz, parece que foi levado adoptar a isenção porque a companhia das aguas não estava em prosperidade.

Quem admittir o argumento, tira a conclusão que todas as companhias que não estiverem em estado de prosperidade não deverão pagar imposto pelas obrigações que tiverem emittido (apoiados). Mas é evidente que desde que se ad-

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mitte este principio é necessario que se proceda a um inquerito, para se conhecer quaes empresas estão prosperas e quaes merecem compaixão nossa (apoiados).

Como já disso na sessão passada, hão de os contribuintes estranhar que unicamente dois ou tres estabelecimentos de credito, existentes em Lisboa, sejam isentos do imposto, quando na cidade do Porto ha instituições cuja importancia ninguem ignora; e nem ao menos se trata de investigar se a algumas é applicavel a doutrina da commissão! (Muitos apoiados).

(Interrupção do sr. Sant'Anna e Vasconcellos que se não percebeu.)

O Orador: — Diz o sr. Sant'Anna e Vasconcellos que tem presentes as representações do Porto, nas quaes não allegam as companhias o seu estado precario. Permitta-me s. ex.ª que lhe diga, que não allegam, porque esse argumento não é aceitavel, nem se póde allegar (apoiados).

Comprehende-se perfeitamente que qualquer estabelecimento não deve deixar de concorrer, quanto possivel, para as despezas do estado; e que ainda quando pouco prospero não lhe é dado esquivar-se, nem a nós é permittido isenta-lo (apoiados).

O argumento que s. ex.ª primeiro apresentou, que se refere á incidencia do imposto, é tambem de fraco valor. Se fosse aceitavel, teriamos de isentar todos, em vez de tomar tão vasta materia collectavel; o fisco, não poderia ir atraz das successivas reflexões do imposto; seu empenho e seu dever consistem, no caso sujeito, em levantar de todo o lucro uma parte para as despezas publicas.

Uma obrigação não representa, senão é emprestimo feito pelo capitalista a uma empreza; dá direito a receber determinado juro, o qual, no caso presente, fica sempre o mesmo, qualquer que seja a prosperidade da companhia das aguas: o capitalista recebe proveito do emprego do dinheiro, e deve portanto pagar imposto.

Mas se á reflexão economica do imposto fosse motivo de isentar aquelle titulo, que fanamos aos estabelecimentos de credito? Supponhamos, um banco empresta ao commerciante ou ao industrial, os quaes, segundo a importancia do commercio ou da industria, pagam certo imposto; lançando contribuição sobre os bancos, vamos augmentar o preço dos emprestimos a quem já por teu trabalho é tributado; o industrial e o commerciante acaso deverão ser isentos da contribuição industrial por se reflectir n'elles o imposto incidido nos bancos? De certo a commissão não está resolvida á aceitar as conclusões da doutrina do seu illustre relator, que levaria o privilegio para todos os emprestimos.

Emquanto ao subsidio do banco ultramarino, declaro á camara que, por interessa proprio, estimaria que esta, assim como outra isenção, fosse approvada; mas tratâmos do interesse geral, e não do particular.

A respeito d'aquelle banco apresentam a seguinte rasão: «Foi tirado um subsidio que lhe tinha sido consignado por lei, é isto sem que o governo o tivesse previamente ouvido».

Singelamente respondo que, se tal facto foi illegal (e a respeito d'elle não pronuncio a minha opinião), o caminho para destruir essa illegalidade não é o traçado pela commissão; diga se toda a verdade com franqueza, e sejamos justos, sem receio da justiça.

Acrescentou o sr. ministro da fazenda que, sendo este banco estabelecido ha pouco, porque se não havia de fazer, em relação a elle, o que por muitos annos se praticou em favor de outros estabelecimentos de credito? A rasão é inadmissivel.

O sr. ministro da fazenda sabe a data da fundação do banco ultramarino, e que outros foram creados simultaneamente, e ainda depois; logo, seria preciso levar mais longe os favores.

Seja a lei igual para todos; ou extinguindo todos os privilegios, ou isentando todos os que estiverem no mesmo caso.

Fallou-se em representações mandadas a esta casa por varios estabelecimentos de credito, e cuidar-se-ha que foram attendidas; é engano, jamais o foram. Os bancos da cidade do Porto nunca representaram absolutamente contra o pagamento de impostos; pediram igualdade de todos perante a lei, e pedindo-a, unicamente lembravam á camara um dos seus maiores deveres, porque a iniquidade e a injustiça não estão nas faculdades d'esta camara (apoiados).

Um cavalheiro, a quem me ligam as maiores relações de amisade, ha de tomar a palavra a este respeito e apresentar á camara argumentos importantes ácerca do artigo 1.° A opinião de s. ex.ª me é conhecida. Foi apresentada n'uma folha publicada ha annos no Porto; e é de notar que essa gazeta era orgão official de um estabelecimento dirigido por um banco; não houve porém duvida em que ahi fosse publicado um artigo no qual se pretendia provar que todos os privilegios concedidos a bancos portuguezes eram inconstitucionaes. Eu, não adoptando completamente esta doutrina, digo em relação ao artigo 1.° o seguinte: ou os privilegios foram concedidos por utilidade publica, segundo o artigo 145.º, § 15.°, da carta, e é o unico caso em que os privilegios podem ser concedidos, ou não foram. Se foram, todos são igualmente attendiveis; as excepções são odiosas. Se porém os privilegios não foram dados por motivo de utilidade geral, são de sua natureza nullos.

Estas as rasões de não adoptar o projecto de lei. Agora, em poucas palavras, responderei a algumas phrases do sr. ministro da fazenda.

Eu tinha dito que entre o sr. marquez d'Avila e de Bolama e o sr. ministio da fazenda não havia solidariedade de opiniões; pois que o sr. Carlos Bento apresentára a esta camara, como motivo da ultima dissolução, um determinado facto; emquanto que na camara alta o sr. marquez indicara outro facto. Entendi que era gravissima a contradicção; s. ex.ª devia explicar se a verdade era pronunciada n'esta casa ou na outra camara, ou perante El-Rei (apoiados). Na minha ingenuidade julgava importante o assumpto; e com estranheza vi que o sr. ministro da fazenda pensa que em questões de dignidade, de brio, de solidariedade ministerial, e sufficiente responder á camara com alguma phrase que provoque o riso (Apoiados).

Sinto que s. ex.ª julgue que a sua dignidade, a dignidade d'esta camara, o fundamento dos conselhos ao poder moderador, não merecem mais do que um gracejo (apoiados). Pareceu a s. ex.ª que o caso não podia ser tratado de outro modo e que ficava mal a um ministro o provar que mantinha a verdade perante a camara electiva, perante a camara alta o perante o augusto chefe do estado (apoiados). S. ex.ª estranhou que eu, deputado pelo Porto, trouxesse para esta casa a questão politica e me não apressasse a ventilar a de fazenda. S. ex.ª esqueceu-se de que os titulos gloriosos da cidade do Porto não são unicamente a actividade na paz, porém ainda os triumphos briosamente alcançados defendendo a liberdade; que, portanto, não era improprio de um deputado pelo Porto occupar-se d'aquella questão que determinou a dissolução da camara transacta (apoiados).

Ainda mais; a cidade do Porto assiste com desprazer aos actos do governo; e, apesar de violencias e tropelias, praticadas pelas auctoridades, elegeu dois deputados opposicionistas.

Não estranhem, pois, que eu inquira a posição politica do ministerio em relação a este projecto; e peça ao governo que demonstre haver fallado a verdade a

El-Rei, quando, por causa de um projecto analogo, lhe propoz a dissolução da camara electiva. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. ministro da fazenda contentou se com dizer que era muito mais proveitoso ao paiz saber qual o augmento de receita proveniente d'este projecto, do que investigar as contradicções dos ministros. Oh! de certo! O paiz de nada se importa! O paiz o que quer é pagar impostos para augmentar a receita. O paiz não se importa com que os

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ministros se contradigam constantemente. Não cuida de saber se ha dignidade no gabinete, ou se a governação publica é tomada como objecto de riso (apoiados). O paiz não se importa de que o governo affirme duas verdades contradictorias. V. ex.ª me dirá se a phrase é parlamentar; mas eu, procurando fallar sem ferir a susceptibilidade dos srs. ministros, não tenho remedio senão dizer que ha duas verdades no mesmo ministerio, para não affirmar que falta á verdade o sr. presidente de conselho ou o sr. ministro da fazenda.

Mão é por desconhecer a gravidade dos negocios financeiros que me occupo d'esta questão. Cada qual encara as cousas publicas segundo lhe parece melhor. De mim, entendo que um ministerio que só viveu e vive de expedientes deploraveis, e altamente censuraveis, não é aquelle que póde, com auctoridade, pedir impostos ao paiz.

Um ministerio que, dizendo que quer discutir o orçamento, foge quanto póde a essa discussão (apoiados); um ministerio que apresenta por plano financeiro uma pobre copia dos trabalhos das administrações anteriores (e que, se por acaso nos traz uma medida de iniciativa propria, tem todo o cuidado de pedir ás commissões que não a discutam, como aconteceu á proposta da contribuição industrial); tal ministerio tem levado á evidencia que não póde de maneira nenhuma apresentar-se ao paiz como quem saiba reunir á volta de si todos os cidadãos para constituir uma situação verdadeiramente energica, á altura das circumstancias em que se acha não só Portugal, mas a Europa inteira.

Vozes: — Muito bem.

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