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SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios-os exmos srs.
Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Officio do ministerio do reino, acompanhando o decreto que proroga as côrtes geraes ordinarias até ao dia 11 do proximo mez de junho; outro officio do mesmo ministerio acompanhando uma representação, e outro do sr. F. A. Tavares, inventor do telegrapho militar, participando em que dia se realisa a experiencia do mesmo telegrapho. - Requerimentos de interesse publico apresentados pelos srs. Consiglieri Pedroso, Rocha Peixoto, Luiz José Dias e Dias Ferreira. - Justificações de faltas dos srs. Urbano de Castro e Rocha Peixoto. - O sr. Arroyo manda para a mesa um parecer da commissão de fazenda e defende o administrador da Povoa de Varzim, que tinha sido accusado pelo sr. Alves Matheus em uma das sessões passadas. - 0 sr. Fuschini chama a attenção do governo para o facto de grassar o cholera em Hespanha. - Responde-lhe o sr. ministro da fazenda. - Mandam para a mesa pareceres de commissões os srs. Luciano Cordeiro e Correia Barata. - 0 sr. Sant'Auna e Vasconcellos agradece as declarações feitas pelo sr. ministro da fazenda em uma sessão anterior, em referencia á Madeira, e manda para a mesa um projecto de lei. - Manda para a mesa um parecer de commissão o sr. José de Novaes. -Entra em discussão o projecto de lei n.° 33, que é combatido pelo sr. Rocha Peixoto, ficando com a palavra reservada.- Mandam para a mesa pareceres de commissões os srs. Franco Castello Branco e Pinto de Magalães.
Na ordem do dia continua em discussão, na generalidade, o projecto de lei n.° 34 (orçamento rectificado). - Usa da palavra o sr. ministro da fazenda, defendendo o projecto, e respondendo detidamente ás observações feitas pelo sr. Barros Gomes. - A requerimento do sr. Lopes Navarro proroga-se a sessão até se votar a generalidade do projecto. - O sr. Avellar Machado manda para a mesa um parecer da commissão de obras publicas. - Responde ao sr. ministro da fazenda o sr. Lobo d'Avila, que combate o projecto e sustenta uma moção de censura.- Passa-se a votação e depois de rejeitadas as propostas dos srs. Eduardo José Coelho, Elvino de Brito e Consiglieri Pedroso, e de retirada a moção do sr.Lobo d'Avila, é approvada a generalidade do projecto.

Abertura-Ás duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á chamada -40 srs. deputados.

São os seguintes: - Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Sousa e Silva, A. J. d'Avila, Lopes Navarro, Pereira Borges, Moraes Machado, A. M. Pedroso, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Fuschini, Pereira Leite, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Conde de Thomar, E. Coelho, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Francisco de Campos, Sant'Anna e Vasconcellos, Joao Arroyo, Amorim Novaes, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, José Frederico, Figueiredo Mascarenhas, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, M. J. Vieira, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Franco, Gonçalves de Freitas, Sebastião Centeno, Pereira Bastos e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Lopes Vieira, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Alfredo Barjona de Freitas, Antonio Candido, Antonio Centeno, A. J. da Fonseca, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Jalles, Carrilho, Santos Viegas, Sousa Pavão, Pinto de Magalhães, Seguier, Augusto Poppe, Ferreira de Mesquita, Neves Carneiro, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Firmino Lopes, Vieira das Neves, Francisco Beirão, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Guilherme de Abreu, Barros Gomes, Matos de Mendia, Baima de Bastos, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco,Teixeira de Vasconcellos, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado, J. Alves Matheus, Ponces de Carvalho, Joaquim de Sequeira, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio, Azevedo Castello Branco, José Borges, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, José Luciano, Ferreira Freire, Oliveira Peixoto, Reis Torgal, Luiz Osorio, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. P. Guedes, Marçal Pacheco, Pedro de Carvalho, Rodrigo Pequito, Tito de Carvalho, Visconde de Alentem, Visconde de Balsemão, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Wenceslau de Lima.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Garcia de Lima, Silva Cardoso, Pereira Corte Real, Garcia Lobo, Antonio Ennes, Almeida Pinheiro, Augusto Barjona de Freitas, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Cypriano Jardim, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilhermino de Barros, Silveira da Motta, Costa Pinto, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Melicio, Souto Rodrigues, Ribeiro dos Santos, J. A. Neves, Correia de Barros, Lobo Lamare, J. M. dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Pedro Correia, Santos Diniz, Pedro Roberto, Dantas Baracho, Vicente Pinheiro, Visconde de Ariz e Visconde do Rio Sado.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officios

1.° Do ministerio do reino acompanhando o seguinte

Decreto
Usando da faculdade, que me confere a carta constitucional da monarchia no artigo 74.°, § 4.°, depois de ter ouvido o conselho de estado nos termos do artigo 110.° da mesma carta: hei por bem prorogar as côrtes geraes ordinarias da nação portugueza até ao dia 11 do proximo mez de junho inclusivamente.
O presidente da camara dos senhores deputados da nação portugueza assim o tenha entendido para os effeitos convenientes.
Paço da Ajuda, em 13 do maio de 1885.=REI.=Augusto Cesar Barjona de Freitas.
Inteirada.

2.° Do mesmo ministerio, remettendo uma representação da camara municipal do concelho de Anadia sobre materia de recrutamento.
Á commissão de legislação, ouvida a de recrutamento.

3.° De Francisco Antonio Tavares, inventor do telegrapho militar de luzes, participando que haverá experiencia do mesmo telegrapho no dia 16 de maio pelas nove horas e meia da noite.
Inteirada.

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REPRESENTAÇÃO

Da camara municipal do concelho de Anadia, pedindo que por uma lei se modifiquem as disposições das portarias de 25 de maio, 6 de setembro e 18 de dezembro de 1869, sobre materia de recrutamento.
Remettida em officio do ministerio do reino e enviada e commissão de legislação civil, ouvida a de recrutamento.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que sejam enviados com urgencia pelo ministerio da guerra a esta camara os documentos relativos ao fornecimento dos medicamentos veterinarios para o regimento de cavallaria 9. = Consiglieri Pedroso.

2.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, seja remettida esta camara nota de qualquer reclamação de augmento de despeza feita pelo conselho escolar ou pelo director do real conservatorio de Lisboa. - O deputado, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.

3.° Requeiro que, pelo ministerio da marinha, me sejam remettidos com urgencia os esclarecimentos seguintes:
I. Copia de todos os requerimentos, petições ou propostas, que tenham por fim obter a concessão dos terrenos, a que se refere o decreto de 21 de julho de 1884, quer esses documentos se refiram a todos, quer a parte dos ditos terrenos;
II. A planta original ou copia, devidamente authenticada, a que se refere o artigo 1.° do decreto de 21 de julho de 1884, referendado pelo ministro da marinha;
III. Parecer (copia) do consultor de marinha Vellez Caldeira Castello Branco, ácerca da materia do citado decreto. = Luiz José Dias, deputado por Monsão e Melgaço.

4.° Requeiro que se pega ao governo pelo ministerio do reino:
I. Nota dos emprestimos contrahidos pelas juntas geraes do districto, pelas camaras municipaes e pelas juntas de parochia do continente do reino, desde 1 de maio de 1870 ate 30 de abril de 1885, com a designação das quantias tomadas de emprestimo, da data em que foi celebrado o mutuo, da importancia do juro e da amortisação, e dos nomes de mutuante e de mutuario;
II. Nota dos emprestimos, pelas mesmas corporações realisados desde 1 de Janeiro de 1842 ate 1 de maio de 1870, com as especificações declaradas no quesito anterior;
III. Nota segundo os respectivos orçamentos ordinaries e supplementares da somma da receita e da despeza ordinaria e extraordinaria das camaras municipaes das capitaes dos districtos do continente do reino, e das respectivas juntas geraes de districto, nos annos de 1840, 1850, 1860, 1870, 1878, 1879, 1880, 1881, 1882, 1883 e 1884.= Dias Ferreira.
Mandaram-se expedir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Participo a v. exa. que por incommodo de saude deixei de comparecer as ultimas sessões. = Urbano de Castro.

2.ª 0 sr. deputado Manuel Bento da Rocha Peixoto tem faltado as ultimas sessões e terá de faltar a mais algumas por motivo justificado. = O deputado, Alfredo Filgueiras da Rocha Peixoto.

O sr. João Arroyo.: - Pedi a palavra para mandar para a mesa o parecer das commissões de guerra e fazenda do projecto de lei pelo qual o governo é auctorisado a ceder a camara municipal de Tavira o edificio onde está alojada a guarda principal, nos termos e com as condições costantes do mesmo projecto.
E já que estou com a palavra vou tratar de responder as accusações feitas pelo nosso illustre collega o sr. Alves Matheus ao actual administrador do concelho da Povoa de Varzim, a proposito de um conflicto levantado entre esta auctoridade administrativa e o secretario da commissão de recenseamento eleitoral.
Como a questão deve ser avaliada a face da lei eleitoral vigente de 21 de maio de 1884, principiarei por ler as disposições d'esta lei que lhe são applicaveis são os artigos 38.° e 40.°, § 5.° que dizem assim:
"Art. 38.° Aos secretaries das commissões de recenseamentos incumbe a guarda e deposito de todos os papeis ou livros de recenseamento, sem prejuizo das funcções das referidas commissões ou de qualquer exame devidamente solicitado pela auctoridade administrativa. Os papeis e os livros do recenseamento não poder do sob qualquer pretexto ser distrahidos do poder do secretario da commissão, sendo quando avocados pelo poder judicial.
"§ unico. Cessa a responsabilidade do secretario das commissões, quando em cumprimento das disposições legaes tenha entregue o livro do recenseamento eleitoral aos respectivos escrivaes das camaras que serão nos mesmos termos e com igual responsabilidade depositarios do referido livro.
"Art. 40.° Alem das disposições penaes actualmente em vigor são applicaveis, nos cases designados n'esta lei, as seguintes:
"§ 5.° Pela infracção ao disposto no artigo 38.°, os secretaries das commissões de recenseamento e os escrivaes das camaras incorrerão na multa de 50$000 a 200$000 réis, perda de emprego, prisão de um mez a seis mezes e inhabilidade de direitos politicos por tres annos."
O administrador do concelho da Povoa foi accusado pelo sr. Alves Matheus de ter praticado abuses de auctoridade pela forma como se houve para com o secretario da commissão de recenseamento d'essa villa, intimando-o directamente a que lhe apresentasse todos os papeis e livros relativos ao recenseamento.
Em primeiro logar, foi arguida aquella auctoridade administrativa de haver praticado duas irregularidades, dirigindo-se directamente ao secretario da commissão e não ao presidente, e por o haver feito empregando a forma da intimação.
Qualquer que seja a legitimidade d'estas observações, no que agora não entro por me parecer que encerram materia que não pertence a alçada do parlamento, entendo que poderiam ser, quando muito, motivo sufficiente para se fundamental recurso perante o competente tribunal administrativo, mas não rasão para se qualificar de irregular, abusivo ou prepotente o procedimento do administrador do concelho da Povoa de Varzim. Tal assumpto debate-se no tribunal, não se discute em côrtes.
Para poder apreciar devidamente o procedimento do administrador a que me tenho referido, requeri eu ha dez ou doze dias que pelo ministerio do reino me fosse enviada com urgencia copia do officio dirigido por este funccionario ao governador civil do Porto sobre o ponto em questão.
Não havendo ainda recebido o documento que pedira, e pensando que não devia deixar por mais tempo sem resposta as considerações apresentadas pelo sr. Alves Matheus, tenho que servir-me de informações fidedignas que recebi do concelho da Povoa de Varzim, completamente conformes as enviadas pelo administrador d'este concelho ao governador civil do Porto, e que collocam a questão nos seus verdadeiros termos, sem paixão politica nem favoritismo pessoal.
Corria polo cartorio do escrivão Magalhães, da comarca da Povoa de Varzim, um processo crime promovido pelo

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ministerio publico contra a commissão do recenseamento, por ella haver falsificado o mappa de repartição da contribuição predial, de cuja falsificação resultou que a lista dos quarenta maiores contribuintes foi apurada irregularmente, em harmonia apenas com as conveniencias politicas da commissão, tanto que o administrador teve de reclamar e recorrer para o poder judicial, a fim de que não passasse em julgado a flagrante injustiça de serem incluidos e excluidos no recenseamento dos quarenta maiores contribuintes certos individuos, só porque os seus nomes eram ou não gratos a uma determinada politica da localidade.
A pouco trecho começou a correr o boato e foi o administrador particularmente avisado de que alguns documentos, pertencentes aos papeis do recenseamento, estavam nas mãos de um influente politico, em cujo favor se havia falsificado o mappa referido.
Mandou o administrador avisar o secretario da commissão do recenseamento para, no uso da lei, lhe fazer presentes os papeis e livros do recenseamento eleitoral, ao que o secretario respondeu com a evasiva de que os seus deveres de negociante o impediam de satisfazer ao aviso do administrador.
Este funccionario esperou alguns dias, até que foi em pessoa procurar o secretario, o qual lhe respondeu que alguns d'esses documentos estavam em poder do influente politico a que alludi e por isso não podia satisfazer. Ainda o administrador, esgotando todos os meios de condescendencia, intimou verbalmente o secretario para que no dia seguinte tivesse todos os documentos em seu poder, a fim de serem examinados no local em que mais lhe aprouvesse apresental-os. No dia seguinte e a hora indicada. voltando o administrador a procurar o secretario, por este lhe foi respondido que o referido influente havia mandado para Lisboa os papeis que tinha em sou poder, e por essa rasão os não podia apresentar.
Foi só depois de empregar todos os meios brandos o persuasivos que o administrador passou mandado, a ordenar que o secretario da commissão de recenseamento fosse intimado para que lhe fizesse immediatamente presentes todos os papeis e livros do recenseamento a fim de os examinar, como lhe permittia o artigo 38.° da lei de 21 de maio de 1884, sob pena de lhe ser applicavel o § 5.° do artigo 40.° da mesma lei. O escrivão da administração foi em seguida proceder a esta diligencia e, feita a intimação, continuou o secretario a dizer que não apresentava todos os papeis e livros do recenseamento porque os não tinha em seu poder.
Estava-se escrevendo o auto, quando o secretario se resolveu a mandar buscar a casa do mencionado influente politico os papeis que se achavam em poder d'este senhor, o que consta do proprio auto, mas que por fórma alguma podia isentar o secretario da applicação do § 5.° do artigo 40.° citado. O poder judicial deu andamento ao processo, que, feito o exame de corpo de delicto indirecto, foi com vista ao ministerio publico que lhe lançou a competente promoção, sendo depois feito o processo concluso ao juiz de direito.
Taes são os factos. sr. presidente, tal é o procedimento da auctoridade administrativa superior da Povoa de Varzim. Houve abuso de poder? Não houve; o procedimento deste funccionario e completamente correcto, digno, prudente e conciliador. Se ao sr. ministro do reino incumbe alguma obrigação a este respeito, e a de elogiar o seu delegado n'aquella villa, talvez excessivamente contemporisador e condescendente.
Creio ter demonstrado á camara a regularidade dos actos praticados pelo sr. dr. Antonio Maria Cortez Machado, dignissimo administrador do concelho da Povoa de Varzim.
Antes de concluir, não quero deixar de protestar contra a maneira como certas commissões de recenseamento infringem e violam a lei, simplesmente por interesse politico. Foi em abuso dessa ordem que incorreu a commissão de recenseamento eleitoral da Povoa de Varzim, e pelo qual devia vigiar solicitamente o administrador d'esta villa.
O parecer foi a imprimir.
O sr. Fuschini: - Chamo a attenção de v. exa., da camara e do sr. ministro da fazenda, visto não estar presente o sr. ministro do reino, sobre algumas considerações serias e importantes, que vou fazer.
Como v. exa. ha de recordar-se, tive eu a triste honra, e digo triste pelos motives que a motivaram, de levantar n'esta camara, ha dois annos, a questão do cholera.
Vaticinei n'essa occasião que o cholera havia de invadir a Europa, e invadiu.
No anno seguinte o cholera assolava a Europa e espalhava-se principalmente, como v. exa. e a camara sabem, pela Italia, Hespanha e França.
Apesar do inverno a epidemia conserva-se actualmente na Hespanha.
Sei por informações fidedignas que as auctoridades hespanholas fazem os maiores esforços para occultar o cholera, que está lavrando na provincia de Valencia.
E comprehende-se perfeitamente a rasão d'estes exforços.
Actualmente infeccionada de cholera está unicamente a Hespanha; ora, se esta nação fosse collocada n'um regimen de isolamento commercial, soffreria consideravelmente nos seus interesses.
Levada, pois, por um egoismo explicavel, senão desculpavel, tendo lá o cholera, a Hespanha procura quanto possivel salvaguardar os seus interesses commerciaes, evitando o isolamento, e para isso, occultando a epidemia que lavra na provincia de Valencia.
No anno passado em Italia aconteceu cousa similhante; não podendo occultar a existencia da epidemia as auctoridades italianas procuravam attenuar-lhe a intensidade; ha quem affirme ter havido dias em que a mortalidade em Napoles foi dupla d'aquella que era indicada pelos boletins officiaes. (Apoiados.)
Uma das mais impreteriveis obrigações dos governos sendo a de impedir, quanto humanamente possivel, que as nações sejam assoladas pelos grandes males, como a peste, a fome e a guerra, recommendo ao governo actual a maxima vigilancia para se evitar, se for possivel, a entrada no paiz de um d'aquelles flagellos.
Não nos entibiemos, pois, com despezas, quando sejam regularmente feitas e bem fiscalisadas. Em questões d'esta ordem as grandes despezas offerecem sempre largas compensações.
No congresso hygienico da Haya, no anno passado, um medico francez, cujo nome me não recordo, apresentou uma memoria curiosa e de importancia, ácerca do valor medio da vida humana; deste trabalho, que muito me interesso em ver, porque tambem tenho investigado n'este sentido e feito algumas tentativas, embora até hoje infructiferas, para avaliar o valor medio da vida humana entre nos, tiram-se conclusões evidentes sobre as vantagens da boa hygiene.
Os meus collegas poderão conhecer alguns resultados importantes d'esta memoria, procurando uma rapida apreciação d'ella n'uma Gazette medicale de setembro do anno passado.
Uma pequena diminuição de mortalidade, de intensidade de uma epidemia, ou, emfim, de uma doença reinante qualquer, compensa sempre largamente os sacrificios pecuniarios que exigiu. (Apoiados.)
A final comprehende-se perfeitamente que a vida do homem póde ser traduzida e representada por um capital, a difficuldade e determinal-o com sufficiente rigor.
É certo que, n'esta camara, se atacaram com rasões e argumentos, que não vou agora aqui discutir, as despezas, feitas no anno passado, para a defeza contra a invasão do cholera.

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Alguns excessos poderão ter, havido, nem era mesmo possivel evital-os.
Em occasião do guerra necessariamente hão de haver despezas inuteis, e guerra seria foi aquella de defender uma fronteira aberta contra um inimigo invisivel.
Para mim, confesso, não foram aquellas despezas nem excessivas nem inuteis, mas, seja como for, proporcionam nos ellas presentemente uma defeza muito mais economica, visto que muito ha já feito e aproveitavel. (Apoiados.)
Hoje não temos que estabelecer de novo lazaretos na,via secca, por que já estão estabelecidos, portanto, os 450:000$000 réis, gastos o anno passado, podem dar este anno, com mais algumas dezenas de contos, uma defeza perfeita.
Chamo a attenção de todos para o facto da entrada de uma epidemia em Portugal, que atacará não só a vida dos nossos concidadãos, mas ainda directa e indirectamente a riqueza publica.
Sr. presidente, permitta-me v. exa. que ainda chame a attenção do sr. ministro da fazenda, meu particular amigo, sobre um assumpto importante que elle poderá ainda hoje communicar ao sr. ministro do reino.
Muitos paizes têem mandado medicos, seus delegados, a Andaluzia e Valencia, não só para estudarem ia natureza e o desenvolvimento da epidemia, como ainda para ,assistirem ás experiencias da inoculação do virus cholerico, realisadas pelo dr. Ferran.
A propria natureza da epidemia e ainda hoje contestada, e alguem affirma que o cholera, que tem lavrado, em alguns pontos da Europa, não e o gangetico mas o mediterraneo, nascido das pessimas condições em que geralmente se encontram as costas d'este mar.
Parece-me que seria uma medida util mandar lá alguns delegados portuguezes para estudarem a doença, e para que ao mesmo tempo sigam as experiencias do dr. Ferran.
Mas como eu não desejo que o governo assuma a responsabilidade da nomeação dos homens, que lá devem ir, lembro o alvitre de conviddar a faculdade de medicina de Coimbra e as escolas medico-cirurgicas de Lisboa e do Porto a nomear, cada uma, o seu delegado.
Serão estes delegados, está claro, pensionados pelo governo, que irão a Valencia estudar a natureza da doença, o seu desenvolvimento, etc., etc., e todos os caracteres especiaes que nos possam esclarecer ácerca da origem do mal, meios de o combater e evitar, seguindo ao mesmo tempo as experiencias do medico valenciano.
Como, porem, vivemos num paiz singular a certos respeitos, convem avisar previamente que medicos distinctos, escolhidos para uma commissão d'esta natureza, não vão lá com 3$000 réis por dia e viagens pagas.
O sr. Koch, que occupava um logar subido na medicina official allemã, foi o anno passado a Marselha, recebendo por isso a quantia de 90:000$000 réis, salvo erro.
Os nossos commissionados não podem por forma alguma receber esta excepcional quantia, nem mesmo proporcionalmente, mas tambem não esperemos poder mandar para fóra do paiz em commissões desta ordem summidades scientificas, que expõem as suas vidas e sacrificam os seus interesses correntes e diarios, sem uma remuneração condigna do seu trabalho.
É costume velho em Portugal não pagar a quem trabalha o systema é compensar-lhe com malsinações a exiguidade do salario.
D'aqui, porem, não se segue que certas mediocridades não sejam bafejadas por grossas prebendas, e que sobre certas cabeças privilegiadas não cáiam as vezes quatro e cinco gratificações!
Sr. presidente, v. exa. e o sr. ministro da fazenda, tomarão na devida consideração as minhas palavra para as transmittir ao sr. ministro do reino. Repito; a obrigação primeira do governo e evitar um grande mal á nação, que lhe delega os seus poderes; e tudo quanto o governo regularmente fizer para evitar a entrada da epidemia, que está grassando em Hespanha, ha de bem merecer do paiz.
Lembro ainda a s. exa. a nomeação, da commissão não póde demorar-se uma resolução d'esta ordem, quando houver de tomar-se; uma demora de quinze ou vinte dias pode tornar completamente inutil uma medida, alias de incontestavel utilidade. (Apoiados.)
Tenho dito.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro):-Ouvi as minuciosas considerações feitas pelo meu amigo o sr. Fuschini, ácerca das prevenções que desejava ver tomadas pelo governo contra a invasão do cholera, visto estar proxima a epocha de mais calor e por conseguinte de maior perigo.
S. exa. pretende que se mande lá fora alguns homens competentes estudar os progressos que a sciencia tem feito, no sentido de se obstar ao contagio do mal e sobretudo para conhecerem de perto os estudos ultimamente feitos, e os trabalhos e experiencias realisados pelo sr. Ferrant.
Posso assegurar ao illustre deputado que o governo, em quanto aqui estiver, cumprirá o seu dever. Tem elle a consciencia de que o cumpriu no anno passado e não arreceiará de o cumprir este anno, contando sempre em que no parlamento predominará o bom senso, que e indispensavel n'esta questão, e que se comprehenda o seu alcance, como uma verdadeira questão de salvação publica. (Apoiados.)
O sr. Presidente:-Tinha destinado para hoje antes da ordem do dia, a discussão de alguns projectos de lei; mas como não ha na sala numero sufficiente para se poder deliberar, vou conceder entretanto a palavra a alguns srs. deputados que a tinham pedido para antes da ordem do dia.
O sr. Luciano Cordeiro: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei n.° 62-B, tendente a completar a providencia da lei de 16 de maio de 1884 pela isenção dos direitos de entrada ao material que a santa casa da misericordia da cidade da Horta tiver de importar para a reconstrução do seu hospital, unico que existe no respectivo districto.
A imprimir com urgencia.
O sr. Correia Barata:-Mando para a mesa o parecer da commissão de obras publicas, concordando com o da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei que tem por fim equiparar os directores geraes do commercio e industria e obras publicas e minas em vencimento, aposentação, cathegoria e prerogativas aos funccionarios de igual natureza das outras secretarias de estado.
A imprimir.
O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: - Cumpre-me agradecer ao nobre ministro da fazenda, em nome dos meus constituintes, as declarações que s. exa. fez na ultima sessão, em resposta ao meu collega, o sr. Gonçalves de Freitas, e a resolução em que está o governo de attender ao archipelago da Madeira, aquella desventurada ,possessão da corôa portugueza, que por uma fatalidade inexplicavel, por uma singular contradição entre as intenções e os actos dos governos, tão esquecida ou tão menospresada tem sido! (Apoiados.)
Eu teria desde logo cumprido este grato dever de agradecer a s. exa., se estivesse presente na sessão de hontem.
Depois das declarações do nobre ministro, o meu intuito e principalmente congratular-me com o governo pelo compromisso que toma de praticar um acto de verdadeira justiça, procurando acudir as necessidades d'aquelle povo.
Faço votos para que não tardem os factos ; (Apoiados.) para que em breve sejam adoptadas as medidas governativas tendentes a aliviar a miseria de que na Madeira se acha especialmente opprimida a classe popular, cujo instin-

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cto de conservação a leva a anciar por todo o desconhecido em troca do existente. (Muitos apoiados.)
Os povos da ilha da Madeira antes carecem que se lhes estenda mão que os ampare, do que braço que os castigue. (Apoiados.)
As parcialidades politicas que se degladiam n'aquella ilha de ha muito, que reciprocamento se attribuem a responsabilidade dos conflictos ali occorridos nas lutas eleictoraes; e a minha opinião franca e desassómbrada e que a origem desses deploraveis acontecimentos afunda as suas raizes no grave descontentamento publico, descontentamento que principalmente provem do estranho abandono a que tem sido votada aquella desgraçada terra. (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Foi desse desalento profundo que nasceram os conflictos do 1868, os de 1870, como os de junho 1884.
Todos elles foram manifestações diversas da mesma enfermidade que lavra no organismo sócial d'aquelle povo, todos elles foram demonstrações do mesmo desgosto publico que, por largo tempo contido o represado, periodicamente irrompo em manifestações violentas, para conter as quaes tem sido levada a extremos a força publica. (Muitos apoiados.)
Ora, o que eu entendo, sr. presidente, é que antes se deve remover as causas d'esse descontentamento, do que punir-lhes as consequencias; (Apoiados.) o que eu entendo e que bem anda o governo procurando levantar aquella terra do extreme abatimento a que a tem reduzido tantas crises successivas. (Muitos apoiados.)
Quem lançar olhos attentos para o estado em que se encontra a Madeira não carece de procurar outros instigadores da grave agitação, nem outras causas do mal estar d'aquelle povo. (Apoiados.)
Elle está sóbrecarregado de impostos; d'esses impostos são enviados todos os annos cerca de 200:000$000 réis para a metropole, mas no districto do Funchal não se tem realisado melhoramentos importantes.
Elles pagam para a viação accelerada, que desfructâmos no continente, mas a Madeira ainda não possue 5 kilometros de estrada por onde possa rodar uma carruagem.
Pela maior parte dos caminhos interiores não póde transitar um cavalleiro, e viaja-se em redes, as costas de homens, exactamente como no interior da Africa.
Grande parte dos terrenos que produziam vinhos preciosós, invadidos pelo phylloxera, estão hoje occupados com culturas pobrissimas, que de modo algum compensara o trabalho do lavrador; mas este e obrigado a pagar pesadas contribuições, tem que satisfazer penosós encargos, de maneira que lhe não fica o indispensavel para occorrer ás mais instantes necessidades da vida, e de ahi essa constante emigração de centenares, de milhares de individuos, especialmente n'estes ultimos annos, para Demerara, para o Brazil e para Sandwich. (Apoiados.)
Quem vê no continente uma charrua, arrastada pela machina a vapor, lavrar n'um momento largos tratos de terreno, não póde imaginar o que e o trabalho de um colono nas terras accidentadas da Madeira, na maior parte das quaes não póde penetrar um arado, terras que elle só póde revolver com a enxada, regando-as com o seu suor.
Este trabalho improbo, perdidas as vinhas, ainda podia ser compensado com uma cultura rica, como a da canna doce; mas para issó e necessario o aproveitamento das aguas, que escasseiam, porque grande parte d'ellas correm perdidas para o mar, deixando esteril terreno feracissimo.
As serras despem se de arvoredo; de modo que não são attraidas chuvas regulares que as fecundem; e as aguas torrenciaes do inverno arrastam para as ribeiras terrenos e culturas, semeando por toda a parte destroços e ruinas, como ainda não ha muito aconteceu.
No meio de tudo isto os impostos não são lançados com inteira equidade.
Não e justo, por exemplo, que o vinho da Madeira pague o dobro do que paga o vinho do Porto, exportado pela barra do Douro.
A respeito da classificação dada nas alfandegas aos assucares estrangeiros, e que tão viva perturbação está causando na Madeira, reservo-me para, noutra occasião, chamar em especial a attenção do sr. ministro da fazenda.
E os direitos sóbre o assucar produzido n'aquella ilha?
Pois este producto não e nacional? Porque não e derogada a lei que lhe impõe esses direitos, em vez de se limitar o parlamento a suspendel-a, com prorogações successivas, para depois se chamar concessão ao que não e senão a suspensão do um vexame insupportavel?
Parece que a fatalidade não tem permittido que sóbre aquelles povos se reflictam as conquistas do progressó e da civilisação! Parece que aquelles servos da gleba só tem sido concedida a liberdade de optar entre as duas alternativas: - trabalhar, sem outra consolação, sem mais esperança do que pagar impostos, ou emigrar para longes terras estrangeiras!
O governo, porem, e a camara, estão dando eloquentes provas de que attendem ás justas reclamações d'aquelles povos, como o demonstram as providencias já realisadas, a da lei sobre a isenção do imposto do carvão e de tonelagem, e a adjudicação da construcção do porto de abrigo, e como exuberantemente o revelam as declarações do nobre ministro da fazenda.
Nem era possivel que s. exa., que e uma das individualidades mais distinctas da política portugueza, a cujo talento e nobilissimo caracter eu presto a homenagem sincera do meu respeito e da minha admiração, cerrasse ouvidos ao clamor d'aquelles povos, a quem já desvaira a longa duração do seu infortunio e que têem direito incontestavel a protecção dos poderes publicos. (Muitos apoiados.)
Estão dados os primeiros passos. Proseguir n'este caminho, acudindo á Madeira com a satisfação de outras necessidades de que ella tanto carece, será de uma política sensata e patriotica. Abraçando-a, o governo e a camara terão direito a gratidão d'aquelle povo, que póde, sob uma atilada administração e sem grandes encargos para o thesouro, entrar num periodo de prosperidade. (Muitos apoiados.)
Aproveito a occasião para mandar para a mesa um projecto de lei, equiparando os direitos do vinho da Madeira aos do vinho do Porto.
Vozes : - Muito bom.
O projecto ficou para segunda leitura.
O sr. José Novaes: - Mando para a mesa o parecer da commissão de administração publica concordando com o da commissão de obras publicas, que auctorisa a camara municipal do concelho de S. João da Pesqueira a dispender até a quantia de 4:000$000 réis do fundo de viação com destino a construcção de seis cemiterios em seis freguezias do mesmo concelho, onde, por falta d'elles, e com offensa da lei, os enterramentos se fazem ainda nas igrejas e nos adros contiguos.
A imprimir.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o parecer n.º 33 para entrar em discussão.
Advirto que este projecto de lei entra em discussão sem prejuizo da ordem do dia, em que se ha de entrar logo que sejam tres horas.
Leu-se na mesa o seguinte

PROJECTO DE LEI N.° 33

Senhores. - Os projectos do lei n.º 99-A e 99-B, apresentados na sessão transacta pelo sr. deputado Bernardino Machado a respectiva camara, e renovados agora sob os n.os 6-CC e 6-DD, têem por fim introduzir na faculdade de philosophia da universidade duas modificações, que são de incontestavel vantagem e de urgencia reconhecida. Con-

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1562 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

siste a primeira na suppressão do ensino da arte de minas e da agricultura, zootechina e economia rural, substituindo a cadeira em que se lêem as doutrinas d'estas ultimas sciencias por outra onde se professe a anthropologia. É objecto da segunda a creação de secções independentes no museu de historia natural da mesma universidade, que devem ser dirigidas pelos professores das respectivas cadeiras. Estabelece-se tambem no primeiro d'aquelles projectos, que o professor de mineralogia e geologia será obrigado a realisar, em parte do anno lectivo, algumas excursões geologicas para instrucção dos seus alumnos.
É escusado encarecer quanto convem introduzir nos nossos estudos superiores o ensino da anthropologia, que tão grandes progressos tem feito, e que esta destinado a exercer uma profunda influencia no espirito das sciencias moraes e sociaes. E conveniente, porem, addicionar-lhe o estudo da paleontologia, sobretudo da paleontologia humana, já porque este ramo tambem não faz parte do quadro dos nossos cursos superiores, e anda intimamente ligado com a anthropologia, já porque a sciencia geral a que elle se liga - a paleontologia - e por falta de tempo perfunctoriamente aprendida no presente.
A necessidade da suppressão da cadeira de agricultura é de ha muito reconhecida. A sua indole repugna ao quadro das disciplinas da faculdade de philosophia. O mesmo diremos da arte de minas e da metallurgia. Os progressos que têem feito as sciencias applicadas e technologicas obrigaram as nações mais adiantadas a estabelecer o seu ensino em institutos especiaes, dotados dos meios convenientes para poderem transmittir aos alumnos um verdadeiro ensino profissional. Na universidade só podem cultivar-se as sciencias puras, porque já estas exigem um complexo material de observação e experiencia, e a organisação cuidadosa de laboratorios, onde se possam manusear aquelles dois grandes instrumentos das conquistas scientificas modernas. As excursões botanicas e geologicas são, alem d'isto, meios optimos e muito proveitosos de instrucção.
A independencia na direcção das secções do museu de historia natural é aconselhada pela divisão do trabalho e pela applicação á especialidade, indispensavel para o progresso de estabelecimentos d'esta ordem. É evidente que o professor de zoologia mal póde occupar-se das collecções de mineralogia ou geologia e vice-versa. O augmento successivo das collecções, e os conhecimentos especiaes que exigem a sua classificação e conservação, tornam impossivel que um só professor as possa vigiar, melhorar e completar.
É, portanto, necessario que as collecções respectivas a cada uma das cadeiras de sciencias naturaes sejam dirigidas pelo respectivo professor.
Por estas rasões é a vossa commissão especial de instrucção superior de parecer, de accordo com o governo, que os dois alludidos projectos merecem a vossa approvação, e attendendo ao seu objectivo devem ser convertidos no seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É supprimida na faculdade de philosophia da universidade de Coimbra, a cadeira de agricultura zootechnia e economia rural, bem como o ensino da arte de minas.
§ 1.º É creada em substituição d'aquella cadeira a de anthrologia, paleontologia humana e archeologia prehistorica.
§ 2.º O professor de mineralogia e geologia será obrigado, pelo menos durante a terceira epocha do anno lectivo, a realisar algumas excursões geologicas para instrucção dos seus discipulos.
Art. 2.º O museu de historia natural da universidade compõe-se de quatro secções, a saber: secção de botanica, secção de zoologia, secção de mineralogia e de geologia e secção de anthropologia e archeologia prehistorica.
§ unico. A cada uma d'estas secções pertence uma direcção independente e separada, exercida pelo professor da respectiva cadeira.
Art. 3.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, em 9 abril de 1885. = Adriano Xavier Lopes Vieira = João Augusto Teixeira = Bernardino Machado = José elias Garcia = Avelino A. Cesar M. Calixto = F. A. Correia Barata, relator - Tem voto dos srs. Dr. Souto Rodrigues = Dr. Antonio Candido = Dr. Wenceslau de lima.

N.º 4

Senhores. - A vossa commissão de instrucção superior e especial vem dizer-vos qual o illustre deputado Bernardino Machado pretnde introduzir uma pequena, mas importante alteração, nos cursos da faculdade de philosophia da universidade de Coimbra.
Muito desejava a vossa commissão de instrucção superior e especial ter de dar a sua melhor attenção ao projecto de lei, que, arcando com a instrucção publica do nosso paiz, a vasasse em novos moldes, acabando com tudo quanto n'ella ha de obsoleto e inutil, terminando com a multiplicidade de escolas superiores que possuimos com os mesmos fins e completando o nosso quadro de ensino tão pobre e incompleto para a epocha actual. Mas já que os tempos não correm propicios a medidas d'este folego, é ella de parecer que não nos fiquemos em beatifica contemplação de um porvir cheio de esperanças, deixando o presente em lastimoso estado. Por isso entende que devem aproveitar-se as pequenas iniciativas, sempre que sejam conducentes a uma melhoria, por entender que mais vale ir reconstruindo pouco a pouco o edificio da nossa instrucção publica, do que deixar que elle completamente se esphacele de velho. A falta de plano geral póde, é certo, dar logar a alguns defeitos e faltas de harmonia. Mas esses serão nullos perante os que se attente n'elles com animo de emprehender larga reforma. Cada uma das grandes escolas superiores do nosso paiz deve ter a sua indole particular, que mal entendidas rivalidades nunca deverão querer apagar para as approximar de qualquer das que mais dê na vista. A indole da universidade de Coimbra, deduzida da sua tradição, da sua vida, do seu meio é o cultivo de sciencias puras.
Querer transformar a faculdade de philosophia em escola de sciencias proficionaes, introzindo nos seus programas a agricultura e a arte de minas, foi modificação contra a qual o seu organismo luctou, atrophiando por evolução sucessiva esses dois membros incompativeis com o seu viver.
A arte de minas não se professa n'ella ha annos já. E a agricultura desfallece entre as quatro paredes de uma aula. De real exitem apenas os progammas de ensino d'estas duas industrias, desempenhando o papel que os orgãos atrophiados por vezes representam nos seres vivos, uma inutilidade em via de eliminação. O illustre deputado Bernardino Machado propõe que de vez se supprima do quadro da faculdade o ensino d'essas duas industrias, que de vez se eliminem esses dois orgãos que estão gastando inutilmente forças que mais convenientemente orientadas poderiam trazer largo proveito á sciencia portugueza.
De facto, tirada a arte de minas da cadeira de mineralogia e geologia, poderá impor-se ao professor a obriagação de acompanhar as lições theoricas de excursões geologicas, por meio das quaes ensine a pratica dos trabalhos de campo.
Eliminada a agricultura, poderia, para fecho dos estudos de sciencias historico-naturaes, ensinar-se a anthropologia, que alem de ser hoje indispensavel remate em sciencias d'esta natureza, é aquella por que nós os portuguezes mais somos conhecidos no mundo scientifico, graças aos trabalhos de Carlos Ribeiro e Nery Delgado, e que desgraça-

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SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1885 1563

damente não tem ainda no nossó ensino superior uma só cadeira que a represente.
Por isso é a vossa commissão de parecer que deve ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É supprimido na faculdade de philosophia da universidade o ensino da arte de minas e de agricultura, zootechnia e economia rural.
Art. 2.º O professor de mineralogia e geologia será obrigado; pelo menos durante a terceira epocha do anno lectivo, a realisar algumas excursões geologicas para ensino dos seus alumnos.
Art. 3.º 0 actual ensino de agricultura, zootechnia e economia rural será substituido na mesma cadeira pelo da anthropologia.
§ unico. Ficará annexa á aula de anthropologia a secção respectiva ao museu.
Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, em 1 de fevereiro de 1884. = Cypriano Jardim = J. C. Rodrigues Costa = F. Gomes Teixeira = Joaquim A. Gonçalves = Bernardino Machado = A. X. Lopes Vieira = José Elias Garcia = L. A. Palmeirim = W. de Lima,relator.

N.° 6-CC

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 99-A, de 1883.= Bernardino Machado.

N.° 99-A

Senhores. - Quando a reforma pombalina creou a faculdade de philosophia da universidade, foi com uma comprehensão e com uma extensão que depois se alteraram. Logo com Brotero os estudos naturaes desenvolvem-se tanto que rompem os laços que os uniam aos estudos racionaes e moraes, e, equilibrando-se sobre si proprios, tomam sós a faculdade toda. E depois esse desenvolvimento esgota os recursos da experimentação ordinaria, e vae até as applicações sem serem da sciencia pela sciencia, á agricultura, a arte de minas, procurar mais instrumentos de progressão. Tal foi a energia de que esteve animada a faculdade de philosophia! Mas em seguida esmoreceu e não logrou levar a cabo a sua obra; dar independencia ao seu additamento profissional, differencial-o de si, restaurando-se ella a sua pureza especulativa; e conserva-se n'um estado tumultuario, que deveria ser apenas passageiro.
Está claro que ninguem condemna o ensino profissional n'uma universidade: profissional é o de medicina, é o de jurisprudencia; por certo até conviria que em Coimbra houvesse solidos estudos de agricultura e de mineração, menos porém numa faculdade de philosophia.
Estão-lhe assignados termos que não lhe é licito ultrapassar. E que isto não pareça simples escrupulo lexico. As diversas expressões correspondem phenomenos heterogeneos: aqui vemos nós que a faculdade de philosophia mantem em si, subordinado á mesma denominação, o ensino profissional, não porque lhe pertença, mas porque, gerado d'ella, ainda até hoje não pode adquirir vida autonoma.
N'esta faculdade não ha meios senão de ler a industria agricola e a mineira; para as praticar, nenhuns.
Acabe-se, pois, com tal ensino, que nada aliás impede que se reorganise devidamente quando as necessidades publicas o reclamem.
Eliminado da cadeira de mineralogia e geologia o ensino de arte de minas, e supprimida a cadeira de agricultura, não faltará matéria para as lições da primeira; só resta saber por que deverá substituir-se a outra.
A resposta não e duvidosa.
Entre o homem physico e o homem moral todos reconhecem co-relação, mas não se segue bem; a nossa ignorancia do systema nervoso separa os dois dominios. Esta separação divide uma faculdade completa de philosophia em faculdade de sciencias e faculdade de letras.
A nossa universidade não possue aquella, mas possue as faculdades de mathematica e de philosophia, uma e outra philosophica, - os estatutos de 1772 assim consideravam a de mathematica, posto que lhe não dessem esse nome -, e as duas reunidas perfazem uma faculdade de sciencias.
A faculdade de mathematica estende-se até aonde o calculo chega; vae, pois, n'este momento scientifico até ao ensino da physica chamada mathematica; a de philosophia natural tem de ir até onde possam alcançar a physica e chimica, isto é, hoje tem de ir até a fronteira do mundo moral.
Ora o mundo moral e principalmente o homem moral. Portanto a faculdade de philosophia deve ensinar desde a physica até a anthropologia. Aqui então pára; alem, no homem moral começa a faculdade de letras. Faculdade de sciencias, e faculdade de letras completam assim todo o estudo especulativo.
Falta, pois, á faculdade de philosophia da universidade a cadeira de anthropologia: aproveite-se o ensejo de a collocar em substituição a de agricultura.
Estas considerações levam-me ao seguinte projecto de lei, que tenho a honra de submetter a vossa esclarecida apreciação.

PROJECTO DE LEI

Artigo 1.° É supprimido na faculdade de philosophia da universidade o ensino de arte de minas e de agricultura, zootechnia e economia rural.
Art. 2.° 0 actual ensino de agricultura, zootechnia e economia rural, será substituido na mesma cadeira pelo de anthropologia.
§ unico. Ficará annexa á aula de anthropologia a secção respectiva do museu.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 8 de junho de 1883. = Bernardino Machado.

N.° 5

Senhores. - A vossa commissão de instrucção superior e especial, tendo examinado o projecto de lei de iniciativa do illustre deputado Bernardino Machado, o qual diz respeito a directoria do museu de historia natural da universidade de Coimbra, e, considerando que esta não póde hoje ser constituida segundo a lei promulgada no tempo em que havia uma só cadeira de historia natural na nossa universidade; considerando que o não se ter revogado essa lei logo que se alargou o quadro de ensino das sciencias historico-naturaes tem dado logar a notaveis arbitrios no modo como se tem formado a direcção d'aquelle museu, que desde 1834 até hoje tem estado ora a cargo de um só professor, sendo este n'uns casos o cathedratico de zoologia, n'outros o de geologia, ora conjunctamente dirigidos pelos professores destas duas cadeiras, arbitrios que, alem de importar menosprezo da lei, podem trazer graves transtornos ao nosso progresso scientifico; considerando que no estado actual da sciencia é impossivel que um só homem com proveito se occupe de todos os vastos ramos da historia natural; considerando que é já pratica vantajosamente seguida nas outras escolas superiores do paiz dividir o museu de historia natural em secções correspondentes ao numero e natureza das cadeiras em que esta se ensina, entregando a direcção de cada uma dessas secções aos cuidados do professor da respectiva cadeira, e a vossa commissão de parecer que deve ser approvado o seguinte projecto de lei.
Artigo 1.° Deixará de haver direcção geral do museu de historia natural da faculdade de philosophia da universidade de Coimbra, por algum dos seus professores, e cada secção do museu será dirigida especialmente pelo professor da aula respectiva.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Cypriano Jardim. = J. C. Rodrigues da Costa = F . Gomes Teixeira = A. X. Lopes Vieira = Joaquim A. Gon-

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çalves = Bernardino Machado = José Elias Garcia = L. A. Palmeirim = W. De Lima, relator.

N.º 6-DD

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 99-B de 1883. Bernardino Machado.

N.º 99-B

Senhores. - Os estatutos universitarios dispozeram que a intendencia do museu pertencia ao professor de historia natural, e assim devia ser, quando havia um unico professor que a ensinava numa aula do segundo anno philosophico. Mas depois a faculdade de philosophia tem-se desenvolvido, e hoje a historia natural e professada de tres cadeiras: de mineralogia, de botanica, de zoologia, e sel-o-ha de quatro, logo que o parlamento com a sancção regia legisle creação na universidade do ensino da antropologia.
Hoje, pois, não ha professor de historia natural, mas professores, a cada um dos quaes cumpre cuidar da secção respectiva do museu, e deveria pertencer a direcção d'ella para que a responsabilidade correspondesse a auctoridade.
É com este proposito que tenho a honra de vos submetter o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Deixará de haver direcção geral do museu da faculdade de philosophia da universidade por algum dos seus professores, e cada secção do museu será dirigida especialmente pelo professor da aula respectiva.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Bernardino Machado.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade.
O sr. Alfredo Peixoto: - Folgo de ver que vamos entrar em questões de instrucção publica; e como professor agradeço a v. exa. a mercê que acaba de fazer a instrucção publica, escolhendo um assumpto que lhe diz respeito, entre muitos que estão dados para ordem do dia.
Mas este meu agradecimento, e o prazer que sinto ao ver que o parlamento vae occupar-se do questões de instrucção publica, não quer dizer que eu pretenda que essas questões sejam resolvidas e votadas como questões de interesse secundario.
Para mostrar a v. exa. e a camara a sinceridade com, que estou fallando, desde já declare que, se porventura eu observar que a camara não presta a esta questão a attenção a que realmente ella tem direito, eu calo-me.
Notavel coincidencia!
Estando eu a tomar alguns apontamentos, preparando-me para quando os projectos de instrucção publica entrassem em discussão, foi exactamente quando v. exa. nos deu a noticia de que íamos discutir o projecto n.º 33!
Na sessão de 7 de Janeiro deste anno tive a honra de renovar a iniciativa de dois projectos de lei; um do fallecido deputado Basilio Alberto de Sousa Pinto, uma das nossas glorias mais queridas e venerandas, tanto como parlamentar, como na qualidade de professor; e outro mais modesto, por ser da minha iniciativa.
O projecto de lei do sr. dr. Basilio Alberto de Sousa Pinto, e que renovado pelo sr. dr. Roque Joaquim Fernandes Thomás e depois por mim tinha por fim extinguir o contrabando da instrucção publica por isso que prohibia aos professores de instrucção publica, tanto primaria como secundaria, o exercicio do ensino particular; o outro, cuja iniciativa tambem renovei n'esta sessão, tinha por fim garantir aos alumnos o direito que tem a ser approvados por professores respeitaveis, se elles o merecessem, e entendo que todos são respeitaveis, em referenda ao seu caracter pessoal.
Nenhum d'estes projectos tem merecido a illustre commissão de instrucção superior a honra de ser por ella estudado.
Por mais que procure, não vejo aqui membro algum da commissão de instrucção superior; creio que sou o unico que n'este momento está presente; mas eu fui o bastardo d'aquella commissão e não posso responder por ella. Por isso mesmo desejava que alguem da commissão me dissesse a quem foram distribuidos, para os relatar, aquelles projectos.
E notavel coincidencia! Estes dois projectos que são de evidente interesse geral, que são de manifesta vantagem, que são absolutamente indispensaveis, para que cessem muitos abusos e escandalos, ainda nem foram estudados!
Folgo de ver entrar um dos illustres membros da commissão de instrucção superir, o sr. dr. Bernardino Machado, que talvez me possa dar informações sobre o destino que tiveram os meus projectos. Refiro-me ao projecto do sr. Basilio Alberto de Sousa Pinto, cuja iniciativa foi por mim renovada, prohibindo aos professores de instrucção, publica o ensino particular, e refiro-me tambem a outro projecto cuja iniciativa foi renovada por mim na mesma sessão.
Espero que o meu collega o sr. Bernardino Machado me de a explicação que peço sobre o destine destes dois projectos.
Vou agora informar a v. exa. e a camara sobre o motivo por que não assignei este parecer da commissão de instrucção superior; é porque não acceito a doutrina do relatorio, que é uma doutrina falsa.
Funda-se este parecer na necessidade de conceder ao professor provisorio da escola medico cirurgica do Funchal as mesmas vantagens que foram concedidas aos professores provisorios dos lyceus centraes.
Contra essas vantagens hei de protestar sempre, como tenho protestado contra a existencia de professores provisorios, porque é uma vergonha que nos estudos de instrucção secundaria os professores sejam quasi todos provisorios, e que se não tenha aberto concurso para o provimento das cadeiras vagas nos lyceus centraes.
O parecer que esta em discussão foi apresentado depois de eu ter renovado a iniciativa de dois projectos. Um de que já tenho fallado e o outro que e assignado por mim. Entendo que prestei um bom serviço a instrucção; publica, assignando esse projecto, porque na altura a que se tem elevado a academia polytechnica do Porto, a cuja organisação elle diz respeito, parece-me que cabe aos poderes publicos empenharem-se em auxiliar os esforços dos distinctos professores d'aquella escola.
Ha para isso uma rasão principal que exponho a camara com muitissima satisfação. Desde que n'aquella escola está o primeiro mathematico de Portugal e Hespanha, o unico homem de genio que conheço, entendo que os poderes publicos devem cercar aquelle estabelecimento de todas as vantagens de uma grande instituição.
Um projecto de lei que foi apresentado no dia 4 d'este mez, note v. exa., já tem parecer de duas commissões.
O parecer da commissão e instrucção superior, dado no dia 11, e o parecer da commissão de fazenda, dado no dia 6! E, notavel circumstancia, este parecer diz respeito á creação do superintendente regio nos estudos e espectaculos musicaes, e talvez ficasse melhor chamando-se hiperintendente, em vez de se chamar superintendente!
V. exa. e a camara talvez estejam persuadidos que eu estou fazendo esta apreciação com o fim de preencher tempo. Asseguro a v. exa. e a camara que para impugnar o parecer n.º 33 não e só preciso preencher tempo, porque não me chegaria uma hora para dizer o que se me offerece contra cada um dos seus artigos. O que quero é tornar bem frisante esta enorme desigualdade com que algumas commissões tratam os negocios que são entregues ao seu exame.
Pois eu apresentei dois projectos, em um dos quaes peço para a classe de que sou professor a abolição, do escrutinio secreto porque é isso uma necessidade, e no outro peço que nos prohibam a leccionação particular, e emquanto

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estes dois projectos que não envolvem augmento de despeza, que são apenas de justiça e moralidade, são abandonados pelas commissões...
O sr. Presidente: - Observe ao illustre deputado que esta irrogando uma censura as commissões. Peço que não prosiga.
O Orador: - Eu estou dizendo que em sessão de 7 de Janeiro renovei a iniciativa de dois projectos, envolvendo cada um d'elles uma questão de moralidade, e que esses projectos não têem ainda parecer e vem agora a discussão um projecto de importancia secundaria.
(Interrupção do sr. Pope.)
O illustre deputado e muito illustrado e considerado pela camara e portanto póde emittir a sua opinião: não precisa que eu falle por s. exa. Eu fallo por mim com a convicção de quem falla em uma questão de moralidade.
O artigo 1.° deste projecto não é necessario, porque o governo esta auctorisado por lei a substituir a cadeira de agricultura pela de antropologia, o que é uma necessidade.
Em 3 de fevereiro de 1879, eu e o sr. Nunes Teixeira, apresentamos um projecto para a substituição de uma cadeira na nossa faculdade, e sabe v. exa. o que propoz a commissão ácerca d'esse projecto? Propoz o seguinte:
(Leu.)
O artigo 2.° do projecto em discussão envolve mais ou menos remotamente augmento de despeza, e por isso devia ter sido ouvida a commissão de fazenda.
Note v. exa. que eu para combater o artigo 1.° estou muito longe de ter apresentado as considerações que devia apresentar e declaro que se tivesse tempo para discutir o artigo 1.° havia de pedir que o projecto fosse adiado para ser devidamente estudado.
O sr. Presidente: - Peço ao sr. deputado que dê por terminadas as suas observações, porque é chegada a hora de se passar a ordem do dia.
Se s. exa. quer continuar na sessão seguinte, fica-lhe reservada a palavra.
O Orador: - Nesse caso peco a v. exa. que me reserve a palavra.
(Por haver algum susurro na sala, o orador nem sempre foi bem ouvido, e não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - O sr. deputado fica com a palavra reservada para a sessão seguinte antes da ordem do dia, em que se continuará na discussão d'este projecto de lei, se houver tempo.
Agora vae passar-se á ordem do dia, mas antes de dar a palavra ao sr. ministro da fazenda, vou dal-a ao sr. Franco Castello Branco, e depois ao sr. Pinto de Magalhães, que a pediram por parte da commissão de fazenda.
O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, sobre o projecto de lei n.º 6-K, prorogando ate 11 de junho de 1887 o praso marcado na lei de 11 de junho de 1883, que concedeu a camara municipal do concelho de Murça o edificio do convento de S. Bento da villa de Murça.
A imprimir.
O sr. Pinto de Magalhães: - Mando para a mesa o parecer da commissão do fazenda sobre o projecto do lei n.º 32-K, tendente a reorganisar o quadro do pessoal da caixa geral do depositos e caixa economica portugueza.
A imprimir.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de lei n.º 34 (orçamento rectificado)

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. ministro da fazenda.
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - A camara ouviu na sessão de ante-hontem as largas considerações produzidas sobre a questão financeira, pelo meu illustrado antecessor o sr. Barros Gomes. Escutamo-lo todos com a attenção e com a deferencia que é devida ao seu incontestavel merecimento como estadista, e a sua incontroversa auctoridade nos assumptos de que s. exa. se occupou. (Apoiados.)
S. exa. sabe, que por muito que eu o combatesse, não deixei nunca, porque era dever de consciencia meu, de prestar inteira justiça as elevadas faculdades de trabalho e as sinceras e patrioticas aspirações que o dominavam, quando s. exa. teve occasião de gerir uma pasta tão espinhosa como e a pasta da fazenda.
Ao caracter de s. exa. e á sua intelligencia prestei sempre inteira homenagem. Podia divergir das suas opiniões, podia não me conformar com as suas propostas, podia ir de encontro as suas medidas legislativas, nunca porém faltei ao que devia, de mim para com s. exa., ao que lhe era devido, pelo seu talento, pela sua illustração e pelo seu desejo sincero de acertar. (Apoiados.)
Nas considerações que a s. exa. ouvi, pessoalmente e por mim, só tenho que agradecer-lhe a benevolencia que me dispensou e até, por vezes, o apoio e força moral que entendeu dever reclamar para os meus actos e para o meu proceder. Se em alguma cousa foi cruel, foi só em ter tornado para si todo o tempo da sessão, não me dando por isso o prazer de para logo lhe responder.
De resto, as suas considerações foram tão levantadas, tão judiciosas, que, muito embora eu discorde da doutrina, não posso deixar de felicitar a camara que o ouviu, felicitando me igualmente, porque sempre aprendo nas discussões parlamentares em que os assumptos são tratados com verdadeira lucidez e com inteira convicção de idéas.
E tão desprendido parecia s. exa. de considerações politicas ou de intuitos partidarios; tanto me enlevava e captivava com as palavras que proferia, com as apreciações que apresentava ácerca dos assumptos financeiros, como se só cuidasse dos interesses do paiz e não dos interesses do seu partido, que, em verdade, foi necessario que eu ouvisse as phrases finaes do seu discurso para reconhecer que a industriosa abelha, que tão grande colmeia tinha architectado, tambem tinha o seu ferrão. (Riso. - Apoiados.) Nem isso admira, porque era uma abelha mestra. (Riso.)
Com isto não pretendo, é claro, fazer aggravo a s. exa. A abelha póde bem considerar-se como um prototypo de economia e de trabalho; e mestre e de certo s. exa. nas questões de fazenda. (Apoiados.)
O illustre deputado quiz varrer a sua testada. Tinha-se fallado aqui na administração do bispo de Vizeu, administração que s. exa. apoiára, e durante a qual viera mesmo pela primeira vez ao parlamento. Tinha as suas convicções e entendeu que lhe cumpria o dever e corria a obrigação de vir pugnar pela administração reformista; honra lhe seja.
Em s. exa. revelava isto apenas a hombridade do seu caracter e a lealdade dos seus principios politicos. Ainda me poderia eu admirar de ver o sr. Luciano de Castro defender aqui a mesma administração, elle que n'aquella epocha tão distanciado se achava dos principios reformistas; elle que era então adversario mais intransigente, talvez, da situação política a que presidiu o sr. bispo de Vizeu, do que o proprio partido regenerador; mas isto tambem mostra que, adherindo s. exa., como adheriu, a fusão de que se originou o partido progressista, entendeu que se não tomava a si toda a responsabilidade dessa administração, todavia a lealdade e a boa camaradagem política o levavam a entrar nesta discussão, com a elevação, com a generosidade e com o desprendimento proprio de um homem que tem a consciencia dos seus actos.
V. exa. comprehende bem que não é intuito meu vir atacar a administração do partido reformista em 1868.
O sr. Barros Gomes citou-nos os nomes dos ministros d'aquella epocha, para nos fazer ver que intelligencias tão esclarecidas, caracteres tão austeros, não podiam claudicar

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no cumprimento dos seus deveres. Era isto desnecessario para mim e para toda a camara.(Apoiados.)
Aos homens d'essa epocha, aos ministros que fizeram parte d'essa situação politica, inteira homenagem de respeito da nossa parte.
Todos conheceram o sr. bispo de Vizeu; ninguem o esqueceu ainda. Era uma alma nobre, um espirito levantado.(Apoiados.)
Podia ser rude na apparencia, podia ter uma ou outra expressão menos feliz, e infeliz foi de certo a expressão de que se serviu chamando papelinhos aos titulos de divida publica portugueza; mas não deixava por isso de ter uma vontade energica, inquebrantavel quasi, tendo tomado a responsabilidade de uma situação que luctou com as graves difficuldades d'aquella epocha.
Mas se não é meu intento atacar a administração reformista, é minha obrigação, todavia, não fazer resvalar, tão completamente como s. exa. desejaria, a responsabilidade d'essa situação para outra que partisse de ministerios que eu não tinha então a honra de apoiar n'esta camara, mas com cujas tradições me ufano e me orgulho.
Allegar que todas as difficuldades de 1868 a 1870 partiram do ministerio de 1865 a 1868, do ministerio regenerador, não e só fazer uma violencia á historia, tambem é ser menos generoso na apreciação dos vultos politicos d'aquella epocha.
Eu não quero invectivar contra os ministros reformistas, repito, mas não posso deixar de defender os ministros regeneradores.
Foi violenta a situação politica de 1868?
De certo que foi.
O nosso credito estava então abalado, os nossos titulos de credito deprimiam-se, os capitaes mostravam um retrahimento, manifesto?
É verdade tambem.
Mas, se pela cotação dos fundos se pode aferir até certo ponto, e com os correctivos que todos comprehendem, o, estado em que se encontra a situação do credito de um paiz no estrangeiro, sabe bem o illustre deputado que em 1868, quando o sr. Fontes deixou a pasta da fazenda, os, nossos fundos estavam a 41 por cento; desceram a 37 por cento na corrente d'esse anno, a 33 por cento em 1869, a 29 por cento em 1870. (Apoiados.)
Seria isto devido ao ministerio regenerador de 1865 a 1868? Não de certo.
A descida progressiva dos nossos fundos era proveniente de circumstancias da occasião; poderiam ser difficeis de vencer - e eu faço justiça aos ministros de então, acreditando que empregaram todos os seus esforços para as debellar,- mas hão eram nem podiam ser todas oriundas dos, actos da situação anterior. (Apoiados.)
Discutiu-se aqui muito o que o ministerio reformista encontrára, em dinheiro, em 1868.
Sobre esse assumpto quasi me podia eu dispensar de responder, pois que ao illustre deputado o sr. Luciano de Castro respondeu por mim o illustre deputado o sr. Barros Gomes.
Mas, para que não reste duvida sobre esse ponto, eu vou mostrar á camara o que dizia o sr. Dias Ferreira n'um documento official, quando era ministro da situação que resultou do movimento a que se chamou a janeirinha.
S. exa. dizia no documento que aqui tenho presente, que do emprestimo de cinco milhões e meio de libras, que fora auctorisado a levantar, não restava disponivel em 31 de dezembro de 1867 senão o capital effectivo de libras 1:604:063, o que importava em 7.218:000$000 réis.
Esta quantia era captiva, é verdade, de 5 por cento, como s. exa. em seguida advertiu; 5 por cento que representavam 300 e tantos contos; mas ainda assim havia para fazer, face aos encargos do thesouro uma quantia liquida de perto de 7.000:000$000 réis.
Não se póde contestar o facto de que d'esse emprestimo restavam cerca de 7.000:000$000 réis, desde que elle está affirmado no documento que acabo de ler á camara, e que nem mesmo era necessario que lesse, visto que o sr. Barros Gomes, confirmando-o, veiu dar fé de que o facto estava longe de ser tão inexacto como o desejava fazer suppor o sr. José Luciano de Castro.
O illustre deputado tomou um grande calor na defeza da administração reformista; nem eu o posso estranhar, visto que um outro deputado, da maioria, por entre as considerações de todo o ponto eruditas que expendeu, como manifestação de um largo estudo e de um apurado talento, o sr. Moraes Carvalho; foi ate ao ponto de dizer que a administração reformista era a mais nefasta que tinha havido no paiz.
Accusada assim a administração reformista, é natural o calor que manifestou o sr. Barros Gomes defendendo-a.
Mas s. exa. não ignora as difficuldades que então se deram e que se julgaram insuperaveis.
Não desejava revolver estes factos, porque é sempre doloroso para um coração portuguez, ao relembrar a nossa historia, pôr o dedo sobre uma ferida que ainda sangra, que não esta completamente cicatrizada.
Tenho aqui o relatorio do sr. conde de Samodães. Era s. exa. um homem cheio de boa fé, leal nas suas apreciações, despido de preconceitos e sempre movido do desejo de dizer ao paiz o que elle entendia representar n'essa epocha a situação financeira, e como ate certo ponto se podia ir de encontro aos obices que na marcha dessa situação se encontravam.
Este relatorio é bem eloquente ácerca das difficuldades que se deram nas negociações dos emprestimos que, ora se emprehendiam, ora se rompiam, tão atropeladamente, que mal davam tempo ao ministro da fazenda de então para saber como, de dia a dia, havia de satisfazer os encargos publicos.
E não direi mais, porque não quero menoscabar os actos da administração reformista; o que pretendo é resalvar os actos da administração regeneradora.
Com respeito as difficuldades que houve ácerca da questão do caminho de ferro do sul e sueste, diz s. exa. que essas difficuldades nasceram do procedimento do governo regenerador.
Vejamos, porem, como realmente nasceu essa questão que deve estar presente a todos.
Houve uma lei, de 29 de maio de 1860, que fez uma concessão a uma companhia ingleza, com respeito as linhas de Vendas Novas a Evora e Beja; mais tarde, pela lei de 23 de maio de 1864, deu-se um subsidio de 18:000$000 réis por kilometro para o prolongamento das linhas a que se referia a lei de 1860, mas como era cedida a linha do Barreiro a Vendas Novas, levou-se em conta da subvenção a pagar 1.008:000$000 réis, em que importava ao estado o custo d'aquella linha. Veiu depois a lei de 25 de Janeiro de 1866 e approvou o contrato de 14 de outubro, que converteu a subvenção em uma garantia de rendimento bruto de 3:600$000 réis, desde que determinadas linhas estivessem em exploração por mais de seis mezes.
Obrigava-se, porém, a companhia, a pagar 1.008:000$000 réis, custo da linha do Barreiro a Vendas Novas, e mais 1.970:678$000 réis, importancia da subvenção já recebida, o que tudo prefaz 2.978:678$000 réis.
Este pagamento devia effectuar-se em letras a praso, com a condição de que, se no fim do primeiro praso, a primeira serie de letras vencidas não fosse paga, as restantes consideravam-se vencidas.
Chegou o praso, as letras não foram pagas, protestaram-n'as. E qual foi o resultado?
Foi que o governo de então, de que faziam parte ,os srs. Fontes e Casal Ribeiro, publicou um decreto pelo qual rescindiu o contrato, sem a companhia ter direito de indemnisação alguma, e mandou abrir hasta publica para a adjudicação d'aquellas linhas.

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É claro que os portadores dos titulos se insurgiram contra esta decisão.
Instaurou-se um tribunal arbitral, e que tinha de julgar, não pelo rigor do direito, mas ex aquo et bono.
Faziam parte deste tribunal, o duque de Loulé, que não era de certo muito favoravel ao procedimento dos ministros regeneradores, o sr. Sá Vargas, que era um jurisconsulto muito distincto, e, alem d'estes, outros homens de consciencia e de boa fé; e o que succedeu foi que todos os arbritos, quer do lado do governo, quer do lado da companhia, deram rasão ao governo, quer do lado da companhia, deram rasão ao governo por elle ter rescndido o contrato, negando a indemnisação e aberto hasta publica para adjudicação da linha. Foi esta a decisão do tribunal.
Mas apesar de estar tão claramente reconhecido e justificado o procedimento do governo, que foi, como não podia deixar do ser, perfeitamente recto, logico e em harmonia com as leis do contrato, aconteceu que mais tarde um decreto da administração reformista vem dar força aos portadores dos titulos do caminho de ferro do sul e sueste, offerecendo-lhes uma indemnisação que foi apresentada as camaras e por ellas votado. (Apoiados.)
Comtudo, sabe v. exa. que o sr. conde de Samodães disse no seu relatorio que era: - " improprio da dignidade do paiz ceder perante a pressão de companhias, que pelos meios mais pertinazes procuravam arruinar as nossas finanças, e que allegavam direitos insustentaveis em presença dos contratos e da boa fé com que o governo os mantivera através de immensas difficuldades."
Como se vê o sr. conde de Samodães entendia que era necessario reagir contra a pressão da companhia, e que os direitos dos reclamantes eram insustentaveis; mas fazendo parte do ministerio reformista, publicou um decreto, prometteu dando uma indemnisação aos portadores d'aquelles titulos, contra todos os direitos do contrato, e veiu pedir á camara que sanccionasse essa promessa.
Portanto, de quem é a culpa?
A quem pertence a responsabilidade? Ao ministerio regenerador, que cumpriu o seu dever transigir n'esta questão?
Mas porque se discutiu tanto a administração do bispo de Vizeu? Se bem me recordo, esta questão veiu aqui ao lume parlamentar, em consequencia de um áparte do sr. Barros Gomes, dirigindo ao meu presado amigo e distineto parlamentar, o sr. Franco Castello Branco.
S. exa. fallando de 1852, exaltava o chefe do partido regenerador, o que estava na linha da sua posição politica; e dizia o sr. Barros Gomes, em um áparte, que 1852 representava a bancarrota! Dizia-o, não como quem applaude e elogia as medidas tomadas então, mas como quem censura, mas como quem entende que ellas foram nocivas ao credito do paiz; porque uma bancarrota não significa, em regra, o levantamento do credito nacional.
É essa expressão que precisa de correctivo, ou pelo menos de explicação categorica.
Porque veiu aqui fallar-se na administração reformista, e talvez por se dizer que ella tinha sido a mais nefasta ao paiz; porque se offendeu o illustre deputado nos seus brios politicos, é que s. exa. rematou o seu discurso na ultima sessão, compando Aristides com o sr. presidente do conselho, chefe do gabinete a que tenho a honra de pertencer; comparação esta que podia concitar os applausos dos seus amigos politicos, mas que me parecia dispensavel depois de um discurso tão erudito e circumspecto como o que s. exa. proferira. (Muitos apoiados.)
O applauso do seu discurso estava na hombridade com que s. exa. expozera as suas doutrinas.
Mas, desde o momento em que o illustre deputado julga dever seu vir acudir pela administração reformista, não póde estranhar que eu venha tambem acudir ao chamamento do illustre deputado e deitar para bem longe qualquer apreciação, não direi offensiva do caracter, porque s. exa. era incapaz de offender pessoalmente fosse quem fosse, mas em todo o caso menos benevola para o nome politico de um homem que representa as tradições de um partido (Muitos apoiados) e que como presidente do conselho de ministros é meu collega e meu chefe.
E se eu sou, e posso ser, naturalmente inclinado a relevar menos favoraveis apreciações que se façam a meu respeito, o mesmo não acontece quando se trata do chefe do partido a que pertenço, cujas responsabilidades acceito, de cujas tradições me ufano; quando se trata, enfim, de um homem a quem não só por sentimento meu, mas por dever do logar que occupo, tenho obrigação de collocar acima de quaesquer apreciações que a paixão politica possa trazer, não já como offensa directa ao seu caracter, mas sequer como offensa do seu bom nome politico.(Muitos apoiados. - Vozes: - Muitos bem.)
Varreu s. exa. a testada do ministerio reformista; eu tenho obrigação de varrer a testada do partido regenerador em 1852.
Foi uma bancarrota 1852, disse o illustre deputado n'um áparte que parecia consubstanciar a maior accusação politica que se podia dirigir a um governo, a uma situação qualquer.
O que foi realmente 1852?
Quaes as providencias então tomadas, e como podem ellas ser hoje julgadas?
Vejâmos isso.
Em 1852 houve um exemplo de providencias de largo alcance.
Duas sobresáem entre todas; uma foi a capitalisação e a outra foi a conversão da divida publica.
Examinemos as circunstancias em que o paiz estava, e muito succintamente, porque não pretendo demorar-me muito n'este assumpto.
O decreto de 21 de junho de 1851, decreto dictatorial, poz em vigor para o anno economico de 1851-1852 as leis de receita e despeza applicadas a 1850-1851. Por essas leis se vê que a receita era de 11.397:000$000 réis de então são hoje 30.000:000$000 réis.
A totalidade da despeza era de 12.524:000$000 réis. O deficit representava pois 1.127:000$000 réis.
Era pequeno este deficit em absoluto; mas comparada com os recursos d'aquelle tempo era bem superior ao actual; e alem do deficit havia as amortisações que absorviam réis 1.000:000$000. Então não eram as quantias em divida pagas regularmente, como hoje, na sua totalidade; a cobrança dos rendimentos, e quando as antecipações não chegavam, demoravam-se os pagamentos durante tantos mezes do anno quantos eram necessarios para que o deficit podesse ser, senão saldado, pelo menos attenuado, resultando d'ahi que os funccionarios não só deixavam de receber os seus vencimentos por inteiro, mas até nem sequer os recebiam com regularidade! (Apoiados.)
Desde 30 de junho de 1848 até fins de 1851 esses vencimentos achavam-se n'um sensivel atrazo; as soldadas da marinhagem eram pagas por metade em titulos de credito; os juros da nossa divida externa e interna estavam em atrazo de tres semestres de 1852 não havia dinheiro para isso.
Foi n'essas circumstancias que se promulgou o decreto da capitalisação de 3 de Dezembro, depois de se haver providenciado sobre os vencimentos dos funccionarios publicos.
Assim, em primeiro logar regularisaram-se os pagamentos aos servidores do estado, em setembro satisfazendo-se os vencimentos têem sido pagos com regularidade e não mais

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houve demoras, nem atrazos, para aquelles cujos rendimentos são escassos no complemento de utilissimos serviços.
Foram estes os resultados da primeira medida de1851, a que me refiro.
A outra foi a capitalisação em titulos de 4 por cento, a rasão de 100 por cento, dos vencimentos das classes activas e inactivas que estavam em atrazo, do juro e amortisação de emprestimo de 4.000:000$000 réis, contrahido com o banco de Portugal quanto á divida interna externa das tres, prestações semestraes que estavam em atrazo e das soldadas de marinhagem, a rasão de 50 por cento.
Assim se regularisou a situação financeira; assim os vencimentos dos funccionarios publicos se pozeram em dia; assim se pagaram os encargos da divida publica; assim se deu o direito que se podia dar ás indemnisações por conta dos vencimentos e encargos que estavam em atrazo. Outro decreto foi o de 18 de dezembro de 1852, mais largo ainda no seu alcance.
Quando se publicou o decreto de 2 de novembro de 1840, havia muito tempo que se não pagavam os juros da divida publica; auctorisou-se então o pagamento de 2 1/2 por cento ate 6 por cento para ficar em 5 por cento.
Qual foi o resultado?
Foi que os encargos, que ao principio eram leves, se iam accentuando e aggravando cada vez mais.
Por isso em 1845 se teve de fazer uma conversão na qual se fixaram os juros da divida publica em 4 por cento.
Pois apesar dessa conversão ainda foi necessario pela lei de 26 de agosto de 1848 fazer uma deducção de 25 por cento no pagamento dos juros.
Se elles eram a 4 por cento, ficaram reduzidos verdadeiramente a 3 por cento.
O que fez o decreto de 18 de dezembro de 1852?
Fez a conversão da divida publica, tomando o typo de 5 por cento e reduzindo-o a 3 por cento. Havia titulos de 6, 5, 4, 3 e 2 por cento. Os de 6 foram convertidos na rasão de 120 por cento; os de 5 ao par; os de 4 a 80 por cento; os de 3 a 60 por cento; e os de 2 a 40 por cento.
Foi assim que se pode conseguir, ao menos, liquidar os encargos existentes e levantar o credito do paiz que não podia deixar de estar abalado, desde que havia encargos que não eram satisfeitos nos seus devidos prasos, e que nem sequer os funccionarios do estado eram retribuidos, com a regularidade devida.
Foi tal o alcance d'esta providencia que ainda me recordo de que, apreciando-a um estadista, cujo merecimento ninguem póde contestar, dizia o seguinte:
"Devo dizer a v. exa. e á camara que, folheando esse volume da legislação de 1852, a que alludiu o sr. Hintze Ribeiro, não posso deixar de experimentar um sentimento de veneração e respeito pelos homens eminentes que firmaram com o seu nome aquelles trabalhos, e quando considero as provas de intelligencia, o talento pratico, as grandes e elevadas qualidades do governo, reveladas pelo sr. Fontes Pereira de Mello na occasião em que geriu a fazenda publica, nas circumstancias mais angustiosas e afflictas, conseguindo obter resultados tão notaveis, que pode datar-se d'essa epocha o melhoramento do nosso credito, não posso deixar de prestar o testemunho da minha profunda admiração e respeito pelo seu trabalhos."
Quem dizia isto era o sr. Barros Gomes em 1880!
Então o illustre deputado que tinha sobre si as responsabilidades de governo, e a responsabilidade especial da pasta da fazenda, quando se referia a 1852 exaltava o sr. Fontes Pereira de Mello. Agora, porque não podia desde logo retirar talvez as apreciações que fizera anteriormente, veio comparar o sr. Fontes de 1852 com o sr. Fontes nas epochas em que tornou a gerir a pasta da fazenda, e isto para fazer ver que o Aristides politico de outros tempos tinha decaído dos seus processes de governo, e não representava já nem uma vontade energica, nem um talento austero, mas tão sómente um systema de conciliações, de
transigencia e de fraqueza verdadeiramente deploravel.
Emfim, já não é mau ter sido grande, ao menos uma vez na vida!- muito peior seria de certo não o ter sido nunca.(Apoiados.)
Mas essas medidas de governo que s. exa. outr'ora exaltou, as de 1852, o que representaram?- uma dictadura!
Era por isso, que quando, outro dia, ouvia o illustre deputado, levado pelos assomos de um constitucionalismo intransigente, revoltar-se contra as dictaduras; porque aniquilavam, como s. exa. dizia, a constituição política do paiz, e combater com grande energia as deliberações que com esse caracter tomaram os seus adversarios e todos os actos que elles praticaram, eu notava que s. exa. assim procedesse, sem se lembrar de quanto havia já engrandecido os actos de uma dictadura! Mostra isto que as dictaduras podem ser boas ou más, conforme as circumstancias que as produzem, as medidas que contêem, e o alcance que podem ter.(Apoiados.)
Digo com franqueza que sou perfeitamente admirador do systema constitucional moderno; não me revolto, nem me podia revoltar contra elle; ao systema parlamentar devo o estar aqui sentado.(Muitos apoiados.)
Mas deprimir em absoluto as dictaduras, não será falsear completamente a historia?
Quando é que nos fomos verdadeiramente grandes, senão no tempo do marquez de Pombal?
Se então houvesse parlamentarismo, teriamos os decretos e providencias que então se tomaram?
Pois não era necessario áquella intelligencia robusta, áquella vontade inabalavel, que dominava todas as resistencias, ir de encontro a todas as pressões, e revoltar-se contra tudo que podesse violentar o seu systema, a sua doutrina, as suas aspirações e os seus commettimento?
Não era necessario que se achasse desprendido de toda e qualquer peia para se alevantar no seu vôo de apoio a uma altura que a todos assombrou?
Se houvesse então côrtes constitucionaes, porventura o reinado de D. José I, o governo do marquez de Pombal teria sido o que foi?
O que seria hoje a Allemanha em presença de um systema constitucional e parlamentar exagerado?
Fosse ella tão intransigente, tão meticulosa no seu regimen parlamentar, como o illustre deputado quer, que de certo o seu engrandecimento não seria o que é.
Não sabemos nós, porventura, como governa ali o chanceller do imperio? E procede bem, em proveito do seu paiz e da causa publica, e em beneficio da Allemanha, porque foi elle quem principalmente a levantou.(Muitos apoiados.)
O sr. Barros Gomes: - Mas governa com o parlamento!
O Orador: - Quando não governa contra o parlamento; quando se não levanta na camara para dizer - que o parlamentarismo e muitas vezes a desgraça de um paiz quando os estorvos parlamentares ou o egoismo dos partidos veem deturpar as intenções do governo e demorar os seus commettimentos e os seus actos!
E agora pergunto a s. exa. essa dictadura que s. exa. elogiou, a dictadura de 1852, fazia-se, porventura, se não fosse a rasgada iniciativa que então tomou o sr. Fontes, não consultando as camaras para resolver problemas que eram de todo o ponto urgentes? As medidas de então poderia s. exa. tomal-as com o parlamento aberto? As medidas que iam ferir profundamente interesses creados e interesses poderosos?
Essas medidas iam fazer uma revolução completa no nosso mundo financeiro; iam levantar o nosso credito; mas poderiam as aspirações que ellas traduziam ter vingado e produzido os seus resultados, se, desprendido da acção parlamentar, o genio verdadeiramente reformador que revelou então o notavel estadista, o sr. Fontes, não tivesse arcado com todas as difficuldades, debelado todas as resistencias,

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e imposto a sua vontado que era n'aquelle momento a vontade do paiz?(Apoiados.)
Mas, posteriormente, entende o illustre deputado que tudo o que o sr. presidente do conselho tem feito é verdadeiramente lamentavel! Em 1852 sim; mas hoje é triste ver como a energia succede a tergiversação; como aos verdadeiros commettimentos succede a franqueza.
E porque será isto? perguntava eu a mim mesmo. Porque será que o sr. Barros Gomes levantando assim o espirito e o procedimento politico do sr. Fontes em 1852, o deprime e arrasta dessa epocha por diante?
Em 1852 tambem as lutas politicas foram muito acesas. Os actos de dictadura incriminados no parlamento, foram discutidos com acrimonia, dando logar a accusações violentas e acerbas; porque esses actos não se praticavam sem se levantarem resistencias, sem se ferirem interesses; e os interesses insurgiam-se e as resistencias tomavam a sua desforra.
É que então o illustre deputado ainda não tinha nascido para a politica.
Vae longe 1852. S. exa. não conhece essa epocha senão pela tradição, e pelos archivos parlamentares; não tomou parte nas discussões politicas; não tem a incital-o os seus resentimentos partidarios; póde ser verdadeiramente imparcial a luz da historia, avaliando os actos d'aquella administração. Por isso o sr. Fontes era grande em 1852.
Mas, depois, o illustre deputado tem occupado um logar eminente e distincto no parlamento portuguez; logar que é de adversario intransigente do sr. Fontes; tem tornado parte nos debates ; tem manifestado as suas opiniões, e não póde por isso exaltar aquelle que tem arguido constantemente.(Apoiados.) Aqui está a rasão porque s. exa. exalta o sr. Fontes de 1852 e deprime o sr. Fontes de hoje. (Vozes: - Muito bem.)
Mas como nenhum de nós e eterno, um dia virá em que todos os resentimentos partidarios desappareçam, e então a verdade apparecerá em toda a sua luz, derramando-se sobre a historia politica d'estes ultimos tempos, e fazendo justiça áquelle eminente estadista. Então, não haverá resentimentos politicos; haverá apenas uma apreciação uniforme, e eu espero que, em honra de todos, se ha de exaltar e engrandecer quem tem servido sempre a patria com verdadeiro espirito de rectidão, e com verdadeiro desejo de acertar. (Vozes: - Muito bem).
Pois realmente é tão mau o que se tem feito de então para cá? Era má, era enferma, era fraca a situação política de 1865 a 1868?
S. exa. citou os nomes dos cavalheiros que compozeram o ministerio reformista; eu posso citar tambem os nomes dos cavalheiros que compozeram o ministerio n'aquella epocha. Eram os srs. Fontes, Mártens Ferrão, Andrade Corvo, Casal Ribeiro e Barjona de Freitas, nomes bem conhecidos, auctorisados e respeitados. (Apoiados.)
Não se póde, com justiça, qualificar de fraca e má uma situação que tinha a sua frente homens de tão grande importancia politica. E pelo ministerio da justiça se promulgava o codigo civil, a lei da imprensa, a reforma das prisões: e pelo ministerio das obras publicas se tomavam providencias tão proficuas como as que regularam as sociedades anonymas, o estabelecimento de bancos agricolas, e outras muitas de benefico effeito em relação a nossa situação economica.
Á par disto, os ministerios do reino e da fazenda decretavam a reforma administrativa e a da impostos de consumo.
Contra estas duas reformas levantou-se, e certo, tão grande resistencia que fez abalar o governo. Mas agora que já decorreram bastantes annos e que já passou a paixão partidaria, diga-me s.exa.: se aquellas providencias - a reforma administrativa e a dos impostos de consumo - tivessem vigorado, estariamos nés na situação em que estâmos? Estariam os municipios nas más condições em que
o illustre deputado, o sr. Dias Ferreira, os descreveu? (Muitos apoiados.)
O municipio de Lisboa estaria tão fraco e abatido como s. exa. disse que está? A administração da fazenda dos concelhos seria tão desastrada, tão anomala como o mesmo illustre deputado vem ha dias dizer ao parlamento?(Apoiados.)
E quantas das outras providencias que tambem inquietaram a opinião publica, não estão já em vigor dispersas noutras leis?
A reforma consular e do corpo diplomatico, do sr. Casal Ribeiro, que levantou tantos clamores, até essa foi diluida em differentes providencias que estão hoje em execução; e como está outras medidas contra as quaes nessa epocha se suscitou energica opposição.
Acerca da administração financeira de 1871 a 1873 não serei eu quem falle; será uma auctoridade que s. exa. muito respeita; e cito-a, embora não esteja presente, porque não e para a combater, mas sim e unicamente para com ella me justificar; essa auctoridade e a do sr. Mariano de Carvalho, que escreveu o relatorio sobre o orçamento geral do estado apresentado as côrtes em 1880, e no qual se fazem muitas referencias, muitas apreciações a respeito do augmento das receitas e do levantamento do credito a partir de 1851.
Nesse relatorio encontro a seguinte com relação as receitas ordinarias de 1871-1872 a 1875-1876:

Em 1871-1872.... 17.812:000$000
Em 1872-1873.... 10.015:000$000
Em 1873-1874.... 22.828:000$000
Em 1874-1875.... 23.311:000$000
Em 1875-1876.... 25.199:000$000

Em cinco annos houve, pois, um augmento, nas receitas ordinarias, de 7:387:000$000 réis:
Tão desastrada, tão má era a administração, tão perdularios os actos de quem geria os negocios publicos que as receitas cresciam 7.387:000$000 réis em cinco annos.
Não são documentos meus que o dizem, são os documentos que s. exa. mandou colligir e que estão publicados.
Á luz da historia convem que sejamos sempre imparciaes e juntos. É preciso que se faça justiça ás intenções de todos, porque só assim se póde bem avaliar a maneira de proceder dos ministros.
Para nada serve deturpar os actos e as intenções de cada um; não vinga a censura ao procedimento de um ministro, quando justo e em harmonia com a lei. Póde um ministro errar, peça-se-lhe por isso a responsabilidade; na certeza, porém, de que se errar na direcção dos negocios publicos, será sempre de boa fé, e a despeito da melhor vontade de bem administrar.
Todos procuram servir com proveito a causa do seu paiz. E o que todos os ministros da fazenda têem feito, e o que fez o sr. Fontes em 1852, e sempre que tem gerido a pasta da fazenda. Por vezes tem transigido, mas to porque as circumstancias do tempo, assim o exigiam em attenção as condições em que só tem encontrado a fazenda publica e o movimento economico do paiz.
E porque governar e attender ao que se vê, e prever o que ha de vir. (Apoiados.)
Dito isto, ponhâmos a historia de parte, e discutamos o orçamento rectificado.
Pelo que toca ao orçamento rectificado, o illustre deputado começou umas certas
por não levar a bem uns certos artificios e umas certas combinações, que s. exa. julgava descobrir por parte da commissão de fazenda, de que e relator o sr. Carrilho, e isto no intuito de diminuir as despezas, avultar as receitas, desvanecer o deficit, e illudir assim a confiança do paiz.
A aggressão é immerecida, porque a competencia do sr. Carrilho n'estes assumptos é de todos perfeitamente reco-

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nhecida; e ainda não ha muito foi s. exa. o primeiro a tecer-lhe encomios pela publicação da conta geral da administração financeira, compilação estatistica: de todo o ponto importante, e que eu folgo de poder declarar que é obra do sr. Carrilho como director geral da contabilidade publica. (Apoiados.)
De resto, não houve artificios nem combinações; e senão vejamos em que ellas consistem.
Disse s. exa. que um empregado da agenda financial de Londres se aposentara; mas como não convinha avultar a despeza, diminuiram-se os encargos da agencia.
Para se dizer que isto e um artificio, seria precise mostrar que os juros e encargos de amortisação da agencia reclamam precisamente a quantia que primeiro estava indicada; e do mesmo modo, para se mostrar que o orçamento testava falsificado, seria necessario provar que elle continha uma inexacta previsão de verbas; mas s. exa. não o provou.
O illustre deputado tambem citou, entre outras combinações, a de augmentar o orçamento de impostos que de facto diminuem.
O imposto sobre cereaes devia dar, segundo as primeiras previsões, disse s. exa., um augmento de 90:000$000 réis, e todavia a diminuição e já de 60:000$000 réis.
Em primeiro logar, parabens á agricultura. Pois se ha uma crise tão grave no paiz; se as reclamações são precisamente no sentido de que se elevem os impostos para que a importação de cereaes estrangeiros diminua em beneficio da produção nacional, e se esta importação já diminuiu, como s. exa. diz, devemos sentir-nos felizes porque isto importa o renascimento da nossa agricultura. (Apoiados.)
As estatisticas mostram a rasão por que a importação dos cereaes tem subido até ao ponto de prejudicar os interesses da agricultura nacional; a do trigo foi, nos ultimos annos, a seguinte:

[Ver tabela na imagem]

Em 1880 ....
Em 1881 ....
Em 1882 ....
Em 1883 ....
Fm 1884 ....

Sabe o illustre deputado, attendendo aos valores das quantidades importadas, quaes os preços que se apuram por kilogramma? são estes :

[Ver tabela na imagem]

Quer dizer que os valores da importação dos trigos têem diminuido em relação as quantidades importadas, e é esta diminuição que da logar a que os trigos que vem de fóra possam competir com os trigos portuguezes.
Desde o momento em que as informações nos dizem que as colheitas nãosão lá fóra tão abundantes como nos ultimos annos, e em que as cotações nos dão actualmente preços mais elevados para os trigos de cá, creio que o problema economico não esta tão feio como ao principio se dizia, a não ser que as apreciações do illustre deputado sejam de todo o ponto infundadas.
Mas que alcance tem isto para o orçamento rectificado?
Diminuem em 60:000$000 réis os direitos cobrados pela, importação dos cereaes? Mas s. exa. logo em seguida confessa que outros rendimentos se avolumam ;em dezenas de contos, alem das previsões. Como quer, pois, s. exa. destruir a verdade do orçamento rectificado?
Sr. presidente, senti bastante que o illustre deputado se insurgisse contra as despezas que vem descriptas a mais para a fiscalisação externa.
Que outro qualquer, que não soubesse os meios praticos, de que o governo póde lançar mão para alcançar melhor cobrança na receita, o fizesse, seria menos estranhavel; mas o illustre deputado, que geriu a pasta da fazenda? Francamente é caso para muita extranhesa.
Pois s. exa. comprehende que eu, sem augmentar as despezas da fiscalisação, poderia alcançar o mesmo resultado que alcancei desde que melhorei e apertei o rigor dos processes da fisealisação, remunerando como devia o serviço prestado?
De certo que não.(Apoiados.)
O que representam estas verbas que estão aqui descriptas a mais ?
Representam um maior movimento de pessoal; são verbas destinadas a auxiliar as operações feitas pelo pessoal de fiscalisação externa, e que não são improductivas, porque são indispensaveis para a melhor arrecadação da receita.
E demonstrando em que, embora as verbas das despezas augmentassem 60:000$000, 70:000$000 ou 80:000$000 réis, as verbas de receita augmentam em mais de réis, 1.000:000$000 creio que tenho um saldo de tal maneira quantioso, que me dispensa bem de outra resposta a s. exa. (Apoiados.)

. exa. tambem extranhou que eu descrevesse uma verba de 160:000$000 réis para encargos do contrato em conta corrente com o Comptoir d'Escompte, quando, pelo mappa da divida fluctuante, esses encargos se deviam reputar extinctos.
Ora, esses encargos referem-se aos mezes de julho a dezembro; em julho ainda s. exa. encontra divida fluctuante externa, em agosto igualmente, e aqui está o mappa que o demonstra.
(Interrupção do sr. Barros Gomes, que não foi ouvida.)
Mas como queria s. exa. que eu, não tendo ainda as contas approvadas, deixasse de inscrever no orçamento uma verba com a qual podesse contar ?
Não podia deixar de ser.
Se s. exa. tiver nesse ponto a mais pequena duvida, posso trazer-lhe os esclarecimentos que desejar pela direcção geral do thesouro; mas o que posso dizer a s. exa. e, que se essa verba se incluiu, foi porque ainda não tinham chegado as contas da agencia relativamente aos mezes de julho a dezembro, e eu não podia ficar a descoberto.
Comtudo, creia s. exa. que apenas se hão de satisfazer as despezas que effectivamente se tiverem realisado, como. s. exa. poderá depois verificar, pedindo as contas d'essas despezas, que eu muito gostosamente apresentarei.
Disse mais s. exa. que não se insurgia contra o augmento de despeza para a feitura de novas matrizes, e na verdade não me parece que podesse insurgir-se.
A lei de 1880 e de s. exa.; a revisão das matrizes e indispensavel para que essa lei se possa executar; eu combati a sua proposta, mas como lei pugno pela sua execução.
Mandei rever as matrizes em seis districtos mais; está claro que as despezas haviam de augmentar; não e possivel ter quem trabalhe, sem que se lhe pague; o augmento é pelo contrario um excellente symptoma de que se continua no melhoramento das matrizes, exactamente para que a lei de 1880 produza os beneficos resultados que se esperava d'ella. S. exa. queria saber quaes os resultados obtidos. No anno passado publiquei alguns desses resultados; este anno ainda o não fiz, porque os não tenho completos, em relação a nenhum districto mais. Os que estão menos incompletos são os de Lisboa, e logo que se concluam virão ao parlamento, tendo então s. exa. occasião de poder confirmar a sua aspiração, de que pela revisão das matrizes se possa conquistar uma grande elevação de rendimento.
Depois disto, ainda s. exa. veiu discutir as despezas sanitarias.

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S. exa. foi quem propoz a lei de contabilidade publica, c? todavia, sinto interpretal-a de uma maneira muito differente d'aquella por que s. exa. a interpreta.
O illustre deputado entende que o tribunal de contas devia ter resistido contra as ordens de pagamento emanadas do governo, por occasião da dictadura que assumiu com relação as providencias tendentes a obstar a invasão do cholera; a minha opinião e diametralmente opposta.
Se o governo não houvesse assumido a dictadura para esse fim; se o governo não se houvesse substituido á lei por um decreto referendado pelo chefe do estado e assignado por todos os ministros; se qualquer ministro se limitasse pela sua parte a ordenar um pagamento qualquer que não estivesse auctorisado por lei, ou por um decreto que substituisse a lei, e o tribunal de contas resistisse a visar essa ordem, perfeitamente de accordo; mas desde que o governo se substitue a lei e assume a responsabilidade de um acto dictatorial, em nome de que ha via o tribunal de contas de resistir? Bem ou mal, conveniente ou inconvenientemente, todo o governo tinha ali a sua responsabilidade por um decreto dictatorial.
Pois um governo entende que deve praticar um acto desta natureza, reservando-se para dar conta delle ao parlamento, e o tribunal de contas ha de vir inutilisar o procedimento do governo, resistindo á execução do decreto por elle publicado? É impossivel. (Apoiados.) Quantos fiscaes temos então para os actos da dictadura? O parlamento e o tribunal de contas? Basta o parlamento. (Apoiados.)
Mas o tribunal de contas devia ter-se recusado a por o visto, disse s. exa., quando o ministro depois de ter assumido a dictadura ordenou o pagamento, porque recebia essa ordem de pagamento em circumstancias anormaes.
Quando um ministro ordenar o pagamento de uma verba superior á auctorisação legal, acho perfeitamente regular que o tribunal de contas se recuse a pôr o visto; o que o ministro póde então fazer, em conselho com os seus collegas, é tomar a responsabilidade de em todo o caso fazer visar a ordem. Mas tratando-se de um acto de dictadura que se substitue á lei, e de se ha de prestar contas tão só perante o parlamento, a recusa do tribunal de contas não tem rasão de ser. (Apoiados.)
A responsabilidade da dictadura assumida pelo governo liquida-se aqui, e só o parlamento póde decretar a accusação dos ministros que tiverem delinquindo, ou condemnar o seu procedimento se entender que elle foi inconveniente. O tribunal de contas desde que encontrava, senão uma lei, um decreto, que para aquelle effeito de momento como que representava uma lei, tinha rigorosamente de cumprir. (Apoiados.)
É esta uma questão de jurisprudencia em que eu posso não Ter a melhor opinião no entender do illustre deputado, mas em que tenho, em todo o caso, naquella que a minha consciencia me dita, que o exame das leis me suggere, e que a propria dignidade do governo me aconselha; porque se reconheço a competencia do parlamento para tornar effectiva a responsabilidade dos actos politicos, não reconheço no tribunal de contas competencia para esse effeito.
Para fazer cumprir os preceitos da contabilidade, inteiramente de accordo, - essa missão é a missão do tribunal; para exigir ao governo a responsabilidade de uma medida cujo alcance politico ninguem desconhece, digo absolutamente que não; para isso só quero o parlamento. (Apoiados.)
Dito isto, permitta-me o illustre deputado declarar-lhe que senti realmente que s. exa. dissesse, em relação ás medidas sanitarias, que o paiz não podia pagar defezas d'estas.
Quando o mal estava imminente, ninguem usava d'essa linguagem, ninguem dizia isso ao governo. (Apoiados.)
Estimo ver o illustre deputado tão animoso.
É um symptoma de que a situação é mais desafogada.
Oxalá que a apreciação de s. exa. se mantenha, apesar de tudo e contra tudo, para dar rasão ao ministro da fazenda, quando de todos os lados se pedirem meios para obstar a invasão de um flagello tão prejudicial em todas as suas consequencias, e tão damninho nos seus deploraveis effeitos, como aquelle de que nos vimos ameaçados no anno passado.
Oxalá que o ammo de s. exa. permaneça inabalavel, apesar de quaesquer circumstancias que porventura se dêem.
Em todo o caso não posso deixar de deplorar que s. exa. diga que o paiz não pode com defezas d'estas, quando é certo que se o cholera, tivesse vindo a Portugal, nos custa na bem mais do que as despezas que fizemos. (Apoiados.)
S. exa. entende que nunca e demasiado caro o preço por que se conquista a abolição da escravatura como já aqui o manifestou, e numa questão do saude publica, numa questão de salvação de milhares de vidas, acha que o paiz não pode com a despeza de 400 e tantos contos. (Apoiados.)
No que eu tive verdadeiro prazer em ouvir o illustre deputado, e digo verdadeiro prazer, porque s. exa. fallou então com verdadeiro sentimento, porque fallou com o seu coração, foi ácerca do estado dos nossos hospitaes.
Só admirei uma cousa; foi que lhe tivesse sido precise ir a Rilhafolles para saber o estado em que aquelle estabelecimento se encontra; foi que não soubesse antes disso a maneira como os desgraçados que para ali não se acham accumulados por forma que não pequenas são as deficiencias de tratamento que experimentam.
Ha muito que não vou aquelle estabelecimento; mas tenho a respeito d'elle as informações que a s. exa emquanto ministro não deveriam faltar antes mesmo de lá ir; e tanto me basta para applaudir as expressões sentidas que s. exa. soltou em favor dos infelizes que ali existem encarcorados.
E creia s. exa. que não é nisto que eu regateio as despezas.
N'este mesmo orçamento rectiticado encontrara s. exa. uma verba a mais para se acudir ao tratamento dos doentes que se encontram accumulados no hospital de S. José e suas dependencias.
Eu não discuto se a accumulação dos doentes no hospital de S. José se podia até certo ponto evitar, sem augmento de despezas, pela alta dada, ou aos individuos que tivessem uma melhoria tão sensivel que lhes permittisse sair d'aquelle hospicio ou aos indivduos que estivessem n'um estado de doença tão permanentes e chronica que devessem recorrer a outros estabelecimentos.
Não discuto se esta medida nos pouparia a muitos sacrificios e a muitas despezas.
Dando como certo que as pessoas que superintendem na administração d'aquella casa, cumprem rigorosamente os seus deveres, velando pelos interesses da saude publica, eu não discuto se a accumulação nasce de circumstancias que pelo menos até certo ponto se poderiam evitar, ou se e um facto a que só por uma forma mais radical se pode por termo; mas creia s. exa. que, assim como não me oppuz a inserção no orçamento rectificado, de uma verba maior para o tratamento de doentes, não faria tambem questão de uma reforma nos hospitaes, de modo a valer aos que são verdadeiramente infelizes. (Apoiados.)
O illustre deputado referiu-se tambem a uma outra instituição de caridade, o asylo do Rato.
S. exa. estranhou que para uma instituição que é verdadeiramentehumanitaria, porque tem por fim abrigar as creanças abandonadas, se tivesse dispendido 80:000$000 réis, 1000:000$000 réis, ou mais.
Acrescentou s. exa. que esta despeza foi feita com inteiro desconhecimento do parlamento; que foi innegavelmente um acto perdulario, m esbanjamento d parte do governo, ás escondidas das camaras, occultando o que fa-

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zia, não dando conta aos seus fiscaes politicos do que praticava.
Permitta-me o illustre deputado dizer-lhe que não é isto exacto.
Em 1883, quandop aqui se discutiu o orçamento do ministerio das obras oublicas, esta questão foi largamente ventilada.
Os documentos da despeza forma pedidos e vieram.
Veiu até o próprio orçamento das obras.
Apesar d'isso, apesar do parlamento Ter pleno conhecimento do que estave fazendo, não poz cobro ao andamento dos trabalhos e não deu uma applicação diversa aquella edificio.
Não foi, pois, nem subrepticiamente, nem para se furtar a acção parlamentar que o governo emprehendeu aquella construcção; e ninguem ignora que muitas vezes para se effectuar a reconstrucção de um edificio tão arruinado como aquelle estva, e impossivel saber-se bem com antecipação quaes as despezas a fazer; e o parar é impossivel; continuar é imprescindivel.
Se o illustre deputado me permitte, dir-lhe-hei com toda a sinceridade a opinião que individualmente tenho sobre o assumpto.
Eu entendo que, quanto aquella instituição seja merecedora da attenção do publico, as condições materiaes d'aquelle edificio se adptavam melhor a outro fim.
Temos tanta falta de edificios com largaleza e condições hygienicas para instituições altamente proveitosas, que me parece que aquella instituição podia ser removida para outro edificio mais modesto, mas proprio das condições em que o ensino e a educação moral se tem de ministrar ali.
Tenho ouvido proclamar a conveniencia de se applicar o convento da Estrella para o estabelecimento de escolas normaes; talvez que melhor fosse dar essa applicação ao edificio do Rato.
Tenho tambem ouvido reclamar como necessario um outro edificio para o lyceu, porque está em boas condições o actual; é possivel que esse estabelecimento se podesse ali accomodar.
Ouvi o illustre deputado, o sr. Barros Gomes, queixar-se da accumulação de doentes dos hospitaes de Lisboa; não poderia o edificio de Rato converter-se n'uma dependencia do hospital de S. José?
As opiniões variam; a minha, individualmente, é de que o edificio de Rato deveria ser applicado a uma instituição que exija mais largas e amplas accomodações do que exige a instituição, aliás utilissima, que ali se estabeleceu.
Feitas estas considerações ácerca do orçamento rectificado, entrarei com o illustre deputado na analyse mais geral da nossa situação financeira.
Eu commeti um grande erro, um verdadeiro delicto politico, porque tive a audacia de escrever um relatorio de fazenda, em que se pede que se ponham de parte as dissenções partidarias, e cooperem todos para se levantar o credito do paiz.
Tive a fraqueza e a illusão de escrever era um trabalho modesto, e filho tão só das minhas convicções, o seguinte trecho:
«Tão consequente é o problema, tão graves as responsabilidades que elle envolve, que bom fôra que no interesse do paiz se unissem as bandeiras politicas, e se pozessem de lado as dissensões partidarias.»
Foi este o meu crime, e tanto bastou para o illustre deputado, o sr. Luciano de Castro, que, posto que eu nada tenha a dizer que o possa melindrar, sinto não ver presente, viesse aqui exclamar: - pois quê? Vida folgada para o governo! - esbanjamentos á sua vontade; actos verdadeiramente censuraveis; e quendo o parlamento disser: - alto lá! o credito do paiz está a reclamar providencias, - implora-se misericordia ao parlamento!
Foi então isto o que eu escrevi?
Pedi eu, porventura, misericordia parlamentar? Não a pedi a ninguem, porque seria isso até contra a minha dignidade, visto Ter palavra para me defender, e convicções para me apoiar. (Muitos apoiados.)
Não quero ter o orgulho de dizer que posso prescindir da benevolencia dos meus adversarios politicos, antes pelo contrario estimo muito a sua cooperação. Mas nunca pedi benevolencia para mim chamei apenas a attenção do parlamento para um problema tão grave como é o da fazenda publica.
Escrevendo aquellas palavras provei só que tinha pesado bem o alcance das appreciações que se faziam lá fóra.
Depois appareceu um opusculo em que se transcrevia as palavras que se tinha aqui proferido um distincto parlamentar, o sr. Dias Ferreira, mostrando como é que um homem que tinha sido ministro da fazenda se expressava ácerca do credito do seu paiz.
Era contra esta regeneração que eu reclamava, exageração que o illustre deputado, o sr. Barros Gomes, já aqui notou, porque nos disse que reputava carregada a côr do quadro, que se traçára.
Essas exagerações podem talvez fazer mal ao governo; se o fazem, é isso o menos; mas com certeza fazem muito mal ao paiz. (Apoiados.)
É necessario dizer a verdade sem illusões, sem ambages, sem artificios. Estou de accordo.
O que não é necessario é que se deturpem os factos.
É preciso que se diga a verdade ao paiz, como muito bem advertiu o sr. Barros Gomes; mas só a verdade, para que o paiz nem se julgue tão farto e rico que venha todos os dias reclamar augmentos de despeza, nem tão pouco se considere á beira de um abysmo.
Deve dizer-se a verdade, é necessario que ella se diga em honra dos parlamentos o dos ministerios que gerem os negocios publicos; mas a verdade.
Se é mau dessimular o que se si é grave, o pintar com cores brilhantes o que realmente é feio e sombrio, não deixa de ser igualmente pernicioso o ensombrar com cores as mais escuras a tela em que se inscrevem as mais accentuadas indicações do nosso movimento economico e financeiro, e não menos perigoso me parece, tambem exagerar acintemente as difficuldades que se apresentam, pôr o paiz todos os dias á beira do abysmo, repetir que a bancarrota está imminente, que o credito publico não tem acceitação, que os meios faltam e os recursos esgotados. (Apoiados.)
É por isso que eu digo como o illustre deputado, talvez sob outro ponto de vista, mas com menor convicção, a verdede e só a verdade. (Vozes: - Muito bem.)
O que eu vejo, porém, é que cada um encara a questão de fazenda por maneira diversa, em harmonia com as suas idéas, segundo os principios que professa, e consoante as inclinações do seu animo e dos seus sentimentos.
Por exemplo: - e longe de mim querer fazer um retrospectivo, exame á discussão que já vae longa, ou maguar sequer ao de leve ao illustre deputado, antes, e tão sómente, mostrar-lhe que ouvi attentamente o seu discurso. - O sr. Consiglieri Pedroso entende, quanto ás receitas, que temos impostos sebremaneiras odiosiosimos; que o imposto do sal é vexatorio, e convem abolil-o; e que outros tributos, que carregam e vão ferir interesses a que é justo attender, alijados devem ser tambem.
Quanto ás despezas, acha que a instrucção publica está abandonada, que é necessario augmentar-lhe a dotação; que a magistratura está tão mal retribuida que é de incontestavel equidade elevar-lhe os vencimentos!
Ora imaginem o que seria o paiz, se fossemos abolir todos os impostos que se dizem vexatorios, - e eu não sei quaes os que o não sejam - , e se fossemos augmentar todas essas despezas de que no fallam - onde chegaria o deficit?
Seguramente o illustre depuatado não é isso o que deseja.

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Eu respeito muito o caracter do illustre deputado, e mais ainda, se e possivel, os sentimentos que o animam; por que me parece que era repassado de sentimento aquillo que s. exa. dizia; era mais com o coração do que com a fria rasão com que s. exa. fallava. Apiedou-se muito dos servidores do estado e mais se apiedou ainda dos que se acham sujeitos a collectas sobrecarregadas. Foi por sentimentalismo, e não como financeiro, que s. exa. discursou. N'estes termos, que resposta posso eu dar a s. exa.!
Pelo que toca ao sr. Luciano de Castro, cousa notavel, esse foi mais sombrio do que o sr. Barros Gomes; chegou a fallar nos em abysmo; foi ate ao ponto de dizer-nos que podia estar breve uma bancarota se não tivesse-mos juizo; e que elle não queria, quando o partido progressista ascendesse ao poder, ver-se a braços com difficuldades, realmente arduas, para as vencer. E s. exa. tinha nisso muita rasão; no que a não podia ter era nas apreciações que fazia. De resto, na aspiração de que o paiz se liberte de attritos e do embaraços, justissima aspiração essa!
Mas a esse respeito dizia o sr. Luciano de Castro: - com que meios conta o sr. ministro da fazenda para occorrer ao deficit? Isto assim não pode continuar! E necessario pormos cobro a esta falta de iniciativa que se esta revelando da parte do governo! São necessarias medidas legislativas importantes para que possamos sair dos embaraços em que nos encontramos. E logo apoz acrescentava s. exa.: - em materia de impostos bastam-nos os que temos; governemos com os que já actualmente existem; procuremos quanto for possivel melhoral-os, mas nada de os augmentar!
De maneira que eu continue num certo embaraço a este respeito; sei bem, pela linguagem de s. exa., só a questão de fazenda está tão má que seja urgente, indispensavel, inadiavel sair d'este cahos, desta anormalidade de condições financeiras, - ou se devemos deixar seguir os impostos, na sua natural corrente, para que, desenvolvendo-se a riqueza publica, o paiz se possa libertar de apuros financeiros.
E, continuava s. exa.: - não bastam as reformas politicas; tratemos a serio das finanças!
De accórdo. Mas, sr. presidente, é notavel o prurido que tem o partido progressista de fallar das reformas politicas.
As reformas politicas são para s. exas. o mesmo que o pomo vedado era para Eva; s. exas., que estão prohibidos do tocar nesse gravissimo assumpto, manifestam um irresistivel desejo de expôr a sua opinião a respeito das reformas politicas, apesar do todos os seus protestos de silencio, e do seu proposito do mais completo mutismo.
Apenas ellas se votaram, veiu o sr. Luiz José Dias discutir, durante duas sessões, a questão do beneplacito. (Riso.)
No outro dia, o sr. Barros Gomes, que tão preso e enleado anda sempre nas questões financeiras, por mais de uma vez se surprehendeu a fallar das reformas politicas, violando a cousique até ao ponto de se collocar ao lado do sr. Marçal Pacheco; (Riso.) e então como o pomo lhe era vedado, sopeou a tempo a sua verve, e como varão forte se retirou do campo.
Mas, voltemos ao assumpto que discutiamos.
Ha um ponto sobre o qual o sr. Barros Gomes e o sr. José Luciano estão de accordo, e eu tambem.
Folguei muito de os ouvir, e achei sobremodo sensatas as apreciações que fizeram no que toca as despezas extraordinarias.
S. exas. entendem que conviria evitar que as despezas extraordinarias se avultassem: e dizia o sr. José Luciano: - resista o sr. ministro da fazenda; acrescentava o sr. Barros Gomes: - a quaesquer seducções de popularidade, a quaesquer pressões das associações commerciaes!
Perfeitamente de accordo. Eu entendo, e não creio que me engane, que a missão do ministro não e grangear popularidade, mas sim cumprir os seus deveres a despeito
de tudo e apesar de tudo, sem nunca faltar ao que a sua consciencia lhe impõe.
A popularidade que se ganha calcando a pés juntos a missão que esta incumbida, essa popularidade não a quero eu para mim.
Tambem acho prodente que se evite, quanto possivel, o augmento das despezas extraordinarias algumas mesmo, que alias são uteis e importantes, e que tem um alcance economico que ninguem póde desconhecer, até essas, se é possivel adial-as, adiemol-as. Perfeitamente de accordo. Eu archivo as palavras dos illustres deputados, acceito o apoio e a força moral que me quizeram dar, e oxalá que chegada a occasião, eu os encontre tão promptos na fdeeza do meu procedimento, e tão cheios de sincera lealdade quanto em identicas circumstancias seria leal e sincéro o meu modo de proceder para com s. exas. Vozes: - Muito bem.)
É conveniente não abusar do credito? sem duvida.
É perigoso, não me arreceio de dizel-o, estarmos todos os dias a cansar os mercados estrangeiros? - incontestavel é.
Tendo feito, ainda ha pouco, uma operação de credito, e ainda bem que a fizemos em condições vantajosas para o paiz, não convém que tão cedo, emquanto podermos evitar isso, vamos de novo solicitar capitaes que póde ser que não corram tão pressurosos como correram d'esta vez? Ainda, neste ponto, perfeitamente de accordo.
Mas o que espero é que quando o ministro da fazenda, seja eu ou quem for, seguindo esta norma de procedimento, encontrar resistencias, s. exa. me acompanhem para as vencer se eu for ministro, assim como eu acompanharei s. exa., se estiverem sentados nestas cadeiras. (Apoiados.)
Dito isto, examinemos a situação financeira.
Eu prezo-me de ter dito a verdade ao paiz, não ter procurado illudir a boa fé do publico, não ter architectado miragens tão agradaveis quanto enganadoras ácerca da reducção do deficit, do augmento das receitas, das difficuldades que se vencem e dos encargos que diminuem.
Prezo-me, pelo contrario, de que nos documentos que tenho apresentado ao parlamento está expressa a verdade, sá a verdade e toda a verdade.
E, se não vejâmos.
O illustre deputado começou por apreciar a ultima operação de credito que se realisou, do emprestimo, primeiro acto financeiro importante da minha gerencia.
Folguei de ouvir dizer ao illustre deputado que esta operação de credito era realmente vantajosa para o paiz. S. exa., embora divergisse na apreciação do um ou de outro ponto, considerava, nos seus resultados, essa operação como tendo sido levada a effeito com decidida vantagem para o thesouro, certamente pelo preço liquido dos titulos. Nem outra cousa podia ser.
S. exa. sá lastimava que eu não tivesse dirigido as negociações por forma que facilitasse a execução da lei ácerca da exportação da moeda. Mas se eu executasse a lei antes de ter levantado o emprestimo, e claro que me levariam em conta a modificação que só desse nos cambios. Ajustadas as condições do emprestimo, embora não tivesse algum compromisso nesse sentido, e não o tinha, não seria até certo ponto faltar a boa fé do contrato, que tinha sido calculado sobre determinados encargos, o aproveitar para mim uma diminuição de cambio, sem attender aos encargos que com isso ia lançar sobre a emissão?
Mas então em que podia consistir a boa direcção a dar as negociações? Estaria em pactuar o recebimento, em Londres, de todo o producto do emprestimo? Mas s. exa. reconheceu commigo que, desde que eu tivesse de transferir de Londres avultadas quantias para realisar pagamentos aqui, o cambio havia de vir inevitavelmente para o par.
Advertia o illustre deputado que. por aquella forma eu poderia melhor habilitar a pagar de futuro os coupons. Ora,

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o coupon então a vencer, era o do 1.º de julho; tinha de se consolidar a divida fluctuante; havia a satisfazer despezas extraordinarias e ainda 1.200:000$000 réis de despezas ordinarias, que estavam auctorisadas; se, pois, eu tivesse em Londres mito mais do que precisava para os pagamentos que ali tinha de realisar, a primeira consequencia seria que os cambios não só poderiam descer ao par, mas ainda dar-me prejuizo nas transferencias; porque desde que tivesse em Inglaterra milhares de contos a mais do que ali precisava, tendo, a par d'isso, necessidade de affeituar aqui e de propmpto, para evitar encargo de juros, pagamentos muito quantiosos, é claro que a deslocação do capital, em tão larga escala, influido sensivelmente no cambio podia trazer comsigo, não já o beneficio do par, mas um prejuizo evidente.
O illustre deputado, o sr. José Luciano de Castro, referiu-se a um assumpto, que reputo melindroso, e que se prende com as transacções do nosso mercado, - o previlegio do banco de Portugal; e sobre o mesmo assumpto discretou tambem o sr. Barros Gomes.
Referir-me-hei tambem a este ponto, como é dever meu e ácerca d'elle direi o que entendo.
Não sei se o assumpto é ou não melindroso. Para mim não é. Quando digo a verdade, não quero affender com ella a ninguem; e no que vou dizer, só a verdade tenho em vista.
O banco de Portugal tem effectivamente privilegios, mas tambem tem obrigações. (Apoiados.) Tem a alta missão de facilitar, quanto estiver ao seu alcance as operações da praça, sem por isso pôr em risco a sua instituição, é claro, mas em todo o caso intervindo de certo modo como mediador n'aquellas operações; e alem d'isso está sujeito á taxa official do desconto, que é um indicador, imposto pelo governo e que o banco não póde alterar á sua vontade. São compensações para os previlegios. E desde que o banco comprehenda verdadeiramente a sua missão, desde que se compenetre bem do alcance dos deveres que lhe impõe a ndole especial do regimen, as transacções da praça, mas bem dirigidas e reguladas, podem ser a maior garantia e estabilidade das transacções monetarias.
Pel oque toca á circulação fiduciaria, e á conveniencia de emendar a respectiva legislação no que for possivel, de accordo estou.
Em 1882 entendi eu que dava o primeiro passo para isso, apresentando ao parlamento um projecto de lei que remodelava a legislação concernente ás sociedades commerciaes, e especialmente ás sociedades anonymas, e portanto ás instituições bancarias, em termos e mediante condições que me pareceram proveitosas e uteis, até mesmo para a circulação dos capitaes. Foi o primeiro passo que entendi dever dar para regular a situação interna das sociedades anunymas; os effeitos d'esse medida com relação á circulação fiduciaria não podiam deixar de ser beneficos para o paiz.
Deixando este assumpto e entrando propriamente na questão de fazenda, nos seus fundamentos principaes, revoltou-se o illustre deputado contra os encargos da nossa divida fundada. Comparou os 15:000 e tantos contos, que representam os encargos da actualidade, com os encargos da divida fundada existente em 1854-1855, 25 por cento na epocha actual.
Não attendeu, porém, s. exa. a que, se o augmento dos encargos era real, ficava elle muito compensado com o augmento do rendimento.
Quanto tinhamos nós de encargos de divida fundada em 1851-1852? - 3:000 e tantos contos. Temos em 1884-1885 approximadamente 15:000 contos; differença para mais 12:000 contos. Mas em 1851-1852 tinhamos pouco mais ou menos 11:000 contos de recitas, e em 1884-1885 temos 30:000 contos; differença para mais 19:000 contos!
Se portanto o encargo da nossa divida cresceu 12:000 contos, e, por outro lado, as nossas receitas ganharam 19:000 contos, ficam nos 7:000 contos de beneficio, o que sobejamente nos compensa dos sacrificios que temos feito. (Apoiados.)
E com cifras exactas, segundo os documentos que tive a honra de publicar, se vê que o recurso ao credito não se tem avolumado tanto, como por vezes se tem desejado fazer suppor no intuito de amesquinhar os nossos recursos e denegrir a nossa situação financeira. (Apoiados.)
Comparando-se as receitas ordinarias com a totalidade das despezas, ordinarias e extraordinarias, o que fica a descoberto, é o que, em geral, se tem de levantar por meio do credito.
Ora, desde 1880-1881 até 1883-1884 o recurso ao credito fez-se na importancia das seguintes sommas:

[Ver tabela na imagem]

1880-1881:

Despeza ordinaria....
Despeza extraordinaria....

Receita ordinaria....

A supprir....

1881-1882:

Despeza ordinaria....
Despeza extraordinaria....

Receita ordinaria....

A supprir....

1882-1883:

Despeza ordinaria....
Despeza extraordinaria....

Receita ordinaria....

A supprir....

1883-1884:

Despeza ordinaria....
Despeza extraordinaria....

Receita ordinaria....

A supprir....

Differença para menos de 1880-1881 para 1883-1884 no recurso ao credito - 2.500:000$000 réis approximadamente.
Creio que é uma differença sensivel.
Não serão exactos estes algarismos?
Constam de documentos officiaes.
Mas s. exa. entende que a illusão principal está em suppor por que as nossas receitas têem augmentado; e com verdadeira amargura diz o illustre deputado que as receitas ou accusam uma diminuição, ou, pelo menos o estacionamento, porque n'um documento, apresentado por mim levei em conta as compensações de despeza, e s. exa. entende que os juros dos titulos na posse da fazenda não podem ser contados para o effeito de se avaliar o crescimento das receitas; na opinião de s. exa. nem mesmo o imposto addicinal de 6 por cento se devia levar em conta!
Mas, descontemos as compensações da receita, façamos a vontade ao illustre deputado, e vejamos o que ainda assim nos fica.

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SESSAO DE 15 DE MAIO DE 1685 1575

Quaes foram as receitas assim rectificadas, é o que se apura do seguinte quadro:

[Ver quadro na imagem]

1878-1879:
Receitas ordinarias rectificadas....
Menos compensações de despeza....

1879-1880:
Receitas ordinarias rectificadas....
Menos compensações de despeza....

1880-1881:
Receitas ordinarias rectificadas....
Menos compensações de despeza....

1881-1882:
Receitas ordinarias rectificadas....
Menos compensações de despeza....

1882-1883:
Receitas ordinarias rectificadas....
Menos compensações de despeza....

1883-1884:
Receitas ordinarias....
Menos compensações do despeza....

De 1878-1879 até 1883-1884 houve, portanto, um augmento de 4.253:633 réis, ainda mesmo postas de parte as compensações de despeza, o que dá uma media de crescimento annual de 850:694$520 réis.
Aqui está como se diz que as receitas diminuiram! O que ellas representam é um augmento de 850:000$000 réis em media por anno.
E quanto aos deficits ordinarios, mencionados no documento a que s. exa. se referiu, se por um lado os juros dos titulos na posse da fazenda se descreveram na receita ordinaria, tambem parallelamente se descreveram na despeza ordinaria como era de rigor, sendo, portanto, o resultado precisamente o mesmo.
As condições do confronto são identicas, ou se attenda ou não compensações de despeza, desde que se tirem ou acrescentem aos dois elementos que se confrontam. (Apoiados.)
Desde que diminuem os deficits é porque as receitas têm augmentado, ou as despezas diminuido.
Mas s. exa. quer tambem que se tirem os addicionaes.
É notavel!
Desde que eliminemos uma fonte de receita, o producto já não é o mesmo; por força que ha de menor.
E devemos nós descontal-os? De certo modo que não.
Se lançarem 6 por cento addicionaes, e se as receitas augmentarem, não é isso prova sufficiente de que o paiz podia com esse acrescimo de impostos?
Porque basta lançar impostos para se contar com uma receita avultada. Se as condições economicas do paiz não poderem com esse agravamento, o imposto fica letra de lei, mas o seu producto é que não apparece no thesouro; se pelo contrario a receita continua a augmentar, é isso uma prova de que o paiz podia com o aggravamento tributario.
Ainda assim, vejamos qual era a receita antes do addicional, e qual foi depois.
As receitas ordinarias de 1878-1879 a 1883-1884, constam especificadamente do seguinte documento:

[Ver tabela na imagem]

Gerencias

1878-1879....
1879-1880....
1880-1881....
1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

Assim, deduzidas as compensações de despeza e o addicional de 6 por cento, ainda fica de 1878-1879 a 1883-1884 um augmento de receita de 3:314 contos de réis, o
que dá uma media annual de 662 contos de réis. Note, porém o illustre deputado que o addicional de 6 por cento que como imposto e um verdadeiro elemento de receita, com o qual temos muito legitimamente de contar, produziu em 1883-1884, a quantia de 939 contos de réis.
E um augmento de tanta importancia e uma irrefragavel demonstração de que as receitas não estacionaram e de que longe de se exhaurir se vão tomando successivamente mais copiosas.
Digamos, por consequencia a verdade, nem outra cousa eu reclamo, e confessemos que os rendimentos publicos augmentam notavelmente de anno para anno.

D'isto e ainda uma prova a comparação dos rendimentos cobrados no semestre de julho a dezembro de 1884 com anteriores identicos demestre dos annos; d'ahi se apura o seguinte:

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1576 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Rendimentos cobrados nos semestres de julho a dezembro de 1882, 1883 e 1884

[Ver tabela na imagem]

Sendo isto assim, como realmente e, para que dizer que, as receitas se conservara estacionarias? Porque não havemos de dizer, com inteira verdade, que ellas augmentam em beneficio do paiz? (Apoiados.)
Pois tambem diminuem as receitas das alfandegas?
Eu podia mostrar o enorme desenvolvimento que ellas tem, alfandega por alfandega, comparando as tres mais importantes, de Lisboa, Porto, e do consumo; para não cançar a attenção da camara, direi só que sendo o rendimento destas tres alfandegas nos quatro mezes de janeiro a abril de 1883, 4.477:000$000 réis, se elevou, em identicos mezes de 1884 a 4.732:000$000 reis, e nos quatro mezes de 1885, do corrente anno, a 5.187:000$000 reis. Quer dizer nos primeiros quatro mezes deste anno já o rendimento das tres alfandegas representam mais 455:000$000 réis do que em identico periodo de 1884, e mais 710:000$000 réis do que em 1883. O proprio rendimento do tabaco, produziu neste anno de 1885, de janeiro a abril, mais réis 99:293$000 do que em 1884.
Portanto, se o augmento da receita nestes quatro mezes que vão decorridos, e superior ao do anno passado, em 455:000$000 reis, qual será o total, quando o anno estiver findo, e quando podermos comparar os resultados completos de 1885 com os dos annos anteriores? (Apoiados.)
Mas se houvesse alguma duvida, tinhamos a contraprova na divida fluctuante.
Ouvi eu dizer no principio desta sessão legislativa que a divida fluctuante, quando a sessão se encerrasse, havia de estar elevadissima, muito mais avultada do que em Janeiro, porque os encargos, a attender no decurso deste tempo, eram muito superiores aos que eu calculava.
Ora vejâmos como os factos corroboram esta asserção.
A divida fluctuante era:

[Ver tabela na imagem]

Em 31 de Janeiro de 1885....
Em 28 de fevereiro de 1885....
Em 31 de março de 1885....
Em 30 de abril de 18S5....

Logo, em fins abril ja havia menos, 708:027$350 réis do que em janeiro, na divida fluctuante; e todavia no 1.° de abril tive de pagar o coupon de 5 por cento na importancia de 802:000$000 réis.
Pois esta diminuição na divida fluctuante, apesar dos encargos correntes, não mostra claramente que os rendimentos publicos tem crescido?
Se quizermos avaliar bem a situação financeira do paiz não nos devemos deixar dominar pelas impressões do primeiro momento.
Eu ouvi ha dias o sr. José Luciano do Castro, fallando do credito de Portugal, dizer que os nossos fundos desciam!
E eu digo que as condições do nosso credito melhoram, e vão acompanhando passo a passo o movimento geral dos fundos estrangeiros e nomeadamente o dos inglezes nas oscillações porque todos ultimamente tem passado, guardadas as proporções estabelecidas.
Vejamos se assim é: - cotaçãoo em 2 de abril - consolidados inglezes, 98 3/16; portuguezes, 45 3/8. Appareceram noticias de rompimento de hostilidades entre a Inglaterra e a Russia; sobresalto na bolsa; cotação: inglezes, 94 38; portuguezes, 43 1/2; os fundos inglezes desceram 3 1/2 por cento approximadamente, os nossos cerca de 2 por cento. Depois, vieram as alternativas. Em 16 de abril, inglezes a 95 3/8, portuguezes a 44 3/8; em 2 de maio, respectivamente, a 96 e a 44; em 4 do maio, começa a accentuar-se a alta, os inglezes a 97 1/2, os portuguezes a 44 1/8.
De então ate hoje, a elevação dos fundos inglezes tem sido maior, em absoluto, mas guardadas as proporcoes, os fundos portuguezes tern acompanhado na alta; hoje a cotação e para os inglezes de 99 1/2, para os portuguezes de 45 3/1. Em breve espero, pois, que os nossos fundos retomarão a posição que lhes e naturalmente devida nos mercados estrangeiros.
Digamos, portanto, a verdade e só a verdade, e esta e que os rendimentos não descem, antes augmentam; que os recursos do paiz senão deprimem, pelo contrario se fortificam; e que o credito se vae alentando de dia para dia, e ainda bem.
Digamos isto em honra do paiz; digamos isto para satisfação da nossa consciencia, como verdadeiros portuguezes que somos, e acima de quaesquer paixões partidarias.
Tenho ouvido citar constantemente, nesta discussão financeira, exemplos como o da Franca e da Italia; ouvi, não ha muito, o sr. deputado Barros Gomes occupar-se largamente dos regimens politicos da França e das condições financeiras porque elles tem vivido, isto em resposta a algumas considerações feitas pelo illustre deputado o sr. Franco Castello Branco.
Sobre este assumpto tenho melindre, como a camara pode comprehender, em fazer, deste logar, quaesquer considerações; limitar-me-hei por isso a apontar os factos e a citar os algarismos; o parlamento fará por elles o seu juizo, como eu faço o meu.
Era de 1:650 milhões de francos a despeza ordinaria computada, na Franca, para o exercicio de 1870.
Veiu a guerra, e a Franca passou por uma durissima prova; teve do pagar uma indemnisação de guerra avultada, teve de entrar em grandes despezas para reparar as perdas soffridas, restabelecer a ordem, consolidar a paz e assentar as bases do seu novo desenvolvimento economico. Por isso, e até 1876 reconheço que foram largos os sacrificios em favor da causa publica. Mas chegando a 1877, e seguindo até ha pouco, encontramos o seguinte:

Despeza orçamental ordinaria:

[Ver tabela na imagem]

Em 1876....
Em 1877....
Em 1878....

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SESSAO DE 15 DE MAIO DE 1885 1577

[Ver tabela na imagem]

Em 1879....
Em 1880....
Em 1981....
Em 1882....
Em 1883....
Em 1884....

O que quer dizer que desde 1876 até ao presente, a media annual do augmento da despeza orçamental ordinaria foi de 50 milhões do francos na França.
Agora comparemos os differentes regimens politicos: - de 1815 a 1830, a media de augmento annual não excedeu a 17 e meio milhões; de 1830 a 1847 foi, approximadamente, de 21 milhões; de 1852 a 1869 não chegou a 33 milhões; a media de 1876 a 1884 representa por conseguinte, mais 17 milhões do que a mais alta media até então observada.
A par d'isto as despezas com os serviços publicos civis subiram de 358 milhões em 1869 a 978 milhões em 1883, o que dá um augmento de 620. milhoes, do? quaes 446 milhões a partir de 1876. E os creditos supplementares de 1876 a 1882, elevaram-se a 1:337 milhões a ponto de mr. Leou Say dizer, quando ministro da fazenda, que era necessario corrigir os habitos parlamentares para acabar com esse inveterado recurso ao credito que minava as finanças da França.
Pelo que toca a Italia, direi ao illustre deputado que as suas condições são bem differentes das nossas.
A Italia em 1860 renascia e fortificava-se; desappareciam os antigos estados e apparecia um governo unico; era uma convulsão politica que determinava esse importante movimento.
Então havia graves difficuldades a vencer, porque os regimens financeiros dos differentes estados eram diversos. Eram autonomas as administrações locaes, e não pouco custou a fazel-as entrar no regimen commum : a contribuição predial nao era lançada em todas as provincias da mesma forma; o imposto sobre a propriedade mobiliaria existia numas provincias e nuo noutras; os impostos indirectos eram calculados por systemas inteiramente dispares; o imposto sobre o tabaco existia nalguns estados, ao passo que na Sicilia só dava a liberdade a cultura; até mesmo os systemas de percepção de impostos eram dissimilhantes de provincia para provincia.
As difficuldades eram grandes; qual foi o resultado? Foi que em 1860 o deficit que se computara em 102 milhoes de liras, excedeu em muito essa previsão.
O exercicio de 1862 fechou-se com um deficit de 446 milhões de liras, o que equivale a 80.280:000$000 réis!
Pensa o parlamento que se apresentou desde logo um systema, um piano definido e concreto, que debellasse aquellas difficuldade e resolvesse todos aquelles embaraços? Não, a Italia por muito tempo viveu de expedientes os mais gravosos e vexatorios.
Houve repetidos recursos ao credito; os servidores do estado foram desfalcados nos seus vencimentos, demorados nos pagamentos que se lhes faziam.
Venderam-se caminhos de ferro; venderam-se bens nacionaes; venderam-se bens do clero; estabeleceu-se o curso torçado; ate se fez um emprestimo forçado; e emfim, [...] mão do imposto de moagem que aliás fora abolido dos estados, onde existira antes da formação da monarchia italina, tão lesivo e prejudicial o reputavam.
É por isso que quando ouço aqui fallar no imposto do sal, como vexatorio, lembro-me do que foi o imposto de moagem na Italia, e admiro-me de que se possa ter em tão pouca conta o que e a situação financeira de um paiz para se entender que nenhum vexame deva ser supportado em bem da causa publica, em bem do restabelecimento do credito publico; então e que eu desejaria que se lembrasse da Italia. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
E o resultado foi que tendo a Italia atravessado uma verdadeira epocha de crise de 1868 a 1870, vivendo de meros expedientes, desfazendo n'um dia o que na vespera tinha feito, conseguiu ir melhorando as suas finanças até que em 1876 alcançou a final o equilibrio dos seus orçamentos, ficando assim desassombrada e livre a administração da sua fazenda.
Mas isto fez a Italia quando renascia de uma convulsão politica e quando se constituia como uma monarchia nova. As condições em relação a Portugal são diversas. Portugal está n'uma epocha do paz, n'uma epocha, em que os melhoramentos se vão desenvolvendo manifestamente, á sombra das instituições que ha muitos annos o regem, sem as fortes convulsões que agitaram a Italia.
Portugal esta em condições diversas; e uma monarchia consolidada ha muito
atravessa tambem de ha muito um periodo de pacificação, e desde que as condições são tão diversas como queriam os illustres deputados que nós podessemos fazer, no momento actual, de uma só vez, tudo o que fez a Italia?! Absolutamente impossivel. (Apoiados.)
É por isso que as condições são diversas nos dois paizes é que eu entendo que a reconstituição das nossas finanças, a remodelação do nosso systema financeiro deve acompanhar o movimento do nosso commercio e da nossa industria sem abalos nem convulsões. (Apoiados.)
Ha pouco fallei de 1868. Caiu o ministerio dessa epocha, e isso foi o menos; sacrificaram-se principios vitaes, e isso foi sem duvida peior.
É exactamente o que eu não quero para a situação politica a que tenho a honra de pertencer e cuja responsabilidade me cabe.
Não é pelo receio do largar o meu posto, porque prompto estou a cedel-o, se alguem o ambicioanar; mas pelo receio de compromotter o paiz, creando embaraços e difficuldades que podem perturbar o desenvolvimento da sua industria e do seu commercio.
Que me importa que s. exas. digam que é frouxa a minha iniciativa parlamentar?
Ha quatro annos que estou nos conselhos da corôa. Geri outra pasta, antes d'esta. Então não se queixavam de que a minha iniciativa fosse apoucada. Queixam-se hoje, porque differentes são os interesses da pasta que está a meu cargo, e differente e portanto o meu modo do proceder.
Que me importa que digam que e frouxa a minha iniciativa, se eu entendo que assim caminhâmos melhor, sem convulsões, sem embaraços graves, sem attritos que façam perigar, não digo as instituições, mas o desenvolvimento das nossas finanças, do nosso commercio, da nossa industria, emfim das forças mais vitaes e mais importantes do paiz?
Emquanto eu tiver a consciencia de que caminho para o seu bem, por um lado melhorando os processos de cobrança dos impostos, e, n'esse intuito, em relação aos impostos indirectos, ja pedi e obtive auctorisação para reformar os serviços aduaneiros; e por outro lado, considerando as nossas finanças por meio de uma politica moderada, progressiva e adequada; emquanto estiver convencido de que assim procedo como mais convem á causa publica, podem s. exas. menoscabar a minha iniciativa que não conseguem destruir a firmeza das minhas convicções.
O paiz precisa, acima do todo e qualquer interesse individual, cuidar das suas
Finanças de um modo gradual, accentuado, previdentes nos seus alcances e benefico nos seus resultados. (Apoiados.)
Em materia financeira precismos âttender ao problema com toda a circumspecção e madureza para não haver perigo na solução d'ele; precisamos fazel-o sem precipitações, nem exageros, nem descuidados de linguagem, e ao mesmo tempo, sem nos lançarmos a tão rasgados commettimentos, que em vez de nos fazerem avançar, nos fa-

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1578 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

çam recuar para epochas mais afflictivas e lastimosas do que é certo a actual. (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados.)
O sr. Lopes Navarro (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar a generalidade do projecto que se discute.
Foi approvado.
O sr. Avellar Machado (por parte da commissão de obras publicas): - Mando para a mesa um parecer relativamente a uma representação da camara municipal de S. João de Pequeira.
A imprimir.
O sr. Carlos Lobo d'Avila (sobre a ordem): - Em conformidade com as disposições regimentae, começo por ler a minha moção.
(Leu.)
Chego tarde ao debate, e chego em má occasião, quando a camara, depois de ter ouvido ler o decreto da prorogação da actual sessão legislativa, ouviu formular o requerimento para se prorogar a sessão de hoje até se votar a generalidade do projecto em discussão, parecendo assim que a maioria, por uma estranha discussão, parecendo assim que a maioria, por uma estranha contradicção se mostra mais apressada depois que tem diante de si um mais largo espaço de tempo para ultimar, por este anno, os trabalhos parlamentares. (Apoiados.)
Sr. presidente, a maioria é quem governa o andamento dos debates, e faz muito bem, e eu não lhe nego esse direito; mas francamente, não se tendo discutido no anno passado o orçamento geral do estado, e havendo todas as probabilidades do que esse orçamento se não discuta igualmente este anno, a maioria devia ter mais alguma tolerancia para com o dever que a opposição tem de manifestar ao paiz a sua opinião sobre a questão de fazenda. (Apoiados.)
Venho tarde ao debate, repito, e venho em má occasião.
Venho tarde, porque durante muito tempo hesitei em tomar parte na discussão que n'este momento occupa a attenção da camara. Por um lado a minha consciencia segredava-me que eu não tinha competencia para tomar tempo á camara sobre um assumpto d'esta ordem; por outro lado a minha rasão dizia-me que a qualidade de deputado da nação me impunha o dever de estudar o problema vital do paiz, e de expor sobre elle a minha opinião modesta, mas sincera.
Venho em má ocasião, porque me levanto no momento em que a camara acaba de assistir ao brilhante duello parlamentar, travado entre dois homens de distinctissimo talento que todos muito considerâmos n'esta casa, o sr. Barros Gomes e o sr. Hintze Ribeiro.
Eu não pretendo por fórma alguma intervir n'esse duello, em que não galharda e cavalheirosamente se degladiaram dois ornamentos da tribuna parlamentar.
Só direi que folguei muito com ouvir ainda agora da bôca do sr. ministro da fazenda palavras de justissimo louvor para o discurso do sr. Barros Gomes, discurso que não honrou unicamente a merecida reputação d'este illustre estadista, e o partido progressista, que tem a fortuna de o contar como um dos seu membros mais dedicados e mais prestimosos, (Apoiados.) mas que honrou tambem o parlamento e o paiz. (Apoiados.)
E digâmos a verdade toda, a replica do sr. ministro da fazenda, cujos talentos todos conhecemos, e cujas altas faculdades todos admirâmos, se não pôde destruir a força inexoravel dos factos apontados pelo sr. Barros Gomes, foi digna de quem a proferiu, e digna d'aquella a quem era dirigida. (Apoiados.)
E até revestiu primeiros litterarios e se esmaltou de finanças graças humoristica, que nos mostraram que o sr. Hintze Ribeiro, talvez pela conveniencia com o sr. Pinheiro Chagas, não é já o homem que o espirituoso articulista do Diario da manhã dizia Ter horror a riso. (Riso e apoiados.)
É evidente que seria da minha parte, em extremo pretencioso, e até ridiculo, procurar intrometter-me na levantada e proficiente contenda que se suscitou entre o ministro da fazenda que foi, e o ministro da fazenda que é; mas algumas phrases do sr. Hintze Ribeiro feriram tão profundamente o meu espirito, que s. exa. e a camara não me levarão de certo a mal que eu as commente com algumas observações.
E antes de mais nada devo dizer á camara que o que mais me surprehendeu no discurso do sr. ministro da fazenda, foi ver um homem que conquistou aquelles logares pela lucta de todos os dias n'esta tribuna, fazer, não já a critica acerba do systema parlamentar que tem defeitos que todos nós reconhecemos e devemos procurar corrigir, mas a apologia enthusiastica do absolutismo. (Apoiados.)
Isto é verdadeiramente extraordinario n'um homem que deve todo p exito da sua carreira publica ao systema parlamentar, que tem um logar nos concelhos da corôa de um soberano constitucional, e que pertence a um governo que entende que é do regimen em que vivemos, devidamente aperfeiçoado, que há de vir a felicidade do paiz! (Muitos apoiados.)
S. exa. fez a apologia do reinado do senhor D. José I e quasi que manifestou desejos que voltassemos a esse tempo, do posso, quero e mando, como se estivessemos preparados com um marquez de Pombal, que, de um momento para o outro, tornasse fecundo e efficaz esse insolito retrocesso.
Não era de certo para si que s. exa. talhava esse papel faço justiça á sua modestia.
Mas, na realidade, querer um D. José I sem um marquez de Pombal. Seria uma phantasia extremamente paradoxal, inventada só pelo prurido de contrair os principios da moderna sociologia e desprezar as leis da philophia da historia. (Apoiados.)
Uma das cousas que mais impressionou o sr. ministro da fazenda no substancioso discurso do sr. Barros Gomes foi a peroração d'esse discurso em que s. exa. com ironias de uma fina delicadeza, comparou o sr. presidente do conselho ao varão justo, a Aristides.
Não me parece que a comparação, delicadamente feita como foi, seja offensiva ao sr. presidente do conselho a um heroe de Plutarcho! Se isto é offensa, muitos altos estão os melindres do sr. Fontes Pereira de Mello. Mas o sr. ministro da fazenda defendeu com tanto ardor a vida publica do homem que preside ao seu partido e aos destinos do paiz, levou tão longe os exageros da sua defeza, que não só se mostrou maguado com a comparação alludida, mas chegou ao ponto de imaginar que o sr. Barros Gomes tinha dito umas cousas desagradaveis ao sr. Fontes, que s. exa. não disse, só para Ter o prazer de repellir essas imaginarias aggressões. (Riso.)
O sr. Barros Gomes por exemplo, não disse, como o sr. ministro ainda agora lhe attribuia, que a gerencia do sr. Fontes em 1852 fôra nefasta; s. exa. o que disse foi que até 1852 Portugal vivera da bancarrota, que de então para cá tinha havido uma transformação profunda, vivendo-se do credito, e que era preciso, para nos continuarmos a servir d'essa arma honrosa e digna, não a inutilisarmos com os nossos desmandos e os nossos desvairos.
O sr. Barros Gomes: - Apoiado.
O orador: - A camara toda é testemunha de que foram estas as palavras que s. exa. proferiu.
Pois o sr. Hintze Ribeiro phantasiou arguições que não foram formuladas, só para Ter o prazer de pôr a sua palavra eloquente ao srviço do sr. presidente do concelho. Excesso de dedicação! (Apoiados.)
Sr. Presidente, com intima sinceridade o digo, apavora-

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SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1885 1579

va-me esta discussão, porque as questões financeiras, mais talvez do que quaesquer outras, exigem uma grande copia de conhecimentos, e affiguram-se-nos de longe tao graves e complicadas que só as julgamos accessiveis aos eleitos da fortuna e do talento!
Foi esta uma das rasões que actuou no meu espirito e me fez hesitar em tomar a palavra. Mas por acaso, lendo um livro moderno de economia politica, muito notavelmente escripto, encontrei uma phrase em que Mirabeau dizia que bastava saber as quatro operações para se ser uma aguia em finanças.
Esta phrase, evidentemente paradoxal, animou-me, e mais me animou ainda o commentario do economista, acrescentando: «Não e inteiramente verdade o que dizia o grande orador, mas o certo é, que a preguiça, a de muitos e que faz com que as finanças sejam apenas a especialidade de alguns».
Ora, eu não quiz ser acoimado de preguiçoso, e, portanto, estudei o que pude e vou dizer o que sei, contando para isso com a benevolencia da camara.
O sr. Moraes Carvalho disse aqui no outro dia, no seu crudito discurso, que folgava com esta discussão, porque ella representava a lucta entre as duas escolas financeiras e economicas, a escola do fomento, do recurso ao credito, do desenvolvimento da riqueza publica pelo alargamento dos melhoramentos materiaes, contra a escola da rotina, da economia e da guerra a todo o transe a todos os melhoramentos publicos; e, encarnando a primeira escola no partido regenerador e a segunda no progressista, concluiu s. exa. que o partido progressista era o partido mais retrogrado em materias economicas, que havia em Portugal.
Eu não concordo com a classificação das duas escolas feita pelo sr. Moraes Carvalho; e desmentido eloquente lhe deram os discursos dos meus illutres correligionarios que me procederam neste debate, affirmando que não combatem por forma alguma o emprehendimento dos melhoramentos materiaes que não combatem tão pouco o recurso ao credito; querem, pelo contrario, os melhoramentos materiaes e o recurso ao credito, mas racional e prudentemente limitados pelas circumstancias economicas e financeiras do paiz. (Apoiados.)
Portanto, não existem em Portugal, caracterisadas pela forma por que o sr. Moraes Carvalho as extremou, duas escolas financeiras; mas se os caracteres differenciaes são diversos, não é menos certo que effectivamente em todas as questões de fazenda nos vemos no nosso paiz o combate entre duas escolas oppostas.
E para não escandalisar os regeneradores, nem maguar os progressistas, direi que ellas se não synthetisam nem no partido regenerador nem no partido progressista, mas sim ambas se acham personificadas no sr. Fontes Pereira de Mello. O sr. Fontes é que representa as duas escolas, na dualidades economica e financeira que existe na sua pessoa. O sr. Fontes a escrever relatorios e a fallar, como monistro da fazenda, é representante da escola da moderação e da prudencia, de que são proselytos os deputados progressistas. O sr. Fontes a administrar e a fallar, quando não é ministro da fazenda, e representante da escola das largas despezas e do illimitado recurso ao credito, de que são apologistas os deputados regeneradores.
S. exa. é tão feliz que tem defensores até para as suas contradicções, para todas as faces por que nos revela o seu multiplicado talento! (Riso. - Apoiados.)
Estes debates financeiros entre nos costumam ser uma exposição alternada de quadros tetricos e quadros hilariantes, segundo falam os oradores da opposição ou do governo. Felizmente, porem, este anno a discussão não tem assumido esse caracter.
Os oradores da maioria e de justiça dizel-o, seguiram as tradicções, e não abandonaram a palheta alegre, de cores phantasiosas, com que illuminaram os seus risonhos paineis; mas da parte da opposição e que não houve o excesso das cores tetricas, a negrura acintosa, lobrega, mas sim a meia tinta, devidamente esbatida, que caracterisa o momento e a situação. O proprio sr. ministro da fazenda confessou ainda ha pouco no seu discurso, que da parte da opposição se não tem abusado do terrorismo, que era do estylo em taes occasiões. (Apoiados.)
E a verdade é que se os Claudios de Lorena de maioria nos apresentaram aqui paisagens encantadoras, docemente banhadas de luar, em que a locomotiva perpassa sobre um tapete de flores, destacando-se ao longe, como n'uma apotheose, a figura triumphante do sr. Fontes, de lado da opposoção não surgiram os tragicos Riberas, com as notas tristes de um colorido systematicamente melancholico. (Apoiados. - Vozes: - Muito bem, muito bem)

Declaro sinceramente que folguei deveras com esta attitude unanime dos meus illustres correligionarios que me precederam no debate, porque eu tambem sou daquelles que não vêem por ora ao pé de nós as fauces d'esse abysmo, que nos ha de tragar, quer tenhamos juizo, quer não.
Estimei que os discursos da opposição fossem, como têem sido, severos e justos, mas não tetricos.
Não estimei, da mesma maneira, que os discursos da maioria fossem tão demasiadamente alegres, porque esta excessiva alacridade tambem produz effeitos desastrosos.
Tem-se fallado aqui por varias vexes no folheto de Anvers; o sr. ministro da fazenda ainda agora se referiu a elle, e eu quero tambem condemnal-o, com toda a energia, porque similhante folheto e um triste estratagema, cheia de falsidade, (Muitos apoiados.) ao qual eu responderia n'este momento, se quize-se, com a leitura de uma exposição, escripta em francez, distribuida nos mercados estrangeiros, e publicada em 1880m talvez sob os mesmos auspicies que engendraram o tal folheto, e em que se diz que Portugal tem recursos de sobra, que póde muitas vezes recorrer ao credito sem perigo para a nossa situação financeira, que o producto dos emprestimos contrahidos tem sido applicado a despezas reproductivas, etc., etc. emfim exactamente o contrario do que se affirma nas conclusões do folheto de Anvers.
Mas não vale a pena discutir esse papel, a que nem sequer me referiria, se elle não tivesse sido trazido mais do uma vez á tela do debate.
Devo, porém notar ainda, que o auctor do folheto não pôde transcrever nenhum discurso dos deputados progressistas, que quadrasse aos seus intuitos.
No folheto de Anvers vem trechos dos discursos do sr. Dias Ferreira, e de um deputado da maioria, muito talentoso, que eu muitissimo estimo, mas que, n'um momento de lyrico enthusiasmo pelas glorias do seu partido o descreveu a rasgar isthmos, abrir tuneis, lançar pontes, construir caminhos de ferro, etc., etc., o que fez com que lá fôra o auctor do folheto concluisse que nos tinhamos perdido o juizo. (Riso.)
Já se v. exa. que não só ha perigo para o nosso credito nas phrases severas dos oradores da opposição mas ha tambem perigo e não menor nos idylios liyperbolicos dos oradores da maioria. (Muitos apoiados.)
A escola do sr. Fontes como redactor de relatorios, e a minha escola. O meu evangelho financeiro synthetisa-se nos extractos, que tenho aqui, dos relatorios do sr. Fontes, desde 1852 até 1832. Não ha aqui palavras perdidas, não ha considerações que não ssjam prudentes e rasoaveis, não ha demonstração que não cale no meu espirito.
Dizia o sr. Fontes em 1852, no relatorio para a reunião das alfandegas do terreiro e das sete casas:
«O deficit é o peior e o mais incuravel de todos os tributos.»
Esta póde dizer se a phrase inicial da vida publica do sr. Fontes Pereira do Mello, que se repete, como um estribilho, sempre que s. exa. se vê a braços com as responsabilidades da pasta da fazenda.

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Ainda no mesmo anno, em 1852, no relatorio da conversão dos titulos de divida publica, escrevia o sr. Fontes:
«Emquanto houver um deficit, pequeno ou grande, que actue constantemente sobre o thesouro, o paiz caminhará para um abysmo inevitavel.»
sempre o deficit a preocupar as attenções do sr. Fontes!
Eil-o novamente ministro da fazenda. Vão decorridos quinze annos. Estamos em 1867. E o relatorio d'este anno +e na realidade luminoso e profundo, faz honra aos seus talentos de estadista, e devia ser mais citado por aquelles que têem tanto prazer em tecer penegyricos ao sr. Fontes, como eu tenho em fazer justiça aos seus actos, que a merecem.
N'esse relatorio memoravel lê-se o seguinte:
«A mais seria de todas as difficuldades, com que lucta este pazi, é o grande deficit que o afflige. Está muito dito, porém nunca é demais, que o deficit é o mais inexoravel de todos os impostos; e comtudo, muitas vezes se tem hesitado em lhe pôr cobro pelos embaraços que provêm sempre da tentativa de crear receitas novas. Em vão se apella para o augmento progressivo dos rendimentos publicos; a despeza augmenta mais do que elles, e a situação do thesouro é cada vez mais precaria.»
A phrase, que se refere ao deficit, é a repetição da de 1852, é o eterno refrain financeiro do sr. Fontes.
E este ultimo periodo, com que eloquencia responde aos devaneios theoricos d'aquelles, que querem tirar única e exclusivamente do augmento progressivo das recitas, sem realisarem economias nas despezas, e sem melhorarem a administração publica, os recursos necessarios para fazer faca aos encargos que nos oneram!
Mas não abandonemos o relatorio de 1867, sem citar ainda outro trecho, que é uma preciosidade:
«A organisação das finanças é uma questão do presente e do futuro; e, debaixo d'este ponto de vista, sobe de gravidade. Se formos continuando no systema de pedir ao credito para pagar o credito, iremos no plano inclinado, que leva ao cataclismo; e nenhum homem que ame a sua patria póde qurer tomar a minima parte, que seja, na responsabilidade de tão desastrosa politica.»
isto não são só palavras justas, chegam a ser palavras prophetica, parecem até palavras eternas, com eterno se vae afigurando a muitos o predominio do sr. Fontes na governação publica do paiz.
Isto, que s. exa. escreveu em 1867, podia Ter sido escripto hoje, que era igualmente exacto, e constituia a republica mais opporuna e esmagadora áquelles, que preconisam o recurso immoderado ao credito com a panacéa miraculosa que há de salvar as nossas finanças compromettidas.
«O recurso ao credito para pagar o credito leva ao cataclismo; nenhum homem que ame a sua patria póde querer tomar a minima parte, que seja, na responsabilidade de tão desastrosa politica.»
Como se hão de moderar os enthusiasmos dos illustre oradores da maioria, se elles meditarem devidamente estas palavras, que o chefe do seu partido escreveu há perto de vinte annos!
Em 1872 o sr. Fontes tornou a apresentar-se ao parlamento, como ministro da fazenda. E escrevia no seu relatorio:
«Já publicamente o declarei no parlamento, e agora repito aqui: o deficit ou acaba por uma vez, ou ameaça de não acabar nunca. Se há annos tivessemos posto o devido empenho em conseguir este fim, é indubitavel que as economias realisadas, e os impostos sucessivamnte votados, seriam mais do que sufficientes para regularizar as nossa finanças, equilibrando a recita com a despeza.»
Ora o sr. Fontes tinha sido ministro uns poucos de annos, e dizia:
«Se há annos se tivesse empenhado em equilibrar a recita, ter-se-ía conseguido isso.»
Então porque não poz s. exa. em pratica esse empenho?
Não é isto confissão bem explicita, formulada por uma bôca insuspeita, de que os transvios da boa politica têem sido causa de se não terem regularisado as finanças publicas? E o proprio sr. Fontes, que não occulta as suas responsabilidades, escrevendo a pag. 22 do mesmo relatorio de 1872, o seguinte:
«Um orçamento com deficit não é arçamento, é um rol de receita e despeza; e nada mais. Não censuro ninguem porque seria eu dos mais culpados; porem, digo francamente o que penso, depois de amestrado largamente pela experiencia, e de estudar nalgumas outras nações exemplos, que me parecem dignos de imitar-se, um dos maiores erros que commetti em 1867 foi o de não levar as medidas de fazenda até onde fosse necessario, para equilibrar a receita; com a despeza.»
A confissão está ahi bem expressa, mas os erros subsequentes aggravam as responsabilidades do sr. Fontes, que conhecendo as funestas consequencias do errado caminho. que tem seguido, nos conduziu, após longos annos de exercicio desafogado do poder, á situação financeira em que nos encontramos, e que, se não e de todo desesperada, nem por isso deixa de ser muitissimo grave. (Muitos apoiados.)
As doutrinas do sr. Fontes são muito boas, os seus relatorios são muito rasoaveis, e eu sustento e defendo umas e outros.
Póde a maioria levar a mal que eu, novo e inexperiente nas luctas politicas e no estudo destas questões, fosse buscar para meu inspirador e mestre o homem, que e a synthese de todas as glorias do partido regenerador e que e tão enthusiasticamente apoiado por esta maioria? Não póde levar a mal.
O sr. Fontes dos relatorios, é o que eu defendo, e, já rememorei á camara a summula das suas doutrinas.
Vejamos agora o reverso da medalha. Examinemos rapidamente os resultados praticos da sua administração.
No exercicio de 1867-1868 o sr. Fontes abandonou o poder, deixando um deficit de 7.129:000$000 réis!
O deficit foi decrescendo, e quando voltou o sr. Fontes em 1872-1873, encontrou-o em 4.695:000$000 réis. Governou desde 1872 ate 1879, e em 1878-1879 apresentou outra vez o deficit em 5.259:000$000 réis, a que tem de acrescentar-se 2.500:000$000 réis da antecipação dos direitos do tabaco, o que da para o deficit total d'aquelle exercicio a bonita somma de 7.759:000$000 réis!
E, antes de passar adiante, permitta-me a camara que, chame a sua attenção para um episodio muito curioso e instructivo.
Em 1876-1877 o sr. Fontes saiu do poder, saciado do mando e enfastiado das luctas politicas, e foi fazer uma viagem pela Europa, viagem que a indiscripção de um jornalista hespanhol marcou, na nossa historia politica, com o titulo de mientras vuelve.
O sr. duque d'Avila occupou então o poder, e o deficit que ficara em 5.257:000$000 réis, em 1877-1878 baixou a 4.952:000$000.
Volta o sr. Fontes da Europa, como s. exa. diz, (Riso.) entra em Lisboa, triumphante com a espera do Entroncamento, de que s. exa. tantas vezes tem fallado nesta camara e na outra, (Apoiados.) sobe novamente ao poder, e o deficit em signal de regosijo, (Riso) sobe logo em 1878-1879 a 5.259:000$000 réis, fora a celebre antecipação do tabaco. (Apoiados.)
Aqui têem o commentario, que aos relatorios do sr. Fontes dão os numeros que se encontram nos documentos officiaes! (Muitos apoiados.)
Esta lucta do sr. Fontes com o deficit é uma lucta extraordinaria, que ha de ter um capitulo especial na nossa historia politica. O sr. Fontes considera o deficit o nosso peior mal e o mais inexoravel de todos os tributos, declara-lhe guerra de morte e jura exterminal-o de um golpe

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decisivo, e o deficit, não se doendo com estas ameaças censuras, vae crescendo e medrando, sob os seus auspicios, como que para honrar o sr. Fontes e festejar a sua estada no poder. (Riso. Apoiados.)
Este odio do sr. Fontes pelo deficit, esta suprema ambição do o matar, constitue uma tão absorvente e dominadora preocupação no animo do illustre presidente do conselho, que ainda no seu ultimo relatorio da fazenda, em 1882, s. exa. declarava que ia aniquilar o monstro e terminar assim a sua carreira publica, retirando-se á vida particular, depois, cheio de gloria e de felicidade!
Protesto solemne esse, que o destino não deixou realisar, mas que evocou no meu espirito aquelle personagem tragico de Corneille, cujo odio aos romanos se expandia nestes dois versos immortaes:

Voir le deraier romada, a son dernier sorpir, moi seul en être cause, et mourir de plait!

O sr. Fontes tambem queria trucidar o deficit com as suas proprias mãos, e, em vez de morrer de prazer, retirar-se para os penates, coroado do louros, e seguido pela gratidão dos seus concidadãos. (Riso. - Apoiados.) Era grandioso o piano, mas infelizmente falhou.
O sr. Fontes quer matar o deficit, e o deficit não só não morre mas refloresce e viceja, vigoroso como nunca! Não atino, não e facil atinar com a rasão d'este phenomeno, porque o sr. Fontes tem incontestavel talento, governa ha largos annos o paiz, dispõe de todos os meios constitucionaes, para exercer liberrimamente a sua iniciativa, possue a confiança da corôa e não lhe falta a cooperação de homens de merecimento e de uma maioria dedicada; não posso por isso descobrir a rasão por que s. exa. não logra alcançar o seu desideratun!
A unica explicação d'este facto, que eu conheço, deu-a na outra camara um cavalheiro, que era ha pouco collega do sr. Fontes no gabinete, o sr. Aguiar, dizendo que o sr. Fontes não extinguiu o deficit pela rasão ja dada, numa phrase celebre d'um drama dos antigos tempos do nosso theatro normal, porque «Uma mãe nunca mata seus filhos; morre por elles!» (Riso.)
Sr. presidente, eu não ouvi ainda ninguem nesta camara combater em absolute o recurso ao credito, como um dos elementos mais poderosos para desenvolver a riqueza publica. Dizia aqui um orador distincto, que sem o credito nada de grandioso teria realisado a iniciativa individual ou collectiva. Perfeitamente de accordo; mas o que não e menos certo é que o abuso do recurso ao credito, sem ter em attenção as circumstancias e as faculdades financeiras e economicas do paiz, conduz fatalmente a uma ruina inevitavel. (Muitos apoiados.)
O sr. Barros Gomes, no sen notabilissimo discurso, a que terei de me referir muitas vezes, porque me causou profunda impressão, demonstrou que os ministros da fazenda, como Magliani em Italia, como o sr. Cos Gayon em Hespanha, todos, emfim, que a serio pensam nestas questões, se assustam perante o augmeuto das despezas, e sobretudo, trepidam diante dos repetidos recursos ao credito.
Mas, na França, que foi tão citada na peroração do discurso do sr. ministro da fazenda, deu-se ultimamente um facto, que peço licença a camara para relatar, e que e de instructiva lição.
Na França, como v. exa. sabe, em virtude de uma tempestade irreflectida de falso patriotismo, foi derrubado o ministerio Ferry, (Apoiados.) e, após uma crise laboriosa, conseguiu-se organisar um ministerio presidido pelo sr. Brisson, occupando a pasta da fazenda o sr. Clamageran, um distincto homem de sciencia, cujo nome todos nós conhecemos dos bancos universitarios, porque elle e auctor de uma historia finanecira muito notavel.
O sr. Clamageran entendeu que era opportuno, para resolver as difficuldades do momento, recorrer ao Grand-livre, ao credito. O conselho de ministros reuniu-se, e n'aquelle paiz, com tantos recursos, trepidou-se perante a idea do recurso ao credito. O conselho de ministros preferiu perder o seu collega e abrir, a pouco trecho daquella crise difficil, uma nova crise ministerial, substituindo na pasta da fazenda o sr. Clamageran, a recorrer ao Grand-livre, a recorrer ao credito. Ora, entre nós, o Grand-livre é o livro de oiro da regeneração! (Muitos apoiados.)
Eu não combato em absoluto o recurso ao credito, repito. Ha circumstancias em que e necessario recorrer a elle: mas o abuso immoderado do credito em todas as occasiões e que ninguem defende, nem o proprio sr. ministro da fazenda, porque ha pouco disse que entendia prejudicialissimo que, tendo sido realisada este anno uma operação de credito importante, dentro de curto praso se realisasse uma nova operação desta ordem.
0 sr. Moraes Carvalho disse-nos que o orçamento era o espelho da riqueza do paiz. É verdade: mas parece-me incompleta a definição, porque o orçamento é não só o espelho do augmento da receita e dos exageros do fisco, mas tambem o espelho da administração publica. É por isso que o sr. Barros Gomes, para completar o raciocinio do sr. Moraes Carvalho e a sua demonstração, teve de nos provar que, se de facto em 1854-1855 as receitas eram de 10.211:0004000 reis e em 1884-1885 são de reis 31.953:000$000, tambem as despezas em igual periodo, passaram de 13.424:000$000 a 40.090:000$000 ms, e a percentagem do recurso ao credito, em relação ás receitas, que era em 1854-1855 de 20 por cento, e hoje de 25 por cento. Tambem estes factos se reflectem no orçamento do estado, e não só o augmento da riqueza publica ali se revela. (Apoiados.)
Eu bem reconheço que é uma verdade o dizer-se que póde a nação estar rica e prospera e o thesouro atravessar uma crise financeira; mas não é menos exacto qu, se a crise financeira se prolongar, ella ha de actuar desastrosamente em toda a economia de nação. (Apoiados.)
Léon Say dizia uma vez no parlamento, em resposta aos deputados que lhe pediam augmentos de despeza e augmentos de ordenados para as diversas classes de funccionarios, que estavam mal remunerados, o seguinte:
«Reconheço isso, mas é necessario que o estado tenha dinheiro para lhes pagar, porque se lhes der mais do que póde, isso he, de provocar uma crise financeira cujos funestos resultados hão de affectar mais essas classes do que a escassez da sua retribuição.»
A riqueza da nação não é uma e a mesma cousa que a riqueza do thesouro, mas tem entre si estreitas relações, são funcção uma da outra.
E eu não posso referir-me a esta ordem de relações, sem chamar a attenção do sr. ministro para um ponto importante, qual é a crise que atravessa n'este momento a agricultura portugueza. (Muitos apoiados.)
Tenho fallado muitas vezes n'esta camara sobre este assumpto; tenho chamado para elle repetidamente a atenção do sr. ministro da fazenda, mas, talvez, pela insignificancia da minha pessoa e menos auctoridade da minha voz, os meus esforços têem sido perdidos.
Consolou-me, porém, no outro dia, ouvir aqui a um cavalheiro do talento e da auctoridade do sr. Julio de Vilhena, a expressão calorosa dos mesmos sentimentos que eu tenho manifestado á camara,
Têem sido mandadas a esta casa do parlamento numerosas representações dos mais importantes centros agricolas do paiz, em que se declara que a agricultura esta passando por uma crise gravissima e em que se pedem urgentes providencias aos poderes publicos.
E o sr. ministro da fazenda interrogado sobre o assumpto pelo seu amigo, o sr. Julio de Vilhena, respondeu apenas que não tinha duvida em ir a commissão de inquerito dar a sua opinião.
Ora, francamente; parece-me isto pouco, e affigurase-me

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que não é da opinião do sr. ministro nem das suas visitas á commissão de inquerito que os lavradores precisam; é de medidas promptas e efficazes, que renovam ou pelo menos attenuem as difficuldades com que elles estão luctando. (Apoiados.)
Eu não quero ser desagradavel á commissão de inquerito parlamentar, mas a classe agricola é que não póde estar á espera que a commissão saiba tudo o que se passa na Italia e em França.
A este respeito, e em resposta ao sr. ministro da fazenda, fazia aqui no outro dia o sr. Julio de Vilhena as seguintes reflexões, que inteiramente perfilho:
«S. exa. declarou que na commissão mostrará quaes são as idéas do governo a este respeito.
«Eu desejo que a commissão não seja apenas um meio de obstar á solução da questão; desejo que ella trabalhe para que o mais depressa possivel habillite o parlamento a resolver um problemo, cuja existencia não póde negar-se, e que está affectando os interesses do paiz. (Apoiados.)
«As commissões são um meio de elucidar a camara e habilital-a a resolver questões importantes, mas é necessario que as commissões cumpram os seus deveres.»
Esta questão é muito importante, (Apoiados.) porque ella não diz só respeito aos agricultores, mas reflecte tambem na enorme classe dos trabalhadores agricolas, cuja subsistencia depende das circumstancias em que se acham os lavradores.
Alem d'isso, a crise agricola, a prolongar-se, a não ser resolvida ou pelo menos attenuada por quaesquer medidas que urgentemente se tomem, ha de trazer fatalmente um sensivel desfalque nas receitas publicas. (Apoiados.)
A questão não é só economica, é tambem financeira, e por isso deve merecer duplicada attenção ao sr. ministro da fazenda.
Eu não peço só o augemto de taxa na importação do trigo, não quero pão caro; o que peço é que o sr. ministro estude esta questão, que é complexa, e que a resolva por um conjunto de providencias acertadas, na certesa de que uma certa diminuição nos rendimentos aduaneiros será amplamente compensada pelo melhoramento das condições economicas do paiz. (Apoiados.)
Francamente será escarnecer da situação angustiada em sessão legislativa de mais se seis mezes, sem tomar uma providencia de qualquer ordem sobre um assumpto d'esta gravidade. (Muitos apoiados.)
Eu tenho aqui uma tabella comparativa de direito do trigo e da farinha nas outras nações e entre nós; não a leio, porque por uma rapida leitura não se póde apreciar devidamente, mas o que ella prova é que a percentagem de direitos d'esses generos não é excessivamente elevada no nosso paiz.
De resto a protecção não se compara de paiz para paiz em absoluto, como tenho visto por ahi fazer, compara-se attendendo ás circumstancias em que se acha a industria e ás difficuldades com que ella lucta nos paizes entre os quaes se quer estabelecer o paralello. (Apoiados.)
Comparar, por exemplo, a protecção de França com a de Portugal, sem se attender ás circumstacias em que vive a nossa agricultura franceza, não me parece justo nem scintifico. (Apoiados.)
Não quero insistir, por agora, mais n'esta questão, mas peço de novo ao sr. ministro da fazenda, que se compenetre da gravidade d'esta situação e que não se exima a propor qualquer providencias que, sem prejudicar o resultado futuro do trabalhos da commissão de inquerito, resolva ou attenue n'um periodo curto as difficuldades com que lucta a nossa agricultura.
Estas questões são as questões graves e fundamentaes de um paiz qualquer. (Apoiados.)
As verdadeiras questões sociaes são as questões economicas e financeiras. (Apoiados.)
Nos inicios de todas as revoluções estão sempre questões d'esta ordem, e talvez que o primeiro rebate da revolução franceza fosse a assuada que os estudantes de Paris fizeram em redor da carruagem de Luiz XVI e de Maria Antonietta, gritando: voilá mr. et madame Déficit!
Entro agora propriamente no exame do orçamento rectificado; e devo notar que a palavra rectificado, em linguagem moderna financeira portugueza, quer dizer aggravado. - (Apoiados.)
Orçamento rectificado, portanto, quer dizer orçamento em que se prova que se gastou mais do que, o que se calculara. (Apoiados.)
Ainda agora, quando ouvi o sr. ministro da fazenda, desejei ter a habilidade de stereotypar textualmente as palavras de s. exa., quando o sr. ministro affirmava que era necessario não fazer mais despezas extraordinarias, e por um dique n'esta torrente de desperdicios que ameaça subverter-nos.
Infelizmente, porém, o sr. Hintze Ribeiro, como discipulo dilecto do sr. Fontes, já imitou os exemplos do mestre, e, ao lado das palavras prudentes e sensatas do sr. ministro, temos jé o desenganador commentario dos algarismos d'este orçamento rectificado. (Apoiados.)
Á primeira vista, eu imaginei que este augmento nas despezas que este orçamento rectificado nos revela, era caso raro, devido a circumstancias que se não dão sempre, com foi, por exemplo, a possivel invasão do cholera, ea compra do palacio de Santa Clara, pois nao e de crer, para tranquilidade do contribuinte o dizemos, que o feliz mortal, proprietario daquelle edificio, tenha todos os annos palacios para vender. Mas esta illusão depressa m'a desfez o exame dos ultimos orçamentos rectificados.
Assim, o orçamento rectificado de 1882-1883 diz-nos que a carta de lei de 27 de junho de 1882 tinha avaliado:

[Ver tabela na imagem]

As despezas-ordinarias em....
No rectificado apparecem em....
Augmento....

Despezas extraordinarias (lei de 27 de junho).....
No orçamento rectificado apparecem em....
Augmento....
Total....

Fui ainda ao orçamento rectificado de 1883-1884, e encontrei tambem que, tendo a lei de 21 de junho de, 1883 avaliado as despezas em 31.515:761$693 réis, afinal se nos apresentava o seguinte quadro edificante:
Augmento nas despezas:

[Ver tabela na imagem]

Ordinarias....
Extraordinarias....
Total....

Diminuição nas receitas....

A camara sabe que me refiro ao periodo em que administrou as finanças o sr. Fontes, no anno de 1882, no celebre anno em que se apresentaram os expedientes salvadores, que haviam de matar o deficit, e com que o sr. Fontes queria encerrar victoriosamente a sua carreira publica. (Riso.)
Foi então que o sr. Hintze Ribeiro teve do vir aqui, envergonhado e lamentoso, dizer que o imposto do sal e da aguardente careciam de emenda, e que em vez de te

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rem rendido 344:250$000 réis, como o sr. Fontes calculára, apenas havima produzido 52:000$000 réis.
Triste desenlace da tão grandiosos planos. (Apoiados.)
N'este orçamento rectificado, que estamos discutindo encontramos um augmento de despeza de 3.623:000$000 réis, sobre o orçamento apresentado no anno passado e que não chegou a ser votado, isto é, apresentam-n'os um augmento de 2.447:000$000 réis, em relação á lei de meios de 21 de maio de 1884, a qual já tinha augmentado réis 1.176:000$000 sobre o orçamento do mesmo anno.
É um crescendo este, que não qualificarei de meyerbeanao, porque comparativamente o proprio quarto acto dos Hugue-notes fica a perder de vista. (Riso.)
No anno passado não se discutiu e votou o orçamento geral do estado por causa das reformas politicas, e cá estou eu a fallar nas reformas politicas sem auctorisação do sr. ministro da fazenda e das estações competentes. (Riso.)
As reformas politicas têem srvido de pretexto para muita cousa funesta. (Apoiados.) Assim, por causa d'ellas não apresentou o sr. ministro da fazenda o seu systema financeiro no anno de 1884, não se discutiu e votou o orçamento do anno passado, tornou o sr. ministro a não apresentar este anno o famoso e adiado systema, e não se apresentou ainda, nem provavelmente se apresentará este anno parecer sobre o orçamento geral do estado, e teremos outra lei de meio. Sempre tudo por causa das malditas reformas! Ora as reformas politicas do sr. Fontes não hão de durar tanto tempo, como se hão de sentir estas consequencias desastrosas que ellas já têem produzido. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, para se apreciar como nos nossos orçamentos são calculadas as despezas publicas, basta attender aos commentarios que os orçamentos de previsão. Para se fazer idéa de como são imaginadas as receitas, basta que eu cite o seguinte facto, que se deparou a paginas 50, nota 24, do orçamento geral do estado de 1885-1886, do tal que nós não discutiremos, apesar da commissão já há um mez nos Ter annunciado o respectivo parecer...
O sr. Carrilho: - Está-se elaborando.
O orador: - Eu não accuso o illustre relator, cuja competencia reconheço. Faz elle muito bem em não elaborar o parecer para não perder o seu tempo (Riso. Apoiados).
Mas vamos á famosa nota 24. O que vêmos ali? Que a contribuição de registo rendeu em:

[Ver tabela na imagem]

1881-1882....
1882-1883....
1883-1884....

Posto isto, como imaginam que foi calculado o que há de render a contribuição de registo para o anno de 1885 a 1886? Calcula-se em 1.815:300$618 réis, tirando a media a quantidades em que é tão sensivel o movimento decrescente!
Ora, os dezoito mezes de cobrança decorridos dão já uma diminuição de 46:892$000 réis em relação a 1883-1884, o que no fim do exercicio deve prodizir uma differença de 70:348$000 réis, que junta com os 100:000$000 réis, que calcularam a mais, dá uma diminuição de 170:000$000 réis, que calcularam a mais, dá uma diminuição de 170:000$000 réis em vez de um augmento de 100:000$000 réis. (Apoiados.)
Ainda há outro calculo que me impressionou, foi o do imposto do sêllo, onde tambem se suppõe um augmento de 60:000$000 réis, e os oito mezes decorridos dão já uma diminuição de perto de 15:000$000 réis em relação a 1883-1884, d'onde se vê, portanto, que cada vez de crescer 60:000$000 réis, diminue em 22:600$000 réis, ou total para menos do que calculado oitenta e dois contos e tanto.
Ora, devo dizer que, apesar do secretario da legação britannica, o sr. Baring ter dito para o seu paiz que em Porugal o systema financeiro é tão complicado que ninguem entende os nossos orçamentos, percebi perfeitamente estes calculos, mas o que não entendi foi qual o motivo porque nutrem um tão manifesto empenho de illudir o parlamento e o paiz com estas phantasmagorias.
Augmentam-se as despezas extraordinarias e augmentam-se extraordinariamente. E o parecer da commissão diz-nos que estas despezas, que se augmentaram, são quasi todas reproductivas!
Tenho a maior consideração pela competencia do illustre relator da commissão, e folgo de dar-lhe testemunho publico d'esta consideração; mas o que francamente me parece é que a tabella, que vem adiante, das despezas extraordinarias não justifica a asserção de s. exa., dizendo que são quasi todas reproductivas; e, para não desmentir s. exa. com palavras minhas, soccorrer-me-hei a um jornal governamental de Lisboa, cujo redactor principal creio que é um cavalheiro que foi ministro da fazenda durante muitos annos no gabinete do sr. Fontes, e cuja competencia n'estes assumptos todos devem devem reconhecer, opposição e maioria, embora não apoiassem todos os actos da sua gerencia. Refiro-me ao sr. Serpa Pimentel, que classifica estas despezas em tres grupos, um com a designação de ordinarias, porque todos os annos se repetem, outro com o titulo de extraordinarias, porque hão de repetir-se ainda algum tempoe só o terceiro, mais insignificante, em verdadeiramente extraordinarias e reproductivas.
Despezas extraordinarias, estradas em construcção e reparos de estradas?! Como se nós todos os annos não tivessemos estudos e reparos de estradas?! (Apoiados.)
Sabe v. exa. como estou de accordo com o sr. relator da commissão em que estas despezas extraordinarias são reproductivas? Da seguinte fórma.
Despeza com o palacio de Santa Clara, despeza reproductiva para o ditoso vendedor; (Riso. - Apoiados.) despeza com o microbio, despeza reproductiva para o que tiverem chorudas gratificações; com a compra de armamento, despeza reproductiva para quem o vendeu; e assim succesivamente. (Muitos apoiados.)
Não quero causar a camara lendo todas as verbas, mas todos os que examinámos o orçamento, vimos que as verbas, que mais augmentaram a despeza, não forma reproductivas. Uma cousa porém, que me impressionou muito, no estudo que pude fazer, foi a nota que tirei do que nós gastâmos com os aposentados, reformados e com os encargos das classes inactivas, despeza que ascende a perto de 1.500:000$000 réis, como se póde ver de seguinte nota tirada do orçamento de 1885-1886:

Nota da despeza com aposentados e reformados e classes inactivas:

[Ver tabela na imagem]

Junta do credito publico....
Ministerio do reino....
Ministerio da justiça....
Ministerio da guerra....
Ministerio da marinha....
Ministerio dos estrangeiros....
Ministerio das obras publicas....
Ministerio da fazenda (classes inactivas)....

Com inteira franqueza impressionou-me muito esta nota, porque todas as vezes que tenho fallado na camara e que tenho estudado qualquer projecto, em cuja discussão tenciono tomar parte, dou logo com uma enorme legião de aposentados e reformados. No projecto da reorganisação das afandegas encontrei uma perspectiva quasi incalculavel de aposentados, na reforma do exercito achei batalhões de reformados, agora no orçamento deparam-se-me estas verbas

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assustadoras! É de mais. Eu já disse aqui que não havia nada melhor no nosso paiz de que ser reformado, mais está-me parecendo que é tempo de reformarem tambem um pouco este nosso systema de estarmos a pagar quasi nada aos funccionarios que trabalham, e por outro lado pagarmos d'esse modo áquelles que não trabalham.
O sr. ministro da fazenda tambem censurou os augmentos da despeza e no seu relatorio encontram-se a este respeito palavras amargas. Oxalá que as despezas não augmentem, disse s. exa. Mas o sr. ministro da fazenda é que tem a culpa, e não se exprime ás suas responsabilidades apresentando-se como martyr das exigencias alheias. O que s. exa. deve Ter é a coragem que tinha o sr. Fontes, quando era o Aristides da primeira maneira, (Riso.) de que fallou o sr. Barros Gomes. O sr. Fontes então reagia. Reaja tambem o sr. ministro da fazenda contra as exigencias que se lhe fazem. (Apoiados.)
à fraqueza não póde servir-lhe de argumento para se defender de justas censuras.
Este facto do argumento das despezas tem impressionado todos os paízes; e já o sr. Barros Gomes, quando se referiu a este assumpto, mostrou como pensavam os srs. Magliani, ministro da fazenda de Italia, e Cos Gayon, ministro da fazenda em Hespanha, com respeito á necessidade de minorar as despezas e de resistir com mão poderosa ás exigencias exageradas.
Em Inglaterra o augmento das despezas tem feito tambem grande impressão. Uma sociedade de economistas, que tem por titulo o Cobden-Club, dirigiu aos homens mais illustrados dos diversos paizes um questionario sobre assumptos orçamentaes. As respostas a esses questionarios acham-se colligidas em um volume importantissimo e são tão notaveis como facilmente se pode calcular, dizendo que são assignados pelos srs. Minghetti, Leon Say, Bagehot e outros. N'essas respostas encontram-se regras salutares que nos devem servir de exemplo.
Este volume foi publicado em 1882, exactamente quando o sr. Fontes, entre nós, tratava de matar o deficit. (Riso.)
Notavel coincidencia!
O sr. Minghetti dizia, na sua resposta ao questionario do Cobden-Club, que na Italia as finanças se iam regularisando, principalmente porque havia duas fiscalisações efficazes e rigorosas, a fiscalisação do parlamento e a do tribunal de contas. (Apoiados.)
Vem aqui a proposito responder a uma parte do discurso do sr. ministro da fazenda. S. exa. estava hoje com grandes pruridos de indisciplinada indipedencia, permitta-me que lh'o diga. Não queria a fiscalisação parlamentar nem a do tribunal de contas. Quasi que quis fazer uma questão de dignidade pessoal da fiscalisação do tribunal de contas!
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro): - De dignidade politica.
O orador: - Não se trata aqui da dignidade do governo, trata-se da ordem e da regularidade nos serviços publicos. (Apoiados.)
O tribunal de contas quando se nega a dar cumprimento a uma ordem illegal não desacata a dignidade do ministro, nem faz ultrage á sua dignidade pessoal, cumpre-se os seus deveres, zela os interesses publicos.
O tribunal de contas devia, porventura, cumprir as determinações arbitrarias do governo com relação, por exemplo, ao cholera?
Não devia. (Muitos apoiados.) E o governo procedesse como se procede, por exemplo, na Belgica e na Italia, como está citado no relatorio apresentado pelo sr. Barros Gomes, quando ministro da fazenda.
A lei belga diz o seguinte, no seu artigo 14.º:
«Lorsque la cour ne croit pas devoir donner son visa, les motifs de son refus sont examinés en conseil de ministres. Si les ministres jugent qu'il doit être passé outre au pagement sous leur responsabilité, lacour vise avec réserve.»
isto é o que está tambem na nossa lei de contabilidade publica, isto é o que se pratica na Belgica e na Italia, e lá os governos não se julgam desacatados por o tribunal de contas cumprir o seu dever. Isto é que se devia Ter feito entre nós. (Muito apoiados.)
se o tribunal de contas não serve para isso, então para que serve? (Apoiados.)
serve para nos dizer no seu relatorio e nas suas declarações tristissimas, apresentadas este anno, que não pode exercer fiscalisação sobre a contabilidade material, como pela lei lhe cumpria fazer, (Apoiados.) porque não tem regulamento para isso!
Porque é que o sr. ministro da fazenda, que, com o pretexto das reformas politicas, reduziu a tão pouco a sua a iniciativa, não se deu ao trabalho de elaborar ou fazer elaborar este regulamento indispensavel? (Apoiados.)
Talvez que bastasse a existencia d'esse regulamento para se evitarem muitos abusos; talvez que, se o sr. ministro da fazenda hesitasse em mandar pagar despezas illegaes, com receio do tribunal lhes negar o visto, se evitassem muitas despezas que sobrecarregam o nosso orçamento. (Apoiados.)
A doutrina que o sr. ministro da fazenda quis defender pareceu-me completamente insustentavel e inadmissivel perante o parlamento.
O tribunal de contas, disse s. exa., havia de cumprir a ordem, porque nós fizeramos uma como que lei!
Sr. presidente, apesar de me Ter formado em direito eu não me considero um juris-consulto; mas pergunto aos juris-consultos que se acham na camara, o que é uma como que lei!
Decretos, portarias, alvarás, regulamentos, leis, etc., conheço eu, mas uma como que lei não aprendi, não me ensinaram o que era. (Apoiados.)
É uma expressão original do sr. ministro da fazenda, é uma expressão que ha de ficar, me parece; mas não é uma expressão feliz. (Apoiados.)
A reorganisação da nossa contabilidade publica é um dos actos que mais honram a iniciativa do sr. Barros Gomes. (Apoiados.)´´o que é necessario é cumprir a lei e o respectivo regulamento, e no outro dia folguei de ver o sr. Carrilho apoiar insuspeitamente as palavras do sr. Barros Gomes, quando s. exa. manifestava estes desejos.
Mas pergunte o sr. relator ao ministro da fazenda porque é que não mandou fazer um regulamento, que tornasse efficaz a fiscalisação do tribunal de contas, entretendo assim os ocios a que o condemnaram as reformas politicas?
Se tivermos administração e contabilidade publica bem organisada, havemos de lucrar mais do que com certas despezas talhadas á lagoa e á tôa. (Apoiados.)
Atrevo-me a dizer ao sr. ministro da fazenda, que é dos meus adversarios politicos um d'aquelles por quem tenho maior estima pessoal, que lamentei muito ouvir esta parte do seu discurso, que lamentei muito ouvir esta parte do seu discurso, porque a nímia susceptibilidade, que hoje aqui patenteou, equivale a incitar o tribunal de contas a que não cumpra os seus deveres. (Apoiados.)
Demasiado tenho já cansado a attenção da camara.
São tambem quasi seis horas e eu fiz o proposito de fallar dentro da hora, não abusando da circumstancia de se Ter prorogado a sessão, como se requereu e votou ha pouco.
Por isso vou terminar, mas desejo fazer ainda uma observação.
Não quero pintar quadros negros, porque detesto tanto o pessimismo systematico, como o optimismo enganador.
Não é preciso exagerar o mal que temos, mas é preciso conhecel-o tal como é, para podermos remedial-o. A nossa situação financeira não é desesperada, mas é muito grave, porque temos um deficit de perto de 9.000:000$000 réis e os encargos da nossa divida excedem 50 por cento das nossas receitas.

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SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1885 1585

E sobretudo o augmento nas despezas é verdadeiramente desatinado!
Não quero terminar sem ler, a este respeito, um periodo do relatorio do sr. ministro da fazenda. Escreve s. exa:
«Tenho inteira fé no crescimento das receitas; assim as despezas se não avolumassem tambem.»
Paremos um pouco na leitura, para apreciarmos estas phrases. O sr. ministro tem fé no augmento das receitas. É mystico, mas não e positivo, isto de ter fé (Riso.), mas do augmento das despezas e que s. exa. parece ter uma dolorosa certeza. E se não vejam como elle prosegue:
«A experiencia (já não é a fé) mostra, todavia, que por um lado, rara é a sessão parlamentar, se e que alguma tem havido, em que por leis especiaes, e a despeito do convencimento em que todos devem estar de que é indispensavel restringir os saques sabre o thesouro, se não votem dispendios que o orçamento não previra: e, por outro lado, sempre uma ou outra verba ha que acrescentar no orçamento rectificado. E tanto basta para que o desequilibrio se dê. Isto nos deve levar a sermos verdadeiramente acautelados e prudentes na marcha geral dos negocios publicos.»
Estas palavras são edificantes, mas o que lhes tira toda a força moral e o desmentido que lhes deu o orçamento rectificado. (Apoiados.)
Eu peço ao sr. ministro que continue a escrever palavras tão sensatas como estas, mas que, ao mesmo tempo, se mantenha firme no sou posto, que tenha a mano fuerte, de que falla o sr. Cos-Gayon, para se oppor aos desmandos dos seus collegas, e que saiba, como muito bem disse aqui o meu prezadissimo amigo, o sr. Emygdio Navarro, corresponder dignamente ás difficuldades da situação, aos deveres do cargo, á confiança da corôa, ao apoio da maioria e á admiração de nós todos pelo sen incontestavel talento. E aos seus amigos e correligionarios que lhe pedirem os taes augmentos de despeza, que se costumam votar todas as sessões, responda-lhes s. exa., como Léon Say, repetindo a phrase attribuida a madame de Sevigné - a minha amisade vae até á minha bolsa, mas pára ahi. Que a dedicação do sr. ministro da fazenda pelos seus amigos e correligionarios politicos pare diante da bolsa dos contribuintes.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos srs. depuatdos de ambos os lados da camara, e pelo sr. ministro da fazenda.)
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, lastimando o exagerado augmento das despezas publicas, revelado pelo orçamento rectificado, continua na ordem do dia. = Lobo d'Avila.
Foi admittida.

O sr. Presidente: - Ninguem mais esta inscripto; vae votar-se.
Estão sobre a mesa tres propostas alem da que acaba de ser lida.
A primeira a votar-se e a do sr. Eduardo José Coelho. E um adiamento. Vae ler-se:
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho o adiamento do projecto de lei sob o n.° 34, relativo ao orçamento rectificado, até serem enviados os documentos pedidos para justificar as despezas extraordinarias de saude e até se publicar o relatorio dos actos do ministerio da fazenda.
Sala das sessões, 5 de maio de 1885. = O deputado, E. J. Coelho.
Posta á votação, foi rejeitada.
O sr. Presidente: - Segue-se a segunda proposta que e do sr. Elvino de Brito. Leu-se na mesa a seguinte

Moção

A camara, fazendo suas, sem a minima reserva, as palavras com que a illustre commissão do orçamento, a pag. 4 do parecer n.º 34, descreve a situação das finanças coloniaes, reconhece, em perfeita concordancia com a mesma, commissão que «o estado da administração da fazenda nas provincias ultramarinas e da sua contabilidade é insustentavel, e que a ausencia, quasi absoluta, de contas de como os dinheiros do estado ali são cobrados e apreciados, não pode continuar; e, por isso, desejando, ainda em accordo com a referida commissão, que sejam tomadas todas as providencias para que, no mais curto espaço de tempo, o parlamento, e portanto o paiz, saibam como os rendimentos publicos são cobrados e applicados nas terras de alem-mar, convida o governo:
1.º A submetter ao juizo do poder legislativo, como lhe cumpre, o relatorio dos seus actos na gerencia dos negocios coloniaes;
2.º A reorganisar a fazenda publica do ultramar, em ordem a poder ser convenientemente exercida a fiscalisação segura e rigorosa da cobrança e applicação dos rendimentos publicos;
3.° A cumprir o preceito clara e expressamente estatuido na lei da contabilidade publica, artigo 5.°, relativo a apresentação as cortes do orçamento da receita e despeza das provincias ultramarinas, orçamento que desde 1882 não e submettido ao exame do parlamento, em desobediencia flagrante ao acto addicional, a lei fundamental do estado e á referida lei da contabilidade, que ainda não foi derogada, n'esta parte, em nenhuma das suas disposições;
4.° A apresentar a consideração dos representantes do paiz quaesquer documentos elucidativos ou comprobativos da extraordinaria differença que se observa entre o deficit das provincias ultramarinas, approvado na ausencia das côrtes pelo decreto de 29 de novembro do 1884, e o deficit que figura na proposta do governo de 15 de fevereiro do corrente anno, e no projecto de lei que approva o orçamento rectiticado para o exercicio de 1884-18S5, e ora sujeito ao exame parlamentar: e bem assim quaesquer esclarecimentos que indiquem a verdadeira despeza extraordinaria a que obrigou a expedição de Massingire, na provincia do Moçambique;
E, aguardando a apresentação immediata destes ultimos esclarecimentos, continua na ordem do dia.
Sala das sessões, 6 de maio de 1885. = O deputado por Quelimane, Elvino de Brito.
Posta á votação, foi rejeitada.
O sr. Presidente: - A terceira proposta e do sr. Consiglieri Pedroso e vae ler-se.
Leu se. É a seguinte:

Proposta

A camara considerando que o desequilibrio, accusado pelo orçamento rectificado de 1884-1885, promette aggravar-se ainda nos futuros orçamentos, já pela tendencia constante das despezas do estado a elevarem-se, já pela defeituosa base, cobrança e fiscalisação de muitas das receitas publicas, lamenta que uma serie, de expedientes tenha substituido o pensamento de uma seria organisação completa do nosso systema financeiro, com grave detrimento da nossa economia nacional, e pasa a ordem do dia. = Consiglieri Pedroso.
Foi rejeitada.

O sr. Presidente: - Resta a proposta do sr. Lobo d'Avila.
O sr. Lobo d'Avila: - Requeiro a v. exa. que consulte

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a camara sobre se permitte que eu retire a minha moção.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Presidente: - Vae ler-se agora o projecto para se votar na generalidade.
Lido o projecto n.° 34 e posto á votação foi approvado.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanha é a continuação da que estava dada e mais os projectos n.os 39 e 47.
Está levantada a sessão.
Eram pouco mais das seis horas da tarde.

Discurso proferido pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso, no, na sessão de 9 de abril, e que devia ler-se a pag. 1045, col. 2.ª

O sr. Consiglieri Pedroso (na tribuna): - Sr. presidente, na parte do meu discurso, que hontem, infelizmente, não pude acabar por falta de tempo, procure! mostrar a insubsistencia de um certo numero do asserções que se encontravam, quer no relatorio da illustrec commissão de fazenda, quer no relatorio do sr. ministro, tentando eu convencer a camara de quão mal cabidas e inopportunas tinham sido algumas referencias do sr. ministro da fazenda.
Demonstrei então, com effeito, que era inopportuna e mal cabida, por parte de um ministro da corôa, a insinuação de que as dividas da casa real tinham como uma das suas origens os donativos feitos pela corôa ao thesouro, porque, com muito mais, haviam em differentes epochas contribuido ainda os ultimos empregados do estado, sem por isso virem reclamar do thesouro publico o resgate das suas dividas. Procurei tambem mostrar como a asserção do sr. ministro, querendo provar que o projecto não importava um onus para a fazenda, era absolutamente destituida de fundamento; porque, se tal projecto parece a primeira vista não importar directamente encargo algum para a nação, em todo o caso equivale ao cerceamento do dominio do estado, cerceamento que e o mesmo que o thesouro privar-se voluntariamente de uma importante receita futura eventual!
Accentuei bem o meu pensamento, de que não levantava aqui a questão theorica sobre se seria ou não util ao estado alienar a parte do seu dominio, de que e usufructuaria a casa real.
Sei que essa questão, não só com respeito a esta hypothese, mas a todo e qualquer dominio publico, se tem debatido por varias vezes em outros paises e que sobre ella se pode professar em principio uma ou, outra opinião; mas, no caso sujeito, não se trata, como fiz hontem notar, do uma alienaçao do dominio do estado em beneficio do proprio estado, mas da alienação de uma propriedade do paiz, para ir dal-a de presente a administração da casa real.
Disse por ultimo nessa occasião, que mais alto do que quaesquer argucias ou subtilezas, fallava a verdade dos factos, que era mister ter a coragem de trazer para aqui francamente, e a verdade era que o parlamento portuguez ia votar uma cessão gratuita de 1.000:000$000 réis a casa real!
Posta a questão nestes termos, e feita assim a resenha dos pontos capitaes do meu discurso de hontem, insisto, sr. presidente, em que o projecto que se discute não e de um emprestimo, mas de uma cessão á casa real de réis 2.000:000$000 nominaes, que são da nação, que pertencem ao estado.
Procedendo em seguida na ordem das minhas considerações, começarei por formular duas perguntas.
Primeira pergunta: pode o parlamento portuguez, nas circumstancias em que está o paiz, fazer uma dadiva tão quantiosa á casa real?
Segunda pergunta: tem a casa real direito, suppondo mesmo que tal generosidade estava nas forças do thesouro, a que o parlamento lhe faca uma dadiva desta ordem?
Começo por tranquilisar a v. exa. sr. presidente, a camara e o sr. ministro da fazenda, declarando que ao responder a estas perguntas me manterei estrictamente no campo que me parece não tenho ultrapassado desde que encetei esta questão e que muito de proposito escolhi para melhor fazer realçar a força dos meus argumentos.
Não virei por isso, como alias o podia fazer, como o faria talvez qualquer outro deputado que estivesse na minha posição, não virei, digo, para mo soccorrer de rasões no ataque a este projecto, lançar mão de declamações; que, embora bem cabidas, julgo desneccssarias actualmente.
Prefiro antes que fallem mais alto do que todas as declamações os documentos que vou apresentar, porque desta forma terei respondido aos que ainda dizem que o partido republicano somente discute com phrases, e a falta do ideas recorre á rhetorica, sem se lembrarem os que isto affirmam de que se nos seguissemos o seu exemplo, melhor nos poderia ser lançado em rosto tão feio vicio... menos para os partidos monarchicos, entende-se!
Seguirei, pois, outro caminho, e limitar-me-hei a respon-der ás perguntas que eu proprio acabo de formular.
Está o paiz nas circumstancias economicas de poder alienar uma parte importante dos sous haveres, não em beneficio do interesse geral, mas em proveito de uma administração, que, embora pertença ao estado, se obstina em conservar uma autonomia completa emquanto as suas despezas, mas não emquanto a competente verba de receita? Póde o estado, nos apuros financeiros em que se encontra, sujeitar-se a uma cerceação de seu dominio? Respondo sem vacillar: não!
Pois é no momento em que o recurso ao credito, tão repetido, infelizmente, continua na sua marcha progressiva; é n'esta occasião, quando o paiz tem tributados os generos do primeira necessidade, que tão difficil tornam a alimentação o vida das classes trabalhadoras da maioria da nação; e nesta occasião em que, pela bôca do proprio sr. ministro da fazenda, se reconhece que e impossivel encontrar nos actuaes impostor nova elasticidade para satisfazer as exigencias sem limites do desequilibrio financeiro; é n'esta occasião, em que a desproporção entre os impostos directos e indirectos significa um vicioso systema de imposição, e portanto um estado pathologico na nossa economia; e nesta occasião, quando temos um imposto de 9 por cento sobre a transmissão da propriedade por titulo oneroso, imposto que sommado a enorme divida hypothecaria que pesa sobre a maior parte da terra no nosso paiz, e factor importantissimo para aggravar as difficuldades em que se encontra a agricultura portugueza; e nesta occasião, quando dentro em pouco vamos discutir o orçamento rectificado com uma despeza de 40.000:000$000 reis; e nesta occasião, quando para fazer face a esta despeza de réis 40.000:0OO$000 temos apenas uma receita ordinaria de o 1.000:000$000 réis, porque eu não posso contar como receita normal e fecunda a que provem do exagerado recurso ao credito, que não e mais, como já ha dias aqui disse, do que uma serie de descontos forçados, e quem sabe se insolviveis sobre o nosso angustiado futuro; é n'esta occasião, quando não temos dinheiro para attender a essa grande obra de primeira necessidade, que devia dar a Lisboa a posição que lhe compete entre as cidades maritimas do mundo; e nesta occasião, quando as nossas extensas costas oceanicas se encontram quasi sem pharoes, sem portos artificiaes para favorecer as pequenas industrias da pesca; e nesta occasião, quando todos unanimemente reconhecem que a nossa instrucção não pode melhorar-se, não pode attingir o grau de perfeição em que deve estar num paiz medianamente culto, porque não temos os meios indispensaveis para fazer face as despezas impreteriveis e inevitaveis da civilisação; e nesta occasião critica e solemne para a nacionalidade portugueza, senhores, que o

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parlamento vae votar, de coração leve, um. donativo de 1.000:000$000 réis á casa real, donativo que irá perder-se sem proveito para ninguém n'essa voragem, n'esse sorvedouro que tem sido a causa permanente que explica as dividas da corôa ?!
O momento não podia ser menos opportuno, e oxalá que o paiz não guarde na sua memória a triste coincidencia d'esta eloquente approximação!
Bem disse o sr. Beirão:
"Mal aconselhado andou o governo, imprudentemente andaram os ministros, vindo lançar no actual momento para a tela da discussão um debate de tal ordem."
A maioria d'esta casa pude dentro em pouco vir sanccionar com o seu voto unanime este projecto, mas a maioria d'esta casa o que não póde é impedir que lá fora se discuta a sua votação, se julgue o seu procedimento, e se aprecie na devida conta um facto, que será no paiz mais um elemento dissolvente ajuntar-se ás innumeras causas de perturbação que, pouco apouco, dia a dia, hora a hora, estão sendo aggravadas por todos aquelles que toem a responsabilidade do governo e que contribuem em largas proporções, não sei se consciente ou inconscientemente, para tornar cada vez mais intenso este mal estar de que soffre a nação e que mais tarde ou mais cedo ha de que fatalmente produzir uma profunda e porventura irremediavel catastrophe social!
É, pois, imprudentissimo, srs. ministros, trazer no momento actual á discussão este projecto; e oxalá que aquelles que tomam tão leviana e sobranceiramente a responsabilidade de similhante lei não tenham que vir dentro em pouco a arrepender-se d'essa... como lhe chamarei?, d'essa facilidade com que pretenderam anteparar golpes que não sei se, apesar de tudo, não irão mais longe do que fragil escudo que em frente d'elles se apresenta!
Passemos a responder á segunda pergunta.
Tem a casa real o direito de receber uma dadiva de tal valor?
Eu não venho aqui discutir, porque o ensejo não é ainda apropriado, se mesmo dentro da legalidade existente, tal como ella tem sido estabelecida por esta camara, não venho aqui discutir, repito, se mesmo dentro da estricta observancia do espirito e da letra das leis que regulam o assumpto, a casa real tem direito a receber tudo quanto de facto recebe.
A seu tempo e quando se discutir o orçamento tratarei d'este ponto.
Não venho por isso agora investigar se todas as verbas que no orçamento estão consignadas para a dotação da casa real são legitimas e legaes, se estão acobertadas por uma disposição clara, explicita e terminante da lei. Assim, nem mesmo quero discutir n'este momento se a verba da dotação do sr. Infante D. Augusto é ou não legitima. A seu tempo, como já disse, me occuparei d'este assumpto. E a camara já sabe, por experiencia, que não costumo faltar ao que prometto...
Acceitando, pois, por hypothese, como perfeitamente auctorisada tudo quanto a casa real recebe actualmente, pergunto, se a administração fazendaria d'esta casa nos offerece garantias sufficientes para que nós possamos ir alienar uma parte do dominio do estado em seu beneficio, a fim de a livrar das apertadas difficuldades em que se encontra?
Vejo, em primeiro lugar, que a casa real tem uma divida importante á fazenda publica, que ainda não liquidou, apesar das ordens dadas peio ministerio da fazenda differentes periodos.
Todos sabem como é constituida essa divida. Representa os direitos não cobrados nas alfandegas, e recaindo em objectos de uso da casa real.
Esta divida merecia já ha bastante tempo a consideração dos poderes publicos, porque em 30 de julho de 1839 um illustre ministro portuguez, o sr. Manuel António de Carvalho, publicava uma portaria ordenando que se procedesse por encontro á liquidação dos direitos em divida á fazenda.
Percorro os anuaes parlamentares, sr. presidente, percorro a collecção da nossa legislação, percorro, emfim, todos os documentos publicos, e debalde eu procuro o andamento á ordem que por meio d'esta portaria tinha sido expedida.
É necessario que volvam quarenta annos completos para que nós cheguemos a 22 de novembro de 1879 e encontraremos outro illustre ministro da fazenda, o sr. Barros Gomes, que, seja dito de passagem, sinto ver assignado sem declarações no projecto em discussão firmando uma portaria para se nomear uma commissão liquidataria, presidida por juiz do supremo tribunal, e tendo por secretario o sr. Conselheiro Lopo Vaz, commissão á qual incumbia regularisar os termos em que havia de ser paga a referida divida, depois de previamente apurada.
Assim, sr. Presidente, foi necessario, como disse, que volvessem quarenta annos completos para que a portaria do sr. Manuel Antonio de Carvalho, absolutamente esquecida, fosse reforçada com a nova portaria do sr. Conselheiro Barros Gomes!
É frisante o confronto da maneira como se exigia o cumprimento das leis por parte dos simples particulares, e por parte da administração da casa real!
É frisante, sr. Presidente, e é instructivo!...
Mas, pergunto, ainda depois d'esse olvido de quarenta annos, que andamento deu ao trabalho de que estava incumbido a commissão nomeada por portaria do sr. Barros Gomes?
Essa commissão, até hoje, custa acredital-o! Não apresentou o resultado dos seus trabalhos nem tão pouco se dissolveu! É verdade, que nos documentos que pedi pelo sr. Ministro da fazenda e que me foram enviados pelo sr. Ministro, se encontra uma pretendida resposta a esta minha interrogação.
A respeito dos trabalhos da commissão nomeada por portaria de 22 de novembro de 1879, diz-se o seguinte em officio do ministerio da fazenda de 27 de março findo:
"A commissão nomeada pela portaria de 22 de novembro de 1879 não apresentou ainda (ha sete annos!!) o resultado dos seus trabalhos, podendo comtudo dizer que a importancia das reclamações feitas pela administração da casa real monta a 145:494$198 réis, e a do credito na alfandega de Lisboa por direito de objectos recebidos desde o anno de 1855 até 1879, é de 51:677$647 réis; d'esta ultima epocha em diante a mesma administração tem mandado pagar os direitos na alfandega dos generos despachados.
Não nos diz, nem nos podia dizer a resposta do sr. Ministro da fazenda qual a somma que attinge a liquidação que não está realisada; limita-se a communicar á camara que as reclamações da casa real ascendem a uma certa quantia; mas pergunto ao sr. Ministro : porventura dá elle por boas todas as verbas que constam da reclamação por boas todas as verbas que constam da reclamação da casa real? Vejo que s. exa. não me responde, e que por isso não tomo, o que eu já esperava, a responsabilidade de acceitar como boas e como procedentes todas as reclamações de que n'este documento se falla. Quer dizer, portanto que a questão está exactamente nos termos em que estava, quando foi nomeada a commissão liquidataria em 22 de novembro de 1879!
Já vê, pois, v. exa., sr. Presidente que a casa real, que vem agora pedir que o estado lhe dê 1.000:000$000 réis para pagar as suas dividas, começa ella propria por não liquidar as dividas que ainda tem em aberto com a fazenda publica, por despachos realisados e não pagos nas alfandegas!
Mas ha mais, sr. Presidente. As faltas da casa real não são só estas. A casa real não possue inventario, apesar de ter o usufructo de bens importantissimos que pertencem á

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Nação, e sobre os quaes a mesma nação tem o direito de fiscalisação rigorosa, porque alguns d'esses bens representam paginas brilhantes da nossa historia passada. Basta lembrar, por exemplo, a custodia de Bellem, tantas vezes alludida aqui pelo meu amigo e collega, o sr. Rodrigues de Freitas.
Não sabe, alem d'isso, toda a gente, porque consta de documentos officiaes, que ha objectos preciosissimos sob o ponto de vista historico, como eram, por exemplo, as armaduras dos duques de Bragança, e que estes objectos foram vendidos não ha muito tempo a peso para sucata?! Não sabe toda a gente que outros monumentos igualmente preciosos são considerados na casa real como não tendo valor algum, e estão por isso ameaçados de levarem o mesmo caminho que as armaduras dos velhos duques, ascendentes da actual dynastia?!
Ora, se a casa real não sabe, não quer ou não pode zelar a integridade de objectos aos quaes estão ligados paginas importantes da historia da familia reinante portugueza, tenho o direito de suspeitar que para objectos, aos quaes não andem conjunctas tradições, que lhe devam ser tão caras, não haverá o cuidado a que aliás tem direito tudo quanto é propriedade da nação, e de que apenas a coroa possue um usufructo, que amanhã, por uma lei, lhe póde ser retirado!
Mas a respeito do inventario da casa real tenho ainda que dizer alguma cousa, sr. presidente, pois com elle se deu um facto que merece ser aqui relembrado e que mais uma vez veiu patentear a fórma como n'este paiz se cumprem á risca os preceitos da carta constitucional... por parte dos altos poderes do estado, entende-se!
A lei é igual para todos, diz-se, com effeito, no nosso codigo fundamental, quer castigue quer premeie, e todos lhe devem obediencia, quer estejam na ultima escala da sociedade, quer, pelo contario, se levantem ás mais altas epheras da riqueza ou do poder. Muito bem! Vejamos como este preceito é cumprido pela casa real, isto é, pela propria corôa, que, segundo a definição da carta, é a chave de todo o nosso organismo politico.
Ha uma lei, que tem a data de 10 de julho de 1855 e que diz no seu artigo 8.º:
«Proceder-se-ha a inventario judicial dos bens da corôa immoveis e moveis, mencionados nos artigos antecedentes, avaliando-se os terrenos productivos e os moveis susceptiveis de deterioração, e fazendo dos objectos preciosos uma exacta descripção. Nos archivos das camaras legislativas serão depositadas copias authenticas do mesmo inventario, e uma outra no archivo da Torre do Tombo».
N'este afan de deixar dormir no limbo dos archivos as mais claras e categoricas disposições das leis, que dizem respeito ás obrigações e deveres da casa real, transformando este desprezo systematico em uma invariavel norma, de conducta, vinte e quatro annos se passaram sem que cumprissem as determinações do artigo 8.º da lei que acabo de citar. Um dia, porém, sr. presidente, aconteceu o que está acontecendo hoje, com esta discussão por mim provocada!
Entrou na camara um deputado republicano, o meu querido amigo o sr. Rodrigyes de Freitas, e em sessão de 23 de abril de 1879 pediu á mesa que lhe desse conhecimento da copia do inventario dos bens moveis e immoveis em usufructo da coroa, a qual segundo as disposições preceptivas da lei de 10 de julho de 1855 devia estar depositada no archivo da camara. Levantou-se então o sr. Rodrigues de Freitas e leu á camara a disposição clara e terminante da lei. O sr. Antonio de Serpa, que n'essa occasião era ministro da fazenda, affirmou mesmo no dia seguinte que, apesar de a lei ser perceptiva e clara n'esse ponto, e entendendo elle proprio que era de altissima conveniencia fazer-se o inventario, todavia esse inventario não existia!!
Em seguida a esta declaração o sr. Rodrigues de Freitas apresentou uma noção que a camara, honra lhe seja, (e digo isto já que infelizmente o cumprimento de um dever é caso de honra n'estes tempos que vão correndo), votou por unanimidade. A moção era redigida n'estes termos:
«A camara dos deputados da nação portugueza confia em que será immediatamente cumprido, em toda a sua extensão, o artigo 8.º da lei de 10 de julho de 1855, ácerca do inventario judicial dos bens da corôa de Portugal.»
conforme eu disse, sr. presidente, a camara votou por unanimidade esta noção, apresentada por um deputado republicano.
Seis annos se passaram sobre tal votação. Mas onde está o inventario da casa real?
Bem sei que o sr. ministro da fazenda nos documentos que me enviou se referiu tambem a este ponto.
O sr. ministro remetteu á camara, a meu pedido, a copia de um officio do sr. administrador da casa real, no qual se diz que o inventario está seguindo os seus tramites.
Citarei as proprias palavras por que começa o referido documento:
«Illmo. E exmo. sr. - Tenho a honra de accusar a recepção do officio de v. exa. de 20 do corrente mez (março de 1885), e em resposta cumpre-se dizer-lhe que em virtude do officio de 17 de dezembro de 1879, dirigido por esta administração ao exmo. se. ministro e secretario de estado dos negocios da fazenda, da resposta ao esmo officio de 19 de janeiro de 1880, e do parecer do procurador geral da coroa, requeri n'aquella epoca ao meritissimo juiz da Sexta vara para começar o mesmo inventario, etc.»
Confrontem-se bem estas datas e ver-se-ha quando e em que circumstancias a casa real mandou proceder ao inventario dos bens moveis e immoveis a que era obrigada por uma lei votada havia vinte e cinco annos! Foi depois do sr. Rodrigues de Freitas Ter levantado esta questão no parlamento, e de o mesmo parlamento se Ter visto obrigado, em presença da condemnação severa feita por aquelle illustre deputado, a acceitar por unanimidade a moção que um republicano tinha apresentado!
Já vê v. exa., sr. presidente, como a casa real tem, pelos seus precedentes, direito a que a nação, que está nadando n'um mar de dinheiro, ao que parece, lhe faça mais esta dadiva!
Mas ha mais ainda, senhores deputados.
Francamente, contraria-se bastante occupar por tanto tempo a attenção da camara, mas, estou cumprindo com um dever indeclinavel, e quando se trata de desempenhar deveres, não se póde olhar a considerações de qualquer ordem que sejam!
Eu sei que muitas das minhas palavras hão de soar de um modo extranho aos ouvidos dos deputados monarchicos que me escutam! Mas que querem s. exas.?! Está tão bem quando se falla á vontade, isento de todos os compromissos, que ahi, n'esses bancos, a tantos de vós acorrentam, e quando se póde levantar bem alto a cabeça porque só se obedece ás determinações da consciencia e ao mandato dos eleitores, que eu, pondo de parte os desejos que teria de ser breve e agradavel á maioria, continio no desempenho do meu dever!
Á casa real não lhe falta simplesmente o inventario, não tem sómente deixado de liquidar as suas dividas á fazenda. tambem não possue orçamento de despeza, apesar de receber do estado enormes quantias, superiores ás consignadas para muitos serviços publicos importantes!
Se v. exa., sr. presidente, abrir o orçamento geral do estado para o anno economico de 1885-1886, vê, como eu vi, que insignificantes orçamentos, com verbas minusculas de 20$000 ou 30$000 réis de despeza, pertencentes a estabelecimentos pios, misericordias e recolhimentos, ali se encontram descriptos com toda a clareza.
Pois a casa real, que absorve 657:806$750 réis, isto é

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uma verba equivalente a mais de dois terços do total da verba que gastamos com toda a instrucção publica pelo ministerio do reino, a despeza mais santa, mais productiva que um paiz civilisado pôde inscrever no seu orçamento, a casa real, digo, apesar da enorme somma que recebe do estado, não tem um orçamento! Onde se viu isto?!
Pois tem orçamento especial uma misericordia, cujo movimento de receita e despeza é de 20$000 ou 30$000 réis, tem-n'o outros estabelecimentos insignificantissimos e não o ha de ter uma administração que nos custa por anno réis 657:000$000!?...
E não nos cumpre a nós, deputados da nação, que todos os annos votâmos a automação para estas verbas se gastarem no exercício seguinte, não nos cumpre a nós, digo, perguntar como é que tão importante quantia se despende?
E note a camara, que se fallo em orçamento de despeza da casa real, me refiro apenas a uma indicação muito geral «, e por modo nenhum a um rol miudo de todos os gastos, o que seria caricato. Este orçamento, no meu entender, poderia ser dividido por capitulos, ou quando muito, em um certo numero de artigos, sem mais especificação.
Eu seu que me podem responder, e tem-se-me respondido já, que aqillo que o monarcha gasta com a sua economia domestica, não é licito a ninguem ir investiga-lo. Creio que o illustre relator da commissão está dizendo «apoiado».
Pois a esta asserção eu respondo que as verbas que estão inscriptas sobre o titulo de «dotação real», no orçamento, não são consignadas ao cidadão portuguez que póde chamar-se o sr. D. Luiz de Bragança, mas sim ao chefe do estado, pela alta magistratura que desempenha, e são em grande parte destinadas para despezas de representação d'essa magistratura, visto que ainda se entende serem necessarios meios tão quantiosos para conservar o prestigio do poder, que pelo contrario eu julgo melhor fazer-se respeitar pela estricta observancia da lei, e por uma moralidade acima de toda a suspeita!
Venho eu perguntar, porventura qual é o orçamento da casa de Bragança?
Não venho! porque a casa de Bragança é uma administração particular.
Mas estou no direito de inquirir, como representante da nação, em que se applica a verba de 657:000$000 réis, consignada á casa real, que é uma administração do estado.
Não é, pois, uma heresia esta minha pergunta. Pelo contrario, parece-me perfeitamente justificada.
Se v. exa., sr. presidente, estudar a organisação d'este serviço nos diversos paizes estrangeiros, encontra que n'esses paizes é grande o cuidado com que se attende á importante questão da administração da dotação das respectivas casas reaes; em alguns estados mesmo a dotação consignada para despezas da casa real é tão seriamente considerada, que chega a sua administração a constituir um ministerio especial.
No imperio da Russia e no imperio da Austria-Hungria, por exemplo, a administração da casa do imperador reputa-se tão importante que não se duvida pôr á sua frente um ministro responsavel, como qualquer outro ministro de estado!
Em Portugal a administração da casa real não tem esse ministro, porque, se o tivesse, havia elle de dar couta ás camaras da fórma por que a dotação real era gasta.
O sr. ministro da fazenda, a quem na actual organisação compete a superintendencia de todos os serviços financeiros, das finanças da casa real só conhece o orçamento de receita.
Não é pois, fiados na simples palavra do sr. ministro que nós havemos de votar este projecto.
A palavra do sr. ministro da fazenda como cavalheiro particular, merece-me muito credito; na sua qualidade, porém, de ministro de estado, s. exa. precisa documentar, perante a camara, todas as asserções que fizer.
Como até hoje, nem s. exa., nem nenhum ministro tem procedido assim, nunca os representantes da nação, ao discutir-se o orçamento do estado, podem saber em que se despende uma das maiores verbas que no mesmo orçamento se inscreverem.
Já vê, v. exa., sr. presidente, as condições de administração em que está a casa real!
Com estes precedentes (e ainda que o paiz o podesse), como havemos nós de ir distrahir dos cofres publicos réis 1 000:000$000 para acudir a embaraços que ámanhã renascerão com nova intensidade?
Não ha meio, creia-o a camara, e creia-o o sr. ministro da fazenda, de regularizar as finanças da casa real, emquanto sobre ellas não houver a severa inspecção do parlamento.
Mas ha outra pergunta ainda que naturalmente occorre, já que se trata d'este assumpto: Quanto custa a Portugal a casa real?
Eu não ignoro que um dos argumentos, dos que defendem este projecto, é, segundo esses, que n'um paiz centralisado como o nosso e com os nossos costumes peculiares, em que ao chefe do estado tanto se pede e tanto se lhe exige, indispensavel se torna consignar-lhe como dotação uma verba quantiosa para poder fazer face a todos as importantes despezas que sem cessar são reclamadas do monarcha.
Diz-se por isso e affirma-se todos os dias, que a casa real portugueza tem uma dotação pequena, não devendo admirar, portanto, que em virtude da exiguidade d'essa dotação ella se esteja constantemente endividando.
Eis o que para muitos não admitte a sombra de uma contestação. E no entanto, como tal asserção está longe da verdade dos factos!!
Vou ler á camara uma curiosa estatística, porque tive o cuidado de pedir á eloquencia dos números, e não á minha palavra, que a não tem, a resposta a estas affirmações.
Abro o orçamento de 1885-1886 e encontro por esta fórma descriptas as differentes verbas que estão consignadas ao que se chama serviço da casa real.

«Ministerio da fazenda. - Dotação da família real .... 571:000$000
«Ministerio da guerra. - Officiaes ás ordens de El-Rei .... 9:210$750
«Ministerio da marinha. - Officiaes ás ordens de El-Rei .... 6:096$000
«Ministerio das obras publicas. - Concertos e obras nos paços, etc. .... 6:000$000
«Guarda real de archeiros .... 3:500$000
«Juros das inscripções em usotructo da corôa .... 62:000$000
637:806$750

É isto, sr. presidente, o que custa ao nosso paiz a casa real, segundo a indicação do orçamento; não sei se ha despezas de outra ordem que não vem n'este documento mencionadas.
Quem sabe?!...
Ora, como eu aprecio muito a estatística e a tenho por um elemento indispensavel para o estudo do que modernamente se chama sociologia, vou ler á camara uma estatística muito breve, mas eloquentíssima, que responde de um modo terminante ás allegações de pobreza da nossa casa real.
Vamos ver quanto custa a lista civil por habitante em alguns paizes, d'entre os quaes escolherei de preferencia os monarchicos. Apenas fallarei da França, como confronto, mas a minha relação inscreverá principalmente paizes

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monarchicos, porque como entre nós a fórma de governo é monarchica, deve ser com as fórmas similares que havemos de comparal-a.
Quanto custa a lista civil por habitante em cada um dos seguintes paizes, comparada com Portugal?
Quanto custa a lista civil comparada com as despezas da instrucção n'esses mesmos paizes e no nosso?
Quanto representam as despezas com a lista civil comparadas com a despeza total ordinaria em Portugal e nas nações a que vou referir-me?
Custa a lista civil por habitante: em França, 4 1/2 réis; na Suissa, 4 1/2 réis; na Inglaterra, 76 1/2 réis; na Russia, 88 réis; na Italia, 97 réis; na Prussia, 117 réis; na Belgica, 117 réis; na Austria, 117 réis; em Portugal, 145 réis!!
Tenho a declarar á camara que estes numeros são tirados, pelo que diz respeito aos paizes estrangeiros, de uma obra que faz auctoridade n'estes assumptos; é o livro do allemão Pfeiffer, intitulado Comparação das despezas dos differentes estados europeus, ultima edição.
De modo que, repare bem a camara, um chefe de familia, de termo medio, cinco pessoas, paga em Inglaterra, por anno, para a casa real, 382 réis; na Russia, paga 440; em Portugal, paga 725 réis!!
Quer dizer, na aristocratica e opulenta Inglaterra; na Inglaterra dos millionarios e dos loards; na Inglaterra em que a sua Rainha cinge á fronte o diadema do maior imperio do mundo, pois que á triplice corôa real do Reino Unido, junta a corôa imperial do Indostão; n'este paiz que passa, e bem, na tradição popular por ser o El-Dourado da riqueza publica contemporanea; n'esse paiz reinante menos de metade do que paga no nosso pobre Portugal!!!
Na Russia, n'esse imperio dos Romanoff, onde uma realeza aristocratica e quasi feudal vive em pleno regimen absoluto; na Russia, n'essa nação babylonica que assenta o seu poderio sobre dezenas de nacionalidades escravisadas e sem direitos, cada habitante paga para o Imperador e Papa, porque czar é ao mesmo tempo soberano temporal e espiritual do seu povo, apenas 88 réis, isto é, pouco mais de metade do que paga cada portuguez para a lista civil!!
O sr. Ministro da Fazenda (Hintze Ribeiro):- Porque são muitos.
O Orador:- Bem sei que são muitos, mas isso que importa para o caso? Não estou explicando o motivo porque o povo russo e povo inglez estão menos sobrecarregados do que o nosso com o encargo da lista civil; apenas tomo nota do facto, e o facto é incontestavel. Alem d'isso, as despezas enormes a que têem de sujeitar-se, não só o monarcha da Russia, mas ainda o da Inglaterra, não soffre comparação com as despezas a que tem de fazer face a nossa pequena côrte.
Passemos á Segunda estatistica, a da lista civil comparada com a despeza total ordinaria do orçamento.
Em França a lista civil representa 1/25 por cento da despeza total do orçamento; na Inglaterra representa menos de 1 por cento; na Italia 1 1/2 por cento; na Austria cisleithama 1 1/2 por cento; em Portugal 2 por cento!
Quer dizer que tambem sob este ponto de vista Portugal está acima de nações, em que evidentemente o principio monarchico, não só tem raizes profundissimas, mas onde não passou ainda por essas revoluções, que felizmente já no nosso paiz lhe tiraram muitas das suas attribuições, e com ellas, mesmo a faculdade que tinha, de ir buscar aos contribuintes riquezas que lhe não pertenciam.
Vamos á terceira estatistica, a despeza da lista civil comparada com as despezas da instrucção. N'este ponto ainda o confronto é mais eloquente!
A França, e pouco ou nada direi d'esta nação, porque quaesquer palavras que a tal respeito proferisse seriam suspeitas para a maioria, a França gasta sessenta e sete vezes mais com a sua instrucção do que com a lista civil, isto é, com as despezas de dotação do seu presidente!
Mas, repito, não fallemos da França; ponhâmos esse paiz de parte, ainda que pela fórma, por que se governa actualmente, bem nos mostra, que o governo republicano é muito mais vantajoso do que todas as monarchias, quando não fosse senão pela economia!
Mas occupemo-nos de paizes monarchicos, porque assim a comparação tem mais força.
O Wutenberg: (Leu.) gasta com a sua instrucção vinte e sete vezes mais do que com a lista civil; a Inglaterra gasta cinco vezes mais; a Prussia gasta tres vezes mais; a Austria gasta tres vezes mais; a Belgica gasta tres vezes mais; Portugal gasta, quando muito, uns 25 por cento mais, porque inscrevendo o seu orçamento uma lista civil de 657:000$000 réis, apenas gasta pelo ministerio do reino com toda a instrucção, primaria, secundaria e superior, cerca de 850:000$000 réis!!!
Haverá ainda alguem que se não convença perante a eloquencia d'estes numeros?!
O sr. ministro da fazenda interrompeu-me ha pouco dizendo que não admirava que na Russia se pagasse por cabeça muito menos para a lista civil, por isso que na Russia os habitantes eram muito mais do que em Portugal. O que diz agora s. exa. a respeito da estatistica que acabo de ler á camara? Tambem aqui a população absoluta será uma attenuante?
Mas n'este caso ainda, onde fica o argumento da França? Porque mesmo quando nos restabeleçamos a proporção com relação ao numero de habitantes entre Portugal e a França e entre Portugal e a Russia, ainda em qualquer dos casos a verba para a lista civil, que compete a cada habitante de Portugal, e extraordinariamente exagerada!
Occupemo-nos, porem, e ainda por um momento da França, e vejâmos como n'este paiz se comprehende o prestigio do poder, e se ali se julga a dignidade do seu primeiro magistrado dependente de quantiosas sommas consignadas a sua ostentação. E para o facto a forma do governo pouco importa, porque o chefe da republica franceza tem uma altissima posição na Europa. Pois bem! a França, que ainda hoje e das primeiras e mais respeitadas potencias do continente, tem um chefe de estado que precisa conservar as honras que andam inherentes ao cargo de representante de uma nação d'aquella ordem; honras que são indispensaveis para que um paiz, que tem voz decisiva no conselho dos gabinetes europeus, possa apresentar-se condignamente no concerto das outras nações.
Como consequencia d'esta elevada posição, creada pelas exigencias internacionaes do seu paiz, o presidente da republica franceza dia a dia tem que receber os emissarios e os embaixadores de todas as potencias do mundo; dia a dia tem que gastar nas despezas d'essa representação forçada sommas consideraveis. E apesar disso o presidente da republica franceza, que é pobre, que não possue fortuna propria, tem apenas como dotação 900:000 francos ou 163:000$000 reis!!
A côrte do Portugal, a quem eu não quero chamar a côrte de Gerolstein, por consideração ao regimento e por respeito á camara, mas que e uma corte muito modesta, onde as despezas são quasi apenas particulares; que não tem que satisfazer a grandes despezas de representação extraordinarias; e onde a representação ordinaria exigida pela intimidade com as grandes potencias da Europa não existe; a corte de Portugal, n'estas condições de humildade com relação as outras côrtes europeas, gasta quatro vezes mais do que gasta a França. E note se que o Rei de Portugal e riquissimo, o que não acontece ao sr. Grevy, simples advogado, que vivia do seu trabalho, antes de ser chamado pela vontade da nação a alta magistratura que hoje occupa!
Pergunto, n'estas condições haverá ainda alguem que

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diga que as dividas da casa real são o resultado da exiguidade da lista civil?
Eu sei que a lista civil na Inglaterra e muito importante, em absoluto; mas sei tambem que n'aquelle paiz, se ha generosidade para com o monarcha, não a ha menos com todos os outros funccionarios servidores do estado que percebem
avultadissimas retribuições e fartos estipendios.
Se eu noto, com effeito, os milhões que no Reino Unido se gastam com a lista civil, vejo tambem os milhões que ali se despendem em honorarios á sua dignissima magistratura e ao seu illustre professorado, aos seus briosos officiaes e aos seus intrepidos marinheiros.
Ao menos assim comprehende-se! Mas entre nós?!
É quando a magistratura portugueza, a quem estão confiados os mais altos interesses sociaes, por vergonha nossa, recebe mesquinhos o ridiculos ordenados, tao mesquinhos e tão ridiculos que em Inglaterra mal chegariam para pagar a um mediocre official de diligencias; e quando os professores de instrucção superior, a quem esta incumbida a missão de velar pelos progressos da alta sciencia, quer dizer, da expressão mais elevada da civilisação contemporanea, percebem uma magra e exigua retribuição, tão exigua e tão magra que, só elles por dignidade das suas funcções quizerem estar a par do desenvolvimento do ramo de conhecimentos que professam, não lhes chegaria o que ganham para organisarem ainda as mais modestas bibliothecas; é quando as repartições do estado estão cheias de pobres, diria quasi famintos empregados, que são os verdadeiros parias dos nossos orçamentos; empregados que, por mais intelligencia, aptidão e amor ao serviço que tenham, não podem produzir o resultado, que alias em circumstancias mais favoraveis teriam produzido, porque lhes faltam materialmente os recursos necessarios para viverem; é n'esta occasião que se diz que a lista civil, a unica verba luxuosa do orçamento portuguez, e pequena, e exigua, e que essa exiguidade e essa pequenez explicam as dividas da administração da casa real!! Isto não é serio, sr. presidente!
V. exas. podem responder como quizerem a estes meus argumentos.
Eu appello, não para as palavras que aqui disserem, mas para a sua propria consciencia.
Quando estiverdes a sós com ella; quando nós não podermos assistir aos movimentos sinceros de recriminação intima que cada um de vos ha de sentir a tomar-lhe conta do seu voto, farei justiça, estou certo, as palavras que deixo aqui consignadas e que, se não agora, podem ao menos no futuro ser lidas por alguem que aqui mesmo as applauda!
Posto isto, sr. presidente, e percorridos um a um todos os capitulos do meu libello contra a proposta do lei do sr. ministro da fazenda, só me resta defender, e fal-o-hei em brevissimas palavras, o projecto do lei que tive a honra de apresentar á camara.
Terá notado v. exa., e tem de certo sido reparado pelos meus collegas que o projecto a que me refiro, ao mesmo passo que pretende que a corôa pague da sua propria dotação as annuidades do emprestimo que contrahir para solver as suas dividas, dispõe que sejam vendidas por conta do estado as inscripções de que tem o usufructo a mencionada corôa.
É injusto, diz-se por ahi em voz baixa, e iniquo! por isso que ao mesmo tempo que se augmentam muito os encargos da casa real, se lhe diminue desde já 62:000$000 reis por anno na sua dotação, que a tanto ascende o producto dos juros das inscripções.
Um illustre deputado afiançou-me até, ha pouco, que o meu projecto era de tal maneira iniquo, que nem a republica seria capaz de o converter em lei!!...
Em breves palavras, sr. presidente, eu vou esclarecer as duvidas que se têem levantado no animo dos meus collegas da maioria; em breves palavras vou desde já socegal-os; a respeito das minhas intenções, e a respeito do significado e do alcance do projecto de lei que apresentei em substituição da proposta do sr. ministro da fazenda.
Creio eu, senhores deputados, que depois que entrei nesta casa, e na minha curta vida parlamentar, tenho dado provas sufficientes de que desejo demonstrar com o meu procedimento que a presença e acção do partido republicano na camara se justifica unica e simplesmente pela verdade eloquentissima dos factos sociaes que trouxeram a creação d'este partido, e por forma alguma, apenas por estereis declamações, sem fundamento, contra os poderes constituidos.
Tenho procurado sempre, com effeito, nas questões em que entro, mostrar que o partido republicano tem ideas, não só a respeito da melhor forma politica que convenha dar ao paiz, para que a organisação do executivo corresponda as aspirações da grande massa da população, mas ainda que tem soluções administrativas, economicas e financeiras que oppor as normas dos governos dos partidos monarchicos. Por isso as minhas propostas e os meus projectos de lei são sempre por mim defendidos com argumentos, e não visam a mero effeito de occasião.
Vou, portanto, apresentar as rasões do meu actual projecto. Mas antes, porque eu quero ser franco, e nem aos proprios adversarios desejo esconder o meu pensamento, farei uma declaração.
Este projecto considero-o como um minimo.
Se eu estivesse numa camara verdadeiramente constituinte, e não apenas com as taes parcellas do poder constituinte a que se referiu o sr. presidente do conselho (ou melhor, porque e mais frisante, se eu, com o quadrupulo bridão que lhe poz o sr. Julio de Vilhena e os outros membros da maioria) se eu estivesse aqui em uma camara de outra ordem, o projecto de lei que eu apresentava não era este; ainda seria mais radical.
Bastava que eu me achasse n'uma camara completamente a vontade, sem ter a cortar-me a palavra o rigor do regimento, bastava que eu estivesse numa camara como aquella de 1870, que não teve duvida de dizer com toda a hombridade a corôa o «se não, não», invocado pelo meu amigo o sr. Beirão; bastava que eu estivesse numa camara assim, para que o projecto que eu apresentasse em substituição ao projecto do sr. ministro da fazenda, fosse ainda mais iniquo, na phrase plangente de alguns senhores deputados.
Não estou, porem, neste ponto, em direito constituendo, e ficarão os meus desejos para melhor occasião!
Posto isto e tendo lembrado a camara a minha posição especial n'esta questão, posição completamente desembaraçada emquanto a independencia das minhas apreciações, porque consideração alguma e capaz de me fazer desviar um apice do que eu reputo o cumprimento do meu dever; mas posição por outro lado constrangida pelas prescripções do regimento, que nem sempre me deixam ser tão explicito quanto eu desejava; passarei em brevissimas palavras a fundamentar o meu projecto.
A fazenda da casa real faz parte da fazenda do estado; e a fazenda da casa real esta seriamente compromettida pela sua ma administração, senão presente, pelo menos passada.
Este é o facto.
Que fazer então?
Obrigar essa administração com sacrificio proprio a desembaraçar-se, para que assim se desembaracem bens, que amanha poderão ou melhor deverão pertencer a nação. Sobretudo e precise impedir que se alienem os 2.000:000$000 reis de inscripções para pagar as dividas da corôa.
O sr. Beirão, quando discutiu este assumpto hontem, fallou unica e simplesmente dos interesses do usufructuario futuro que assim ficavam prejudicados.
O usufructuario futuro, segundo o illustre deputado, é o

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Principe Real. Póde sel-o, com effeito; mas póde tambem não o ser!
S. exa. sabe muito bem que eu no campo politico, em que milito, posso ainda admittir uma terceira hypothese.
Amanhã pode mudar a forma de governo pode n'este paiz proclamar-se a republica e o usufructuario portanto ser outro, a não se dar o caso mais provavel que taes bens revertam n'esse momento ao directo possuidor, que é a nação. Mas o que é certo e que todas as difficuldades financeiras que hoje são da casa real, amanha serão de quem usufruir os bens que actualmente ella gosa, pois terá de recebel-os onerados de pesados encargos.
Ora, como eu aqui estou em nome do futuro, devo principalmente acautelar esta hypothese, pedindo para que a fazenda da casa real, que é, como disse, a fazenda do estado tambem, se desembarace, se regularise com o sacrificio da propria casa real, que assim a sua custa aprenderá a administrar-se melhor!
É por isso que eu não estou de accordo com o sr. ministro da fazenda.
O que propõe s. exa.?
Que a caixa geral dos depositos adiante á casa real as quantias necessarias para pagamento de um emprestimo e que para caução d'esse emprestimo se depositem as inscripções da corôa, que serão alienadas pelo governo á medida que for sendo conveniente.
Isto quer dizer que o governo vae pagar com os bens da nação dividas que são unicamente da administração da casa real.
O que pretendo eu com o meu projecto?
Que a casa real seja obrigada a desempenhar-se, pagando com sacrificio seu todos os erros das passadas administrações, que lhe tem gerido a fazenda; desejo por isso que se consigne da sua dotação annual uma verba, a correspondente a annuidade necessaria para a extincção total do emprestimo. Nada mais justo, nem mais equitativo!
E será porventura a minha proposta illegal?
Que não e illegal dizem-no as palavras do illustre deputado que entrou n'esta discussão, confirmadas pela voz auctorisada do sr. ministro da fazenda; e dil'o ainda o parecer do procurador geral da corôa, que permittiu que a casa real fizesse com os bancos o contrato de 30 de dezembro de 1882, que vem indicado no projecto da commissão. No contrato de 30 de dezembro de 1882 encontro, com effeito, a seguinte clausula:
«Artigo 3.° Para pagamento das semestralidades mencionadas no artigo anterior, o primeiro outorgante, em nome de Sua Magestade El-Rei, consigna especialmente os juros dos titulos da divida publica portugueza, de que a corôa de Portugal tem o usufructo, nos termos das leis vigentes, titulos que deposita n'este banco, e que têem os numeros e valores constantes da relação que fica archivada no meu cartorio para o fim já indicado, na importancia nominal de 2.024:100$000 réis, bem como os juros dos titulos que for succesivamente adquirindo pela subrogação de varias propriedades a que, segundo as leis, se esta procedendo, que tambem serão depositados neste banco, e consigna igualmente a parte necessaria da dotação real para completar as semestralidades estabelecidas na condição anterior o que já, foi determinado por portaria de 29 do corrente, cuja copia igualmente fica no meu cartorio para o fim de tambem ser transcripta nos traslados d'esta, devendo para esse effeito o thesoureiro do ministerio da fazenda, entregar directamente a este banco de Portugal, conforme lhe foi ordenado, as respectivas quantias nos mezes de maio e novembro de cada anno.
Pergunto: se a casa real não teve duvida em consignar uma parte da sua dotação para solver os compromissos que tinha nos bancos, que são estabelecimentos particulares, não será justo que a mesma casa real consigne uma parte da referida dotação para pagar a divida que contráe com um estabelecimento do estado?
Prescindindo de todas as argucias que possam encastellar-se em volta d'esta questão, ninguem contestará que é similhante o processo que seguem todos os que pedem emprestado; pedem e pagam com os seus rendimentos.
Passemos a justificar o artigo 2.° do meu projecto.
Aprazem-me singularmente, sr. presidente, as posições francas e definidas; e não serei eu que, por intenção propria, faça com que deixem de ser claramente comprehendidas as minhas idéas.
Eu quero, como já tive occasião hontem de o dizer, tirar á corôa o usufructo das inscripções que até agora tem tido.
E porque quero eu tirar-lhe esse usufructo?
Porque, fundado na propria proposta de lei do sr. ministro da fazenda, entendo que tal rendimento lhe não é necessario, devendo por isso reverterá favor do estado.
Sabe v. exa. e a camara porque e que a corôa tem tido ate hoje o usufructo das inscripções, resultado da venda dos diamantes brutos e desencastoados que estavam na posse da mesma corôa?
Não trato de investigar agora a forma juridica por que a casa real entrou na posse desses valores, nem tão pouco a rasão legal que se deu para que a corôa passasse a usufruir esses 63:000$000 réis, augmentando-se implicitamente e por um modo indirecto a sua dotação. Esses 63:000$000 réis eram indispensaveis, dizia-se, para a sustentação da magestade e grandeza do throno; são estas as phrases consagradas pela linguagem monarchico-parlamentar. Pois bem! Admittâmos por hypothese que assim seja. Desde o momento, porem, em que o governo, de accordo com a casa real, vem propor a alienação das inscripções em usufructo da corôa, é porque a casa real está de accordo era que póde prescindir perfeitamente, para o seu brilho e lustre, para as despezas da sua representação, dos 63:000$000 réis que as mesmas inscripções rendem; porque se ella não podesse prescindir de tal rendimento, com certeza o sr. ministro da fazenda não vinha aqui propor a alienação das referidas inscripções, visto que a alienação vae sacrificar ao presente os redditos futures da casa do rei. E então o dilemma impõe-se naturalmente: ou o juro das inscripções não era necessario para as despezas de representação da corôa, e n'este caso a casa real tem-no estado a receber indevidamente ha uns poucos de annos; ou e necessario e por consequencia a alienação proposta pelo sr. ministro da fazenda não pode fazer-se. Não ha meio de fugir a uma d'estas duas conclusões! Eu sou, sr. presidente, partidario ,da alienação dos bens, a que nos temos referido e de que, a corôa tem o usufructo, por entender que o seu rendimento e uma superfluidade para a casa real; approvo por isso a alienação das inscripções, não para dar a casa real o seu producto, mas sim ao estado, que necessita de realisar despezas importantes, que são urgentes e inadiaveis, e nas quaes esse dinheiro tem segura e rapida applicação.
Já vê v. exa., sr. presidente, que em duas palavras se defende o meu projecto de lei.
Se no meu paiz, os ministros que se sentam n'aquellas cadeiras, fossem mais ministros da nação e menos ministros da corôa, seria urna proposta analoga a minha, que deveriam ter apresentado.
Infelizmente entre rios, a representa9ao nacional serve, unica e exclusivamente para chancellar com as suas maiorias actos como este, como outros que o têem precedido, e como outros que successivamente se lhe irão seguindo!
Que tenho eu mais a dizer? Expuz clara e francamente a minha opinião, a respeito do projecto de emprestimo á casa real, que eu continuarei a classificar de monstruoso; não tenho a pretensão de que as minhas palavras possam ter calado no espirito da maioria, a ponto de a converter as minhas ideas; não me illudo tão pouco com relação aos resultados que estas minhas palavras, mesmo, hão de ter para o seguimento da discussão; o que eu quiz, o que eu pretendi foi deixar ficar archivada nos annaes parlamentares d'esta camara constituinte, um vigoroso protesto, longo

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SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1885 1593

é verdade, e bastante fundamentado como tambem era importante e grave o facto sobre o qual esse protesto havia de recair.
Eu bem sei que o sr. relator e o sr. ministro da fazenda, levantando-se após de mim, dirão que tudo quanto eu affirmei, embora corroborado por documentos officiaes, e um mero erro; que estou illudido ou quero illudir os que me escutam; que me colloquei n'um campo que não tem nada de commum com o campo monarchico constitucional em que elles se acham; que as palavras que proferi, ditas por mim, podem justificar uma opinião mais ou menos preconcebida, mas pouco tem que ver com a discussão serena e fria do assumpto; e a maioria apoiara freneticamente a replica do sr. ministro, ou a do sr. relator, e eu hei-de vêr, não direi com desgosto, porque não estou por emquanto aqui para vencer, mas para protestar, que não é tomado em consideração o meu projecto, e que dentro em pouco será votada quasi por unanimidade a proposta do sr. ministro da fazenda! Não e necessario possuir o dom de uma grande previdencia, para adivinhar isto que vae succeder!
Mas, senhores deputados (já que se tem fallado n'esta camara tantas vezes em francez, permitta-se me que eu tambem cite algumas palavras n'este idioma) ha tambem um proloquio bem applicavel á actual conjunctura e que diz: - «rirà bien qui rira le dernier». Quem vier depois, sr. presidente, e esta e a paraphrase, dirá qual a ultima palavra ácerca d'este malfadado assumpto!
Os ministros passam, e a nação fica; mas os erros accumulados durante tão largos annos vão-se successivamente preparando para produzir os seus resultados impreteriveis!
Sempre aconteceu assim, e sempre assim ha de acontecer, porque a logica dos movimentos sociaes e inilludivel, e a fatalidade da historia e inexoravel!
E como se tem fallado tantas vezes tambem em historia n'esta casa, e tantas vezes se tem aqui aberto as suas paginas, seja-me permittido que eu lembre um profundo vaticinio historico a esta maioria que está com tão grande afan de votar sem perda de tempo este projecto, no que faz bem.
A maioria, a exemplo do governo e da illustre commissão de fazenda, entende que não deve ficar atras em primores de alta cortezania, como são altas e cortezãs as pessoas que este projecto vae beneficiar!
Mas tornando ao vaticinio a que acabo de alludir, recordo me do dito celebre de um politico tambem bem celebre: que o passado da França era o futuro de Portugal...
O sr. Agostinho Lucio: - Isso é de João Felix Pereira.
O Orador: - Ignorava que o sr. Lucio fosse tão lido n'este auctor, pelo que o felicito, mas tenho o desgosto de dizer-lhe que as palavras que citei não são originaes d'elle. Copiou esse dito de um distincto escriptor francez, como copiou outros de muito menos valor.
Já que sou, porém, chamado a este terreno, lembrarei á camara alguma cousa mais do que o simples e laconico prognostico que parece não ter agradado ao meu collega.
Recordarei uma pagina muito eloquente e muito conhecida, e que até o sr. Agostinho Lucio, que é tão lido na historia de João Felix Pereira, lá póde encontrar.
Na ultima metade do seculo XVIII, senhores deputados, e na ultima metade do reinado de Luiz XVI, diz João Felix Pereira, (ora veja o sr. Lucio que grande serviço prestou á minha memoria com a sua interrupção!) que havia uma corte em Frahga que successivamente se tinha divorciado da opinião publica, que até ahi parecia tel-a acompanhado com o seu favor.
Essa côrte entendeu, e bem mal, como depois o futuro lhe mostrou, que se devia por todas as formas oppor as legitimas reivindicações da nação e que no uso e abuso das prerogativas que uma tradição secular lhe tinha concedido, devia continuar a separar-se cada vez mais do espirito da França, e devia principalmente, sem lhe importar o resto do paiz, que soffria em silencio, provocar pelas suas loucas prodigalidades resistencias cada vez maiores, que ella no seu egoismo não queria presentir, seguindo o tradicional aphorismo de Luiz XV, Après moi, le déluge!
Tambem João Felix fez essa citação, sr. Agostinho Lucio. (Riso.)
Chegou um dia, porem, em que as difficuldades surgiram, chegou um dia em que esses erros accumulados ameaçavam explosão, e a corte viu-se obrigada a demittir os seus antigos ministros e a chamar aos conselhos da corôa um novo governo, não com o intuito patriotico de satisfazer as legitimas aspiragoes do paiz, mas unicamente com o pensamento reservado e egoista de salvar-se, simulando querer salvar a França.
Foi então chamado Turgot, de quem muito pouco falla João Felix, (Riso.) apesar de ser muito conhecido este nome de todos os que me escutam; Turgot, saudado pelos proprios monarchas absolutos da Europa, como Maria Thereza, de Austria e Frederico Grande, da Prussia, Turgot, o maior estadista do seu tempo e um dos chefes da nova escola economica, que tão grandes serviços prestou a sciencia do governo nos ultimos annos do seculo passado. O grande ministro, apenas chamado ao poder poz hombros a regeneração das finanças francezas; lutou e lutou muito. Emquanto lutou, sr. presidente, para por a França (como se diz, servindo-me de uma liberdade que não offende o decoro e a dignidade da camara) no são, a côrte regosijava-se com a sua obra, esperando mais tarde poder fazer reverter em seu proveito o resultado d'esse sacrificio imposto com rara energia ao paiz.
Mas um dia, sr. presidente, apresentaram a Turgot um cheque particular da Rainha Maria Antonietta, para elle, na sua qualidade de ministro das finanças, descontar; era de alguns milhões! Turgot negou-se a acceder a tal pedido, porque entendeu, e muito bem, que o dinheiro da nação não devia servir para dotar aias mais ou menos queridas, para gastar em toilettes luxuosas e superfluas, e para despender em todos esses caprichos feminis que a historia aponta como tristes episodios, em meio das tempestades que se levantaram nos ultimos dias da monarchia, em volta do throno de Luiz XVI! Turgot, porem, no fim de tres dias estava demittido por uma conspiração de palacio.
A côrte, sr. presidente, não se sentindo ainda segura, quiz fazer uma transacção. Não ousou chamar novamente aos conselhos da corôa esse que tinha derrubado, mas tão pouco julgou chegado o tempo para se lançar nos antigos desvarios que tinham precedido a ultima crise. Chamou Necker que na côrte era considerado mais malleavel do que o ministro demissionario.
Necker era mais cortezão do que Turgot; mas ainda assim passava por ser um distincto economista e um habil financeiro. Sobretudo era bastante honesto para deixar de se oppôr ao desregramento das despezas que arruinavam as finanças da França, desregramento motivado principalmente pela nefasta influencia da côrte, que em tudo dominava!
Necker representava o credito, assim como Turgot havia representado a economia. Do mesmo modo que Turgot, Necker lucta com os parlamentos, lucta com os altos empregados financeiros, lucta com os privilegios da nobreza, lucta com o clero, e sustenta-se! Mas um dia chega a vez de luctar com a côrte, e apresenta um projecto de reforma da casa real. Foi o bastante para que a camarilha se insurgisse, e Necker caíu!!
Diz-nos a historia que então a corte já cansada d'estes pesadellos continuados, achando insuportavel estar em contacto com puritanos da tempera de Turgot e Necker chamou ao ministerio Calonne, de quem não quero fazer o retrato politico, porque tenho receio de que as approximações sejam demasiadamente frisantes para alguem que o sr. ministro da fazenda conhece muito.

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1594 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Não farei, pois, é retrato politico de Calonne; direi simplesmente, que era o ministro cortezão, por excellencia, habil, eloquente, conhecendo o valor de uma mesura feita a tempo e a importancia politica de uma venia na occasião apropriada! Demais, Calonne era faustoso, perdulario, dissipado, quer dizer, tinha todos os predicados de bom ministro da fazenda para uma côrte, que só desejava encontrar e apenas apreciava nos seus conselheiros a sufficiente malleabilidade para obtemperarem a todas as suas velleidades e satisfazerem todos os seus caprichos!
Parece-me que o illustre relator da commissão está verdadeiramente satisfeito com a pagina de historia que estou recordando á camara; mas quem sabe? Talvez se não mostre tão satisfeito quando ouvir a ultima palavra d'esta mesma pagina!
Calonne tomou, conforme eu dizia, posse do ministerio, levantando logo como maxima governativa o seguinte proceito: - «Se a riqueza de um paiz e constituida pela riqueza dos particulares, não basta restaurar as finanças do estado; e mister igualmente cuidar das finanças dos mais fieis servidores do Rei! »
E então foi uma grande festa a vida da côrte e a administração das finanças publicas.
Os presentes de milhões, as dadivas principescas succediam-se sem interrupção no haver do thesouro.
Saint-Cloud foi comprado para a Rainha; o Rambouillet foi comprado para o Rei.
O principe Carlos, duque d'Artois, tambem não foi esquecido. Teve cincoenta milhões de francos!
E as aias?
Era preciso dotal-as!
Por isso a Lamballe recebeu o seu quinhão.
E os favoritos?
E Lauzun?
E Luxemburg?
E a interessante Polignac?
E as modistas da Rainha?
E a sua cabelleireira ?
Calonne não tinha mãos a medir. Dinheiro! muito dinheiro! era o que lhe pedia a côrte, e elle obedecia! O paiz approximava-se a passos largos da bancarota.
Que importava?
Acima de tudo estava a vontade da rainha, que era nervosa, que tinha ataques, e que os ministros temiam pelos seus arrebatamentos!
Por isso quanto menos havia, mais o estado tinha necessidade de empenhar-se! Mas não ha bem que se não acabe; e estas bacchanaes da administração de Calonne não podiam deixar de abrir mais o abysmo que em volta do throno se tinha cavado!
Chegou por isso, como era de esperar, o momento em que a côrte teve, embora com o desespero n'alma, de despedir o seu favorito, para chamar novamente os homens que em tempo tinham querido salval-a mas que ella abandonara, ou antes expulsára traiçoeiramente!
Veiu outra vez Necker. Era, porém, já tarde. O illustre financeiro genebrino não podia fazer com que a onda, impulsionada pelos successos do ultimo quartel do seculo XVIII, entrasse no seu primitivo leito.
Um a um foram successivamente caindo, como frageis anteparos, todos os esforços de resistencia que podiam oppor-se á revolução!
Foram convocados os notaveis, e os notaveis desappareceram sem nada terem podido resolver!
Vieram os estados geraes, e os estados geraes á voz de Mirabeau e de Sieyés, um fidalgo e um padre, converteram-se em assembléa nacional, annullando de facto as duas ordens privilegiadas, o clero e a nobreza! Veiu depois a insurreição geral, veiu 1789, veiu a queda da Bastilha, veiu a convenção, veiu 1793, e aqui paro..., mas não sem pedir a camara que medite nos tristes acontecimentos que estas ultimas datas encerram. Lembrem-se os que me escutam, de que eu não estou aqui senão animado do sincero desejo de que o meu paiz ao menos se possa salvar das catastrophes que impensadamente e de coração leve todos lhe estão preparando!
Se eu apenas attendesse ao triumpho do meu partido, ainda que esse triumpho tivesse de o festejar sobre as ruinas da nossa querida patria, bemdiria o momento em que esta camara votasse este e muitos outros projector n'este sentido. E sabem v. exas. o motivo porque? Porque mais rasão do ser teria então a minha propaganda, e a minha estada n'este parlamento mais justificada seria. Maior echo encontrariam as minhas palavras no paiz, porque muitos, que ainda são hoje indifferentes, haviam de se desilludir.
Mas não! Não serei eu que tal deseje! Outros, se quizerem, que assumam este ingrato papel para quem sente palpitar um coração portuguez! Não serei eu nunca que folgue com as desgraças que a imprevidencia criminosa dos meus adversarios traga a Portugal, embora sobre taes desgraças podesse levantar-se triumphante o meu partido!
Este é o meu patriotismo, e pouco me importa ver monos por esse motivo, eu e os meus amigos, calumniados no mundo official em que vos viveis, e que pouco comprehende a effusão d'estes sentimentos generosos!
Mas ao menos o vosso interesse devia levar-nos a escutar os presagos vaticinios que por toda a parte se ouvem, como se fossem os precursores de alguma grande desdita!
Ministros do Rei! Não tremeis, com effeito, diante da coincidencia entre a historia actual da monarchia portugueza, e os ultimos dias da dynastia dos Capetos, que ha pouco vos apontei, coincidencia, que até por um sinistro capricho do acaso se estende a uma quasi identidade de nomes proprios?!...
Deputados monarchicos, que ides votar dentro em poucos minutos o projecto que estamos discutindo! Não estremeceis diante da responsabilidade que possa trazer-vos o voto que estaes prestes a dar?!...
Sr. presidente e srs. deputados de todos os lados da camara! Lembrae-vos que um homem illustre d'este paiz, que não pertence ao meu partido, mas ao vosso, o sr. conde do Casal Ribeiro, uma vez, em tempos que lhe deixavam mais liberdade a sua palavra eloquentissima, proferiu do alto da tribuna portugueza estas palavras fatidicas: «Tremei, poderes do estado, a justiça do povo e implacavel, porque não prescreve».
Pois bem! Ao terminar, eu direi, parodiando esta phrase que, para vos, deve ser insuspeita: «Tremei, ministros da coroa, tremei deputados monarchicos, a justiça do povo é implacavel, porque jamais prescreve!»
Tenho dito.

Rectificação

Na sessão de 13 do corrente, pag. 1546, col. 2.ª, lin. 48, onde se diz «que devem administrar sem que pretenda convencer o paiz» deve dizer-se «que devem administrar, ou que pretenda convencer o paiz».

Redactor = S. Rego.

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