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SESSÃO DE 25 DE AGOSTO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Apresentação de requerimentos e projectos de lei — Approvação da eleição do circulo n.º 100. — Ordem do dia: 1.ª parte, continuação da discussão do projecto de lei n.º 8 (ácerca dos bancos) — 2.ª parte, continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Chamada — 41 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Braamcamp, Cerqueira Velloso, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Antonio Julio, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Correia de Mendonça, Francisco Costa, Pinto Bessa, Gomes da Palma, Franco Frazão, Santos e Silva, Assis Pereira de Mello, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Pinto de Magalhães, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Costa e Silva, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Luiz de Campos, Affonseca, Pires de Lima, Manuel Rocha Peixoto, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Ricardo de Mello, Visconde de Montariol.

Entraram durante a sessão — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Albino Geraldes, Alfredo da Rocha Peixoto, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, Correia Caldeira, Barros e Sá, Boavida, A. J. Teixeira, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Cau da Costa, Saraiva de Carvalho, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Claudio Nunes, Vieira das Neves, Camello Lampreia, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Perdigão, Sant'Anna e Vasconcellos, Jayme Moniz, Mártens Ferrão, Melicio, Lobo d'Avila, J. A. Maia, Cardoso Klerk, Dias Ferreira, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Moraes Rego, J. M. dos Santos, Sá Vargas, Mello Gouveia, Menezes Toste, Nogueira, Lourenço de Carvalho, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho, Thomás Bastos, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Eduardo Tavares, Silveira Vianna, Camara Leme.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo as relações dos cidadãos considerados habeis para serem eleitos deputados em differentes concelhos.

Para a secretaria.

2.° Do ministerio da justiça, remettendo diversos esclarecimentos pedidos pelo sr. Francisco de Albuquerque.

Para a secretaria.

3.° Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Rodrigues de Freitas, copias de diversas representações ácerca da cobrança do imposto do real d'agua.

Para a secretaria.

4.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do mesmo sr. deputado, mais alguns esclarecimentos relativos ao mesmo assumpto.

Para a secretaria.

5.° Do mesmo ministerio, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Mariano de Carvalho, a nota comparativa do rendimento do real d'agua, por districtos, nos 1.ºs semestres de 1869, 1870 e 1871.

Para a secretaria.

6.° Do director interino da alfandega municipal de Lisboa, remettendo alguns exemplares da estatistica do rendimento da mesma alfandega no anno economico de 1870-1871.

Mandaram-se distribuir.

7.° Do sr. deputado Agostinho de Ornellas, participando não poder por emquanto tomar assento na camara em virtude de incommodo de saude.

Inteirada.

Requerimento

Requeiro que, com a maxima urgencia, sejam remettidos a esta camara os seguintes esclarecimentos:

1.° Qual a verba devidamente auctorisada para fazer face á despeza feita com os estudos da estrada de Penalva do Castello a Mangualde, começados no dia 3 do mez de julho proximo passado;

2.° Que seja especificada cada uma das estradas districtaes para as quaes se acha designada no orçamento ultimo a verba de 7:000$000 réis;

3.° Copia das actas das sessões da junta geral na parte respectiva em que se deliberou aquella applicação.

Sala das sessões, 23 de agosto de 1871. = O deputado pelo circulo de Mangualde, Francisco de Albuquerque.

Foi remettido ao governo.

Nota de interpellação

Requeiro que seja prevenido o ex.mo ministro das obras publicas de que desejo chamar a attenção de s. ex.ª sobre a construcção do prolongamento do caminho de ferro de sueste a Extremoz.

Sala das sessões, 23 de agosto de 1871. = O deputado pelo circulo de Extremoz, Augusto Cesar Falcão da Fonseca.

Mandou-se fazer a devida communicação.

SEGUNDAS LEITURAS

Renovações de iniciativa

1.ª Renovo a iniciativa do parecer da commissão de saude, datado de 26 de maio de 1871, a respeito da pretensão que o agente da estação de saude de Setubal dirigiu a esta camara.

Sala das sessões, 23 de agosto de 1871. = José Pedro Antonio Nogueira.

2.ª Renova a iniciativa do projecto de lei apresentado na sessão de 20 de maio proximo passado que tem por fim considerar directa, para os effeitos da lei de 15 de julho de 1862, a estrada de Mangualde a Gouveia.

Sala das sessões, 23 de agosto de 1871. = O deputado pelo circulo de Mangualde, Francisco de Albuquerque.

Foram admittidas e enviadas ás commissões respectivas.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Mando para a mesa uma proposta de lei, da qual peço a urgencia (leu).

Leu-se na mesa e foi enviada á commissão respectiva a seguinte

Proposta de lei n.º 10-G

Senhores. — Mostrou a experiencia que a difficil missão que incumbe aos agentes consulares, não podia ser cabalmente desempenhada por individuos, que não tivessem habilitações especiaes, e lhe não podessem consagrar o tempo e os desvelos necessarios, mórmente nos paizes em que os

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interesses do commercio e dos subditos portuguezes reclamam a mais solicita vigilancia e protecção d'esses agentes. Por outro lado a receita em emolumentos, cobrada em alguns consulados de Portugal, elevava se a sommas consideraveis, que excediam a justa remuneração dos serviços dos respectivos consules, ao passo que n'outros não chegava a cobrir as despezas do expediente.

A lei de 23 de abril de 1867 dividiu os consulados de Portugal em consulados de 1.ª classe e consulados de 2.ª classe, exigiu habilitações especiaes dos candidatos aos logares de consules de 1.ª classe; fixou-lhes vencimentos em proporção com as despezas de subsistencia e de representação, e determinou que a receita em emolumentos fizesse parte da receita geral do estado. As objecções que esta reforma suscitou, fundavam-se principalmente no receio de que a receita calculada se não tornasse effectiva.

As actuaes circumstancias do thesouro, impondo a todos os governos o imperioso e indeclinavel dever de observarem a mais estricta e severa economia em todas as despezas publicas, prescreve-lhes tambem a mais cautelosa reserva na applicação dos aliás excellentes principios estabelecidos na citada lei de 23 de abril de 1867.

Estes principios foram successivamente applicados aos consulados de Portugal no imperio do Brazil, na Inglaterra, no Cabo da Boa Esperança, em Montevideu e em Tanger, pelos decretos de 13 de abril de 1868, 20 de abril e 18 de dezembro de 1869. Os resultados obtidos excederam todas as esperanças, e devem desvanecer todos os meios. A receita effectuada nos consulados de 1.ª classe no imperio do Brazil e na Inglaterra é superior á que se havia calculado.

Creio que é chegado o momento, em que, sem risco de aggravar os encargos do thesouro, podemos ampliar os mesmos principios a alguns consulados, em que os interesses do commercio e dos subditos portuguezes reclamam, com mais urgencia, a presença de agentes exclusivamente devotados a protege-los.

O governo de Sua Magestade espera conseguir brevemente do governo do imperio germanico a abolição do direito differencial, a que actualmente estão sujeitos os nossos vinhos, e é sabido que este e outros artigos da nossa exportação devem ter grande extracção nos vastos mercados allemães, se estes mercados forem convenientemente estudados e explorados.

O consul geral de Portugal no Cabo da Boa Esperança accumulava as respectivas funcções com as de membro da commissão mixta, que eram as que principalmente tornavam necessaria, n'aquella cidade, a presença de um funccionario retribuido pelo estado. Mas a convenção recentemente concluida entre Portugal e a Gran-Bretanha, e que se acha pendente da vossa approvação, extingue as commissões mixtas.

Parece-me, pois, conveniente transferir desde já a séde do consulado de 1.ª classe no Cabo da Boa Esperança onde os interesses do commercio portuguez não a exigem, e onde a maior parte das nações têem apenas vice-consules dependentes dos consules geraes em Londres, para Hamburgo que é um dos pontos mais importantes da Allemanha, e onde em outro tempo tivemos agentes retribuidos pelo estado, e que prestavam bons serviços ao paiz.

Esta transferencia não importa augmento de despeza, porque a verba actualmente estabelecida no orçamento para o consulado no Cabo da Boa Esperança e os emolumentos cobrados no consulado de Hamburgo, bastam a garantir a subsistencia e a representação modesta de um consul de 1.ª classe n'esta cidade.

Ha outros pontos, em que os interesses do commercio e dos subditos portuguezes reclamam com mais ou menos urgencia o estabelecimento de consulados de 1.ª classe. É possivel que, feita uma nova e mais conveniente divisão dos districtos consulares se possa attender a estas reclamações sem aggravar os encargos do thesouro.

Tenho pois a honra de submetter á vossa approvação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É transferido o consulado geral de 1.ª classe no Cabo da Boa Esperança para a cidade de Hamburgo.

Art. 2.° As despezas do consulado geral de 1.ª classe em Hamburgo serão fixadas pelo governo dentro dos limites da receita cobrada no mesmo consulado e da verba actualmente consignada no orçamento ás despezas do consulado geral de 1.ª classe no Cabo da Boa Esperança, limites que em nenhum caso poderão exceder.

Art. 3.° É o governo auctorisado a estabelecer consulados de 1.ª classe nos pontos onde os interesses do commercio e dos subditos portuguezes o reclamarem com mais urgencia, e a fixar as despezas d'estes consulados de modo que, em nenhum caso, excedam a receita em emolumentos.

Art. 4.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 24 de agosto de 1871. = Marquez d'Avila e de Bolama.

O sr. Presidente: — Tenho a dar uma satisfação á camara, e peço a sua attenção.

Na sessão anterior quando fallava o sr. presidente do conselho, um sr. deputado pediu a palavra para um requerimento, e eu não lh'a dei, porque o sr. presidente do conselho ficou com a palavra reservada para a seguinte sessão; e mesmo porque durante sete annos que tive a honra de ser deputado, não era pratica interromper-se o discurso de um deputado ou ministro, nem mesmo na ordem do dia se podia introduzir discussão alguma.

Não é isto claro no regimento actual da camara, mas no regimento de 1857, diz-se (leu).

Nunca foi uso interromper-se o discurso de um deputado a quem a hora obriga a ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte; mas se a camara não quizer adoptar esta pratica, de que fui testemunha durante sete annos consecutivos, póde resolver o contrario.

O sr. Mariano de Carvalho: — O caso a que v. ex.ª se refere deu-se commigo, e a pratica que v. ex.ª acabou de indicar parece-me rasoavel; entretanto creio que a camara nada perderá, para boa ordem dos trabalhos, se resolver o contrario.

O sr. presidente do conselho estava fallando e v. ex.ª não podia de certo consentir que eu me entremettesse na discussão, nem por meio de um requerimento nem de uma proposta; mas suppunhamos que eu tinha pedido a palavra para pedir que hontem houvesse trabalho da camara em logar de haver trabalhos em commissões?

Embora esta hypothese não esteja clara no regimento, é necessario que se tome uma resolução sobre este ponto.

O meu requerimento era para que fossem enviadas para a mesa as notas tachygraphicas do discurso do sr. marquez d'Avila proferido na sessão creio que de 18 do corrente.

O sr. Presidente: — Isso não podia ter logar, porque não era um requerimento, mas sim uma proposta que havia de discutir-se, e por consequencia tinha de ser interrompido o discurso do sr. presidente do conselho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Mas se fosse para prorogar a sessão?

O sr. Presidente: — Tambem não podia ser, porque o direito que o sr. presidente do conselho tinha de ficar com a palavra reservada para a sessão seguinte, não permittia que viesse entremetter-se outra questão de permeio.

Sei que na camara anterior se fazia assim; eu não discuto, o que digo é que o regimento de 1857 indica o contrario do que se tem passado, mas se a camara entender que deve tomar uma resolução em contrario póde faze-lo, e mesmo o sr. Mariano de Carvalho póde apresentar uma proposta n'este sentido.

O sr. Alcantara: — Como está presente o sr. ministro do reino, permitta-me v. ex.ª e a camara que eu d'este logar lhe dirija os meus agradecimentos pela maneira prompta como s. ex.ª nos fins do mez passado, a pedido meu, officiou ao sr. governador civil de Braga para que pozesse

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á disposição de certo cavalheiro d'esta cidade e meu amigo o auxilio de que carecesse para effectuar a captura de uns faccinoras que tinham roubado e assassinado na freguezia de Rendufe uma irmã d'este cavalheiro, na noite de 10 para 11 de maio ultimo.

Acabo de estar com o irmão d'essa infeliz senhora, e elle me affirmou que foram tão acertadas as providencias e o zêlo empregado pelo chefe superior do districto de Braga, que me levam a pedir ao sr. ministro do reino que dê um testemunho de louvor publico áquella auctoridade por tão digno, louvavel e humanitario procedimento.

Igualmente pedia ao sr. ministro do reino que não deixasse esquecidos os relevantes serviços que prestaram sete empregados da fiscalisação, e o correio da secretaria do governo civil, aos quaes a auctoridade superior do districto de Braga incumbiu a arriscada diligencia, que elles desempenharam com inexcedivel valor e acerto.

Os serviços prestados pelo governador civil e pelos individuos a quem foi entregue a diligencia, foram de tal ordem, que peço licença para ler algumas linhas da correspondencia de um jornal que tenho á vista.

«A distancia de legua e meia d'esta cidade (Braga) fez-se hontem de manhã uma prisão importantissima. Foi a de um assassino notavel da freguezia de Rendufe, conhecido pelo nome de José de Caetano. De ha muito que as auctoridades do concelho de Amares diligenciavam captura-lo, mas nunca o poderam conseguir, porque o malvado, armado sempre dos pés até á cabeça, não consentia que ninguem se lhe approximasse, e tamanho terror tinha sabido incutir, que já não havia regedor, nem policia que ousasse lançar-lhe a mão. Hontem, porém, (15) uns sete guardas da fiscalisação, acompanhados simplesmente pelo correio da secretaria do governo civil, conseguiram o que as auctoridades de Amares nunca poderam realisar. Para levar a effeito a sua missão fingiram todos elles que vinham de policiar a romagem da Abbadia, etc.»

Sr. presidente, ficam bem provados os importantes serviços de todos os funccionarios a que me referi, e a sociedade muito lhes fica devendo. Por isso ninguem taxará de immerecidos quaesquer louvores que o governo de Sua Magestade possa dispensar em documentos publicos a tão solicitos empregados.

Visto que estou com a palavra, permitta-me v. ex.ª que eu, como deputado, e vendo primeiro que tudo o meu dever, dê conta de um facto grave e attentatorio das instituições que nos regem, e para o qual peço toda a attenção da camara.

A legislação militar vigente estabelece que o governo da praça de Peniche seja dado a um coronel, logo que o actual governador tenha qualquer mudança definitiva de destino.

Pouco antes do sr. marquez de Sá deixar os bancos do poder, s. ex.ª entendeu nomear para inspeccionar o regimento de cavallaria n.º 7 o general João Griffts, governador da praça de Peniche, e na mesma ordem do exercito, s. ex.ª entendeu tambem nomear, durante o impedimento do general João Griffts, para governar a referida praça o general Sobral. A substituição provisoria, sendo reputada illegal para quasi todos os militares, pareceu para poucos aceitavel. Vamos porém á questão principal.

O general João Griffts marchou para a commissão extraordinaria, para que tinha sido nomeado, e logo que a concluiu, fez a sua apresentação ao sr. ministro da guerra, que então era, José Maria de Moraes Rego, e, entregando o respectivo relatorio, foi para o seu quartel esperar as ordens para regressar para a sua primitiva commissão.

Naturalmente o general Griffts esperava todos os dias e a toda hora a guia de marchar para Peniche, mas esta não apparecia. Chegado o fim do mez, e tendo este general mettido a processo os recibos, lançando vencimentos que lhe competiam, ficou surprehendido, porque a gratificação e a forragem lhe foram negadas.

Á vista de tão barbaro e inaudito procedimento o general João Griffts dirige um requerimento ao sr. ministro da guerra, queixando-se da arbitrariedade e pedindo justiça.

O sr. ministro da guerra sem a minima attenção com o general queixoso, sem respeito á lei, responde-lhe com o silencio e com a desconsideração!!

Debalde espera ha dez mezes o general Griffts que se lhe faça justiça, debalde espero eu tambem ha dez mezes que o sr. ministro da guerra me venha responder á interpellação que lhe dirigi: note bem a camara ha dez mezes!! (Apoiados.) E o sr. ministro indifferente a tudo, pouco lhe importa continuar a ferir o seu collega general nos interesses e no pundonor, e menos lhe importa o cumprimento da lei. A lei diz que o sr. general Griffts é o governador da praça de Peniche, e como tal lhe deve ser abonada a gratificação mensal de 50$000 réis, e uma forragem diaria; o sr. ministro da guerra Rego, quer que continue illegalmente no governo de Peniche o sr. general Sobral, e que seja este quem receba os proventos que a lei terminantemente diz pertencerem ao sr. general Griffts!! Avalie a camara e o exercito o procedimento do sr. ministro da guerra, e digam se ha exemplo de um tal liberalismo (apoiados).

Quer v. ex.ª saber quem é João Griffts? É o soldado valente, é o cavalheiro intrepido, que na hora da agonia para todos os liberaes d'este paiz offerecia nos combates o seu braço dextro e vigoroso, a sua vida e o seu sangue, para sacudir o jugo da tyrannia e do despotismo (apoiados). Quereis saber quem é João Griffts? É o general que em 1864 disse ao ministro da guerra: «quando não houver nenhum official general portuguez a empregar, peço a v. ex.ª que, então, se não esqueça de mim!» É esta a victima do sr. ministro da guerra! É este o homem contra quem se pratica um acto que nem nos governos absolutos poderia encontrar justificação! (Apoiados.)

Sr. presidente, se eu tivesse feito parte dos 7:500 bravos que desembarcaram nas praias do Mindello, se tivesse pertencido ao batalhão academico ou ao de voluntarios da Rainha a Senhora D. Maria II, se finalmente tivesse feito as campanhas da liberdade, declaro a v. ex.ª que fugia de um paiz que de tal fórma pagava aos seus libertadores (apoiados).

Sr. presidente, ha uma vontade superior a todas as vontades, é a lei; a natureza da lei é ser obrigatoria; mas o sr. ministro da guerra só vê a lei no papel inanimado, que s. ex.ª rasga, e calca quando quer!

Sr. presidente, vou concluir dizendo a v. ex.ª, que quando n'um paiz as leis se desprezam está chegada a hora da decadencia d'esse paiz (apoiados).

Aproveito a occasião para mandar para a mesa, por parte da commissão de marinha, um requerimento pedindo informações ao governo sobre a pretensão do segundo tenente da armada Pinto Ferreira.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu queria assegurar ao illustre deputado e á camara, (mas se eu ouvi bem, creio que nem mesmo isso é necessario, porque o illustre deputado preveniu-me n'essa parte), quanto aos louvores ao governador civil de Braga pela excellente diligencia que ordenou e foi levada a effeito, que os desejos do illustre deputado estão satisfeitos. Creio mesmo que s. ex.ª disse isso.

Ora, quanto á questão da praça de Peniche, como está indicada uma interpellação ao sr. ministro da guerra...

O sr. Alcantara: — Ha dez mezes.

O Orador: — Ha dez mezes não póde ser; em primeiro logar, porque ha dez mezes não era ainda ministro da guerra o cavalheiro que o é actualmente; e em segundo logar, porque desde que a camara foi dissolvida, caducaram as interpellações annunciadas e são necessarias novas interpellações agora.

O sr. Alcantara: — A interpellação está feita.

O Orador: — Então peço licença á camara e ao illustre deputado para dizer que é melhor marcar-se um dia para essa interpellação.

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O sr. Alcantara: — Isso esperâmos nós ha muito tempo, mas não apparece esse dia.

O Orador: — O sr. presidente é que ha de fixar o dia para as interpellações, a respeito das quaes os ministros se declararem habilitados. Eu já me declarei habilitado para responder a algumas, e perguntarei ao sr. ministro da guerra se se declara habilitado para responder a esta; e se s. ex.ª se não deu já por habilitado para responder ás que lhe foram annunciadas, tomo a responsabilidade de declarar que s. ex.ª em breve estará habilitado para isso.

Póde, por consequencia, aceitar s. ex.ª esta minha declaração, como se fosse do sr. ministro da guerra, que não é muito pratico n'esta ordem de trabalhos.

(Interrupção do sr. Alcantara que não se ouviu.)

Quando o sr. presidente fixar um dia para essa interpellação, o sr. ministro da guerra vem responder a ella, e então poderá dar explicações que eu realmente não me considero habilitado para dar.

Unicamente o que peço para melhor regularidade dos trabalhos é que sobre as interpellações que estiverem annunciadas se não falle, emquanto se não marcar dia para ellas; e torno a dizer que tomo sobre mim a responsabilidade de declarar em nome do sr. ministro da guerra, que logo que v. ex.ª fixe dia para essa interpellação, o sr. ministro da guerra se apresentará e dará as explicações que poder sobre o assumpto.

O sr. Presidente: — Eu marcarei um dia na semana seguinte para a realisação d'esta interpellação, quando julgar conveniente para os trabalhos da camara.

Vozes: — E de outras.

O sr. Presidente: — E de outras que estão annunciadas; mas ha tres, quatro ou cinco para as quaes o sr. ministro do reino já se deu por habilitado, como é sobre a questão de Paranhos, sobre a questão da Covilhã, e sobre a questão das conferencias; e como estamos por ora discutindo a resposta ao discurso da corôa, e ainda outro projecto importante, não se podem intercalar no meio d'elles as interpellações. No primeiro dia que houver proprio, marca-lo-hei para se verificarem as interpellações ao governo.

O sr. Alcantara: — Tenho plena confiança em v. ex.ª e estou certo de que as interpellações se realisarão.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Mando para a mesa os seguintes requerimentos (leu).

Se v. ex.ª me permitte, farei brevissimas reflexões ácerca do conteudo d'estes requerimentos.

O primeiro, no qual faço uma interpellação ácerca dos concorrentes a uma igreja do bispado de Vizeu, é de uma altissima importancia, porque se refere a um acto de moralidade publica.

Quando se tratou das ultimas eleições havia um abbade encommendado na freguezia de Santa Maria de Matança, do concelho de Fornos de Algodres que foi instado pela auctoridade, e instado por todos os modos, e ameaçado até para que trabalhasse a favor do governo.

As ameaças attingiram quasi as raias da loucura, pretendendo-se com essas ameaças, que aquelle homem, verdadeiramente probo, verdadeiramente digno e honrado, como não ha muitos, cedesse perante ellas e viesse trabalhar em prol do governo. N'estas ameaças comprehendia-se a de lhe ser tirada a abbadia, na qual era encommendado, e consta até que a auctoridade administrativa, muito recommendavel pelos seus feitos, fôra ter com este ministro do altar e lhe mostrára uma carta de um empregado superior, na qual se dizia que, se elle não cedesse ás ameaças, immediatamente a igreja seria posta a concurso.

Mas aquelle caracter verdadeiramente probo e honrado, superior a todo o elogio, resistiu heroica e briosamente a estas ameaças, e entendeu que tendo hasteado uma bandeira, devia acompanha-la, segui-la e morrer em torno d'ella, se tanto fosse necessario. Perdia valiosos interesses, soffria perseguições, mas pouco lhe importava. Cumpria o seu dever. Nobre caracter!

Este facto que affirmo, cubro eu, se for preciso, com a minha palavra de honra. Tenho a certeza absoluta d'elle, e é para deslindar esta questão de altissima moralidade publica, é para patentear o que vale um homem honrado quando comparado com um ministerio sem escrupulos, que faço este requerimento, o qual espero que não será trancado, e que terá uma resposta condigna e immediata; espero emfim que não seja necessario que eu me esteja esfalfando aqui todos os dias, pedindo ao governo que cumpra simplesmente o seu dever (apoiados).

Com relação ao outro requerimento em que peço esclarecimentos ácerca de empregados da alfandega, que, segundo se vê aqui, andam em uma contradança permanente, seja-me permittida a phrase, peço a v. ex.ª que logo que venham estes documentos me avise, porque hei de provar que é impossivel deixar de se considerar um nepotismo que o estado gaste mais de 3:000$000 réis do que devia gastar, sem que o serviço fiscal ganhe com isso uma parcella que seja.

Em relação ao terceiro requerimento, que leio de novo, tenho algumas palavras a proferir.

N'este requerimento peço aos srs. ministros da fazenda e da marinha que declarem se pelos seus ministerios foram comprados alguns exemplares do elogio historico escripto em francez do sr. marquez d'Avila e de Bolama, nobre presidente do conselho e ministro do reino.

Como v. ex.ª se deve lembrar, já em uma outra sessão fiz esta mesma pergunta ao sr. ministro do reino, e a resposta de s. ex.ª foi que pelos seus ministerios não constava que se tivesse tomado nenhum exemplar d'esta obra de grande alcance, porque n'ella se trata de fazer um panegyrico ás eminentes qualidades de s. ex.ª que o recommendam ao favor publico (riso).

Consta-me, porém, que pelos ministerios da fazenda e marinha se tomaram muitos exemplares d'esta importante obra, e por um preço muito superior áquelle por que ella é vendida no mercado. A differença de 400 para 200 réis.

Sei que nos diversos ministerios ha uma verba com a denominação de «despezas eventuaes» o que quer dizer — só serve para cobrir com um transparente véu da legalidade muitos actos que os ministros não têem a coragem sufficiente de confessar.

Sei que ha tambem uma especie de verba que tende a proteger os homens de letras desgraçados, a fim d'elles poderem, a despeito do favor publico, fazer conhecida a vida de muitos dos grandes homens, espalhando o mais profusamente possivel pelo paiz as suas producções biographicas.

Não me parece que o elogio historico, escripto em francez, do sr. marquez d'Avila seja um thema assás grandioso para captivar por tal modo a attenção publica, e para obrigar o governo, ou alguns dos ministros, a pagarem os exemplares d'essa obra á custa do thesouro publico.

Respeito muito, torno a dizer, as altas e eminentes qualidades do sr. presidente do conselho, o nobre marquez d'Avila e de Bolama; não me parece, porém, que o thesouro deva abrir as suas arcas para pagar uma narrativa da vida e feitos de tão preclaro varão (riso).

Esperando que o sr. ministro da fazenda, que eu vejo presente, me dará immediatamente explicações sobre se, pelo seu ministerio, foram ou não tomados exemplares da obra a que me refiro, vou desde já passar a outro assumpto.

Na sessão de antes de hontem foi o sr. ministro da guerra interpellado por diversos srs. deputados, e principalmente pelo illustre deputado pela Chamusca, o sr. Mariano de Carvalho, com relação a varios assumptos d'aquelles que compõem os fundamentos primordiaes de toda a sciencia militar. Parece-me que qualquer militar, maiormente d'aquelles que têem uma graduação tão elevada como a de s. ex.ª o sr. ministro da guerra, que não póde responder de prompto e immediatamente ás perguntas, aliás mui comesinhas, feitas pelo sr. Mariano de Carvalho, esse militar não se

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deve considerar á altura da sua patente, não se póde considerar á altura do seu grau, nem das habilitações que me parece que são necessarias para se exercitar as funcções de general e de ministro da guerra.

S. ex.ª, para evitar o responder immediatamente áquellas perguntas facilimas, refugiou-se atrás da interpellação; assim como o sr. presidente do conselho, agora mesmo, lançou mão de igual defeza para resguardar o sr. ministro da guerra dos tiros certeiros que lhe queria enviar o illustre deputado por Elvas.

Sr. presidente, todos sabem a difficuldade que ha em obrigar os srs. ministros a responder ás interpellações; todos sabem que isso é muito difficil; e, por outra parte, ha pontos tão comesinhos, tão faceis, tão singelos, que é quasi ociosidade estar a formular uma interpellação ácerca d'elles (apoiados), porque podem obter immediatamente uma resposta.

Uma voz: — Devem.

O Orador: — Devem até, e parece impossivel que para se responder a esses pontos primordiaes seja necessario annunciar interpellações (apoiados).

Dizer o sr. ministro da guerra que carece de estudar, quando s. ex.ª é ministro não sei ha quanto tempo, creio que ha quasi um anno; e quando já antes d'isso tinha um grande grau militar, e parece que devia estar habilitadissimo para responder de prompto a estas perguntas, não julgo que seja proprio da sua posição (apoiados).

Eu não quero dirigir uma censura severa e acrimoniosa a s. ex.ª; tenho por elle todo o respeito, toda a consideração; entendo porém que as cousas são o que são, e não aquillo que muita gente pretende que sejam.

O nobre ministro da guerra está á altura do seu cargo, póde exercitar, como eu entendo que póde, as suas funcções; mas é necessario que o demonstre, é preciso que venha á camara mostra-lo, é necessario que não se furte á discussão; porque não comprehendo um ministro no systema constitucional que se queira furtar á discussão nas camaras (apoiados).

E é necessario tambem que s. ex.ª não arrecade na gaveta os documentos que se lhe estão aqui a pedir, e eu mesmo já tenho pedido alguns, e ainda não logrei obter resposta. É necessario que o sr. ministro seja verdadeiro ministro da guerra, e não simplesmente um individuo para preencher uma cadeira (apoiados).

Sr. presidente, aproveito a occasião de estar presente o sr. presidente do conselho e ministro do reino, para relatar em brevissimas palavras a v. ex.ª e á camara um facto que, como liberal, como portuguez, como respeitador das leis do meu paiz, me compungiu seriamente quando o vi publicado.

Parece-me, sr. presidente, que v. ex.ª já está impaciente por eu tomar tanto tempo á camara, mas peço desculpa, pouco mais fallarei.

O sr. Presidente: — O sr. deputado está no uso do seu direito.

O Orador: — Muito bem.

Nós temos ouvido quotidianamente, de instante a instante, a todo o momento, quanto o sr. presidente do conselho se digna fallar de si. Quando s. ex.ª, exalçado na sua tripode sybilina, diz algumas palavras, trata sempre de fazer o encarecimento e louvor da sua propria pessoa. Entoa a si mesmo o dithyrambo, o elogio heroico, epico, e ainda assim muito abaixo das suas altas qualidades e virtudes (riso).

S. ex.ª disse que em 1831 (note-se a epocha), começára a sua vida politica, começára já a soffrer pela liberdade, e que já então exercitava um cargo de altissima responsabilidade, etc.; etc.

N'estas occasiões solemnes, o nobre ministro do reino e presidente do conselho, nunca se esquece de dizer que ninguem ha mais liberal que s. ex.ª, que ninguem mais que elle respeita a liberdade de opiniões, que niuguem mais

que elle defende o direito da palavra aqui, lá fóra, em toda a parte (riso).

Pois entre milhares, ha mais um facto que desmente completamente as altas qualidades civicas e moraes de s. ex.ª Ei-lo aqui.

Havia um administrador de concelho, cavalheiro distincto, completo e respeitavel, o sr. Izidoro Rebello, que não se conformando com um certo numero de idéas cerebrinas e illiberaes, que vogavam nas altas e serenas regiões do poder, entendeu que devia apresentar-se ao governador civil da Guarda, dizendo-lhe que, como delegado da auctoridade, como administrador, lhe competia manter a liberdade da urna, mas não lhe competia intervir no acto eleitoral, e, se se queria que elle interviesse no acto eleitoral, pedia a sua demissão.

Este procedimento é nobre, é digno, é honrado e merece todos os nossos encarecimentos e louvores (apoiados).

Quando eu vejo que um representante d'esta entidade, que pelas tristes circumstancias da nossa vida politica não é quasi sempre já senão um instrumento de tyrannia, se compenetra dos seus deveres e trata de empregar todos os esforços para tornar o cumprimento da sua obrigação uma verdadeira religião politica, entendo que devo elogiar e mostrar o seu procedimento para receber o apoio de todos os homens liberaes d'este paiz (apoiados).

Pois é exactamente por isso mesmo; porque se mostrou liberal e superior a estas pequenezas, a estas miserias do que se chama vida politica n'este paiz, a qual, quando o sr. marquez d'Avila é presidente do conselho, não é senão a intriga, o vilipendio, o convicio e o insulto; é por isso mesmo que o sr. presidente do conselho de ministros entendeu que devia demittir esse cavalheiro.

Esse homem foi liberal, comprehendeu os seus deveres, seguiu a doutrina da liberdade? É por isso que devia ser demittido, é por isso que devia caír sobre elle o alfange da demissão, era por isso que devia deitar a cabeça no cepo.

Tudo isto é logico, tudo isto está harmonicamente concatenado, e não podia deixar de ser assim (apoiados).

O sr. presidente do conselho, liberal como nos diz que é, quando entoa á sua pessoa a eterna louvaminha, devia demittir aquelle homem, porque é liberal.

É por isso que o padre, a que já me referi, e outros ainda, como o abbade encommendado de Santa Maria de Trancoso, o padre Ferreira da Rocha, o melhor prégador da Beira, é um sacerdote sabio e respeitavel, é por isso que esses padres que se haviam portado digna e honrosamente, foram postos fóra das igrejas que serviam, e substituidos por outros padres.

Estes factos e outros, que lá fóra têem um echo immenso, e é necessario que haja uma voz que os saiba lembrar com dignidade, é que desacreditam o systema constitucional (apoiados).

E então os sorrisos, expressão verdadeira e resposta naturalissima, ao modo desgraçado por que os srs. ministros se dignam responder ás perguntas que nós lhes fazemos, os sorrisos não deshonram o systema constitucional. Quem deshonra o systema constitucional são os que, como os srs. ministros, não mostram grande respeito pelas liberdades publicas, e tratam de coarctar por todos os modos os direitos civicos (apoiados).

O sr. Sampaio: — Mando para a mesa os pareceres da commissão de verificação de poderes ácerca das eleições de Mirandella e de Macedo de Cavalleiros.

Peço a v. ex.ª que os mande imprimir.

Envio tambem para a mesa o parecer da mesma commissão ácerca da eleição do circulo n.º 100 (Ribeira Grande), a respeito da qual não ha contestação alguma.

O sr. Presidente: — Mandam-se imprimir os dois primeiros pareceres. E ponho á discussão o parecer sobre a eleição do circulo da Ribeira Grande, se o sr. deputado deseja que seja posto desde já á discussão.

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O sr. Sampaio: — Sim, senhor. Eu requeiro que seja posto desde já á discussão. Leu-se na mesa o seguinte

Parecer

Senhores. — A vossa commissão de verificação de poderes examinou o parecer do circulo n.º 100 (Ribeira Grande), e não tendo encontrado protesto ou reclamação, é de parecer que seja approvada a eleição d'este circulo e proclamado deputado da nação, logo que apresente o respectivo diploma, o cidadão Francisco Manuel Raposo Bicudo Correia, que obteve os votos de todos os eleitores que concorreram á eleição em numero de 1:723.

Sala da primeira commissão de verificação de poderes, em 25 de agosto de 1871. = José Maria da Costa e Silva = João Antonio dos Santos e Silva = Antonio José de Barros e Sá =Antonio Rodrigues Sampaio.

Foi logo approvado.

O sr. Santos e Silva: — Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda sobre as propostas que foram offerecidas por differentes srs. deputados ao projecto de lei n.º 7, que regula a fiscalisação e a cobrança do real d'agua na cidade do Porto.

Póde v. ex.ª dar-lhe o destino que julgar conveniente.

Talvez haja urgencia de se entrar na discussão d'este parecer, para liquidarmos de vez o projecto de lei n.º 7, e poder elle ser remettido para a outra casa do parlamento.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sinto que a questão politica se levante aqui a proposito de qualquer cousa: levanta-se questão politica quando se lê a correspondencia, e levanta-se igualmente não só antes da ordem do dia, mas depois na primeira e na segunda parte d'ella (apoiados) relativamente a qualquer assumpto; mas eu pelo respeito que devo á camara, não posso deixar de responder ás arguições que me fez o illustre deputado que acaba de fallar o sr. Osorio de Vasconcellos.

S. ex.ª perguntou: «Quanto exemplares tinham sido tomados de um trabalho biographico que se publicou em francez a meu respeito!» Declaro á camara que nem pelo ministerio do reino, nem pelo ministerio dos negocios estrangeiros e...

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Foi pelo ministerio da fazenda.

O Orador: — Tambem posso declarar em nome do meu collega da fazenda, que por lá não se tomou nenhum exemplar; e o illustre deputado ainda póde perguntar aos meus collegas dos outros ministerios, se effectivamente entenderam dever ajudar aquella publicação tomando alguns centos de exemplares. E pela instrucção publica o illustre deputado sabe bem, que tambem não era possivel que a pequena dotação, que ha para promover a publicação de obras importantes, tivesse esta applicação (apoiados). É suppor que estou abaixo da situação que occupo, o julgar que me entretenho com estas bagatellas (apoiados).

E o illustre deputado não rebaixe a dignidade dos ministros a tal ponto, que julgue que se foi comprar um empregado, um homem de letras (que era incapaz de ser comprado) para escrever a biographia de um dos ministros, e que depois foi o governo que pagou essa publicação!

Eu mesmo não comprei nenhum exemplar; o auctor fez o favor de me offerecer mais de um, creio eu; mas se tivesse a triste vaidade de querer que o meu nome se conservasse por um trabalho d'aquella natureza, tinha ainda mais para o pagar (muitos apoiados), e realmente quando se ataca um ministro por este modo, demonstra-se evidentemente que não ha lado algum por onde possa ser combatido.

Tambem o illustre deputado disse: «Que eu estava julgado, porque demitti o administrador do concelho de Aguiar da Beira!» Foi uma noticia que me deu. Entretanto, posso assegurar ao illustre deputado que não faria bem em se lançar n'esse campo, pedindo-me explicações a este respeito, porque desde 1868 até hoje (e refiro-me aquelle anno, porque foi precisamente n'essa epocha que pela primeira vez exerci as funcções de ministro do reino), não ha nenhum ministro que fosse tão parco em exonerar auctoridades administrativas como eu (muitos apoiados). Tenho até perdido muitas adhesões pela repugnancia que tenho em demittir administradores de concelho; e levo os meus escrupulos a ponto de inclusivamente recusar a amigos meus essas demissões (apoiados).

O sr. Luiz de Campos: — Escaparam tres.

O Orador: — Quaes foram?

O sr. Luiz de Campos: — Não posso dizer.

O Orador: — Era melhor dize-lo. Os illustres deputados tem meios de o saber.

Quando entrei no ministerio do reino em janeiro d'este anno, recommendou-se a alguns governadores civis, secretarios geraes e administradores de concelho que pedissem as suas demissões; recusei-me por algum tempo a conceder-lh'as; mas depois entendi que não devia conservar empregados de confiança que não tinham confiança no governo, e insistiam pela sua demissão. Mas querem os illustres deputados lançar-me á conta das exonerações dadas despoticamente por mim a d'aquelles empregados que as pediram?!

Mas ainda mais. Vendo o que se costuma fazer em occasiões similhantes, mandei uma ordem a todos os governadores civis para que não fizessem a menor alteração no pessoal administrativo a titulo ou pretexto de falta de confiança, sem ordem minha, porque queria apreciar os motivos por que era necessaria a exoneração d'esses empregados; e isto era tambem para pôr os governadores civis ao abrigo de todas as exigencias que eu sei se costumam fazer (apoiados).

Depois os governadores civis propozeram algumas exonerações e eu, tendo confiança n'elles, entendi que lhes eram necessarias para administrarem, e concedi-lh'as, mas com tal parcimonia que, repito, dos ministros que têem exercido a pasta do reino desde 1868 até hoje, não ha nenhum que fosse tão parco em exonerar administradores do concelho, como eu.

Affirmou o illustre deputado que eu exonerava o administrador do concelho, a que se referiu, porque era liberal! Pois o illustre deputado é o unico homem liberal d'esta terra? Faça mais justiça aos homens d'este paiz. Acrescentou que eu disse que em 1831 exercêra um cargo de alta importancia! Eu não disse tal. O que eu disse foi que tinha entrado na carreira politica em 1831, e que exercêra então um cargo de alguma importancia. Estou fallando diante de um veterano da liberdade que não tem assento n'esta casa, mas estou certo de que se podesse tomar aqui a palavra havia de dar um testemunho solemne dos serviços que tive a fortuna de prestar n'essa occasião, serviços que os illustres deputados não podiam prestar, porque n'esse tempo não eram nascidos.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento da Silva): — Pedi a palavra quando o illustre deputado desejou saber se as pequenas sommas destinadas ás despezas eventuaes do ministerio a meu cargo, tinham custeado a publicação de uma biographia do meu collega o sr. ministro do reino e presidente do conselho.

O illustre ministro, acabando de responder ao illustre deputado, não foi inteiramente exacto, quando disse que se não tinha tomado numero nenhum de exemplares no ministerio da fazenda.

Tomaram-se effectivamente alguns numeros de exemplares d'essa obra n'aquelle ministerio, e tomaram-se, porque entendi e entendo que me é licito dispor do meu dinheiro, e que tanto a mim como aos meus amigos d'aquelle ministerio era livre prestarmos a nossa assignatura para um livro escripto em francez que eu entendo, e que tem uma magnifica photographia do meu illustre collega e amigo, o sr. ministro do reino (riso).

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peita esta declaração, chamo a attenção de V. ex.ª para outro ponto.

Acaba de ser mandado pelo illustre deputado o sr. Santos e Silva um parecer da commissão de fazenda a respeito das emendas e mais propostas que lhe foram submettidas, com relação ao projecto de lei do real d'agua.

O illustre deputado lembrou, na minha opinião com todo o fundamento, a urgente necessidade de se resolver este negocio, e eu, sem pretender encarecer a questão, porque a camara não precisa d'isso, peço a V. ex.ª que aproveite a occasião mais proxima para se entrar na discussão d'esse parecer (apoiados).

O sr. Thomás Lisboa: —Renovo a iniciativa de um projecto de lei, apresentado n'esta camara na sessão passada. É o seguinte (leu).

O sr. Pereira de Miranda: — Mando para a mesa um requerimento, pedindo alguns esclarecimentos ao governo para poder annunciar uma interpellação a um dos srs. ministros sobre um facto que se deu com uma barca á saída do porto de Lisboa.

Desejo fazer uma observação ao sr. ministro da fazenda. No outro dia tive occasião de chamar a attenção de s. ex.ª para a irregularidade do serviço das mercadorias no caminho de ferro do norte e teste. Hoje consta-me que no caminho de ferro de sueste o serviço tambem não é bom.

Informaram-me hoje que 157 sacas de lã que tinham saída da estação de Evora no dia 14, só no dia 21 estavam na estação do Barreiro 40, e hontem nenhuma mais.

Isto é um negocio serio, e pedia a V. ex.ª providencias para a maior actividade d'esse serviço. Na ultima sessão V. ex.ª declarou ao sr. Mariano de Carvalho quando tinha pedido a palavra para um requerimento para antes de se encerrar a sessão, que não podia conceder-lh’a, porque era praxe, embora não estivesse em uso constante, não conceder a palavra quando o orador ficava com a palavra reservada para sessão seguinte.

Eu entendia que era conveniente tomar-se uma resolução por parte da camara a este respeito.

Mando para a mesa o meu requerimento, pedindo a v. ex.ª que o mande opportunamente submetter á decisão da camara.

É o seguinte (leu).

O sr. Presidente: — A hora está adiantada; vamos entrar na ordem do dia.

Por esta occasião direi ao sr. deputado que é mais uma proposta do que um requerimento a moção que s. ex.ª apresentou, e que fica na mesa para se lhe dar o destino competente na sessão seguinte.

O sr. Franco Frazão: — Pedi a palavra para declarar a V. ex.ª que a commissão de agricultura se acha installada, tendo nomeado para seu presidente o sr. visconde dos Olivaes, a mim para secretario, havendo relatores especiaes.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 8 sobre bancos

O sr. Presidente: — Tem a palavra sobre a ordem o sr. Barros e Cunha. N

O sr. Barros e Cunha: — O exemplo que nos deu o sr. relator da commissão, afastando completamente todas as questões, que por incidente vieram ao debate, não será perdido para mim, ainda que não poderei deixar, em consequencia de ter tomado uma parte muito activa n'este debate, tanto na primeira occasião em que este projecto se discutiu, como na votação quando voltou com as emendas da camara dos dignos pares.

Da primeira vez que se discutiu este assumpto estive quasi só combatendo a favor da proposta apresentada pelo sr. ministro e contra as alterações, que no projecto tinham sido feitas pela commissão de fazenda.

Quando esta questão se debateu, queriam, como agora I

querem, que ella fosse julgada, por um lado, questão de fazenda muito importante, por outro, projecto de nenhum valor financeiro. '

O proprio sr. ministro da fazenda insistiu em reputar este projecto como um projecto de muita importancia, emquanto ao principio de acabar isenções e privilegios, sem lhe dar grande importancia financeira.

O sr. Ministro da Fazenda: — Apoiado.

O Orador: — Este projecto nas disposições que encerra como o governo o propoz, contém em si implicitamente, segundo a opinião dos homens mais notaveis que se occupam no estudo das questões sociaes, a materia de uma das causas a que se attribue a perturbação que existe na sociedade e da qual dimana o principio da existencia contra a propriedade e contra o capital.

E da errada noção concebida ácerca do capital, tomando-o como fructo illicito das regulamentações officiaes e como [ inimigo do trabalho, que os indolentes se julgam ter o direito de fazer dividir aquillo que não é senão o fructo do trabalho intelligente e o producto da abstenção discreta e das economias dos que tiveram mais actividade e melhor a souberam dirigir. Foi, não contra o trabalho accumulado, mas contra o principio, do privilegio anteposto ao direito natural o primeiro grito dado por um homem notavel mr. Prudhon, la propriétê, c'est le vol, a que por uma coincidencia notavel respondeu o vencedor da communa mr. Thiers, com o seu livro sobre o direito de propriedade; mas em Beguida mr. Prudhon, reproduzindo o mesmo principio, que é exactamente aquelle que se discute na fórma d'este projecto, exclamou: gratuidade do credito.

Todos conhecem a fulminante replica que lhe foi dada por mr. Frederic de Bastiat. Em que se podia fundar o grito contra a propriedade, e a noção de credito de graça, senão no absurdo direito restrictivo das leis contra a usura e no uso de estabelecer privilegios para o capital?

Como se póde conceber antagonismo entre o operario e o capitalista, senão quando se toma o capital como inimigo do trabalho? La gratuité du crédit de mr. Prudhon o que affirma senão que o capital não representa o fructo de trabalho?

Pois, sr. presidente, a verdade e o facto é que o capital não é outra cousa senão o trabalho accumulado, isto é, o trabalho passado e o instrumento do trabalho futuro, e é exactamente por estas idéas que deviam viver juntas, e juntas vivem de facto, serem artificialmente isoladas e falsamente interpretadas perante o espirito publico, que se levanta a doutrina de que cada um póde ser obrigado a repartir a sua propriedade ou b fructo do seu trabalho a bem d'aquelles que por descuidados como a cigarra da fabula não chegaram a alcançar as commodidades que só o trabalho, synonymo de capital, póde facilitar. Ora, estas noções imperfeitas não são, certo, as melhores para a conservação da ordem da sociedade nem para o trabalho, nem para a familia, seja qualquer que for a sua condição relativa no todo social.

Por consequencia, digo que, longe de enumerar as contradicções de que accusa o sr. ministro da fazenda, eu tenho muito prazer de dizer que uma das melhores qualidades que o illustre ministro possue é a de bem apreciar os principios na sua genuina expressão, como fez no assumpto de que me occupo, trazendo-nos por duas vezes a mesma idéa, e não offerecendo ao mesmo tempo resistencia ás alterações que elle pensa, lhe permittem luciar alguma cousa em favor do principio que elle tomou tanto a peito fazer vingar.

Não accuso o sr. ministro da fazenda nem porque elle aqui cedeu ás emendas introduzidas no projecto pela commissão de fazenda na sessão de 1870, nem porque cedeu ás emendas introduzidas na camara dos dignos pares, nem porque elle novamente apresentou o seu projecto primordial, nem porque ainda depois cedeu novamente que se introduzissem outras emendas—não o accuso pelo motivo que o levou a ceder n'este assumpto, porque só elle é o

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juiz em conhecer quaes eram as resistencias que o obrigaram a fazer estas concessões que naturalmente não foram senão porque não podia obter absolutamente o que elle tem manifestado tão ardentemente desejar; se porém não posso tomar sobre mim o encargo de censurar o sr. ministro, não censuro tambem aquelles que julgam que esta flexibilidade estadistica lhe deve ser censurada. Não censuro, porque tanto eu, como o meu illustre amigo, o sr. conde de Villa Real, na occasião em que vieram as emendas da camara dos dignos pares, afastando-nos d'aquillo que então se chamava rasão d'estado, que tinha obrigado o governo a fazer d'isto uma questão politica, nós ambos, com grande pezar de certo por não podermos acompanhar os nossos amigos politicos, não cedemos a essa rasão d'estado e votámos duas vezes em votação nominal contra as emendas (apoiados).

Digo a v. ex.ª e digo aos meus collegas que não tomo parte nas censuras que fazem ás suppostas contradicções do sr. ministro. S. ex.ª me fará o obsequio, e o governo igualmente, de aceitar tambem o meu direito de ser coherente com as doutrinas que eu aqui exprimi da primeira vez. É n'esse intuito que não faço mais do que reproduzir novamente os mesmos principios que então sustentei, e empregar perante a camara, não dotes oratorios que não tenho para a convencer a seguir as idéas mais uteis, mas unicamente a aceitar esta justificação por me occupar com assumptos que, se eu seguisse algumas indicações que me estão sendo feitas, deveria pôr de parte, para que ás questões importantes da fazenda succedesse a luta das paixões.

O sr. Presidente: — Que quer o illustre deputado que eu faça?

O Orador: — Nada. Não me queixo de v. ex.ª nem mesmo do auditorio, porque digo sempre o que quero e faço-me ouvir quando preciso fazer-me ouvir. Não precisava por consequencia o illustre ministro apresentar o exemplo de homens tão notaveis como sir Robert Peel e mr. Cobden para justificar as faltas que lhe são assacadas, porque o facto por si só falla de maneira que não deixa duvida a pessoa alguma sobre a força que obriga o meu illustre amigo a tornear a sua propria consciencia para minar a sua primitiva idéa.

A idéa do sr. ministro da fazenda era acabar com os privilegios; não se póde duvidar d'isto. Effectivamente, as contradicções só ficam mal quando os motivos que as determinam não são honrosos; mas da mesma maneira a coherencia tambem fica mal quando a determina motivo deshonroso.

A doutrina estabelecida por s. ex.ª, quando se referiu aos dois estadistas de que fallou, é doutrina que ninguem deixa de aceitar.

Sir Robert Peel renunciou á sua opposição a um principio, e combinou-se com o sr. Cobden, que era o primeiro apostolo do anti-corn law-league, para fazer triumphar o principio de que tinha sido adversario. E se mr. Cobden deu uma prova da flexibilidade que tinha tido n'essa occasião, porque entregou a resolução d'esta questão a sir Robert Peel, tambem deu uma grande prova de força de caracter e de coherencia, quando, depois de eleito deputado por Rochedalle, e desembarcando em Liverpool, na sua volta da America, convidado por lord Palmerston para fazer parte do gabinete, recusou a offerta, dizendo-lhe: «Se eu saisse d'aqui vosso collega, depois de ter guerreado toda a minha vida a politica que tendes seguido e ides seguir, como poderia este facto deixar de provar que eu renegava todo o meu passado e renegava todo o meu futuro ».

Por consequencia, não reneguemos o nosso passado, mas não prejudiquemos o nosso futuro. Cedamos quanto é possivel ceder, e sejamos inflexiveis quando é necessario selo.

Eu desejava muito abreviar as minhas reflexões, e ninguem mais do que o sr. ministro da fazenda podia n'este momento dispensar-me do trabalho e do incommodo da estar novamente a reproduzir argumentos que já apresentei na presença da maior parte das pessoas que têem assento n'esta casa.

Este projecto já produziu uma questão politica. Foi aqui altamente defendida a conveniencia de não crear conflictos com a outra casa do parlamento, conveniencia que eu tambem reconheço. Creio que isso levou a commissão de fazenda a aceitar as emendas que foram introduzidas na camara alta. Desejava, por consequencia, que o sr. ministro da fazenda me dissesse se por acaso é esta a sua ultima palavra ácerca d'este projecto de lei (apoiados). Se s. ex.ª me quizer fazer este favor, talvez me dispense de tomar á camara tempo, para apresentar algumas emendas. Se o sr. ministro da fazenda deseja aceitar, ou póde ainda aceitar alguma modificação n'este sentido, para fazer triumphar a sua idéa inicial, o seu pensamento liberal e financeiro, n'esse caso reservar-me-hei para a especialidade do projecto, e combinarei antecipadamente com s. ex.ª o modo de harmonisar o sr. ministro comsigo mesmo, e com as duas casas do parlamento, sem termos de recorrer á commissão mixta.

(Pausa.)

S. ex.ª não me responde, porém, e eu vejo-me na necessidade de continuar.

Obedecendo, por consequencia, ao regimento, vou mandar para a mesa as minhas emendas, para me justificar de ter tomado a palavra sobre a ordem.

A primeira refere-se ao artigo 1.°, é a que já offereci da outra vez.

No artigo 2.°, proponho que as palavras juros de dividendos, sejam substituidas pelas palavras lucros ou juros.

Quanto ao artigo 3.°, proponho que sejam eliminadas as excepções (apoiados).

Ouvi com a maior attenção as observações que foram feitas para justificar a rasão pela qual se têem substituido as palavras lucros ou juros, pelas palavras juros e dividendos.

As distincções feitas para justificar esta alteração no artigo 2.° da lei, são effectivamente fundadas no que parece justo e no que é justo e rasoavel, desde que se aceitaram excepções para esta lei, creio mesmo, que essas distincções deviam ir muito mais longe e ser muito mais minuciosas.

Como, porém, eu as não aceito, digo que todos os lucros devem ser tributados, e por consequencia, aquillo a que se chama dividendos, ou elles vão constituir fundo de reserva, ou vão ser confundidos immediatamente pelas pessoas que os recebem, quer seja mais quer seja menos discretamente, deve tambem ser tributado. Ou os vão collocar em barras de oiro no banco de Inglaterra, ou comprem com elles inscripções, ou vão comprar quaesquer outros instrumentos para o trabalho; no que não ha duvida nenhuma, é que esta lei não tem por fim senão tributar o que for lucros ou juros; e quando se divide o capital em juros, ou quando d'esse capital sáem os juros ou dividendos, então esses juros ou dividendos não podem ser considerados como lucros, e por consequencia não podem ser tributados. A distincção portanto é inutil.

Desde que se quizer estabeler na lei as excepções e os privilegios que se estabelecem, de certo que as distincções têem de ser muito mais numerosas; mas desde que se queira estabelecer que o capital como instrumento do trabalho é livre, e os lucros a que o sem emprego dá logar, são tão susceptiveis de ser tributados, como é o producto de outro qualquer trabalho, de certo que não ha rasâo para distincções de qualidade alguma (apoiados).

E não se deve confundir este termo capital com a noção e monopolio, nem para o proteger nem para o atacar. O capital representa trabalho e só trabalho. E a proposito não sei se a camara se escandalisará de que recorra aos livros da sciencia, por que a sciencia todos os dias vae simplificando e reduzindo esta technologia pela qual nos devemos entender, principalmente em assumptos tão importantes como as materias economicas e financeiras, e, se eu tivera

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mais auctoridade, deixaria de lhe ler, como se usa lá fóra, os livros que todos os homens, que se occupam d'estas materias, reconhecem como auctoridade.

Mr. Sennior é d'esses economistas, e elle diz exactamente que a palavra profit, que corresponde ao nosso termo lucro, é para o capital, como instrumento de producção, o mesmo que o salario é para o trabalho.

Eu creio que, empregando este termo e restituindo-o ao logar, em que o sr. ministro da fazenda, muito discreta e logicamente o tinha collocado, nós fazemos um bom serviço, e evitâmos a confusão que das distincções póde dimanar, por que ellas não são necessarias para cousa alguma, senão para conservar as excepções e os privilegios que no artigo 3.° são introduzidos, e com os quaes os homens liberaes que estão n'esta casa não podem de maneira alguma concordar (apoiados).

Nós todos os dias vemos, e outro dia mandei para a mesa uma nota de interpellação a respeito da maneira por que se estão cobrando os fóros na provincia do Algarve, as queixas que se levantam contra as execuções fiscaes feitas aos desgraçados industriaes que são devedores de uma pequena contribuição; e não vejo rasão nenhuma, nem principio algum, pelo qual a camara dos deputados possa sanccionar o que se faz ás classes operarias, obrigando-as ao pagamento do imposto, e vá estabelecer uma excepção para os grandes capitalistas (apoiados). Não póde ser.

Desde que se aboliram as leis ácerca da usura; desde que se decretou a liberdade para todos nós; não podemos de maneira alguma estabelecer excepções para industria de qualidade alguma (apoiados).

E n'este ponto entendo, que as obrigações hypothecarias estão no mesmo caso em que está o emprestimo hypothecario que um particular faz sobre uma propriedade; e, se este emprestimo não póde ser levado a juizo sem que tenha sido manifestado para ser collectado. Não sei a rasão por que ao banco hypothecario se ha de conceder um privilegio n'aquella mesma natureza, n'aquelle mesmo artigo, n'aquella mesma materia, que se não concede aos particulares? Por que é isso? É porque o banco hypothecario tem mais garantia que o particular, é porque a sociedade lhe cedeu uma parte dos seus privilegios, força, e auctoridade para poder garantir os seus emprestimos?

Parece-me que esta rasão não tende senão a trazer para a collecção os lucros que os negocios, os titulos, as obrigações hypothecarias esperam auferir.

Não ha rasão nenhuma para isso. Será questão de mais garantia? Nós sabemos e é principio aceito de todos, que a elevação do juro está sempre na rasão directa da pouca solidez da garantia, e na rasão inversa d'essa mesma solidez; isto é, solidez de garantia, baixa de juro; pouca consistencia de garantia, elevação de juro; por que vae incluido n'elle o premio do risco.

Estabeleceu-se o principio de que não podemos tributar igualmente cousas desiguaes; nós aqui vamos dar um privilegio desigual a cousas iguaes. Isto é que não póde ser de maneira nenhuma, e é o que a camara não póde aceitar.

E depois ha uma rasão; as obrigações ou titulos hypothecarios têem as mesmas funcções, a natureza de qualquer outro titulo, de qualquer outra mercadoria.

Não se diga, pois, que querem com isso proteger o proprietario. Se por acaso as operações de credito hypothecario offerecerem garantia, o pedido d'esses titulos ha de fazer elevar o seu preço.

Por consequencia, o imposto, quando a procura for maior do que a offerta, ha de caír sobre aquelle que quizer comprar; mas quando for menor, e isto é um principio elementar de economia politica, ha de caír sobre aquelle que offerecer.

Estes são os principios invariaveis, e nós não os podemos esquecer em favor dos grandes estabelecimentos do credito.

A unica companhia a qual eu entendia que devia ficar isenta d'este imposto era a das lezirias; essa está sujeita á contribuição predial.

O sr. ministro da fazenda pediu a palavra, e vae naturalmente responder a estas objervações com as quaes eu não tive a menor idéa de lhe crear difficuldades, nem de lhe difficultar, e antes pelo contrario, de lhe facilitar qualquer transacção que s. ex.ª ainda tenha em mente, no intuito de fazer triumphar a sua idéa primordial.

Eu louvo que o sr. ministro da fazenda seja um dos homens do nosso paiz, que, na posição em que muitaa vezes tem estado, não tenha um só inimigo pessoal, e que todos prestam homenagem á delicadeza e boas relações em que elle vive com os membros d'esta casa, tanto na sua posição de ministro, como na sua posição de membro do parlamento (apoiados).

Ser-me-ía absolutamente sensivel que por acaso, por uma discordancia qualquer, se podesse levantar alguma difficuldade n'estas relações entre mim e s. ex.ª, e que eu desejo conservar, mesmo á custa de qualquer cedencia que não implique, não quero dizer uma contradicção, porque já disse que as contradicções eram permittidas, mas uma quebra de que eu julgo dever ser principio invariavel de um homem que verdadeiramente entende que é o momento de acudir ás difficuldades em que se acha o thesouro d'este paiz, fazendo com que os povos não offereçam resistencia, o se tornem naturalmente collaboradores d'esta grande obra (apoiados).

Por consequencia, longe e muito longe de estranhar de v. ex.ª toda a flexibilidade que ella possue, eu digo que isto é tão justificado quanto tendo eu aqui votado na chamada questão ministerial contra s. ex.ª, em duas votações nominaes, s. ex.ª não mostrou nunca, nem os seus collegas, o mais leve, o menor resentimento por esse acto; e se eu por acaso novamente for obrigado a tomar a palavra, e não concordar com s. ex.ª, e se tiver mesmo necessidade de appellar para uma votação da camara, se as suas rasões me não satisfizerem, peço a s. ex.ª que me não leve isso a mal, e que continue a dispensar-me aquella sympathia e amisade com que sempre tem feito favor de me honrar.

Vozes: — Muito bem.

Leram-se na mesa as seguintes:

Proposta

Artigo 1.° Ficam abolidos todos os privilegios de isenção de impostos concedidos a estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas ou companhias estabelecidas no reino e ilhas adjacentes, excepto quando a isenção seja resultado de contrato oneroso ou tratado especial.

Sala das sessões, 25 de agosto de 1871. = João Gualberto de Barros e Cunha.

Proposta

Emenda ao artigo 2.°:

Proponho que as palavras = juros e dividendos = sejam substituidas pelas pilavras = lucros ou juros =.

Sala das scssões, 25 de agosto de 1871. = João Gualberto de Barros e Cunha.

Proposta

Proponho que se eliminem do artigo 3.° as seguintes excepções: as obrigações da companhia do credito predial, as da companhia das aguas, a parte dos lucros das operações bancarias effectuadas pelo banco nacional ultramarino no ultramar.

Sala das sessões, 25 de agosto de 1871. = João Gualberto de Barros e Cunha.

Foram admittidas, e ficaram conjunctamente em discussão.

O sr. Ministro da Fazenda: — Poucas palavras direi. Agradeço ao illustre deputado as expressões immerecidas que se dignou dirigir me.

Triste cousa seria se as desgraçadas divergencias politicas fossem obstaculo para que um homem publico podesse

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ser justo para com individuos, nos quaes se dão, sem determinação das classificações politicas, a intelligencia, a probidade, a illustração, o zêlo, a dedicação e o patriotismo. Seria a mais infeliz das invenções, a dos partidos, se no parlamento se obrigasse, como digo, a ser injusto, e desconhecer que muitas vezes, na occasião em que mais vivamente se combate um adversario, é precisamente aquella em que mais se faz justiça ás qualidades moraes que elle póde ter (apoiados).

Eu não preciso que o illustre deputado esteja de accordo commigo para eu apreciar as suas qualidades moraes.

S. ex.ª, em todas as posições politicas que o tenho visto occupar, tem sempre sabido, sem comprometter a lealdade que nos liga a qualquer grupo politico, sustentar as suas elevadas qualidades moraes que o distinguem; tem sempre sabido demonstrar que n'elle a independencia nacional não está subordinada á tyrannia accidental da qualificação dos partidos.

Ainda agora sinto discordar do illustre deputado, mas ao mesmo tempo presto homenagem ao modo delicado com que se me dirigiu, e eu sou o ultimo a suppor que a delicadeza do estylo possa prejudicar a defeza de qualquer causa, e que fazer injustiça ás intenções dos nossos adversarios seja um meio de fazer triumphar a nossa opinião (apoiados).

Se nós examinarmos este projecto, e principiarmos a discussão d'elle pelo artigo 3.º, tem toda a rasão o illustre deputado, porque o artigo 3.° contém algumas excepções á regra estabelecida. Mas não tem rasão, se n'este projecto principiarmos pelo principio.

O artigo 1.° diz:

«Ficam abolidos todos os privilegios de isenção de impostos concedidos a estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas ou companhias estabelecidas no reino e ilhas adjacentes, excepto quando a isenção seja o resultado de contrato oneroso ou tratado especial.»

Ora, já vê a camara que leu este projecto, que a regra está estabelecida no artigo 1.°; e nunca houve quem sustentasse que as excepções em muitos casos íam condemnar a regra geral, ou invalidavam as consequencias que se podem tirar de uma regra gerai; e isto é tanto assim, que ás vezes o desejo de estabelecer principios absolutos, faz não apreciar os factos como elles exactamente devem ser apreciados, e d'esta fórma mais de uma vez a exageração da theoria tem compromettido a utilidade da applicação.

Fallarei por exemplo em relação a um estabelecimento ao qual o illustre deputado suppoz ter contrato oneroso.

Se tivesse deixado de ser obrigatoria para os bancos de Portugal, por exemplo, a elevação do juro, está claro que n'este anno não se póde considerar o banco na excepção consignada no artigo 1.° E sem querer dar agora a minha opinião definitiva sobre esta condição do governo, peço licença ao illustre deputado para lhe dizer que está um pouco enganado.

Eu supponho que o governo tem direito de dizer ao banco que não eleve o juro alem de um certo preço...

O sr. Barros e Cunha: — Foi o codigo civil.

O Orador: — A minha supposição estriba-se nos factos. Não ha muito tempo que consegui que baixasse os juros ao preço em que hoje se acha; e d'aqui resultou a possibilidade de se poderem fazer as operações de thesouraria em condições mais vantajosas do que até então.

E, sr. presidente, ha mais alguma cousa; ha a disposição dos estatutos que póde levar o banco a emprestar ao governo sommas determinadas. O banco tem essa obrigação, e não a têem os outros bancos da mesma fórma.

Podem os bancos ter vantagem n'estas operações; mas o que não se póde dizer é que tal obrigação lhe é imposta por lei; sendo-o pelos estatutos do banco, o caso é diverso.

O que é verdade é que algumas d'estas excepções não appareciam no projecto originariamente apresentado a esta camara; mas a camara fez introduzir algumas modificações n'este projecto.

O illustre deputado admitte a excepção á companhia das lezirias. Effectivamente havia uma duplicação de imposto, que não era justo votar, e portanto o illustre deputado bem vê que ha excepções, ás quaes elle mesmo veiu prestar homenagem.

O illustre deputado bem sabe que ha excepções que não podiam deixar de ser consideradas, e elle mesmo veiu prestar homenagem a uma das que estão introduzidas no projecto. Esta de que acabei de fallar já fazia parte do projecto original.

Agora devo declarar que á excepção relativa ás obrigações da companhia do credito predial, não me parece que fosse nunca muito seriamente impugnada n'esta camara, e que esta camara com larga maioria votou a excepção contida no projecto a este respeito (apoiados).

O illustre deputado, que é tão lido no que se passa entre as nações estrangeiras, sabe muito bem que por mais de uma vez se tem declarado que a Inglaterra é o paiz dos compromissos, que a vida politica em Inglaterra está sujeita ás indicações dos compromissos. Eu, valendo-me d'este exemplo, digo que bastava a circumstancia de haver sido sanccionada esta excepção por differentes parlamentos, para que tivesse a seu favor um argumento de auctoridade, ao mesmo tempo que me parece tambem lhe não falta o argumento da rasão.

Alem de que, deve se notar que a excepção relativa ás obrigações prediaes, não é feita em proveito dos lucros da companhia. Esta excepção é feita em vantagem dos individuos que vão procurar á companhia do credito predial os recursos sufficientes para poderem melhorar as condições das suas propriedades (apoiados).

Já se vê, por consequencia, que é uma excepção que se não póde deixar de considerar, quando tem a seu favor a auctoridade da votação dos parlamentos e a auctoridade nacional.

O illustre deputado apresentou aqui um pensamento muito philosophico. Disse muito bem que era necessario que os privilegios em relação ao capital não fossem de alguma maneira tornar mais plausiveis os absurdos.

Eu estou inteiramente de accordo com o illustre deputado em suppor que devemos tirar todos os pretextos para que os absurdos, mesmo quando plausiveis, não percam o caracter de idéas exageradas, maiormente quando ha idéas tão exageradas que fazem, por exemplo, com que um partido que julgava ter pretensões as mais avançadas, venha a achar-se constituido no mais conservador de todos os partidos em relação a uma fracção politica que, palas suas idéas de reformas sociaes, deixa a perder de vista aquelles que se julgava que tinham avançado o mais que era possivel (apoiados — riso).

Portanto, eu estou de accordo com o pensamento philosophico do illustre deputado, pensamento que tem um grande alcance politico, e pensamento ao qual na minha opinião presta homenagem a disposição do artigo 1.° d'este projecto, que contém uma abolição de privilegios.

Relativamente ás obrigações da companhia das aguas, eu devo declarar a v. ex.ª e á camara, que esta excepção é uma d'aquellas com que eu concordei com a maior difficuldade. Confesso sinceramente que foi esta a excepção com a qual mais me custou a transigir.

(Áparte do sr. Sant'Anna e Vasconcellos.)

E é tanto assim o que acaba de dizer o illustre relator da commissão em um áparte, que quando na discussão se me perguntou qual era a excepção analoga a esta, eu notei as obrigações prediaes.

Mas eu estou hoje em uma situação especial para poder com mais fundamento aceitar esta excepção. Eu encontrei no ministerio das obras publicas uma proposta da companhia das aguas, apresentando os meios de se poder realisar o cumprimento do contrato e de se abastecer a capital com abundancia de agua. Esta proposta estava demorada ha muito tempo no ministerio das obras publicas, e eu

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apressei-me a resolve la, no que não creio que fizesse nenhum favor á companhia, pois que a resolução da mesma proposta importa nada menos do que o equivalente a um desembolso a effectuar de uns 3.000:000$000 réis.

Sr. presidente, se por acaso se comprehendia que havia motivo para fazer uma excepção a favor da companhia das aguas, desde que pela resolução que tomei tem de obter um emprestimo para fazer uma grande despeza, essa excepção torna-se agora ainda mais justificada: se havia motivo para isto, digo que desde que o governo tomou uma resolução, em virtude da qual a companhia tem de satisfazer uma importante despeza, e tem de alcançar um capital, na importancia de 3.000:000$000 réis, é esta a occasião em que menos difficuldade póde encontrar a sustentação d'essa idéa.

Digo mais, que o resultado d'esta lei póde proporcionar ao thesouro uma somma de 100:000$000 réis, tendo em attenção a que o capital dos bancos é 26.000:000$000. Ainda que se faça alguma deducção, digo que o thesouro póde aspirar a receber a somma de 100.000$000 réis.

Digo ainda que a exigencia d'esta somma quanto á regra geral de tributar o rendimento dos bancos, é tanto mais sustentavel, quanto tem havido grande progresso na actividade commercial d'esta companhia, progresso que significa o melhoramento e riqueza da nação.

A media mensal é a seguinte (leu).

Effectivamente ha um progresso, e uma observação que ouvi ao illustre deputado é exacta. Nos ultimos annos tem-se visto afrouxar alguma cousa nas operações commerciaes; mas comparando uma epocha com outra, ha um grande resultado, com que nos devemos regosijar, porque a somma dos lucros individuaes é que constitue a riqueza do paiz.

Ora a somma de 100:000$000 réis não é tão insignificante na nossa situação financeira que possa ser desprezada esta receita, nem tambem tão pouco importante que não possa concorrer com um resultado vantajoso em relação ao deficit.

Se por acaso fosse approvado o augmento dos 200:000$ réis sobre a contribuição predial; o augmento de 130:000$ réis sobre a contribuição industrial e pessoal; o imposto dos bancos; o augmento que eu tenho tenção de propor em alguns artigos das pautas das alfandegas, montando a perto de 150:000$000 réis; o rendimento das matas nacionaes, 100:000$000 réis a mais; 80:000$000 réis sobre o arroz, e eu appello para este expediente, porque o augmento sobre o arroz importado foi um verdadeiro direito protector; se todas estas medidas forem approvadas, teremos a importancia de 760:000$000 réis.

Ora se a esta somma addicionarmos uma parte da verba destinada aos pensionistas que não entraram no contrato celebrado em 1867 e aos addidos, aos quaes não attribuo senão a somma de 200:000$000 réis, e estas sommas tendem a diminuir, porque os addidos pertencem a uma classe que tem em si a sua propria amortisação; se acrescentarmos estas sommas, teremos uma importancia de 1.260:000$ réis. E é preciso que se note que a verba dos addidos é de 360:000$000 réis, mas eu só menciono 200:000$000 réis e logo direi a rasão por que.

Ora, sem precisar recorrer á camara, ha uma meio pelo qual o governo n'este anno póde, alem d'estes recursos, haver 500:000$000 réis, e a camara ha de permittir-me que eu não o diga por agora.

Resulta, pois, de tudo isto uma consideravel reducção no deficit no actual anno economico se forem adoptadas estas propostas ou outras quaesquer que as substituam, porque eu não tenho fanatismo pelo imposto.

O deficit no anno corrente, adoptados os expedientes propostos e economias já feitas, não póde exceder de réis 1.500:000$000.

Todos os ministros da fazenda em todas as nações do mundo, quando lhes contestam algum imposto, não dizem que os outros não têem obrigação de o substituir; quando impugnam dizem pelo contrario — indiquem-me as substituições. E tanto isto é assim, que ultimamente em França, não sendo aceito um projecto de 20 por cento de imposto sobre as materias primeiras, a commissão indicou logo entre outros arbitrios a maneira de o substituir desde logo pelo estabelecimento de 3 por cento.

Ora, repito, se forem adoptadas todas estas medidas, o deficit n'este anno economico deve ser reduzido a réis 1.500:000$000.

Eu tenho verificado que as vacuturas produzem uma despeza a menos de 200:000$000 reis; e é por eu entender que n'estas vacaturas tambem figuram os addidos em alguma proporção, que não comprehendi a somma dos addidos nos 360:000$000 réis, importancia total da verba, mas sómente nos 200:000$000 réis. Eu mandei proceder á verificação da importancia das vacaturas nos differentes ministerios, e effectivAmente encontrei uma media de réis 240:000$000, mas só calculei 200:000$000 réis por segurança.

As economias que foram votadas ultimamente na commissão de fazenda em relação ao ministerio da guerra, são economias de administração, as primeiras de todas as economias.

Tomára eu que ninguem desacreditasse as economias! São não só uma cousa util, mas necessaria. Sem ellas não se póde administrar.

Deus nos livre de quem tivesse a pretensão de dizer que entendia, que as economias eram suspeitas, e que não se devia administrar com ellas.

Voltando aos bancos, e já era tempo de o fazer, declaro que, com relação aos fundos de reserva, não sendo da opinião a que me converti de que devem ser considerados, como uma parte do rendimento para ser tributado.

Seguindo essa norma, deveriamos considerar o producto bruto de todas as industrias como rendimento collectavel; e não é isso o que acontece.

Todos sabem que o producto collectavel não é o producto bruto das differentes industrias; todos sabem que se recorre para a collecta, a uma operação, em virtude da qual se determina o producto liquido.

E no caso actual a designação do dividendo é a que corresponde ao producto liquido para o accionista das companhias.

Emquanto a reserva não é distribuida, não toma a fórde lucro...

(Áparte do sr. Mariano de Carvalho.)

O tempo urge. As discussões economicas, aliás importantissimas, aliás as primeiras, carecem de tempo para serem tratadas convenientemente, e esse tempo falta nos.

Eu, com as minhas modestas faculdades, tambem sei o modo de conciliar mais a attenção da camara; mas parece-me que cumpro os meus deveres, limitando-me a apresentar as considerações economicas que entendo que devem concorrer para a approvação d'este projecto.

Mas, alem d'estas considerações, ha outras.

Póde alguem dizer que n'outros rendimentos será determinado com tanto rigor como n'este o producto liquido? Póde alguem dizer, que as matrizes em relação aos outros rendimentos, são feitas com o rigor da matriz commercial, quando se trata da distribuição de um dividendo? Não é possivel (apoiados.)

Bastava esta consideração para demonstrar que ha uma rasão para que o dividendo represente n'este caso o papel de poder ser exclusivamente tributado; e para que seja tributado exclusivamente, embora fosse muito para desejar que o imposto desse maior resultado.

Eu persuado-me de que a modificação que se propõe encontraria difficuldades, se fosse adoptada....

(Áparte do sr. Mariano de Carvalho.)

Eu creio que ha muitos bancos que têem representado, pedindo diversas cousas; mas o que não vi ainda foi que representassem para que o fundo de reserva fosse incluido

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no dividendo. Ainda não tenho idéa d'essa representação. Se ha alguma difficuldade da parte d'esses estabelecimentos, nascida de que elles suppõem excepções que se não deveriam conceder, a difficuldade augmentava se se fosse entender, que qualquer reserva devia ser considerada como dividendo ou lucro para o fim do estabelecimento do imposto (apoiados).

Apresentei com mais extensão do que devia algumas considerações sobre este ponto, e parece-me que em projectos d'esta ordem, as melhores de todas as medidas são as que se fizerem aceitar mais facilmente (apoiados).

Desconfio um pouco da innovação, e quero antes um projecto despido de qualquer originalidade que seja, e que tenha a seu favor a consagração resultante da auctoridade de differentes ministros o terem apresentado, do que lançar-me no campo das innovações.

Quer v. ex.ª saber o que ainda ha pouco tempo se dizia n'um manifesto relativamente a materia de finanças? Dizia-se o seguinte:

«Reformas radicaes e organisação nova do imposto, parece-me impossivel.»

Este manifesto era nada menos do que da internacional. Os que não recuam diante das cousas as mais serias, recuavam diante das temeridades tributarias. Por consequencia, já se vê que com o desejo de inventarmos, irmos prejudicar a adopção das medidas, não é de certo a melhor decisão; e quaesquer que sejam as ponderações aliás muito plausiveis que se apresentem, eu pediria aos illustres deputados que attendessem a que este projecto tem de ser applicado a corporações importantes, e tem de passar nas duas casas do parlamento (apoiados).

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Requeiro a v. ex.ª para que se consulte a camara sobre se quer continuar na discussão d'este projecto á vista das ponderações do proprio sr. ministro da fazenda.

Consultada a camara decidiu negativamente por 43 votos contra 40.

O sr. Lampreia: — O regimento não permitte que os requerimentos se documentem ou justifiquem, mas felizmente este, não precisa documentado ou justificado (leu).

O sr. Presidente: — Vae votar-se o requerimento.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que as notas tachygraphicas dos discursos do sr. presidente do conselho de ministros, pronunciados n'esta casa nas sessões de 15 e 16 do corrente, sejam remettidas para a mesa.

Sala das sessões, 25 de agosto de 1871. = Francisco Joaquim de Sá Camello Lampreia.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — A unica cousa que tenho a dizer, é que este requerimento é insolito.

Uma voz: — Se os requerimentos se discutem, peço a palavra.

O sr. Presidente: — Deu-se unicamente por parte do governo uma explicação em relação a este requerimento.

Vozes: — Os requerimentos não soffrem discussão. Votos! Votos!

(Susurro.)

O sr. Presidente: — Peço ordem aos srs. deputados. O melhor é votar-se uma vez que a camara...

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — A votação é para se admittir á discussão?

O sr. Presidente: — A votação era para admittir o requerimento á discussão, mas a camara entende que se deve votar immediatamente.

O sr. Falcão da Fonseca: — A camara não entendeu ainda isso! (Apoiados.)

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se acaso quer que se discuta ou não este requerimento.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Pergunto a v. ex.ª se é costume os requerimentos admittirem-se á discussão?

Creio que a pratica é, quando se apresenta um requerimento, votar-se e nada mais.

O sr. Presidente: — Quando as moções são d'esta natureza, são mais uma proposta do que um requerimento. Os requerimentos são para se julgar a materia discutida, para prorogações de sessão, para votações nominaes, etc. Este, embora requeira que se mandem para a mesa umas notas tachygraphicas, é evidentemente uma proposta; mas a camara vae decidir se é requerimento ou proposta. Se é requerimento vota-se, segundo o regimento, sem discussão; se é proposta tem de ser admittida á discussão.

O sr. Lampreia: — Não tenho por habito interromper os trabalhos d'esta casa, e creio que v. ex.ª nunca teve occasião de me fazer lembrar quaes eram as disposições regimentaes. Posto que confesse com franqueza não ser doutor do regimento, e não estando ao facto de todas as suas disposições, tendo de fazer um requerimento, tratei de examinar a competente disposição regimental, para poder com mais segurança fazer o meu pedido, e tive o cuidado de declarar a v. ex.ª e á assembléa, logo que me concedeu a palavra, que não fundamentava o meu requerimento, porque o regimento me não permittia que o fizesse.

Contra as praxes, contra o regimento, contra todos os precedentes e contra tudo que me parece regular, vejo suscitar-se uma questão sobre se os requerimentos devem ou não ser discutidos. Não me opponho, mas como ouvi da presidencia emittir-se a duvida se era requerimento ou proposta, n'este caso aproveito a occasião para até certo ponto justificar o requerimento que mandei para a mesa.

A camara ouviu na ultima sessão que o sr. presidente do conselho deu um desmentido solemne ás asserções de alguns deputados, com referencia a phrases pronunciadas por s. ex.ª em um d'aquelles momentos de exaltação, em que o sr. presidente do conselho tem por habito, mau grado seu, revelar-se tal qual é (apoiados).

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que se restrinja. Já no principio do seu discurso disse que eu nunca tive occasião de o chamar á ordem, como de facto assim é. Queria que n'esta occasião não desse pela primeira vez o exemplo de se afastar da ordem; por isso lhe peço que se restrinja á questão; isto é, que falle sobre o modo de propor.

O Orador: — Sobre o modo de propor tenho a dizer que o que eu apresentei foi um requerimento, e v. ex.ª recebendo-o como tal, parece-me que não tinha mais nada a fazer, senão provocar uma votação de camara sobre elle; mas desde o momento em que se quer dar ao meu requerimento a natureza de uma proposta, tenho direito de explicar á camara o sentido em que o fiz.

Nunca faltei á ordem n'esta casa. Respeitei-a sempre, como respeito a presidencia e o logar que estou occupando; mas tenho o habito, que já não posso perder de não consentir que ninguem, quem quer que seja, coarcte os meus direitos.

O sr. Presidente: — Não serei eu que os coarctarei; mas desejava que se cingisse ao modo de propor (apoiados).

O Orador: — Eu peço a v. ex.ª que me diga qual foi a phrase que pronunciei em que saí fóra da ordem.

O sr. Presidente: — Tudo quanto o sr. deputado tem estado a dizer não se refere ao modo de propor (apoiados).

O Orador: — Parece-me que um requerimento não póde ser considerado como uma proposta.

O sr. Presidente: — Mas eu consulto a camara; se esta resolver que é um requerimento, não se discute, e n'este caso são inuteis todas as considerações do sr. deputado.

O Orador: — Sabe v. ex.ª o que eu vejo? É que se julga muito necessario interpor um escudo para proteger o sr. presidente do conselho. (Muitos apoiados á esquerda. — Á direita, muitas vozes: — Ordem, ordem.)

Muitos srs. deputados pedem a palavra sobre o modo de propor. O sr. presidente por duas vezes chamou á ordem.

O sr. Thomás de Carvalho: — Isto não é 1846.

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O sr. Luiz de Campos: — 1846 morreu (muitos apoiados).

O sr. Presidente: — Peço ordem pela terceira vez.

O sr. Falcão da Fonseca: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Santos e Silva: — Cuidado, estrema direita!

O sr. Presidente: — Ainda tem a palavra o sr. Lampreia. Se quizer cingir-se ao modo de propor, póde continuar. Eu recommendo á camara que se conserve na ordem e que respeitemos todos a dignidade d'esta casa (apoiados).

O Orador: — Pois é a proposito do modo de propor que eu lembro á extrema direita que estamos em 1871 (Muitos apoiados).

O sr. Falcão da Fonseca: — Nada de insinuações injuriosas.

Algumas vozes (á esquerda): — Não houve insinuações injuriosas.

O sr. Falcão da Fonseca: — É insinuação injuriosa comparar 1871 com outras epochas.

O sr. Presidente: — O sr. Lampreia não comparou epocha nenhuma; disse que estavamos em 1871. Sinto que a camara não queira acceder aos meus rogos, e que não me deixe dirigir os trabalhos de modo a manter a dignidade da camara (muitos apoiados).

O sr. José Tiberio: — Mais liberdade.

O sr. Presidente: — O sr. deputado não me dá lições de liberdade (muitos apoiados).

Póde continuar o sr. Lampreia.

O Orador: — Eu tenho a fazer a declaração franca de que não tinha a mais leve idéa de promover a tal ou qual excitação em que eu vejo que está a assembléa. Estava isso muito longe do meu pensamento. Eu queria unicamente repellir um desmentido que pessoalmente me podia ferir. Quando o sr. presidente do conselho, em uma das ultimas sessões, proferiu uma certa phrase a que eu não quero alludir, porque não quero ir contra a ordem, eu n'essa occasião levantei-me, pedi a palavra indignado e disse que não me contentava com umas certas liberdades que me queriam dar. Ora, vindo o sr. presidente do conselho a esta casa dizer que este facto se não tinha dado, é claro que isso importa um pleno desmentido, e eu quero as notas tachygraphicas para resolver a questão (apoiados). Creio que não ha nada mais justo.

O sr. Presidente: — Concluiu o sr. deputado sobre o modo de propor.

O sr. Lampreia: — Eu conclui até que se resolva se é proposta ou requerimento o papel que mandei para a mesa, e no caso de ser proposta peço a palavra.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Eu quero só chamar a attenção da camara para o que se está passando e para a situação que a camara quer fazer ao governo.

Ha pouco fez-se um requerimento para que continuasse a discussão da lei dos bancos; a camara não attendeu a esse requerimento e resolveu que se passasse logo á segunda parte da ordem do dia (apoiados). Parece-me, pois, que a resolução da camara foi que se passasse immediatamente á segunda parte da ordem do dia.

Vozes: — Não se votou isso.

O Orador: — Então o que foi que se votou?

O sr. Presidente: — Sim, senhor, foi isso que se votou. Eu leio de novo a proposta que foi mandada para a mesa (leu). A camara resolveu por 43 votos contra 40 não proseguir na questão dos bancos e que queria proseguir na segunda parte da ordem do dia.

O sr. Lampreia: — Mas v. ex.ª ainda não tinha annunciado que se ía passar á segunda parte da ordem do dia.

O sr. Presidente: — Era exactamente o que ía fazer quando o sr. deputado veiu com o seu requerimento.

O Orador: — Eu até estava preparando os meus apontamentos para continuar a fallar, porque peço á camara que attenda a que eu fiquei com a palavra reservada da sessão anterior, e estou respondendo a accusações violentissimas feitas ao governo durante sete sessões. Fui altamente censurado por não ter pedido logo a palavra...

Vozes: — É verdade, é verdade.

O Orador: — Disse-se até que eu queria fugir ao debate, e comtudo são os mesmos illustres deputados que me querem tirar a palavra no momento em que eu respondo...

O sr. Lampreia: — Isto é sobre o modo de propor?

O sr. Presidente: — O orador tem a mesma largueza que teve o sr. deputado fallando sobre o modo de propor

O Orador: — E eu não pedi a palavra sobre o modo de propor. Pedi a palavra por parte do governo, porque assistindo o governo a esta discussão, tem direito de reclamar que lhe seja permittido continuar nas explicações que estava dando á camara sobre as accusações que lhe tinham sido feitas durante sete sessões (apoiados). Se a camara quer entreter o resto da sessão, agora, com esta discussão, eu não posso fallar e a camara é responsavel por consequencia pela interpretação que se possa dar...

Uma voz: — Isto não é sobre o modo de propor.

O Orador: — Os srs. deputados querem para si uma liberdade que não permittem aos ministros! (Apoiados.) Os ministros têem a mesma liberdade que têem os srs. deputados para tomarem parte nos debates que dizem respeito ao governo, sobretudo quando elle é altamente censurado e accusado (apoiados).

Não querem isto? Pois não têem remedio senão querer emquanto nos reger o systema actual. Querem os srs. deputados que se interprete esta repugnancia que manifestam a que eu continue o meu discurso, pelo desejo de que não responda ás accusações que se fazem ao governo? (Apoiados). O que os illustres deputados me estão dando é um grande triumpho.

O sr. Mariano de Carvalho: — Nós o que queremos é que se vote se é requerimento ou proposta, e isso leva dois minutos.

O sr. Presidente: — Eu peço ao sr. presidente do conselho que se limite ao assumpto de que se trata. Para poder manter a ordem, preciso começar por mante-la n'esse logar (muitos apoiados).

O Orador: — Muito bem. Nós estamos diante do paiz (apoiados); o paiz nos julgará a todos (muitos apoiados).

O governo quer responder ás accusações que se lhe fizeram, e eu espero que a camara o não inhiba do destruir essas accusações (apoiados).

Vozes: — Ninguem inhibe.

O Orador: — Então deixem-me continuar com a palavra (apoiados).

O sr. Presidente: — Vae votar-se sobre o requerimento.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu tinha pedido a palavra sobre o modo de propor.

O sr. Presidente: — Bem sei, mas ha tres ou quatro srs. deputados, que antes do illustre deputado pediram a palavra tambem sobre o modo de propor; portanto ainda que chegasse a fallar era em quinto logar.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a palavra para uma questão previa.

O sr. Presidente: — Fica inscripto. Mas o desejo manifestado pela camara, é que se vote sobre o requerimento (apoiados).

O sr. José Tiberio: — Eu desejo ser informado pela mesa, se esse papel foi considerado por ella como requerimento ou proposta? Se foi como proposta e levou a nota de urgente, é que podia ser consultada a camara sobre a urgencia e admisssão á discussão, do contrario devia ficar para segunda leitura; mas como nenhum d'estes factos se deu, segue-se que esse papel não podia deixar de ser considerado requerimento (apoiados), e n'este caso não havia que consultar a camara sobre se admittia á discussão, devia ser logo votado (apoiados).

O sr. Presidente: — O illustre deputado quer censurar a mesa por haver errado?

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O sr. José Tiberio: — Longe de mim tal idéa, eu só quiz interpretar o espirito com que v. ex.ª considerou este papel.

O sr. Presidente: — Mas o espirito póde errar, e a final a camara é que resolve se este papel é requerimento ou proposta. Eu posso enganar-me, chamar requerimento ao que é proposta, e proposta ao que é requerimento; mas a camara é que resolve em ultima instancia, e é sobre isto que vou consulta-la: mas antes de a consultar a tal respeito, tem a palavra para um requerimento o sr. Thomás de Carvalho.

O sr. Thomás de Carvalho: — Requeiro que v. ex.ª me esclareça sobre os seguintes pontos: se porventura é permittido a qualquer deputado ver as notas tachygraphicas de qualquer discurso.

Vozes: — É! é! De todos os oradores.

O sr. Presidente: — É permittido a todos requerer as notas tachygraphicas (apoiados).

O sr. Thomás de Carvalho: — Mas requerer á camara para lhe serem negadas?

O sr. Presidente: — Parecia me que não era preciso vir sequer á camara, mas desde que veiu um requerimento para isso, eu hei de dar-lhe seguimento; a camara decidirá, e a sua decisão ficará como regra (apoiados).

O sr. Thomás de Carvalho: — Quer dizer que é prohibido a todos os deputados o pedir directamente á tachygraphia as notas do discurso de qualquer orador?

O sr. Presidente: — Certamente que é prohibido.

O sr. Thomás de Carvalho: — Se é prohibido queira v. ex.ª citar-me o artigo do regimento que o prohibe.

Vozes: — Tambem não ha nenhum que auctorise similhante direito (apoiados).

O sr. Presidente: — Tem a palavra para um requerimento o sr. Falcão da Fonseca.

O sr. Falcão da Fonseca: — Requeiro que se consulte a camara sobre se quer desde já passar á segunda parte da ordem do dia.

O sr. Presidente: — A camara já resolveu que se passasse á segunda parte da ordem do dia; mas agora está pendente a resolução do requerimento do sr. Lampreia, sobre o qual se vae votar (apoiados).

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara. Se a camara julgar que é uma proposta, entra em discussão. Se julgar que é um requerimento, vota-se já e entra-se depois na segunda parte da ordem do dia.

Os senhores que entendem que a moção mandada para a mesa pelo sr. Lampreia é um requerimento, tenham a bondade de se levantar.

Decidiu-se que era um requerimento.

O sr. Presidente: — Agora vae votar-se o requerimento.

O sr. Barros e Sá (sobre o modo de propor): — Faço um additamento para que possam vir á camara as notas tachygraphicas dos discursos de todos os srs. deputados.

O sr. Santos e Silva (sobre o modo de propor): — V. ex.ª vae propor á votação a materia do requerimento, mas eu tenho grandes duvidas a respeito d'esse requerimento.

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que se cinja ao modo de propor. O modo de propor refere-se a votação nominal ou a qualquer outra maneira de votar.

O Orador: — E tambem póde ser para que o assumpto não seja posto á votação; e é n'este sentido que eu vou expor as minhas idéas.

Tenho muito poucas palavras a dizer a este respeito. Quando um ministro ou um deputado pronuncia um discurso n'esta casa, quando esse discurso é publicado nas columnas do Diario da camara e se levantam algumas duvidas a respeito da maneira mais ou menos exacta por que esse discurso está publicado, entendo eu que assiste a todo o deputado o direito de pedir que as notas tachygraphicas sejam mandadas para a camara para se examinar se estão de accordo com o que se publicou. Não se levantando d'estas duvidas, eu voto contra todo o requerimento que tenha por fim pôr á disposição de um deputado qualquer as notas tachygraphicas de um discurso, porque as notas tachygraphicas são propriedade particular.

O sr. Barjona de Freitas (sobre o modo de propor): — V. ex.ª sabe que eu já tive occasião de declarar mais de uma vez n'esta casa, e ainda ha pouco tempo o fiz quando se tratava de uns documentos officiaes, que a minha opinião é pela maxima publicidade, e que não admitto a não publicidade senão por excepção. No caso presente julgo inutil o requerimento. Se alguem pozer em duvida a exactidão com que está publicado algum discurso do sr. presidente do conselho, nem da parte de s. ex.ª, nem da parte do corpo tachygraphico póde haver opposição a que as respectivas notas sejam immediatamente mandadas para a camara para serem examinadas.

Eu declaro francamente que se alguem me dissesse que um discurso meu, publicado no Diario, não estava em harmonia com o que eu tinha dito, immediatamente, apresentaria as notas.

Voto portanto contra o requerimento, porque o acho inutil.

Posto a votos o requerimento do sr. Lampreia, foi rejeitado.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. presidente do conselho, para continuar o seu discurso.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Sr. presidente, peço a v. ex.ª e peço á camara que me permittam dizer algumas palavras, sobre o incidente, que acaba de ter logar, pela relação, que tem com as ponderações que vou submetter á camara.

Peço licença a v. ex.ª e á camara para dizer que não costumo alterar os meus discursos, e tomára eu que a tachygraphia podesse sempre, pela tranquillidade e placidez que houvesse nas nossas discussões, tomar nota com toda a exactidão do que se passa aqui.

Appello para todos os srs. deputados que me ouvem e que têem occupado a tribuna, para que me digam se, quando lhes são mandadas as notas tachygraphicas dos seus discursos, elles não se vêem muitas vezes obrigados a rectificar...

Vozes: — E verdade, é verdade.

O Orador: — Pois então, se isto é verdade, para que se pedem as notas dos discursos que eu pronunciei aqui em duas sessões consecutivas; notas, aliás, que eu não tenho a menor duvida em que sejam franqueadas a todos os srs. deputados que as queiram ver?

Se o illustre deputado, que apresentou este requerimento, o tivesse redigido em termos dignos da justiça e da imparcialidade d'esta camara; se requeresse, que todas as notas tachygraphicas de todos os discursos aqui pronunciados e já publicados fossem requisitadas á imprensa para serem depositadas na secretaria, e ali examinadas por qualquer membro da camara que o quizesse fazer, então este requerimento era digno da camara. A camara podia aceita-lo ou não o aceitar; mas, approvando-o, não lhe dava o sabor de uma resolução tomada contra um certo membro da camara ou contra um certo membro do ministerio.

Requerer á camara que venham só as notas dos discursos de um certo membro do governo ou de um certo membro da camara, não comprehendendo os discursos dos outros oradores, que alguem se poderia julgar tambem com direito de examinar, na verdade não é justo, e manifesta muito claramente o desejo de injuriar a pessoa, cujos discursos se pedem.

Repito: appello para todos os cavalheiros que têem fallado n'esta camara, para que me digam se a tachygraphia entre nós, apesar dos progressos que tem feito, e da muito boa vontade das pessoas que n'ella estão empregadas, está

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elevada a tal grau de perfeição que possam os discursos ir immediatamente d'aqui para a imprensa, sem haver motivo de reclamações da nossa parte (apoiados).

Lá fóra, e peço ainda perdão á camara por dizer mais estas palavras sobre este assumpto; lá fóra, por onde v. ex.ª tem andado, a tachygraphia está elevada a tal grau de perfeição que eu, tendo assistido a alguns congressos internacionaes, em que se fallavam diversas linguas, vi que havia tachygraphos para essas linguas, mas tachygraphos que conheciam os assumptos tão bem como os oradores que se occupavam d'elles, e que por consequencia, não se podiam enganar sobre as demonstrações e observações expendidas.

Assim mesmo, porém, os discursos eram apresentados aos oradores para elles verem se effectivamente o seu pensamento tinha sido tomado pelos tachygraphos com toda a fidelidade; e agora querermos que a tachygraphia tome nota com toda a exactidão do que se diz no meio de uma serie de interrupções e ápartes, muitas vezes apaixonados, que se cruzam de todos os lados, é querer muito, é querer o impossivel.

Torno a dizer; pela minha parte não ponho a menor duvida em que os illustres deputados examinem os seus discursos. O que declaro a v. ex.ª é que nem tenho tempo nem curiosidade de examinar os seus.

Quando deu a hora, na sessão antecedente, e que por esse motivo eu fui obrigado a interromper as considerações que submettia á attenção da camara, disse eu, que a camara comprehendia que eu tinha muita pressa de entrar na analyse das accusações que me tinham sido feitas com relação aos crimes que eu tinha ordenado que se commettessem nas eleições de Arganil, mas que tendo o illustre deputado que acabava de fallar dirigido ao governo accusações muito graves e estranhas a esse assumpto, eu era obrigado a começar pela resposta a essas accusações e que só depois me occuparia das eleições de Arganil. Estou ainda n'esta mesma situação.

O illustre deputado, o sr. visconde de Moreira de Rey, não se contentou em me accusar pelos crimes, repito, que declarou, que eu tinha ordenado que se commettessem nas eleições de Arganil; referiu-se a uma serie de factos que s. ex.ª apresentou como incontestaveis, e que, apesar d'isso eu francamente não posso deixar de combater e refutar.

O illustre deputado disse que eu tinha combatido por todos os meios ao meu alcance a sua eleição, que tinha ido humilde e supplicante prostrar-me aos pés de um homem de bem...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Apoiado.

O Orador: — Lá vamos. Ha de vir a prova d'isso, porque eu nego redondamente que tivesse ido humilde e supplicante prostrar-me aos pés de um cavalheiro, de um homem de bem, pedindo-lhe que se propozesse deputado por aquelle collegio e que eu tivesse posto á sua disposição um baronato e um despacho de secretario geral.

Não ha n'esta asserção uma só palavra que não exprima uma inexactidão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — E uma estrada.

O Orador: — Não ha nada d'isso.

O sr. Presidente: — Observo ao sr. deputado que foi ouvido com todo o silencio pelo sr. presidente do conselho.

O Orador: — O illustre deputado não ha de produzir documento algum que prove a sua asserção.

Não apresenta senão a auctoridade do seu nome que é grande, mas á auctoridade do seu nome, opponho a minha que é pequena; e o paiz julgará entre mim e o illustre deputado (apoiados). O paiz julgará entre a minha negativa e a affirmativa do illustre deputado sem a menor prova (apoiados).

Sei quem é o cavalheiro a que o illustre deputado allude. Pois dou a minha palavra á camara que durante a epocha das eleições não o vi uma só vez, não lhe dirigi lima só vez a palavra. Como é pois que fui humilde e supplicante prostrar-me aos pés de um homem de bem que não vi e a quem não fallei para lhe fazer uma promessa de um baronato?

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não foi a elle.

O Orador: — A quem foi?

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Foi a um influente do sr. Pinto Bastos.

O Orador: — Não é exacto. O illustre deputado não póde provar.

O sr. Presidente: — Convido o sr. presidente do conselho a não aceitar todas as interrupções que adrede lhe forem feitas, porque o regimento as prohibe.

O Orador: — Farei o que poder para obedecer a v. ex.ª; mas o regimento o que prohibe são as interrupções; mas depois de feitas estas, o regimento não póde prohibir que se responda a ellas. Se eu não for interrompido, evidentemente não respondo.

Insisto n'este ponto. Se ha n'este paiz um homem mesquinho na questão das condecorações sou eu, e o illustre deputado devia saber isto muito bem. O illustre deputado não se póde esquecer do que em certa occasião chamou a minha attenção para que a uma pessoa muito ligada com s. ex.ª fosse concedida uma certa condecoração.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Quem era?

O Orador: — Era seu sogro. (Hilaridade geral.)

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — É falso.

O Orador: — Muito bem. O paiz me julgará. Eu apello para o paiz e até para a consciencia do illustre deputado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu repito que é falso; e entre a asserção do sr. ministro sem provas e a minha negativa, apello tambem para o paiz.

O Orador: — D'aqui por diante quando me fizerem d'esses pedidos, hei de ter o cuidado de os exigir por escripto e assignados. (Hilaridade.) Repito, apello para a consciencia do illustre deputado e para a consciencia de muitos cavalheiros que me ouvem, e que sabem que eu digo a verdade (apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu peço a palavra para explicações, e sendo necessario, requeiro que se consulte a camara. O sr. ministro ha de levar a correcção que precisa.

O sr. Presidente: — Eu inscrevo-o para explicações; escusa de interromper mais.

O Orador: — Emquanto á correcção, eu espero que hei de ter tambem a palavra e então replicarei a ella. Pela terceira vez: apello para a consciencia do illustre deputado e contento-me com o testemunho que ella lhe ha de dar da verdade do que estou dizendo (apoiados). V. ex.ª, sr. presidente, comprehende que não se póde ser aggredido com esta violencia e esperar longanimidade do accusado aquelle que o accusa com menos direito para o fazer (muitos apoiados).

Eu entendo que se não deve prostituir o cofre das graças, e nenhum ministro tem zelado mais do que eu o que elle contém. Graças não são para distribuir com mão aberta, cáiam sobre quem caírem (apoiados). Não o faço eu. Não me atrevi nunca a apresentar ao chefe do estado decreto algum de tal natureza sem que tivesse a convicção de que a pessoa a quem o decreto se referia era digna da graça concedida, por qualquer circumstancia que a tornasse recommendavel.

Eu não offereci nenhuma distincção honorifica de qualquer genero para vencer nenhuma eleição. Declaro-o bem alto á camara.

Quanto ao logar de secretario geral difficilmente poderia promette lo, porque então havia de demittir um secretario geral para poder cumprir a promessa. E emquanto á estrada, eu nem era então ministro das obras publicas.

Mas o illustre deputado disse mais alguma cousa, porque até fallou n'uma veniaga praticada na eleição da Covilhã.

Ora os documentos respectivos já estão na mesa.

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O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Truncados e incompletos.

O Orador: — Então já o illustre deputado os viu? Qual é o que falta lá?

O sr. Presidente: — Peço ao sr. presidente do conselho que continue e que não responda aos ápartes.

O Orador: — V. ex.ª comprehende que, quando se faz uma interrupção d'esta ordem, o ministro que assevera que estão os documentos...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Falta o registo do telegramma expedido em nome da presidencia do conselho de ministros.

O Orador: — O telegramma ahi está.

Vozes — Mas venha o registo do telegramma.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — A isto não se reponde.

O Orador: — Responde-se a tudo. Está até ahi uma carta particular.

Se o telegramma está ou não registado, isso não me pertence, mas á repartição das obras publicas.

Está ahi, como disse, até uma carta particular que infelizmente serve de base...

(Interrupção.)

Vem tudo. Veja o illustre deputado tudo o que ahi está, e se alguma cousa faltar, diga o illustre deputado o que falta, que eu respondo a tudo.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Falta o registo.

O Orador: — Quer o illustre deputado o original?

(Susurro.)

Estas irritações, como eu já ponderei na ultima sessão, não provam da parte dos illustres deputados senão a impossibilidade em que estão de sustentar as asserções inexactissimas que produziram aqui; e se julgam que, com estas interrupções, me fazem perder o fio do meu discurso, estão completamente enganados. Hei de lhe responder a tudo. Os documentos aqui estão; e se os illustres deputados querem fazer uma interpellação ao ministro sobre este assumpto, terão ensejo de notar então tudo o que ahi julgam que falta; mas podem ter a certeza de que as explicações hão de ser sempre cabaes (apoiados).

Diz-se: foi uma veniaga eleitoral.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Apoiado.

Vozes: — Não apoiado.

O Orador: — De que servem os apoiados? A questão é a apresentação das provas.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — A prova era o registo do telegramma.

O Orador (dirigindo-se ao sr. visconde de Moreira de Rey): — Ouça-me e tenha paciencia, que eu ouvi-o impassivel sem o interromper.

Esta questão da estrada da Covilhã começou sendo eu ministro das obras publicas, n'uma epocha em que eu tinha ainda a fortuna de ter a meu lado o sr. bispo de Vizeu.

Uma voz: — Sempre está a repetir isso.

O Orador: — Assim é preciso, para que os srs. deputados que não acreditam em mim, acreditem no sr. bispo de Vizeu.

Faz-lhe mal este argumento?

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Não faz mal.

O Orador: — Então aceitem-o. Acreditem que o não apresento para os contrariar, mas a verdade é que as explicações que tenho de dar á camara sobre este assumpto destroem completamente a tal veniaga, por isso é que os illustres deputados não as querem ouvir.

Era eu ministro das obras publicas em 8 de dezembro de 1870, recebi uma representação da camara municipal da Covilhã, pedindo que a estrada atravessasse a cidade, porque havia outra directriz na estrada de Castello Branco á Guarda pelo Fundão por fóra da cidade da Covilhã, e eu tinha approvado essa directriz em portaria de 24 de novembro de 1870, a qual está publicada no Diario do governo.

Em 8 de dezembro seguinte, repito, epocha em que nem pela imaginação me passava que havia de ser necessario consultar a opinião do paiz (notem bem), a camara municipal da Covilhã fez uma representação pedindo que a estrada atravessasse a cidade.

Respondi a essa representação ordenando que sobrestivesse na execução da portaria por virtude da qual eu tinha approvado a outra directriz, e mandei fazer estudos para a nova directriz pedida pela camara.

Era eu então, como disse, ministro das obras publicas, e tinha a fortuna de ter a meu lado no ministerio o sr. bispo de Vizeu e o sr. Saraiva de Carvalho, e não havia a menor sombra de suspeita de que seria necessario consultar o paiz.

Quando vieram os estudos já eu não era ministro das obras publicas, e conversando com o meu collega que geria aquella pasta, ponderei-lhe que se a nova directriz que passava por dentro da cidade da Covilhã exigia um prolongamento de mais de 2 kilometros, obrigando-se a camara municipal da Covilhã a pagar as expropriações a fazer dentro da cidade, era conveniente examinar se a despeza da construcção d'esses 2 kilometros era compensada pelas expropriações que havia a fazer na outra directriz, as quaes ficavam a cargo do governo; expropriações que deviam ser tambem valiosas, visto serem feitas em terrenos proximos da cidade da Covilhã, que é hoje das mais importantes do reino pela sua população e industria. Afigurava-se-me que uma cousa podia compensar a outra, e que não valia a pena ir descontentar uma população industriosa e importante, não resolvendo favoralmente a sua representação.

E ainda que uma resolução favoravel podesse trazer algum excesso de despeza, esse excesso poderia ser attenuado, ou talvez neutralisado, attendendo-se a que a estrada passando pelo interior da cidade e constituindo a sua principal rua, dava logar a que se fizessem construcções muito importantes, e só a decima predial d'essas construcções podia compensar bem o juro e amortisação do capital empregado a mais na nova directriz.

Estas considerações levaram provavelmente o meu collega a resolver favoravelmente o pedido da camara, que não fui eu que resolvi.

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Foi o cavalheiro que então geria a pasta das obras publicas, que por portaria publicada no Diario do governo, resolveu esta questão.

De modo que independentemente dos documentos pedidos, todos os illustres deputados estavam habilitados para tratar a questão, porque os documentos principaes estão publicados.

Aqui está o que diz a portaria de 21 de junho de 1871:

«Sua Magestade El-Rei, tendo ouvido a junta consultiva de obras publicas e minas, ha por bem ordenar o seguinte:

«1.° Que o director das obras publicas do districto de Castello Branco, não dê execução á portaria que lhe foi expedida em 24 de novembro de 1870, ácerca do lanço da estrada real n.º 55, de Castello Branco á Guarda, pelo Fundão, comprehendido entre a ponte de S. João Martyr in Coelo, junto á Covilhã e a povoação de Teixoso;

«2.° Que se approve o projecto datado de 2 do mez passado relativo ao lanço da mesma estrada, situado entre a ponte da Degoldra e Teixoso, pelo interior da cidade da Covilhã, no comprimento de 7:721m,26;

«3.° Que, quando pela camara municipal da Covilhã tiverem sido comprados e entregues ao engenheiro director todos os terrenos, que a estrada deve occupar entre a Fabrica Real e a Fabrica Velha, se proceda á abertura d'aquelle segundo lanço por empreitadas parciaes ou tarefas.»

Parece-me que o illustre deputado se contenta com a leitura da portaria até aqui.

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Uma voz: — Não era precisa a leitura.

O Orador: — Em consequencia d'isto começaram os trabalhos no dia 3 de julho. E é necessario que v. ex.ª e a camara saibam que veiu uma deputação da Covilhã fallar commigo, em abono da representação que a camara me tinha dirigido, e a que eu respondi em 24 de novembro. Repare-se bem, que isto foi muito antes de toda e qualquer idéa de se consultar a urna.

Começaram os trabalhos, como eu dizia, em 3 de julho, e esse dia foi um dia de festa na cidade da Covilhã. Houve ali o maior enthusiasmo; um dos membros da camara dissolvida, o sr. Antonio Pedroso dos Santos, membro da maioria da ultima camara, fez uma allocução áquelles habitantes, e acabou-se esse dia indo assistir todos a um Te Deum na igreja matriz d'aquella cidade (riso).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Foi dia de luto para a moralidade d'este paiz.

(Susurro.)

O Orador: — Foi um dia de luto para a moralidade d'este paiz, diz o illustre deputado, sem ter ainda provado cousa nenhuma, o que demonstra a paixão com que está fallando n'este assumpto! (Apoiados.)

Sr. presidente, se o illustre deputado for algum dia membro do ministerio publico, desgraçado d'aquelle a quem o illustre deputado tiver de fazer uma accusação, porque todos os documentos que provem a sua innocencia, o illustre deputado ha de voltar-lhes a significação, e provar que esse homem é o maior criminoso do mundo; assim como se fez aqui com os enterramentos de Paranhos. Eu provei que os tinha censurado, e entendeu-se que era eu que os tinha ordenado, eu provei que os tinha prohibido e o illustre deputado concluiu da prova que apresentei que era eu que os tinha permittido! (Apoiados.)

Foi, repito, aquelle dia um dia de festa na cidade da Covilhã, haja vista á allocução do illustre ex-deputado, o sr. Pedroso dos Santos, que foi publicada em varios jornaes da capital, que não defendem o governo, e por consequencia que não foi publicada para se dizer bem do governo.

Sr. presidente, como não é o meu proposito entrar agora na exposição circumstanciada do que occorreu a este respeito, porque estou convencido de que este assumpto será tratado ainda em occasião mais opportuna, direi que no ministerio das obras publicas se julgou que se tinha faltado a uma formalidade por virtude de uma carta particular que se recebeu, e que está entre os documentos mandados para a mesa; formalidade a que se tinha faltado, porque tenho presente um documento que o prova, e diz o seguinte:

«Attesta a camara municipal do concelho da Covilhã:

«5.° Que os terrenos comprehendidos entre a Fabrica Real e a Fabrica Velha necessarios para a estrada foram entregues á direcção das obras publicas, na conformidade do termo assignado pelos proprietarios em 26 do mencionado mez de junho.»

Note a camara, que era a entrega d'estes terrenos, que a portaria de 21 de junho exigia como condição indispensavel para que se procedesse á abertura d'aquelle lanço de estrada por empreitadas parciaes ou tarefas. Estava, por consequencia, preenchida a condição exigida na mesma portaria.

Começaram as obras, e, repito, por virtude de uma informação inexacta recebida no ministerio das obras publicas, ordenou-se que se suspendesse immediatamente essas obras começadas, as quaes tinham custado a importante somma de 7$200 réis! (Riso.) Eu recebi logo um telegramma em que o signatario se queixava da suspensão das obras, dizendo que ella havia produzido uma impressão muito desagradavel n'aquella cidade.

Eu comprehendia muito bem, em vista do enthusiasmo com que haviam sido inaugurados os trabalhos, que aquella ordem ía por força descontentar uma cidade importante, e eu tinha a convicção intima de que as condições da portaria estavam preenchidas, tanto mais que n'essa occasião, um cavalheiro tomou perante mim a responsabilidade de tornar effectivas as expropriações indispensaveis, para que as obras se fizessem (apoiados).

Portanto aconselhei a que por um telegramma se annullasse o telegramma que mandava suspender as obras, e ainda hoje estou convencido de que fiz bem, e o facto veiu-me dar completamente rasão, porque as expropriações estão feitas, porque a estrada está-se fazendo, e porque a cidade da Covilhã está extremamente contente com isto; e realmente para quem governâmos nós?! Pois não é para o paiz?! Pois quando podemos attender os contribuintes, e os contribuintes de uma cidade tão importante como a da Covilhã, havemos de desattende-los? Para quê?! Que vantagem ha n'isso?! Nenhuma.

Mas, diz o illustre deputado: «Esse telegramma foi mandado por virtude de resolução do conselho de ministros». O telegramma estava já expedido, quando se me foi perguntar em que nome havia de ser dirigido.

(Interrupção de um sr. deputado, que se não ouviu.)

É isso, não ha duvida; os ministros estavam...

O sr. Lourenço de Carvalho: — O telegramma não estava ainda expedido, quando se lançou a declaração, de que era em virtnde de uma ordem da presidencia do conselho de ministros, ou de uma resolução do conselho de ministros.

O Orador: — Mas essa circumstancia não altera nada a questão.

Não posso invocar aqui a auctoridade de quem não é membro da camara; mas o telegramma foi escripto á minha vista, e entregue á minha vista tambem ao director das obras publicas para ter destino; e depois de escripto o telegramma e entregue ao director, repito, para que lhe desse destino, é que este funccionario me perguntou, por auctoridade de quem se havia de dizer que o telegramma era expedido. Eu entendia que o telegramma estava expedido; mas ou estivesse ou não, o que é certo é que estava escripto, e não tinha sido escripto por nenhum dos ministros que estão hoje no ministerio, nem tão pouco entregue por nenhum d'elles ao director das obras publicas. Esse telegramma era, como se vê da copia que está sobre a mesa, nos termos seguintes: «Continue por ordem de s. ex.ª o sr. ministro, as obras começadas na Covilhã».

(Interrupção do sr. visconde de Moreira de Rey que se não percebeu.)

Isto não altera nada a declaração que fiz. O que estou referindo é o que vi; era possivel que n'aquella occasião o telegramma ainda estivesse em poder do director das obras publicas para seguir o seu destino; mas não foi escripto por nenhum dos ministros que se senta actualmente n'estas cadeiras.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Mas é que o telegramma quando foi expedido foi com a declaração do ministro das obras publicas de deixar de ser ministro.

O Orador: — Tambem não altera nada a minha declaração.

O sr. Presidente: — O sr. deputado não tem direito de estar a fazer interrupções.

O Orador: — Eu não queria dizer o que acaba de referir o illustre deputado, porque não o julgava preciso.

Pois esta declaração é exacta, e eu confirmo o que disse.

Quem escreveu o telegramma foi o sr. ministro das obras publicas d'esse tempo, não o póde negar; é muito cavalheiro para o fazer.

O sr. ministro das obras publicas pediu-me papel de telegrammas, e eu dei-lh'o do ministerio do reino; s. ex.ª escreveu o telegramma, e depois de o ter escripto entregou-o ao director das obras publicas para que o assignasse e lhe dessa expedição.

O telegramma dizia, repito: «Continue por ordem de s. ex.ª, o sr. ministro, as obras começadas na Covilhã».

Na occasião de entregar esse telegramma ao director das

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obras publicas, disse-lhe o cavalheiro a quem me refiro: «Assigne e faça expedir esse telegramma», mas o ministro de quem ahi se falla não sou eu.

Confesso francamente á camara que não tomei esta declaração a serio.

Pois um cavalheiro, que é ministro, escreve um telegramma pela sua mão, dizendo—de ordem de s. ex.ª o ministro podem continuar as obras da estrada — e depois entrega-o ao director das obras publicas...

(Levantou-se o sr. Lourenço de Carvalho.)

O sr. Presidente (dirigindo-se ao sr. Lourenço de Carvalho): — Não consinto que o sr. deputado torne a interromper o orador.

O sr. Lourenço de Carvalho: — V. ex.ª não póde impedir que eu me levante.

Eu não quero contradictar o que o sr. presidente do conselho diz, quero dizer a verdade.

O sr. Presidente: — Terceira vez, não consinto.

Vozes: — Falle, falle.

O Orador: — Eu peço a v. ex.ª que permitta ao sr. deputado que me interrompa.

O sr. Presidente: — Não é assim que se discute!

O Orador: — Peço a v. ex.ª que o permitta. Eu estou n'um terreno tal de verdade que nada receio das interrupções.

O sr. Presidente: — Cada um dos srs. deputados inscreve-se quando o deseja, e em lhe tocando a palavra, rebate cada uma das asserções apresentadas pelo sr. presidente do conselho, e se não são exactas, mostra que não o são; mas não interrompa continuadamente.

Assim não é possivel o systema parlamentar. E a proseguirem as discussões por esta fórma, eu cedo esta cadeira a quem venha mais dignamente occupa-la.

Póde o sr. presidente do conselho continuar o seu discurso.

O Orador: — Eu sinto que se tenha dado a esta questão as proporções que se lhe tem dado.

Quem saíu não saíu mal, e quem ficou tambem não ficou mal (apoiados).

E então para que é isto?

A verdade é que as cousas se passaram como eu as conto. E note-se que estavam no gabinete do ministerio do reino umas poucas de pessoas estranhas ao ministerio, que assistiram a tudo isto, e se tivessem voz n'esta casa não podiam deixar de declarar, como declararão de certo no logar em que podem fallar, que o facto se passou assim.

O sr. ministro das obras publicas escreveu o telegramma pela sua mão, em papel de telegrammas do ministerio do reino, que eu lhe dei a seu pedido; entregou o ao director das obras publicas, e disse-lhe «assigne e expeça»; e o director das obras publicas, depois de ter o telegramma na sua mão, voltou-se para mim e perguntou-me: «Mas por ordem de quem se ha de dizer que é expedido, se o sr. ministro declara que já não é ministro?...»

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Ouçam! Então que ha de notavel n'isto?

«Mas que hei de eu escrever no processo, perguntou-me o director das obras publicas?» Não comprehendi, lembro-me perfeitamente. «O sr. ministro, continuou o director, acaba de dizer que já não é ministro. Por ordem de quem se expede o telegramma?» E eu respondi-lhe: «Por ordem do conselho de ministros».

Aqui está o que se passou.

O sr. Luiz de Campos: — É prova de que o telegramma não estava expedido.

O sr. Presidente: — Tire as conclusões que quizer; porém não interrompa o orador.

O Orador: — Não estava expedido.

É possivel. Eu suppunha que o estava já quando se me fez a pergunta.

Eu nunca declino a minha responsabilidade (apoiados). Era resolução do conselho de ministros. E os meus collegas não são homens que declinem a responsabilidade dos seus actos; mas eu tomo-a toda para mim. (Vozes: — Muito bem.)

Queriam que declarasse que fui eu quem escreveu o telegramma, se não o escrevi? Queriam que dissesse que mandei escrever o telegramma, se não mandei? Agora o que nego é que tivesse aqui entrado a menor idéa de influencia eleitoral (riso).

O illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas, que está sentado n'esta sala, e sinto ter de dizer isto na sua presença, é muito digno de ser eleito por qualquer collegio do reino sem favor de ninguem (apoiados), e honrava todo e qualquer circulo que o elegesse; não sendo necessario prometter uma estrada ou praticar um acto que enlute a moralidade! para o fazer eleger. Se se tratasse de eleger um homem insignificante e desconhecido, de quem ninguem tivesse ouvido fallar, e cuja vida publica e particular não fosse um attestado a seu favor, passe; mas com o sr. Pinheiro Chagas não se precisava descer a estas miserias, como os illustres deputados dizem, para vencer a sua eleição; e a prova é que s. ex.ª creio que teve todos os votos no circulo eleitoral por onde foi eleito (apoiados).

Veiu uma deputação da Covilhã antes de todos estes factos, e essa deputação composta de uns poucos de cavalheiros nem uma palavra me disse a respeito de eleições; comprehendiam perfeitamente que me haviam de ferir muito se me viessem propor como condição para se vencer uma eleição, a feitura de uma estrada.

Vozes: — É verdade.

O Orador: — Nenhum d'elles fez isso; e quando se levantavam estas duvidas, declarou um d'estes cavalheiros: «que estava prompto a continuar á sua custa a estrada até estarem feitas todas as expropriações a que a camara se obrigava». Esta é a verdade; vinte mil habitantes da cidade da Covilhã e muitos outros que lá não pertencem, sabem perfeitamente que é a verdade que estou referindo.

Vozes: — É verdade.

O Orador: — Torno a dizer, em tudo isto houve uma tal dissidencia entre os ministros que ficavam e o ministro que saíu, que nós empregámos todos os meios para convencer o sr. visconde de Chancelleiros de que não insistisse no pedido da sua demissão, e effectivamente eu não julgava que houvesse motivo sufficiente para isso.

O cavalheiro a quem me refiro, emquanto foi nosso collega, não recebeu de nós nem podia deixar de receber, senão provas de consideração e estima, essas provas de consideração e estima acompanhavam-no depois que saíu do seio do gabinete, e nós não temos recebido de s. ex.ª senão provas equivalentes. Por consequencia, não se póde apresentar este facto como scissão violenta que tivesse logar no seio do gabinete, porque effectivamente não a houve. O illustre ex-ministro entendeu a questão de certa maneira, e estava no seu direito; nós entendemo-la de outra...

(Interrupção.)

Até podia saír por questão de menor importancia, e estava no seu direito.

Mas no que insisto, é que não houve fundamento nenhum que ferisse a sua dignidade, porque nenhum de nós era capaz de similhante procedimento; e se infelizmente isso tivesse acontecido, não continuaria a haver entre nós relações tão cordiaes (apoiados).

Estas desgraças succedem muitas vezes e é raro o ministerio em que não acontecem, mas só agora é que se elevam ás proporções a que se estão elevando, por que nunca, em tempo nenhum, se fez o que se está fazendo agora, levantando- se a proposito de tudo a questão politica! (Muitos apoiados.)

Vem aqui o governo com um projecto e a camara está no seu direito de o rejeitar. Não, senhor. Não é bastante. Alem da rejeição ha de ir logo um voto de censura ao governo por ter apresentado a proposta. Parece que o melhor voto de censura era a rejeição; mas, não, senhor, não se

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contentam com isso e aproveitam a occasião para apresentar um voto de censura ainda antes de approvarem ou rejeitarem a proposta.

Creio que é bastante o que tenho dito a respeito da questão da Covilhã. Não me recuso a dar as explicações que forem precisas, estou prompto a dar todas as que se exigirem.

O sr. Thomás de Carvalho: — V. ex.ª dá licença?

O Orador: — Pois não.

O sr. Thomás de Carvalho: — Desejava que v. ex.ª me dissesse simplesmente se o sr. ministro das obras publicas de então assistiu ao conselho a que v. ex.ª se refere?

O Orador: — Tanto estava, que elle mesmo declarou que já não era ministro quando entregou o telegramma ao director do ministerio das obras publicas.

O sr. Thomás de Carvalho: — Bem. Parece que v. ex.ª não contraria a minha pergunta, e eu desejo só declarar um facto.

Eu tenho aqui (leu).

O Orador: — É a primeira vez que tenho conhecimento d'essa apostilla, e por isso peço ao sr. deputado o favor de a ler outra vez.

O sr. Thomás de Carvalho: — (Leu).

O Orador: — Está conforme com o que eu disse.

O sr. Thomás de Carvalho: — Mas o que eu pergunto simplesmente, é se este a conselho de ministros, em que se decidiu esta questão, esteve presente o sr. ministro das obras publicas de então?

O Orador: — Tanto esteve presente, que declarou no momento em que entregou o telegramma, escripo pelo seu proprio punho, ao sr. director das obras publicas, que, d'aquella occasião em diante, já não era ministro.

O sr. Presidente: — Se o sr. Thomás de Carvalho não está satisfeito com as declarações do sr. ministro, tira d'ahi as illações que lhe parece, mas peço-lhe que não continue a interromper.

O sr. Thomás de Carvalho: — Mas v. ex.ª permitte que eu diga duas palavras?

O Orador: — Sim, senhor.

O sr. Presidente: — Mas eu é que não posso deixar continuar as interrupções. O sr. presidente do conselho, a quem dei a palavra, é quem tem direito de fallar.

O Orador: — A leitura d'esta apostilla está exacta com o que se passou, está inteiramente de accordo com o que eu tinha dito ao sr. Lourenço de Carvalho; não contraria em nada o que eu disse, e é antes mais uma confirmação do que acabei de expor e de que dou á camara a minha palavra de honra de que é a verdade.

(Interrupção que não se ouviu.)

O sr. Presidente: — Os srs. deputados querem insistir nas interrupções e eu não as posso consentir, porque o regimento da camara não as permitte...

O Orador: — Pela minha parte não me opponho a essas interrupções.

O sr. Presidente: — Eu é que não dou licença. Não a dá o regimento, não a dá a dignidade d'esta assembléa.

O Orador: — Eu entendo que fiz uma exposição tão circunstanciada, tão precisa e tão clara, que não ha necessidade de pedir mais explicações e de fazer mais perguntas (apoiados).

O illustre deputado, o sr. visconde de Moreira de Rey, não julgou ainda sufficientes os crimes que eu tinha commettido, e por virtude dos quaes devia saír do ministerio debaixo de um voto de censura asperrimo, como o ministro mais funesto que tem havido n'este paiz, e por isso entrou tambem no estudo da questão de fazenda e fez uma descoberta que realmente me surprehendeu.

A descoberta do illustre deputado é a de que eu fui o creador da divida fluctuante externa. Mas não pára ahi; fiz peior do que isso: desacreditei a divida fluctuante externa, porque tinha de pagar uma letra a Baring, e em logar de a pagar reformei-a. Eu tomei immediatamente nota d'esta proposição cerebrina, porque realmente caí das nuvens quando a ouvi. Disse logo então ao illustre deputado que elle estava atirando pedras ao ar e que lhe caíam todas sobre a cabeça. S. ex.ª ficou muito admirado, e eu fiquei ainda mais admirado da sua admiração, porque ao seu lado estava quem lhe podia dar a explicação do que eu dizia.

Como é que eu desacreditei a divida fluctuante? O illustre deputado não explicou isto bem, porque era impossivel, mas referiu-se a um emprestimo feito pelo sr. Fontes, e naturalmente queria dizer que esse emprestimo tinha sido feito principalmente para extinguir a divida fluctuante externa, e que em logar de ser applicado para isso, foi applicado para outra ordem de despezas do estado...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não é isso.

O Orador: — Então eu desejava saber o que era.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu explico, visto que o sr. presidente do conselho faz empenho n'isso. Foi em 1866.

O sr. Presidente: — Mas eu não consinto, porque acima do sr. presidente do conselho está o regimento d'esta casa.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — O regimento está hoje de uma crueldade terrivel. Nunca o vi assim.

O Orador: — Eu ouvi já bastante para poder responder. Pois eu era ministro em 1866? E demais eu não tenho idéa nenhuma de que o emprestimo de 5.500:000 libras fosse discutido em 1866. É mais uma das inexactidões do illustre deputado. S. ex.ª tem para as inexactidões uma coragem digna de melhor sorte. A minha memoria é de que o projecto para esse emprestimo foi apresentado em 1867.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — É o anterior, é o emprestimo de 6.500:000$000 réis em duas series.

O sr. Presidente: — O sr. deputado esteve fallando durante tres dias. Nunca foi interrompido pelo sr. presidente do conselho. Pague-lhe pois na mesma moeda, e rebata depois as suas asserções.

Vou responder de memoria, mas estou convencido de que ella ha de auxiliar-me melhor que a do illustre deputado o auxilia, porque o illustre deputado só tem memoria para dizer inexactidões (riso). Estou convencido de que apesar de não ter consultado os factos, porque eu não contava com isto, estou convencido que vou dizer á camara exactamente o que se passou.

Eu não era presidente da commissão de fazenda da camara dos pares em 1866. N'este anno veiu o ministro da fazenda de então pedir á camara uma auctorisação para um emprestimo do 6.500:000$000 réis.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Apoiado.

O Orador: — E eu combati essa proposta? Bem pelo contrario. Apresentei na commissão de fazenda uma modificação sobre o modo de levantamento d'estes 6.500:000$000 réis, e o ministro da fazenda d'essa epocha aceitou-a logo declarando, que ella não contrariava de fórma alguma o seu pensamento (apoiados). Eis como eu combati aquella proposta; aqui está como a contrariei.

Não era em 1866 que se vencia a letra de Baring a que o illustre deputado se referiu. Quando o illustre deputado se referiu a essa letra...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Referi-me a outra questão.

O Orador: — Mas a outra questão que tem intima ligação com esta.

O illustre deputado disse que o presidente do conselho tinha a gloria de ser o creador da divida fluctuante externa, e fazer peior que isso, de a desacreditar. E desacreditar porque? Porque vencendo-se uma letra de Baring em logar de a pagar reformou-a.

Ora eu peço ao illustre deputado, já que me obrigou a abrir aqui um parenthese, pois que veiu fallar na letra de Baring, licença, para lhe perguntar... Não pergunto, isto é maneira de argumentar, e não pergunto, porque o illustre deputado não me póde responder; mas permitta-me que lhe obser-

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ve, que se todos os ministros que reformam uma letra desacreditam a divida fluctuante, então digo-lhe, que não ha ministro nenhum n'este paiz que a não tenha desacreditado em larga escala (apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não vou contra isso.

O Orador: — Pois com isso faz uma grande injustiça ao chefe do seu partido (apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Paciencia (riso).

O Orador: — Faz uma grave injustiça porque todos as vezes, e chamo a attenção do illustre deputado e da camara para isto, todas as vezes que a um ministro vem propor-se a reforma de uma letra com uma grande reducção de juro, essa reforma, em vez de ser uma medida de descredito, é uma medida de credito (apoiados).

Em 1868 tinha eu a honra de ser presidente de conselho e era ministro da fazenda o sr. Dias Ferreira. E a este respeito eu podia, se o illustre deputado tivesse tido a condescendencia de pedir conselhos, podia dar lhe um...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não preciso de conselhos, nem peço que m'os dêem.

O Orador: — Pois faz mal (riso). Eu peço sempre conselho mesmo nas questões que entendo. Ainda mesmo nas questões que julgo saber, peço conselho aos homens que entendem e sabem mais que eu (apoiados), tenho essa pessima qualidade. O illustre deputado julga todos abaixo de si.

E agora vem aqui a proposito dizer, que espero em Deus que se não ha de realisar aquella ameaça que o illustre deputado fez de entregar a ingrata patria aos seus destinos, se o ministerio que vier depois d'este não satisfizer as aspirações do illustre deputado, se se verificar essa hypothese, o que Deus não permitta, o illustre deputado vela a face e entrega o paiz ás furias infernaes (riso), dizendo lhe «paiz perdido, que não quizeste aceitar os meus conselhos» (riso). Espero que isso não ha de acontecer, e que hei de ter ainda a grande satisfação de ver o illustre deputado sentado nos bancos dos ministros realisar as excellentes medidas, que tem indicado, á frente do seu numeroso partido (hilaridade geral).

A epocha financeira de 4 de janeiro de 1868 a 22 de julho d'esse anno, de que foi ministro da fazenda o sr. Dias Ferreira, é uma das epochas que me parece que não póde envergonhar nenhuma administração.

A primeira letra que se vencia era um supprimento de cem mil libras; era uma letra a favor do Crédit Lyonnais. O sr. Dias Ferreira não se póde esquecer do que houve a este respeito, e que s. ex.ª refere no seu relatorio de 27 de abril de 1868.

Este adiantamento de 100:000 libras tinha sido feito ao juro de 12 por cento, e nas proximidades do vencimento propoz o Crédit Lyonnais a sua reforma na rasão de 10 por cento.

Ora, é preciso saber, e este relatorio tambem o leva á ultima evidencia, que em 31 de dezembro de 1867, por circumstancias que é inutil referir aqui, e que nem levemente podem ferir a susceptibilidade do illustre cavalheiro que n'essa epocha geriu a pasta da fazenda, nem por fórma nenhuma servir de fundamento para desmerecer ou deslustrar a sua boa gestão dos negocios publicos; em 31 de dezembro, digo, por circumstancias que é inutil referir, do emprestimo das 5.500:000 libras havia apenas livres 1.604:063 libras, as quaes estavam obrigadas a encargos que montavam a 2.030:000 libras; portanto havia um deficit pera o thesouro, só com relação aos encargos externos, de 426:000 libras, approximadamente 2.000:000$000 réis, e alem d'isso havia a necessidade de fazer face ao deficit do 2.º semestre do anno economico de 1867-1868, ou 1.° semestre do anno civil de 1868. N'esta situação nada mais natural do que ser bem recebida pelo governo a proposta que espontaneamente lhe fazia o Crédit Lyonnais, para reformar a letra de 100:000 libras, com o juro de 10 por cento, quando o juro primitivo era de 12 por cento.

O sr. ministro da fazenda fez-me a honra de me consultar a este respeito; e eu aconselhei s. ex.ª que respondesse ao Crédit Lyonnais: «que lhe ficava muito obrigado, mas que não podia aceitar a proposta, porque tinha no paiz dinheiro mais barato».

O telegramma que n'este sentido foi expedido é conhecido do publico, não só pelos discursos que proferi na camara dos Pares, da qual tenho a honra de ser membro, mas tambem porque foi citado pelo sr. ministro da fazenda, quando tratava n'esta camara de explicar e defender actos seus, o que fez com muita vantagem.

O Crédit Lyonnais, vinte e quatro horas depois, replicou a este telegramma, dizendo: «Nós desejâmos manter com v. ex.ª as melhores relações; diga v. ex.ª quaes são as suas condições, que talvez ellas nos convenham».

O sr. ministro da fazenda respondeu que as nossas condições eram 6 por cento por anno, sem nenhum outro encargo. O Crédit Lyonnais uma hora depois responde: «Nós aceitâmos».

Perguntarei agora ao sr. visconde de Moreira de Rey, se uma reforma de letra feita n'estas condições é um descredito para o nosso thesouro, ou se não é antes uma medida de credito?...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu lhe direi.

O Orador: — Estimarei muito ouvir o sr. deputado. Ha de ser uma cousa bonita e curiosa ver demonstrar que esta reforma foi uma medida de descredito, quando ella reduziu os encargos do thesouro de 12 a 6 por cento sem commissão.

Vozes: — É verdade.

O Orador: — Na verdade admira tanta coragem! Eu declaro francamente a v. ex.ª, sr. presidente, que é com interesse que estou assistindo a todas estas scenas que se estão aqui passando, e que todos presenciâmos.

Ora, d'esta medida resultou que o sr. ministro da fazenda pôde fazer operações vantajosas, de que já deu conta no seu relatorio, operações que foram feitas com juro muito moderado, tendo em attenção as circumstancias em que estava o nosso thesouro.

Reformas d'esta natureza não são descredito para o governo que as faz; ao contrario, são medidas de grande credito (muitos apoiados). Estão no caso do governo que entende dever pagar uma divida que vence o juro de 6 por cento, e trata de crear para este fim titulos com o juro de 4 por cento; e diz aos possuidores dos titulos de 6 por cento: «O governo está prompto a embolsar-vos do capital dos vossos titulos, com dinheiro, ou com titulos de 4 por cento ao par». E elles aceitam os titulos de 4 por cento. N'este caso é claro que o thesouro fica alliviado de uma grande parte dos encargos que pesavam sobre elle, e por consequencia, effectuou uma operação de verdadeiro credito.

Se o illustre deputado não foi feliz n'esta accusação que me dirigiu, espero que o não será tambem na réplica que me está preparando (riso); parece me que foi igualmente infeliz na parte do seu discurso em que quiz metter a ridiculo o pagamento dos juros das inscripções nas capitaes dos districtos administrativos.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Onde eu o queria era nas juntas de parochia (riso).

O Orador: — E era uma grande fortuna, que tambem o illustre deputado não comprehende; e eu admiro-me de que s. ex.ª não comprehenda isto tudo.

Pois era uma desgraça que se pagassem nas parochias aos possuidores de inscripções, se os houvesse, os juros das que possuissem?!... Pois o illustre deputado, se vivesse n'uma localidade que estivesse a 2 ou 3 leguas de distancia da capital do concelho, e a 6 ou 7 da capital do districto, não estimaria muito que lhe fossem pagar á sua porta os juros das inscripções que possuisse?!...

O illustre deputado julga isto ridiculo, e diz ao ministro

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que o fez: «vá-se embora, que é um ministro nefasto, inerte e inepto, e não comprehende nada d'isto».

Com impugnadores d'esta força não ha ministerio que possa caír (riso — apoiados).

E o illustre deputado está aqui a dizer que se tem esgotado todos os meios para fazer caír este ministerio; mas os meios são d'esta força (riso — apoiados).

Ha, comtudo, para isso um meio simplissimo: é uma votação da camara (apoiados). Isto é que é constitucional (apoiados).

Pois sae lá um ministerio das cadeiras que occupa, porque vem aqui um deputado declarar que elle desacreditou a divida fluctuante por ter reduzido os encargos d'ella?!... Em que paiz estamos nós?!...

Que se diria lá fóra da nossa civilisação, se um ministerio deixasse as suas cadeiras, por um deputado vir aqui dizer que esse ministerio era nefasto, poque mandára pagar os juros das inscripções nas capitaes dos districtos administrativos?!...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Ora, pelo amor de Deus!

O Orador: — Pelo amor de Deus, digo eu (riso).

O illustre deputado está a envolver-se em travessas, em atalhos que não podem senão prejudica-lo, e concorrer mesmo para o seu descredito, porque ninguem póde tomar a serio argumentos desta força (apoiados), quando s. ex.ª tinha á sua disposição um meio simplissimo: era uma moção de censura ao governo.

A camara approvava essa moção de censura, e o governo via logo o que tinha a fazer; a camara assumia immediatamente a responsabilidade da crise, e o governo ficava desonerado d'essa responsabilidade, entregando o poder áquelle de quem o recebeu.

O governo, porém, que em presença de argumentos d'esta natureza entregasse o poder... nem eu quero dizer como é que ficava.

É necessario que todos se persuadam de que o governo não póde entregar o poder senão constitucionalmente (apoiados).

Pronuncie-se a camara contra elle; a camara toma immediatamente sobre si a responsabilidade da crise que provoca, e o governo apresenta-se perante o paiz, dizendo: «Cedi diante da manifestação dada pela camara que vós elegestes.» (Apoiados — Vozes: — Muito bem.)

Recorra o illustre deputado a este meio; se já tivesse recorrido a elle, escusava eu talvez de estar agora aqui a fallar cheio de dores, o que o illustre deputado podia portanto talvez ter-me poupado.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — As dores, não; a argumentação.

O Orador: — A argumentação que exarceba as dores.

Essa medida, note a camara, essa medida que foi tomada por um governo inintelligente; essa medida nefasta, que de mais a mais é adoptada lá fóra, onde não se entende nada d'estas cousas, tem sido mantida desde que esse governo a levou á execução, por ministros da fazenda que se chamam Casal Ribeiro, Lobo d'Avila e Fontes Pereira de Mello.

Todos a mantiveram, e portanto o illustre deputado creio faria um grande serviço, sobretudo aos possuidores de inscripções no interior do paiz, se viesse propor a sua revogação.

Está-me parecendo que essa proposta não tinha senão o seu voto.

Quer a camara saber qual é a somma de inscripções que já está no interior do reino, em vista da importancia dos juros do segundo semestre de 1869, que é o ultimo que está publicado com os documentos do relatorio da junta do credito publico? Por esse relatorio demonstra-se que n'esse segundo semestre se pagaram de juros 415:000$000 réis, isto nas capitaes dos districtos; e alem d'isso nas capitaes das comarcas pagaram-se 70:000$000 réis, e no ultramar,

porque até em Angola se está pagando juros das inscripções, pagou-se 1:725$750 réis. O que tudo representa um capital de 32.000:000$000 réis de inscripções, que hoje estão no interior do reino, o que contribue, e contribue consideravelmente para o credito d'aquelles papeis.

Mas ainda ha mais alguma cousa altamente importante para um ministro da fazenda (e sobretudo para um ministro da fazenda inepto como eu), e que o paiz não póde deixar de ter em vista.

Não vae longe o tempo, e fallo diante de alguus cavalheiros que ainda se lembram d'isto, em que o thesouro vergava sob o peso de um grande deficit. Qual era a medida que muita gente aconselhava? A bancarota. Dizia-se, que nos importam as inscripções se ellas estão só nas mãos dos agiotas de Lisboa e de alguns do Porto? Hoje já ninguem diz isto. Estes 32.000:000$000 réis de inscripções derramados no interior do paiz têem feito destruir a idéa barbara da bancarota.

É a medida mais funesta a que o paiz podia recorrer para se salvar dos seus embaraços financeiros! (Apoiados.)

Sem o pagamento dos juros das inscripções no interior do paiz, não se poderia levar a effeito a importantissima medida de desamortisação, que tão grandes resultados tem produzido.

Eu já referi á camara, que o primeiro ministro que teve a audacia de apresentar um projecto de lei de desamortisação, fui eu em 1857; projecto modestissimo, assignado pelo sr. duque de Loulé como ministro do reino, e por mim como ministro da fazenda; esse projecto limitava se a isto. Os bens que as corporações alienassem por inscripções não pagariam o imposto de transmissão; e pela licença que lhes devia ser passada pelo ministerio do reino para essa subrogação, não se pagaria emolumento algum.

Este projecto não pôde passar, tal era a opposição á desamortisação. Este projecto não passou; aqui me diz o sr. visconde de Montariol, que o combateu.

O sr. Visconde de Montariol: — Apoiado.

O Orador: — E hoje s. ex.ª não o combatia. Apesar d'isso em 1858 eu insisti, era então ministro da justiça, e vim apresentar um projecto de desamortisação mais largo, e esse projecto servia de base á lei de 4 de abril de 1861. Mais tarde, em 1862, apresentei ainda outro projecto de desamortisação, que uma administração de que eu não fazia parte, pôde fazer converter em lei do estado.

O que todos nós receiavamos era que as corporações interessadas na desamortisação se oppozessem, preferindo conservar os bens que estavam de posse a inverte-los em inscripções em que não acreditavam; mas quando viram que os juros das inscripções se pagavam com toda a pontualidade nas capitaes dos districtos, porque era então aonde só se fazia esse pagamento, e que indo aos recebedores, recebiam pontualmente os juros das inscripções averbadas em seu nome, esta reacção desappareceu e hoje a desamortisação está muito bem aceita em toda a parte.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Pede-se com instancia em larga escala, e na repartição competente não se póde satisfazer a todos os pedidos.

O Orador: — Portanto aqui tem a camara como o illustre deputado me veiu combater precisamente por uma das medidas que eu adoptei, que é hoje lei do paiz, e que todos os ministros da fazenda têem aceitado, porque está produzindo resultados importantissimos de que acabo dar conhecimento á camara.

Nada d'isto era bastante; foi tambem necessario recorrer ao sentimentalismo contra o governo; e o illustre deputado veiu dizer e repetiu muitas vezes — todos os crimes que se commetteram n'este paiz, por occasião das eleições, foram ordenados pelo ministro do reino, foram consentidos pelo presidente do conselho, foram approvados pelo presidente do conselho.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Apoiado.

O Orador: — Mandou derramar sangue; e se em algu-

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ma parte não foi derramado, não foi por sua vontade, porque elle queria que se derramasse: e o illustre deputado citou principalmente Mirandella, Macedo de Cavalleiros e Vouzella para provar que ahi se tinha derramado sangue, e que o governo o tinha mandado derramar.

Não ha ninguem mais opposto a derramamento de sangue do que eu (apoiados). A verdade é que esta asserção me fez estremecer. Eu sanguinario?! Sou sanguinario sem o saber. Aonde viu o illustre deputado derramamento de sangue? Em Macedo de Cavalleiros?

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não tem visto nada.

O Orador: — Se não tenho visto cousa alguma, porque é que o illustre deputado não me esclarece, dando uma prova do derramamento de sangue em Macedo de Cavalleiros?

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — O sr. presidente não deixa (riso).

O Orador: — Muito bem; como o illustre deputado tem que responder, faça favor de apresentar a prova do derramamento de sangue em Macedo de Cavalleiros, e sobretudo se foi o governo que o mandou derramar.

Tambem em Vouzella não tive conhecimento que houvesse derramamento de sangue.

Os srs. Luiz de Campos e Bandeira Coelho: — Houve.

O Orador: — Não tive conhecimento d'isso.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Ha até um processo crime intentado no poder judicial.

O Orador: — Se assim é esperem a sentença do poder judicial.

Em Mirandella foi tambem o governo que mandou derramar sangue do creado de um candidato, cuja eleição era protegida pelos amigos do governo? Foi o governo que o mandou assassinar? (Apoiados.) Pois o sr. Visconde de Moreira de Rey não sabe que o assassino está preso? E se attender ás circumstancias que occorreram n'essa occasião, e sobretudo esta de que o assassinado era creado do candidato protegido pelos amigos do governo, era absurdo, archi-absurdo que fosse o governo que mandasse fazer desordens, de que resultou o assassinato d'esse homem: pelo amor de Deus não argumentemos assim.

Seria tambem o governo que lá mandou roubar a urna? Todos estes factos estão entregues ao poder judicial, e os illustres deputados podem esclarecer-se com as decisões d'esse poder.

O governo mandou derramar o sangue, e para que? Para perder as eleições? (Riso.) E riem-se d'isto, realmente é objecto de riso, mas não era n'esse sentido.

Ia-me esquecendo de responder a um ponto em que tocou o illustre deputado com relação ás conferencias, sobretudo ha uma phrase que não pude deixar de escrever nos meus apontamentos. O illustre deputado gostou d'ella e repetiu-a por mais de uma vez.

Disse s. ex.ª — é com o sentimento de pudor que tenho estado a dar esta lição aos srs. ministros: custa-me a estar a ensinar isto que é elementar! Pois eu digo ao sr. deputado que a doutrina que estive expondo não foi só aos ministros que a ensinou, mas a muitos jurisconsultos distinctos que n'esta questão estão inteiramente do lado do governo (apoiados), e que sustentam uma doutrina contraria á do illustre deputado. É necessario não empregar proposições d'estas quando é sabido que um cavalheiro muito distincto, e cujo nome não quero pronunciar, e a camara sabe a quem me refiro, está inteiramente de accordo com o governo nas providencias que foram adoptadas (apoiados).

«Tenho vergonha de me ver obrigado a estar a ensinar isto aos ministros», disse o illustre deputado.

Mas o illustre deputado já declarou que não toma conselhos de ninguem; quer dizer não considera ninguem superior a si ou igual. Pois eu peço conselhos muitas vezes mesmo áquelles que supponho que sabem menos do que eu.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Isso é difficil.

O Orador: — Tem rasão o illustre deputado. Eu não sei nada. Levo a minha modestia até ao ponto de o reconhecer e confessar com toda a humildade (riso).

O illustre deputado não tem essa modestia.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Isso é modestia?

O Orador: — Modestia é talvez o contrario. É preciso alterar o diccionario, dar a certas palavras outra accepção do que a que têem.

Quando esta questão aqui vier, afigura-se-me que ao illustre deputado ha de custar a fazer face aos argumentos que esses homens, que o illustre deputado julga muito abaixo de si, produzirem.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Não julgo tal, o que julgo é a escola reaccionaria.

O Orador: — E a que escola pertence o illustre deputado? Havemos de apurar essa questão.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Pertenço á contra-reacção.

O Orador: — Eu pertenço á escola reaccionaria e o illustre deputado á escola progressista! Mas onde estão as suas provas? (Apoiados.)

Não basta vir aqui um homem, não quero dizer desconhecido; não é esta a palavra, ía-me escapando não o pronunciei (riso).

Não basta vir aqui um homem, seja elle quem for, dizer, «sou liberal e o sr. fulano é reaccionario». É necessario ver se se diz que ê progressista, se tem dado provas de o ser, e se se diz que é reaccionario o homem a quem se fez esta imputação, cuspindo-lhe nas faces como uma injuria.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Eu não me referi a pessoa alguma, mas apenas á doutrina da portaria, e ás que consignei na minha substituição.

O sr. Presidente: — A camara apreciou o discurso do sr. deputado, e não carece agora de fazer segunda edição e commentarios. Por consequencia, torno a pedir ao sr. deputado que não interrompa o orador.

O Orador: — Sr. presidente, doutrinas reaccionarias, disse o illuste deputado. É preciso que s. ex.ª e a camara saibam que ha doutrinas que são reaccionarias em uma certa epocha, e que são altamente conservadoras e liberaes em outras epochas.

Se o illustre deputado estivesse em París, e tivesse a responsabilidade do governo contra a communa, havia de comprehender que, quando se trata de combater um inimigo que declarou guerra á familia, á sociedade, a Deus; que incendiou os monumentos, as bibliothecas, as collecções que representavam os progressos da civilisação e das artes, que empregou o petroleo para conseguir os seus fins; que insinua aos seus adeptos que destruam tudo quanto existir, e que quando não podérem atacar de frente a sociedade, recorram ás conferencias por meio de associações; que quer a abolição do casamento; que quer a abolição da familia, a abolição da propriedade, que préga o atheismo...

O sr. Luiz de Campos: — Sr. presidente, se está em discussão a communa, peço a palavra.

O Orador: — Não está em discussão a communa, mas preciso responder ás accusações que se me fizeram.

Sr. presidente, eu não espero que haja n'esta casa quem defenda a communa.

Vozes: — Ordem, ordem.

O sr. Luiz de Campos: — V. ex.ª está fazendo insinuações que não tem direito algum para fazer (muitos apoiados).

(Susurro.)

O sr. Francisco de Albuquerque: — Sr. presidente, v. ex.ª tenha a bondade de chamar o sr. presidente do conselho á ordem, não póde estar a dirigir insinuações á camara.

O Orador: — Não faço insinuações a ninguem...

(O susurro continua, e o presidente toca a campainha e chama os srs. deputados á ordem.)

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Chame v. ex.ª o sr. Presidente do conselho á ordem (apoiados).

O sr. Luiz de Campos: — V. ex.ª está insultando a camara...

O sr. Falcão da Fonseca: — Não insultou ninguem, ordem, ordem.

O sr. Presidente (tocando de nova a campainha): — Peço ordem a todos os srs. deputados. O sr. deputado por Vizeu dirigiu-se a mim, perguntando se estava em discussão a communa; o sr. presidente do conselho está respondendo áquelles que trataram das conferencias, e está perfeitamente na ordem (muitos apoiados).

O sr. Luiz de Campos: — Mas não póde fazer insinuações.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Eu peço a palavra: é um insulto dirigido á camara.

(Augmentando o susurro disse)

O sr. Presidente: — Está levantada a sessão, e a ordem do dia para ámanhã e a continuação d'este debate, devendo na primeira parte continuar a discussão do projecto que estava dado.

Eram cinco horas da tarde.

Rectificação

Declara-se que o sr. deputado Eduardo Tavares esteve presente á sessão de 23 de agosto.

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