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SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1885 1593

é verdade, e bastante fundamentado como tambem era importante e grave o facto sobre o qual esse protesto havia de recair.
Eu bem sei que o sr. relator e o sr. ministro da fazenda, levantando-se após de mim, dirão que tudo quanto eu affirmei, embora corroborado por documentos officiaes, e um mero erro; que estou illudido ou quero illudir os que me escutam; que me colloquei n'um campo que não tem nada de commum com o campo monarchico constitucional em que elles se acham; que as palavras que proferi, ditas por mim, podem justificar uma opinião mais ou menos preconcebida, mas pouco tem que ver com a discussão serena e fria do assumpto; e a maioria apoiara freneticamente a replica do sr. ministro, ou a do sr. relator, e eu hei-de vêr, não direi com desgosto, porque não estou por emquanto aqui para vencer, mas para protestar, que não é tomado em consideração o meu projecto, e que dentro em pouco será votada quasi por unanimidade a proposta do sr. ministro da fazenda! Não e necessario possuir o dom de uma grande previdencia, para adivinhar isto que vae succeder!
Mas, senhores deputados (já que se tem fallado n'esta camara tantas vezes em francez, permitta-se me que eu tambem cite algumas palavras n'este idioma) ha tambem um proloquio bem applicavel á actual conjunctura e que diz: - «rirà bien qui rira le dernier». Quem vier depois, sr. presidente, e esta e a paraphrase, dirá qual a ultima palavra ácerca d'este malfadado assumpto!
Os ministros passam, e a nação fica; mas os erros accumulados durante tão largos annos vão-se successivamente preparando para produzir os seus resultados impreteriveis!
Sempre aconteceu assim, e sempre assim ha de acontecer, porque a logica dos movimentos sociaes e inilludivel, e a fatalidade da historia e inexoravel!
E como se tem fallado tantas vezes tambem em historia n'esta casa, e tantas vezes se tem aqui aberto as suas paginas, seja-me permittido que eu lembre um profundo vaticinio historico a esta maioria que está com tão grande afan de votar sem perda de tempo este projecto, no que faz bem.
A maioria, a exemplo do governo e da illustre commissão de fazenda, entende que não deve ficar atras em primores de alta cortezania, como são altas e cortezãs as pessoas que este projecto vae beneficiar!
Mas tornando ao vaticinio a que acabo de alludir, recordo me do dito celebre de um politico tambem bem celebre: que o passado da França era o futuro de Portugal...
O sr. Agostinho Lucio: - Isso é de João Felix Pereira.
O Orador: - Ignorava que o sr. Lucio fosse tão lido n'este auctor, pelo que o felicito, mas tenho o desgosto de dizer-lhe que as palavras que citei não são originaes d'elle. Copiou esse dito de um distincto escriptor francez, como copiou outros de muito menos valor.
Já que sou, porém, chamado a este terreno, lembrarei á camara alguma cousa mais do que o simples e laconico prognostico que parece não ter agradado ao meu collega.
Recordarei uma pagina muito eloquente e muito conhecida, e que até o sr. Agostinho Lucio, que é tão lido na historia de João Felix Pereira, lá póde encontrar.
Na ultima metade do seculo XVIII, senhores deputados, e na ultima metade do reinado de Luiz XVI, diz João Felix Pereira, (ora veja o sr. Lucio que grande serviço prestou á minha memoria com a sua interrupção!) que havia uma corte em Frahga que successivamente se tinha divorciado da opinião publica, que até ahi parecia tel-a acompanhado com o seu favor.
Essa côrte entendeu, e bem mal, como depois o futuro lhe mostrou, que se devia por todas as formas oppor as legitimas reivindicações da nação e que no uso e abuso das prerogativas que uma tradição secular lhe tinha concedido, devia continuar a separar-se cada vez mais do espirito da França, e devia principalmente, sem lhe importar o resto do paiz, que soffria em silencio, provocar pelas suas loucas prodigalidades resistencias cada vez maiores, que ella no seu egoismo não queria presentir, seguindo o tradicional aphorismo de Luiz XV, Après moi, le déluge!
Tambem João Felix fez essa citação, sr. Agostinho Lucio. (Riso.)
Chegou um dia, porem, em que as difficuldades surgiram, chegou um dia em que esses erros accumulados ameaçavam explosão, e a corte viu-se obrigada a demittir os seus antigos ministros e a chamar aos conselhos da corôa um novo governo, não com o intuito patriotico de satisfazer as legitimas aspiragoes do paiz, mas unicamente com o pensamento reservado e egoista de salvar-se, simulando querer salvar a França.
Foi então chamado Turgot, de quem muito pouco falla João Felix, (Riso.) apesar de ser muito conhecido este nome de todos os que me escutam; Turgot, saudado pelos proprios monarchas absolutos da Europa, como Maria Thereza, de Austria e Frederico Grande, da Prussia, Turgot, o maior estadista do seu tempo e um dos chefes da nova escola economica, que tão grandes serviços prestou a sciencia do governo nos ultimos annos do seculo passado. O grande ministro, apenas chamado ao poder poz hombros a regeneração das finanças francezas; lutou e lutou muito. Emquanto lutou, sr. presidente, para por a França (como se diz, servindo-me de uma liberdade que não offende o decoro e a dignidade da camara) no são, a côrte regosijava-se com a sua obra, esperando mais tarde poder fazer reverter em seu proveito o resultado d'esse sacrificio imposto com rara energia ao paiz.
Mas um dia, sr. presidente, apresentaram a Turgot um cheque particular da Rainha Maria Antonietta, para elle, na sua qualidade de ministro das finanças, descontar; era de alguns milhões! Turgot negou-se a acceder a tal pedido, porque entendeu, e muito bem, que o dinheiro da nação não devia servir para dotar aias mais ou menos queridas, para gastar em toilettes luxuosas e superfluas, e para despender em todos esses caprichos feminis que a historia aponta como tristes episodios, em meio das tempestades que se levantaram nos ultimos dias da monarchia, em volta do throno de Luiz XVI! Turgot, porem, no fim de tres dias estava demittido por uma conspiração de palacio.
A côrte, sr. presidente, não se sentindo ainda segura, quiz fazer uma transacção. Não ousou chamar novamente aos conselhos da corôa esse que tinha derrubado, mas tão pouco julgou chegado o tempo para se lançar nos antigos desvarios que tinham precedido a ultima crise. Chamou Necker que na côrte era considerado mais malleavel do que o ministro demissionario.
Necker era mais cortezão do que Turgot; mas ainda assim passava por ser um distincto economista e um habil financeiro. Sobretudo era bastante honesto para deixar de se oppôr ao desregramento das despezas que arruinavam as finanças da França, desregramento motivado principalmente pela nefasta influencia da côrte, que em tudo dominava!
Necker representava o credito, assim como Turgot havia representado a economia. Do mesmo modo que Turgot, Necker lucta com os parlamentos, lucta com os altos empregados financeiros, lucta com os privilegios da nobreza, lucta com o clero, e sustenta-se! Mas um dia chega a vez de luctar com a côrte, e apresenta um projecto de reforma da casa real. Foi o bastante para que a camarilha se insurgisse, e Necker caíu!!
Diz-nos a historia que então a corte já cansada d'estes pesadellos continuados, achando insuportavel estar em contacto com puritanos da tempera de Turgot e Necker chamou ao ministerio Calonne, de quem não quero fazer o retrato politico, porque tenho receio de que as approximações sejam demasiadamente frisantes para alguem que o sr. ministro da fazenda conhece muito.