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1588 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Nação, e sobre os quaes a mesma nação tem o direito de fiscalisação rigorosa, porque alguns d'esses bens representam paginas brilhantes da nossa historia passada. Basta lembrar, por exemplo, a custodia de Bellem, tantas vezes alludida aqui pelo meu amigo e collega, o sr. Rodrigues de Freitas.
Não sabe, alem d'isso, toda a gente, porque consta de documentos officiaes, que ha objectos preciosissimos sob o ponto de vista historico, como eram, por exemplo, as armaduras dos duques de Bragança, e que estes objectos foram vendidos não ha muito tempo a peso para sucata?! Não sabe toda a gente que outros monumentos igualmente preciosos são considerados na casa real como não tendo valor algum, e estão por isso ameaçados de levarem o mesmo caminho que as armaduras dos velhos duques, ascendentes da actual dynastia?!
Ora, se a casa real não sabe, não quer ou não pode zelar a integridade de objectos aos quaes estão ligados paginas importantes da historia da familia reinante portugueza, tenho o direito de suspeitar que para objectos, aos quaes não andem conjunctas tradições, que lhe devam ser tão caras, não haverá o cuidado a que aliás tem direito tudo quanto é propriedade da nação, e de que apenas a coroa possue um usufructo, que amanhã, por uma lei, lhe póde ser retirado!
Mas a respeito do inventario da casa real tenho ainda que dizer alguma cousa, sr. presidente, pois com elle se deu um facto que merece ser aqui relembrado e que mais uma vez veiu patentear a fórma como n'este paiz se cumprem á risca os preceitos da carta constitucional... por parte dos altos poderes do estado, entende-se!
A lei é igual para todos, diz-se, com effeito, no nosso codigo fundamental, quer castigue quer premeie, e todos lhe devem obediencia, quer estejam na ultima escala da sociedade, quer, pelo contario, se levantem ás mais altas epheras da riqueza ou do poder. Muito bem! Vejamos como este preceito é cumprido pela casa real, isto é, pela propria corôa, que, segundo a definição da carta, é a chave de todo o nosso organismo politico.
Ha uma lei, que tem a data de 10 de julho de 1855 e que diz no seu artigo 8.º:
«Proceder-se-ha a inventario judicial dos bens da corôa immoveis e moveis, mencionados nos artigos antecedentes, avaliando-se os terrenos productivos e os moveis susceptiveis de deterioração, e fazendo dos objectos preciosos uma exacta descripção. Nos archivos das camaras legislativas serão depositadas copias authenticas do mesmo inventario, e uma outra no archivo da Torre do Tombo».
N'este afan de deixar dormir no limbo dos archivos as mais claras e categoricas disposições das leis, que dizem respeito ás obrigações e deveres da casa real, transformando este desprezo systematico em uma invariavel norma, de conducta, vinte e quatro annos se passaram sem que cumprissem as determinações do artigo 8.º da lei que acabo de citar. Um dia, porém, sr. presidente, aconteceu o que está acontecendo hoje, com esta discussão por mim provocada!
Entrou na camara um deputado republicano, o meu querido amigo o sr. Rodrigyes de Freitas, e em sessão de 23 de abril de 1879 pediu á mesa que lhe desse conhecimento da copia do inventario dos bens moveis e immoveis em usufructo da coroa, a qual segundo as disposições preceptivas da lei de 10 de julho de 1855 devia estar depositada no archivo da camara. Levantou-se então o sr. Rodrigues de Freitas e leu á camara a disposição clara e terminante da lei. O sr. Antonio de Serpa, que n'essa occasião era ministro da fazenda, affirmou mesmo no dia seguinte que, apesar de a lei ser perceptiva e clara n'esse ponto, e entendendo elle proprio que era de altissima conveniencia fazer-se o inventario, todavia esse inventario não existia!!
Em seguida a esta declaração o sr. Rodrigues de Freitas apresentou uma noção que a camara, honra lhe seja, (e digo isto já que infelizmente o cumprimento de um dever é caso de honra n'estes tempos que vão correndo), votou por unanimidade. A moção era redigida n'estes termos:
«A camara dos deputados da nação portugueza confia em que será immediatamente cumprido, em toda a sua extensão, o artigo 8.º da lei de 10 de julho de 1855, ácerca do inventario judicial dos bens da corôa de Portugal.»
conforme eu disse, sr. presidente, a camara votou por unanimidade esta noção, apresentada por um deputado republicano.
Seis annos se passaram sobre tal votação. Mas onde está o inventario da casa real?
Bem sei que o sr. ministro da fazenda nos documentos que me enviou se referiu tambem a este ponto.
O sr. ministro remetteu á camara, a meu pedido, a copia de um officio do sr. administrador da casa real, no qual se diz que o inventario está seguindo os seus tramites.
Citarei as proprias palavras por que começa o referido documento:
«Illmo. E exmo. sr. - Tenho a honra de accusar a recepção do officio de v. exa. de 20 do corrente mez (março de 1885), e em resposta cumpre-se dizer-lhe que em virtude do officio de 17 de dezembro de 1879, dirigido por esta administração ao exmo. se. ministro e secretario de estado dos negocios da fazenda, da resposta ao esmo officio de 19 de janeiro de 1880, e do parecer do procurador geral da coroa, requeri n'aquella epoca ao meritissimo juiz da Sexta vara para começar o mesmo inventario, etc.»
Confrontem-se bem estas datas e ver-se-ha quando e em que circumstancias a casa real mandou proceder ao inventario dos bens moveis e immoveis a que era obrigada por uma lei votada havia vinte e cinco annos! Foi depois do sr. Rodrigues de Freitas Ter levantado esta questão no parlamento, e de o mesmo parlamento se Ter visto obrigado, em presença da condemnação severa feita por aquelle illustre deputado, a acceitar por unanimidade a moção que um republicano tinha apresentado!
Já vê v. exa., sr. presidente, como a casa real tem, pelos seus precedentes, direito a que a nação, que está nadando n'um mar de dinheiro, ao que parece, lhe faça mais esta dadiva!
Mas ha mais ainda, senhores deputados.
Francamente, contraria-se bastante occupar por tanto tempo a attenção da camara, mas, estou cumprindo com um dever indeclinavel, e quando se trata de desempenhar deveres, não se póde olhar a considerações de qualquer ordem que sejam!
Eu sei que muitas das minhas palavras hão de soar de um modo extranho aos ouvidos dos deputados monarchicos que me escutam! Mas que querem s. exas.?! Está tão bem quando se falla á vontade, isento de todos os compromissos, que ahi, n'esses bancos, a tantos de vós acorrentam, e quando se póde levantar bem alto a cabeça porque só se obedece ás determinações da consciencia e ao mandato dos eleitores, que eu, pondo de parte os desejos que teria de ser breve e agradavel á maioria, continio no desempenho do meu dever!
Á casa real não lhe falta simplesmente o inventario, não tem sómente deixado de liquidar as suas dividas á fazenda. tambem não possue orçamento de despeza, apesar de receber do estado enormes quantias, superiores ás consignadas para muitos serviços publicos importantes!
Se v. exa., sr. presidente, abrir o orçamento geral do estado para o anno economico de 1885-1886, vê, como eu vi, que insignificantes orçamentos, com verbas minusculas de 20$000 ou 30$000 réis de despeza, pertencentes a estabelecimentos pios, misericordias e recolhimentos, ali se encontram descriptos com toda a clareza.
Pois a casa real, que absorve 657:806$750 réis, isto é