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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 26 DE ABRIL DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 60 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Affonso Botelho, Garcia de Lima, Annibal, Soares de Moraes, Carlos da Maia, Quaresma, Brandão, Gouveia Osorio, Ferreira Pontes, Fontes Pereira de Mello, Mazziotti, Pereira da Cunha, Pinheiro. Osorio, Magalhães Aguiar, Palmeirim, Zeferino Rodrigues, Barão das Lages, Barão do Vallado, Freitas Soares, Abranches, Almeida e Azevedo, Carlos Bento, Ferreri, Cyrillo Machado, Cesario, Claudio Nunes, Cypriano da Costa, Fortunato de Mello, Barroso, Abranches Homem, Coelho do Amaral, Borges Fernandes, Gavicho, F. L. Gomes, F. M. da Costa, Cadabal, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Mendes de Carvalho, Mártens Ferrão, João Chrysostomo, J. da Costa Xavier, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Matos Correia, Mello e Mendonça, Neutel, J. Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Infante Pessanha, Alves Chaves, Figueiredo Faria, Casal Ribeiro, Rojão, Menezes Toste, José de Moraes, Batalhós, Mendes Leal, Levy Maria Jordão, Camara Leme, Freitas Branco, Affonseca, Alves do Rio, Rocha Peixoto, Manuel Firmino, Mendes Leite, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Pinto de Araujo, Ricardo Guimarães, R. Lobo d'Avila, Thomás Ribeiro, Teixeira Pinto e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Braamcamp, Vidal, Abilio, Sá Nogueira, A. Pinto de Magalhães, Mello Breyner, Antonio Pequito, A. de Serpa, A. V. Peixoto, Barão de Santos, Almeida Pessanha, Domingos de Barros, Bivar, Diogo de Sá, Fernandes Costa, Izidoro Vianna, Gaspar Pereira, Pereira de Carvalho e Abreu, Guilhermino de Barros, Henrique Castro, Medeiros, Blanc, Gomes de Castro, J. A. de Sousa, J. J. de Azevedo, Torres e Almeida, José da Gama, Sette, Fernandes Vaz, J. M. de Abreu, Costa e Silva, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Oliveira Baptista, Julio do Carvalhal, Martins de Moura, Miguel Osorio, Monteiro Castello Branco, Placido de Abreu, Charters e Moraes Soares.

Não compareceram — Os srs. Adriano Pequito, Ayres de Gouveia, A. B. Ferreira, Correia Caldeira, Antonio Eleutherio, Gonçalves de Freitas, Seixas, Arrobas, Lemos e Napoles, Pinto de Albuquerque, Lopes Branco, David, Barão da Torre, Barão do Rio Zezere, Garcez, Oliveira e Castro, Albuquerque e Amaral, Bispo Eleito de Macau, Beirão, Pinto Coelho, Conde da Azambuja, Conde da Torre, Poças Falcão, Fernando de Magalhães, Drago, Ignacio Lopes, Bicudo, F. M. da Cunha, Pulido, Chamiço, Gaspar Teixeira, Fonseca Coutinho, Calça e Pina, Joaquim Cabral, Ferreira de Mello, Coelho de Carvalho, Simas, Rodrigues Camara, Veiga, Galvão, Luciano de Castro, D. José de Alarcão, Frasão, Latino Coelho, Silveira e Menezes, Gonçalves Correia, Camara Falcão, Alves Guerra, Sousa Feio, Modesto, Charters, Fernandes Thomás, Simão de Almeida e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma hora e um quarto da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Declaro que, na sessão de 18, se estivera presente á votação do projecto n.° 47 (antes 38-B), sobre divisão territorial nos concelhos de Santarem, Torres Novas e Gollegã, votaria contra, apresentando os ponderosos e justos motivos oppostos á tão larga e transcendente divisão territorial, sem as previas, necessarias, especiaes e minuciosas informações, indispensaveis a bem apreciar as inconveniencias e gravissimos prejuizos, consequencias da approvação de um projecto de tão ampla latitude e transcendentes resultados. = O deputado pelo circulo 129, João Antonio Mendes de Carvalho.

Mandou-se lançar na acta.

2.° Uma declaração do sr. Freitas Branco, de que o sr. Gonçalves de Freitas tem faltado a algumas sessões, e continuará a faltar a mais algumas, em consequencia de doença. — Inteirada.

3.° Um officio do ministerio do reino acompanhando a seguinte

PROPOSTA DE LEI N.° 74-C

Senhores. — A camara municipal de Coimbra pediu ao governo que lhe fosse doado o cerco denominado dos Jesuitas, junto ao laboratorio da universidade, para abrir uma communicação entre a estrada da Fonte Nova e o museu, ligando assim os bairros Alto e Baixo da cidade.

Sobre este pedido da camara, que o governador civil apoiou, ouviram-se o reitor da universidade e as faculdades de medicina e de philosophia, que, por virtude das disposições da lei de 23 de maio de 1848, e do decreto de 21 de novembro do mesmo anno, se achavam de posse do cerco de que se trata.

As informações da universidade foram que o cerco lhe tinha sido doado para o estabelecimento de nitreiras artificiaes, hoje condemnadas pela sciencia, e para plantação de arvores silvestres que nunca se tinha effectuado, e que portanto o cerco lhe era inutil.

N'estas circumstancias considerando o governo que o terreno pedido pela camara municipal tem pequena extensão e diminuto valor, e que é incontestavelmente util o destino que a camara quer dar lhe, tem a honra de propor-vos a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É doado á camara municipal de Coimbra o cerco denominado dos Jesuitas, que ora possue a universidade de Coimbra, a fim de abrir-se por elle uma rua que ligue o bairro Alto ao bairro Baixo da mesma cidade.

Art. 2.° Esta doação ficará sem effeito e reverterá o cerco para a fazenda publica, se lhe for dada applicação diversa da prescripta nesta lei.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 18 de abril de 1864. = Duque de Loulé.

Foi enviada á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

4.° Do mesmo ministerio, acompanhando a seguinte

PROPOSTA DE LEI N.° 74-D

Senhores. — Entre os muitos estabelecimentos de beneficencia que possue a cidade do Porto, é de certo um dos mais notaveis o asylo de mendicidade, que, levantado pela caridade particular, abriga um numero consideravel de indigentes, e que pela boa ordem e administração não fica inferior aos melhores institutos d'esta natureza.

Este asylo porém sem rendimento certo, que o ponha a coberto de futuras contingencias, encontra-se ainda hoje n'uma posição precaria a despeito dos muitos esforços, da muita caridade dos seus bemfeitores, e não pôde tomar o desenvolvimento que exige uma cidade tão populosa como o Porto, muito principalmente se quizermos, como é rigoroso dever, assentarmos nas suas verdadeiras bases o serviço de beneficencia, e cohibir a falsa mendicidade dando protecção e amparo aos verdadeiros necessitados.

Já em 1861 o conselho filial de beneficencia do Porto lembrou prover á falta de recursos proprios do asylo, concedendo-lhe uma parte do rendimento destinado para a administração e custeamento do salva-vidas, e dirigindo-se á associação commercial e á commissão administrativa do estabelecimento do salva-vidas, encontrou n'estas corporações o favoravel acolhimento que era de esperar do espirito humanitario e de caridade que ennobrece a cidade do Porto.

Apresentando-vos portanto a seguinte proposta de lei, o governo limita-se a pedir-vos a sancção de um accordo que

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já existe entre os interessados, e a applicação para um fim altamente benefico, das sommas que havieis votado para outro serviço tambem de humanidade, e que hoje não têem essa applicação.

Estabelecido pela lei de 19 de julho de 1841 e decreto de 5 de junho de 1851 um direito especial sobre os generos despachados na alfandega do Porto, com destino para a edificação da praça do commercio, foi pelo decreto de 23 de dezembro de 1852 applicado metade do producto do imposto para a nova organisação do estabelecimento do salva-vidas. Este rendimento excede em muito a despeza, e é d'estas sobras, que actualmente revertem para a associação commercial, que o conselho filial de beneficencia propõe que, sem que se ponha em risco o serviço do salva-vidas, se auxilie o asylo de mendicidade do Porto com uma prestação que habilite os seus administradores a ampliarem os beneficios que já dispensam com esclarecido zêlo e louvavel dedicação.

Os documentos que acompanham este relatorio comprovam as considerações que deixo feitas, e em vista d'elles espero que a camara não deixará de approvar a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° A commissão administrativa do salva-vidas do Porto entregará annualmente ao asylo de mendicidade, da mesma cidade, a quantia de 2:000$000 réis, deduzida da metade do imposto para as obras da bolsa, que pelo artigo 4.° do decreto de 23 de dezembro de 1852 foi applicado para as despezas d'aquelle estabelecimento.

Art. 2.° O pagamento terá logar por trimestres, satisfeitas primeiro as despezas do salva vidas.

Art. 3.° Fica por este modo alterado o decreto de 23 de dezembro de 1852, e revogada a demais legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 20 de abril de 1864. =Duque de Loulé.

Foi enviada á commissão de administração publica, ouvida a de marinha.

5.º Do ministerio da fazenda, acompanhando a nota, pedida pelo sr. Annibal, do sal despachado pela alfandega de Setubal. — Para a secretaria.

6.º Do mesmo ministerio, acompanhando a nota, pedida pelo sr. barão do Vallado, do rendimento collectavel das freguezias de Tarouquella, Espadanedo, Lorello, Moimenta, Fornellos, Travanca, Nespereira e Piães. — Para a secretaria.

7.º Do mesmo ministerio, devolvendo, informado, o requerimento, de Luiz de Matos Soeiro Brito de Moraes Sarmento. — A commissão de fazenda.

8.º Do mesmo ministerio, acompanhando a nota, pedida pelo sr. Vaz Preto, do rendimento da materia collectavel das freguezias que hoje compõem o concelho de Proença a Nova. — Para a secretaria.

9.º Do mesmo ministerio, devolvendo, informada, a representação em que os empregados da junta do credito publico pedem augmento de vencimento. — A commissão de fazenda.

10. ° Do mesmo ministerio, devolvendo, informada, a representação em que os amanuenses da secretaria distado dos negocios da marinha e ultramar pedem augmento de vencimento. — A mesma commissão.

11. ° Uma representação da camara municipal de Vouzella, pedindo que não seja desannexada d'elle a freguezia de Bodiosa. — A commissão de estatistica.

12. Dos empregados da secretaria do governo civil do Porto, pedindo augmento de vencimento. — A commissão de administração publica, ouvida a commissão de fazenda.

13. ° Da mesa da irmandade de Nossa Senhora do Carmo, erecta na igreja do extincto convento dos Carmelitas descalços da cidade de Braga, pedindo que se lhe dê a propriedade da mesma igreja. — A commissão de fazenda.

EXPEDIENTE A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA NOTA DE INTERPELLAÇÃO

Desejo interpellar, com urgencia, o sr. ministro do reino:

1.º Ácerca da demora que tem havido a approvar o projecto de estatutos do collegio de S. Caetano da cidade de Braga, projecto remettido ao governo pela commissão administradora do referido estabelecimento ha perto de dois annos.

2.º Sobre os motivos que têem obstado á approvação da planta do novo edificio, que a commissão administradora do mencionado collegio se propõe a construir no largo das Carvalheiras da dita cidade. = Torres e Almeida.

Mandou-se fazer a communicação respectiva.

SEGUNDAS LEITURAS PROJECTO DE LEI

Senhores. — O decreto de 13 de janeiro de 1837, reformando a antiga academia de commercio e marinha da cidade do Porto, attendendo ás condições especiaes de uma grande população, onde as diversas industrias dão todos os dias provas irrecusaveis do espirito emprehendedor da cidade invicta, organisou o plano dos novos estudos no sentido de favorecer o desenvolvimento de seus naturaes recursos.

A lei de 20 de setembro de 1844 não podia esquecer tambem, que na nova academia teriam de ir buscar instrucção mais desenvolvida os alumnos que tivessem de seguir o curso das escolas medico-cirurgicas, bem como aquelles que houvessem de continuar na escola do exercito os cursos mais elevados dos ramos scientificos. Era difficil que ao lado dos cursos preparatorios para os industriaes se creassem os estudos mais desenvolvidos, que deviam ser preparatorios para as sciencias, e a prova d'essa difficuldade viu-se desde logo, e até hoje se sente, pois que não obstante estabelecer a lei de 20 de setembro de 1844 no seu artigo 140.° que os cursos preparatorios para a admissão na escola do exercito podessem ser estudados na academia polytechnica, ainda hoje essa prescripção não é cumprida pela difficuldade de pôr em harmonia os cursos d'aquella academia com os cursos da escola polytechnica e faculdades de mathematica e philosophia.

A harmonia entre uns e outros será cada vez mais difficultosa de dar-se se continuar, como tem succedido, a dotar-se com recursos tão insignificantes a academia polytechnica.

Cumpre saír quanto antes d'esta situação, que está não só privando de direitos os nossos concidadãos da cidade do Porto e provincias do norte, mas que ao mesmo tempo conserva n'um estado de atrazo prejudicial ao progresso da sciencia a academia polytechnica.

A creação de algumas cadeiras, e uma dotação mais larga para crear os recursos do ensino pratico, poderão dar ao governo os meios de organisar os cursos d'aquella academia, como exigem as necessidades locaes e o progressivo andamento da instrucção.

A não se crearem estes recursos mais valeria acabar com uma instituição que, no estado em que está, não pôde satisfazer convenientemente ao fim para que foi creada.

Em vista d'estas circumstancias, temos a honra de propor-vos o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° São creadas na academia polytechnica as seguintes cadeiras:

1.ª Mechanica e suas principaes applicações ás machinas;

2.ª Geologia, mineralogia e principios de metallurgia;

3.ª Chimica organica e analyse chimica.

Art. 2.° E restabelecida na academia polytechnica a 6.ª cadeira, creada por decreto de 13 de janeiro de 1837.

§ unico. Esta cadeira será lida em curso biennal, e comprehenderá as seguintes disciplinas:

Construcções publicas, machinas a vapor, caminhos de ferro e obras hydraulicas.

Art. 3.° Para conservação e aperfeiçoamento dos estabelecimentos dependentes da academia é votada a verba de 3:000$000 réis.

Art. 4.° Os alumnos que se habilitarem com as disciplinas da academia polytechnica, organisada por esta lei, poderão matricular-se nos differentes cursos das escolas de applicação do exercito e da marinha.

Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da sessão da camara dos deputados, em 25 de abril de 1864. = Anselmo José Braamcamp = Antonio Pinto de Magalhães Aguiar = José Luciano de Castro = Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães = Guilhermino Augusto de Barros = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Manuel José de Sousa Junior = Ricardo Guimarães = Barão do Vallado =: Antonino José Rodrigues Vidal = José Maria Pereira Alvares da Guerra = João José de Azevedo = José Augusto de Almeida Ferreira Galvão = José Joaquim de Figueiredo Faria = Manuel Bento da Rocha Peixoto = Barão da Torre = Antonio de Mello Breyner = Francisco Manuel da Costa = Antonio de Gouveia Osorio = Oliveira Baptista = Monteiro Castello Branco = Freitas Soares = Visconde de Pindella = João Antonio Gomes de Castro = Francisco Coelho do Amaral = Carlos Cyrillo Machado = Antonio Pinto de Albuquerque Mesquita e Castro = Francisco Manuel Raposo Bicudo Correia = Francisco Diogo de Sá.

Foi admittido, e enviado á commissão de instrucção publica, ouvida a de fazenda.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — Os poderes publicos têem se ultimamente occupado dos meios de reformar a legislação especial relativa á industria e commercio dos vinhos do Douro, no sentido de tornar mais liberal essa legislação, que actualmente é prejudicial e vexatoria no ultimo ponto, para os vinhos da provincia do Minho, e para os dos outros districtos confinantes com o Douro, que não pertencem á area da demarcação, sem favorecerem os que são n'essa area comprehendidos.

A provincia do Minho é a mais prejudicada pela legislação actual que, fechando a barra do Porto á exportação de um de seus generos mais importantes, priva aquella provincia dos immensos beneficios do commercio com o Brazil, onde os vinhos do Minho são apreciados, e onde se lhes offerece o consumo annual de muitas mil pipas.

O paiz, e especialmente os productores da fertil provincia do Minho, estão sendo gravissimamente lesados nos seus interesses.

Acresce, por outra parte, que os interesses dos lavradores do Douro de nenhum modo, nem directa nem indirectamente, podem ser prejudicados pela exportação dos vinhos do Minho, os quaes, pelas suas qualidades completamente diversas das dos vinhos do Douro, nem podem affrontar estes com a sua concorrencia nos mercados estrangeiros, nem se podem prestar de modo algum ás falsificações e adulterações com que se imitam os verdadeiros e genuínos vinhos do Douro.

A questão dos vinhos do Douro, que é da mais grave importancia pelos valiosos interesses que com esta prendem, e que esperámos será resolvida no sentido da liberdade do commercio, não parece estar prestes, pelos tramites em que entrou, a ser resolvida na presente legislatura.

Sendo pois conveniente e sendo urgentissimo attender aos interesses que mais soffrem com o estado actual, que são evidentemente os da provincia do Minho, a quem uma legislação barbara sequestra os ricos mercados do Brazil, que estão offerecendo incessantemente valiosissima remuneração a um dos mais abundantes productos da sua cultura, e não podendo a resolução da questão, pelo que respeita aos vinhos do Minho, prejudicar de nenhum modo os interesses do Douro, tenho a honra de propor á vossa apreciação, com os mencionados fundamentos, o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É permittida a exportação pela barra do Porto dos vinhos da provincia do Minho para os portos do imperio do Brazil.

§ 1.° Estes vinhos só poderão ser armazenados na cidade do Porto, para o fim da presente lei, trazendo guia que atteste a sua procedencia, passada gratuitamente pelos respectivos administradores do concelho.

§ 2.° Os direitos de exportação dos vinhos, de que trata o presente artigo, serão sómente os que pagam actualmente os vinhos exportados pelas outras barras do paiz.

Art. 2.° O governo fará immediatamente o regulamento necessario para a execução d'esta lei.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, 25 de abril de 1864. = Domingos de Barros Teixeira ás Mota.

Foi admittido e enviado á commissão de vinhos.

PROJECTO DE LEI

Senhores. — A irmandade de Nossa Senhora do Carmo da cidade de Braga, venera á sua custa, desde a extincção dos religiosos carmelitas descalços, a igreja em que foi erecta ha muitos annos, e que lhe foi concedida por portaria de 17 de setembro de 1835, celebrando n'ella todas as funcções do culto divino, senão com maior, ao menos com igual pompa e magnificencia á que havia no tempo dos religiosos.

Para servidão da igreja, e arrecadação e guarda dos paramentos, alfaias e utensilios foi-lhe tambem assignado ao mesmo tempo pela auctoridade superior do districto um corredor, que tem um metro e oitenta e cinco centimetros de largura, que se acha tapado com uma parede mestra, que corre de sul a norte, vedando a igreja e o convento, e separando-os entre sr.

N'este estreito espaço está no pavimento a servidão da igreja para a sachristia, e no andar superior a que dá communicação para o coro, tribuna e torre, e junto d'elle um outro espaço por cima da sachristia, onde estão as sobreditas officinas, como tudo consta de uma representação esclarecida com uma exacta planta, que a mesma irmandade acaba de dirigir a esta camara, e eu tenho a honra de apresentar n'esta occasião.

E da maior conveniencia conceder á irmandade, como ella pede, a propriedade da igreja, corredor e pertenças, de que está no uso e posse, não só porque vae n'isso o interesse da religião, como porque ou a fazenda publica teria de despender com o custeamento do templo, ou elle teria de caír em ruina dentro em pouco tempo; e para esse fim tenho a honra de vos offerecer o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É concedida á irmandade de Nossa Senhora do Carmo, da cidade de Braga, a propriedade da igreja da mesma invocação, que outr'ora pertenceu aos religiosos carmelitas descalços, de que lhe foi concedido o uso por portaria de 17 de setembro de 1835; e bem assim os corredores inferior e superior com a largura de um metro e oitenta e cinco centimetros, que dão servidão para a sachristia, coro, tribuna e torre, e a mais casa que serve para as officinas, e guarda dos paramentos, alfaias e utensilios da irmandade.

Art. 2.° Tanto a igreja, como as suas pertenças designadas no artigo antecedente, reverterão ao estado se deixarem de ser empregadas no culto e serviço divino.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala das sessões, 25 de abril de 1864. = O deputado, Francisco Manuel ás Costa = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Barão ás Torre = Manuel Justino Marques Murta.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Mando para a mesa a seguinte proposta de lei (leu).

Pedia a maior urgencia na resolução d'este negocio, porque todos sabem que resta muito pouco tempo para concluir o contrato do tabaco, e que convem no mais curto praso possivel resolver este assumpto.

A proposta é a seguinte:

PROPOSTA DE LEI N.° 74-E

Terminando, como sabeis, no dia 30 do corrente mez, o actual contrato do exclusivo do tabaco, e sendo de prever como bem podeis avaliar, que até aquelle dia não esteja publicada a lei que houver de estabelecer o systema por que do 1.° de maio em diante deva ser percebido o rendimento derivado do commercio e da fabricação do tabaco no paiz, torna-se assim de instante urgencia que o governo seja competentemente auctorisado para desde já providenciar ácerca d'este importante ramo do serviço publico, como as circumstancias de momento exigem.

Attento o conjuncto d'essas circumstancias, estou convencido de que nenhum outro expediente é possivel adoptar-se de prompto, que satisfaça o indicado fim, senão aquelle que se acha consignado nos artigos 13.º e 14.°, e seus respectivos paragraphos, do parecer das tres commissões reunidas da camara das dignos pares do reino, e que actualmente está sendo discutido na mesma camara.

E por isso, que em desempenho de um dever impreterivel, tenho a honra de submetter á vossa approvação & seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° Fica auctorisado o governo para celebrar com os actuaes contratadores do tabaco um accordo, para que o periodo do contrato que começou em 1 de maio de 1861 e deveria findar em 30 de abril de 1864, finde em 30 de junho d'este mesmo anno; transferindo-se sem alteração alguma para esta prorogação todos os direitos e obrigações que estavam estabelecidos para o periodo final dos tres annos primitivamente contratados.

§ unico. Este accordo será logo publicado na folha official do governo.

Art. 2.° No caso dos actuaes contratadores se não pres-

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tarem ao accordo de que trata o artigo antecedente, fica auctorisado o governo a celebrar com quaesquer pessoas ou sociedades um accordo, em virtude do qual essas pessoas ou sociedades fiquem collocadas na mesma situação em que ficariam os actuaes contratadores se se prestassem ao accordo de que trata o artigo antecedente.

§ 1.º Neste caso as pessoas ou sociedades de que trata este artigo receberão dos actuaes contratadores a porção de generos fixada na condição 13.º do actual contrato pelos preços taxados na mesma condição.

§ 2.° Os directores geraes do thesouro publico, reunidos em tribunal nos termos do artigo 5.° titulo 3.° do decreto com força de lei, de 10 de novembro de 1849, concorrerão a todos os actos deste contrato provisorio.

§ 3.° O accordo de que trata este artigo será logo publicado na folha official do governo.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. Secretaria d'estado dos negocios da fazenda, em 25 do abril de 1864. = Joaquim Thomás Lobo d'Avila. Foi enviada á commissão de fazenda.

O sr. Domingos de Barros: — Pedia que o projecto que hontem tive a honra de mandar para a mesa, e que acabou de ser lido, seja remettido á commissão respectiva, recommendando se lhe a urgencia.

O sr. Camara Leme: — Mando para a mesa dois requerimentos que foram submettidos á apreciação da commissão de guerra, a fim de v. ex.ª determinar que sejam mandados ao governo, por isso que a commissão deseja informações sobre as pretensões dos requerentes.

Aproveito esta occasião para mandar para a mesa um requerimento de Affonso de Albuquerque, official que serviu no ultramar. Este individuo foi preso por occasião dos acontecimentos politicos de 1846, e é talvez o unico official do ultramar a quem não aproveitam as disposições da carta de lei de 30 de janeiro ultimo. Peço a v. ex.ª que o requerimento seja remettido á commissão competente, para o tomar na devida consideração.

O sr. Presidente: — Vae passar-se á ordem do dia, mas se algum sr. deputado tem a mandar algum requerimento ou representação para a mesa pôde faze-lo.

O sr. Rojão: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de administração publica, e uma representação do provedor e mesarios da santa casa da misericordia de Redondo, em que pede se decrete a venda dos bens das irmandades e confrarias, e o seu producto seja dado a juros aos proprietarios d'aquella localidade.

Consta-me que ha um projecto do governo sobre esta materia, e sendo assim peço a v. ex.ª que tenha a bondade de mandar esta representação á commissão, pedindo lhe que dê quanto antes o seu parecer, visto que não ha opposição.

O sr. Presidente: — A grande deputação encarregada de cumprimentar Sua Magestade, por occasião do anniversario da outorga da carta constitucional, será composta, alem da mesa, dos seguintes srs.:

Antonio Pinto de Magalhães Aguiar

Visconde de Pindella

Antonio de Mello Breyner

Ricardo Augusto Pereira Guimarães

José Carlos Rodrigues Sette

Henrique Ferreira de Paula Medeiros

Eusebio Dias Poças Falcão

José Joaquim Fernandes Vaz

Manuel Firmino de Almeida Mais

Rodrigo Lobo d'Avila.

A deputação que ha de apresentar á sancção de Sua Magestade alguns autographos de decretos das côrtes será composta dos seguintes srs.:

Hermenegildo Augusto de Faria Blanc

João da Costa Xavier

José Joaquim de Figueiredo Faria

Levy Maria Jordão

Thomás Antonio Ribeiro

Francisco Maria da Cunha

João José de Azevedo.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Na sessão de sabbado ficou interrompida a discussão do projecto de estradas vicinaes, e estando hoje presente o sr. ministro do reino vae continuar a discussão do projecto, com as emendas feitas pela commissão.

O sr. Secretario Miguel Osorio leu o artigo 3.º

(Vide este projecto a pag. 1276, 3.ª col.)

O sr. Aragão Mascarenhas: — Na ultima sessão em que se tratou d'este negocio tinha ficado approvado o artigo 2.°, e o que v. ex.ª tem a pôr agora á discussão é o artigo 3.º da proposta da commissão.

O sr. Presidente: — É o que se acaba de ler, e que está em discussão.

O sr. Freitas Soares: — Sr. presidente, quando entrou em discussão este projecto, no principio d'esta sessão legislativa, por motivo justificado não estava eu n'esta casa; e outro dia, quando voltou á discussão com as emendas que tinham vindo da commissão, não estava sufficientemente esclarecido para entrar n'esta discussão; não só porque me não tinha sido distribuido este projecto, e não esperava que viesse intercallar-se na discussão do orçamento; mas ainda porque estando em ordem do dia cincoenta e dois projectos, era absolutamente impossivel achar me habilitado para entrar desprevenido na discussão de um projecto tão importante como este.

Agora porém cumpre-me dizer que, se por essa occasião se tivesse presente, teria votado contra a generalidade do projecto. E votaria contra, sr. presidente, porque entendo que elle é exageradamente francez; pouco historico e pouco portuguez, o sobretudo injusto. Todos setes tres grandes defeitos que acho na generalidade da doutrina que se contem n'este projecto, existem manifestamente no artigo 3.°, que se discute. Como porém se trata já da discussão na especialidade, não cansarei a camara discutindo largamente a questão na sua generalidade; mas não posso deixar de expender breves e curtas reflexões para justificar o meu procedimento, e ao mesmo tempo o meu voto perante a camara e perante o paiz.

Disse eu, que este projecto me parecia exageradamente francez, e vou dar a rasão. Parece-me exageradamente francez, porque sendo na maior parte tirado da lei franceza, e indo no caminho do systema francez, que toma por base sobretudo a centralisação, uma das peiores molestias da sociedade actual, é ainda mais centralisador do que essa mesma lei; porque creando entidades novas, que em França se não crearam quando se votou a lei de 21 de maio de 1836, esqueceu que a commissão encarregada de fazer este trabalho n'aquelle paiz é de eleição popular por suffragio universal, emquanto que na commissão encarregada d'este trabalho, por este projecto, predomina principalmente o elemento do poder central. Demais, aquillo que tinha sido tirado em França ás camaras municipaes pela lei de 21 de maio de 1836, foi lhe depois restituído pela lei de 18 de junho de 1837; de maneira que indo se copiar a legislação franceza, ainda assim mais do que n'aquelle paiz os nossos direitos municipaes ficaram cerceados.

Entre nós o que se teve em vista foi dar toda a força ao poder central, sem ao menos nos recursos dar igual direito ao poder municipal.

Disse tambem, sr. presidente, que me parecia pouco historico e pouco portuguez; porque a nossa historia está em opposição a estas doutrinas; porque entre nós o elemento social mais respeitavel, mesmo nos tempos antigos, foi sempre o elemento municipal (apoiados); o elemento municipal, que é uma das principaes garantias das liberdades publicas (apoiados).

E ainda pouco historico e pouco portuguez, porque não está em harmonia nem com a nossa organisação administrativa, nem com a nossa indole, nem com os nossos costumes, nem com os nossos habitos. Alem d'isto não havia necessidade alguma, mesmo pelas rasões dadas no projecto, para complicar o serviço com a creação de entidades novas; augmentando assim o funccionalismo, que é uma outra enfermidade da sociedade actual, grave sobretudo no nosso paiz, e que nos ha de levar a consequencias gravissimas.

Tenho ouvido algumas vozes de todos os lados da camara levantarem-se por vezes contra isto; mas as obras nem sempre se harmonisam com as palavras; porque a conveniencia politica poucas vezes deixa de vencer os impulsos do coração, as vozes da consciencia, n'esta epocha desgraçada que vamos atravessando.

Se porventura, quando se organisou este projecto, havia a intenção de prevenir qualquer abuso que as influencias locaes podessem ter sobre a boa classificação das estradas municipaes, escusado era crear entidades novas Tinhamos na nossa organisação ordinaria o caminho natural, verdadeiro e regular para satisfazer a este fim. Tínhamos tias cabeças dos districtos as direcções das obras publicas, no centro principal o conselho de obras publicas. Tínhamos as juntas geraes de districto, o conselho de districto e o conselho d'estado.

Se as camaras abusassem e fizessem uma classificação pouco exacta, não se approvasse a classificação sem ser ouvido na parte technica o director d'estas obras publicas e o conselho das obras publicas, com recursos livres tanto para os representantes do poder central, como para o elemento municipal, de qualquer deliberação ou informação do director das obras publicas para o conselho da obras publicas. Depois para a execução e determinação das obras, a marcha natural e regular era não approvar os orçamentos respectivos, sem que fosse ouvido o director das obras publicas do districto, e depois haver recurso para o conselho d'estado, considerando se este ponto contencioso e não de simples tutela.

E por estas rasões que eu disse que o projecto era pouco historico e pouco portuguez, porque não está era harmonia com a nossa historia, com os nossos habitos, com a nossa indole e com a nossa organisação.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Peço a palavra.

O Orador: — O projecto, sr. presidente, é sobretudo injusto, porque sem rasão sufficiente, e pelo contrario com rasões pouco dignas para se exararem n'um projecto de lei, vão cercear-se aos municipios direitos que sempre lhes foram respeitados.

Se compararmos as disposições do relatorio, principalmente o da illustre commissão de obras publicas, com as disposições d'este artigo, o artigo está perfeitamente em opposição com as rasões da commissão.

Para não cansar a camara direi só, que as rasões principaes dadas n'aquelle relatorio são — que as disposições deste projecto não comprimem a iniciativa local, e que descentralisam a acção do poder central.

Pelo que acabo de dizer, vê se evidentemente que o projecto não só comprime a iniciativa local, mas até invade os direitos municipaes, e que longe de descentralisar centralisa mais do que a propria lei franceza, cujas disposições se copiaram em grande parte.

Tambem disse que haviam n'este parecer rasões que me pareciam pouco dignas, e disse o porque entendo que não devemos esquecer nunca o conselho do Evangelho, que nos ensina que devemos suppor todos os homens bons emquanto por factos nos não mostrarem que são maus.

Na verdade é pouco conveniente que n'uma casa d'estas se supponha sempre mal de pessoas, que não se podem defender aqui.

A sociedade não é composta de anjos, é de homens. Porque uma mão fez um ferimento, não se deve mandar cortar o braço.

O parecer diz o seguinte, e eu peço licença á camara para o ler, a fim de ver se tenho ou não rasão no que acabo de expender. «Não entendeu porém a nossa commissão dever alterar o projecto na parte respectiva á classificação provisoria das estradas, entregando a á iniciativa municipal, porque devendo esta clarificação conter um systema de viação em que todas as estradas se liguem o correspondam entre si e com a viação districtal e geral, não pôde rasoavelmente esperar-se que um similhante trabalho possa sair da iniciativa municipal, sempre inspirada pelo espirito de localidade, e faltando lhe quasi sempre conhecimentos technicos indispensaveis para trabalhos d'esta ordem».

Desde que a commissão dá como rasão principal para esta disposição que as camaras municipaes estão sempre inspiradas pelo espirito de localidade, não se pôde negar o direito, a quem defende os municipios, de suppor que o poder central está sempre inspirado do desejo não só de comprimir, mas do fazer do homems livres servos e escravos.

A outra rasão, de que não têem conhecimentos especiaes para poder resolver sobre trabalhos d'esta ordem, não é sufficiente. E se é, serve tambem contra as disposições apresentadas pela illustre commissão.

Eu sou de opinião que nas questões de sciencia os homens technicos são os mais competentes; mas peço ao illustre ministro que medite attentamente no artigo em discussão, e que diga, com a mão na consciencia, se a commissão proposta tem os conhecimentos proprios para poder resolver questões d'esta ordem. Como o inspector das obras publicas está ausente na maior parte do tempo, ha lá um unico homem competente, que é o director das obras publicas; mas o resto é menos competente, menos habilitado para poder resolver as questões de que se trata. São todo menos competentes; porque em geral não são homens technicos, e são menos habilitados; porque ordinariamente não têem conhecimento das localidades, nem das justas conveniencias, a que se deve attender na classificação e determinação d'estas estradas.

Por conseguinte a marcha natural, aquella que estava em harmonia com a nossa organisação, era que a iniciativa partisse das camaras, e que sobre essa classificação e determinação na parte technica fossem ouvidos os nossos homens technicos, na ordem e na linha natural da nossa organisação; que era remetter se a proposta da camara ao director das obras publicas, para dar o seu parecer sobre ella; do parecer do director das obras publicas haver recurso para o conselho das obras publicas. Depois de feita a classificação e a carta das estradas municipaes, quando se tratasse de resolver quaes as que de preferencia se deveriam construir, a marcha e ordem natural era sujeitar a proposta da camara á approvação do conselho de districto, e haver recurso das decisões do conselho de districto para o conselho d'estado, com ar, informações de que já fallei.

Esta era a marcha natural e a mais simples, porque nem complicava o serviço, nem augmentava novas entidades de funccionalismo, desnecessario, como o que está n'este projecto.

Ainda ha outra circumstancia a attender. Como ha de ser esta commissão declarada permanente com a maior parte dos seus membros sem subsidio algum? Que vem a ser uma commissão permanente, de que é presidente o governador civil, e de que são membros o director das obras publicas, o inspector das obras publicas, estes subsidiados pelo estado, e os outros quatro membros eleitos pela junta geral do districto sem vencimento algum? A maior parte não vae lá; e quem ha de funccionar no fim de contas? Os membros mais velhos do conselho de districto, ou, para melhor dizer, quem ha de governar ha de ser o governador civil (apoiados).

Ora agora notarei que querendo attender se um pouco ás rasões justissimas expendidas pelo sr. deputado Mártens Ferrão, quando se discutiu esta questão, disse-se: «Deixemos toda a iniciativa ás camaras municipaes»; mas nas estradas de segunda ordem e depois o que se fez? E depois que se fez?! Deu-se recurso de todas as decisões em todos os pontos ao governador civil e ao administrador do concelho, e não se deu ás camaras municipaes. Isto é injusto, é improprio da epocha em que nos achamos, e ainda é injusto por outra rasão. A carta diz que a lei é igual para todos; e ainda que o não dissesse dizia-o a rasão e a justiça; e n'este ponto o projecto dispõe de modo que a lei não ficará igual para todos.

No nosso paiz está-se em costume; e creio mesmo que é de lei, antes de se julgar um individuo incapaz de administrar sua pessoa e bens, fazer-se-lhe um exame de sanidade. Reúnem-se os peritos, examina se o individuo, e depois de o julgarem incapaz, é que lhe tiram a administração de seus bens. Ora neste projecto falta isto, e eu peço ao illustre ministro do reino que, antes de esbulhar as camaras do direito de administrar os bens municipaes e antes de lhes tirar a sua iniciativa neste assumpto, as sujeite a um exame de sanidade, e depois as declare incapazes de administrar os seus bens pois isto assim fica ao menos mais racional.

Parece-me pois como disse, que este artigo 3.° contém todos os defeitos que eu já mencionei, com referencia á disposição geral da lei.

Eu desejava bem, sr. presidente, que um negocio de tanta importancia como este, apesar de se julgar tão urgente, fosse mais meditado; e não haveria grande inconveniente em se demorar mais esta resolução estudando-se melhor, e acommodando mais as disposições, do projecto á idéa do legislador, ás circumstancias do nosso paiz, e sobretudo

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á nossa indole e aos nossos habitos. Este projecto tem grandes defeitos, mas de todos elles o que faz maior impressão no meu espirito é o augmentar extraordinariamente o poder central.

A maior parte da gente talvez isto não faça grande impressão; a mim muita. Sempre me hei de lembrar de que a centralisação foi inventada pelos principes para facilitar o triumpho das suas idéas e de todas as revoluções; mas é necessario não esquecer tambem que a centralisação é como a obra do diabo, porque assim como serviu para exagerar a realeza dos principes, serviu tambem para ser o tumulo da realeza do velho direito. Receio pois muito que a democracia moderna, indo como vae no mesmo caminho, se ache quando menos o pensar presa da centralisação e victima da sua propria obra.

Nunca me ha de esquecer o conselho que um homem notavel da nossa epocha, n'um congresso tambem notavel, dava a todos os seus ouvintes. «Resisti, dizia elle, com todas as vossas forças a esta tendencia desgraçada, ás invasões da centralisação; e resisti por amor á vossa nacionalidade, por amor ás vossas liberdades politicas e religiosas, tão caras a todos os corações verdadeiramente liberaes».

Sr. presidente, não quero fazer politica, mas ha principios que eu respeito sempre, e contra os quaes não transijo nunca; e por isso hei de oppor-me sempre com todas as minhas forças a tudo que eu vir que tende a centralisar e a exagerar a força do poder central.

Se olho para a França (talvez isto seja uma loucura minha), parece-me ver que a intermittencia revolucionaria que apresenta tem por causa principal o seu systema de centralisação.

Se olho para a Inglaterra e vejo a paz duradoura que ella apresenta, parece-me que é devida ao bom senso que tem aquelle povo para collocar todas as cousas de modo que se evite o mais possivel a centralisação. Se compararmos Londres com Paria, encontrámos facilmente esta grande differença de intuitos. Londres é de certo o centro industrial e commercial de Inglaterra. Não é o centro scientifico. Não é o centro politico senão emquanto está aberto o parlamento e a côrte em Londres.

Com referencia porém a París não é assim. Tudo está em París. Pôde dizer-se, com referencia aquelles grandes elementos sociaes, que Paria é a França. Feita uma revolução em París, toda a França ficou dominada, porque as garras do poder central estendem-se e chegam vigorosas a toda a parte.

É pois para estes dois grandes vultos politicos que eu desejo que se olhe, pondo de parte as questões pequenas e de partidos, para se ouvirem vantajosamente as lições do tempo e da experiencia.

Não digo mais nada. Espero que o sr. ministro do reino attenderá a estas rasões, que me parecêra justas, porque eu, apesar do ser opposição, não faço uma opposição acintosa a ninguem; posso errar por falta de intelligencia, por vontade não.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Ministro do Reino (Duque de Loulé): — Se effectivamente, no artigo que está em discussão, se encontrassem as disposições que o illustre deputado n'elle viu, alguma rasão eu acharia ás observações de s. ex.ª; mas parece-me que nenhum dos defeitos, que o illustre deputado julgou achar no artigo, n'elle se contém.

Para provar esta asserção, direi em primeiro logar, que um dos defeitos que s. ex.ª notou no projecto foi o centralisar demasiadamente as attribuições que pertencem ás camaras municipaes. Primeiro que tudo devo notar que, se ha centralisação, é no conselho de districto, e não no poder central do governo.

O sr. Freitas Soares: — Peço a palavra.

O Orador: — Mas de que se trata aqui? É só em relação ás estradas de 1.ª classe. O que são estradas de 1.ª classe? São aquellas em que interessam diversos concelhos. Ora já se vê que, se se entregasse ás differentes camaras municipaes o resolver as questões que dizem respeito a estas estradas, pelo menos haveria muito tempo perdido. Era necessario estarem sempre as camaras em communicação umas com as outras; e é por isso que se incumbiu á commissão, creada por este artigo, de intervir nos differentes assumptos que dizem respeito ás estradas de 1.ª classe, e só para ellas, porque as de 2.ª classe ficam entregues ás respectivas camaras municipaes.

Estas estradas de 2.ª classe são as que nascem e morrem dentro dos concelhos: n'estas têem as camaras toda a gerencia e a faculdade necessaria para as designar e para lhes fiscalisar as obras.

Portanto, n'este projecto trata se só de classificar as estradas municipaes; e como se trata de differentes municipalidades, era necessario que uma terceira entidade, reunindo e congraçando os differentes pareceres, viesse a um resultado final; e parece-me que este era o meio mais conducente a este fim.

Uma das observações que tambem o illustre deputado fez, foi que esta commissão carecia de subsidio para funccionar (Interrupção do sr. Freitas Soares que se não percebeu.), porque não tendo subsidio ha de acontecer que os membros nomeados pela junta geral não comparecerão.

Por outro lado reparou que o elemento electivo não predomina n'estas commissões. Isto não é exacto. O elemento electivo é que predomina. Quantos são os vogaes da commissão? São o governador civil, o director das obras publicas e o inspector das obras publicas, eventualmente quando poder, e quatro vogaes eleitos pela junta de districto, de maneira que o elemento electivo é que predomina. E como quer o illustre deputado que seja subsidiada a commissão, se n'ella predomina o elemento electivo que ordinariamente não é subsidiado?

O sr. Freitas Soares: — Eu não disse isso.

O Orador: — O illustre deputado observou que era necessario subsidiar essa commissão.

O sr. Freitas Soares: — Tanto não disse isso, que não quero a creação da commissão.

O Orador: — Não quer, mas diz que não se ha de reunir porque lhe falta o subsidio.

Não façamos caso d'essa questão.

Diz o illustre deputado que se augmenta consideravelmente o funccionalismo.

Não sei que se augmente aqui o funccionalismo: o governador civil já existe, o director das obras publicas já existe, o inspector das obras publicas já existe, e os quatro membros electivos da junta não pôde dizer-se, por isso mesmo que são electivos, que augmentam o funccionalismo, porque não se lhes dá ordenado.

Diz-se: «Dá se recurso ao governador civil e nega-se ás camaras municipaes». Isto tambem não é exacto, perdoe o illustre deputado. O artigo 4.° no § 2.° diz:

«A determinação annual das obras a fazer no seguinte anno nas estradas municipaes de 2.ª classe fica pertencendo ás camaras municipaes, podendo a auctoridade administrativa recorrer das decisões das mesmas camaras para a commissão de viação.»

De maneira que se vê que as camaras têem igual recurso ao que se concede á commissão e á auctoridade administrativa. Mas o que peço á camara é que attenda a que n'este artigo 3.° o que se trata é da classificação das estradas de 1.ª e 2.ª classe. As de 1.ª classe são de interesse de diversos concelhos, e em relação a estas é que a commissão districtal tem uma interferencia mais directa; e no que respeita ás de 2.ª classe, que são as estradas propriamente do concelho, n'essas a camara municipal fica com as mesmas faculdades que esta actualmente tem; e não se lhe cerceiam de maneira nenhuma as suas attribuições.

O sr. C. J. Nunes: — Mando para a mesa o seguinte parecer da commissão de fazenda (leu).

Como n'esta semana ha apenas tres dias uteis para a camara poder funccionar, e como esta proposta tem de correr ambas as casas do parlamento, pedia a v. ex.ª que consultasse a camara sobre se dispensava a impressão para entrar já em discussão.

Decidiu-se por 66 votos contra 31 que entrasse já em discussão.

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 75

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foi enviada uma proposta de lei do governo, tendente a auctorisa-lo a celebrar um accordo com os actuaes caixas geraes do contrato do tabaco, ou com quaesquer outros individuos, a fim de ser conservado o systema actual, que regula aquelle monopolio, até ao dia 30 de junho do corrente ánno.

A commissão considerando que, achando se proximo o dia em que finda o actual contrato, e que estando sujeita ao parlamento a mudança do systema hoje em vigor, se torna indispensavel prevenir a hypothese de que até ao fim do corrente mez não esteja convertido em lei o projecto que se discute na camara dos dignos pares do reino, é de parecer que seja approvada a proposta do governo, que estabelece para a gerencia do monopolio durante os mezes de maio e junho todos os direitos e obrigações que competem ao contrato actual, convertendo-a no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° Fica auctorisado o governo para celebrar com os actuaes contratadores do tabaco um accordo, para que o periodo do contrato que começou em 1 de maio de 1861, e deveria findar em 30 de abril de 1864, finde em 30 de junho d'este mesmo anno; transferindo-se, sem alteração alguma, para esta prorogação todos os direitos e obrigações que estavam estabelecidos para o periodo final dos tres annos primitivamente contratados.

§ unico. Este accordo será logo publicado na folha official do governo.

Art. 2.° No caso dos actuaes contratadores se não prestarem ao accordo de que trata o artigo antecedente, fica auctorisado o governo a celebrar com quaesquer pessoas ou sociedades um accordo, em virtude do qual essas pessoas ou sociedades fiquem collocados na mesma situação em que ficariam os actuaes contratadores se se prestassem ao accordo de que trata o artigo antecedente.

§ 1.° N'este caso as pessoas ou sociedades de que trata este artigo receberão dos actuaes contratadores a porção de generos, fixada na condição 13.ª do actual contrato, pelos preços taxados na mesma condição.

§ 2.º Os directores geraes do thesouro publico, reunidos em tribunal, nos termos do artigo 5.°, titulo 3.°, do decreto com força de lei de 10 de novembro de 1849, concorrerão a todos os actos d'este contrato provisorio.

§ 3.° O accordo de que trata este artigo será logo publicado na folha official do governo.

Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da commissão, 26 de abril de 1864. = A. J. Braamcamp = J. A. de Sant'Anna e Vasconcellos =Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Guilhermino Augusto de Barros = Placido Antonio ás Cunha e Abreu =João Antonio Gomes de Castro = Claudio José Nunes.

O Sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Attenta a urgencia das circumstancias, peço a v. ex.ª queira consultar a camara se quer que haja só uma discussão na generalidade e especialidade.

Decidiu-se afirmativamente por 65 votos contra 33.

O sr. Fontes Pereira de Mello: — Vejo a impaciencia da assembléa relativamente ao assumpto, e conheço o motivo d'ella.

Não querendo pois incorrer na censura de que pretendo demorar a resolução que a camara deseja tomar, resumirei muito as observações que tenho a fazer.

Ha um anno que a opposição n'esta casa, pela voz de um dos seus mais auctorisados membros, provocava o governo para dizer qual era a sua opinião a respeito do negocio de que se trata. O governo então recusava se a dar explicações e retirava-se da sala (apoiados).

Ha quasi quatro mezes que esta camara se abriu, e bastante tempo se tem occupado do importante objecto, a proposito do qual o governo apresentou a proposta que estamos discutindo.

Sinto que estando este negocio submettido não só á attenção publica, mas á dos poderes do estado desde tanto tempo, seja tres ou quatro dias antes de findo o praso para a arrematação, que o governo apresente ao parlamento esta proposta, e a camara dos senhores deputados resolva que ella se não imprima, que se apresente e não se imprima o parecer da commissão, e que se não discuta na generalidade e especialidade, como acontece a todos o objectos os mais insignificantes; e que sejamos obrigados, sem ver, e mesmo quasi sem ouvir, o parecer que está sobre a mesa, a darmos o nosso voto. Sinto-o, porque interessa n'isso o systema representativo, que desejaria, e creio que todos os nossos collegas desejariam igualmente, que fosse uma realidade entre nós (apoiados).

Quando ha poucos dias assistimos ao debate prolongado que houve n'esta casa, onde se apresentaram de uma e outra parte as rasões com que cada um abonava as suas opiniões; quando vimos que por uma grande maioria a assembléa tinha resolvido que a liberdade do fabrico e commercio do tabaco começasse em 1 de maio de 1864, é com grande espanto meu que vejo hoje apresentada pelo governo e adoptada pela illustre commissão de fazenda a negação da proposição votada na camara, sem nenhuma rasão que a determine (como dentro em pouco provarei á assembléa), para se adoptar um monopolio que tão condemnado foi (apoiados), monopolio em que se disse se queria dar o maior e mais profundo golpe, monopolio na sua mais odiosa manifestação que se dá sem que a arrematação seja em praça publica e arrematação que não era necessaria, porque quando mesmo a camara quizesse manter justamente a resolução que tomou, de que a liberdade do commercio e fabrico do tabaco fosse o systema que se devia adoptar n'este paiz, ha lei vigente e que estabelece a administração do governo em 1 de maio.

O governo podia tomar conta d'ella sem prejudicar o seu pensamento, e dar depois execução á lei que está pendente na outra casa do parlamento, quando ella viesse a ser lei do estado, e escusava de fazer passar a camara, a mim não que não hei de votar a lei, por estes transes aflictivos, obrigando a a votar aqui hoje o que hontem rejeitou (apoiados), sem nenhuma vantagem para o systema representativo e para o systema parlamentar (apoiados).

Ha lei que regule este negocio, ha lei que manda que findo o contrato actual no dia 30 de abril do corrente anno, o governo tome a administração do tabaco. E isto queria porventura dizer que ficava na mão do governo a régie? Não, por certo, porque a lei posterior que se está discutindo na camara dos dignos pares, vindo a esta camara, e sendo por ella approvada, o governo que tinha na sua mão a administração do tabaco, passava para o systema da liberdade. - Não era portanto necessario prorogar o contrato na mão dos contratadores, contrato d'onde lhe ha de provir um lucro de dezenas de contos de réis, e que em praça publica se vae dar a uma certa e determinada companhia. Por que conveniencias publicas se faz isto?

Se não houvesse outro caminho a seguir, se não houvesse outro meio; se este fosse inevitavel, se fosse fatal, paciencia; mas havendo lei, sendo necessario derogar a lei vigente para o fazer, é pena que assim se faça, é pena que assim seja.

Quando uma companhia vae á praça e arremata um monopolio como este, arremata nos termos prescriptos e nas clausulas da arrematação, tem vantagens e tem obrigações. As vantagens deve o estado manter-lh'as religiosamente em nome da fé dos contratos, e as obrigações devem ser tambem mantidas religiosamente pela companhia.

Mas a companhia quando arremata é no proposito de auferir certos lucros legitimos, sem duvida, desde que compra na praça publica este direito, porém este direito limita se exactamente aos termos em que arrematou o contrato, e não devem, na minha opinião, vir os poderes publicos prorogar na mão d'esses contratadores uma nova praça, um direito e um lucro que elles auferiam em sentido limitado e restricto, segundo as condições do contrato.

Contra isto é que eu me revolto, e revolto-mo contra isto por ser um mau principio, um mau precedente. E sobretudo por ser um precedente inutil o desnecessario nas circumstancias actuaes; porque o governo podia, usando da lei que existe, regular este negocio sem prejudicar o seu pensamento.

Comprehendo que o governo e a camara queiram salvar o seu pensamento e o seu voto, agora o que eu não comprehendo é que, havendo um caminho mais logico, mais regular, mais proprio a todos os respeitos, o que levava ao mesmo resultado, se queira seguir outro que não pôde, na minha opinião, defender-se plausivel e vantajosamente. Esta é a rasão do meu voto.

Disse á camara que não queria fazer um discurso. O meu objecto não é embaraçar a assembléa, é desobrigar-me da responsabilidade em que incorreria, se não dissesse francamente á camara e ao meu paiz a rasão por que voto contra esta proposta.

Não voto contra ella, porque queira deixar o governo sem lei. Se se me provasse, apesar da minha situação politica adversa aos srs. ministros, que esta lei era absolutamente indispensavel, e que não havia sido o governo que tinha creado essa indispensabilidade, em virtude da sua omissão

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de vir em tempo competente pedir aos poderes publicos a lei que queria que ficasse regendo o paiz n'este objecto importante; desde que me provassem isto, eu seria o primeiro a juntar o meu voto aos da commissão e do governo.

Não m'o podendo provar, dependendo isto da pressa com que se deve resolver este assumpto, em consequencia da falta que os srs. ministros praticaram, não tendo trazido antecipadamente ao parlamento esta medida, estando pendente ainda na outra casa do parlamento a resolução d'este objecto; tendo eu votado contra o monopolio arrematado, tendo declarado que não ha de ser com o meu voto que elle ha de continuar e ficar no paiz, e tendo-me pronunciado ha muitos annos contra este meio de administrar esta renda do estado; não ha de ser com o meu voto, digo, que ha de passar esta lei.

Quiz unicamente mostrar á camara qual a rasão por que votava contra o projecto que se discute, e deixo á assembléa apreciar, do modo que lhe parecer justo, a sinceridade das intenções com que lhe apresentei estas observações.

(O sr. deputado não reviu este discurso.)

O sr. Casal Ribeiro: — As poucas palavras que tenho de proferir perante a camara não são tambem um discurso, mas apenas explicação de voto, quasi desnecessaria já n'este momento, porque sem reserva alguma aceito todas as idéas e todas as expressões do meu illustre amigo, o sr. Fontes.

Não é interesse da opposição demorar este projecto. Não é interesse da opposição demorar a maioria no caminho em que a vejo entrar... Não é culpa nossa tambem se as cousas chegaram as estado em que se encontram.

Votamos uma lei de excepção. Votámos uma excepção ao regimento (apoiados). Estamos votando, por excepção ao regimento, um parecer que apenas acaba de ser lido na mesa, que mal foi ouvido, e que não pôde devidamente ser apreciado.

Estamos votando a prorogação de um contrato de uma renda publica importantissima — a prorogação d'elle fóra da praça publica. Excepção ao regimento, excepção ás leis, excepção ás regras de administração, excepção ás boas praticas parlamentares, excepção a tudo quanto é respeitavel e conveniente! (Apoiados.) Por culpa nossa? Não. É preciso demonstra-lo? Tambem não, porque n'este ponto os factos fallam mais alto do que as palavras. Não é preciso aggravar a situação em que se encontra collocado o governo. Demasiado triste é ella em si mesma.

As nossas precisões estão mais que sobradamente justificadas. O paiz ha de apreciar o procedimento de todos.

Contentes com a nossa consciencia, contentes com o nosso procedimento em toda esta larga e já deploravel questão, não temos mais do que submetter-nos tranquillos ao juizo do paiz (apoiados).

Não pretendo agora, porque tambem não desejo alongar a discussão, apreciar as alterações que na outra casa do parlamento foram feitas ao projecto apresentado aqui.

Não pretendo n'este momento confrontar as declarações do governo feitas n'esta camara com as declarações do governo feitas na outra casa. Não pretendo n'este momento tirar partido politico, como podia e tinha direito de faze-lo (apoiados), da negação manifesta que se encontra entre umas e outras palavras, entre uns e outros principios, entre umas e outras declarações, entre umas e outras idéas, entre uns e outros procedimentos tão proximos pelo tempo, tão distantes pela significação! (Apoiados.) O projecto virá aqui; para então reservo, se julgar conveniente, tomar a palavra, e dizer o que sobre elle me parecer.

Os factos ahi ficam fallando alto e de pé, e pelos factos havemos nós todos de ser avaliados (apoiados). Os factos ahi ficam, e elles estão dizendo claramente que não nos podemos de modo algum julgar obrigados a conceder ao governo o que elle agora vem pedir (apoiados).

A excepção que o governo nos pede é triste, é deploravel, mas é talvez indispensavel no ponto de vista em que o governo se collocou. No nosso ponto de vista é completamente dispensavel (apoiados).

Havia uma solução, já o disse o meu amigo, o sr. Fontes; solução unica se convenientemente se attendesse ao interesse publico; solução que nada prejudicava, que podia ser mais ou menos duradora, segundo as idéas de cada um; solução que de modo algum podia fazer perigar o principio da liberdade do tabaco, no caso de se adoptar, e que ao contrario o robustecia de melhores garantias, das unicas serias, das unicas capazes de assegurar a lealdade da transicção, pela unica maneira por que os poderes publicos a podiam convenientemente effectuar. Qual era essa solução? Estava na lei legem habemus (apoiados). Era a administração por conta do estado.

A administração por conta do estado é tão má como se dizia? Oh! Sr. presidente, já não é tão má hoje como era ha quinze dias! (Muitos apoiados da opposição.) Já não é tão má hoje, podemos dize-lo com a auctoridade do governo. A administração por conta do estado não é uma cousa que em absoluto se deva condemnar, e que não possa, dadas certas circumstancias, aceitar-se. A administração por conta do estado, a régie, está tambem no parecer da commissão da camara alta, e o parecer da commissão da camara alta está aceito pelo governo (apoiados). Temos lei, e temos boa lei, porque o governo a aceita em certas circumstancias.

Cumprisse-se a lei, e nós estavamos dispensados de votar á ultima hora um projecto sem saber o que n'elle está escripto, que apenas foi lido, onde se consigna um principio de excepção, um principio contrario a todas as regras de boa administração (apoiados).

Não pretendo prolongar a discussão, e termino as minhas reflexões dirigindo algumas simples perguntas ao governo, a que desejo que elle satisfaça, não para esclarecer o meu voto, porque o meu voto em todo o caso, pelos motivos que

expuz, é contrario ao projecto, mas para esclarecer a camara e para esclarecer o paiz que precisa de ser esclarecido (apoiados).

Desejo que o governo diga se tem a certeza de poder effectuar o accordo a que se refere o artigo não posso citar o numero, porque não o sei, não o podia tomar de cór; quero dizer, se o governo tem a certeza de poder levar a effeito com os actuaes contratadores o accordo de que se trata? E faço esta pergunta, porque, na posição em que o governo se encontra collocado, entendo que esta solução, sendo condemnavel, é a unica possivel.

A outra solução que vem no projecto não chego mesmo a comprehende-la. Não chego a comprehender como se podem fazer duas transições em dois mezes, no caso dos actuaes contratadores não aceitarem a prorogação do contrato.

Não sei se a estas repentinas e successivas transições se ha de applicar tambem o principio de expropriação, que não está votado ainda pelo parlamento, mas que a camara alta adopta como garantia da transição definitiva.

Não sei se a pequena transição agora é possivel sem a expropriação; não sei finalmente se me faço entender, porque o assumpto nas novas phases por que vae passando torna-se confuso, obscuro, enigmático e pouco desejavel para se entrar n'elle. Ao meu espirito não se apresenta no momento actual outra solução possivel. A não querer o governo tomar conta do monopolio, como a lei manda e como devia fazer, não vejo solução possivel senão a prorogação do actual contrato. A outra hypothese do projecto nem a comprehendo. Desejava portanto que o governo dissesse se, como consta, o accordo está feito com os actuaes contratadores, ou se o governo tem a certeza de que o ha de fazer nos termos em que a lei o determina.

Desejava em segundo logar que dissesse se os artigos do projecto, visto que a camara decidiu que nem se imprimisse, são exactamente conformes com o parecer da camara dos dignos pares na parte correspondente — se são a textual reproducção das idéas que ali se encontram.

Desejava finalmente que me dissesse se n'este accordo temporario se comprehendem todas as condições da arrematação actual, não só a relativa ao preço, mas todas as outras, como, por exemplo, aquella de passarem os contratadores aos seus successores, por um certo e determinado preço, a quantidade do genero necessaria para dois mezes de consumo.

O governo satisfará se quizer a estas perguntas; digo se quizer, porque nem sempre satisfaz... Por mais de uma vez tenho tido a infelicidade de fazer ao governo perguntas muito positivas e muito terminantes, que por interesse publico exigiam resposta prompta, e a resposta não foi dada. Prova-o esta questão (apoiados).

O governo deve responder. Resta saber se quer. Se o fizer será para esclarecimento da maioria e do paiz. Se a maioria quizer prescindir d'estes esclarecimentos, não é a mim que compete ensinar-lhe o seu dever.

O paiz em todo o caso verá tristemente a resolução que se está tomando, e o caminho que se está seguindo (apoiados). Não tenho mais nada a dizer.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Carlos Bento: — Sou o primeiro a reconhecer que o projecto de que se trata tem de ser votado com urgencia, mas sem ser por nenhum sentimento de pura malevolencia, que não tinha nenhuma explicação da minha parte, não posso deixar de declarar que esta urgencia é em consequencia da mais flagrante falta de previdencia, não se tendo providenciado a tempo sobre um objecto tão importante (apoiados), e de se ter supposto que a todo o tempo era occasião de trazer á téla do parlamento um assumpto tão momentoso. Já se vê que houve completa irreflexão.

O governo, que tinha de tomar uma providencia a este respeito, se tivesse pensado seriamente sobre todos os inconvenientes que resultavam da demora na adopção d'essa medida, não teria sido obrigado a trazer hoje ao parlamento a proposta que a toda a pressa estamos discutindo (apoiados). Mas é necessario tornar sensivel para a camara e para o paiz, que não é nunca impunemente que se deixa de dar a attenção opportuna a negocios de gravidade. Não valeria a pena a nossa existencia politica se, nas occasiões em que podem ser sensiveis as verdades, não aproveitássemos a circumstancia de as mencionar, para assim evitar no futuro a deploravel repetição de casos analogos.

É evidente que, se o governo se tem occupado d'este assumpto ha mais tempo, como o fez o meu amigo, o sr. José de Moraes, que apresentou aqui um projecto, em relação ao objecto, no mez de abril do anno passado, e a commissão de fazenda da camara dos dignos pares que apresentou um outro para a arrematação por tres annos; é evidente, digo, que não se daria hoje o inconveniente que resulta de se não ter providenciado, e de termos que approvar um projecto á ultima hora (apoiados), um projecto que supponho o governo apresenta contra sua vontade, mas que a urgencia das circumstancias lhe dieta, e que a camara não vota senão com a infracção do seu regimento (apoiados).

A urgencia das circumstancias n'este caso equivale ao mesmo que a violação de todos os principios e a negação de todas as boas praticas (apoiados). E se a urgencia das circumstancias é a necessidade de invocar a brevidade e a pressa como meio indispensavel para a adopção de uma medida, isto é humilhar o nosso espirito e reconhecer que a previdencia dos homens não representa nos negocios do paiz um papel que devia representar.

Entretanto não condemno o ministerio por ter apresentado sete projecto nas circumstancias actuaes, nem posso ter a pretensão de condemnar a maioria por ter reconhecido a urgencia de deliberar sobre elle; o erro não é de hoje, é todo de hontem, e eu faltaria aos mais sagrados deveres se não dissesse que estas omissões compromettem a boa administração do paiz (apoiados).

Pôde muito bem ser que eu, sentado n'aquellas cadeiras (as do ministerio), tivesse a mesma imprevidencia; mas não é menos certo que são fataes as consequencias de similhante procedimento.

Não receie a camara um discurso, porque alem das qualidades deficientes do orador que o tornavam inaceitavel, não represento aqui um papel tão exclusivamente politico, que tivesse de fazer politica de expediente e de occasião. Reconheço as circumstancias em que se collocou o governo e a maioria, que os levaria fatalmente a não poderem deixar de approvar o projecto que se apresenta.

A invocação da doutrina sustentada pelo sr. José de Moraes n'esta questão, representa um sentimento a que não posso deixar de prestar homenagem, principalmente quando a camara e o governo o vão adoptar, mas a arrematação do monopolio (n'estas circumstancias) a uma companhia, não é expediente que se possa sustentar senão nas actuaes circumstancias extraordinarias (apoiados).

O sr. José de Moraes: — É o melhor que ha.

O Orador: — Não combato as convicções do illustre deputado, mesmo porque este principio se não está ainda adoptado n'esta casa, parece-me que em outro logar já está adoptado.

Uma voz: — Temporariamente.

O Orador: — Tudo é temporario n'este mundo, e até no nosso paiz não ha nada que tenha tantas garantias de duração como o que é temporario e provisorio (riso). Para durar não ha nada tão recommendavel como o que invoca a denominação do provisorio.

Mas pensa a camara que este arbitrio que se vae adoptar é completamente sem custas para o thesouro? Parece-me que não. Não posso agora fazer aqui um calculo a correr no joelho, mas parece-me que o governo, se não fosse forçado a este arbitrio, não podia prescindir do direito de receber do contrato os generos para dois mezes, 20 por cento menos do seu preço. Se a administração por conta do estado fosse adoptada, isto dava uma vantagem de perto de 100:000$000 réis, porque, segundo o calculo feito aos 2.800:000$000 réis, que o sr. ministro disse que representava do producto do genero em dois annos, em relação a dois mezes. Sendo esse genero entregue ao governo ou a uma companhia por 20 por cento do seu valor, o que faria então subir a arrematação, calculando o rendimento do contrato do tabaco em relação a dois mezes, vejo que este arbitrio ha de custar ao governo, se por acaso o contrato do tabaco vier ao accordo, perto de uma somma de 100:000$000 réis.

Tambem me parece que é necessario saber—se por acaso o contrato do tabaco não quizesse aceitar este accordo que, a dizer a verdade, não vejo grande difficuldade em elle o aceitar, porque julgo que lhe é muito vantajoso; não me parece que se lhe imponha com isto um sacrificio que elle não possa aceitar sem comprometter a fortuna das suas familias (riso); mas se por acaso não quizesse aceitar o accordo, havia de ser obrigado a fornecer os dois mezes de genero pelos 20 por cento? Se por acaso os contratadores aceitarem este accordo, parece-me que elles se vêem obrigados a dar dois mezes de genero pelos 20 por cento, porque são estas as condições em que está elaborado o contrato; e eu, que tenho grande difficuldade em offender os direitos concedidos a uma companhia qualquer, tambem entendo que quando está prevista uma condição onerosa para um contratador no seu contrato, não pôde deixar de se exigir a execução d'elle sem sacrificar os interesses publicos. Digo pois, se por acaso o contrato acceder a este accordo, parece-me que se entende que deve fornecer dois mezes de genero pelos 20 por cento do seu preço para uma companhia ou para o estado; mas não querendo o contrato aceitar este accordo, pergunto — a companhia que arrematar tem direito a receber depois ainda mais dois mezes de genero por 20 por cento de que necessitaria, fica obrigado o contrato a dar-lh'os? Se isto não é assim, como pôde ter logar o principio da arrematação, quando já com o accordo do governo é adoptado na outra casa do parlamento?

Tenho concluido, e creio que não abusei do tempo, tirando á camara aquelle que a urgencia das circumstancias lhe cerceou para a discussão d'este projecto.

O sr. Ministro da Fazenda (Lobo d'Avila): — Não é agora occasião opportuna de fazer longos discursos a respeito d'este assumpto; todos avaliam a urgencia das circumstancias e portanto a necessidade, em que o governo se acha collocado, de não tratar agora de novo extensamente o assumpto; restringir-me-hei pois aos esclarecimentos que pedem os illustres deputados.

Mas de passagem acrescentarei, em referencia á accusação que dirigem ao governo, de que foi pela sua imprevidencia que chegámos agora a este aperto de circumstancias, que este assumpto é extremamente grave e difficil, que o governo tem carecido de meditar sobre elle; que alem d'isso se apresentaram graves difficuldades, com as quaes se tem lutado para o levar á altura em que se acha; e que o governo, e de certo a maioria da camara, julgam ter prestado um serviço ao seu paiz, se atravez de todas essas difficuldades conseguirmos, como esperámos, dar um golpe de morte no monopolio e estabelecer o regimen da liberdade (muitos apoiados). Este é o nosso pensamento, este é o nosso empenho; temos a esperança de o conseguir; e, satisfeito elle, ficará tambem satisfeita a nossa consciencia, porque teremos a convicção de que prestámos um serviço ao nosso paiz, e elle julgará do nosso procedimento (muitos apoiados).

É inutil pois referir todas as peripecias que tem seguido este negocio, todas as difficuldades que tem atravessado, todos os motivos que têem dado causa a que chegassemos a estas circumstancias, e só digo que não me parece justo

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accusar n'este ponto o governo de imprevidente (apoiados). Não entrarei em longas demonstrações a este respeito, por não me parecer isso nem opportuno nem necessario (apoiados).

Limitando-me portanto a responder ás perguntas que acabam de fazer os oradores que me precederam, direi que, pelo que respeita ao accordo com os contratadores, posso assegurar que elles estão na idéa de o aceitarem, e que este projecto se ha de executar por meio de um accordo com elles; e que desapparecem todas e quaesquer difficuldades que se derivaram de outra hypothese, difficuldades que eu não supponho que existissem, mas que em todo o caso é inutil discutir, porque essa hypothese não se ha de apresentar.

Pelo que respeita ás condições, tambem se perguntou se são as mesmas do actual contrato. Effectivamente são as mesmas condições, lá estão na proposta exactamente todas as condições, lá vem o fornecimento dos tabacos, a obrigação de os dar a 20 por cento por os dois mezes, vem todas as condições do actual contrato; e portanto n'esta parte tambem não ha difficuldade, nem objecção alguma.

Não sei se me dirigiram mais alguma pergunta; mas creio que estas são as essenciaes.

Effectivamente não se podia deixar do adoptar este expediente no momento actual (apoiados). Nem o governo podia aceitar outro, porque a régie reputa a o governo de alta inconveniencia para o estado (apoiados), e se agora a aceitasse, isso prejudicaria os interesses publicos (apoiados). Pelo menos é esta a convicção do governo, já aqui a justificou largamente, e não entrarei agora de novo n'essas demonstrações.

Diz se que = está admittida esta idéa no projecto da camara dos dignos pares. = Não é assim. Admittiu-se a idéa consignada na lei de 1857 para um caso extremo, como arma que fica na mão do governo para evitar os conluios na praça; mas uma auctorisação, de que o governo pôde usar ou deixar de usar, é muito differente de votar um principio para elle o applicar (apoiados). E portanto uma arma que fica na mão do governo, e de que elle é auctorisado a usar para evitar os conluios na praça, e ninguem dirá que isto é o mesmo que adoptar a régie; são duas cousas inteiramente diversas (apoiados).

Pelo que respeita á arrematação, o governo tambem não aceitou esse principio; aceitou unicamente esse expediente como transição para chegar á realisação da liberdade. Portanto o governo não é contradictorio com os principios que aqui sustentou, nem a maioria, votando este projecto, deixa de prestar homenagem ao mesmo principio, ás mesmas doutrinas que aqui apoiou.

Vozes: — É verdade.

O Orador: —Para se fazer triumphar uma reforma d'esta ordem, que vae lançar por terra um monopolio que dura ha cento e cincoenta annos, que tem lutado sempre triumphantemente contra todos aquelles que o tem querido derrocar, que tem muitos prejuizos e preconceitos a seu favor, á sombra do qual se abrigam muitos interesses, era quasi impossivel não encontrar grandes difficuldades; era quasi impossivel derrocar este monopolio, fazer triumphar esta reforma sem lutar com graves difficuldades, era mesmo impossivel (apoiados). É isso o que tem acontecido. Nós temos seguido n'este caminho, para vencer essas difficuldades, os tramites que se costumam seguir nos governos constitucionaes, transigindo n'um ou n'outro ponto, não essencial para a questão, com o fim de obter novas adhesões, com o fim de obtermos novos elementos de bom exito para uma medida, com a qual julgámos felicitar o paiz (apoiados).

Portanto nós estamos collocados no mesmo terreno em que nos collocámos desde o principio, e a camara ficará collocada exactamente na mesma situação; quer dizer, empenhando todos os seus esforços, empregando todos os meios para fazer triumphar o principio da liberdade do fabrico e venda do tabaco, em opposição ao principio do monopolio; e auxiliando n'esse sentido o governo com todos os meios indispensaveis para fazer triumphar esta idéa em beneficio do paiz (Muitos apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Aragão Mascarenhas: — Pedi a palavra para dizer a rasão por que dou o meu voto contra o projecto.

Eu acompanhei a maioria da camara quando votou a urgencia d'este projecto, e quando dispensou o regimento para que se entrasse immediatamente nesta discussão. Realmente desde que faltam só quatro dias para estar em vigor um regimen qualquer sobre assumpto tão importante, não era possivel imprimir o projecto e seguir os tramites do regimento para o discutir depois; e eu, comquanto as minhas idéas fossem rejeitar o projecto, não pude todavia deixar de annuir com o meu voto a que elle se discutisse immediatamente; a urgencia da discussão entendia eu que a havia. Agora direi a rasão por que voto contra elle.

Eu voto contra o projecto, porque, desejando ser sempre coherente, tendo já na occasião em que aqui se votou a lei principal, o projecto sobre a liberdade do tabaco, acompanhado, e votado no mesmo sentido em que o fizeram, aquelles oradores que sustentaram que a régie era o caminho natural para chegar á liberdade, e que a arrematação era o peior dos caminhos, era a peior de todas as transições para passar para a liberdade, estou hoje ainda no mesmo terreno em que estava então, sustento ainda as mesmas idéas pelas quaes então votei, oppondo-me a um projecto pelo qual se traz a arrematação como meio de transição para a liberdade; mas a arrematação na sua peior condição, a arrematação aggravada e afeiada tanto quanto o pôde ser, que é a arrematação sem praça.

Eu desejando prevenir, quanto coubesse em mim, que se dessem as circumstancias que hoje desgraçadamente se estão dando n'esta casa, dirigi uma pergunta ao sr. ministro da fazenda na occasião em que se discutia n'esta casa o artigo 1.° do projecto que está hoje na outra camara.

O sr. ministro da fazenda, como homem illustrado e que se dedica ás cousas publicas, deve ter uma opinião formada para todos as hypotheses possiveis em um objecto d'esta importancia; nem é crivel que s. ex. esteja sem uma opinião firmada para todas as hypotheses possiveis em objecto d'esta ordem; portanto não foi impertinente perguntar-lhe como lhe perguntei: = O que pensa s. ex.ª para o caso de chegar o fim do contrato, sem haver nada decidido? = Eu pretendi ser esclarecido a este respeito. Apresentaram-se aqui duas idéas uma por parte do sr. Castro Ferreri, e outra por parte do sr. Bivar; o primeiro propoz a arrematação provisoria como passagem para a liberdade, o segundo propoz a régie provisoria; e então dizia eu ao sr. ministro = Como estes são os dois caminhos possiveis para passar para a liberdade no caso de não estar no fim da lei do contrato resolvida ainda esta questão do tabaco, diga-me s. ex.ª com qual d'estas duas idéas sympathisa mais, se aceita antes a arrematação provisoria, ou se prefere a régie provisoria =. S. ex.ª teve a bondade de responder, e eu fiquei então tranquillo com a sua resposta, porque me disse = A minha opinião é a que está aqui; eu não tenho obrigação nem necessidade de dizer a minha opinião a ninguem, porque ella está aqui escripta; a minha opinião sobre esta materia é este projecto, nada mais, nada menos; eu tenho todos os regulamentos feitos para a execução d'este projecto, e eu portanto não quero nem a régie provisoria nem a arrematação provisoria, e se se der o caso de se approximar o fim da lei do contrato sem que esteja resolvida esta questão, reservo-me propor ao parlamento as medidas que julgar convenientes =.

Fiquei ignorando quaes seriam essas medidas que s. ex.ª julgaria convenientes, mas que de certo não seria nenhuma d'estas, nem a arrematação provisoria proposta pelo sr. Castro Ferreri, nem a régie proposta pelo sr. Bivar, visto que estas duas idéas eram ambas rejeitadas por s. ex.ª

E agora apparece o quê? Apparece á ultima hora, isto é, só quatro dias antes de findo o actual contrato, a idéa do sr. Ferreri, então rejeitada, mas a idéa do sr. Ferreri muito afeiada, a idéa do sr. Ferreri muito menos vantajosa e muito menos conforme aos bons principios que se apresentaram, porque apparece a arrematação contratada particularmente com os actuaes contratadores, sem praça publica, e a continuação do monopolio (apoiados). Voto ainda contra este projecto, porque vejo n'elle aggravados todos os inconvenientes que foram aqui notados quando se tratou a questão principal. Aqui disse-se que = não era conveniente passar para a liberdade uma administração que está nas mãos dos particulares, porque elles ficavam com o monopolio de facto =, e agora vejo eu que elles ficam com o monopolio de direito, quarenta vezes mais aggravado (apoiados). Agora proroga-se esse monopolio por um contrato particular por mais dois mezes. Quem é que ha de ir á praça (não nos estejamos a illudir) d'aqui a dois mezes concorrer com os actuaes contratadores? A lei que estamos votando hoje é a segurança da praça que ha de ter logar d'aqui a dois mezes, pois que a arrematação que se ha de fazer não pôde ser, no meu entender, a concorrencia livre de capitães do paiz e fóra do paiz, porque não têem conhecimento senão com dois mezes de antecipação que ha de haver uma arrematação. Quem é que, dentro de um praso tão curto de dois mezes, tem tempo para preparar os capitães precisos, e estabelecer os devidos elementos que é preciso estabelecer e congregar para uma empreza d'esta ordem? E isto por só gosar seis mezes de arrematação? É claro que o actual contrato será o unico concorrente.

Rejeito o projecto, digo o alto e bom som para que esta minha opinião fique registada na camara e no paiz, porque o projecto que se discute é o decretamento do monopolio nas suas peiores e mais aggravantes condições, e porque o projecto sancciona a passagem para a liberdade pelo monopolio (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Requeiro que se consulte a camara sobre se a materia está sufficientemente discutida.

Julgou-se discutida, e posto á votação o artigo 1.° e seu paragrapho, foi approvado por 64 votos contra 39.

Artigo 2.° e paragraphos e artigo 3.° — approvados sem discussão.

O sr. Casal Ribeiro (para uma explicação): — As perguntas que o illustre deputado, o sr. Carlos Bento e eu dirigimos ao governo tiveram alguma utilidade.

Veiu a resposta demonstrar que das duas hypotheses que se continham no projecto uma só era real e positiva; que a outra tinha caducado antes de nascer.

Veiu a resposta da nova demonstração de que a sorte d'este projecto é constante; que na marcha triumphal em que vae a liberdade do tabaco não passa hora em que lhe não caía por terra, peça aqui peça acolá, a brilhante roupagem com que a vestiram (apoiados).

Mas limitando-me á explicação, desejo apenas notar uma cousa, que é de interesse publico.

O sr. ministro da fazenda, para se defender da contradicção em que se achava flagrantemente incurso tendo aqui impugnado em absoluto a administração por conta do estado, e aceitando a como expediente plausivel por certas circumstancias, na outra casa, veiu dizer agora que a administração por conta do estado, segundo o pensamento actual do governo (quiz dizer talvez segundo o pensamento do ultimo minuto) (apoiados), era conservar nas suas mãos uma arma para evitar na praça o conluio dos interesses particulares.

Para mim a administração por conta do estado tem muito maior valor; é o unico expediente que no momento actual pôde adoptar se sem ferir os interesses do thesouro ou a dignidade dos poderes.

Assim a considero. Comprehendo porém que para o sr. ministro seja apenas uma arma.

Pois n'esse caso ainda rogo ao sr. ministro, em nome do interesse publico, que se considera a administração por conta do estado uma arma não a quebre... (apoiados). E já que a questão é de tactica permitta-me que lhe diga, que o bom general nunca vae na presença do inimigo denunciar a fraqueza do seu armamento (apoiados), e dizer-lhe ingenuamente: «Atacae agora, cá estou para me defender... mas é verdade que as peças não dão fogo, e os paioes estão desprovidos...» (apoiados.)

Se quer que seja arma é preciso conserval-la com todo o seu prestigio; é preciso que não seja o governo o primeiro a declarar que quer usar d'ella... Aliás a quem assustou? A quem mette medo?

Os contratadores de todos os tempos, e de todas as epochas, os que o são, e os que o querem ser, podem formar conluio, podem ir á praça em boa camaradagem frustrar o interesse publico e arranjar melhor os seus proprios interesses. O governo diz — quero conservar na mão este elixir dissolvente de conluios (riso). Faz bem, applaudo-o por isso, e sinto só não o ter applaudido ha mais tempo (apoiados), por lhe ter tão tarde occorrido a precaução.

Mas se é sincero agora, é preciso que na presença do inimigo não lance as armas ao chão. O sr. ministro gloriou-se de que atravez das contrariedades que vae soffrendo ha de tomar a cidadela do monopolio. Louvo-lhe o animo guerreiro; mas olhe que por agora ainda lá vejo entrincheirado e preparando-se para a sortida o exercito dos contratadores. Esse exercito parece-me o antigo exercito dos philisteus. Pôde ser que seja derrotado por um só homem; pôde ser que esta sorte de Sansão esteja reservada para o sr. ministro da fazenda (riso). Eu já o estou vendo com sobrecenho, á espera do ataque, de espada á cinta (riso) e quasi levando-a ao punho para matar, o monopolio e dispersar o exercito dos contratadores (riso).

Pois ainda assim, cautela! Não esteja dizendo d'aqui ao exercito dos contratadores, dos philisteus modernos, que tem em seu poder uma arma de que não quer nem sabe usar; porque se Sansão tivesse tido a imprudencia de confessar aos inimigos a qualidade da arma que possuia talvez os não teria derrotado, e talvez a demasia do orgulho o teria privado da graça divina (riso). (Apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Continua a discussão do projecto n.° 123, interrompida para se passar á discussão do parecer da commissão de fazenda, a fim de se continuar até ao fim de junho o actual monopolio do tabaco.

Tem a palavra o sr. Bento de Freitas.

O sr. Bento de Freitas: — Sinto ter que responder ao nobre ministro do reino não estando s. ex.ª presente. Estou certo que necessidades publicas o obrigaram a retirar-se da discussão; mas como não posso deixar de fazer algumas reflexões na resposta ao nobre ministro, por isso vou usar da palavra.

Estou intimamente convencido que, por não terem sido bem claras as rasões que ha pouco adduzi, é que não fui bem entendido pelo nobre ministro do reino; se assim não fôra não me seriam attribuidas cousas que eu não disse, nem se negaria que existem no artigo 3.° muitas das disposições que realmente elle contém.

Disse o sr. ministro que = n'este artigo se trata unicamente da classificação das estradas =; e eu, antes de mostrar que não é assim, devo dizer, que é indispensavel fazer uma distincção em toda a doutrina contida no artigo 3.° e seus paragraphos. E necessario distinguir o que é classificação de estradas, e o que é determinação de obras e construcções d'ellas, porque ambos estes casos estão contidos no artigo 3.°

Diz s. ex.ª que = n'este artigo não se trata senão da classificação das estradas, e que pelos artigos precedentes da lei dá se ás camaras todos os recursos sobre esta classificação =.

Eu não quero prolongar muito esta discussão, mas peço licença para ler algumas das disposições do artigo, e fazer as seguintes perguntas;

«Esta commissão é permanente e tem a seu cargo: 1.°, a classificação das estradas municipaes; 2.°, a superior inspecção e fiscalisação de todas as obras de viação municipal executadas por administração ou por empreitadas.»

Peço a algum dos membros do governo que me diga se isto é classificação de estradas?

Diz mais:,

«3.° A approvação de todos os projectos de obras respectivas a viação municipal.»

Será isto tambem classificação de estradas?

«4.° Determinar annualmente, em vista dos orçamentos e recursos das camaras municipaes e das necessidades da viação, as obras a fazer nas estradas municipaes de 1.ª classe no seguinte anno, ouvindo previamente as camaras municipaes.»

Tambem aqui determinação de obras é synonymo de classificação de estradas?

«6.° Propor as providencias que julgar convenientes a bem d'este serviço.»

Tambem isto será classificação?

No § 2.° d'este mesmo artigo, a que s. ex.ª especialmente se referiu, disse:

«Ha todos os recursos com igualdade tanto para o poder central como para o poder municipal.»

E o § 2.º diz assim:

«A determinação annual das obras a fazer no seguinte anno nas estradas municipaes de 2.ª classe fica pertencendo ás camaras municipaes, podendo a auctoridade administra

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tiva recorrer das decisões das mesmas camaras para a commissão de viação.»

E chama-se a isto classificação de estradas; de maneira que a determinação annual das obras a fazer no anno seguinte é classificação de estradas! De maneira que os recursos que se dão na lei é unicamente para a classificação das estradas e não para a determinação das obras; salvo se querem que a classificação e a determinação seja uma e a mesma cousa.

N'esta determinação das obras podem dar se duas hypotheses.

A camara determina fazer uma obra, e o administrador do concelho ou se conforma com ella ou não. Neste ultimo caso interpõe recurso para a commissão de viação. Esta dá provimento ao recurso, e fica terminada a questão sem que as camaras municipaes possam recorrer para algum tribunal ou auctoridade. Parece-me pouco natural aquelle recurso, e mais proprio seria com a nossa organisação o ser concedido ás juntas de parochia.

Uma outra cousa que disse tambem o sr. ministro foi que = não ha centralisação nenhuma nas disposições d'este artigo; e que se não cerceiam os direitos municipaes =.

Pela nossa legislação actual a administração dos bens municipaes pertence ás camaras municipaes, mas se este projecto se converter em lei não acontecerá assim, porque, embora sei diga que isto se refere ás estradas municipaes de 1.ª ordem, chamára se estradas municipaes aquellas que ligam entre si os differentes concelhos, e não deve esquecer o que se diz aqui: «Approvação de todos os projectos de obras respectivos á viação municipal».

Por consequencia não se distingue. Mas ainda mais, diz-se: «Determinar annualmente, em vista dos orçamentos e recursos das camaras municipaes e das necessidades da viação, as obras a fazer nas estradas municipaes de 1.ª classe no seguinte anno, ouvindo previamente as camaras municipaes».

Todos os concelhos se tocam una com os outros, e a administração municipal de um concelho vae até ao limite do concelho vizinho, e a outra ha de ir até ao limite do concelho seguinte, etc. de modo que todas as estradas de um concelho se hão de ligar com as do que se seguir debaixo de certo ponto de vista.

Eu sei que algumas d'estas estradas se podem chamar districtaes, e tanto que se paga até um certo imposto para ellas; mas o que eu pedia com referencia á classificação, era que a iniciativa fosse das camaras municipaes, e que ellas resolvessem com recurso para todos, tanto sobre as estradas de primeira como de segunda classe; porque não me parece regular que se nomeie uma commissão nova para ir servir, por assim dizer, de tutor n'esta parte da administração municipal.

Disse tambem s. ex.ª que = o predominio d'esta commissão era de elemento electivo, e que não havia creação de entidades novas =.

O que eu disse com referencia a isto, foi — que a commissão de França que se quiz parodiar n'esta commissão era muito mais liberal do que esta, porque lá toda a com missão é o conselho geral do departamento. Lá o conselho geral do departamento que se quer representar por esta commissão, é todo de eleição popular, pelo suffragio universal Este elemento electivo, de que se faz menção n'esta com missão, permitta se me a expressão, se é elemento electivo é demasiadamente homoeopathico, porque primeiro elegem-se as camaras municipaes por eleição directa, e estas com Conselho municipal, que não é de eleição directa (já aqui vae a primeira dynamisação), elege o procurador a junta geral do districto, segunda dynamisação; e a junta geral do districto elege os membros que hão de entrar na composição d'esta commissão. Aqui temos terceira dynamisação. Sou inimigo declarado d'este systema de eleição. Se algum elemento electivo lá está, é tão dynamisado, que está na mesma relação como os medicamentos estão para a agua distillada no systema homoeopathico.

Diz-se tambem que se não augmentou o funccionalismo. Ninguem de certo póde dizer, encarado debaixo de certo ponto de vista, que se crearam funccionarios novos. Mas perguntarei só, emquanto este projecto não for convertido em lei, se existem nas cabeças de districto commissões de viação municipal? Não existem; logo creou-se mais uma tribuneca, permitta-se a expressão.

Tambem se disse que eu queria que este tribunal fosse subsidiado. Peço licença para dizer que não sei se me expressei mal, ou se fui mal entendido, o que sei é que não quero a commissão. Desejava que não houvesse similhante commissão. O que disse e o que digo é que, passando isto deste modo, ha de ser como todo o serviço gratuito, que não dá resultado algum senão aquelle exactamente que o governo tem em vista.

O sr. Ministro das Obras Publicas (João Chrysostomo): — E melhora o funccionario.

O Orador: — Vou dizer a v. ex.ª a minha idéa. O fim que se tem em vista é que o governador civil seja tudo; porque a final é o que vem a ser. O que disse é que me parecia que, com a organisação que nós temos, podia-se satisfazer bem á idéa que se diz haver sobre este ponto, sem offender os direitos municipaes, e prevenindo qualquer abuso ou amor excessivo que haja de interesse individual. Não creio mesmo n'esses abusos; mas o que nunca é bom é legislar debaixo do ponto de vista de abusos, porque é saír dos principios ordinarios o legislar por excepção.

Demais se o abuso das camaras municipaes é grave, muito mais grave é o d'aquelles individuos que não têem o correctivo da eleição directa, como existe para as camaras municipaes. O que me parecia regular é que as camaras tivessem a iniciativa de propor e de classificar as estradas de primeira e segunda ordem, que entendam que ha necessidade de fazer, e que esta proposta fosse remettida á repartição technica, que temos na cabeça dos districtos. Se se diz que as camaras não têem conhecimento proprio para isso, tambem as commissões o não tem; o que ha afazer é remetter a proposta ao director das obras publicas que deve ter os traçados das estradas principaes, que é quem melhor póde com esta proposta, ligar e subordinar ás estradas principaes as estradas municipaes que convem, que juntas com as estradas geraes formem a rede de communicações regular entre as differentes freguezias do districto e o paiz; que d'este trabalho feito pelo director das obras publicas se conceda recurso tanto aos representantes do poder executivo, como ás camaras municipaes separando-se bem a parte technica da determinação das obras e da execução d'ellas. Depois de feito assim o plano da classificação das estradas, o resto queria-o pelo methodo ordinario.

Queria que a camara visse, segundo as necessidades do seu concelho, aquellas estradas, cuja construcção convinha que se fizesse primeiro; mas que se não podesse dar execução a essa obra sem que fosse approvada pelo concelho de districto, ouvido o director das obras publicas, que de qualquer resolução que o conselho de districto tomasse, quero dizer, approvasse ou não approvasse, se desse recurso para a instancia superior, tanto ao elemento municipal, como ao representante do poder executivo. Aqui está como se conseguiria o fim que se diz ter em vista o legislador, que é dar, na parte technica, a resolução d'estas questões á parte mais illustrada da organisação d'este trabalho, que é o director; e para a parte da execução das obras e receita necessaria, para satisfazer a despeza, tinhamos ainda o direito commum que previne todos os abusos que possam haver tanto na localidade, como no districto, porque tinhamos os recursos ordinarios que existam em todas as causas, emquanto que creada esta entidade, como fica sujeita toda a uma legislação especial, fica fóra dos recursos geraes que são permittidos pelo codigo administrativo.

Agora com referencia á declaração de que não houve centralisação alguma, peço licença para dizer que sim, por isso mesmo que se tirou ás camaras municipaes a administração e a execução de muitas obras que actualmente pelo codigo administrativo lhe pertence; e a auctoridade (ou, permitta-se-me a expressão), o tutor que se quer impor n'esta parte ás camaras municipaes, póde dizer-se que é quasi todo o do poder central, porque esta commissão ainda que tenha os quatros membros pela junta geral do districto, esse elemento a maior parte das vezes não se ha de reunir, e ha de ser substituido pelos vogaes mais velhos do conselho de districto, inclinados ao poder central que mais directamente representam que aos municipios. Parece-me pois ter respondido ás reflexões feitas pelo nobre ministro do reino.

E fico por aqui, Sr. presidente; não digo mais nada; porque estou convencido que o artigo ha de ser approvado tal qual está. Em todo o caso as minhas opiniões ahi ficam, o meu voto está justificado; e portanto o futuro e o tempo farão justiça a todos.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — O sr. ministro do reino, por motivos de serviço publico, viu-se obrigado a ausentar-se da camara; por isso encontro me na necessidade, por parte do governo, de fazer algumas reflexões em resposta ás observações do nobre deputado, e sinto só não poder fazer essas reflexões tão bem como as faria o meu collega, a cujo ministerio este negocio pertence mais particularmente.

Parece-me que o illustre deputado tem laborado em um grande equivoco, e que tem de alguma fórma confundido funcções de administração e de direito, com funcções de inspecção e fiscalisação. Se se examinar bem o artigo 3.° veremos que quasi tudo quanto n'elle se contém, são funcções de inspecção, fiscalisação e approvação technica de projectos.

Portanto, como é que fica a iniciativa das camaras municipaes prejudicada por este artigo? Não o sei. O nobre deputado deve ver que a iniciativa local não fica prejudicada de modo algum, uma vez que se expressou a idéa de serem ouvidas as camaras municipaes e de partirem d'ellas as propostas para se constituir uma commissão districtal, que fica sendo de origem popular. Sendo assim, como é que se vae centralisar isto nas mãos do governo?

Tambem sou amigo da descentralisação, mas parece-me que muito mal se está trazendo para aqui a questão da centralisação e descentralisação, e digo que isto é descentralisar, porque é tirar o virem todos os recursos ao ministerio do reino, porque isso é que verdadeiramente se tornava uma forte centralisação. Nenhuma localidade podia fazer obra alguma, sem fazer representações ao governo, o que na verdade causa sempre demoras, porque ha difficuldade em poder avaliar todas as questões que dizem respeito ás localidades; agora põe-se-lhe o recurso ao pé da porta, que é ahi que melhor se podem avaliar as differentes circumstancias que lhes dizem respeito.

Portanto, repito, ha descentralisação, e permitta-me o illustre deputado lhe diga, que isto não é o que está na legislação francesa. Lá intervém a commissão departamental de viação.

As communas é que distribuem é determinam as obras publicas, e até hoje é quem faz a classificação. Ha os conselhos departamentaes, mas não é para os trabalhos das communas, e sim para as estradas departamentaes. E necessario não confundir estradas departamentaes com estradas municipaes. As communas fazem os trabalhos municipaes mas o prefeito póde classificar as estradas e mandar até ex-officio proceder aos trabalhos.

Ha ainda outra circumstancia a que se deve attender. Argumenta se com o exemplo da França, mas se sequer argumentar com elle, é necessario ver tambem que em França o estado não subsidia estradas municipaes (apoiados). A nossa lei é muito differente. Nós temos o principio de que o governo subsidiadas estradas municipaes. Ora se o governo, intervém com os dinheiros publicos, tem o direito mais forte, da fiscalisação no emprego d'estes dinheiros.

Desejo a descentralisação, mas quando acontece como n'este paiz que, para satisfazer a todas as necessidades publicas, não ha nas localidades os elementos necessarios, e se está a requerer a iniciativa do governo para tudo; quando se vae n'este caminho, n'esta marcha de civilisação, como se quer, impedir a acção do governo.

Ora, julga o illustre deputado que, com os meios que as camaras municipaes tem á sua disposição, estão no caso de poder avaliar estas questões convenientemente? Para isso é que se creou uma commissão districtal, cujas attribuições estão definidas, que tem a seu cargo a classificação das estradas, questão technica, economica e de interesse das localidades; a superior inspecção e fiscalisação de todas as obras; a approvação de todos os projectos, determinar annualmente, em vista dos orçamentos e recursos das camaras municipaes e das necessidades da viação, as obras a fazer nas estradas municipaes de primeira classe no seguinte anno, ouvindo previamente as camaras municipaes; apresenta todos os annos um relatorio circunstanciado sobre o estado da viação municipal do districto; e propor os providencias que julgar convenientes a bem do serviço.

Definidas estas attribuições, estabeleceu se ainda que todas as vezes que as estradas de primeira classe comprehendam conselhos de diversos districtos, as commissões respectivas se entenderão e accordarão sobre a classificação dessas estradas; e estabelece-se isto com relação ás estradas de primeira classe, porque de outro modo, deixando-se este negocio ás camaras municipaes, cada uma havia de querer fazer a estrada de certa fórma no interesse do seu concelho, o das reuniões que dessas camaras municipaes se fizessem, entre tres, quatro ou cinco, nada resultaria.

Era com effeito necessario que houvesse uma entidade ao pó da porta, de origem popular, que podesse resolver estas questões, porque tem os elementos e as informações necessarias. Lá tem o director das obras publicas e o inspector das obras publicas que o póde auxiliar nesta tarefa, independentemente dos outros membros da commissão; e comquanto o illustre deputado diga que estes negocios são resolvidos exclusivamente pelo voto do director das obras publicas, lá está o recurso para o conselho de obras publicas; lá está um recurso competentissimo que não teriam de outro modo. Estas questões locaes não podem ser examinadas perfeitamente no ministerio das obras publicas.

É preciso descentralisar o poder das secretarias. Para todas estas questões, que se podem resolver definitivamente nas localidades, necessariamente deve haver ali alguem que as resolva e na ultima instancia, ou que, pelo menos, resolva um grande numero d'ellas.

Parece-me que tenho respondido ás principaes observações do illustre deputado. E, não querendo prolongar mais o debate, ficarei por aqui.

O sr. Quaresma: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se a materia está ou não discutida.

Julgou-se discutida.

E posto a votos o

Artigo 3.° e seus paragraphos — foi approvado.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — A commissão de redacção não fez alteração alguma no projecto que ha pouco se approvou. Vae ser remettido para a outra camara.

O sr. Presidente: — A ordem do dia de ámanhã é a continuação da que estava dada e mais o projecto n.° 43...

O sr. Ministro da Marinha: — E o 59?

O sr. Presidente: — Já se acha dado para ordem do dia.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas da tarde.

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