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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tumultos nem para revoltas. As leis feitas pelos verdadeiros representantes do paiz offerecem segura, certa e infallivel garantia de facil execução. Natural é que todos respeitem e cumpram o que a verdadeira maioria consentiu.

«O sacrificio votado e imposto pelo representante nominal e ficticio, que o circulo nunca viu, que na localidade ninguem conhece, que ninguem respeita, em quem ninguem confia, que passou incognito da pasta do ministro para a uma eleitoral, que o favor do governo com a corrupção do suffragio tirou vadio da mesa de um botequim, do ocio retribuido n'uma repartição publica, da litteratura de uma gazeta ou das odes e sonetos á musa ausente, esse sacrificio, apenas votado, é uma provocação a todos os contribuintes, um insulto a todos os eleitores, um desmentido ás promessas e compromissos eleitoraes; envolve o descredito de todos os poderes, levanta as representações do povo, produz os tumultos, accende as revoltas. As leis assim votadas nunca se executam. Com taes representantes toda a difficuldade, por menor que seja, é insoluvel; adia se, não se resolve. Nenhum sacrificio se obtem do paiz; nenhuma reforma póde ter execução. A menor resistencia derruba leis e legisladores, submersos todos no ridiculo da origem. Destas fataes experiencias creio que está o paiz cheio, e, não sem motivo, enfastiado.

«São estas as minhas idéas ácerca da representação nacional. Tenho a firme convicção, tenho toda a certeza, que é possivel obter em conjecturas humanas, de que este paiz se salva logo que uma vez eleja verdadeiros representantes, assim como a tenho de que se perde irremissivelmente, se por indifferença ou corrupção continua a tornar-se complice do crime de falsificação do suffragio e prostituição da representação nacional. Devo a verdade ao meu paiz, e para mim é esta a verdade.

«É assim que eu apresento a minha candidatura perante o paiz. É assim que eu a offereço aos eleitores do circulo, que quatro vezes successivas me têem honrado com os seus suffragios.

«O actual governo guerreia-me a todo o trance, com toda a força, por todos os meios de que dispõe. Honra-me essa guerra, cuja causa não indago; envergonhar-me-ía do apoio, e de mim, se o tivesse merecido. Não sei se provoquei essa guerra; sei que a teria evitado, se trahisse o meu dever de representante do povo, se faltasse á minha consciencia, se sacrificasse a rasão e a intelligencia, ou mesmo se fingisse o sacrificio durante os breves dias que tinham de correr desde o encerramento da ultima camara até á eleição geral, que todos previam. Não quiz: e, felizmente para mim, era e sou incapaz de querer.

«Com a minha dignidade era incompativel, á minha consciencia repugnava prestar ou fingir apoio a um governo, que, illudindo a camara e burlando o paiz com a fatua promessa de resolver a questão de fazenda, deixou passar toda a sessão ordinaria sem apresentar cousa que se parecesse com os meios de resolver tal questão, obstou á discussão das suas exiguas ou absurdas propostas tributarias, fingiu sua esta iniciativa quando as apresentou, reputou-as alheias quando pelo proprio ministro da fazenda contra ellas apresentou representações; e, finalmente, pediu á camara uma lei de meios absoluta e illimitada, que rigorosamente significava a impossibilidade de resolver tanto a questão de fazenda como todas as outras graves questões que o governo não póde resolver sem o concurso do parlamento. A lei de meios era a auctorisação, que o governo, na mais flagrante contradicção com o seu programma, posto que na mais rigorosa harmonia com os seus habitos e habilitações, pedia aos representantes do povo para vegetar um anno mais, impondo ao paiz uma ficção esteril e damninha, adiando a solução das questões e aggravando todas as difficuldades com o adiamento, que tem sido o usual recurso dos governos e a principal causa dos males da patria. Eu recusei essa lei; não podia conceder tal auctorisação.

«Eu não podia tambem, sem trahir os meus deveres de representante legitimo de um circulo illustrado e independente, e conceder um momento mais de confiança a um governo, que, tendo affirmado na camara popular o seu proposito de tributar igualmente todos os rendimentos, e estando compromettido na votação do projecto que tributava os dividendos dos bancos e companhias, foi na camara alta tomar a iniciativa occulta das alterações ao projecto apresentado pelos ministros e votado pelos representantes do povo, alterações que restabeleciam os privilegios e isenção de impostos a favor dos capitalistas, e dos que, tendo maiores e mais commodos rendimentos, nada pagam para o fisco, antes sugam, em transacções lesivas e leoninas com o thesouro, o que os outros contribuintes, e especialmente os proprietarios, pagam á custa de pesados sacrificios e de sempre crescentes vexames.

«Desde que o ministerio deixou caír a mascara e veiu revelar-se á camara dos deputados tal qual era, insistindo com insensata audacia em fazer questão ministerial das alterações ao projecto em que estava compromettido; desde que elle tentou violentar a consciencia e a vontade dos representantes do povo, querendo força-los a consentir n'este meio original de resolver a questão de fazenda, prescindindo de uma receita importante só para favorecer os privilegiados da fortuna, dispensando os ricos e os capitalistas do imposto com que vexa e opprime os pobres e os proprietarios; desde que elle revelou claramente o intuito de que a unica materia tributavel é a propriedade immovel, e de que a unica fonte a exhaurir é a agricultura, já tão abatida e decadente, eu votei contra o governo, que, trahindo as suas mais solemnes promessas, escarnecia do paiz e ludibriava os representantes do povo. Eu, vosso representante pela vossa livre confiança, e nunca pelo favor de governo algum, eu proprietario como vós, e como vós agricultor, não podia preferir os favores do governo nem as amabilidades dos ministros ao meu dever, á minha rasão, á minha consciencia, nem sacrificar juntos com a minha dignidade os mais sagrados interesses de todos nós. Não nasci para isso, e não fui para isso, de certo, que vós me honrasteis com a vossa confiança.

«São estes os meus crimes. São estes os motivos visiveis da guerra feroz que o actual governo declarou á minha candidatura; são estas as causas apparentes, que determinaram os odios, com que o ministerio flagella dois concelhos independentes, lutando como desesperado para impor a este circulo eleitoral a pressão governativa, que elle sempre recusou.

«Eu vejo a propriedade depreciada e a agricultura definhando. Hoje apenas vale 60 o que ha poucos annos ainda valia 100. Abundavam então os pretendentes pelo maior preço a disputar a acquisição; escasseiam e desapparecem hoje, quando o preço é baixo e vil. Os capitaes procuravam então a garantia da propriedade, e era limitado e modico o juro dos mutuos; hoje fogem e recusam-se, quando nos emprestimos hypothecarios a mais leonina usura é licita e legal, e quando a rapidez da execução abafa em juizo o direito e a justiça para esmagar o devedor.

«Tudo isto tem uma causa. Eu sou dos que não se prestam a attribuir este effeito, nem á influencia dos astros, nem ás nebulosas theorias dos cambios com que insultam o nosso juizo e escarnecem a nossa credulidade os que se vão apropriando dos nossos bens, e só miram a obter boas propriedades por pouco dinheiro. Eu vejo certa a depreciação da propriedade, necessaria a decadencia da agricultura, e infallivel a ruina da primeira riqueza do paiz, nas reformas e nas leis dos ultimos annos, nas quaes a pessima e absurda organisação da propriedade, e os encargos e crescentes vexames que a difficultam e opprimem em todas as transacções, arruinando-a nas transmissões, e tornando-a incerta no dominio e na posse, haviam forçosa e inevitavelmente de produzir os males que principiâmos já a sentir, e que muito hão de aggravar-se ainda, porque os effei-