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SESSÃO DE 9 DE MAIO DE 1888
Presidencia do ex.mo Sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os ex.mos Srs.
Francisco José de Medeiros
Francisco José Machado
SUMMARIO
Nenhum expediente.- Duas representações da sociedade Martins Sarmento, de Guimarães, apresentadas pelo sr. Franco Castello Branco, e uma outra de diversos habitantes de Bragança apresentada pelo sr. Firmino João Lopes. - Requerimento de interesse publico mandado para a mesa pelo sr. João Pinto Rodrigues, e um outro requerimento de interesse particular, apresentado pelo sr. Francisco Machado. - Justificação de faltas do sr. Guilherme de Abreu. - Depois de apresentar alguns considerações, em favor das representações que mandou para a mesa, o sr. Franco Castello Branco, referindo-se novamente á noticia sobre a existencia de um deposito de dynamite na povoação de Alcaide, pede ao governo que mande averiguar pelo proprio administrador do concelho sobre a veracidade d'essa noticia. - O sr. Francisco Machado associa-se ás considerações do sr. Franco Castello Branco com respeito á collegiada de Guimarães. - O sr. Ferreira de Almeida justifica a sua falta de comparencia na missa celebrada na sala do risco do arsenal de marinha; explica o motivo por que não tomou parte n'uma votação do dia anterior; insta pela remessa de uns documentos e faz diversas considerações em referencia a assumptos de marinha. Resposta do sr. ministro das obras publicas. - Participa o sr. Villaça que se acha installada a commissão de estatistica. - O sr. presidente do conselho dá explicações relativamente á prisão do redactor de um jornal de Evora. - Apresenta um projecto de lei o sr. Cardoso Valente. - Trocam se explicações entre o sr. Firmino Lopes e o sr. ministro das obras publicas sobre o caminho de ferro de Tua. - O sr. Arroyo pede a comparencia do sr. ministro do reino na proxima sexta feira antes da ordem do dia e s. exa. assim o promette.
Na ordem do dia continua e termina o seu discurso o sr. Eduardo Villaça ácerca da interpellação dos Srs. Dias Ferreira e Pedro Victor, relativa á adjudicação das obras do Porto de Lisboa.
Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.
Presentes á chamada 48 srs. deputados. São os seguintes: - Antonio Castello Branco, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Mazziotti, Fontes Ganhado, Simões dos Reis, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Bernardo Machado Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Soares de Moura, Severino de Avellar, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, João Arroyo, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Sousa Machado, Correia Leal, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Barbosa Colen, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, José de Napoles, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Pinto Mascarenhas, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Martinho Tenreiro, Miguel Cantas, Vicente Monteiro, Estrella Braga e Visconde da Torre.
Entraram durante a sessão os Srs.: - Albano de Mello, Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Pereira Carrilho, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Barão de Combarjua, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Goes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Francisco Ravasco, Lucena e Faro, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Sá Nogueira, Candido da Silva, Baima de Bastos, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Avellar Machado, Ferreira Galvão, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Abreu Castello Branco, Laranjo, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, José Maria dos Santos, Abreu e Sousa, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marcai Pacheco, Marianno Presado, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Sebastião Nobrega e Consiglieri Pedroso.
Não compareceram á sessão os Srs.: - Guerra Junqueiro, Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Campos Valdez, Antonio Candido; Antonio Centeno, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Jalles, Barros e Sá, Augusto Pimentel, Victor dos Santos, Conde de Fonte Bella, Eduardo de Abreu, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco Beirão, Fernandes Vaz, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Alfredo Ribeiro, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Pereira de Matos, Eça de Azevedo, Figueiredo Mascarenhas, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, Simões Dias Santos Moreira, Santos Reis, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Marianno de Carvalho, Dantas Baracho, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
REPRESENTAÇÕES
Da sociedade Martins Sarmento, de Guimarães, pedindo a conservação da collegiada de Nossa senhora da Oliveira e da sua transformação em instituto de ensino.
Apresentada pelo sr. deputado Franco Castello Branco, enviada á commissão de negocios eclesiasticos e mandada publicar no Diario do governo.
Da sociedade Martins Sarmento, de Guimarães, pedindo a approvação do projecto de lei do digno par do reino, o sr. Miguel Osório Cabral de Castro, concedendo ás sociedades scientificas ou litterarias, ou ás que tenham por unico fim o desenvolvimento de qualquer ramo de instrucção publica, a faculdade de adquirir e conservar, independentemente de licença do governo, quaesquer bens immobiliarios, consistindo em edificios com caracter de monumentos historicos, ruinas, inscripções, dolmense e terrenos proprios para explorações archeologicas etc.
Apresentada pelo sr. deputado Franco Castello Branco, enviada á commissão de legislação civil, ouvida a de instrucção especial e mandada publicar no Diario do governo.
De diversos habitantes da cidade de Bragança, pedindo a construcção do prolongamento da linha ferrea do Tua até áquella cidade, construindo-se n'ella a estação terminus, na margem direita do rio Fervença, no terreno que se prolonga desde a Mãe d'Agua em direcção á ermida do Senhor da Piedade.
Apresentada pelo sr. deputado Firmino João Lopes, enviado á commissão de obras publicas e mandada publicar no Diario do governo.
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REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO
Requeiro que, com urgencia, me sejam mandados, pelo ministerio da fazenda, os seguintes esclarecimentos:
1.° Uma nota contendo:
a) Nomes de todos os escrivães de fazenda que foram addidos desde 20 de fevereiro de 1886, com a indicação dos concelhos e respectiva classe em que se achavam, quando foram addidos;
b) Despachos que a seu respeito se fizeram posteriormente, com a indicação das repartições ou concelhos para onde foram mandados em virtude d'esses despachos;
c) Vencimento mensal com que ficaram depois de addidos, designação da importancia mensal das gratificações que recebem e por que titulo as recebem.
2.° Uma nota contendo:
a) Nomes dos individuos que foram nomeados escrivães de fazenda desde 20 de fevereiro de 1886, com designação dos concelhos para onde foram despachados;
b) Empregos que exerciam á data da nomeação;
c) Despachos que a seu resposito se fizeram posteriormente á sua nomeação de escrivães de fazenda, com a indicação das repartições ou concelhos para onde foram mandados em virtude d'esses despachos;
d) Natureza das commissões de serviço de que foram incumbidos, com a data dos respectivos despachos, designação da repartição ou concelho em que foi exercida a commissão, gratificação mensal e epocha em que terminou a commissão.
2.° Nota dos empregados extraordinarios que desde 20 de fevereiro de 1886 foram exonerados dos cargos que exerciam, indicando-se o despacho que os tinha nomeado para esses cargos.
4.° Uma nota contendo:
a) Nomes de todos os individuos que desde 20 de fevereiro de 1886 foram nomeados extraordinariamente para as diversas repartições de fazenda districtaes e concelhias;
b) Datas dos respectivos despachos, com a indicação das repartições para onde foram mandados fazer serviço;
c) Vencimentos mensaes;
d) Despachos que a seu respeito se fizeram posteriormente, com a indicação das suas datas, repartições ou concelhos para onde foram nomeados, designando-se o vencimento ou gratificação mensal, quando houver alteração depois da fixação primitiva. = O deputado, João Pinto.
Mandasse expedir.
REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR
De D. Maria Emiliana de Castro da Silva Telles e D. Maria Mauricia Telles de Castro da Silva, pedindo para ser approvado o parecer n.° 66 da sessão de 1887, que considera relevantes os serviços de seu pae, o general Antonio Feliciano Telles de Castro Apparicio, a fim de poderem obter uma pensão.
Apresentado pelo sr. deputado F. J. Machado e enviado á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.
JUSTIFICAÇÃO DE FALTA
Declaro que, por grave incommodo de saude, não pude comparecer ás sessões anteriores desde o dia 23 do mez de abril proximo findo. = Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu.
Para a secretaria.
O sr. Franco Castello Branco: - Manda para a mesa duas representações da sociedade Martins Sarmento, uma das quaes pede a approvação do projecto que elle, orador, teve a honra de apresentar á camara, e a que tantas vezes se tem referido.
Esta representação, diz o orador, está muito bem elaborada e perfeitamente deduzida; o que não admira, partindo ella de uma sociedade, tão benemerita como illustrada, e cujos fins são litterarios e scientificos, occupando-se especialmente do derramamento da instrucção popular na cidade de Guimarães.
São diversas e valiosas as considerações que n'ella se têem, tendendo todas a demonstrar a necessidade e a conveniencia de se aproveitar a idéa fundamental d'aquelle projecto.
Assim, dizem os signatarios:
«O povo d'esta cidade e concelho compenetrou-se de que só a instrucção, difundida por todas as classes sociaes, determina o seu progresso harmonico, e é causa da prosperidade publica; por isso, abraçou com extremo jubilo a creação do curso nocturno de desenho que a sociedade Martins Sarmento, primeiro que ninguem, franqueou gratuitamente aos operarios; por isso se exaltou em vivas demonstrações de regosijo quando viu instituiria aqui a escola industrial Francisco de Hollanda; e foi pela mesma rasão que se commoveu e enthusiasmou com a idéa da conservação da collegiada, grata aos seus sentimentos religiosos e patrioticos, mas transformada, em harmonia com as imperiosas necessidades do ensino, n'um instituto de instrucção que, ao lado da escola industrial, habilitando os operarios para a lucta com a industria estranha, prepare os filhos de todas as classes de cidadãos para serem, nas suas espheras, uteis á terra onde nasceram e á patria.
Seguidamente o orador chama em especial a attenção do governo para o seguinte periodo da mesma representação:
«Afigura-se, porém, a esta sociedade que, para a transformação projectada trazer completa satisfação ás necessidades do ensino por este populoso concelho sentidas, convinha que as cadeiras na nova escola ou instituto fossem modeladas e processadas de accordo com os cursos e programmas dos lyceus.
«D'este modo, não só se colherão todos os beneficies desejados; mas ficará o ensino da nova escola nivelada com o ensino geralmente professado no paiz, o que é do uma vantagem inconcussa.»
Comprehende-se bem, observa o orador, que por esta fórma a nova instituição, alem de ser proveitosa para os industriaes, para os pequenos commerciantes e para as classes populares, seja tambem muitissimo conveniente para as classes medias, para a burguezia; isto é, para as classes mais abastadas, mas que não se dedicam, nem ás industrias nem ao commercio, mas sim a cursos scientificos na universidade e nas differentes escolas do nosso paiz.
Ficarão por esta fórma harmonisados os interesses das classes populares com os da classe media; isto é, com os mais abastados, e por isso, applaude a idéa, acceita-a, e espera que o governo e a commissão concordem.
Na outra representação, que é tambem da mesma sociedade, pede-se a approvação do projecto apresentado na outra casa do parlamento, na sessão de 10 de abril, pelo digno par do reino o sr. Miguel Osorio e que tem por fim conceder ás sociedades cientificas ou litterarias que tenham por fim unico promover o desenvolvimento de qualquer ramo de instrucção popular, a faculdade de adquirir e conservar, independente de licença do governo, quaesquer bens immobiliarios que consistam em edificios com caracter de monumentos historicos, ruinas, inscripções, terrenos proprios para explorações archeologicas ou de qualquer outra natureza scientifica.
Aquelle projecto vem, portanto, alterar o preceito do artigo 35.° do codigo civil, que, como todos sabem, não permitte que qualquer sociedade faça adquisição de bens immoveis o parece-lhe que essa alteração é de alta conveniencia, porque com ella se obsta á perda de monumentos
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que podem servir para o estudo das instituições patrias e de differentes padrões das nossas glorias.
Por isso elle, orador, quando esse projecto vier á discussão n'esta camara, ha de envidar todos os seus esforços para que seja approvado.
Mandando para a mesa as duas representações a que acaba de referir-se, pede ao mesmo tempo que ellas sejam publicadas no Diario do governo.
E visto estar com a palavra, chama de novo a attenção do governo para o facto a que já se referiu n'uma das sessões passadas, de existir na povoação do Alcaide, segundo lhe consta, um deposito de dynamite,
Acrescenta o orador que o sr. presidente do conselho já o informou de que, tendo dado ordem, por telegramma, á auctoridade administrativa do districto de Castello Branco para indagar se effectivamente existe algum deposito de dynamite, que ponha em risco a segurança e a vida dos habitantes d'aquella localidade, o sr. governador civil respondêra que, segundo a informação dada pelo regedor da freguezia ao respectivo administrador do concelho, tal deposito não existia.
Em presença d'esta declaração, elle, orador, pediu novas informações; mas, como estas, attendendo á natureza especial do facto do que se trata, podem demorar alguns dias, parece-lhe conveniente que, em logar de se confiar simplesmente ao regedor a averiguação do facto, se ordene desde já que o proprio administrador do concelho do Fundão se apresente na povoação do Alcaide para pessoalmente averiguar se é certa a existencia do deposito de dynamite; porque, de mais a mais, dá se a circumstancia de ser o regedor irmão do proprietario da casa onde se diz existir o deposito, podendo por isso ter interesse em negar o facto.
Deseja que por parte do governo seja acceite este alvitre, independente da informação que elle, orador, já pediu, dignando-se o sr. ministro do reino dar ordens n'esse sentido ao seu delegado n'aquelle districto.
(O discurso será publicado na integra e em appendice a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)
Consultada a camara resolveu-se que as representações sejam publicadas no Diario do governo.
O sr. Francisco Machado: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa um requerimento de D. Maria Emiliana de Castro da Silva Telles e D. Maria Mauricia Telles de Castro da Silva filhas do benemerito brigadeiro Apparicio, em que pedem sejam considerados relevantes os serviços que seu fallecido pae prestou a este paiz.
Sr. presidente, permitta-me v. exa. que eu enumere alguns dos serviços d'este distincto e heroico official e depois da camara ter conhecimento d'elles não lhe restará duvida de que se tem praticado uma grave injustiça negando ha tanto tempo o que estas senhoras solicitam.
Sr. presidente, o general Apparicio fez as campanhas de 1796, 1801, 1808, 1809, 1810, 1811, 1813 e em 1817, fez tambem a campanha do Rio da Prata.
Em 1810 já commandava um regimento de cavallaria que combateu na batalha do Bussaco.
Em 1811 assistiu e combateu nas batalhas de Campo Maior, de Albuera, Sulana e de Uzagro, em 1813, nas de Barcarena, Subjana, na de Victoria e dos Pireneos; em 1814 tez em França toda a campanha até a paz de Foutenebleau em que Napoleão foi prisioneiro para a ilha de Elba.
Sr. Presidente, se os serviços d'este official não são relevantes, não sei então o que se ha de fazer para como taes se poderem classificar os serviços de qualquer cidadão prestados á patria.
Pois as filhas d'este benemerito official têem-se esforçado para que os serviços de seu pae sejam considerados relevantes e até hoje não o têem conseguido.
Em 1863 foi decretada uma pensão para estas senhoras, pensão que era inferior ao monte pio que percebiam, porém, como não foram classificados de revelantes os serviços de seu pae, não lhes pagaram a pensão decretada, sem desistirem do monte pio.
Comprehende-se bem quão absurda era uma tal determinação, pois que não haviam de deixar o monte pio que era maior para receber uma pensão menor.
De 1863 até hoje, têem estas senhoras clamado por justiça sem ella lhe ser, feita.
Em 1877 a commissão de guerra de então deu parecer sobre este pedido, chegando elle a ser impresso e distribuido pelos srs. deputados.
Não chegou a ser dado para ordem do dia, mas nem por isso deixa de ficar provado que grande numero de officiaes distinctos, que então compunham a commissão de guerra, consideraram os serviços do seu fallecido camarada Apparicio, como relevantes.
Sr. presidente, é lamentavel que o paiz deixe na miseria as filhas d´aquelles benemeritos, que derramaram o seu sangue para lhe sustentar a dignidade ou conquistar a liberdade, que tão amplamente hoje gosâmos.
É, lamentavel que os filhos dos que regaram o solo da peninsula com o seu suor e o seu sangue, esmolem a caridade publica.
É lamentavel, sr. presidente, conhecer esse cortejo de miserias que por ahi vae nas familias dos que mais serviços prestaram á patria.
Mais de uma vez n'esta casa, muitos e distinctos officiaes têem levantado a sua voz auctorisada em favor distas familias infelizes.
m 1863 conseguiu o nobre marquez de Sá da Bandeira fossem votadas umas pequeninas pensões para as familias dos seus fallecidos camaradas, que foram seus companheiros nas luctas cruentas da liberdade, e que tinham difficuldades em viver com a exigua pensão do monte pio.
Percebe-se claramente o intento.
O fim era, que estas infelizes accumulassem a pequena pensão com o monte pio, mas no ministerio da fazenda exigiu-se que fizessem declaração de que desistiam do monte pio para lhes poder ser passado o titulo que lhe dava direito á pensão, fundando-se para isso na lei de 1844 que prohibe a accumulação de dois ou mais vencimentos pagos pelos cofres do estado.
Se isto não foi caçoada, não sei que nome se lhe possa dar.
Como haviam aquellas infelizes desistir de uma quantia maior para receberem outra menor?
Alem d'isto o monte pio official não é cofre do estado. É verdade que o estado subsidia o cofre do monte pio, mas o seu fundo principal é formado com as quotas dos socios e não póde considerar-se cofre do estado.
Não deixa o estado de pagar as pensões votadas em 1863 ás familias dos officiaes que recebem pensão pelo monte pio geral; como é pois que se tem deixado de pagar ás que recebem pelo monte pio official?
Lemos n'um jornal, escripto por militares as seguintes palavras referidas ao brigadeiro Apparicio:
«Não conhecemos ninguem que, com a espada na mão, fizesse uma carreira mais brilhante.»
Tem se querido dar á lei de 1863 a interpretação da lei de 1835, que concedeu algumas pensões de sangue, porque esta lei é que preceituava muito claramente que estas pensões não podiam ser accumuladas com o monte pio militar, porque sendo as pensões, então concedidas, iguaes aos soldos dos officiaes, ficariam as suas familias com proventos superiores aos que tinham os seus chefes em vida, e portanto a sua morte tinha sido para ellas um beneficio.
Mando, portanto, para a mesa o requerimento e mais documentos que o acompanham, esperando que d'esta vez seja feita justiça, reparando-se uma falta imperdoavel.
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1496 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Sr. presidente, pedi tambem a palavra para juntar a minha voz humilde á voz auctorisadissima do meu illustre amigo o sr. Franco Castello Branco, em favor da representação que s. exa. acaba de mandar para a mesa.
Não necessita s. exa. do meu apoio, e perdoe-me se me atrevi a pedir a palavra para me referir a um assumpto a que o meu illustre amigo se tem referido por mais de uma vez, e tão proficientemente tem tratado.
Porém, sr. presidente, procedendo d'este modo cumpro um dever gratissimo, que me é imposto pela minha consciencia e pela convicção que tenho de que o governo presta um grande serviço a Guimarães attendendo as representações que o sr. Franco Castello Branco tem enviado para mesa.
S. exa. tem usado para commigo de uma excessiva delicadeza, participando-me que recebeu de Guimarães varias representações, e dando-me a honra de me pedir para me associar a s. exa., a fim de ver só conseguimos realisar os principios expendidos nas mesmas representações.
Não necessita s. exa. de apoio tão fraco, e por isso tenho tomado como mera cortezia, que, eu agradeço, o convite com que me tem honrado.
Mas s. exa. comprehende que, se como deputado por Guimarães, lhe cumpre o dever, para s. exa. sempre gratissimo, de coadjuvar os interesses de tão nobre terra, eu tenho deveres não menos imperiosos, não menos levantados, não menos nobres que me impellem a desejar igualmente como s. exa. todos os melhoramentos para Guimarães.
S. exa. sabe que os seus amigos politicos são meus amigos pessoaes, e que tenho recebido provas inequivocas de sympathia dos habitantes do concelho de Guimarães.
É portanto dever meu proceder como estou procedendo, e tanto mais que isto não é uma questão politica.
Sempre que s. exa. me dá a honra de participar que recebeu uma representação de Guimarães, tenho pedido a palavra, que me não tem chegado, pela altura em que fico inscripto, e é essa a rasão porque não tenho acompanhado d'algumas palavras as judiciosas considerações de s. exa.
Alem d'isso, sr. presidente, eu tive a honra de receber um officio da associação commercial de Guimarães, pedindo o meu fraco e limitado auxilio em favor da conservação da collegiada.
Portanto, por um impulso da minha vontade e um dever de gratidão, não podia deixar de cumprir tão agradavel como honrosa missão.
Sr. presidente, a conservação da collegiada de Guimarães é a suprema aspiração d'aquelle povo.
Não ha ali uma só pessoa que tenha uma opinião divergente. Estão todos, sem excepção de um só, unidos ao mesmo pensamento. N'esta questão não ha politica, todos confraternisam, todos sentem do mesmo modo e cooperam no mesmo sentido.
Desejarei muito que o governo attenda tão justo pedido, e tanto mais que não dá despeza para o thesouro visto a collegiada ter rendimentos de sobejo.
O meu illustre amigo, o sr. Franco, quando outro dia apresentou o seu projecto laborou n'um equivoco proveniente de não ter os elementos que o podessem elucidar, suppondo que o governo e a camara municipal teriam de contribuir com uma verba para a sustentação das escolas que se pretende crear.
Estou informado que o rendimento da collegiada é mais que sufficiente para as despezas afazer, remunerando ainda melhor os conegos do que faz s. exa. no seu projecto, que lhe marca um vencimento a meu ver exiguo. Igual confissão fez o Sr. Luiz José Dias. porque s. exa., respondendo outro dia ao sr. Franco Castello Branco, por parte da commissão ecclesiastica, mostrou os mesmos receios de que necessario o governo contribuir com alguma verba para a execução das medidas que se propõem.
Não tenham s. exa. receio, porque estou informado que deve ainda ficar dinheiro que reverta a favor do estado.
É verdade que eu ouço dizer que se conta com o rendimento da collegiada de Guimarães para a dotação do clero.
Ora, sem querer ser propheta, quasi posso asseverar que a dotação do clero não se realisará na nossa vida, por muitas e variadissimas rasões que são obvias.
Todos sabem que a lei que estabelecer a dotação do clero ha de tratar tambem da divisão parochial, e posso afiançar a v. exa. sem receio de errar, que, por emquanto, não ha governo que se atreva a emprehender tal reforma, pelas rasões que não desejo expender n'este momento.
Decretar a dotação do clero unicamente para pagar melhor aos padres, não digo que seja mau, mas o mais conveniente seria a divisão e o arredondamento parochial, e isso é que eu digo que não ha por emquanto governo que se atreva a emprehender tal reforma.
Sr. presidente, postas as cousas n'este pé, póde e deve destinar-se o rendimento da collegiada de Guimarães para modificar e conservar a mesma collegiada, de modo a prestar um grande serviço aos habitantes d'aquelle heroico concelho, sem destruir as suas crenças religiosas, e annullar a mais antiga instituição de Portugal, que tem ligada á sua historia os factos mais gloriosos da historia patria.
Desejo muito que o governo se inspire na vontade de todos os habitantes do concelho de Guimarães, modificando a lei de 1869, de modo que, sem tirar o caracter ecclesiastico que deve sempre ter a collegiada, possam os conegos ministrar o ensino á mocidade que deseja ardentemente instruir-se.
Sr. presidente, a collegiada póde ficar extincta pela morte do ultimo conego, se o governo não attender ao pedido que se lhe faz; agora, o que não ha, é governo nenhum que tenha força para tirar a Guimarães os objectos de subido valor e que constituem o thesouro de Nossa Senhora da Oliveira, que pertencem á collegiada e hão de pertencer ao governo pela extincção da mesma.
Eu disse, outro dia e repito agora, porque é sempre bom lembrar estas cousas, que é grave attentar contra as crenças de um povo, destruir-lhe as suas mais caras e gratas tradicções, principalmente quando esse povo quer, a una voce, conserval-as.
Tenho toda a confiança no governo, sei que os seus intuitos são transigir com a vontade dos povos, quando essa vontade é bem fundamentada, e não vae de encontro á excencia dos seus processos governativos.
O governo ha de convencer-se que tem tudo a lucrar, attendendo o pedido que lhe fazem, e nos termos os mais urbanos, os habitantes do concelho de Guimarães.
A representação que o meu illustre amigo acabou de mandar para a mesa está muito bem redigida, e contém principios muito salutares, como não podia deixar de ser, visto que foi elaborada por cavalheiros muito conspícuos e muito intelligentes, como são os que compõem a benemerita sociedade Martins Sarmento, a quem s. exa. acaba de fazer o elogio
Mas permitta-me v. exa. que lhe diga que uma parte do que ahi se pede não póde ser da nossa competencia.
Tomáramos nós que as aulas se criem, porque o modo como cada disciplina ha de ser leccionada depende do regulamento que se ha de fazer depois. (Apoiados.)
Concordo plenissimamente em que as disciplinas sejam professadas de modo que os mancebos que as estudarem fiquem habilitados a fazer exame em qualquer lyceu, mas isso não é da competencia da camara. (Apoiados.) É negocio para ser tratado depois n'outra estação.
É muito conveniente que as materias que se professarem na escola de Nossa Senhora da Oliveira sejam segundo os programas em vigor nos lyceus; mas creio que n'esse ponto não haverá duvida.
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Não desejo tomar mais tempo á camara, e por isso termino aqui as minhas considerações.
O requerimento teve o destino indicado na respectivo extracto a pag. 1493.
O sr. Ferreira de Almeida: - Declara que, por motivos superiores á sua vontade não podéra acompanhar a deputação encarregada de assistir á missa realisada na sala do risco do arsenal da marinha, pelas melhoras de El-Rei.
Declara tambem que não emittíra o seu voto na votação do louvor dado a dois lentes de medicina na universidade, unicamente para se manter nas idéas que tinha apresentado a este respeito, o não porque não entendesse que o louvor era merecido.
Instava pela remessa dos documentos que requerêra com relação a gratificações abonadass da direcção geral da divida publica, e que não tinham vindo, apesar de por mais de uma vez ter solicitado que lhe fossem remettidos.
Tendo sido construida no arsenal de marinha uma machina para um navio de guerra, parecia-lhe conveniente que ella figurasse na proxima exposição industrial.
Uma machina não era cousa insignificante, e alem d'isto esta fóra feita por operarios portuguezes e riscada por um official machinista tambem portuguez.
Parecia-lhe que era este um dos casos em que o governo devia mostrar o seu desvelo em dar consideração aos que em Portugal trabalham com vontade, tanto mais que se devia ter em vista que quem riscara aquella machina não tinha, pela sua posição e pelas suas habilitações, obrigação de o fazer.
Acrescia a circumstancia de que não era necessario assentar immediatamente a machina.
Estava para partir brevemente para Barcelona, a fim de representar o paiz, o couraçado Vasco da Gama, e áquelle Porto haviam de concorrer tambem esquadras de outras nações.
Se o navio ía para se indicar que Portugal tinha couraçados, de nada isto servia, porque o material naval dos differentes paizes era bem conhecido, e sabia se que não tinhamos senão aquelle.
Para se tirar esta apparencia á viagem do Vasco da Gama, seria conveniente que, no caso de ser possivel, elle fosse acompanhado por outro navio.
Lembrava ainda que o poderiam acompanhar dois dos quatro torpedeiros de que o governo dispunha.
A condição essencial em relação a torpedeiros era navegar n'elles, e por isso todas as nações os empregavam em navegações de certa importancia para exercicio das guarnições.
Esta viagem serviria de exercicio.
E a este respeito devia observar que, estando já distribuido o parecer sobre a proposta de lei que augmenta as comedorias dos officiaes da armada, julgava de justiça, pois se tratava de uma representação politica, que os officiaes do Vasco da Gama recebessem já n'esta viagem as comedorias assim augmentadas, embora o parecer não estivesse ainda approvado pela camara.
Já em algumas occasiões o governo tinha usado de tolerancia com respeito a comedorias.
Lembrava que seria mais regular que a camara, por qualquer fórma, auctorisasse o governo a mandar pagar áquelles officiaes as comedorias augmentadas, para ficarem vencidas se o projecto fosse approvado, e para serem descontadas se o não fosse.
Mandava para a mesa um projecto de lei, assignado tambem pelo sr. Cardoso Valente, determinando que a licença para uma embarcação encalhar na praia, a fim de limpar ou queimar o fundo e em geral para beneficiar o casco, seja valida por um anno, desde a data em que for concedida, qualquer que seja o numero de vezes que a embarcação tenha de fazer este serviço.
Já se occupára d'este assumpto e já mostrára que o imposto que, com o nome de licença, as embarcações miuda pagavam pelos encalhes na praia para limparem ou consertarem não era equitativo, porque a necessidade dos encalhes varia com o calado dos barcos e com as condições dos fundos dos rios ou dos esteiros.
O projecto tinha por fim acabar, quanto possivel, com as desigualdades que se estavam dando.
Ultimamente alguns jornaes tinham-se occupado de um assumpto que, na sua opinião, tinha muita importancia.
Referia-se á apanha do mexilhão na ria de Aveiro.
Esta questão das pescarias devia merecer a maior attenção ao governo.
Tinha sido nomeada em tempo uma commissão para resolver e informar sobre as pretensões dos armadores e sobre os litigios de pesca e armações, mas isto não bastava; era preciso que o governo olhasse com a mais cuidadosa attenção para os factos que se estavam dando, e tomasse providencias energicas e decisivas.
Os povos, em geral, revoltam-se contra a regularisação da exploração de certas industrias e só quando conhecem as más consequencias de uma exploração defeituosa é que se resignam.
Agora que o mexilhão começava a desapparecer da ria de Aveiro, d'onde já tinha desapparecido a ostra, seria occasião opportuna para se tomarem algumas providencias regulamentares.
Já estava regulada a apanha da ostra e da lagosta, não só em relação á epocha, mas tambem em relação ao tamanho.
Deviam-se, porém, á similhança do que se tinha feito em outros paizes, regularisar todas as pescarias, para que algumas especies se não percam.
Consta lhe que em Aveiro só n'um anno se tinham apanhado mais de cem carradas de peixe, que, por não servir para a alimentação, se empregara em adubo para as terras.
Era preciso pôr termo aos abusos que se estavam dando, principalmente na ria de Aveiro e na ria de Faro.
Desejava que o sr. presidente do conselho lhe dissesse se já tinha informações cabaes ácerca do facto de, por acusações a um commissario de policia, ter sido preso em Evora um cidadão, ao qual só quatro dias depois se derrota de culpa.
(O discurso será publicado em appendice a esta mesma sessão quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O projecto de lei ficou para segunda leitura.
O Sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Communicarei ao sr. ministro da marinha as observações do illustre deputado, no sentido de ser enviada á exposição a machina feita no arsenal da marinha, e creio que o meu collega não terá duvida em a mandar expor, no caso de se entender que ella faz honra á industria portugueza.
Com relação ao segundo assumpto, de que se occupou o illustre deputado, isto é, sobre a conveniencia de se fazer acompanhar o Vasco da Gama, na sua proxima viagem a Barcelona, de dois torpedeiros, transmittirei tambem ao meu collega da guerra as considerações = feitas por s. exa. a este respeito.
Pela minha parte, acho justas as observações do illustre deputado, porque effectivamente é necessario que os barcos torpedeiros naveguem para exercicio das guarnições.
Quanto ás licenças para poderem encalhar nas praias os pequenos botes, que careçam de limpar os fundos, como o illustre deputado apresentou um projecto de lei sobre este assumpto, na commissão será elle examinado e o sr. ministro da fazenda manifestará sobre o projecto a sua opinião.
Tratou ainda o illustre deputado da questão das pescarias, e eu concordo com tudo quanto s. exa. disse.
Effectivamente é este um dos assumptos mais importantes e dos que mais se impõem á consideração dos poderes publicos, sendo verdadeiramente para sentir que a indus-
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tria da pesca nas rias de Aveiro e de Faro esteja tão atrazada.
E é lamentavel tambem que na ria de Aveiro se apanhem annualmente carradas de peixe pequeno para adubo das terras. É isto, póde assim dizer-se, uma verdadeira selvageria por parte d'aquella gente.
Succede o mesmo com a pesca do mexilhão, genero que está rareando consideravelmente em Aveiro, como já rareia tambem a ostra, que hoje quasi se póde dizer extincta.
São, pois, verdadeiros os factos apontados pelo illustre deputado; mas, s. exa. sabe quanto é difficil e até arriscado ir de encontro aos interesses da população que exerce a industria da pesca sendo por isso que as providencias tomadas nas rias têem encontrado grandes resistencias para a sua execução.
Pela direcção da respectiva circumscripção hydraulica já se tratou de pôr em pratica algumas disposições regulamentares; mas isto não póde deixar de se fazer pouco a pouco, lentamente, porque é difficil luctar com os preconceitos dos povos.
Aquella gente está no costume, de apanhar os moliços que é o adubo principalmente empregado nas terras do districto de Aveiro. Não tem outro; e, ou pela má epocha em que o apanha, ou pelo mau systema que emprega, o que resulta é vir de envolta com o moliço uma enorme quantidade de peixe miudo.
É possivel e mesmo provavel que, de accordo com o ministerio da marinha, posto que o assumpto dependa mais propriamente da minha pasta, se nomeie uma commissão de inquerito para estudar a questão das pescarias; e eu não terei duvida alguma n'isso; acceito n'este ponto o alvitre de s. exa.
É este um dos assumptos que mais reclama a attenção dos poderes publicos; mas o illustre deputado ha de reconhecer que a acção d'esses poderes tem de ser mais ou menos subordinada ás resistencias das povoações.
Pelo que respeita ao facto succedido em Evora, a que tambem alludiu o illustre deputado, e que, ha dias, já tinha sido aqui narrado pelo sr. Arroyo, como esse assumpto respeita particularmente ao sr. ministro do reino, s. exa. dirá as providencias que tomou e dará as explicações que julgar convenientes.
(S. exa não reviu as notas tachygraphicas.)
O sr. Eduardo Villaça: - Mando para a mesa a seguinte
Participação
Participo a v. exa. e á camara que se installou a commissão de estatistica, escolhendo para seu presidente o sr. Madeira Pinto e a mim para secretario. =Antonio Eduardo Villaça.
Para a acta.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Pedi a palavra para dizer ao illustre deputado o sr. Ferreira de Almeida, que o facto a que s. exa. se referiu, da prisão do redactor de um jornal de Evora, já por mim foi explicado ha dias n'esta camara.
Pedi informações a este respeito ao sr. governador civil, antes mesmo de se ter fallado n'esta camara sobre este assumpto, e a resposta foi que o facto não foi praticado pela maneira como aqui se tem dito. Segundo diz o mesmo governador civil, o individuo foi preso por insultos e resistencia á policia, no exercicio das suas funcções. Todavia, ou seja verdade o que diz o sr. governador civil, ou seja. verdadeira a narração feita nos jornaes, o certo é que o preso foi logo entregue ao poder judicial e que o processo está dependente do tribunal competente. O que me cumpre, portanto, é aguardar a resolução do tribunal, para em sua conformidade proceder com relação á auctoridade administrativa.
Se porventura se mostrar que essa auctoridade commetteu algum abuso, póde o illustre deputado ter a certeza de que não deixarei impune e sem correctivo esse abuso.
Creio que estas explicações serão suficientes para esclarecer o illustre deputado.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Cardoso Valente: - Mando para a mesa um projecto de lei, determinando que os taberneiros em Villa Nova de Graia sejam considerados, para os effeitos da lei da contribuição industrial, como pertencendo á 7.ª classe da tabella B, parte l.ª, annexa á lei de 14 de maio de 1872.
Este projecto tem por fim reformar uma desigualdade altamente vexatoria para a classe a que diz.
Para frisar bem essa desigualdade, basta dizer-se que, sendo o Porto, para os effeitos da contribuição industrial, terra de segunda ordem, pagam aquelles que ali exercem esta industria uns 5$600 réis, pagando por seu turno os de Villa Nova de Gaia, que c considerada terra de terceira ordem, mais do que o dobro, isto é, 12$600 réis. Ora, obrigar pelo exercicio da mesma industria, em terra de ordem inferior, sob o ponto de vista d'esse imposto, ao duplo do que se paga no Porto, terra de ordem superior, é por tal modo designai e injusto, que me parece urgente prover de remedio a esse estado de cousas.
Abstenho-me n'esta occasião de fazer quaesquer outras considerações no sentido de justificar este projecto de lei, pois que no relatorio que o precede poderá a illustre commissão de fazenda encontrar as rasões que o fundamentam.
Peço a v. exa. que lhe dê o destino conveniente.
(O projecto ficou para segunda leitura.)
O sr. Firmino João Lopes: - Ha poucos dias, o illustre deputado o sr. Eduardo José Coelho apresentou ao parlamento algumas representações das camaras municipaes de Bragança, Macedo e Vinhaes, pedindo a continuação do caminho de ferro entre Mirandella e Bragança; tambem o illustre deputado o sr. Pires Villar apresentou outra representação da junta geral do districto, pedindo, não só a continuação d'aquella via, mas tambem a do caminho de ferro do Pocinho a Miranda; hoje cabe-me a honra de apresentar outra representação dos habitantes da comarca de Bragança, contendo um grande numero de assignaturas, 1:067, creio eu, em que figuram as pessoas mais gradas da localidade e entre estas o bispo da diocese, governador civil do districto, director de obras publicas, auctoridades judiciaes, etc. Pedem a construcção da via ferrea do Tua.
Reservo para occasião mais apropriada fazer considerações relativas ao assumpto; agora limito-me a mandar para a mesa a representação e pedir a v. exa. que tenha a bondade de consultar a camara sobre se permitte a sua publicação no Diario do governo.
Aproveito a occasião de estar com a palavra para perguntar ao sr. ministro das obras publicas, se porventura, na promessa que fez de que na semana proxima apresentaria um projecto relativo a caminhos de ferro, se comprehende tambem aquelle a que me referi ha pouco, entre Mirandella e Bragança.
Aproveito igualmente a occasião para dizer a s. exa. que a viação ordinaria do districto de Bragança se acha ainda muito atrazada.
A estrada n.° 39 (me parece que é) segue a margem esquerda do Tua e ha de entroncar na estrada que vem de Mirandella a Moncorvo no sitio chamado do Barracão a alguma distancia de Villa Flor. Póde sem inconveniente mudar a directriz da parte não construida por fórma que o entroncamento se faça dentro de Villa Flor.
Quando se ordenou a construcção d'aquella estrada, uma rasão economica determinou o afastamento de Villa Flor porque eram de subido valor os terrenos que devia atravessar; hoje é o contrario. Por causa da phylloxera, esses terrenos são hoje de insignificante valia, e portanto as expropriações indispensaveis muito baratas.
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Alem d'isso, essa estrada e todas as outras no diatricto devem ter hoje o fim especial de encurtar as distancias dos maiores centros de producção e de população no sentido das estações do caminho de ferro mais proximas.
Acontecia isso com Villa Flor, terra importante com relação ao districto, que sem prejuizo de ninguem ficava, para assim dizer, mais perto do caminho de ferro do valle do Tua e melhor servida.
Por esta fórma dava-se tambem um certo valor áquella povoação; não augmentava, antes diminuia, a despeza com a alteração já indicada, facil, barata, mas urgente.
Esperava, pois, do sr. ministro, que tome em conta esta exigencia rasoavel e justa.
Termino as minhas considerações e aguardo a resposta do sr. ministro das obras publicas.
Resolveu-se que a representação fosse publicada no Diario do governo.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Tomo nota das considerações do illustre deputado, as quaes transmittirei á junta consultiva de obras publicas, a que está affecto este negocio.
Como o illustre deputado sabe, em virtude da lei de estradas, votada o anno passado, a junta consultiva de obras publicas é a unica competente para, sob parecer das differentes juntas geraes de districto, apresentar um plano geral das estradas a construir no reino. Ora, os pareceres d'essas juntas geraes vieram muito tarde; porque ellas não cumpriram logo o preceito da lei, parecendo-me que até ainda faltava o parecer da junta geral do districto de Santarem.
Por consequencia, logo que se reunam os pareceres de todas as juntas geraes dos districtos, a junta Consultiva tomará conhecimento d'elles, e depois resolverá sobre o plano geral a seguir.
No entretanto, repito, satisfarei aos desejos do illustre deputado, informando a mesma junta consultiva das considerações que s. exa. acaba de fazer com relação á estrada n.° 39, e ella as tomará na devida consideração.
Pelo que respeita ao caminho de ferro de Mirandella a Bragança, ainda o julgo mais indispensavel do que todos os outros, e tanto assim que no meu projecto vem elle em primeiro logar.
É quanto se me offerece dizer ao illustre deputado.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Vae passar-se a ordem do dia.
O sr. Arroyo: - Permitta-me v. exa. observar-lhe o seguinte. Na segunda feira passada, no final da sessão, pedi ao sr. presidente do conselho a fineza de comparecer aqui na sessão de terça ou quarta feira. S. exa. hontem não veiu, por ter de estar no conselho d'estado, e hoje appareceu tão tarde, que eu não posso trocar com s. exa. as explicações que desejava.
N'estas circumstancias, aproveito a occasião para pedir a s. exa. o obsequio de comparecer na sessão de sexta feira, para que eu possa fazer-lhe algumas perguntas, sobre assumptos importantes.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Luciano de Castro): - Salvo alguma occorrencia extraordinaria, eu estarei aqui na proxima sessão, o mais cedo que me seja possivel.
Se vim hoje tão tarde, for porque tive um negocio urgente de serviço, que me obrigou a estar trabalhando durante umas poucas de horas.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão da interpellação dos srs. Dias Ferreira e Pedro Victor, sobre a execução da lei relativa melhoramentos do porto de Lisboa.
O sr. Eduardo Villaça: - Sr. presidente, vae muito adiantada a hora do debate, e eu abstenho-me, portanto, de fazer qualquer recapitulação do que expuz na sessão de hontem, e entro immediatamente na materia.
Em 25 de abril de 1884 foi apresentada n'esta casa do parlamento uma proposta de lei, referente aos melhoramentos do porto de Lisboa, assignada pelos srs. Hintze Ribeiro e Antonio Augusto de Aguiar, o primeiro como ministro da fazenda e o segundo como ministro das obras publicas.
Vou ler á camara as palavras d'essa proposta, concernentes á organisação do projecto das obras.
Os n.°s 1.° e 2.° do artigo 1.° e o § 1.° do mesmo artigo diziam assim:
"Artigo 1.° É o governo auctorisado:
"1.° A adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de cento e vinte dias, a construcção do porto de Lisboa, comprehendendo caes marginaes, pontes girantes, docas de abrigo, de carga, descarga e reparação, armazena de deposito, machinismos e guindastes hydraulicos para serviço do mesmo porto; e a mandar executar estas obras por empreitada geral, segundo o projecto que for preferido, depois de ouvidas as estações competentes.
"2.° A formular o programma do concurso por modo que os licitantes sejam obrigados a apresentar o projecto definitivo das obras a fazer, em harmonia com o plano geral dos melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883 e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas. O programma do concurso será acompanhado do caderno de encargos, que deverá fazer parte do contrato.
"§ 1.° O projecto definitivo apresentado pelos licitantes abrangerá as quatro secções delineadas pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, ficando o governo com o direito de mandar proceder á execução das obras por secções, e pela ordem que julgar mais conveniente."
Vê-se, pois, da leitura, que acabo de fazer, d'esta parte da proposta de lei, que a intenção do governo de então era abrir concurso para as obras por meio de uma empreitada geral, sendo cada concorrente obrigado a apresentar o projecto, elaborado em harmonia com o plano geral dos melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883 e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas. O projecto devia comprehender as quatro secções delineadas pela commissão, e a obra seria adjudicada ao empreiteiro cujo projecto, depois de ouvidas as estações competentes, fosse preferido.
O governo deixava, pois, aos empreiteiros o definirem por inteiro o systema de obras a executar para melhoramento do porto de Lisboa; e o projecto das obras era uma das variantes do concurso.
No relatorio que antecedia a proposta de lei, depois de se mostrar claramente que a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa já estava mais que de sobejo estudada e que tinha chegado o momento azado para se levar a effeito, pois os estudos que existiam eram mais que sufficientes, justificava-se o systema adoptado para a execução das obras, nos termos que passo a ler.
E peço desculpa á camara, se, porventura, abuso da sua benevolente attenção com leituras continuadas; mas entendo que é melhor, para fundamentar as minhas conclusões, ler do que transcrever de memoria. A apreciação póde ser apaixonada, emquanto que a leitura representa exactamente o que lá está.
Dizia o relatorio:
"Como vereis pela proposta de lei que temos a honra do submetter ao vosso exame, o plano do governo é adjudicar em hasta publica a construcção de todas as obras, recorrendo á competencia e emulação dos engenheiros nacionaes e estrangeiros. A opportunidade para este concurso é tambem excepcional.
"Está proximo a concluir-se o porto de Boulogne-sur-Mer, já está terminado o porto de Antuerpia. Muito avançados
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se acham os portos de Tyno e Clyde, e prompto o porto de Ijmuden no canal do norte. Empreiteiros de primeira ordem, dispondo dos machinismos mais perfeitos e modernos, podem disputar entre si a gloria de construirem as obras do porto de Lisboa, offerecendo ao governo todas as garantias o grandes vantagens pela concorrencia que entre si estabelecerem.
"Para que o governo fique inteiramente livre, e ao abrigo de qualquer contratempo que possa sobrevir em obras d'esta natureza, pedir-se-ha aos empreiteiros que entrarem no concurso, o projecto definitivo, á similhança do que succedeu no porto commercial de Brest, no porto de Bône em Argel, no porto de Boulogne-sur-Mer, e no de Port Said, no grande porto de Antuerpia, etc., etc., e do que se tem praticado muitas vezes entre nos nas importantes e arrojadas pontes de D. Luiz e de D. Maria Pia, na cidade do Porto, na maior parte dos nossos caminhos, de ferro já realizados ou em via de execução. Por toda a parte, e muito especialmente em trabalhos d'esta natureza, quando se abre concurso para elles, os empreiteiros ficam obrigados a apresentar os projectos definitivos, tendo por base o plano geral das obras fornecido pelo governo.
"A apresentação do projecto definitivo pelos empreiteiros de grandes obras, indicando elles ao mesmo tempo os meios de execução, tem a grande conveniencia de desembaraçar o governo do ajuste dos trabalhos supplementares e dos trabalhos imprevistos, o que é sempre uma das maiores difficuldades a vencer quando se chega ao apuramento final das contas.
"O processo seguido em Antuerpia por um governo tão esclarecido como é o da Bélgica, é o que devemos preferir, e para que os resultados sejam os mesmos que ali só tiraram, basta que nos não afastemos d'esse processo, e copiemos com ligeiras alterações o caderno de encargos e condições a que n'aquelle porto se sujeitaram os empreiteiros. Não é vergonhoso copiar e seguir o exemplo de outras nações, principalmente quando se sabe de antemão o resultado da sua experiencia. O perigo está muitas vezes, por mal entendido orgulho e vaidade, em desprezar o saber e a pratica das outras pessoas que nos precederam em commettimentos de grande alcance, e dos quaes se saíram com exito completo.
"O governo belga conseguiu inteiramente os seus fins com o seu bem estudado plano, e conseguiu até que não fossem protelar a execução da obra, apresentando-se ao concurso, especuladores incapazes de realisarem os trabalhos que elle pretendia fazer:
"Adoptado este plano, o governo pode contar tambem com a prompta execução das obras, pois que os grandes empreiteiros dispõem de recursos larguissimos."
E já que fica lida uma passagem do relatorio da proposta Aguiar, a que o meu amigo o sr. Pereira dos Santos se referiu tambem, permitta-me s. exa. que responda aos reparos que fez.
Essa passagem era a seguinte:
"A apresentação do projecto definitivo pelos empreiteiros de grandes obras, indicando elles ao mesmo tempo os meios de execução, tem a grande conveniencia do desembaraçar o governo do ajuste dos trabalhos supplementares e dos trabalhos imprevistos, o que é sempre uma das maiores difficuldades a vencer, quando se chega ao apuramento final das contas."
Disse o illustre deputado que d'este lado da camara, e por parte da maioria da commissão de inquerito parlamentar, se quiz interpretar o que acima fica transcripto, no sentido de que o empreiteiro teria de apresentar o projecto definitivo das obras no acto do concurso, e mais tarde o projecto de execução de trabalhos.
Houve certamente equivoco; não affirmâmos tal, nem era licito inferir esta conclusão da passagem lida. Parece mesmo que a idéa da proposta Aguiar era que fossem apresentados ao mesmo tempo, tanto o projecto definitivo das obras, como o projecto de execução de trabalhos. Mas o que a maioria da commissão de inquerito affirmou, mas o que eu digo, sem receio de que legitimamente me possam contestar, é que, alem de projecto definitivo, ha tambem projecto de execução de trabalhos. Logo, projecto definitivo não comprehende tudo, como erroneamente eu ouvi aqui affirmar.
Portanto, o facto da lei de 16 de julho de 1885 dizer que o projecto definitivo das obras servirá de base ao concurso, não implica de forma alguma que mais tarde não tenha de se fazer o projecto de execução de trabalhos, porque são duas cousas perfeitamente distinctas.
Não é uma apreciação minha, é o que explicitamente amimam os ministros regeneradores; e lá está o digno par o sr. Hintze Ribeiro, que assigna a proposta Aguiar, e igualmente a proposta Fontes, que deu logar á lei de 10 de julho de 1885, a assegurar-nos a continuidade da mesma interpretação.
A proposta de lei do sr. Antonio Augusto de Aguiar, de 25 de abril de 1884, foi enviada ás commissões reunidas de fazenda e obras publicas da camara dos senhores deputados, que deram o seu parecer em 30 de abril do mesmo anno.
A theoria que acima fica exposta, com relação á organisação do projecto das obras, foi integralmente perfilhada pelas illustres commissões de fazenda e obras publicas, e o illustrado relator d'essas commissões, que é precisamente o meu bom amigo e illustre parlamentar o sr. Pereira dos Santos, a quem estou respondendo, dizia o seguinte:
"O plano geral das obras, propostas pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, na opinião das vossas commissões, deve, pois, servir de base ao projecto definitivo das obras a construir.
"O methodo proposto para a adjudicação, sendo apresentado o projecto definitivo na occasião da licitação, afigura-se ás vossas commissões muito vantajoso na sua applicação aos melhoramentos do porto de Lisboa. Já tem sido elle empregado com vantagem em algumas obras no paiz. O atrazo em que se encontra ainda hoje a sciencia da construcção hydraulica nos portos de mar faz com que, por vezes, opiniões aliás auctorisadas diffiram notavelmente na solução do muitas questões. Sendo apresentados os projectos definitivos na occasião da licitação, ficará, pois, o governo mais habilitado a decidir-se em conformidade com o interesse publico, na escolha da proposta mais vantajosa. As obras por sua natureza só poderão ser construidas por companhias poderosas, com experiencia e pratica da construcção de trabalhos de identica natureza, o exame e estudo dos projectos definitivos melhor elucidarão o governo no detalhe das obras a construir."
Sr. presidente, não logrou chegar a porto de salvamento a proposta de lei Aguiar; e não vem agora para aqui discutir, nem mesmo sequer analysar, as rasões que para isso concorreram. O facto é que ella não teve seguimento.
Encerrada a sessão legislativa de 1884, o sr. Antonio Augusto de Aguiar reuniu no ministerio das obras publicas, commercio e industria, era 25 de junho do mesmo anno, differentes corporações que havia convocado para se tratar da importante questão dos melhoramentos do porto de Lisboa.
As corporações que compareceram a esta reunião foram:
Camara municipal de Lisboa;
Camara municipal de Belem;
Junta geral do districto;
Associação commercial;
Sociedade de geographia de Lisboa;
Associação dos engenheiros portuguezes;
Associação dos jornalistas e escriptores;
Associação promotora da industria fabril;
Sociedade das sciencias medicas.
O fim que o sr. Aguiar teve em vista ao convocar aquella reunião, expol-o s. exa. aos differentes representantes das
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corporações, que ali compareceram. Esse fim era duplo: primeiramente, chamar a attenção das diversas agremiações, que mais ou menos eram habeis para entender dos melhoramentos do porto de Lisboa, para o plano da commissão nomeada em 16 de março de 1883; solicitar que o estudassem, que propozessem as modificações que reputassem conveniente introduzir; em segundo logar, fazer propaganda, despertar em todas essas corporações o interesse pelos melhoramentos do porto de Lisboa, a fim de que se estabelecesse uma corrente de opinião publica favoravel.
Todas as corporações realisaram sessões dentro dos seus gremios; discutiram entre si a questão dos melhoramentos do porto, e elaboraram os seus relatorios, que enviaram ao governo. E assim é que este, afóra os numerosos trabalhos que já possuia, ficou de posse dos pareceres de todas estas corporações, que eram competentes, cada uma dentro cia sua esphera propria, para consultar sobre o assumpto.
E chegados aqui, e expostos estes factos, permitta-me ai camara que me detenha um pouco, e dê algumas explicações que, a meu ver, se tornam necessarias para completa intelligencia do que vae seguir-se.
Qual era a definição generica que se poderia dar do plano elaborado pela commissão nomeada em 16 de março de 1883? Era a seguinte:
Uma nova linha marginal do Tejo, cuja parte mais importante ficava comprehendida entre a estação do caminho de ferro do norte e leste e o caneiro de Alcantara, prolongando-se para jusante e para montante, até Belem o Beato. O avançamento conveniente d'esta linha marginal permittiria obter junto d'ella o calado de agua necessario para a acostagem dos navios, evitando-se as causas de insalubridade da cidade, devidas principalmente a ficarem, nas occasiões dos baixamares, os lodos a descoberto, e constituiria ao mesmo tempo um dique que regularisasse ou melhorasse, se possivel fosse, o regimen do rio n'aquella parte do porto. O estabelecimento de um caes avançado ao longo da margem direita do Tejo permittiria ainda conquistar ao rio uma grande porção de terrenos, proprios para a construcção de docas de abrigo, carga e descarga, diques de reparação etc., emfim, para o estabelecimento de todas as obras privativas do porto,- e tambem para a construcção de uma communicação geral de um extremo a outro da cidade, ao longo e proximo do rio, facilitando-se o transito e a circulação na parte baixa da cidade, que hoje é insuficiente para isso.
O plano da commissão de 16 de março de 1883 visava, pois, a tres fins:
Dotar o porto de Lisboa com as disposições necessarias para a sua melhor exploração e trafego;
Melhoramento das condições hygienicas da cidade de Lisboa;
Alargamento e embellezamento da parte baixa da cidade.
Mas como traduzir na pratica aquelle plano, como caracterisal-o e definil-o ainda nas suas menores particularidades até á sua execução?
O problema admitte um grande numero de soluções, embora nem todas ellas sejam as mais consentaneas aos fins que se têem em vista.
Sr. presidente, surjem agora aqui duas questões; o problema dos melhoramentos do porto de Lisboa tem duas partes completamente distinctas, dois aspectos perfeitamente diversos.
A primeira parte define a natureza, as dimensões e a situação das obras a construir.
É a que eu chamarei a ordenança geral das obras. Assim, por exemplo, ha a estabelecer uma linha avançada de caes: mas esta linha será recta, será curva, será mixta e qual o seu avançamento em relação á margem actual?
Qual o calado de agua junto d'ella?
A dentro do muro de caes construir-se-hão docas.
Mas qual a natureza das docas? Serão docas de abrigo, de carga e descarga, de marés, de fluctuação? Qual o seu numero, area, posição e situação respectiva? Qual a profundidade de agua dentro d'ellas?
Qual o numero, dimensões e disposição dos diques de reparação?
E, finalmente qual o conjuncto de disposições que constituem o aménagement, o outillage do porto, e que comprehende armazens, apparelhos de carga e descarga, vias ferreas, etc.?
É a definição completa de todas estas circumstancias que constitue a parte mais importante, mas, ao mesmo tempo, mais complexa das obras de um porto. É a sua determinação, funcção de variados elementos. A topographia e a hydrographia da localidade, a posição geographica do porto, a natureza e o guantum dos seus movimentos commerciaes na actualidade, e o seu provavel desenvolvimento futuro,- o que só as estatisticas poderão indicar; a peculiar circumstancia do porto de Lisboa poder justamente ser considerado como gare maritima e o principal terminus da nossa viação accelerada, devendo conseguintemente ligar-se a todas as linhas que convergem sobre a capital, de modo que a sua communicação seja a mais prompta e economica; e por ultimo o regimen economico, fiscal e administrativo que mais conveniente se entenda adoptar para melhor exploração e trafego do mesmo porto:- taes são os elementos cuja apreciação exacta é indispensavel para determinar a ordenança geral das obras.
E cumpre não perder de vista um principio, que é de applicação geral. Se o melhoramento dos portos de mar é uma alavanca poderosa, um auxiliar valiosissimo para o desenvolvimento economico de um paiz ou de uma região, se elle consegue produzir verdadeiros milagres, convertendo ámanhã em rica e florescente cidade o que na vespera era apenas um local insignificante, torna-se necessario que esses trabalhos maritimos correspondam exactamente ao seu fim, e que se aufiram os juros das verbas despendidas.
Como v. exa. vê, sr. presidente, esta é a questão primordial, e parece-me que está sufficientemente caracterisada.
Mas, a par d'esta, uma outra questão apparece; sob um outro aspecto se póde encarar o problema dos melhoramentos de um porto.
Definidas as obras a fazer, qual o modo de as executar, isto é, quaes os systemas de fundação e os meios de execução de trabalhos?
Questão esta, embora complementar da outra, de somenos importancia, essencialmente technica e que ao engenheiro compete exclusivamente resolver.
Depende a sua solução da natureza do terreno que as sondagens fazem conhecer, dos recursos locaes que o conhecimento da região indica e dos meios de que a sciencia das construcções dispõe. E que, para a sciencia do engenheiro, a despeito do relativo atrazo na parte em que se refere ás construcções hydraulicas, já não ha impossiveis, é hoje um facto incontestavel.
Que importa que os caes avançados de um porto, que os muros das suas docas tenham as suas fundações feitas por meio do ar comprimido, era caixões, como em Anvers, descancem sobre arcadas apoiadas em pilares, como em Bône e Brest, assentem sobre enrocamentos, como usam geralmente os engenheiros inglezes? Esteja assegurada a estabilidade da obra, fosse ella feita o mais economicamente possivel, e eis tudo quanto legitimamente se póde e deve ambicionar.
Ha hoje um triplice principio que domina toda a sciencia do engenheiro: construir bem, construir depressa e construir barato.
O processo que, garantindo a estabilidade da obra, a permitta fazer mais economicamente e mais depressa, esse é o melhor. Tal é o criterio a seguir.
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Sr. presidente, insisto em frisar a differença que ha entre a ordenança geral das obras e os systemas e processos de execução de trabalhos, porque se me afigura que da completa intelligencia de quanto levo dito ha de resultar o poder comprehender-se perfeitamente todos os factos que vão seguir-se, e prestar-se assim verdadeira justiça ao procedimento do governo.
São duas cousas distinctas: o plano definitivo e completo das obras a fazer, e os meios de executar as mesmas obras. Aquella era uma questão complexa, funcção de variados elementos; esta era apenas e exclusivamente uma questão technica.
O plano da commissão nomeada em 16 de março de 1883 estabelecia que ao empreiteiro cumpria apresentar o projecto das obras e os systemas de fundação e os meios de execução de trabalhos. Não contrariou este modo de ver a junta consultiva de obras publicas e minas, no seu parecer de 21 de abril de 1884.
Perfilhou-o o governo na proposta Aguiar, apresentada ás côrtes em 25 de abril do mesmo anno. Com elle concordaram as commissões reunidas de fazenda e obras publicas, como se vê do respectivo parecer de 30 de abril de 1884.
Tanto no relatorio que antecede a proposta Aguiar, como no parecer das commissões, largamente veem explanados os motivos que aconselham aquelle modo de concurso. Procedem elles do exemplo seguido entre nós nas importantes e arrojadas pontes de D. Luiz, D. Maria Pia e outras, do que succedeu no porto commercial de Brest, no porto de Bône em Argel, no porto de Boulogne-sur-Mer, etc., e muito principalmente no grande porto de Antuerpia, onde aquelle processo deu resultados altamente recommendaveis. Tem por fim tal systema estimular a emulação dos grandes empreiteiros, que, pela sua especial competencia e pratica n'esta ordem de trabalhos, e pelos grandes machinismos de que dispõem, garantirão, com o barateamento da obra, a sua boa execução, ficando o governo inteiramente livre e ao abrigo de quaesquer contratempos, sempre vulgares em emprezas d'esta natureza.
Mas é licito perguntar-se agora: de qual das duas partes que constituem o problema dos melhoramentos de um porto provêem as tão preconisadas vantagens acima expostas?
Será de que os empreiteiros tenham a faculdade de apresentar a ordenança geral das obras a fazer?
Certamente que não.
Ou, antes, de que aos concorrentes fique livre a faculdade de apresentarem no acto do concurso os systemas e methodos de construcção das obras, que são peculiares aos meios de trabalho de que dispõem?
Parece-me obvia a resposta. (Apoiados.)
Pois acaso, pelo facto de haver um maior ou menor numero de docas, d'ellas estarem collocadas mais a jusante ou mais a montante, de terem mais 2, 3, 4 ou 5 metros de comprimento o outros tantos de largura, da sua area ser maior ou menor, - advem alguma vantagem que possa traduzir-se na competencia e emulação de todos os que vierem ao concurso das obras? De certo que não.
As mesmas considerações se applicam ao traçado do muro de caes, á profundidade de agua junto d'elle, etc. A concorrencia ha de estabelecer-se, não na ordenança geral das obras, mas nos systemas e processos de execução.
Se me perguntam, porém, qual era o systema adoptado na proposta Aguiar, eu respondo que estou de accordo com o sr. Pereira dos Santos: esse systema era duplo. O empreiteiro apresentava, simultaneamente, no acto do concurso um projecto definitivo comprehendendo a ordenança geral das obras, e os systemas de fundação e processos de execução de trabalhos. Uma e outra cousa havia de se comprehender no projecto completo; mas a ordenança geral das obras deveria ser delineada do harmonia com o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, elaborado pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, emquanto que no tocante aos meios de as executar, a proposta do empreiteiro ficava inteiramente livre.
Das considerações que eu já expuz, resulta tambem que toda a vantagem d'este systema de concurso provém da liberdade deixada ao empreiteiro emquanto á segunda parte.
Analysarei mais tarde se era proveitoso deixar ao empreiteiro, como fazia a proposta Aguiar, a elaboração da ordenança geral das obras, o que, sobre estabelecer mais uma variavel para o concurso, entregava ao arbitrio do mesmo empreiteiro a resolução de um problema, ácerca do qual o governo, instruido com o parecer das elevadas corporações que a lei collocou junto de si, devia ter de antemão opinião perfeitamente assente, como supremo interprete das conveniencias publicas.
Feitas estas considerações e estabelecido assim um certo numero de principios, proseguirei na exposição dos factos que se deram posteriormente á apresentação da proposta de lei Aguiar.
Decorrido algum tempo depois de encerrada a sessão legislativa de 1884, saíram do governo o sr. Antonio Augusto de Aguiar e o eminente parlamentar, chefe da opposição regeneradora n'esta camara, o sr. Lopo Vaz de Sampaio e Mello.
Verdade é, porém, que o sr. Aguiar saindo do ministerio continuou activamente a sua propaganda a favor dos melhoramentos do porto de Lisboa; e que essa propaganda não caiu em terreno sáfaro, como eu já aqui disse, antes produziu e muito, prova-o a favoravel corrente da opinião publica que se estabeleceu e foi causa determinante de que na sessão de 15 de junho de 1885 fosso apresentada a esta casa do parlamento uma proposta de lei, relativa áquelles melhoramentos, assignada pelo sr. Fontes Pereira de Mello, então presidente do conselho de ministros e ministro e secretario d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, e pelo sr. Hintze Ribeiro, que continuava gerindo a pasta da fazenda.
Esta proposta de lei dizia, relativamente á organisação do projecto:
«Artigo 1.°...
«§ 1.° As obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo, que merecer a approvação do governo, em harmonia com o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, e approvado pela junta consultiva do obras publicas e minas.
A redacção d'este paragrapho merece alguma reflexão.
Consignava-se n'elle que o projecto seria elaborado, em harmonia com o plano de melhoramentos do porto de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883 e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas. Era exactamente o que vinha na proposta do sr. Aguiar.
Acrescentava-se mais: As obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo, que merecer a approvação do governo.
Vê se, pois, que para o concurso ainda se estabelecia a empreitada geral e que o projecto havia de ser approvado pelo governo. Era ainda o que preceituava a proposta Aguiar.
Mas quem elabora esse projecto definitivo? É o projecto presente, ou não, ao concurso? Trazem n'o os concorrentes, ou apresenta-o o governo, tendo mandado elaboral o previamente?
O paragrapho citado apenas preceitua que o projecto ha de ser approvado pelo governo; mas tal approvação póde dar-se em qualquer d'aquellas hypotheses. Se, pois, fosse convertida em lei a proposta do sr. Fontes, tal como estava redigida, o governo ficaria com inteira e plena liberdade de proceder como entendesse; e podia, portanto, seguir exactamente o que se indicava na proposta Aguiar,
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porque a letra estricta do § 1.° já mencionado não se oppunha a isso.
Dizia o paragrapho: «.. segundo o projecto definitivo que merecer a approvação do governo»; mas os empreiteiros podiam trazer os projectos na occasião da licitação, e o que merecesse a approvação do governo, esse seria o admittido.
Foi aquella proposta de lei, que tem a data de 15 de junho de 1885, enviada ás commissões reunidas de fazenda e obras publicas da camara dos senhores deputados, as quaes deram parecer em 20 do mesmo mez e anno.
As commissões fizeram-lhe uma modificação e um acrescentamento.
A modificação foi a seguinte: onde se dizia «em harmonia com o plano de
melhoramentos do porto de Lisboa» substituiram ellas «tendo-se em attenção o plano de melhoramentos do porto do Lisboa.» O acrescentamento foi um breve periodo que additaram ao fim do § 1.° e diz assim: «O projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso».
Analysemos a modificação e estudemos o acrescentamento. E devo dizer que estas commissões eram agora sensivelmente compostas dos mesmos cavalheiros, que á data da apresentação da proposta Aguiar, e que ainda d'esta vez foi seu relator o meu bom amigo o sr. Pereira dos Santos, como o fôra d'aquella proposta em 1884.
Percorri com todo o cuidado o relatorio das commissões; li-o uma e muitas vezes para ver se encontrava a rasão da modificação e o motivo do acrescentamento. E cousa notavel, tendo encontrado a rasão da modificação, não descortinei o motivo do acrescentamento!
A modificação, justificava-a o illustrado relator das commissões, da seguinte maneira:
«Este plano (refere se ao da commissão de 1883), que foi formulado depois de estudos minuciosos sobre projectos anteriormente feitos, mereceu em geral a approvação de todas as estações consultadas, embora nos seus detalhes tenha merecido reparo a alguns dos seus membros. É por isso que as vossas commissões entenderam que o projecto definitivo que deve servir de base ao concurso para a adjudicação das obras, deve ser formulado, tendo em attenção o mencionado plano da commissão nomeada em 16 de março de 1883.»
Perfeitamente de accordo. Não parecia o mais util, no delineamento das obras, seguir estrictamente o plano da commissão de 1883; antes, os diversos relatorios, elabora dos pelas corporações que o sr. Antonio Augusto de Aguiar convidara a fazerem-se representar na reunião realisada no ministerio das obras publicas, em 25 de junho de 1884, accusavam alguns reparos a esse plano, que era conveniente ter em attenção. Mas todos estes reparos se referiam á ordenança geral das obras, e nunca os vi fazer ao apregoado systema da proposta Aguiar, na parte ora que deixava livre aos concorrentes os processos de fundação e os meios de execução de trabalhos. Bem pelo contrario, se eu precisasse de corroborar esta minha asserção, soccorrer-me-ía e opinião do illustrado relator do então, o qual na sessão de 26 de julho de 1884 da associação dos engenheiros portuguezes, a que ambos pertencemos, e a que presidia o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, tomou a palavra expressando-se nos termos do extracto seguinte:
«... julga, portanto, (refere-se ao sr. Pereira dos Santos) que é da opportunidade e necessidade da obra que a associação deve tratar primeiramente, e que é da sua perfeita competencia.
«A segunda parte da discussão, entende elle, orador, que deve versar sobre a construcção e disposição das differentes obras, principalmente sobre a disposição, que tem dado logar a maiores divergencias. Entretanto parece-lhe que n'este ponto a associação já tem dito bastante. No que se refere propriamente á construcção, tambem as opiniões differem muito, e só na occasião da execução se poderá assentar definitivamente no systema a adoptar para as diversas obras a construir, porque n'essa escolha influem condições locaes que determinam da parte dos diversos engenheiros, e até do mesmo engenheiro, a adopção de um ou outro processo. E essa parte é de menos interesse para
governo, porque o projecto diz que na occasião da licitação indicarão os proponentes os systemas de construcção que tencionam seguir.
«Em terceiro logar vem a questão economica. Quando se trata de um projecto tão grandioso, esta tem uma grande importancia, porque não basta dizer-se que as obras são possiveis, é preciso tambem que se saiba se os fins conseguidos corresponderão ás despezas realisadas e é aos engenheiros que incumbe esse estudo. O desenvolvimento das obras ha de ser maior ou menor, porque deve estar em harmonia com as diminuições nas despezas de fretes e seguros. É necessario que estas economias compensem os encargos provenientes das obras, e portanto, ao calculo d'aquelles se deve subordinar o plano e delineamento d'estas; por isso esta questão está ainda na indole da associação.»
Esta ultima opinião do illustre deputado, com que aliás eu concordo, serve-me tambem para corroborar os reparos que mais tarde hei de apresentar a uma observação que eu ouvi aqui produzir, qual era a de que, quando um projecto era enviado a uma commissão de engenheiros ou á junta consultiva, se pedia a sua opinião technica e não a sua opinião economica e financeira, como se realmente o orçamento de uma obra fosse outra cousa do que o seu estudo sob o ponto de vista financeiro. (Apoiados.) E nem eu comprehendo que possa haver um engenheiro, uma commissão, uma corporação technica, capaz de dar opinião a respeito da execução de uma determinada obra, sem ao mesmo tempo considerar como um elemento essencial de apreciação o orçamento d'essa obra. (Apoiados.)
Se a commissão especial e a junta consultiva de obras publicas e minas não deram parecer sobre a parte financeira da proposta Hersent apresentada ao concurso, é porque, como em occasião opportuna demonstrarei, não tinham necessidade de
dal-o, e não porque entendessem que era mister que o governo especialmente lh'o exigisse.
Mas fechemos este parenthesis, e continuemos a transcripção do extracto da sessão da associação dos engenheiros;
«Taes são, no seu entender, os pontos de vista sob os quaes a associação póde estudar o assumpto; e é essa rasão de ordem que elle orador desejava apresentar, concluindo por propor que, em sessões separadas, ou successivamente, se abra a discussão do projecto de melhoramentos do porto de Lisboa em relação; 1.°, á situação d'este porto e á rede dos caminhos de ferro; 2.°, á disposição geral das obras; 3.°, á questão economica.»
Como a camara vê, a respeito do systemas e methodos de construcção, nem sequer o illustre deputado queria que a associação dos engenheiros se occupasse ou dissesse palavra; era uma questão que ao empreiteiro cumpria especialmente resolver, apresentando os seus processos no acto do concurso.
Vou agora tirar, o mais nitidamente que me seja possivel, as conclusões de tudo quanto fica exposto.
O projecto de lei das commissões, de 20 de junho de 1885, que não era outra cousa senão a proposta Fontes modificada, preceituava que o projecto definitivo das obras serviria de base ao concurso.
Este projecto devia, ou não, comprehender os systemas do fundação e os processos de execução de trabalhos?
Affirmo eu, e commigo todos aquelles que sustentam a rectidão do procedimento do governo: não devia comprehender. (Apoiados.)
Diz o illustre deputado e com elle todos quantos impugnam a interpretação ministerial e assacam ao governo a illegalidade do seu proceder: devia comprehender.
Pois muito bem. Formulemos as duas hypotheses.
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Acceitemol-as ambas, e vejamos as conclusões a que aos conduzem.
Primeira hypothese:
É de toda a justiça que comece por aquella que v. exas. adoptam.
O governo manda elaborar um projecto completo, não importa agora saber por quem, comprehendendo a ordenança geral das obras, e os systemas de fundação e os processos de execução; este projecto é presente ao concurso, e a licitação abre se sobre elle! N'este caso tudo está definido, nada fica livre a proposta e iniciativa dos empreiteiros. Onde estão pois as apregoadas conveniencias, as preconizadas vantagens da proposta de lei Aguiar, que este illustre estadista, com tanta convicção, tão calorosamente defendia no seu relatorio, que as commissões reunidas de fazenda e obras publicas não menos enthusiastivamente perfilharam, o que a commissão de 1883 aconselhára tambem?
O sr. Pereira da Santos: - Estão no concurso de projectos do sr. Fontes.
O Orador: - Estão no concurso de projectos do sr. Fontes? Mas como póde ser isso? Pois seja qual for o meio por que se obtenha o projecto definitivo, desde que elle comprehende os systemas de fundação, onde fica a liberdade aos empreiteiros de pôrem em jogo os seus methodos peculiares de trabalho?
Eu cito um exemplo.
V. exa. sr. presidente, e a camara sabem perfeitamente que os constructores francezes fundam em geral por meio do ar comprimido, e os ingleses por meio de enrocamentos: cada um d'estes systemas exige os seus machinismos especiaes.
Ora, se o projecto que serve de base ao concurso comprehende as fundações por meio de ar comprimido, ipso facto se acham inhibidos de concorrer os constructores que usam os enrocamentos, por estarem n'um grande pé de inferioridade, devido a não terem experiencia d'aquella ordem de trabalhos, a não estar adextrado o seu pessoal, e a não possuirem os apparelhos indispensaveis, cuja primeira despeza de installação é importantissima. Succederia o contrario, se o systema adoptado fosse o dos enrocamentos. (Apoiados.)
Ou quererá o illustre deputado dizer, com a sua interrupção, que e no concurso de projectos que só trava a lucta entre os empreiteiros, o que aquelle cujo projecto for preferido, é, que tem mais tarde toda a probabilidade de ficar com as obras? Mas então, n'este caso, o concurso das obras é uma verdadeira ficção, e esta não foi certamente a intenção da auctor da proposta de lei de 1885. (Apoiados.)
Julgo desnecessario lembrar agora a camara o que dizia o relatorio da proposta Aguiar, e que eu já aqui li, recordar que o processo aconselhado era o seguido nas pontos Maria Pia, D. Luiz, etc., nos portos de Brest, Boulognesur Mor, Auvers, etc., isto é, o governo apresentar o plano geral das obras, e os empreiteiros o projecto de execução de trabalhos.
Mas na hypothese que vamos considerando, e que e a que a illustre opposição parlamentar d'esta casa ao governo compete definir de antemão os systemas de construcção, pois que o projecto definitivo os comprehende.
A conclusão é obvia.
Como comprehender a situação dos individuos que constituiam as commissões de fazenda e obras publicas em 1880, que eram sensivelmente os mesmos das de 1884? Como conciliar coherentemente a posição do illustração relator da proposta de lei Fontes com a do relator da proposta Aguiar, que são a mesma pessoa? Pois o que era bom, excellente e magnifico em 1884, passou a ser mau, detestavel e a não prestar em 1885? Pois os principios mudam de um anno para o outro? (Apoiados.)
Era presidente do concelho de ministros em 1884 o sr. Fontes Pereira de Mello, que continuou a sel-o em 1885, gerindo alem d'isto, a pasta das obras publicas; o sr. Hintze Ribeiro, num e outro d'estes annos, estava á frente dos negocios da fazenda. Logo, governo, commissões e relator pensavam dum certo modo em 1884, e passaram a pensar de modo diametralmente opposto em 1885. E debalde se procura sequer uma palavra, se tenta achar um vislumbre do rasão, no relatorio das commissões, que explique tão estranha transformação! Nada, absolutamente nada! (Apoiados.)
E é crivel que todos estes individuos passassem a achar mau e a repudiar n'um anno um processo que era excellente no anno anterior, que a pratica constante de todas as obras analogas aconselhava, e não motivassem ao menos tal mudança? (Apoiados.)
Ve v. exa., sr. presidente, vê-o igualmente a camara, que tal conclusão é absurda para o espirito de quem quer que, sem opinião preconcebida, e com o bom desejo de acertar, procure interpretar os factos; falso é, pois, o principio d'onde se partiu, inadmissivel a hypothese formulada. (Apoiados.)
Consideremos agora a segunda hypothese:
O governo obtem um projecto definitivo, seja por que meio for, comprehendendo apenas a ordenança geral das obras, isto é, onde veem descriptas desenvolvida e minuciosamente todas as obras a executar, mas onde os systemas o methodos de construcção são facultativos e ficam á iniciativa e proposta dos empreiteiros no acto da licitação.
Nada ha no projecto de lei de 1885 que torne obrigatorio incluir no projecto definitivo os systemas de fundação e os meios de execução de trabalhos; nada ha que obrigue a isso, e como, por outro lado, as preconisadas vantagens da proposta de 1884 dependem essencialmente d'esses systemas e meios, ha uma maneira de tudo conciliar, e tornar coherente, de um anno para o outro, a posição do governo, das commissões e do relator: é interpretar que o projecto que tem de servir de base ao concurso é definitivo emquanto á ordenança geral das obras, porque as define e caracterisa completamente, mas não contém os systemas e methodos de contracção. (Apoiados.)
Pois, em verdade, é crivel que o projecto de lei das commissões de 1885 estabelecesse um systema completamente opposto ao de 1884, e o relator não tivesse uma palavra sequer para justificar e explicar no relatorio tal mudança? (Apoiados.)
É crivel que se acrescentasse um periodo á proposta do governo, que lhe dá uma feição completamente differente na opinião de s. exas., e a commissão não tivesse uma palavra para dizer áquelles que mais tarde houvessem de interpretai1 a lei, qual o fim d'esse periodo? (Apoiados.)
Sr. presidente, podem agora os illustres deputados opposicionistas interpretar a lei como muito bem lhes parecer, podem dizer que o governo actual não cumpriu rigorosamente a lei de 16 de julho do 1885, mas o que não pode deixar de ficar no espirito do todos, é que a unica interpretação racional e coherente da lei é a que fica exposta, (Muitos apoiados.) interpretação que aliás nenhum facto contradita. (Muitos apoiados.)
Mas continuemos. Passemos agora a percorrer, ainda que rapidamente, a discussão parlamentar, e vamos ver se da discussão da camara dos senhores deputados, ou da dos dignos pares, pode provir alguma luz pura a questão.
É o proprio relator e meu prosado amigo, o sr. Pereira dos Santos, quem no seu primeiro discurso, respondendo ao sr. Barros Gomes, diz o seguinte:
"Mas vão mais longe; e dizem tambem que as obras se não podem efectuar pela quantia de 10.800:000$000 réis, que é a verba que servirá de base á licitação, porque o sr. Hersent não disse na sua proposta qual seria o preço por que tomaria a realisação das obras; como se o sr. Hersent fizesse a sua proposta sem ter conhecimento do plano officialmente feito e que segundo o projecto de lei ha de ser-
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vir de base á licitação, e do orçamento das obras mencionado n'esse mesmo plano; e como se o sr. Hersent não devesse ter escrupulos de publicar o preço pelo qual effectuaria as obras, que hão do ser adjudicadas n'um concurso publico.»
Aqui está o illustre deputado a dizer que ha de servir de base ao concurso o plano officialmente feito.
(Interrupção do sr. Pereira, dos Santos.)
Então é plano ou é projecto?
Eu já não sei como lhe hei de chamar: se projecto definitivo, se plano geral, se programma definitivo, se projecto completo!
Vamos adiante. Na sessão nocturna de 2 de julho do 1885, o sr. Fuschini, n'um discurso notabilissimo, que seria por si só sufficiente a attestar a alta intelligencia e o elevadissimo valor d'este nosso collega, depois de varias considerações, dirigia umas perguntas ao governo ou ao sr. relator ; mas desejava que a resposta tive-se chancella official.
O sr. Fuschini era membro da commissão de obras publicas, mas não pudera assistir ás sessões d'esta commissão emquanto n'ellas se discutira a proposta de lei do sr. Fontes, porque outros trabalhos parlamentares o tinham impedido de lá comparecer. S. exa. pertencia á maioria da camara n'aquella occasião, estava na melhor convivencia com os membros das commissões, eram cordealissimas as suas relações com o illustrado relator; pois s. exa. não se contentou em perguntar particularmente: «Então o que quer dizer projecto definitivo que servirá de base ao concurso?» S. exa. preferiu dirigir esta pergunta oficialmente na camara, e expressava-se nos termos seguintes:
«Dito isto, antes de começar a apreciação do projecto em discussão, farei duas perguntas ao governo, ou ao sr. relator da commissão, logo que este me responda em nome do governo.
«E não pareça isto singular, visto ser membro de uma das commissões que deram o parecer sobre projecto; não só a pergunta me podia ter sido suggerida por esta discussão, porque effectivamente dois deputados se referiram ao mesmo ponto e não ouvi responder-lhes, mas não tive occasião de a fazer nas commissões, porque, estando preço n'esta camara com a discussão da reforma administrativa de Lisboa, não pude assistir ás sessões, em que as commissões respectivas apreciaram a proposta ministerial das obras do porto de Lisboa.»
E, depois de ler o § 1.° do artigo 1.°, acrescentava:
«Ora, faço ao illustre relator duas simples perguntas, porque realmente me parece haver aqui obscuridade.
«Elaborar-se ha previamente um projecto e orçamento, que depois constituem a base do concurso?
«Serão elles mandados elaborar por engenheiros do governo, ou serão recebidos pelo governo varios projectos apresentados pelos concorrentes, e de entre elles escolhido um, que depois servirá de base ao concurso?
«Peço uma resposta clara e precisa ao sr. relator.
«Não me parece que dê uma prova da curteza das minhas faculdades, que aliás reconhecidamente tenho por curtas, fazendo estas perguntas, que derivam da comparação dos paragraphos do projecto e de duvidas antes de mim apresentadas por alguns deputados, entre outros pelo meu illustre amigo o sr. Barros Gomes.»
Vejamos qual foi a resposta do illustre relator:
«Eu respondo a s. exa. O systema proposto no projecto de lei é identico ao systema, que s. exa. de certo conhece, para a adjudicação dos caminhos de ferro.
«O processo é o seguinte: o governo manda fazer antes de qualquer concurso um projecto, que é sujeito á junta consultiva de obras publicas para dar a sua opinião e depois approvado pelo governo. Este projecto constituirá a base do concurso.»
Merece ser ponderada esta resposta, pelas circumstancias era que foi pedida, pela posição especial do deputado que a deu, e pelos precisos termos em que é formulada. Dizia-se n'ella: O systema proposto no projecto de lei é identico ao systema para a adjudicação dos caminhos de ferro.
Ora, sr. presidente, quiz o acaso que, exactamente quando eu estava lendo este periodo da resposta do Illustrado relator e meu amigo, o sr. Pereira dos Santos, tivesse a legislação de obras publicas em cima da minha banca de trabalho, e, não sei porque singular coincidencia, estava ella aberta a paginas 499, onde vem a carta de lei de 29 de março de 1888, relativa á conclusão do caminho de ferro do Algarve e construcção dos prolongamentos das linhas do sul e sueste.
Está esta carta de lei referendada pelos Srs. Fontes Pereira de Mello e Hintze Ribeiro, os mesmos ministros que assignaram a proposta de lei dos melhoramentos do porto de Lisboa, de 1o de junho de 1885.
Nas bases annexas á referida carta de lei estabeleciam-se os principaes pontos do traçado, e definiam-se algumas condições technicas, taes como limites dos declives e das curvas de concordancia, natureza e peso dos carris, travessas, etc.; mas á empreza adjudicataria pertencia elaborar o projecto completo do traçado e das obras de arte, submettendo-o no praso de uru anno á approvação do governo.
Aqui temos, pois, o empreiteiro a apresentar os detalhes das obras e os processos de execução.
Pergunto eu: é este o systema de adjudicação dos caminhos de ferro a que o illustre relator se referiu?
O sr. Pereira dos Santos: - Não senhor.
O Orador: - Não é?
O sr. Pereira dos Santos:
Afóra isto, não interrompo mais a v. exa. Confesso que me custa muito interromper a v. exa.
O Orador: - V. exa. póde interromper-me á vontade; sabe perfeitamente que é tão profunda a amisade entre nós, e que está tão largamente affirmada, que, interrompendo-me, apenas me dá n'isso grande prazer.
Eu não estou citando factos, nem apresentando documentos para encontrar incoherencias ou contradicções em v. exa.: apresento-os para justificar o procedimento do governo e d´aquelles que, como elle, interpretaram a lei peia mesma fórma. Desde que v. exa. affirma que não é aquelle o systema de adjudicação de caminhos de ferro a que se referiu na sua resposta, desde que me dia que a interpretação que agora dá á lei é a mesma que tinha no seu espirito, quando n'ella collaborou, não me resta a mim a menor duvida. Uma affirmação de v. exa. vale para mim tudo. Mas, peço licença ao illustre deputado para lhe dizer que, nem o nobre ministro das obras publicas que teve de applicar a lei, nem nós que a fomos estudar, e de igual modo a comprehendemos, legrámos a ventura de ter a s. exa. para commentador. Estudámos a lei, e tanto os factos anteriores á respectiva proposta de lei, como a discussão parlamentar, estão em completo antagonismo com a interpretação agora apresentada por esse lado da camara.
O illustre deputado o sr. Pereira dos Santos não póde negar a justiça que nos assiste, como tambem nós a fazemos á rectidão das suas intenções.
Certo é pois, que não é tambem á carta de lei de 26 de abril de 1883, relativa aos caminhos de ferro da Beira, Baixa, de Mirandella, e ramal de Vizeu, que o sr. Pereira dos Santos se queria referir ao responder ao sr. Fuschini. Esta Carta de lei e respectivas bases, definindo algumas condições technicas do traçado, deixavam ainda ao empreiteiro a apresentação do projecto completo de execução de trabalhos.
E comtudo, as duas cartas de lei citadas têem a assignatura dos srs. Fontes e Hintze, e são de uma epocha proxima. Outros e muitos exemplos podia eu citar, tanto de iniciativa do partido regenerador, como do partido progres-
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sista; haja vista a lei de 31 de março de 1880, referendada pelo sr. Saraiva de Carvalho, relativa ao caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira da Foz. E em todos estes exemplos o systema de adjudicação é sempre o mesmo!
Podia ainda referir-me á Carta de lei de 2 de maio de 1882, subscripta pelos Srs. Fontes Pereira de Mello e Hintze Ribeiro, concernente á construcção dos caminhos de ferro de Lisboa a Cintra e Torres Vedras.
Mas ha mais e melhor. E o commentario mais vivo e mais eloquente á resposta do illustre deputado encontra-se na parte do relatorio, já transcripta, da proposta Aguiar. Ahi se dizia:
«Para que o governo fique inteiramente livre, e ao abrigo de qualquer contratempo que possa sobrevir em obras d'esta natureza, pedir-se-ha aos empreiteiros que entrarem no concurso, o projecto definitivo, á similhança, do que succedeu no porto commercial de Brest, no porto de Bône em Argel, no porto de Boulogne-sur Mer, e no de Port-Said, no grande porto de Antuerpia, etc., etc., e do que se tem praticado muitas vezes entre nós nas importantes e arrojadas pontes do D. Luiz e de D. Maria Pia, na cidade do Porto, na maior parte dos nossos caminhos de ferro já realisados ou em via de execução.»
A camara vê claramente que é o sr. Aguiar, quando quer enaltecer e sustentar o systema da sua proposta de lei, de que o projecto de execução de trabalhos seja apresentado pelo empreiteiro, quem cita o que se tem feito (e faz) na maior parte dos nossos caminhos de ferro já realisados ou em via de execução.
Pois muito bem; é o sr. Pereira doa Santos, o illustre relator da proposta de lei de 1884, que perfeitamente se identificara com as idéas do sr. Aguiar que a apresentara, quem mais tarde, para explicar a contextura do projecto de lei de 1880, que tambem relata, diz:
«O systema proposto no projecto de lei é identico ao systema para a adjudicação dos caminhos de ferro.»
Precisa a camara que eu lhe apresente algum argumento que mais eloquentemente falle do que a approximação dos dois textos que acabo de transcrever? (Apoiados.)
Póde agora a illustre opposição parlamentar d'esta casa, mais ou menos engenhosamente, pretender affirmar que o governo procedeu irregularmente; o que profundamente fica gravado no espirito de quem quer que despreoccupadamente estude os factos, é que o governo interpretou, como devia, a lei. (Apoiados.)
Mas ha mais ainda.
O sr. Fuschini, no seu notabilissimo discurso, mandou para a mesa tres propostas, sendo uma d'ellas tendente a aclarar a significação do projecto definitivo. Eis as propostas:
Proponho:
1.° Que na lei se declare explicitamente a fórma por que ha de ser elaborado o projecto e orçamento, que deve constituir a base do concurso;
2.° Que o governo, fazendo estudar bem a questão economica, adopte o systema de obras menos despendioso e o mais adequado á natureza commercial do porto de Lisboa, e mande elaborar n'essa conformidade o projecto e o orçamento respectivo;
3.º Que sejam eliminadas da proposta de lei as disposições dos §§ 4.°, 5.°, 6.º e 7.°, abrindo-se unicamente a licitação sobre o preço das obras que o orçamento approvado fixar, admittida a condição do § 9.°
Lisboa, 2 de julho de 1885. = Fuschini.
Pois quer v. exa., sr. presidente, saber o que aconteceu?
Apesar da explicação que se pretende agora dar da resposta do relator de então, o sr. Pereira dos Santos, a despeito do sr. Fuschini ser justamente considerado como um dos mais conspicuos membros d'aquella maioria, as suas tres propostas foram rejeitadas in limine.
Não era rasoavel, desde que a redacção do projecto de lei offerecia duvidas, acceitar a aclaração das propostas do sr. Fuschini, com que aliás as commissões, segundo agora se affirma, concordavam? Pois succedeu exactamente o contrario; e, isto tanto no que respeita á significação de projecto definitivo como ás bases do concurso.
E aproveito a occasião para responder a uma asserção menos rigorosa que o meu prezado amigo o sr. Pedro Victor aqui fez.
Disse s. exa., respondendo ao nobre ministro das obras publicas, que as propostas do sr. Fuschini se referiam propriamente ás bases do concurso e não ao projecto definitivo; como se vê da transcripção que fiz, não é isto exacto; a terceira proposta refere-se realmente ao numero de variaveis do concurso, mas a primeira e segunda tratam evidentemente de aclarar como e por quem devia ser elaborado o projecto definitivo.
Acompanhemos agora o projecto de lei, da camara dos senhores deputados para a camara dos dignos pares do reino.
As commissões reunidas de fazenda o obras publicas da camara dos dignos pares deram parecer em 3 de julho de 1885. O projecto entrou em discussão a 7 e votou-se na sessão de 8 do mesmo mez; não soffreu modificação alguma, e foi convertido na lei de 16 de julho de 1885, exactamente como saiu da camara dos senhores deputados.
Foi relator na camara dos dignos pares um engenheiro distinctissimo, o sr. Jayme Larcher.
Quer a camara saber o que o sr. Larcher, como relator, dizia no parecer das commissões reunidas?
Era o seguinte:
«O systema adoptado para o concurso, deve ser aquelle que mais habilitará os concorrentes a usarem dos diversos meios de que dispõem para levar a cabo a empreza com maiores vantagens d'elles e nossas, etc.
Como se póde admittir que o systema adoptado seja aquelle que mais habilite os concorrentes a usarem dos diversos meios de que dispõem, desde que o projecto definitivo comprehende os systemas de fundação e os processos de execução de trabalhos, e esse projecto serve de base ao concurso?
Para que se podesse dar o que o sr. Larcher aconselhava, seria necessario, ou que o projecto definitivo não servisse de base ao concurso, ou, servindo, que não comprehendesse os systemas e methodos de construcção. Ora, como é uma disposição clara da lei que o projecto definitivo deve servir de base ao concurso; segue-se evidentemente que tanto o sr. Larcher como os outros membros das commissões entendiam que o projecto definitivo não devia comprehender os systemas de fundação e os processos de execução. (Apoiados.)
noto á camara que o primeiro signatario do parecer é o eminente parlamentar e chefe do actual partido regenerador, o sr. Antonio de Serpa Pimentel! (Apoiados.} E são exactamente os membros do partido regenerador n'esta casa que atacam o governo por ter interpretado a lei como a entendia o sr. Serpa Pimentel! (Muitos apoiados.)
Tambem, por occasião da discussão na camara dos dignos pares, tanto por parte do ministro das obras publicas, o sr. Fontes Pereira de Mello, como de outros dignos pares que entraram na discussão, é vulgarissimo encontrar-se o emprego das expressões, plano das obras, plano definitivo das obras; e da leitura de todos os discursos se vê que é sempre á ordenança geral das obras que os oradores se referem e nunca aos systemas de execução, evidenciando bem que o projecto definitivo os não comprehendia. (Apoiados.)
Sr. presidente, parece-me poder affirmar que, de tudo quanto fica dito, logicamente se infere que, tanto os factos anteriores á proposta de lei de 15 de junho de 1885, como a sua discussão nas duas casas do parlamento, attestam por modo a não deixar a menor duvida que o projecto definitivo, a que a lei se refere no seu artigo 1.°, § 1.°, não devia comprehender os systemas de fundação o os proces-
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sos de execução de trabalhos. (Apoiados.) O projecto definitivo, que devia servir de base ao concurso, era; pois, definitivo emquanto ás obras, mas não pelo que respeita áquelles processos. E só assim se concilia o injustificado antagonismo entre as commissões reunidas de fazenda e obras publicas, de 1884 e de 1885, se torna coherente o procedimento do seu relator e se explica a discussão parlamentar. (Apoiados.)
Antes de terminar a primeira ordem de considerações, pela qual eu affirmo que o governo interpretou, como devia, a lei, ainda vou apresentar mais um documento que prova bem que, não só no caso presente, como sempre, o illustre estadista o sr. Fontes Pereira de Mello entendia que o projecto definitivo de uma obra não comprehendia necessariamente os processos de execução.
Por carta de lei de 30 de junho de 1885 foi approvado e convertido em definitivo o contrato provisorio para a construcção de uma doca de abrigo na enseada do Funchal.
Tanto a Carta de lei como o contrato são assignados pelo sr. Fontes Pereira de Mello, e o artigo 2.° d'este diz.:
«O molhe será traçado segundo os desenhos do projecto definitivo, que os empreiteiros devem apresentar, depois de approvados pelas estações competentes.»
Aqui temos, pois, uma obra que o sr. Fontes Pereira de Mello mandou executar, e em que n'um dos artigos do contrato, que faz parte integrante da respectiva lei, se diz que o projecto definitivo seria apresentado pelos empreiteiros.
Quer agora v. exa., sr. presidente, saber o que dizia o artigo 3.° do mesmo contrato, que se refere ao systema de construcção?
Eu leio:
«O systema que deverá ser adoptado na construcção do molhe será o do chamado typo francez, de que, entre outros, são exemplares os molhes de Marselha, e consiste no emprego de enrocamentos de pedras naturaes de differentes categorias, defendidas da acção das vagas por blocos, artificiaes de grande volume, que occuparão a zona de maior agitação das aguas, comprehendida entre o nivel de baixamar de aguas vivas e o plano que está de 8 a 10 metros abaixo.
Quer dizer, aqui estava o sr. Fontes Pereira de Mello a exigir do empreiteiro que apresentasse o projecto definitivo das obras, e a indicar-lhe de antemão qual era o systema de construcção que elle devia empregar! Logo, o projecto definitivo não comprehendia, na opinião d'aquelle illustre homem d'estado, o systema de fundação.(Apoiados.)
E confronte ainda a camara a data d'esta lei, que é de 30 de junho de 1885, com a do parecer da proposta de lei sobre os melhoramentos do porto de Lisboa, que é de 15 de junho de 1885! (Apoiados.)
Embora esta demonstração seja por outra fórma, nem por isso conclue menos precedentemente, porque o que pretendo demonstrar em tudo isto é que o projecto definitivo não comprehende necessariamente os systemas de fundação. (Apoiados.)
Ora, o sr. Fontes Pereira de Mello mandava fazer uma obra, dizia ao empreiteiro que lhe apresentasse o projecto definitivo d'ella, mas indicava o systema de construcção a empregar.
Logo, o projecto definitivo, repito, não comprehende o systema de fundação.
Eu bem sei que me podem objectar que o exemplo que fui buscar se volta contra a proposição que estou sustentando; porquanto ahi estava uma obra de mar em que o governo definia os systemas de construcção e não os deixava livres aos empreiteiros.
Respondo que tal objecção não colhe absolutamente nada.
Em primeiro logar, não invalidava ella a affirmação de que o projecto definitivo não comprehende os systemas de fundação; e em segundo logar a natureza dos trabalhos é completamente diversa, e, embora á primeira vista pareça um paradoxo, o processo seguido n'um caso não é o que convem ao outro.
Reservo-me, porém, para em occasião opportuna tratar d'este assumpto.
Mas o que prova a citação que fiz?
É que o projecto definitivo, na opinião de Fontes Pereira de Mello, não comprehendia os systemas de fundação. (Apoiados.)
Passo á segunda ordem de argumentos. São os que procedem do systema geralmente seguido em casos similares.
Quaes são os casos similares?
onsidero como casos similares aquellas obras que, comparaveis pela sua importancia com a dos melhoramentos do porto de Lisboa, são susceptiveis de se executar por varios processos, e em que conseguintemente se póde deixar livre aos empreiteiros os systemas de construcção. E é agora occasião de desempenhar-me da promessa, que ha pouco fiz, de demonstrar que a obra da construcção de uma doca no Funchal não é similar da do porto de Lisboa, como tambem o não é a do porto de Leixões.
Parece á primeira vista paradoxal, mormente para os que não são versados na sciencia do engenheiro, affirmar que as obras do porto de Leixões e do porto de Lisboa não são perfeitamente identicas; comtudo a demonstração é facil, facilima mesmo.
Em Leixões as obras são feitas fóra da barra, no mar alto, onde a agitação da vaga é enorme e constante; em Lisboa executam-se- n'um rio, no ancoradouro interior da barra, onde as aguas estão, em geral, relativamente serenas e socegadas.
Emquanto na construcção dos muros de caes, como em Lisboa, os systemas de fundação são variadissimos, sendo, comtudo, o perfil do muro sensivelmente o mesmo; acontece o contrario na construcção dos molhes, no mar, em que o systema de fundação é um só, e os muros podem apresentar perfis muito variados.
No primeiro caso poderei citar, entre outros, os seguintes systemas de fundações:
Fundações pneumaticas;
Fundações com blocos artificiaes e enrocamentos;
Fundações por meio de poços de alvenaria;
Fundações em enrocamentos;
Fundações tubulares;
Fundações em arcadas.
No segundo caso o systema de fundação é, essencialmente, um só: enrocamentos. Todos os diversos digues ou moldes se podem, reduzir a dois typos: o inglez de que são exemplo os de Cherburgo, Plymouth, Holyhead, etc., e o francez, perfeitamente caracterisado no porto de Marselha.
Esta distincção nada tem de absoluto.
O typo inglez consiste em misturar pêle-mêle todos os blocos, de maiores ou menores dimensões, que fornece a exploração das pedreiras, e immergil-os simultaneamente, deixando ao mar o cuidado de os arranjar convenientemente e lhes dar o talude proprio de equilibrio.
O typo francez, concebido em bases mais racionaes, consiste em proporcionar as dimensões dos blocos de enrocamento aos ataques que têem a sustentar, segundo as suas posições, na occasião das tempestades; assim no nucleo central do massiço podem empregar-se materiaes de pequenas dimensões, na parte superior do talude impõem-se necessariamente os grandes blocos, para o talude interior bastarão blocos de dimensões medias.
Como se vê, porém, o systema de fundação é, na essencia, um só: o de enrocamentos.
Comprehende-se, pois, que, n'estas circumstancias, o governo fixe o perfil do dique, e nada fica livre á iniciativa dos empreiteiros. É o processo sempre seguido. Não
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assim com a construcção dos muros de caes, em que para o mesmo perfil os systemas do fundação podem variar muito, ficando a sua escolha á proposta dos empreiteiros, comtanto que a estabilidade da obra seja garantida.
Aqui está, pois, como os dois casos dos portos de Leixões e de Lisboa, apparentemente identicos, não têem comtudo paridade alguma sob o ponto de vista que os consideramos; e não se póde invocar o exemplo de um como argumento contra o outro. (Apoiados.)
De resto, são estas circumstancias sabidas de quantos conhecem o que sejam trabalhos maritimos.
Fechadas assim as portas a futuros reparos que sobre tal assumpto se poderiam suscitar, prosigo.
Considero como obras similares das do porto de Lisboa, sob o ponto de vista da faculdade de aos empreiteiros ficar a iniciativa da proposta dos systemas de construcção, os trabalhos maritimos feitos nos portos estrangeiros já citados e em outros, entre os quaes á especialmente para mencionar-se o porto de Antuerpia,- e entre nós muitas construcções importantes, podendo citar-se as pontes de Abrantes, da Regua, de D. Maria Pia, de D. Luiz I, a ponte internacional sobre o rio Minho, e outras.
Tomo para exemplo o que se praticou com a adjudicação da ponte de dois taboleiros, sobre o Douro, entre o Porto e Villa Nova de Gaia, obra esta que de certo a camara toda conhece, porque o processo seguido n'este exemplo tem sido empregado em todas as outras obras citadas.
A proposta de lei inicial para a construcção d'esta ponto foi apresentada na sessão d'esta camara, de 11 de fevereiro de 1879, e era assignada pelos srs. Antonio de Serpa Pimentel e Loureço Antonio de Carvalho. Dizia assim:
«Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso, a construcção de uma ponte metallica sobre o rio Douro...»
«Art. 2.° Ao pagamento do juro e amortisação do capital a empregar na construcção da ponte e avenidas, segundo o projecto que for approvado pelo governo, poderá ser applicado o rendimento annual...»
A iniciativa d'esta proposta de lei foi renovada pelos srs. Henrique de Barros Gomes e Augusto Saraiva de Carvalho na sessão de 31 do março de 1880, sendo então o primeiro, ministro da fazenda, e o segundo, das obras publicas. Resultou a lei de 19 de maio de 1880.
O concurso realisou-se a 12 de novembro de 1880 no governo civil do Porto.
Por portaria de 16 de novembro d'aquelle anno foi nomeada uma commissão encarregada de dar parecer sobre as propostas presentes ao concurso. Compunha-se esta commissão de: João Joaquim de Matos (presidente), Agnello José Moreira, João Anastacio de Carvalho, Augusto Luciano Simões de Carvalho e Candido Xavier Cordeiro (relator).
Apresentou a commissão o seu relatorio em 29 de janeiro de 1881. Mandado este ajunta consultiva de obras publicas e minas, deu ella o seu parecer em 18 de abril do mesmo anno.
Começo por fazer notar á camara que a redacção d'aquella proposta de lei é perfeitamente identica á da proposta que o sr. Fontes aqui apresentou na sessão de 15 de junho de 1885, relativa aos melhoramentos do porto de Lisboa, e que deu logar mais tarde á respectiva lei. «Segundo o projecto que for approvado pelo governo»: era o que em ambas as propostas se traduzia.
Esta identidade de redacção de propostas de lei ácerca de obras similares, saídas de individuos da mesma agremiação politica, onde é do admittir-se a uniformidade de vistas em pontos de administração geral, não está naturalmente a indicar que a norma a seguir n'um e n'outro caso devêra ser a mesma? (Apoiados,)
Pois eu vou expor, embora succintamente, as circumstancias que se deram n'aquelle concurso que, por sem duvida, os engenheiros meus collegas n'esta casa conhecem perfeitamente.
O concurso abriu-se sobre um ante-projecto, ou antes, sobre um plano muito generico da obra que se tinha em vista realisar; e o programma, entre outras clausulas que são de uso em casos analogos, determinava as condições do trabalho do ferro e as cargas a que a ponte devia resistir nos limites d'essas condições; mas aos concorrentes ficava livre apresentar o systema que entendessem satisfazer melhor ás condições geraes impostas.
Foram dez as casas constructoras que concorreram, e doze as propostas apresentadas.
Diversificavam muito os projectos apresentados, não só pelas soluções que continham, como tambem pelos esclarecimentos de que eram acompanhados. Umas vezes, limitavam-se as propostas a simples ante-projectos, outras vezes, vinham acompanhadas de desenhos muito detalhados; umas vezes, traziam apenas uma succinta memoria, outras, uma memoria descriptiva e justificativa tratando desenvolvidamente os calculos que serviram de base á determinação das dimensões das differentes peças.
A commissão especial, tendo ponderado cuidadosamente as propostas dos concorrentes, deu a preferencia ao anteprojecto apresentado pela Société Willebroek, com o n.° 1.°, prescrevendo que no projecto detalhado, que ulteriormente deveria apresentar a casa constructora no caso de lhe ser adjudicada a obra, fossem introduzidas certas modificações.
Com este parecer se conformou a junta consultiva de obras publicas e minas; e, adjudicada a obra á Société Willebroek, apresentou esta mais tarde o projecto detalhado e completo da obra com as modificações prescriptas.
No parecer da junta consultiva, de 18 de abril de 1,881, lêem-se os seguintes periodos:
«O concurso para a construcção de uma ponte metallica de dois taboleiros sobre o rio Douro, em frente da cidade do Porto, é certamente um dos mais notaveis de entre os que ultimamente têem tido logar no paiz, tanto pela grandeza da obra, como pelo numero e importancia das casas constructoras que a elle concorreram. Póde-se mesmo affirmar, sem receio de exageração, que este concurso, como o da ponte Maria Pia, fará epocha nos annaes das construcções civis».
Analogo a este concurso foram os das pontes de Santarem, internacional sobre o rio Minho, etc. O programma do concurso, da primeira é de 24 de maio do 1875, e o da segunda, de 24 de fevereiro de 1881.
Sr. presidente, quando nos factos anteriores e determinantes da proposta de lei de 15 do junho de 1885, e respectiva discussão parlamentar, o governo não tivesse encontrado indicios claros e seguros a precisarem-lhe o que se devia entender pelo projecto definitivo da lei; tal projecto, devêl-o-hia elaborar o governo, de modo que o concurso das obras do porto de Lisboa, se fizesse nas mesmas condições que o da ponte sobre o Douro, - que foi considerado como proprio a fazer epocha e digno de ser seguido, porque deu magnificos resultados. Devia ser elaborado o projecto definitivo por fórma que na adjudicação das obras do porto de Lisboa, se podesse adoptar um processo analogo ao que a experiencia c a pratica constantemente seguida tinham consagrado para obras similares, tanto no paiz como fóra d'elle. (Apoiados.)
O projecto definitivo não devia, pois, comprehender os systemas de construcção. (Apoiados.)
E que em tudo se seguiu, na adjudicação das obras do porto de Lisboa, processo analogo ao da ponte D. Luiz I, é verdade de facil prova.
E, senão, vejâmos.
Foi nomeada uma commissão especial para dar parecer sobre as propostas ácerca da ponte do Douro, exactamente como o nobre ministro das obras publicas fez, quando nomeou tambem uma commissão especial para consultar so-
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bre os projectos apresentados no concurso para as obras do porto de Lisboa. E é presidente d'esta commissão o distinctissimo engenheiro o sr. Matos, como já o havia sido d'aquella outra.
N'um e n'outro caso, a commissão especial dá o seu parecer, que é enviado á junta consultiva de obras publicas e minas; e com a opinião d'esta se conforma o governo.
Adjudicada a obra, a casa constructora Willbroek apresenta o projecto completo e detalhado da mesma obra, proprio para a sua execução, em harmonia com o plano geral do governo, que fôra presente ao concurso, e com o anteprojecto da sua proposta, salvas as modificações que lhe haviam sido ordenadas. O mesmo succede no porto de Lisboa, em que o empreiteiro apresenta tambem, depois de adjudicada a obra, o projecto de execução de trabalhos, que outra cousa não é senão o projecto do governo, que fôra presente ao concurso, convenientemente detalhado para se executar, e os systemas de construcção propostos pelo empreiteiro no referido concurso.
Sabe, v. exa. sr. presidente, qual é a unica differença existente entre os dois casos?
É que, emquanto, na ponte sobre o Douro, o plano que serve de base ao concurso contém apenas umas condições geraes, a que a construcção tem de ser sujeita (porque outra cousa não era precisa ali), no porto de Lisboa, o projecto que serve de base ao concurso comprehende a ordenança geral das obras, detalhadamente delineada, rigorosamente descripta.
Para confirmação do que deixo dito, basta olhar para a planta do projecto elaborado pelos engenheiros Matos e Loureiro, ler a respectiva memoria descriptiva.
E fez-se assim, exactamente para cumprir a lei, que n'este ultimo caso ordenava que um projecto definitivo servisse de base ao concurso. (Muitos apoiados.)
Passemos á terceira ordem de considerações.
O processo que o governo seguiu foi o que constante e uniformemente lhe aconselharam todos os engenheiros e estações technicas, que tiveram de opinar sobre o projecto definitivo, a que se refere a lei de 16 de julho de 1885.
Publicada esta carta de lei, o sr. Fontes Pereira de Mello, a fim de obter o projecto definitivo, abriu, por portaria de 24 de agosto de 1885, um concurso de projectos, a que logo me referirei mais desenvolvidamente. O concurso realisou-se em l de fevereiro de 1886; e os concorrentes foram, pela ordem da apresentação dos seus projectos, os srs.: H. Hersent, Jorge Arthur Schiappa Monteiro, Frederico William Reeves, sociedade denominada «grupo nacional» e H. J. Fourmont, de Rouen. O grupo nacional apresentou dois projectos, em separado, designados com as letras A e B.
Todos estes projectos foram enviados á junta consultiva de obras publicas e minas, a qual deu parecer sobre elles em 10 de junho de 1886.
Quer a camara saber o que o illustrado relator da junta, o eminente patriarcha da engenheria portuguesa, o sr. João Chrysostomo dizia?
Eu leio á camara:
«Quanto aos processos de construcção que se deverão adoptar, é questão que cumpre de novo examinar attentamente quando se redigir o plano definitivo das obras, que deve servir de base á adjudicação, aproveitando na determinação ou escolha d'esses processos os estudos que posteriormente ao plano de 1883 se tiverem effectuado. Entretanto, entendemos dever observar, que é de muita conveniencia conservar livre e desembaraçada o mais possivel a iniciativa e proposta dos emprezarios, emquanto a esses processos ou systemas de construcção, bem entendido, sujeita essa proposta, em todo o caso, á approvação do governo.»
No mesmo relatorio dizia ainda o sr. João Chrysostomo, referindo-se aos projectos Hersent, Reeves e do «grupo nacional»:
«São pois, no seu conjuncto estes estudos de grande utilidade, como subsidios valiosos, para se elaborar um plano definitivo que sirva de base á adjudicação das obras.»
Em mais passagens do referido relatorio emprega sempre o illustrado relator a expressão plano definitivo.
Servem estas transcripções de demonstrar que, na opinião do sr. João Chrysostomo, não era obrigatorio que o projecto definitivo da lei comprehendesse os systemas de construcção, e que antes era conveniente deixar desembaraçada a tal respeito a iniciativa e proposta dos emprezarios.
Não tendo sortido effeito o concurso de projectos, por portaria de 28 de junho de 1886 foi creada a direcção das obras do porto de Lisboa, e a esta commettido o encargo de elaborar o projecto definitivo.
O distincto engenheiro sr. Mendes Guerreiro, que foi collocado á testa d'aquella direcção, na memoria descriptiva e justificativa que acompanha o seu plano geral definitivo das obras do porto de Lisboa, começa por declarar:
«Elaborei, portanto, um plano geral definitivo que está conforme com as bases ordenadas pela lei...»
Ao tratar das condições e encargos com que a obra devia ser emprehendida, dizia ainda aquelle engenheiro:
«Determinado assim o plano geral definitivo, e elaborado o respectivo caderno de encargos e programma de concurso, póde abrir-se praça sobre o preço sem elaborar todas as peças que constituem um projecto completo?
«Foi opinião da junta consultiva de obras publicas, como acima vimos, que se devia proceder assim, e esta direcção, interpretando n'este sentido o n.° 2.º da primeira portaria de 28 de junho ultimo, pensa tambem que os differentes concorrentes encontram no plano indicado e mais peças e desenhos que se põem á sua disposição todos os elementos para darem um preço, com pleno conhecimento de causa.
«Em Anvers não tiveram tantos elementos de apreciação.»
E mais abaixo acrescentava:
«Convem, finalmente, indicar previamente qual é o perfil typo dos muros o seu systema de construcção?
«A minha opinião é totalmente contraria a uma tal restricção á praça. Todos sabem que um dos progressos das construcções modernas é fazer-se igualmente bem uma obra por differentes processos. Os constructores francezes empregam quasi correntemente o ar comprimido, os inglezes ainda preferem hoje as fundações ao ar livre. Para que limitar o concurso a um methodo só de construcção?
«Só entendo uma restricção - é a exclusão das fundações sobre madeira, seja qual for o modo por que se empregue. Posto que seja opposto ao systema de enrocamentos, para o nosso caso, comtudo, não o excluiria sendo racionalmente empregado.
«O perfil do muro fica perfeitamente determinado pela pressão e carga que é destinado a supportar.
«No concurso de projectos que ultimamente houve, os perfis eram muito similhantes, e comtudo os systemas de fundação indicados foram mui variados.
«O caderno de encargos de uma obra tão consideravel deve ser feito, deixando uma certa liberdade ao empreiteiro, que está sempre sob a fiscalisação do estado, que póde intervir quando o julgue conveniente, e concedendo-se-lhe as mesmas facilidades que o estado teria, se construisse directamente a obra, mas com encargos correspondentes em todos os sentidos.
E, finalmente, terminava s. exa., depois de fazer algumas considerações a respeito da avaliação das despezas:
«... mas a praça melhor poderá esclarecer sobre este ponto, e aberta com toda a franqueza, deixando a cada empreiteiro o emprego do seu systema, methodos de construcção para depois da praça não vir dizer - se me deixassem empregar os meios de execução taes e taes, que
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são peculiares á minha casa, teria feito reducção consideravel.
«Todo o processo que tenha dado bom resultado na pratica em grande escala deve ser acceito e entrar em concorrencia; mas não deve admittir-se a minima alteração no plano geral definitivo.»
«A conclusão, portanto, do parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, de abrir concurso para a empreitada geral sobre um plano definitivo, parece-me perfeitamente exequivel.
«Se o governo de Sua Magestade, porém, julgar mais conveniente terminar por completo o projecto e só depois abrir praça, não ha trabalho perdido, mas apenas uma delonga, que não aproveitará ao barateamento do preço da arrematação, pois em todos os casos cada um dos concorrentes deve apresentar os detenhas indispensaveis e mais esclarecimentos para se poder apreciar o merito das propostas.»
As leituras que acabo de fazer dispensam, por desnecessarios, commentarios da minha parte.
Tambem o actual director das obras do porto de Lisboa, como o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, aconselhava o governo a que deixasse livre o desembaraçada o mais possivel a praça pelo que dizia respeito aos systemas de fundação e meios de execução de trabalhos.
Por portaria, ainda de 28 de junho de 1886, foram nomeados dois consultores, os srs. João Chysostomo de Abreu e Sousa e Adolpho Ferreira de Loureiro, a fim de auxiliarem o director das obras do porto de Lisboa, na confecção do projecto definitivo.
Os consultores formularam o seu parecer ácerca do projecto da direcção; e n'este parecer, que tem a data de 26 de setembro de 1886, encontram-se varios periodos que ou passo a ler á camara:
«Para levar a effeito por empreitada geral o melhoramento do porto de Lisboa, tem de abrir-se concurso publico, tomando-se para base d'elle o custo das obras constantes do respectivo plano definitivo, ficando bem definidas as obrigações do arrematante no caderno de encargos.
«Parece-me bem justificada, no caso presente, a conveniencia de deixar ao empreiteiro a liberdade de empregar o methodo que lhe for mais familiar ou preferivel, uma vez que lhe dê garantias de bom exito.
«Se, portanto, póde e deve dispensar-se no concurso um projecto definitivo com todos os detalhes e minudencias da execução, o plano, que deve ser presente na praça, não me parece que deva reduzir-se a uma simples planta na escala de
l : 5000.
«Carece esta planta de ser acompanhada de mais alguns esclarecimentos, taes como o perfil completo dos muros de caes acima da baixamar, a indicação das larguras dos ter raplenos e dos largos, a extensão das estradas e vias ferreas, a situação e dimensões em planta das casas, edificios armazens e telheiros, e o numero exacto das escadas do ferro, das defensas de madeira, dos arganéus, e bem assim dos comprimentos e larguras das pontes moveis das docas, das dimensões das docas seccas, etc. O que deve só deixar-se ao concorrente é o processo, ou o systema de fundações, cuja descripção deve acompanhar a sua proposta, e bem assim o projecto d'ensemble de todas as obras, podendo ficar para mais tarde os projectos detalhados, ou de execução, das diversas pontes, bateis-portas, caes fluctuantes, etc., etc., os quaes só com a previa approvação do governo poderão ser postos em execução. Parece-me, assim, indispensavel que o governo possua, não direi um projecto definitivo da obra com a sua medição e orçamento completo, mas ao menos uma nota desenvolvida, que, a par da avaliação do seu custo, contenha a especificação de todos os serviços e trabalhos, que vae pôr a concurso, porque só assim poderá celebrar-se um contrato claro e preciso, que não dê logar a futuras complicações e pleitos.»
Aqui está o sr. Adolpho de Loureiro commungando ainda nos mesmos principios, dirigindo ao governo os mesmos conselhos, e mostrando bem que, em sua opinião, o projecto definitivo não comprehenda necessariamente todos os detalhes e minudencias da execução.
Por ultimo, o sr. Matos, que era o relator, por parte da junta, do projecto da direcção, foi encarregado de lhe fazer as modificações que julgasse conveniente, formulando o projecto definitivo que, nos termos da lei, devia servir de base ao concurso.
O sr. Matos aggregou a si o sr. Loureiro, e o projecto feito por estes dois engenheiros tem a data de 6 de dezembro de 1886. N'elle adopta se um processo de fundação, que é, parte em caixões, por meio do ar comprimido, como em Anvers, parte em enrocamentos; mas este duplo processo representa apenas uma hypothese possivel, e de modo algum necessaria, ficando livre aos concorrentes o poderem apresentar quaesquer outros systemas que mais estejam em harmonia com os meios de trabalho de que disponham.
Nada mais faziam, pois, estes engenheiros de que realisar o principio que constantemente tinha sido preconisado.
A junta, que approvou o projecto elaborado pelos engenheiros Matos e Loureiro, em que se deixavam facultativos os systemas de fundação, corroborou mais uma vez a sua uniformidade de vistas sobre tal assumpto.
Sr. presidente, seja-me licito agora dirigir algumas perguntas a mim mesmo.
Será crivel que todos estes engenheiros, que todas estas commissões que, constante e uniformemente, aconselharam o governo de uma determinada maneira, desconhecessem a lei ou a sua verdadeira interpretação? (Apoiados.)
Então quem é competente para a interpretar?
Será crivel que todos estes engenheiros, que todas estas commissões aconselhassem o governo a proceder de uma maneira que sabiam ser abertamente contraria á lei?
Não se póde admittir. (Apoiados.)
Logo, era opinião de todos estes engenheiros, que uniformemente a manifestavam sempre, que o projecto definitivo a que se referia a lei de 16 de julho de 1885, não devia comprehender, nem os systemas de fundação, nem os processos de execução de trabalhos. (Apoiados.)
Quarta ordem de argumentos.
Supponhamos que, não obstante todas as rasões que tenho apresentado, ainda podia restar alguma duvida sobre a interpretação da lei. A quem quer que a tivesse de executar estava traçado naturalmente o caminho a seguir: era o que melhor salvaguardasse os interesses publicos.
E qual era este caminho?
Seria estabelecendo-se no projecto que servisse de base ao concurso os systemas de fundação e os meios de execução de trabalhos?
Mas todos conhecem a serie de imprevistos, de accidentes, que se podem dar em obras d'esta natureza; e, desde que o governo levasse á praça um projecto com um systema de fundações perfeitamente definido, o governo havia de correr os riscos que a obra podesse ter.
E aproveito já a occasião para responder a uma observação que hontem ouvi aqui fazer ao meu presado amigo o sr. Pereira dos Santos.
Disso s. exa.: os accidentes em obras d'esta natureza são muito menos importantes do que os que se dão, por exemplo, nas obras do porto de Ponta Delgada, ou nas do porto de Leixões.
É certo que, tanto nas obras de Leixões, como nas de Ponta Delgada, ha uma causa de accidentes mais pronunciada e mais frequente; é certo que n'aquelles mares ha principalmente que attender á vaga, que é em geral alterosa, e ás tempestades que se succedem por vezes com frequencia; mas, emquanto á natureza dos fundos, não ha tanto a receiar, como em Lisboa, na construcção dos muros de
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caes. Acresce ainda que no Tejo se dão muitas vezes tempestades e o mar é agitadissimo; mas, onde as difficuldades sobem de ponto, é quando se attende á natureza dos terrenos sobre que se tem de fundar. Sabem todos aquelles que possuem algum conhecimento do que seja a sciencia das construcções, que não ha terrenos, absolutamente nenhuns, peiores para se fundar, com que menos se possa contar, nem mais traiçoeiros, do que os terrenos lodosos.
Leia o illustre deputado a memoria de Croizette Desnoyers, sobre o estabelecimento dos trabalhos nos terrenos vasosos da Bretanha, e verá a serie de obstaculos, quasi insuperaveis, com que este notabilissimo engenheiro teve do luctar para fundar em terrenos d'esta natureza. Leia s. exa. o relatorio do nosso distincto engenheiro o sr. Adolpho Ferreira de Loureiro, sobre a sua viagem a varios portos de mar, e verá o que aconteceu, por exemplo, no porto de Trieste; e as condições d'este porto não eram, porventura, peiores do que serão as do porto de Lisboa.
Quer v. exa. sr. presidente, saber o que dizia o relatorio que acompanhou os projectos apresentados pelo «grupo nacional» á commissão do concurso que teve logar em l de fevereiro de 1886:
Eu leio á camara:
«As condições excepcionaes do terreno tornarão difficilimas quaesquer obras, e de uma despeza extraordinaria.
«Crescem aquellas desfavoraveis circumstancias á medida que se avança para o rio, e por isso tornava-se necessario approximar quanto possivel de terra o caes exterior. Isto obriga, sempre que não sejam prejudicados os serviços do porto, a recuar a linha de avançamento proposta pela commissão.»
Outras citações podia eu fazer de engenheiros que estudaram a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa, todas concordes em corroborar as difficuldades das fundações, o que, aliás, as sondagens plenamente attestam.
Não se póde, portanto, dizer que os imprevistos nas obras do porto de Lisboa devam ser pequenos; bem pelo contrario, devem ser muito grandes.
E sendo assim, qual era o processo mais conveniente que o governo tinha a seguir?
Definir de antemão os systemas de fundações, e indicar a profundidade até onde ellas deviam ir?
Mas, se se viesse a demonstrar mais tarde que estes systemas de fundações e as profundidades adoptadas eram insufficientes para a estabilidade da obra, e que ella corria risco de desabar, sobre quem, n'este caso, impendiam os encargos resultantes das avarias?
Evidentemente que era o governo o responsavel, e portanto por sua conta deviam correr as despezas.
E a proposito, lembra-me ouvir exclamar hontem o meu presado amigo o sr. Pereira dos Santos:
«Oxalá que não haja uma derrocada nas obras do porto de Lisboa!»
Tambem eu digo: oxalá que não haja tal derrocada! Mas muito mais seria ella para temer, mas infinitamente mais prejudicial seria para o thesouro, se o governo tivesse procedido exactamente como s. exas. queriam; porque, se agora houver tal derrocada, não é o governo que a paga. (Apoiados.)
Se as obras, porém, se tivessem posto em praça, em harmonia com a interpretação, que d'esse lado da camara se dá agora á lei, era o governo que havia de pagar a derrocada que houvesse.
A grande vantagem do systema que se seguiu, estabelecendo-se uma empreitada por meio de um forfait absoluto, e tendo-se deixado ao empreiteiro liberdade completa sobre os processos de construcção, comtanto que a estabilidade das obras seja assegurada, alcançando-se ainda um praso de garantia de tres annos; é o governo não ter de pagar qualquer derrocada que porventura se dê. (Apoiados.)
Do processo seguido pelo governo provém ainda uma vantagem que se traduz no barateamento da obra. Pois que se deixam livres os systemas de construcção, é consequencia que o concurso se torna campo aberto aonde podem vir todos os empreiteiros depondo dos seus meios especiaes de trabalho, e melando pela adjudicação da obra, em torno da unica variavel: o preço. (Apoiados.)
E não se comprehende mesmo que se façam correr ao empreiteiro todos os riscos da obra, que se lhe vá exigir um praso de tres annos de garantia, e se lhe não deixe a correspondente liberdade. (Apoiados.)
Quem diz responsabilidade, subentendo immediatamente liberdade. (Apoiados.)
Passo á quinta e ultima ordem de argumentos. Supponhamos que os quatro grupos de rasões que eu apresentei não eram sufficientes a provar a legalidade e excellencia do procedimento do governo. Admittamos até o absurdo de que os argumentos adduzidos não procedem.
Digo aluda assim que o procedimento do governo foi correctissimo.
E, senão, vejâmos.
Quando o partido progressista subiu ao poder encontrou já em execução a lei de 16 de julho de 1885. O que primeiro havia a fazer, era organisar um projecto definitivo que, nos termos da lei, servisse de base ao concurso.
Não tendo dado resultado o concurso de projectos, aberto pelo sr. Fontes Pereira de Mello, o actual ministro das obras publicas encarregou, por portaria de 28 de junho de 1886, a direcção das obras do porto de Lisboa, da elaboração do projecto definitivo.
O n.° 2.° d'essa portaria dizia:
«2.° Que essa direcção tenha a seu cargo organisar, com a maior brevidade possivel, o projecto definitivo para os melhoramentos a effectuar no mesmo porto, devendo seguir as indicações contidas no respectivo parecer da junta consultiva de obras publicas e minas e as demais que superiormente lhe forem dadas.»
O governo pediu, pois, um projecto definitivo. Na portaria da mesma data que creou os dois consultores para auxiliarem o sr. Guerreiro na elaboração do projecto, alludia-se áquelle n ° 2.° da citada portaria.
Por portaria de 3 de novembro de 1886, foi encarregado, como já disse, o sr. engenheiro Matos, membro da junta, de modificar convenientemente o projecto da direcção.
São para ser transcriptas, as seguintes palavras d'essa portaria:
«Ha por bem ordenar que o referido relator faça acompanhar o seu parecer de um projecto definitivo, que traduza graphicamente as observações e modificações que julgue conveniente introduzir no projecto sujeito ao seu exame, ao modo que, sendo reputado no caso de ser approvado nas instancias superiores, possa sobre o mesmo projecto definitivo abrir-se immediatamente concurso sem necessidade de novos trabalhos.»
Como se vê, o governo pedia ainda um projecto definitivo, como a lei determinava.
O projecto elaborado pelos engenheiros Matos e Loureiro tem a data de 6 de dezembro de 1886; e na memoria descriptiva começam por dizer aquelles engenheiros, que as disposições adoptadas foram subordinadas ás prescripções da carta de lei de 16 de julho de 1885.
Este projecto foi enviado ajunta, a qual deu o seu parecer em 13 do dezembro de 1886. Este parecer terminava da seguinte maneira:
«A junta consultiva de obras publicas e minas, em vista de tudo quanto fica exposto, é de parecer de que, poderá ser approvado o projecto das obras do novo porto de Lisboa, datado de 6 do corrente mez, que vae apenso a esta consulta, em substituição do que foi elaborado pela direcção das obras do mesmo porto e tem a data de 3 de outubro ultimo, podendo aquelle projecto servir de base ao con-
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curso da execução das respectivas obras nos termos da carta de lei de 16 de julho de 1885.»
Era, pois, a propria junta consultiva de obras publicas e minas que dizia que o projecto podia servir de base ao concurso nos precisos termos da lei de 16 de julho de 1885. E a portaria de 20 do dezembro de 1886 que o approvou, frizava ainda que era nos termos da supra citada lei.
Quem era competente para interpretar o que devia comprehender o projecto definitivo, a que se referia a lei de 16 de julho de 1885?
Era o sr. ministro das obras publicas, que não é engenheiro, como tambem o não eram os srs. Hintze Ribeiro, Cardoso Avelino, e tantos outros que geriram aquella pasta?
Não era, de certo.
Ou tal competencia existia antes nos engenheiros do corpo de obras publicas e na junta consultiva, a que o governo ordenou que elaborassem um projecto definitivo nos termos da lei?
Sr. presidente, legalmente ou não reconheço outra auctoridade ou competencia para interpretar o que deva entender-se por projecto definitivo, a não ser a d'aquellas entidades; e, desde que ellas formularam um projecto e affirmaram que podia servir de base ao concurso nos precisos termos da lei de 16 de julho de 1880, o governo, limitando a sua acção, unica e simplesmente, a conformar-se com o voto das estações technicas, cumpriu rigorosamente o seu dever. (Apoiados.)
Sr. presidente, parece me poder agora affirmar, e com bons fundamentos, que o governo, na interpretação do que se devia entender pelo projecto definitivo da lei de 16 de julho de 1885, se conformou plenamente:
1.° Com a indicação de todos os factos anteriores á proposta de lei de 15 de junho de 1885 e da respectiva discussão parlamentar;
2.º Com o processo constantemente seguido em casos similares, tanto no paiz como no estrangeiro, e que sempre tem dado resultados proficuos;
3.° Com os conselhos que constante e uniformemente lhe foram dados por todos os engenheiros e corporações que de algum modo tiveram de dar opinião a respeito do projecto definitivo das obras;
4.° Com o systema que racionalmente se reconhece ser o mais consentaneo a acautelar os interesses publicos;
5.° Com a definição que os engenheiros do corpo de obras publicas encarregados de elaborar o projecto, e a junta que o approvou, deram do mesmo projecto. (Muitos apoiados.)
E antes de terminar esta parte, e feita a prova directa, vou agora replicar a algumas objecções que foram aqui apresentadas a este respeito.
E responderei em primeiro logar ao illustre estadista, o sr. Julio de Vilhena, cujo discurso, vasado nos moldes da mais fidalga e mais alevantada eloquencia parlamentar, eu ouvi com a maxima attenção. S. exa., querendo demonstrar que o projecto definitivo devia comprehender os systemas do construcção, tratou de fixar o que se devia entender por um projecto n'aquellas condições.
Admittiu que o projecto definitivo não é um projecto completo, que elle póde ser mais ou menos desenvolvido: mas que deve comprehender todas as circunstancias essenciaes á obra, o conseguintemente as fundações, sem as quaes ella se não póde executar.
A observação é arguciosa. Respondo, porém, ao illustre parlamentar, que, se os alicerces são essenciaes para a execução de uma obra, os meios de os fazer, os systemas de fundação, podem ser variados, sem que a estabilidade da mesma obra haja de soffrer. Nos projectos que foram presentes ao concurso realisado em l de fevereiro de 1886, a que já aqui me referi, os perfis dos muros do caes eram sensivelmente os mesmos, e comtudo, os systemas de fundação muito diversos. O que é indispensavel, essencial para a obra, é que os alicerces sejam estaveis; mas se houver varios meios de ficar garantida esta estabilidade, pouco importa que um ou outro seja o adoptado. Foi exactamente em obediencia a este principio que o governo procedeu. (Apoiados.)
O illustre deputado, a quem especialmente estou respondendo, o sr. Pereira dos Santos, apresentou, se bem me recordo, tres argumentos: argumento de auctoridade, logico e historico.
O argumento de auctoridade, que já havia sido apresentado por mais oradores da opposição, consiste no seguinte:
O sr. Fontes, que foi o auctor da lei de 16 de julho de 1885, exigia, na portaria de 24 de agosto do mesmo anno, que abriu o concurso de projectos, que estes comprehendessem os detalhes da obra e os processos de construcção; logo, concluem s. exa. o projecto definitivo da lei devia comprehender os systemas de construcção.
Affigura se-me que os illustres deputados da opposição correm demasiado pressurosos a dizerem logo, quando fora talvez conveniente que fizessem preceder este inoffensivo adverbio de mais alguma consideração que justificasse aqui o seu emprego. (Riso.)
Para que a asserção de s. exas. fosse concludente, tornava-se necessario demonstrar primeiro que era intenção do sr. Fontes tomar para base do concurso das obras um dos projectos completos que tivesse obtido.
Desde que se abria um concurso de projectos, era natural pedir aos concorrentes o maior numero de informações ácerca da solução, que cada um apresentava, dos melhoramentos do porto de Lisboa; mas d'aqui a inferir-se que o auctor da lei de 16 de julho de 1885 tivesse em vista estabelecer como base do concurso das obras um projecto completo com todos os detalhes minudencias como se obteria por aquelle meio, vae uma grande distancia.
Tenho até rasões para julgar que o sr. Fontes pensava de modo contrario.
Sinto não ver presente o meu distincto collega e prezado amigo, o sr. Fuschini, porque talvez recorresse ao valor da sua opinião para combater o argumento de que me estou occupando.
A minha resposta é simples.
O «grupo nacional», de que o sr. Fuschini fazia parte, entendia e sustentou com bons argumentos, que a portaria de 24 de agosto de 1885 não estabelecia a base financeira de 10.800:000$000 réis, como limite maximo do custo das obras; e assim é que os seus projectos, como os dos outros concorrentes, excediam, de muito, aquella verba.
Ora, se isto assim é, como se póde admittir que o eminente estadista, o sr. Fontes Pereira de Mello, fosse estabelecer como base de um concurso, cujo limite extremo de licitação eram 10.800:000$000 réis, um projecto cujo orçamento s. exa. sabia antecipadamente que era muito superior? (Apoiados.)
Ha ainda uma outra rasão de peso.
Desde que o sr. Fontes adoptasse para base do concurso das obras um projecto completo com detalhes e processos de construcção, exactamente como fôra elaborado por qualquer empreiteiro, é evidente que este teria manifesta vantagem sobre todos os outros concorrentes, e o concurso das obras não passaria de uma phantasmagoria. (Apoiados.)
Ve-se, pois, que o sr. Fontes desejava adquirir o maior numero de esclarecimentos dos projectos que foram presentes ao concurso, resalvando adoptar o que julgasse mais conveniente. (Apoiados.)
O argumento logico do sr. Pereira dos Santos póde estabelecer-se da seguinte maneira: ha uma correlação necessaria entre a construcção das obras e o seu custo, e, desde que só deixam livres os systemas de construcção, tal correlação desapparece.
Eu hei de referir-me mais largamente a este ponto,
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quando tratar da questão financeira, o que não faço agora para não estar a antecipar considerações que têem melhor cabimento n'outro logar. Parece-me, porém, que nem sempre se fez uma analyse conveniente do orçamento do projecto Matos e Loureiro, nem tão pouco se tem uma noção exacta do que seja uma empreitada à forfait absoluto.
Por agora basta-me responder ao illustre deputado que sendo o seu argumento geral, ataca não só o processo agora seguido pelo nobre ministro das obras publicas, mas tambem o adoptado em muitas outras obras, tanto pelos, governos do partido progressista como pelos do regenerador, tanto no paiz, como fóra d'elle, - e que sempre tem produzido magnificos resultados.
Parece-me que o argumento do illustre deputado prova de mais (Apoiados.)
Emquanto ao argumento historico, acha-se já elle respondido largamente nas considerações que precedentemente expuz.
Passo á segunda parte.
Quem devia elaborar o projecto definitivo das obras?
Até aqui definimos o que devia ser o projecto definitivo a que se referia a lei, determinámos o que devia comprehender; segue-se agora ver como havia de se obter, a que individuos ou corporações devia ser commettida a sua confecção.
A este respeito a lei é completamente omissa, e, portanto, qualquer que fosse o processo seguido, esse seria perfeitamente legal. (Apoiados.)
Se percorrermos os annaes parlamentares, tanto da camara dos senhores deputados, como da dos dignos pares do reino, na epocha em que se discutiu a proposta de lei de 15 de junho de 1885, achâmos contradições manifestas, não só entre as opiniões dos oradores que tomaram parte no debate, mas tambem, o que mais é, no mesmo orador, de um discurso para outro.
Assim é que o sr. Fontes, na sessão de 27 de junho de 1885, respondendo ao sr. Barros Gomes, dizia:
«Então eram engenheiros especialistas que haviam de elaborar os projectos definitivos.
«Eram engenheiros especialistas e competentes que haviam de fazer os estudos, emquanto que por esta proposta ha de ser provavelmente o sr. Hersent; e diz a mesma cousa.»
Era, pois, intenção do sr. Fontes Pereira de Mello que o sr. Hersent elaborasse o projecto das obras.
Na sessão de l de julho, o sr. Almeida Pinheiro, deputado da maioria e engenheiro distincto, replicando ao sr. Reis Torgal, exprimia se nos termos seguintes:
«Resta-me apenas dizer duas palavras, para responder ao illustre deputado que me precedeu, o sr. Reis Torgal.
«S. exa. formulou algumas perguntas a que me julgo habilitado a responder. Umas d'essas perguntas foram relativas ao projecto definitivo.
«S. exa. o sr. presidente do conselho já declarou que o governo mandará elaborar um projecto, ou pelo sr. Hersent, ou por outro qualquer engenheiro de igual valia, e que approvado esse projecto pelo governo, elle servirá de base ao concurso. S. exa. já o declarou, e portanto respondeu antecipadamente ás perguntas do illustre deputado. (Apoiados).
«Para mandar fazer estes estudos, s. exa. não precisa de auctorisação especial da camara; o governo, dentro dos limites orçamentaes, póde mandar fazer quantos estudos julgar necessarios. (Apoiados.)»
O sr. Almeida Pinheiro confirmava que era o sr. Hersent quem estava destinado a elaborar o projecto que servisse de base ao concurso.
O sr. Pereira dos Santos, na resposta ao sr. Fuschini, que eu já transcrevi, diz que o processo a seguir será o adoptado na adjudicação dos caminhos de ferro; e portanto o empreiteiro elaborará o projecto do execução de trabalhos.
O sr. Fuschini, deputado tambem da maioria, na sessão nocturna de 2 de julho, exprimia-se assim:
«Nunca admitti que a commissão de 1883 fosse composta do engenheiros para estudarem o problema technico dos melhoramentos do porto de Lisboa; pelo contrario, julguei sempre que lhe cumpria apenas designar em traços geraes o conjuncto dos melhoramentos e o systema mais adequado para o regimen commercial do porto de Lisboa. Os trabalhos technicos propriamente ditos, que mais tarde deviam ser feitos em harmonia com as decisões da commissão, e traduzindo-as tanto quanto o permittissem as condições naturaes do rio, esses trabalhos technicos deviam ser realisados pelas estações competentes, por engenheiros ou commissão de engenheiros para este fim especial nomeados pelo governo. Tal era a minha opinião.»
Como se vê, s. exa. entendia que o projecto devia ser elaborado pelas estações competentes, por engenheiros ou commissão de engenheiros para esta fim especial nomeados pelo governo. Brevemente veremos que o procedimento seguido pelo nobre ministro das obras publicas foi o aconselhado pelo illustre deputado e meu prezado amigo o sr. Fuschini.
Passando o projecto de lei para a camara dos dignos pares, o sr. Fontes, na sessão de 8 de julho, respondendo ao sr. Vaz Preto, pareceu inclinar-se a fazer previamente um concurso de projectos.
Infere-se de quanto levo dito a desconformidade de pareceres que havia sobre tal assumpto por parte dos membros da maioria d'aquella epocha, e que o proprio ministro das obras publicas de então, estava perplexo ácerca do processo que seguiria para a obtenção do projecto das obras.
Certo é, porém, que por portaria de 24 de agosto de 1S85, de referenda do sr. Fontes, foi aberto o concurso de projectos, o qual devia realisar-se a 23 de dezembro do mesmo anno. Mas tendo a commissão do «grupo nacional» solicitado, em 30 de novembro, a prorogação do praso, foi-lhe ella concedida por despacho de l5 de dezembro, assignado pelo sr. Thomás Ribeiro, até l de fevereiro de 1886, dia era que teve logar o concurso.
Por despacho de 30 de janeiro é nomeada a commissão para receber os projectos presentes ao concurso, cuja enumeração já fiz. A junta consultiva de obras publicas e minas, para onde elles foram enviados, deu parecer em 10 de junho de 1886, concluindo por dizer que nenhum dos projectos estava no caso de servir de base ao concurso das obras; mas entendia ao mesmo tempo que tres d'elles, os apresentados pelos srs. Hersent, Reeves e «grupo nacional» podiam prestar subsidios valiosissimos para a elaboração do projecto definitivo; e, portanto, o governo devia fazer a sua acquisição.
Era este approximadamente o estado em que as cousas se achavam quando o partido progressista subiu no poder; e o nobre ministro das obras publicas encontrando já em execução a lei de 16 de julho de 1885, não tinha comtudo o projecto definitivo que, nos termos da mesma lei, devia servir de base ao concurso das obras.
Que fazer? Abrir novamente concurso de projectos?
Mas, se o primeiro não tinha dado resultado, que motivo justificava esperal-o do segundo? (Apoiados)
Demais, o tempo urgia, a associação commercial de Lisboa fazendo-se echo da opinião publica, instava junto do governo porque não só protelasse mais a execução dos melhoramentos do porto; um novo concurso produziria necessariamente delongas, sem ao menos offerecer garantias de que se lograsse obter o exito apetecido. (Apoiados.)
Foi n'estas circumstancias que o nobre ministro das obras publicas seguiu o alvitre que lhe era aconselhado pela junta consultiva de obras publicas e minas, quando, no seu já citado parecer de 10 de junho de 1886, dizia:
«De tudo quanto fica exposto, a conclusão necessaria e principal é, que não póde levar se á execução, sem modifi-
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cações o plano de 1883, nem póde adoptar-se exclusivamente qualquer dos projectos apresentados no concurso de l de fevereiro do corrente anno.
«Mas, considerando a junta que nos projectos dos srs. Hersent e Reeves, e nos do «grupo nacional», ha muitas indicações uteis e acertadas, e uma grande massa de trabalhos e esclarecimentos muito aproveitaveis, entende a mesma junta que n'esses estudos, e nos mais que se poderão effectuar em curto praso, se encontrarão todos os elementos necessarios para se elaborar um plano definitivo ou programma das obras do porto de Lisboa, nos termos da lei do 16 de julho de 1885, de sorte que ainda no corrente anno se possa proceder á adjudicação das ditas obras.»
E, quando as rasões superiormente adduzidas não fossem por si só bastantes, motivos de outra ordem e mais ponderosos levaram certamente o governo a não adoptar de novo o concurso como meio de adquirir o projecto definitivo. Com effeito, duas condições havia a que attender na escolha da maneira como devêra ser elaborado o projecto.
Cumpria, em primeiro logar, assegurar pelo melhor modo a imparcialidade do concurso das obras, condição esta essencialissima, para que elle desse os resultados que justamente ha a esperar de tal processo. (Apoiados.)
Em segundo logar, era necessario que o projecto fosse confeccionado de molde a satisfazer, sob os seus variados aspectos, aos fins a que visavam os melhoramentos do porto de Lisboa. (Apoiadas.)
Emquanto á primeira condição, vou abonar-me com uma opinião plena de auctoridade e de todo o ponto insuspeita para esse lado da camara.
Dizia o sr. Fontes Pereira de Mello:
«Todos sabem que aquelle que fizer o projecto tem uma grande probabilidade de que a companhia que elle organisar tome conta da obra.»
Affirmava o illustre estadista uma grande verdade! (Apoiados.)
E assim era que, o empreiteiro que lograsse ver o seu projecto approvado pelo governo, teria uma superioridade incontestavel, achar-se-ia em condições muito mais vantajosas em face dos seus competidores, concorrentes tambem á adjudicação das obras.
Ninguem melhor do que aquelle conheceria a natureza quantidades de trabalhos a executar, ninguem estaria em condições mais favoraveis para os realisar, porque elle elaborára o projecto em harmonia com os proprios recursos do que podia dispôr. (Apoiados.)
Estabelecido, pois, um concurso previo de projectos, as obras seriam naturalmente mais tarde adjudicadas ao empreiteiro, cujo projecto o governo tivesse preferido. (Apoiados.)
E singular contradicção, inexplicavel em tão lucido espirito! É o sr. Fontes Pereira de Mello que na camara dos dignos pares, respondendo ao sr. Vaz Preto, pronuncia o periodo que acima fica transcripto, quem ao mesmo tempo parece inclinar se a obter o projecto definitivo das obras por meio de um concurso previo de projectos! (Apoiados). Emquanto á segunda condição, encontro a justifical-a algumas passagens do discurso, por mais do um titulo notavel, do nosso distincto collega o sr. Fuschini.
Achava s. exa. inconveniente que viesse um engenheiro estrangeiro estudar as obras do porto de Lisboa, o que poderia mais tarde ser concorrente, porque então não teria em vista os interesses do paiz, mas as suas propria; conveniencias.
No entender d'aquelle illustre deputado, ao governo cumpria definir expressamente o systema de obras que desejava.
Não necessita de ser corroborada tão judiciosa opinião (Apoiados.)
Ninguem havia com mais auctoridade, nem com mais conhecimento de causa, do que o governo, para indicar o variados fins que só tinham em vista, e a que, portanto deviam ser subordinados os melhoramentos do porto de Lisboa. E para projectal-os, para delineal-os conveniente completamente, tinha o governo o seu corpo de engenheiros de obras publicas, onde os havia distinctissimos e sem especial competencia n'esta ordem de trabalhos, e a superior estação technica que a lei collocou junto de si, - a unta consultiva de obras publicas e minas.
Antes de proseguir, não posso furtar-mo a responder ás considerações feitas a este respeito pelo sr. Pereira dos Santos.
S. exa. entende que o processo seguido pelo sr. Fontes assegura melhor a imparcialidade do concurso de que o adoptado pelo actual ministro das obras publicas.
O argumento do illustre deputado póde reduzir-se ao seguinte: o governo abre um concurso de projectos, escolhe um d'elles, e sobre este estabelece então o concurso das obras; ha, pois, mais imparcialidade do que, deixados livres os systemas de fundação, fazendo-se apenas o concurso das obras sobre o projecto elaborado pelos engenheiros do governo.
Ora, s. exa. admitte (e não podia deixar de o fazer) que o empreiteiro, cujo projecto for preferido, tem toda a probabilidade de lhe ser adjudicada a obra. Logo, o que é que representa o segundo concurso? Uma ficção. (Apoiados.)
No processo do sr. Fontes, cada empreiteiro trata apenas de conseguir que o seu projecto seja o preferido, porque tem toda a probabilidade de que, em taes circumstancias, lhe será adjudicada a obra. No processo que adoptou o nobre ministro das obras publicas, o concurso é perfeitamente igual para todos, pois que versa sobre um projecto organisado pelas estações officiaes e cada empreiteiro, apresentando o systema de construcção que lhe é peculiar, faz na sua proposta, attendendo aos meios de que dispõe, a maxima reducção de preço, porque é em torno d'este que se tem de resolver o pleito. (Apoiados.)
Terei ainda occasião de mo referir a este ponto na ultima parte do meu discurso, quando tratar da questão financeira.
Ponderando quanto fica dito, o governo resolveu, por portaria de 28 do junho de 1886, crear a direcção das obras do porto de Lisboa, a que commetteu, entre outros encargos, o de organisar o projecto definitivo que, nos termos da lei de 16 de julho de 1885, devia servir de base ao concurso das mesmas obras. A frente d'aquella direcção foi collocado o sr. Mendes Guerreiro, engenheiro de primeira classe, que fôra o relator da commissão nomeada em 16 de março de 1883 e cooperara tambem nos trabalhos do «grupo nacional».
Por portaria da data acima referida, foram nomeados os srs. conselheiros João Chrysostomo de Abreu e Sousa e Adolpho Ferreira do Loureiro, consultores, para auxiliarem a direcção na elaboração do projecto definitivo.
Sr. presidente, eu não conheço processo que melhor e mais directamente possa acautelar os legitimos interesses publicos, em que se evidencie o desejo de mais seguro acerto, do que o seguido pelo nobre ministro das obras publicas; creando uma direcção para a organisação do projecto, pondo á frente d'ella um engenheiro distinctissimo e versado n'aquella especialidade de trabalhos, e collocando junto d'este dois engenheiros,- considerado um, justamente, como uma eminencia na sciencia de engenheria, o outro, distinctissimo tambem e altamente entendido era trabalhos hydraulicos a que mais especialmente tem dedicado os seus labores. (Apoiados.)
O sr. Mendes Guerreiro apresentou o projecto das obras do porto, em 4 de setembro de 1886. Os consultores deram padecer em 26 do mesmo mez e anno; e um e outro d'estes documentos foram enviados á junta consultiva de obras publicas e minas.
Foram de opinião os consultores e a junta que o projecto, não obstante o seu alto valor, não estava em condi-
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ções de servir de base ao concurso; porque, alem de outras rasões, não comprehendia todos os trabalhos que havia a executar, como tambem o systema adoptado para as fundações podia fazer que fosse excedida a verba auctorisada ha lei. Com effeito, admittia-se que as fundações iam sempre até á profundidade de 20 metros abaixo do zero hydrographico, e n'este presupposto estava feito o orçamento; mas, se a execução da obra viesse a demonstrar a necessidade de as descer mais baixo, ou vice-versa, o governo teria de pagar ou receber o correspondente ao excesso ou diminuição de trabalho. A empreitada a estabelecer não poderia, pois, ser um forfait, absoluto, no sentido rigoroso da palavra; e o governo corria o grave risco de se ver compellido a gastar mais do que as quantias auctorisadas na lei. (Apoiadas.)
Mais uma vez se via o nobre ministro das obras publicas sem projecto para servir de base ao concurso; e o tempo continuava urgindo. Foi n'estas circumstancias que s. exa. incumbiu o inspector de engenheria, o sr. João Joaquim do Matos, vogal da junta e encarregado por esta de relatar o projecto da direcção, de lhe introduzir graphicamente as modificações que julgasse conveniente, a fim de se obter um novo projecto que, merecendo a approvação da mesma junta, podesse desde logo servir de base ao concurso.
Embora deseje abreviar o mais possivel as minhas considerações; porque a hora está muito adiantada, vou, não obstante, ler á camara, na integra, o texto da portaria que confiou ao sr. Matos aquella commissão de serviço:
«Sua Magestade El-Rei, considerando que é de grande conveniencia publica abrir no mais breve praso o concurso para a construcção dos melhoramentos no porto de Lisboa;
«Considerando que, tendo sido encarregado o inspector geral de engenheria João Joaquim de Matos de dar parecer perante a junta consultiva de obras publicas e minas sobre o projecto organisado pela direcção das obras do porto de Lisboa, póde o seu estudo ser proveitosamente encaminhado á melhor satisfação d'essa necessidade:
«Ha por bem ordenar que o referido relator faça acompanhar o seu parecer de um projecto definitivo, que traduza graphicamente as observações o modificações que julgue conveniente introduzir no projecto sujeito ao seu exame, de modo que, sendo reputado no caso de ser approvado nas instancias superiores, possa sobre o mesmo projecto definitivo abrir-se immediatamente concurso sem necessidade de novos trabalhos.
«Determina outrosim o mesmo augusto senhor, que seja auctorisado o relator João Joaquim de Matos, inspector geral de engenheria, a trabalhar para este fim em commum com os engenheiros consultores anteriormente nomeados, e a chamar para junto de si todo o pessoal technico, de que careça, para melhor e mais prompta execução do estudo, que está a seu cargo, e que muito particularmente é recommendado á sua muita illustração, actividade e zêlo pelo serviço publico.
«Paço, em 3 de novembro de l886. = Emygdio Julio Navarro.»
Os illustres engenheiros, os Srs. Matos e Loureiro, conseguiram, mercê do seu iimprobo trabalho, corresponder á confiança que n'elles depositára o ministro, e mais uma vez deram prova das elevadas qualidades que tanto os distinguem. (Apoiados.)
O projecto apresentado por s. exas. em 6 de dezembro de 1886, logrou merecer a approvação da maioria dos membros da junta consultiva de obras publicas e minas, como consta do respectivo parecer de 13 do mesmo mez e anno; tendo apenas divergido, em pontos de somenos importancia, concordando comtudo na generalidade do projecto, os tres vogaes, os srs. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, Lourenço Antonio de Carvalho e Boaventura José Vieira.
Pôde, pois, o nobre ministro das obras publicas, como eram os seus mais vehementos desejos, abrir o concurso para a adjudicação das obras do porto de Lisboa, dentro do anno de 1886.
Sr. presidente, eu tenho ouvido aqui atacar o governo por mais de uma vez, e até com acrimonia, pelo facto de ter sido encarregado um vogal da junta, de introduzir no projecto da direcção as modificações que reputasse conveniente, a fim de no mais curto prazo se obter um projecto definitivo nos termos da lei de 16 de julho de 1885.
Objecta-se que é um processo completamente novo, que não tem sido empregado até agora.
Mas, sr. presidente, quando isso mesmo fosse verdadeiro, que o não é, póde acaso da circumstancia de um processo nunca ter sido empregado inferir-se immediatamente a sua condemnação? (Apoiados.}
Mas pergunto eu: com que fundamento affirmam s. exas. que nunca se seguiu tal processo? (Apoiados.) Pois seguiu-se já, e exactamente com o sr. engenheiro Matos! (Apoiarias.) Seguiu-o o sr. fontes Pereira de Mello! (Apoiados.) Foi o proprio sr. Fontes que encarregou o engenheiro Matos, membro da junta consultiva de obras publicas e minas, de estudar e dirigir a construcção da estrada de circumvallação do municipio de Lisboa! (Muitos apoiados.)
E, quando assim não fosse, que havia que estranhar no facto do governo confiar á junta consultiva de obras publicas e minas o encargo de redigir um projecto definitivo? (Apoiados.)
Pois não é a junta a mais elevada corporação technica que a lei collocou junto do governo para o aconselhar e esclarecer em todos os assumptos que se relacionara com a sciencia do engenheiro?
Pois, se a junta e que tem de dar a sua opinião em ultima instancia, com a qual o ministro se terá naturalmente de conformar, que admira que a mesma junta seja encarregada de traduzir logo n'um projecto o seu modo de ver, a sua maneira de pensar ácerca de um determinado assumpto, e que tal projecto sirva de base ao concurso das respectivas obras? (Apoiados.)
Pois um engenheiro é competentissimo para dar a sua opinião como membro da junta consultiva, e não o é igualmente para elaborar um projecto? (Apoiados.)
Então reconhece-se-lhe auctoridade e competencia para julgar do que os outros fazem, e não se lhe reconhece igual competencia para redigir o projecto de uma obra? (Apoiados.)
Tambem aqui se produziram referencias de outra ordem, n'este ponto do debate, a que me não farei cargo de replicar, porque vozes mais auctorisadas do que a minha o fizeram já.
Sr. presidente, se a tradicional probidade, se a proverbial honradez da engenheria portugueza, não pairasse tão alto que não logram chegar até lá, nem sequer uns amortecidos reflexos de qualquer suspeição que se levantasse (que eu não affirmo que se levantou), dissera eu que o nobre ministro das obras publicas adrêde escolhêra, para interferir nos actos respeitantes ás obras do porto de Lisboa, engenheiros que, sobre serena competencias de primeira ordem em trabalhos hydraulicos, mais contrarios se poderiam supor ao empreiteiro a quem fôram adjudicadas as obras.
Caracteres honestissimos e servidores leaes e prestimosos eram todos elles, e nem isso se discutiu ou era para discutir-se aqui! (Apoiados.)
Fôra o sr. Mendes Guerreiro relator da commissão nomeada em 16 de março de 1883; collaborára nos trabalhos do «grupo nacional», que fora um dos concorrentes ao concurso de projectos, realisado em l de fevereiro de 1886. (Apoiados.)
Tinha o sr. engenheiro Matos feito trabalhos especiaes sobre os melhoramentos do porto de Lisboa, que publicara na Revista das obras publicas e minas (setembro e outubro de 1885), fôra, o presidente da commissão de engenheiros do «grupo nacional», a que tambem pertencêra o sr. Adolpho de Loureiro. (Apoiados.)
Quer v. exa., sr. presidente, que eu lhe diga o que d'es-
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tes dois ultimos engenheiros se pensava quando se discutiu a lei de 16 de julho de 1885?
De João Joaquim de Matos dizia então o egregio chefe do partido regenerador, Fontes Pereira de Mello, ao responder na camara alta ao sr. Pereira de Miranda:
«E se eu quizesse, podia citar uma opinião especial emittida sobre o assumpto por um amigo meu, a quem folgo de poder dar o louvor que elle merece; refiro-me ao sr. Matos, que calculou essa receita em 420:000$000 réis, sem attender ao desenvolvimento necessario e successivo que o porto de Lisboa deve ter.»
O grande estadista distinguia este engenheiro com a sua estima, muitas vezes se soccorria do seu leal e valioso conselho, quando tinha de entender em assumptos do ministerio das obras publicas, ou como chefe do gabinete, ou gerindo especialmente esta pasta.
A respeito do sr. Adolpho de Loureiro, expressava-se, nos termos que seguem, o eminente parlamentar, com cuja amisade eu tanto me honro, o sr. José Dias Ferreira:
«Vou agora ler á camara as considerações feitas na associação dos engenheiros civis, pelo distincto engenheiro o sr. Adolpho Loureiro, cuja opinião é muito attendivel, porque este cavalheiro, tendo viajado muito pela Europa e pela Asia deu noticia, á associação dos engenheiros civis do que tinha visto n'este genero de obras hydraulicas, tanto numa como n'outra parte do mundo.
«O seu parecer é imparcialissimo porque contou o que viu e o que presenciou, sem revelar paixão por estes ou por aquelles melhoramentos.»
Estes fôram os dois engenheiros a quem o governo commetteu o encargo de elaborar o projecto definitivo das obras do porto de Lisboa! (Apoiados.)
Tambem eu ouvi fallar aqui em competencias, e produzir-se a affirmação, a meu ver estranha, de que em Portugal não ha engenheiros especialistas e com auctoridade em trabalhos hydraulicos.
Discordo completamente de tal modo de pensar! Se é certo que, entre nós existem apenas duas obras de portos, de grande tômo, e são as de Leixões, em execução, e as do porto de Lisboa que estão começadas apenas; é verdade tambem que outros trabalhos, embora de somenos importancia, e varios estudos se têem realisado no paiz, e que a competencia não resulta unicamente de dirigir obras de primeira grandeza, mas tambem do engenheiro ter orientado especialmente o seu espirito n'aquella natureza de emprehendimentos, ter estudado os livros que particularmente tratam d'este ramo da sciencia do engenheiro, ter emfim visitado as obras que as nações estrangeiras têem feito. (Apoiados.)
E possue, realmente, o paiz competencias que o honram sobremaneira!
Afóra os engenheiros que já citei no decorrer de toda a minha exposição, outros podia eu ainda enumerar.
Não temos nós aqui na camara um collega distinctissimo, cuja voz já se foz ouvir n'esta questão, e que é justamente considerado como uma auctoridade, o sr. Manuel Affonso de Espregueira? (Apoiados.)
Não se acha á frente da fiscalisação das obras do porto de Leixões o engenheiro sr. Affonso Joaquim Nogueira Soares, cuja alta competencia em assumptos de hydraulica marítima se tem affirmado por modo tão brilhante? (Apoiados}
E outros poderia eu citar ainda.
Mas, mesmo junto de si tinha o nobre ministro das obras publicas na respectiva secretaria de estado quem justamente gosa de fóros de grande auctoridade n'este ramo, como em outros da sciencia do engenheiro; refiro-me ao sr. Bento Fortunato de Moura Coutinho de Almeida de Eça, que tão distinctamente superintende na direcção geral de obras publicas e minas. (Apoiados.)
Sr. presidente, recorda-me ter lido nos annaes parlamentares as seguintes palavras que o illustre deputado o sr. Dias Ferreira pronunciara n'esta casa:
«Eu porém não sou competente para determinar as obras indispensaveis para o melhoramento do porto de Lisboa.
«O plano de obras, pois, a que eu darei o meu voto, será aquelle em que assentarem os corpos technicos officiaes, depois de terem examinado todos os projectos apresentados sobre este gravissimo assumpto, e depois de terem procedido aos estudos e exames necessarios para poderem proferir um voto decisivo e definitivo com perfeito conhecimento de causa.
Sinto não ver s. exa. presente n'este momento; porque, se estivesse, não negaria certamente o seu applauso ás considerações que tenho exposto, e concordaria commigo que o governo procedeu como devia, pois seguiu precisamente os conselhos que s exa. lhe dava. (Apoiados.)
O illustre caudilho do partido republicano, o meu antigo mestre e sempre querido amigo, o sr. Elias Garcia, dizia na sessão de 2 de julho de 1885:
Simplesmente posso dizer que desejo que os poderes do estado, quando hajam de adoptar o projecto definitivo, se inspirem na opinião das pessoas e das estações competentes, e que se inspirem n'essas opiniões, quer pelo concerto dos pareceres que ahi se manifeste, quer pela contradicta, porque a contradicta contribue muito para esclarecer os espiritos dos que administram superiormente.»
Tambem o governo procedeu em harmonia com os desejos que o distincto parlamentar manifestava, e parece que, para elles serem completamente satisfeitos, até não faltou a Contradicta por parto de alguns membros da junta consultiva, na approvação do projecto definitivo, embora em pontos de somenos importancia.
Sr. presidente, afigura-se-me poder agora affirmava camara, com fundamento seguro, que o governo, na organisação do projecto definitivo a que se referia a lei da 16 de julho de 1885, tanto na interpretação do que elle devia comprehender, como em relação aos individuos ou corporações que o deviam elaborar, cumpriu rigorosamente o seu dever, (Apoiados.) e teve sempre em vista acautelar da melhor maneira os justos e legitimos interesses do thesouro. (Apoiados.)
O concurso para a adjudicação das obras do porto de Lisboa foi aberto por decreto de 22 de dezembro de 1886, publicado no Diario do governo n.° 29], da mesma data. Serviu-lhe de base, e, portanto, esteve patente na repartição de obras publicas, durante o praso do noventa dias designado n'aquelle decreto, o projecto definitivo das obras.
Este projecto havia merecido a approvação do governo, como consta da portaria de 20 de dezembro do anno acima referido. E que na elaboração do mesmo projecto se tivera em attenção o plano da commissão nomeada em 16 de março de 1883, é o que resulta do seu proprio exame, e o que os seus auctores affirmam na respectiva memoria descriptiva.
Foram, pois, rigorosamente observadas as tres condições consignadas no § 1.° do artigo 1.° da Lei de 16 de julho de 1885, paragrapho que era a unica disposição da lei referente á organisação do projecto definitivo das obras. (Apoiados.)
A camara dirá agora se eu demonstrei, n'este primeiro periodo, a proposição que formulei no principio do meu discurso. - (Vozes: - Muito bem.)
Antes de passar ao segundo periodo, não posso deixar de referir-me, embora muito rapidamente, porque estou longe ainda do termo das minhas considerações, a uma questão incidental que se levantou: a adjudicação dos premios.
O illustre deputado e meu prezado amigo, o sr. Pereira dos Santos, tocou muito ligeiramente n'este assumpto; mais de espaço se referiu a elle o sr. Julio de Vilhena, a quem
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larga e satisfactoriamente respondeu o distincto parlamentar e meu bom amigo, o sr. Laranjo.
Limitarei a muito pouco as minhas considerações.
O n.° 6.° da portaria de 24 de agosto de 1885, que abriu o concurso de projectos, preceituava que os projectos presentes ao mesmo concurso fossem enviados á junta consultiva de obras publicas e minas para os apreciar; devendo ser classificados, pela ordem de merito relativo, os que estivessem no caso de merecer approvação para serem applicados ás obras do porto de Lisboa.
O n.° 7.° da dita portaria estatuia que ao projecto classificado em primeiro logar fosse concedido o premio de 6:000$000 réis, e ao classificado em segundo logar o de 4:000$000 réis.
A junta consultiva, no seu parecer de 10 de junho de 1886, e no que mais tarde formulou, em 10 de setembro do mesmo anno, por lhe ter sido novamente affecto o assumpto em virtude de reclamação do «grupo nacional», entendia que, não reunindo os projectos presentes ao concurso as condições do merito absoluto, não podiam ser classificados em merito relativo, e portanto, a nenhum d'elles deviam ser adjudicados os premios; mas, sendo certo ao mesmo tempo que os projectos Hersent, Reeves e « grupo nacional » encerravam indicações muito aproveitaveis para a ulterior elaboração do projecto definitivo, opinava a mesma junta que o governo fizesse a sua acquisição, dividindo irmãmente os premios entre os tres concorrentes.
A procuradoria geral da corôa e fazenda, que o nobre ministro das obras publicas mandou tambem ouvir a tal respeito, partindo da opinião da junta, sob o ponto de vista technico, de que os projectos não satisfaziam ao seu fim, entendeu que, no caso do governo querer adquirir a propriedade dos já mencionados, o devia fazer por contrato especial com os seus donos. Tal era o que se continha no seu parecer de 23 de outubro de 1886.
Nenhum dos alvitres propostos, quer pela junta consultiva de obras publicas e minas, quer pela procuradoria geral da corôa e fazenda, podia ser applicado integralmente, porquanto haviam variado as circumstancias em que se tinham formulado aquelles pareceres e consulta.
Tendo sido adjudicadas as obras do porto de Lisboa ao concorrente Hersent, recebêra este empreiteiro n'este facto a recompensa dos seus trabalhos e a consagração dos seus meritos; faltava, porém, indemnisar o «grupo nacional» e William Reeves, pois não era justo que o governo se apropriasse dos seus projectos sem os indemnisar. O nobre ministro das obras publicas, por portaria de 31 de maio de 1887, mandou dar ao primeiro a verba de 6:000$000 réis e ao segundo a de 4:000$000 réis, quantias iguaes aos premios estabelecidos.
Commetteu-se alguma illegalidade?
Para se commetter qualquer illegalidade seria preciso que se tivesse infringido alguma lei; mas nem sequer havia lei a respeitar. A propria portaria de 24 de agosto de 1885 nem mesmo tinha já applicação ao caso, para a adjudicação dos premios; porquanto nenhum dos projectos tinha o merito absoluto, e menos ainda o relativo, na opinião da junta, que era a instancia competente para ajuizar d'esse merito, nos termos do n.° 6.° da já citada portaria. (Apoiados.)
O que era de manifesta justiça é que o governo devia pagar o trabalho de que se tinha aproveitado. (Apoiados.)
Mas perguntar-se ha: na maneira como procedeu; lesaria os interesses dos concorrentes ou do estado?
Que não foram lesados os interesses dos primeiros, prova-o o facto de não reclamarem. (Apoiados.)
Para se affirmar que o estado foi lesado, tornava-se mister demonstrar que os premios concedidos pelo governo, o de 6:000$000 réis ao «grupo nacional» que apresentou o projecto mais desenvolvido e mais completo, e o de 4:000$000 réis a William Reeves, foram exagerados. (Apoiados.)
Ora, nenhum dos illustres deputados d'esse lado da camara tentou sequer demonstrar isso, nem se me afigura provavel que o podesse fazer. (Apoiados.)
Logo, ainda n'esta questão de somenos importancia e perfeitamente incidental, o procedimento do governo foi correctissimo. (Apoiados.)
Passo agora ao exame, dos factos occorrentes no segundo periodo, que se refere ao
B) Concurso e adjudicação das obras
Todos os factos d'este segundo periodo, que eu passarei em revista perante a camara, e sobre os quaes recairá a minha apreciação, se podem reduzir a tres pontos capitães, que são:
a)- Programma do concurso;
b)- Concurso;
c)- Adjudicação das obras.
Começo, como é natural, pelo
a)- Programma do concurso
E n'este ha ainda a considerar:
Sua organisação;
Sua publicidade;
Sua perfeita clareza, e conseguintemente igualdade de todos os concorrentes perante o concurso.
Antes de entrar no exame d'estas circumstancias, vou, porém, responder a algumas observações feitas pelos illustres deputados opposicionistas.
O concurso das obras do porto de Lisboa foi aberto por decreto de 22 do dezembro de 1886, publicado no Diario do governo n.°291, da mesma data; a este decreto, que continha dezoito artigos, vinham annexas as condições para a execução das obras, distribuídas por oito capitulos.
Disse o sr. Pedro Victor que era este o documento mais illegal que até agora tinha saído do ministerio das obras publicas! E, emquanto s. exa. assim fallava, vinha me ao espirito a reminiscencia de que tal documento fôra publicado em 22 de dezembro de 1886 e que estávamos a 30 de abril de 1888; lembrava-me que, só passados perto de dezoito mezes, é que os illustres deputados opposicionistas tinham palavra para atacar o governo. (Apoiados.)
Atravessámos, o anno passado, uma sessão legislativa, que se não póde dizer pequena; durante ella, raro era o dia em que d'esse lado da camara se não convidava o governo a pedir um bill de indemnidade para qualquer dos seus actos, ainda d'aquelles que mais se comprehendiam nas faculdades do executivo! (Apoiados.)
Como explicar, pois, que s. exas., durante uma sessão inteira, não fizessem a minima referenda a um documento que consideram agora tão illegal e tão monstruoso? Porque não convidaram então o governo a pedir um bill de indemnidade que o absolvesse da responsabilidade d'esse programma de concurso, que contém disposições tão illegaes e tão monstruosas? (Apoiados.)
Pois estiveram dormindo um largo somno de dezoito mezes, e veem agora achar mau, detestavel, absurdo até, aquillo que durante tanto tempo não censuraram, sequer com uma palavra? (Apoiados.)
É caso para se meditar profundamente! (Apoiados.)
Tambem o illustre deputado o sr. Pedro Victor, rendido pela evidencia do facto que resulta do exame de todo o processo relativo ás obras do porto de Lisboa,- de que não ha um só acto em cuja resolução o governo se não conformasse, para e simplesmente, com os pareceres da junta consultiva e procuradoria geral da corôa e fazenda; tambem s. exa. ao defrontar-se com o programma de concurso, tão impeccavel durante dezoito mezes, e tão monstruosamente illegal agora, exclamou: este documento é unicamente da responsabilidade do ministro, aqui não póde invocar engenheiro ou corporação alguma, porque foi só elle que o elaborou!
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Sr. presidente, embora eu não tenha recebido procuração para isso, estou firmemente convicto de que posso fazer uma declaração, e é que o nobre ministro das obras publicas toma inteira, completa e plena a responsabilidade de todos os seus actos perante o parlamento, (Apoiados.) que elle assume mesmo sobre si só a responsabilidade de todos os actos em que não fez mais do que concordar com as estações consultivas que tem junto a si. (Apoiados.)
É esta effectivamente a theoria constitucional, e o nobre ministro não tem duvida alguma em acceital-a completa e plena. (Apoiados.) Já s. exa. fez n'este sentido declarações explicitas e categoricas. (Apoiados.)
Mas o que eu affirmo, e agora respondo ao illustre parlamentar, o sr. Julio de Vilhena, e que é facil, está-se bem, sente-se uma pessoa satisfeita e á vontade, quando, assumindo inteira e plena a responsabilidade dos actos que pratica, póde dizer que nas deliberações tomadas se conformou sempre com a opinião d'aquellas estações elevadissimas que a lei entendeu dever collocar junto do ministro, como boas conselheiras. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, ainda n'este ponto a asserção do illustre deputado e meu prezado amigo, o sr. Pedro Victor, carece, por inteiro, de fundamento; porquanto não é exacto que o programma do concurso fosse de exclusiva elaboração do nobre ministro das obras publicas; e isto é de facil prova, porque me basta ler á camara a portaria de 16 do dezembro de 1887:
«Sua Magestade El Rei ha por bem ordenar que a commissão especial que formulou as bases para o concurso das obras do porto de Lisboa, que examinou as propostas offerecidas n'esse concurso e que deu parecer sobre o projecto definitivo apresentado pelo adjudicatario das mesmas obras Pierre Hersent, informe circumstanciadamente sobre os seguintes quesitos:
«1.° Consequencias technicas e financeiras do artigo 8.° do decreto do concurso, e rasões que a levaram a propor esse artigo;
«2.° Relação do conformidade ou desconformidade do projecto apresentado com as clausulas geraes do concurso;
«3.° Estimativa orçamental dos muros de caes conforme o projecto approvado e o plano posto a concurso, e proporção do custo geral das obras com os lucros rasoaveis da empreza:
«O que se communica ao conselheiro director geral das obras publicas e minas para seu conhecimento e devida execução.
«Paço, em 16 de dezembro de 1887. = Emygdio Julio Navarro.
«Para o director geral das obras publicas e minas.»
Logo, foi esta commissão que tinha formulado as bases do concurso; e é ella propria que o corrobora, quando, satisfazendo ao determinado n'aquella portaria, responde:
«Ill.mo e ex.mo sr.- Por despacho de 16 d'este mez determinou s. exa. o ministro das obras publicas, que a commissão especial que formulou as bases para o concurso das obras ao porto de Lisboa, que examinou as propostas offerecidas n'esse concurso, e que deu parecer sobre o projecto definitivo apresentado pelo adjudicatario das mesmas obras P. H. Hersent, informe circumstanciadamente sobre os seguintes quesitos:
«1.° Consequencias technicas o financeiras do artigo 8.° do decreto do concurso, e rasões que levaram a commissão a propor esse artigo.
«2.° Relações de conformidade ou desconformidade do projecto apresentado com as clausulas geraes do concurso.
«3.° Estimativa orçamental dos muros de caes conforme o projecto approvado, e o plano posto a concurso, e proporção do custo geral das obras com os lucros rasoaveis da empreza.
«Antes de entrar no exame minucioso dos differentes quesitos sobre que tem de informar, entende que é conveniente resumir o que a similhante respeito consta dos documentos officiaes, pela maior parte já publicados, que têem relação directa com o processo do concurso adoptado para a execução das obras de melhoramento do porto de Lisboa, porque assim melhor se poderá apreciar este assumpto importante em tudo o seu conjuncto.
E termina nobremente:
«Do que deixa largamente exposto, a commissão tem a consciencia de haver escrupulosamente cumprido os seus deveres profissionaes, e aconselhado honradamente o governo nas differentes consultas que lho foram incumbidas, e com as quaes elle se tem conformado.
«Deus guarde a v. exa. Lisboa, 26 de dezembro de 1887. - Ill.mo e ex.mo sr. conselheiro director geral das obras publicas. = João Joaquim de Matos = Manuel Affonso de Espregueira = Adolpho Ferreira de Loureiro.»
Vê se, pois, que ainda no que se refere ao programma do concurso, o nobre ministro das obras publicas se conformou com as bases estabelecidas pela commissão especial, que era revestida de toda a auctoridade e tratou do acautelar da melhor fórma os interesses publicos. (Apoiados.)
Feitas estas considerações, passo agora ao exame da
a) Organisação do programma do concurso.
methodo que segui no estudo do programma do concurso foi o seguinte: examinei primeiro se todas as disposições da lei de 16 de julho de 1885 se achavam rigorosamente contidas no decreto de 22 de dezembro de 1886 e condições annexas; em seguida apurei quaes as disposições a mais existentes no programma do concurso, e quaes os motivos que aconselhavam a sua inserção.
Para mais clareza da minha exposição, vou apresentar em frente de cada artigo da lei as disposições que lhe correspondem no programma do concurso; d'este modo é facil ver quaes os preceitos da lei que não tiveram cabimento no programma, e quaes as disposições a mais que foram introduzidas.
Lei de 16 de julho de 1885
«Artigo 1.° É o governo auctorisado a adjudicar em hasta publica, precedendo concurso de noventa dias, a construcção das obras do novo porto de Lisboa, concernentes á l.ª secção do plano geral proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, comprehendendo caes marginaes, pontes girantes, docas de abrigo, de carga, descarga e reparação, machinismos e guindastes hydraulicos, caos fluctuantes e vias ferreas para serviço do mesmo porto, nos termos e em conformidade das seguintes bases:
«§ 1.º AS obras serão feitas por empreitada geral, segundo o projecto definitivo, que merecer a approvação do governo, tendo-se em attenção o plano de melhora-
Decreto de 22 de dezembro de 1886 e condições annexas
«Artigo 1.° É aberto concurso publico, pelo praso de noventa dias, para a construção, por empreitada geral, das obras para melhoramentos no porto de Lisboa, concernentes á 1.ª secção do plano geral proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883.
«§ 3.° O praso d'este concurso terminará no dia 26 de março proximo, ás duas horas datarde.
«Art. 2.° A natureza e construcção de todas as obras, de que trata este concurso, o fornecimento e installação das machinas, e os diversos serviços comprehendidos n'esta empreitada, serão conforme as condições que baixam com o presente decreto, assignadas pelo ministro e secre-
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mentos do porto, de Lisboa, proposto pela commissão nomeada em 16 de março de 1883, e approvado pela junta consultiva de obras publicas e minas. O projecto definitivo servirá de base ao respectivo concurso.»
tario d'estado das obras publicas, comercio e industria.
«Art. 5.º Durante o praso do concurso estarão patentes na 1.ª repartição de direcção geral de obras publicas e minas, e na secretaria da direcção das obras do porto de Lisboa, em todos os dias uteis, desde as onze horas da manhã até ás quatro da tarde, as peças desenhadas e escriptas seguintes:
«l.ª Planta geral das obras que constituem o plano definitivo dos melhoramentos no porto de Lisboa, que têem de ser executados, e sobre os quaes versa o concurso;
«2.ª Perfis longitudinaes seguindo o perímetro dos caes interiores e exteriores do referido plano;
«3.ª Perfis transversaes:
«4.ª Plano hydrographico e sondagens geologicas do terreno que se acharem effectuadas;
«5.ª Serie, dos principaes preços unitarios, pelos quaes devem ser regulados os pagamentos, parciaes a fazer ao empreiteiro, e as alterações do projecto, que eventualmente venham a sei ordenadas pelo governo no decurso das obras.»
«§ 2 ° O governo publicará o caderno do encargos e o programma do concurso, ao qual ninguem poderá ser admittido sem que tenha depositado na caixa geral de depositos titulos de divida publica portugueza interna ou externa, no valor real de 540:000$000 réis.
Á proporção que as differentes obras forem postas em serviço serão restituidos successivamente os titules de que trata este paragrapho, na rasão do que corresponder pelo seu preço no mercado á importancia de 5 por cento do valor das ditas obras.»
«Artigo 3.° Nenhum licitante será admittido ao concurso sem ter previamente depositado na caixa geral de depositos, á ordem do governo, a quantia de 540:000$000 réis em dinheiro, ou o valor correspondente em titulos da divida publica portugueza, segundo o seu valor no mercado, pela ultima cotação official da camara dos corretores.»
Condições:
ARTIGO 48.º
Levantamento do deposito definitivo
«O deposito definitivo sómente será levantado pelo empreiteiro depois de terminado o praso de garantia, e quando se tenha verificado por termo que as obras se acham bem conservadas e as machinas e apparelhos em condições de bom uso e exploração, em conformidade da segunda parte do § 2 ° do artigo 1.° da lei de 16 de julho de 1885, tendo tambem o empreiteiro cumprido todas as condições do seu contrato para com o estado e para com os particulares.»
«§ 3.° O praso para a construcção da l.ª secção das obras do porto de Lisboa será de dez annos.»
Condições:
ARTIGO 35.º
Praso para o começo dos trabalhos
«O empreiteiro dará começo aos trabalhos da construcção das obras da empreitada, dentro do praso de trinta dias, a contar da data da approvação do projecto.»
ARTIGO 36.º
Praso para execução e conclusão das obras
Todas as obras comprehendidas na empreitada estarão concluidas no praso de dez annos, a contar da data da approvação do projecto de execução.»
«§ 4.° O concurso versará sobre o preço das obras, o qual não poderá ser superior a 10.800:000$000 réis.
»Art. 4.º A base financeira para todas estas obras, seus accessorios e fornecimentos, e limite extremo da licitação, será a quantia de 10.800:000$000 réis.»
«§ 5.º O pagamento dos trabalhos executados será feito, parte em dinheiro, e parte em obrigações de 90$000 réis nominaes cada uma, vencendo juro de 5 por cento ao anno.
A parte em dinheiro comprehende:
a) O producto da venda dos terrenos, em conformidade com o que vae disposto no logar competente;
Condições:
ARTIGO 46.º
Pagamentos
«Os pagamentos ao empreiteiro serão feitos em prestações semestraes, correspondendo ao desenvolvimento dos trabalhos e a recepção dos materiaes na obra, e nos termos
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b) O producto do imposto de 2 por cento ad valorem sobre a importação geral, creado pela lei de 26 de junho de 1883, depois de abatida a parte que corresponde ao juro e amortisação das sommas despendidas no porto de Leixões;
c) A verba annual para melhoramentos do porto de Lisboa, inscripta no capitulo VI do orçamento do ministerio das obras publicas;
d) O producto da exploração directa, ou adjudicada, das docas e mais obras que se fizerem em virtude da presente lei.
A parte em obrigações será igual á differença entre as homilias pagas em dinheiro, e a importancia das obras executadas.
"§ 6.° As obrigações a que se refere o paragrapho antecedente, que o governo fica auctorisado a crear para este fim especial, serão tomadas, em pagamento das ouras pela empreza ao preço firme de 80$000 réis."
"§ 9.° A empreza obrigar-se ha a tomar pelo preço firme de 10$000 réis por metro quadrado de superficie, metade dos terrenos conquistados ao Tejo, por effeito das obras do porto, depois de deduzidos os que forem necessarios para as docas e para os usos publicos. O valor da superficie disponivel d'estes terrenos, dividido pelo numero de annos do periodo da construcção será encontrado como dinheiro em cada anno nas sommas que a empreza tiver a receber do estado."
dos §§ 5.º, 6.º e 9.º do artigo 1.º da lei de 16 de julho de 1885.
Do confronto singello das disposições transcriptas da lei e das suas correlativas no programma do concurso, se conclue que estas traduzem perfeitamente aquellas; e mais se inferir que:
1.º Não têem cabimento no programma do concurso os §§ 7.º, 10.° e 11.º do artigo 1.°, e o artigo 2.º e seu § unico, da lei de 16 de julho de 1885;
2.° Se acham no programma do concurso e não têem correlação explicita n'aquella lei as disposições constantes dos:
§§ 1.º e 2° do artigo 1.°, e artigos 6.°, 7.°. 8.°, 9.°, 10.°, 11.°, 12.º, 13.°, 14.°, 15.º, 16.°, 17.° e 18.° do decreto de 22 de dezembro de 1886;
Capitulos I a VIII das condições annexas, com excepção dos artigos 35.º e 36.º do capitulo IV, e artigos 46.° e 48.° do capitulo VI.
Vou dar as rasões das omissões, e justificar os acrescentamentos.
As disposições da lei omittidas no programma do concurso são as seguintes:
"Artigo 1.°
"§ 7.° Um syndicato nacional ou estrangeiro, cuja formação o governo poderá auctorisar, trocará aquellas obrigações por dinheiro corrente, mediante a commissão de 3 1/2 por cento sobre o nominal dos titulos. A empreza poderá, querendo, conservar em seu poder as ditas obrigações, auferir a mencionada commissão. que em qualquer das duas hypotheses será paga pelo governo.
"De todos os modos, porém, nem o syndicato, nem a empreza, poderão em tempo algum negociar nos mercados de Lisboa, Paris ou Londres aquellas obrigações, as quaes, por sorteio semestral, serão amortisadas dentro do praso maximo de quinze annos, a contar do decimo primeiro depois do começo da execução do contrato."
"§ 10.º Não apparecendo concorrente ao concurso aberto, nos termos d'este artigo, é auctorisado o governo a proceder á construcção da 1.ª secção das obras do melhoramento do porto de Lisboa, começando pelas mais necessarias e urgentes, e adjudicando, por empreitada geral, a construcção de cada obra, comtanto que o despendio annual não exceda a quantia resultante das seguintes verbas:
"a) Producto disponivel do imposto de 2 por cento ad valorem;
"b) A somma de 30:000$000 réis destinada no orçamento a melhoramentos do porto de Lisboa; e
"c) O producto da venda dos terrenos conquistados ao Tejo, e da exploração das obras feitas.
"§ 11.° O governo organisará as tarifas, taxas e tabellas respectivas á exploração dos melhoramentos do porto de Lisboa, fará os regulamentos competentes, e dará conta annualmente ás côrtes da importancia e qualidade das obras realisadas, das quantias despendidas e das receitas arrecadadas.
"Art. 2.° Todas as questões que por qualquer meio ou fundamento, possam mover-se ácerca dos terrenos conquistados ao Tejo, nos termos d'esta lei, serão deduzidas exclusivamente contra o estado e em nenhum caso contra a empreza, sendo nullos os processos que contra esta se intentarem ácerca dos ditos terrenos.
"§ unico. As sobreditas questões não poderão por qualquer mudo, e em caso algum, embaraçar as obras que se estiverem fazendo ou tenham de fazer-se, nos mencionados terrenos."
O § 7.° do artigo 1.° representava uma auctorisação de que o governo poderia usar, se o entende-se conveniente; não tinha, pois, que figurar no programma do concurso. Estava nas mesmas circumstancias o § 10.° do referido artigo pois que continha a norma de proceder que o governo deveria seguir, para a execução das obras, no caso do concurso ficar deserto. Finalmente, a materia do artigo 2.° e seu § unico, relativa ás questões que se podessem levantar ácerca dos terrenos conquistados ao Tejo, era para ser tomada em attenção pelo governo e pelos interessados n'esses terrenos. (Apoiados.)
Passo agora a justificar as disposições que se encontram a mais no programma do concurso; começo pelo decreto de 22 de dezembro de 1886, o tratarei em seguida das condições annexas.
Vou ler á camara os paragraphos 1.° e 2.° do artigo 1.°, e os artigos 8.º e 9.° d'aquelle decreto:
Artigo 1.º ...
"§ 1.º Será rasão do preferencia absoluta entre os liei-
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tantes, qualquer que seja o preço das suas propostas, o incluirem na construcção, e dentro da base financeira de 10.800:000$000 réis, as obras indicadas na planta e plano geral, agora approvados como definitivos, que decorrem desde o caneiro de Alcantara até Porto Franco, junto da cordoaria nacional.
«§ 2.° Será rasão de preferencia relativa, subordinada ao disposto no paragrapho antecedente, o incluírem na proposta para licitação, e dentro da mesma base financeira, a construcção de quaesquer outras obras complementares ou necessarias, de reconhecida utilidade publica, ou a cessão de vantagens importantes para o estado.
«Art. 8.° Cada proposta será acompanhada de uma memoria descriptiva em que seja summariamente indicado o systema de construcção que o proponente pretende adoptar para execução das obras, a natureza e processo de fundação dos muros de caes, e todos os mais esclarecimentos necessarios para a rigorosa apreciação da proposta.
«Art. 9.º O concorrente, a quem for adjudicada a empreitada, apresentará ao governo, no praso do noventa dias, a contar da data da adjudicação, o projecto completo para a execução de todas as obras, segundo o mencionado plano datado de 6 de dezembro corrente, que serve de base ao concurso, com os necessarios desenhos geraes, especiaes e de detalhe, e com todas as medições, calculou e justificação das disposições adoptadas e dos, systemas propostos, bem como a descripção de todas as machinas, edificios, pontes, portas, bateis-portas e diversos accessorios do projecto, indicados nas condições de que trata o artigo 2.° d'este decreto.»
Foi em torno dos paragraphos 1.° e 2.° do artigo 1.°, e dos artigos 8.° e 9.°, que se concentrou todo o ataque dos illustres deputados da opposição que têem tomado parte no debate, foi para ahi que fizeram convergir todas as suas objecções.
Dizem s. exas. em logar de haver uma unica, base de concurso, - ha quatro, e são:
Preço;
Preferencia absoluta:
Preferencia relativa;
Projecto, isto é, systemas de construcção.
Tal é a asserção feita pelos deputados d'esse lado da camara.
A minha resposta é que o programma não estabelece senão uma base de concurso. Essa base é o preço.
Na proposta de lei do sr. Aguiar é que se estabeleciam duas bases de concurso: o preço e o projecto completo. Aqui, serve de base ao concurso o projecto definitivo comprehendendo a ordenança geral das obras, e apenas os concorrentes têem de apresentar os systemas de construcção que se propõem adoptar.; mas não vae o governo escolher um systema, de preferencia a outro.
Uma vez que a junta consultiva de obras publicas e minas diga que os systemas são, acceitaveis, ficam elles em verdadeira igualdade perante o concurso, e não se discute se um é preferivel a outro, visto que ao empreiteiro pertence inteira a responsabilidade da segurança da construcção; e por mais que diversificam os systemas propostos, é o minimo do preço que determina a preferencia do empreiteiro.
A apresentação, por parte dos concorrentes, dos systemas de construcção que se propõem adoptar, constituo uma condição, e não uma variavel de concurso.
Não é admittido a licitar, o concorrente que não satisfaça e condição de apresentar o systema de construcção, como tambem o não é o que não tenha feito o deposito marcado, ou satisfeito qualquer outra clausula do programma do concurso ;mas sejam quaes forem os processos propostos, uma vez julgados admissiveis, isto é, que têem o merito absoluto, não se estabelece a preferencia relativa, e só o preço é que decide. E tanto foi esta a intenção do programma do concurso, que repare a camara na redacção dos artigos 8.° e 9.°
No artigo 8.° apenas se pede uma idéa geral dos systemas de construcção que o concorrente se propõe adoptar; pretende-se apenas possuir os elementos para se avaliar o systema de construcção é admissivel em absoluto. O artigo 9.° preceitua que, adjudicada a obra, o empreiteiro apresentará então no projecto de execução de trabalhos todos os detalhes, todas as circumstancia. emfim, que caracterisam o systema de construcção proposto. (.Apoiados.)
Ora, se taes systemas houvessem de determinar preferencia, e constituir nova base de concurso, não fôra consequencia necessaria que os concorrentes apresentassem no acto da licitação todas aquellas circumstancias e detalhes, que permittiriam estabelecer o confronto entre os diversos processos? (Apoiados.)
Permitta-me a camara que eu insista n'este ponto: o artigo 8.°, determinando que o empreiteiro tem de apresentar uma memoria em que summariamente se descreva qual o systema de construcção que se propõe adoptar, para a simplesmente, para ajunta poder julgar da sua admissibilidade, não constitue uma base de licitação, mas sim uma condição; é um documento, que, como outros que o programma indica, o concorrente tem de juntar á sua proposta de preço (Apoiados.)
Demais, os artigos 8.º e 9.º são a consequencia necessaria da proposição largamente demonstrada na primeira parte, de que o projecto que servisse de base, ao concurso não deveria comprehender os systemas de construcção. (Apoiados.)
Estamos, pois, reduzidos por emquanto a uma unica base: o preço.
Consideremos agora a preferencia relativa.
Esta não estabelece evidentemente uma base nova. Em igualdade de circumstancias será adjudicada a obra áquelle que offerecer maiores vantagens para o estado. É claro que o preço mais baixo decide a preferencia a dar ao empreiteiro; mas, se houver dois ou mais empreiteiros que, offereçam o mesmo preço, a qual d'elles deve ser adjudicada a obra, pois que não póde sel-o a todos ao mesmo tempo? (Apoiados.)
O programma do concurso determina que, em taes circumstancias, o seja áquelle que offerecer maiores vantagens para o estado. Tal preceito não estabelece nova base para o concurso; satisfaz, porém, a uma necessidade, qual era a de definir se o procedimento a seguir em caso de igualdade de preço, e representa um beneficio para estado. (Apoiados.)
Temos finalmente a questão da preferencia absoluta.
E a este respeito ouvi eu apresentarem-se aqui as hypotheses mais extraordinarias. Se bem me recordo, adduziu se o seguinte exemplo, ou outro perfeitamente analogo: dois individuos offerecem se fazer, as obras do porto de, Lisboa, um pela verba de 8.000:000$000 réis, mas não inclue na sua proposta as obras complementares, outro pela verba de 10.000:000$000 réis, mas comprehende na sua proposta aquellas obras. Dizem os illustres deputados da opposição: segundo o programma do concurso, a obra e adjudicada ao segundo individuo e não ao primeiro, o que, alem de inconveniente para o estado, deixa tudo ao arbitrio do governo.
Nada d'isto assim é, porque tal hypothese é inacceitavel. (Apoiados.)
As obras complementares a oeste do caneiro de Alcantara estão calculadas, segundo o orçamento do projecto Matos e Loureiro, em 427:884$000 réis. Ora, o § 1.° do artigo 1.º do programma do concurso preceituava que aquellas obras constituiam rasão de preferencia absoluta, dentro da base financeira da lei, 10.800:000$000 réis.
Qual era, pois, a conclusão?
Evidentemente a seguinte:
O empreiteiro que podesse fazer na sua proposta uma
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reducção do preço, em relação ao limite extremo de licitação (10.800:000$000 réis), de 427:884$000 réis, que tal era a importancia das obras complementares, como sabia perfeitamente do programma do concurso que estas contituiam rasão de preferencia absoluta, redigiria a sua proposta, promptificando-se a fazer as obras do porto de Lisboa e as complementares por 10.800:000$000 réis. O que podesse fazer uma maior reducção de preço, offerecer-se-ia realisar as obras do porto e as complementares por 10.800:000$000 réis menos a differença da importancia das obras complementares para o abatimento total que tinha a fazer. Finalmente, o empreiteiro que não podesse fazer uma reducção de preço igual ou superior a 427:884$000 réis, não incluiria na sua proposta as obras complementares, e o preço, que offereceria, seria 10.800:000$000 réis menos a quantia que podesse abater. (Apoiados.)
Logo, a inclusão das obras complementares na proposta representa um certo abatimento no preço; quem não faz taes obras é porque não póde realisar tão grande reducção no preço.
É, pois, o preço a unica variavel do concurso.
Tambem d'esse lado da camara se affirmou que não estava nas faculdades do governo a inclusão, no programma, das obras complementares.
Responderei: 1.° que as obras foram incluidas com caracter facultativo e não obrigatorio; 2.° que não ha disposição alguma na lei de 16 de julho de 1885, que se opponha a tal inclusão; 3.° que, antes preceituando esta lei que se tenha em attenção o plano de melhoramentos da commissão de 16 de março de 1883, n'este se dizia que, quanto possivel, se deveria construir a segunda secção das obras do porto de Lisboa, toda ou parte, ao mesmo tempo que a primeira.
Poderia eu apresentar ainda um argumento de auctoridade para esse lado da camara. É o distinctissimo engenheiro e homem de estado, o sr. Lourenço Antonio do Carvalho, quem no seu parecer, em separado, de 13 de dezembro de 1886, sobre o projecto Matos e Loureiro, aconselha que taes obras sejam incluidas como obrigatorias e não Como facultativa!. E é crivel que o notavel engenheiro aconselhasse o governo a proceder illegalmente? (Apoiados.)
Mas a inclusão das obras complementares ainda se justifica, e plenamente, por motivos ponderosissimos de ordem technica e de salubridade publica, que o nobre ministro das obras publicas já aqui poz a toda a luz da evidencia. (Apoiados.)
Foram as obras complementares um dos pontos para que os illustres deputados mais têem feito convergir os seus ataques, querendo por vozes significar que a clausula Correlativa se poderia traduzir em preferencias por um determinado empreiteiro. Tal observação cae á mais simples reflexão. Que systema é este de accusar preferencias por um determinado empreiteiro, obrigando-o a gastar, na execução d'aquelles trabalhos complementares, para que a obra lhe seja adjudicada, mais 400 e tantos contos, e isto ainda no caso de outro concorrente não offerecer maiores vantagens? (Apoiados.)
Era caso para se desejar que, sempre que houvesse empreitadas de obras, se accentuassem por este modo preferencias pelos empreiteiros. (Apoiados.)
De quanto fica dito, parece-me poder affirmar que se acham completamente justificados os §§ 1.° e 2.° do artigo 1.° e os artigos 8.° e 9.°, do decreto de 22 de dezembro de 1886, a que acima alludimos. (Apoiados.)
Os restantes artigos do decreto, ainda não considerados, são a traducção de disposições das clausulas geraes de empreitadas, e que é de uso seguirem-se em casos analogos.
Tratam elles respectivamente dos seguintes assumptos:
Art. 6.° Abertura das propostas no dia 26 de março, ás duas horas da tarde, com assistencia da commissão nomeada e do procurador geral da corôa e fazenda;
Art. 7.° Propostas em carta fechada, assignadas e reconhecidas;
Art. 10.° Prasos para começo e conclusão das obras, e para approvação do projecto de execução de trabalhos;
Art. 11.° Modo de formular as propostas;
Art. 12.° Documentos que devem acompanhar as propostas;
Art. 13.° Sobrescriptos que devem encerrar a proposta e os documentos;
Art. 14.° Modificações no programma do concurso;
Art. 15.º Termo especial de abertura das propostas;
Art. 16.° Aviso aos licitantes, resolvida a adjudicação;
Art. 16.° Faculdade de se não fazer a adjudicação quando a proposta não for julgada conveniente;
Art. 18.° Feita a adjudicação ou resolvido que a não ha, levantamento dos depositos livres.
Vou agora percorrer os differentes capitulos das condições annexas ao decreto de 22 de dezembro de 1886. D'este exame resulta que se acham respeitadas as clausulas e condições geraes de empreitadas, e garantida a boa execução das obras.
Comparei tambem estas condições com as estabelecidas no programma de Leixões, e d'este confronto resulta que ellas são mais vantajosas para o empreiteiro de Leixões do que para o das obras do porto de Lisboa.
Vejamos:
Capitulo I. - Define a natureza e o objecto da empreitada;
Exactamente como em Leixões.
Capitulo II.- Natureza dos materiaes;
Exactamente como em Leixões.
Capitulo III.- Recepção das obras;
Capitulo IV.- Prasos (para começo, conclusão e garantia das obras);
Nota-se n'este capitulo uma differença. Em Leixões resalvavam-se os casos de força maior, devidamente comprovados. Nas obras do porto de Lisboa nem esses, são exceptuados.
Capitulo 5.° Execução das obras;
Capitulo 6.º Depositos e pagamentos;
Capitulo 7.° Multas e penalidades;
Capitulo 8.° Obrigações diversas;
N'este ultimo capitulo, o artigo 64.°.dizia:
«O governo não concede isenção do imposto de entrada dos materiaes, machinas, apparelhos, utensilios ou quaesquer outros objectos importados com destino ás obras do novo porto de Lisboa, mas restituirá ao empreiteiro a importancia dos direitos recebidos, relativos aos objectos que forem reexportados, até expirar o praso de garantia.
O artigo 44.°, correspondente no programma das obras de Leixões, dizia:
«Serão isentos do pagamento de direitos de Importação os materiaes destinados á construcção, que, como taes, são especificados no mappa que acompanha as presentes condições e nas quantidades que n'elles se indicam.
N'este mappa, entre outros materiaes, notavam-se:
«Cimento Portland 30:000 toneladas
«Madeira 15:000 metros cubicos
«Ferro 18:000 kilogrammas
«Carvão 3:000 toneladas
«Todos os apparelhos, machinas, utensilios, etc., necessarios para a execução dos trabalhos.
Vê bem v. exa., sr. presidente, a grande differença que ha, n'este capitulo, entre o programma das obras do porto de Lisboa e o das obras do porto de Leixões.
Só o facto de não serem restituidos os direitos senão aos apparelhos, machinas, etc. que forem reexportados, representa uma verba avultadissima contra o empreiteiro das obras do porto de Lisboa, o que não succedia em Leixões.
De facto, durante o tempo de dez annos, que tal será o periodo de execução d'aquellas obras, e mais tres annos
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que é o praso de garantia durante o qual o empreiteiro terá de responder pela sua conservação, muitos serão os apparelhos, ferramentas, machinas, etc. que se deteriorarão.
Acontece ainda que pela propria natureza do trabalho, muitos dos apparelhos se estragarão rapidamente; estão n'este caso, por exemplo, as dragas, que se deterioram extraordinariamente; e d'estas haja umas poucas fundeadas no Tejo, que representam uma quantia avultadissima. (Apoiados.)
Os materiaes a empregar nas obras, que em Leixões eram isentos de direitos, não o são em Lisboa, o que representa uma outra verba importantissima contra o empreiteiro d'estas ultimas obras. (Apoiados.)
Póde, pois, dizer-se que o programma do concurso das obras do porto de Lisboa foi organisado, tendo-se em attenção a lei de 16 de julho de 1885, as clausulas e condições geraes de empreitadas e os preceitos geralmente seguidos em casos analogos. (Apoiados.)
O exame do mesmo programma mostra que muito cautelosamente se garantiram os interesses publicos, e que as suas condições são mais favoraveis para o estado do que o eram as correspondentes no programma das obras do porto de Leixões. (Apoiados.)
Segue-se agora ver, segundo a ordem que estabeleci, se o programma de concurso teve a devida publicidade. Não insistirei sobre este ponto, porque nem sequer foi elle contradictado. Com effeito, alem da publicidade que é uso ter-se em todas as empreitadas, n'este caso, como convinha pela importancia da obra, foram o respectivo programma e condições annexas traduzidos em francez e mandados para differentes paizes, a fim de tornar conhecido lá fóra o importante concurso que ia realisar se, e chamar a concorrencia do maior numero possivel de empreiteiros. (Apoiados.)
Tambem da exposição, que eu fiz á camara, das differentes clausulas do concurso, resulta o facto da sua completa clareza, e, conseguintemente, que todos os empreiteiros se achavam em perfeita igualdade para licitarem Que os systemas de construcção ficavam completamente livres á proposta e iniciativa dos concorrentes, nenhuma duvida offerecia. Dizia-o explicitamente o já citado artigo 8.° do decreto de 22 de dezembro de 1886; tambem claramente o explanava a memoria do projecto Matos e Loureiro, a qual foi presente ao concurso. E, como se tudo isto não fosse sufficiente, o desenho n.° 4, em que vinham os perfis typos, trazia a seguinte:
«Observação. - O systema de construcção indicado n'estes typos de secções transversaes dos muros é facultativo, podendo os concorrentes propor outros systemas que serão adoptados se forem approvados pelo governo.»
Tambem eu vi fazer-se aqui um pouco de espirito com o facto do nobre ministro das obras publicas encarregar o distintissimo engenheiro o sr. João Joaquim de Mattos, inspector de engenheria, de prestar quaesquer esclarecimentos de que os concorrentes carecessem para a redacção das duas propostas.
Este, como varios outros pontos do segundo periodo, que estou considerando, já aqui foram largamente tratados, e respondidas completamente todas as objecções. Não careço, pois, de alongar as minhas considerações; e direi apenas que reputo tal medida muito conveniente como meio seguro de augmentar a concorrencia dos empreiteiros e facilitar-lhes a redacção das suas propostas. De resto é processo seguido lá fóra em todas as empreitadas.
Passo agora a occupar-me do
b) Concurso
O concurso das obras do porto de Lisboa realisou se no dia 26 de março de 1887, ás duas horas da tarde.
Aberto o concurso, apresentaram-se dois concorrentes, os srs. William Reeves, e A. Maury como representante de Pierre Hildenert Hersent; mas não tendo o sr. Reeves formulado proposta e pedindo alterações ao programma do concurso, ficou unicamente a proposta da sr. Hersent.
Os srs. Duparchy e Bartissol enviaram um officio, em que diziam que, só sendo melhoradas as condições do concurso, que apresentariam a sua proposta.
Todos estes documentos foram remettidos á commissão especial, encarregada de examinar o processo do concurso, nomeada por portaria de 28 de março de 1887.
Compunha-se esta commissão dos distinctos engenheiros os sr. inspectores João Joaquim de Mattos e Manuel Affonso de Espregueira, e do sr. Adolpho Ferreira de Loureiro. Deu ella parecer em 5 de abril de 1887, concluindo por dizer que a proposta do empreiteiro Hersent estava nas condições de ser acceite, com excepção da obra que offerecia executar como motivo de preferencia relativa, e que era a construcção de um caminho de ferro de via reduzida entre Lisboa e as proximidades de Belem com a faculdade de o prolongar até Cascaes.
As rasões de todo o ponto ponderosas que a commissão apresentava para não ser acceite esta obra eram, alem da questão de legalidade, pois que se podia considerar tal caminho de ferro como um ramal das linhas já concedidas; 1.° o ser de via estreita, que era inconveniente por causa da sua ligação com as Outras linhas; 2.° ficar dependente do empreiteiro poder, ou não, prolongal o, e quando quizess até Cascaes.
A junta consultiva de obras publicas e minas, a que foram enviadas todas as peças do processo, consultou no sentido de ser acceite a proposta do sr. Hersent, conformando-se assim com o parecer da commissão especial. Assigna aquella consulta, entre outros engenheiros, o sr. Lourenço Antonio de Carvalho.
Tendo o empreiteiro William Reeves protestado contra algumas suppostas irregular idades havidas no concurso, determinou tambem o nobre ministro das obras publicas que fosse ouvida a procuradoria geral da corôa e fazenda. A consulta d'esta estação tem a data de 9 de abril de 1887; é firmada pelo procurador geral da corôa e fazenda, o sr. conselheiro Antonio Cardoso Avelino, que fóra presente ao concurso. É elle que diz na consulta:
«Do exposto resulta que o protesto de Mr. Reeves é infundado e não tem valor juridico para annullar, por contrario ao programma, leis e regulamentos, o processo do concurso.
«Devo advertir que a proposta de Mr. Hersent está redigida e formulada nos precisos termos do artigo 11.° do programma de 22 de dezembro de 1886.»
E mais abaixo continuava:
«O processo está valido. E o protesto não o póde invalidar e annullar, por ser infundado e não conforme a direito.»
E terminava:
«Com este parecer se conformou unanimemente a conferencia dos fiscaes superiores da corôa e fazenda.»
Foi conformando-se com os pareceres unanimes da commissão especial, da junta consultiva de obras publicas e minas, e da procuradoria geral da corôa e fazenda, que o nobre ministro das obras publicas, em vista da resolução do conselho de ministros, determinou que ao empreiteiro Pierre Hildenert Hersent fossem adjudicadas as obras do porto de Lisboa.
Antes de continuar, vou, comtudo, responder a algumas objecções que ouvi aqui formular contra a regularidade de certos actos do concurso.
O meu amigo e illustre deputado, o sr. Pereira dos Santos, pretendeu insistir em que a proposta Hersent não vinha formulada em termos bastante explicitos, e que, fazendo parte d'ella a memoria descriptiva e justificativa dos meios de construcção propostos pelo empreiteiro, onde veem de-
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scriptas as obras complementares, era intenção d'elle que a sua proposta abrangesse estas obras.
A resposta já aqui foi dada antecipadamente, e eu limitar-me hei a fazer notar á camara que a proposta Hersent está redigida nos precisos termos do programma do concurso. A unica obra complementar que o proponente offerece e se obriga a construir é a que consta da sua proposta, isto é, o caminho de ferro.
Se na memoria veem descriptas as obras complementares a oeste do caneiro de Alcantara, é porque o empreiteiro tencionava fazer ácerca da sua construcção uma nova proposta ao governo; mas, informado de que não seria valida a sua proposta desde que contivesse alterações ao programma do concurso, deixando ficar na memoria a descripção, limitou-se unicamente na sua proposta às obras do porto de Lisboa.
Para se ver que a memoria descriptiva e justificativa dos meios do construcção nada tem que ver com a proposta, basta notar que são duas pecas completamente separadas; o proprio artigo 8.° do decreto de 22 de dezembro de 1886, indica que a memoria acompanha a proposta como os outros documentos que nos artigos subsequente; são mencionados. (Apoiados.)
Tambem na alludida memoria o empreiteiro faz differentes considerações e indica mesmo algumas alterações ao projecto definitivo, que reputa de vantagem; são apenas observações que não obrigam da parte do governo á sua acceitação, e as modificações que de futuro venham a fazer-se, quer o governo as determine, quer as acceite sob proposta do empreiteiro, têem de ser reguladas segundo as clausulas geraes de empreitadas, isto é, pagando-se ou descontando-se os trabalhos a mais ou a menos. (Apoiados.)
No projecto Matos e Loureiro, que serviu de base ao concurso, o systema de fundações, apresentado como uma hypothese possivel, era, parte por meio do ar comprimido, em caixões, como em Anvers. parte com blocos artificiaes, como em Trieste.
Na proposta apresentada pelo empreiteiro Hersent, conservando-se o processo do ar comprimido, foi adoptado para 8:118 metros de cães o systema de construcção dos alicerces, consistindo em pilares de alvenaria de cimento de Portland, tendo 4 metros de largura e 6m,5 de espessura media, espaçados entre si de 8 a l0 metros, sobre os quaes assenta o caes continuo, disposto inferiormente em abobadas abatidas a 1/8.
Este systema de construcção não era completamente novo. Já a commissão nomeada em 16 de março de 1883 indicava um systema de construcção analogo a este como muito conveniente para o porto de Lisboa, em virtude das grandes profundidades de lodo.
Na memoria do projecto Hersent, presente ao concurso de projectos, realisado em l de fevereiro de 1886, diz-se o seguinte:
«La résistance permet de considérer, comme suffisament forts, les murs qui ont en largeur, à la base, la moitié de la hauteur de poussée et, en moyenne, une épaisseur qui soit le tiers de cotte hauteur. Pour les murs qui sont. à construire sur le terrain solide, à de petites profondeurs, nous sommes dans ces limites et nous croyons que rien n'est à redouter à leur sujet; mais pour les parties où lê rocher est trés bas et oú, pour cette raison, on ne pourra pas y faire reposer la fondation, la situation sera tout à fait differente. Nous ne croyons pas necessaire de faire a ce sujet ni théories, ni démonstrations, parce qu´un élément important fait défaut.
«Il nous a paru plus rationnel de nous inspirer drs faits qui se sont produits, dans cos dernières nnnées, pour des ouvrages similaires, à Bône, à Brost, à Anvers, à Marseille et à Trieste.
«Dans tous les murs à claire-voie que nous avons construit, la stabilité à été absolue et nous croyons que cette disposition en est la meilleure garantie. A Anvers, quoique le sol fut bon et la maçonnerie soignée, on a vu se produire après trois années un petit mouvement sur un point de la première section.
«Nous croyons qu'en raison de la nature du sol, accusée par les sondages, on doit donner la préférence anx murs de quai à claire-voie, aussi bien pour les parties où le terrain est solide que por celles où le sol parait manquer de résistance; dans ce dernier cas, il faudrait l'améliorer en faisant des enrochements, en avant comme en arrière des murs.
«Dans les parties ou le rocher est à de grandes profondeurs, c'est-à-dire, au dela de 18 mètres, sous zéro, et ou par économie, on devra bâtir la fondation sur un terrain moins résistant, le procédé de construction sera le meme, mais on remplira, prealablement, la rainure draguée avec des enrochements des deux côtés du mur. Au côté de laccostage des navires, cet enrochement sera arrasé à 8m,50 sous zéro et sera composé des pierres les plus lourdes; du côté des terres il émergera jusqu'à la haute mer, de façon à former un véritable cavalier en arrière du mur.»
Vê-se, pois, que já era conhecido o systema de fundações em arcadas.
Tal systema de construcção justifica-se, porque a disposição em arcadas permitte o movimento dos terrenos vasosos que o muro de caes supporta, sem que sobre elles se exerça uma pressão tão consideravel, constituem verdadeiras valvulas de segurança.
No volume dos Annaes de pontes e calcadas, relativo ao mez de outubro de 1887, deparou-se me uma noticia que prova bem as vantagens d'aquelle systema de fundação.
Na construcção de um muro de caes, de 1:600 metros de extensão, na margem esquerda do Garonne adoptou-se uma serie de abobadas de 12 metros de abertura, em arcos de circulo com flechas de uma polegada. Estas abobadas repousam sobre pilares fundados por meio do ar comprimido. O que ha de notavel n'este facto, é que são os proprios engenheiros do governo que propozeram este systema como mais conveniente.
Fica d'este modo motivada a acceitação do systema de fundações proposto pelo engenheiro Hersent, ao mesmo tempo que justificada a resposta nada pela maioria da commissão de inquerito ao quesito formulado sobre este ponto.
Não desconheciam os engenheiros que elaboraram o projecto definitivo este systema de fundações, mas ficando estas livres á proposta e iniciativa dos concorrentes, entenderam mais conveniente apresentar como hypothese possivel e base do calculo um systema mais conhecido e mais geralmente empregado
É agora occasião de responder a alguns reparos que têem sido apresentados aqui, e que podem á primeira vista produzir impressão, sobretudo em quem não é versado em trabalhos d'esta ordem.
Dizem os illustres deputados da opposição: o orçamento do projecto Matos e Loureiro era da importancia de réis 10.800:000$000, comprehendendo as obras complementares a oeste do caneiro de Alcantara; ora, o empreiteiro não se prestou a fazer aquelles obras, logo devia-lhe ser descontada a importancia delias, isto ó, 427:884$000 réis, quando é certo que o empreiteiro só fez o abatimento de 10:000$000 réis, pois as obras lhe foram adjudicadas por 10.790:000$000 réis.
Outro argumento apresentado por s. exas., da mesma ordem que este, é o seguinte: o orçamento do projecto Matos e Loureiro foi feito na hypothese de um determinado systema de fundações; mas o empreiteiro propoz e foi-lhe acceite outro que representa uma certa economia sobre aquelle; logo, tambem esta economia devia ser abatida, o que não succedeu.
E, assim concluem os illustres deputados, o governo fez
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a concessão, de dois beneficios importantes ao empreiteiro; ou então o orçamento do projecto Matos e Loureiro estava errado.
Nem uma cousa, nem outra. Nem o estado concedeu beneficios de ordem alguma ao empreiteiro, nem o orçamento estava errado. (Apoiados.)
O reparo feito por s. exas. provém de duas causas: l.ª, de não se ter feito um estudo circumspecto e conveniente mente detalhado do orçamento do projecto; 2.ª, de se não ter uma noção exacta do que seja uma empreitada à forfait absoluto. (Apoiados.}
O exame das differentes peças do orçamento do projecto Matos e Loureiro mostra,- e terei occasião de apresentar isto claramente á camara quando tratar da parte financeira,- que elle está feito muito baixo, e a tal ponto, que os empreiteiros Duparchy e Bartíssol, no officio que dirigiram ao presidente da commissão do concurso, declaravam não ser possivel executar as obras do projecto com os preços fixados. Da mesma opinião se apresentava o sr. Reeves.
Por outro lado, n'uma empreitada à forfait absoluto, deixa-se ao empreiteiro a liberdade dos systemas de construcção, fixando-se um limite extremo de licitação; e os concorrentes tratam de fazer o maior abatimento que podem no preço, tendo em vista os processos de construcção que propõem e os recursos de que dispõem.
Os engenheiros que elaboraram o projecto definitivo conheciam muito bem o systema de fundações apresentado pelo adjudicatario, como sabiam que outros muitos havia; e foi por isso, e attendendo á circumstancia de que os grandes empreiteiros dispõem de larga pratica e experiencia, de pessoal adextrado e de poderosos elementos de trabalho que podem concorrer muito para o barateamento da obra que propositadamente organisaram o orçamento muito baixo, mettendo dentro d'elle a maior quantidade de trabalhos, a fim de poderem obter na execução d'estes e em beneficio do estado o resultado de todos os recursos que os empreiteiros possuem. (Apoiados.)
A praça veiu demonstrar que, tendo-se obtido muito, era impossivel ir alem. Repare a camara, na mais que exigua verba que no orçamento se destinava para despezas de administração e imprevistos! Esta verba addicionada com a das obras complementares ainda ficava inferior á que usualmente é destinada a uma só d'aquellas parcellas. (Apoiados.)
E aqui tem tambem o sr. Pedro Victor a rasão por que a commissão especial não deu parecer sob o ponto de vista financeiro, e não porque fosse preciso para isso que o nobre ministro lh'o solicitasse.
Não deu parecer sob, este ponto de vista, porque não tinha que dal-o, nem devia dal-o. Era uma empreitada á forfait absoluto, e o orçamento estava elaborado para attender ás redacções provenientes dos differentes systemas de construcção. (Apoiados.)
Não me consta que seja costume pedir especialmente a opinião da junta ou d'uma commissão sob o ponto de vista financeiro. Claro está que o engenheiro não póde fazer juizo seguro sem esto elemento de apreciação; já aqui me referi a este ponto, abonando-me até com a opinião do meu amigo o sr. Pereira dos Santos.
E que esta era tambem a opinião da commissão, não me resta duvida alguma. Quer a camara saber como se expressava um dos membros da mesma commissão sobre tal assumpto? Vou ler á camara um trecho do relatorio do sr. Adolpho de Loureiro ácerca dos diversos projectos do porto de Leixões:
«É tambem certo que não deveria a commissão limitar-se a tratar da questão technica; a economica não é menos para ser attendida, muito especialmente quando se trata de obras da natureza das que exige o commercio e a navegação. Como todos reconhecem, compete naturalmente o engenheiro a apreciação das condições economicas da obra que tem de projectar, porque não basta para a sua adopção que seja technicamente exequivel, senão tambem economicamente proveitosa.»
E, para terminar esta parte, vou lembrar ao meu bom amigo o sr. Pereira dos Santos, que tão esquecido me parecia, quando calorosamente affirmava que á verba de réis 10.790.000$000, por que as obras foram adjudicadas, deviam ser subtrahidas as quantias que representavam as obras a oeste do caneiro de Alcantara, e a reducção do custo proveniente do novo systema de fundações; vou lembrar a s. exa. que 30.802:000$000 réis era a verba por que a commissão de 16 de março de 1883 orçava as obras da primeira secção do porto de Lisboa, sem obras complementares a oeste do caneiro de Alcantara, e com as fundações em arcadas, como o empreiteiro Hersent propoz e lhe foi acceite.
E o illustre deputado, que n'uma das sessões passadas tão pressurosamente interrompeu o nobre ministro das obras publicas para lhe lembrar que tal orçamento fôra feito por aquella commissão, é s. exa. mesmo que, breve trecho atacando o governo, esquece aquelle facto! (Muitos Apoiados.)
Passo agora a examinar a
c) Adjudicação das obras
O termo de adjudicação das obras do porto de Lisboa ao empreiteiro Hersent foi lavrado aos 20 de abril de 1887.
Este termo de contrato acha-se em condições analogas ao que é praxe seguida em trabalhos d'esta natureza.
Foram transcriptas n'elle as disposições do decreto de 22 de dezembro de 1886, que tinham ainda applicação, de futuro, e todas as condições annexas ao mesmo decreto.
Poderá causar reparo que se tivessem transcripto na integra todas estas condições, quando é certo que a parte que se referia ás obras complementares a oeste do caneiro de Alcantara já não tinha applicação ao caso.
Responderei que o facto do se terem transcripto todas as condições verbo ad verbum, mostra bem que se quiz que o empreiteiro ficasse obrigado exactamente a todas as clausulas estabelecidas no programma do concurso, salvaguardou-se, porém, no preambulo convenientemente, que taes obras complementares não faziam parte do contrato.
Limito aqui as minhas considerações porque nada se objectou a tal respeito.
De quanto fica exposto, parece-me concluir que tambem no segundo periodo das obras do porto de Lisboa se nota, por parte do governo, o rigoroso cumprimento da lei e o desvelado zêlo pelos interesses publicos.
A camara dirá se consegui, ainda n'este periodo, demonstrar tal proposição. (Apoiados.)
Tambem n'este segundo periodo, como no primeiro, se suscitou uma questão incidental, que, embora relacionada com a dos melhoramentos do porto de Lisboa, de modo algum fôra necessario tratar aqui para maior clareza ou melhor intelligencia d'aquella. Refiro-me á concessão feita á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.
Visto, porém, que d'ella se occupou largamente, e sob todos os seus aspectos, o meu prezado amigo o sr. Pereira dos Santos, e que o illustre parlamentar o sr. Julio de Vilhena lhe dedicou tambem uma das partes mais importantes do seu discurso, encarando a pelo lado da legalidade, - e a tal ponto que julguei, por vezes, que não era a questão dos melhoramentos do porto de Lisboa que se estava discutindo aqui, mas a concessão feita á companhia real; vou eu tambem apresentar á camara algumas considerações sobre o assumpto, contradictando as affirmações feitas por s. exa., tão precisas, a meu ver, de solidos argumentos que as fundamentem.
O adjudicatario das obras do porto de Lisboa, Pierre Hildenert Hersent, na sua proposta, que foi presente ao concurso realisado em 26 de março de 1887, offerecia, como condição de preferencia relativa, nos termos, do § 2.º do
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artigo 1.° do decreto de 22 de dezembro de 1886, construir gratuitamente um caminho de ferro de via reduzida entre Lisboa e as proximidades de Belem, com faculdade de o prolongar até Cascaes.
O governo, como eu já disse, conformando se com o parecer das suas estações technicas, e por motivos que são obvios, não acceitou aquelle offerecimento, de que, aliás, o proponente não fazia condição necessaria para a acceitação da sua proposta.
A companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, ao saber do offerecimento feito na proposta do adjudicatario Hersent, em requerimento dirigido ao ministerio das obras publicas, com data de 30 de março de 1887, protestava contra tal concessão, considerando-a como attentatoria dos direitos resultantes dos seus contratos.
No mesmo requerimento, a companhia, reclamando para si aquella concessão, como tambem a exploração da linha ferrea marginal do Tejo, entre Santa Apolonia e Alcantara, depois de concluidas as obras do porto, offerecia a cessão de vantagens importantes, tendentes a operar em curto praso a transformação economica da capital; e não pedia, por isso, subvenção, garantia de juro ou qualquer subsidio, fiando unicamente do desenvolvimento da riqueza geral o augmento de receita das suas linhas.
O governo resolveu o pleito com a publicação do alvará de 9 de abril de 1887.
Por este alvará o governo concedeu á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes auctorisação:
1.° Para explorar a linha ferrea directa, que, concluidas as obras da primeira secção dos melhoramentos do porto de Lisboa, constituirá a ligação marginal das duas estações actuaes da capital, denominadas do Caes dos Soldados e de Alcantara;
2.° Para construir e explorar a continuação d'esta linha por Belem até Cascaes.
As obrigações correlativas que impendiam á companhia, e constituiam as vantagens cedidas ao estado, eram:
a) A construcção da linha de Cascaes, na parte comprehendida entre o caneiro de Alcantara e aquella villa;
b) A construcção da linha urbana, dupla via em tunnel, que ligue uma estação centra] para passageiros e mercadorias nas proximidades da praça de D. Pedro com a linha de Lisboa a Cintra e Torres vedras no valle de Alcantara, proximidades do aqueducto das aguas livres, sem passagem de nivel em rua alguma de Lisboa;
c) A rectificação da margem direita do Tejo desde o caneiro de Alcantara até Porto Franco, e d'aqui até Belem, como obras complementares das do porto de Lisboa;
d) O ensoleiramento e cobertura do caneiro de Alcantara entre a estação d'este nome e a futura desembocadura no Tejo;
e) A construcção, nas proximidades de Alcantara, de uma doca de abrigo para pequenas embarcações, com superficie não inferior a lh,50 e cora um fundo á cota minima de 2 metros abaixo do zero hydrographico;
f) O transporte gratuito, em todas as linhas a que se refere a concessão, das ambulancias postaes e dos empregados que manipularem as correspondencias, ou, quando não houver ambulancias, das malas de correspondencia publica e dos seus conductores, e bem assim do pessoal do ministerio das obras publicas, em serviço de inspecção e fiscalisação, e outro que o respectivo ministro designar;
g) A admissão para escola pratica, nos serviços de exploração e reparação, tanto dos ramaes, como das outras linhas que á companhia pertencem ou venham a pertencer, do pessoal da companhia militar de caminhos de ferro.
Ainda o alvará concedia á companhia a construcção, no caso de lhe convir, de um ramal, que ligue o de Lisboa a Cascaes com a linha de Lisboa a Cintra.
Conclue se do que fica dito, que as receitas immediatas da companhia serão as que lhe provenham da exploração dos ramaes construidos; e os encargos resultarão da construcção das mesmas linhas com todos os seus pertences incluindo o estabelecimento de uma linha telegraphica ao longo de todas ellas, e das obras a que se referem as alineas c, d e e.
As vantagens do estado traduziam-se na construcção d'aquellas linhas, valiosissimo factor do desenvolvimento economico da capital, na realisação das obras da secunda secção dos melhoramentos do porto de Lisboa e das do caneiro de Alcantara, e na obtenção de alguns outros resultados, taes como aquelles a que se referem as alineas f e g.
E, em troca de tudo isto, o governo apenas entregava á companhia a exploração de proximamente 5 kilometros de via ferrea marginal, que, ao preço maximo kilometrico de 3:000$000 réis, para assentamento de via, representavam 15.000$000 réis. E digo apenas para assentamento de via, porque as terraplenagens tinham de ser feitas por causa das obras do porto, e não por motivo especial da construcção da linha.
Havia, finalmente, uma clausula no alvará, que, se podia ser de vantagem para a companhia, tambem o era para o estado. Estabelecia-se que ficassem na posse e dominio perpetuos da companhia, com faculdade de livre transmissão, os terrenos conquistados ao Tejo, em virtude da construção das obras da segunda secção; mas d'elles seriam, primeiramente, cedidos ao estado os necessarios para o serviço do rio e para a abertura de uma avenida da largura de 30 metros em toda a extensão da margem conquistada, e mais a superficie de 2 hectares entre Alcantara e Porto Franco e 4 hectares entre Porto Franco e Belem, separados ou reunidos, á escolha do governo.
Devo notar ainda que á companhia ficava o encargo das expropriações e indemnisações necessarias para a ligação da linha marginal do Tejo, na primeira secção, com a estação de Alcantara, as quaes não faziam parte da empreitada das respectivas obras.
Está posta a questão. Podemos, pois, analysal-a e resolvel a. (Apoiados.)
O meu prezado amigo, o sr. Pereira dos Santos, atacou a concessão feita por alvará de 9 de abril de 1887, principalmente sob dois pontos de vista: o da sua legalidade é o da sua conveniencia.
Disse s. exa. que essa concessão nem fôra legal, nem fôra conveniente.
Sr. presidente, eu espero poder demonstrar, ao avesso do que affirmaram aqui os illustres deputados da opposição, que a concessão foi legal e foi conveniente. (Apoiados.)
Podia ter sido legal, isto é, caber dentro das faculdades do executivo, e comtudo não ser conveniente.
Podia, pelo contrario, ser de reconhecida vantagem, e não estar nas attribuições do governo fazel-a sem previamente consultar os corpos legislativos.
N'este caso, porém, reunem-se as duas condições; e a concessão, ao mesmo tempo que é legal, é tambem de manifesta conveniencia. (Apoiados.)
Tratemos primeiro da questão de legalidade; e vejamos qual é a legislação applicavel ao caso sujeito.
Os artigos 33.° e 34.º do contrato de 14 de setembro de 1859, approvado pela carta de lei de 5 de maio de 1800, e referente á construcção e exploração do caminho de ferro do norte e leste, dizem o seguinte:
«Art. 33.° Concede mais o governo á mesma em preza a faculdade de construir todos os ramaes que possam alimentar a circulação das linhas concedidas por este contrato, precedendo o respectivo contrato especial com o governo, e sem que este, pela dita construcção, lhe pague subsidio algum ou lhe garanta qualquer beneficio.
«Quando, porém, o governo julgar necessario construir alguns d'esses ramaes, e a empreza se não prestar a isso, o governo reserva-se muito expressamente o direito de os construir ou de contratar a sua construcção com qualquer empreza nos termos que lhe approuver.
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«Art. 34.º O governo não poderá conceder, durante o tempo d'esta concessão, linha alguma parallela ás que fazem objecto do presente contrato, sem consentimento da empreza, excepto quando a distancia entre essa linha o esta fôr superior a 40 kilometros.
Aquelle contrato foi celebrado entre o sr. Serpa Pimentel, ministro das obras publicas, como representante do governo, e D. José de Salamanca, como concessionario do caminho de ferro de Lisboa ao Porto e de Lisboa á fronteira de Hespanha.
Do artigo 33.° deduzia-se: que a companhia concessionaria tinha a faculdade de construir todos os ramaes das linhas de norte e leste; e que, para esse fim, o governo podia firmar contratos especiaes com ella, mas sem lhe dar subsidio algum ou garantir-lhe qualquer beneficio.
Para o governo fazer, pois, a concessão de qualquer linha nos termos d'ete artigo, eram necessarias duas condições: primeira, que a linha fosse ramal; segunda, que se não desse beneficio ou subsidio algum. (Apoiados.}
O artigo 34.° definia a zona de protecção, isto é, preceituava que o governo não poderia conceder, dentro de uma determinada zona, a construcção de qualquer linha parallela ás já mencionadas; e fixava essa zona de protecção em 40 kilometros.
O decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1864, sobre a construcção e exploração de caminhos de ferro, preceituando que o governo era obrigado a vir ao parlamento pedir auctorisação para construir ou explorar uma linha, quer, directamente, quer por contrato com algum individuo ou companhia, exceptuava precisamente o caso a que me venho referindo, qual era, a construcção dos ramaes das linhas contratadas, uma vez que d'ahi não adviesse encargo para o thesouro.
Passo a ler á camara a parte d'aquelle decreto que se refere ao assumpto de que estou tratando.
«Artigo 2.° Nenhum caminho de ferro póde ser construido nem explorado, quer directamente por conta do estado, quer por contrato com algum individuo particular, sociedade ou companhia, som lei que no primeiro caso auctorise o governo e no segundo approve e confirme o contrato.
«§ 1.° Exceptuam-se:
«1.° Os ramaes das linhas contratadas, sendo a sua construcção e exploração ajustada com as mesmas clausulas e condições do respectivo contrato, ou com outras, mas sem encargo para o thesouro;
«§ 2.° Em qualquer dos casos do § 1.° as condições de construcção e exploração serão definitivamente fixadas pelo governo, de accordo com a empreza.»
Aqui temos, pois, duas disposições perfeitamente claras e perceptiveis a affirmarem que é da alçada do executivo à concessão de uma linha a uma companhia, uma vez que tal linha se possa considerar como ramal das que haviam sido contratadas, e a sua concessão se faça sem encargo para o thesouro. (Apoiados.)
Dil-o o contrato primitivo approvado por uma lei, preceitua o mais tarde-o decreto com força de lei de 31 de dezembro de 1864, quando, estabelecendo principio geraes sobre a materia, confirma o que n'aquelle contrato se tinha salvaguardado. (Apoiados.)
E não ha, posteriormente, legislação de caminhos de ferro, que revogue a citada, na parte de que se trata. (Apoiados.)
Se, pois, eu demonstrar que a linha de Cascaes é, como no alvará se affirma, um ramal da de leste, e que a sua concessão foi feita sem encargo para o thesouro, tenho provado que o governo procedeu legalmente. (Apoiados.)
A linha de Cascaes, em relação á de leste, ou é prolongamento, ou é ramal, ou é linha independente.
Será prolongamento?
Vou demonstrar que não. E, para isto, basta-me notar o facto, de per si mesmo evidente para todos, de que Lisboa é economica e commercialmente o terminus da linha de norte e leste. (Apoiados.)
Porque uma linha segue á principal, não se póde dizer que é seta prolongamento; e, se eu precisasse de corroborar a minha asserção a tal respeito, poderia recorrer ao parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, de 21 de agosto de 1879, sobre a classificação do caminho de ferro da Pampilhosa á Figueira. A junta, opinando que esta linha não era ramal, mas sim o prolongamento da da Beira Alta, dizia:
«O termo ramal empregado n'aquelles artigos não está especialmente definido nos respectivos contratos, mas accepção geral dada a este termo, a importancia secundaria que é attribuida a estas porções de vias ferreas pelos mesmos contratos, e a circumstancia de serem ellas destinadas a alimentar a circulação das linhas principaes a que se ligam, são rasões que mostram de um modo sufficiente que pela denominação de ramal se deve entender um troço de via ferrea de limitada extensão e de condições technicas menos rigorosas, inserindo-se em outra que lhe serve de tronco e da qual depende, destinada a servir principalmente, uma determinada zona, centro de producção ou de consumo, ou um estabelecimento industrial.
«A linha ferrea da Pampilhosa á Figueira no está n'estas circumstancias, em rasão da sua extensão de perto de 50 kilometros, e de servir regiões ferteis, povoadas, terminando em um porto de mar, devendo por isso ter elementos de existencia propria, e tambem porque ella será realmente o prolongamento da linha da Beira Alta até á costa, ligando todas as linhas ferreas d'esta região com é oceano por meio do porto da Figueira da Foz.
São exactamente as rasões que a junta apresenta para dizer que a linha da Pampilhosa á Figueira é o prolongamento, e não um ramal, da da Beira Alta, que, no caso presente, servem de demonstrar ser a linha de Cascaes um ramal, e não o prolongamento da, de leste. É um meio indirecto, mas que nem por isso é menos concludente. (Apoiados)
Ao passo que a linha ferrea da Pampilhosa á Figueira tem approximadamente 50 kilometros de extensão, a de Cascaes não chega a medir 30 kilometros, e acha-se conseguintemente dentro da zona de protecção. (Apoiados.)
Emquanto aquella é, em realidade, o prolongamento da linha da Beira Alta até o mar, communicando-se com este por meio do porto da Figueira, pois que a Pampilhosa de modo algum se póde considerar cota rasão o terminus; no caso que vamos considerando, Lisboa é, como eu já disse, economica e commercialmente o terminus das linhas que ali veem convergir. (Apoiados.)
Emquanto a primeira d'aquellas linhas atravessa regiões feracissimas e de população densa, possuindo elementos de vida propria, a linha de Cascaes apenas se póde considerar como um affluente da de leste.
Mas, afora estas considerações, a parte transcripta do parecer da junta contém a definição de ramal de uma linha, e este parecer deve ser insuspeito para esse lado da camara, pois que o firma o Sr. Joaquim Simões Margiochi, que foi por muito tempo director geral das obras publicas e minas.
Dentro d'aquella definição cabe inteiramente a linha de Cascaes; outro tanto, porém, não succede á da Pampilhosa á Figueira. (Apoiados.)
Mas se não é um prolongamento, será um ramal, ou uma linha independente?
Digo que é um ramal. (Apoiados.}
Vejamos porquê.
Por portaria de 5 de setembro de 1864-foram nomeados os engenheiros Sousa Brandão e Mousinho de Albuquerque, para conjuntamente com os engenheiros D. Eusebio Page e Gomes Roldan, darem parecer sobre um plano geral de linhas ferreas.
Sobre o relatorio apresentado por estes engenheiros re-
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caíu a consulta do conselho de obras publicas, de 31 de agosto de 1865, na qual se lê:
«XII. Linhas ferreas principaes.
2.° Que das indicadas linhas ferreas principaes deverão em tempo competente partir ramaes, que liguem com ellas as povoações, portos e centros de industria mais importantes; a saber:
I. Linha ferrea marginal do porto de Lisboa a Cascaes;»
Aqui estava, pois, ajunta, no seu relatorio sobre o trabalho d'aquelles distinctos engenheiros, a considerar a linha de Cascaes como ramal; justificando, portanto, a concessão feita pelo governo. (Apoiados.)
Mas, se isto não basta, recorro ainda a outra opinião, a qual deve ser de todo o ponto auctorisada para esse lado da camara.
Em 7 de fevereiro de 1879 foi apresentada n'esta casa, pelos srs. Antonio de Serpa Pimentel e Lourenço Antonio de Carvalho, uma proposta de lei sobre a rede dos caminhos de ferro em Portugal. No relatorio que antecedia esta proposta de lei dizia-se que dia se inspiram nas conveniencia publicas, tomando de diversos trabalhos de corporações technicas e dos estudos dos homens mais competentes as Indicações que haviam parecido mais uteis.
E acrescentava-se que, entre estes ultimos, era digno de especial menção o valioso relatorio apresentado em maio de 1878 pelo antigo e illustrado ministro o conselheiro João Chrysostomo de Abreu e Sousa.
Pois muito bem: o sr. João Chrysostomo, no seu valioso relatorio, considerava a linha de Cascaes, a que me estou referindo, como um ramal das de norte e leste. A proposta de lei dos srs. Serpa Pimentel e Lourenço de Carvalho tambem considerava a linha de Cascaes como ramal; e tal era a classificação que tinha na tabella n.°1 annexa á dita proposta. (Apoiados.)
Parece-me poder dizer que não preciso de invocar mais argumentos para levar ao espirito da camara o convencimento de que sempre a linha de Cascaes um sido considerada, e deve sel-o justamente, como um ramal. (Apoiados.)
Acresce ainda, alem d'isto, que, nos termos dos artigos 25.° e 26.° do contrato, para a construcção do caminho de ferro de Lisboa a Cintra e a Torres Vedras, de 10 de julho de 1882, á empreza concessionaria pertence a faculdade de construir todos os ramaes que possam alimentar a circulação da linha concedida; e que a zona de protecção é de 40 kilometros, isto é, dentro de uma zona d'esta extensão não se póde fazer a concessão de linha alguma parallela, sem consentimento da companhia.
Ora, sabe a camara qual é a distancia que existe entre os pontos mais afastados das linhas de Cintra e Cascaes? Esta distancia é de proximamente 11 kilometros.
A simples inspecção de uma carta em que venham traçadas as linhas ferreas, e de que eu tenho aqui presente um esboço, é sufficiente para mostrar as relações em que estão as duas linhas de Cascaes e Cintra, e que a linha de leste é o tronco d'onde aquella sáe. (Apoiados.)
Demonstrado, a meu ver, d'esta maneira que a linha de Cascaes é um ramal, falta-me agora mostrar, para provar a legalidade da concessão, que esta foi feita sem onus para o thesouro. (Apoiados)
Affirmou o sr. Pereira dos Santos que o governo concedeu muitas vantagens á companhia; que lhe deu, por exemplo, uma grande quantidade de terrenos que constituem por si um subsidio valiosissimo.
Segundo os calculos que o illustre deputado apresentou, calculos um tanto phantasiosos, esses terrenos valem cerca de 2.600:000$000 réis.
Tem a companhia valorisados 2.600:000$000 réis, acrescentava o meu prezado amigo.
dmittâmos, por um momento, que o governo concede á companhia real uma certa porção de terrenos, e que esses terrenos representam para ella um valor realisavel desde já, na importancia de 2.600:000$000 réis, que tal é a affirmação categorica do illustre deputado o sr. Pereira dos Santos.
Mas, se esses terrenos valem desde já verba tão importante, é porque n'elles se vão installar estabelecimentos commerciaes. Ora, admittindo um calculo, ainda o mais desfavoravel para a conclusão que pretendo tirar, e vem a ser que a propriedade representa dez vezes o valor dos terrenos, segue-se que nos terrenos concedidos á companhia vão ser edificada propriedade no valor minimo de réis 26.000:000$000. E, computando o valor decuplo para as operações commerciaes relativas áquelles estabelecimentos, relação esta que fica ainda muito áquem da verdade, infere-se que o movimento commercial da cidade de Lisboa era augmentado com a avultada quantia de 260.000:000$000 réis. (Apoiados.)
É esta a conclusão rigorosamente deduzida das premissas estabelecidas pelo illustre deputado o sr. Pereira dos Santos. (Apoiados.)
Mas, n'este caso, o illustre deputado ha de necessariamente concordar commigo que tal facto constituo um beneficio, sem igual, para o paiz, e é s. exa. quem corre primeiro a entoar hymnos de louvor, a levantar hossanas ao nobre ministro das obras publicas, que, só com um traço de pena, conseguiu augmentar o movimento commercial da capital em 260.000:000$000 réis. e isto sem gastar cousa alguma. (Apoiados.)
Estou vendo que o illustre deputado não concorda em que se logrem obter tão excellentes resultados; não é assim? Não admitte a conclusão; e comtudo o raciocinio é logicamente produzido; e comtudo eu não fiz mais do que das premissas estabelecidas deduzir logicamente as conclusões que n'ellas se continham, admittindo sempre as relações mais desfavoraveis para o meu ponto de vista. (Apoiados.)
Que se infere, pois? É que a base de onde s. exa. partiu e falsa. (Apoiados.)
Como a camara vê, acabo de seguir o chamado raciocinio de inducção ao absurdo. Consiste em acceitar como verdadeiros os principies estabelecidos, e deduzir logicamente as conclusões que n'elles se contenham. Se taes conclusões são absurdas, é prova segura de que são falsos os principios d'onde se partiu.
É exactamente o que aqui se dá; e eu vou agora fazer as correcções convenientes aos calculos do illustre deputado.
Em primeiro logar, o governo não concedeu nenhuns terrenos.
Existiam, ou não existiam os terrenos?
Se não existiam, é claro que o governo os não concedeu, porque ninguem concede aquillo que não existe.
O sr. Pereira dos Santos: - Se não existem, para que os concedeu?
O Orador: - Mas é v. exa. que faz essa affirmação, não sou eu. E portanto v. exa. que tem de responder a si mesmo.
Em minha opinião, os terrenos não existem. É a companhia que os vae adquirir; é a companhia que vae fazer esses terrenos, e portanto adquire-os.
O sr. Pereira dos Santos: - Que mais direitos tem a companhia do que eu?
O Orador: - O direito para a companhia provêm-lhe da maneira como ella vae fazer esses terrenos.
Sabe o illustre deputado como ella os vae adquirir? É deitando na margem do Tejo, ao longo do muro de regularisação que vae construir desde o caneiro de Alcantara até Cascaes, o minimo de 6.000:000 metros cubicos de terra, que a 200 réis cada metro cubico representa a verba de 1.200:000$000 réis. (Apoiados.)
Estabeleço agora a segunda parte do dilemma.
Existiam os terrenos?
Mas, se exibissem, pertenceriam á, camara municipal,
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como o sr. Elias Garcia tez aqui valer no discurso que pronunciou na discussão da lei de 16 de julho de 1885; o não consta que até hoje aquelle, corpo collectivo tenha protestado contra a concessão feita pelo nobre ministro das obras publicas, (Apoiados.)
O facto é que os terrenos não existiam, e, portanto, o governo não os concedeu; a companhia adquire-os pela maneira que eu acima disse. (Apoiados.)
Parece-me suficientemente demonstrada que o governo procedeu com perfeita legalidade na concessão, que fez, da linha de Cascaes á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes. (Apoiados.)
A linha é um ramal; e a concessão foi feita sem d'ahi resultar especie alguma de onus para o thesouro. (Apoiados.)
Passo, a considerar o segundo ponto. Foi conveniente a concessão?
A simples exposição dos termos em que ella foi feita, como eu anteriormente referi; permitte dar immediatamente uma resposta affirmativa. (Apoiados.)
E vou agora fazer differentes correcções aos calculos apresentados pelo illustre deputado e meu prezado amigo o sr. Pereira dos Santos.
Disse s. exa. que eram 54 hectares os terrenos adquiridos pela companhia, e que sendo o valor de cada metro quadrado 5$000 réis, representavam elles uma cessão, feita pelo estado, na importancia de 2.700:000$000 réis.
A respeito das despezas que a companhia tem a fazer com a construcção das obras, s. exa. avaliou-as em réis 4.200:000$000 a 4.300:000$000 réis.
Ora, o illustre deputado, querendo demonstrar que são enormes as vantagens que a companhia aufere ao par dos encargos que tomou, e que, portanto, não foram convenientes, os termos em que o governo negociou, engrandeceu o valor dos terrenos e diminuiu a importancia das despezas a fazer.
Consideremos em primeiro logar as despezas que a companhia tem a fazer. Disse s. exa. que orçavam de 4.200:000$000 a 4.300:000$000 réis. Affirmo eu que não serão inferiores a 6.000:000$000 réis; e baseio-me, para assim faltar, n'uns dados que tenho presentes e que me merecem toda a confiança, tanto mais que contêem as verbas porque as differentes obras foram tornadas de empreitada, e são:
Linha de Cascaes 1.100:000$000
Linha urbana 2.700:000$000
Aterro e caneiro de Alcantara 2.200:000$000
Total 6.000:000$000
o que, ao juro de 5 por cento, dá um encargo annual de 300:000$000 réis.
O sr. Franco Castello Branco: - V. exa. póde dizer- me d'onde tirou esses numeros? Se é segredo, então não quero saber.
O Orador: - Não tenho duvida alguma em dizel-o obtive-os da repartição technica da companhia.
Como a camara vê, já temos uma differença importante, a que vae de 6.000:000$000 para 4.300:000$000 réis, e este beneficio é que o illustre deputado de motu proprio concedia á companhia. (Apoiados.)
A extensão das linhas ferreas é:
Metros
Alcantara á Torre de Belem. 3:400
Belem a Cascaes 19:200
Lisboa a Cascaes 22:600
Linha urbana 2:800 metros, dos quaes são em tunnel 2:700 metros.
Passo agora a considerar os terrenos adquiridos.
A superficie conquistada ao Tejo é de 700:000 metros quadrados, a qual se distribuo do, seguinte modo:
Metros.
quadrados
Terrenos necessarios para o caminho de ferro 50:000
Terrenos necessarios para a avenida marginal 102:000
Terrenos necessarios para as docas. 30:000
Terrenos necessarios para as serventias, ruas, etc. 100:000
Terrenos necessarios para o governo 60:000
Total 342:000
A differença para 700:000 é de 358:000 metros quadrados, ou proximamente 35 hectares disponiveis para a companhia.
Ora, de 30 hectares para 54 que o illustre deputado disse, já ha uma differença de 19 hectares.
Portanto, em relação á, extensão dos terrenos, já ficam diminuidos 19 hectares aos lucros da companhia. (Apoiados)
Vou em seguida examinar a questão do preço. O illustre deputado avaliou o metro quadrado a 5$000 réis. Acho tal preço exagerado.
A commissão de 1871, apresentando o seu relatorio sobre os melhoramentos do porto de Lisboa; computou cada metro quadrado do terreno da l.ª secção, incontestavelmente a mais importante por ser n'ella que se ha de concentrar o grande movimento commercial, em 2$250 réis.
O sr. Antonio Augusto de Aguiar, na proposta que apresentou á camara em 25 de abril de 1884, avaliava o metro quadrado de terreno em 6$000 réis; mas é s. exa. mesmo que, saindo do ministerio, na conferencia que mais tarde realisou na associação commercial de Lisboa, reduziu aquelle preço a 4$000 réis, fazendo-lhe assim de uma vez só o abatimento da terça parte.
O sr. Franco Castello Branco: - O sr. ministro das obras publicas avaliou, outro dia. em 10$000 réis.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Peço perdão a v. exa., mas n'esse ponto está enganado.
O Orador: - Em seguida veiu o sr. Fontes, e, na sua proposta de 15 de junho de 1885, computou o metro quadrado de terreno em 10$000 réis.
A hora vae bastante adiantada, e vejo-me obrigado a reduzir muito as minhas considerações, abstendo-me de ler os documentos, que tenho aqui, sobre o assumpto.
As commissões de fazenda e obras publicas da camara dos senhores deputados, no seu relatorio de 20 de junho de 1885, sobre a proposta Fontes, achavam muito vantajosa a venda dos terrenos á empreza adjudicataria por aquelle valor, em vista do preço por que terreno? analogos tinham sido vendidos.
O sr. Barros Gomes, por occasião da discussão da proposta acima referida, tratando desenvolvidamente a questão dos terrenos, resumia a sua opinião dizendo que o preço de 10$000 réis, pelo qual no projecto de lei se tornava obrigatoria a acquisição pelo empreiteiro de metade d'esses terrenos, constituia uma vantagem da primeira classe.
O sr. Fontes Pereira de Mello, respondendo ao sr. Barros Gomes, tambem achava elevado o preço de 10$000 réis; mas via n'isto uma das grandes vantagens financeiras do projecto de lei.
Era esta tambem a opinião do illustrado relator de então, o sr. Pereira dos Santos que assim a traduziu por mais de uma vez nos discursos que n´essa epocha proferiu. O sr. Almeida Pinheiro, distincto engenheiro e membro da maioria, achava tambem vantajosissimo o preço de 10$000 réis, e a tal ponto que, parecendo-lhe extraordinario que o sr. Hersent tomasse metade dos terrenos n'aquellas circumstancias, tratou de explicar á camara as rasões d'esse facto, que, no seu entender, provinha da alta conveniencia
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que para aquelle empreiteiro resultava de ter os terrenos á sua disposição até final execução das obras.
O sr. Fontes Pereira de Mello, n'um dos discursos que pronunciou aqui, referindo-se elogiosamente ás considerações feitas pelo sr. Almeida Pinheiro, acrescentava:
«Uma das condições vantajosas, inquestionavelmente das mais vantajosas do contrato, é a obrigação do empreiteiro pagar a 10$000 réis cada metro quadrado do terreno conquistado ao Tejo.»
Não posso furtar-me a ler á camara o que o sr. Dias Ferreira disse a tal respeito. Era o seguinte:
«A primeira verba de receita com que o governo conta para custeio das obras é o producto da venda dos terrenos conquistados ao Tejo com a execução d'estes trabalhos. Entende o governo que a empreza que se organisar ha de tomar pelo preço firme de 10$000 réis por metro quadrado de superficie metade dos terrenos conquistados ao Tejo.
«Ora, para se saber quanto hão de ser procurados para edificações esses terrenos, basta ler o parecer da commissão nomeada em 1883, que é auctora d'este plano grandioso.
«Diz ella;
«Supponha-se que os terrenos adquiridos em frente do aterro da Boa Vista, por muro de rectificação, seriam vendidos, e renderiam mais que as despezas de construcção das docas.
«Não ha proprietario algum em Lisboa que ache isto rasoavel.
«Desde a rocha do conde de Obidos até á Ribeira Velha as profundidades do lodo pouco consistente attingem 20 a 30 metros, todas as fundações de predios já têem saído carissimas e têem dado de si; as alas dos ministerios construidas fóra das muralhas dos velhos caes têem descido progressivamente; quem intentaria, pois, construir para especulação sobre lodo pouco consistente e apenas defendido por um assoriamento?
«Eis-aqui uma apreciação bem insuspeita ácerca do resultado provavel da venda dos terrenos que forem conquistados ao Tejo.
«É a propria commissão nomeada em 1883 que nos indica o valor d'esses terrenos.
«Não emitto sobre o assumpto a minha opinião. Invoco os argumentos dos que mais enthusiastas se mostram por estes grandiosos melhoramentos.
«Mas a declaração feita no relatorio do governo, de que o empreiteiro mr. Hersent, cuja proposta vera annexa ao parecer das commissões, acceitará o metro quadrado de terreno conquistado ao Tejo a 10$000 réis, é pura phantasia.
«Em parte nenhuma da proposta do sr. Hersent se indica similhante cousa.»
O sr. Fuschini achava tambem vantajosa a venda dos terrenos ao preço de 10$000 réis cada metro quadrado.
Na discussão da camara dos dignos pares, por mais de uma vez se fizeram referencias ás vantagens resultantes do preço acima computado.
De quanto fica dito é conclusão a tirar-se, que o preço de 10$000 réis por metro quadrado de terreno na primeira secção das obras do porto de Lisboa constitue uma vantagem importantissima.
Diziam uns que não haveria empreiteiro que acceitasse tal clausula, que certamente o sr. Hersent não estaria de accordo com aquella condição; ao que o sr. Fontes respondia que tinha motivos para suppor que o sr. Hersent receberia os terrenos n'estas circumstancias.
Outros, e eram os illustres membros do partido regenerador, affirmavam unanimemente que tal clausula constituia uma das excellencias do projecto de lei e tinha um grande alcance para o thesouro.
Em face do que levo exposto, pergunto:
Como se póde admittir o preço de 5$000 reis para metro quadrado dos terrenos de uma secção, onde se não ha de concentrar o movimento commercial, porque na primeira é que estão todas as installações proprias para o trafego mercantil? (Apoiados.)
Como admittir ainda aquelle preço para terrenos que vão achar-se na praça em concorrencia com os da primeira secção, que são indubitavelmente os mais importantes e que mais procura hão de ter?
Como admittir finalmente que se possa realisar, de um dia para outro, a venda de 35 hectares de terreno? (Apoiados.)
E desde que os terrenos não sejam vendidos todos immediatamente, menos exacta é ainda a importancia de réis 2.700:000$000 calculada pelo sr. Pereira dos Santos pois que o encargo das verbas a despender com a construcção das differentes obras onera desde logo a companhia, e não tem esta a fazer-lhe rosto, ao menos em parte, as quantias provenientes da venda de terrenos. (Apoiados.)
E a proposito, lembra me que o sr. Almeida Pinheiro ao referir-se, no seu já mencionado discurso, á clausula relativa aos terrenos, inserta na lei de 16 de julho de 1885, considerava vantajoso não só o preço de 10$000 réis porque o empreiteiro se promptificava a tomar metade dos terrenos conquistados ao Tejo, mas tambem a antecipação de capitaes que elle fazia ao governo. Sendo certo que a venda dos terrenos só se poderá realisar, pouco a pouco, durante um longo praso, e pagando o empreiteiro ao governo a importancia d'elles a par e passo que os vae adquirindo, é claro que se dá uma verdadeira antecipação de capitaes. O sr. Almeida Pinheiro sujeitou ao calculo este facto, o que é simplicissimo, porque se reduz a uma operação de juros compostos, e concluiu que a vantagem que resultava para o estado, d'esta antecipação, era pelo menos igual ao encargo que provinha da differença entre o valor effectivo dos titulos e o seu valor nominal, que constituia a parte mais inconveniente da operação financeira da lei.
O sr. Fontes Pereira de Mello achou perfeitamente cabidos os calculos do sr. Almeida Pinheiro e judiciosas as conclusões tiradas d'elles; e por mais de uma vez se serviu d'ellas na sequencia da discussão.
Ora applique a sr. Pereira dos Santos estas considerações, sujeite a calculos analogos a venda dos terrenos da segunda secção do porto de Lisboa, e diga-nos depois s. exa. se elles valem 2.700:000$000 réis, admittindo mesmo que sejam 54 hectares em vez de 35, e o preço de 5$000 réis por metro quadrado! (Apoiados.)
Reduzidos d'este modo á justa proporção a extensão dos terrenos que a companhia vae adquirir e o seu valor respectivo, e definidas com exactidão as verbas a despender com a construcção das differentes obras; é de ver que a concessão feita por alvará, de 9 de abril de 1887 não representa um onus para o estado, antes lhe assegura vantagens, o vantagens importantes. (Apoiados.)
Acha acaso o illustre deputado a quem estou respondendo, de pequena valia para o estado: a rectificação da margem direita do rio desde Alcantara até Belem, a construcção de uma doca, a acquisição de 6 hectares de terreno, a construcção do caminho de ferro de Cascaes, da linha urbana com uma estação central, e ainda o pagamento das indemnisações para ligação da linha marginal do Tejo com a estação actual de Alcantara?
Tambem s. exa. manifestou graves preoccupações sobre o futuro commercial do porto de Lisboa, pelo facto dá companhia ter nas suas mãos a exploração da linha marginal e ficar possuindo uma tão extensa area de terrenos a jusante do caneiro de Alcantara. Receiou o illustre deputado que a companhia podesse ficar, em breve, senhora do porto.
Parece-me que posso afoitamente tranquillisar o espirito de s. exa.
É na primeira secção das obras do porto, pela sua posição topographica, proxima do todos os grandes centros da vida da capital, e pelo conjuncto de disposições e appare-
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lhos, que ahi se vão accumular, proprios para a economia, rapidez e segurança das operações de carga e descarga; é n'ella que se vão concentrar todo o movimento commercial e trafego mercantil.
Para que tal movimento e trafego se alongassem para jusante, para a segunda secção, fôra preciso que a sua superabundancia se não compadecesse com a extensão e recursos da primeira secção. (Apoiados.)
Pois, se acham enormes, grandiosas de mais, as obras que se vão executar na primeira secção, como alimentar tal receio? Como receiar da necessidade de se fazerem immediatamente obras em outras secções, de modo que sobrepujem aquellas, e a tal ponto que a companhia fique com todo o porto commercial de Lisboa em suas mãos? E quando tal succedesse? E, se em breve se reconhecesse a imprescindivel necessidade de continuar as obras de exploração commercial do porto?
Estava mesmo em desejal-o, porque era argumento vivo de que o desenvolvimento economico da capital, e, conseguintemente, o desenvolvimento do paiz inteiro, tinham excedido de tal modo a expectativa geral, que não podiam amoldar se ao espaço e aos recursos que, hoje, todos, ainda na melhor das hypotheses, reputâmos sufficientes por bastantes annos! (Apoiados.)
Não pararam aqui as apprehensões, do illustre deputado. Insurgiu-se s. exa., e vivamente, contra o facto de se ir construir um metropolitano em Lisboa! E foi-lhe este facto motivo para dirigir um ataque vehemente contra o nobre ministro das obras publicas increpando-o de estar, ha dois annos, no poder e não ter feito nada ou quasi nada na pasta, que gere, e, por fim, realisar um contrato que permitte dotar Lisboa com um metropolitano!
Oh, sr. presidente, pois o illustrado ministro das obras publicas não tem feito nada do ministerio a seu cargo?
Então onde fica a reforma da secretaria d'aquelle ministerio? (Apoiados.)
Então a reorganisação dos serviços phylloxericos, do serviço pecuario, do serviço florestal, e tantas outras, que constituem a base segura para um energico renascimento da agricultura nacional, não representam cousa alguma? (Apoiados.)
Então a maneira, evidente e palpavel, como s. exa. continua methodica e systematicamente a obra altamente patriotica de Antonio Augusto de Aguiar, diffundindo e espalhando, sob um alevantado criterio, com a creação de novas escolas industriaes e de desenho industrial, o ensino profissional, não representa cousa alguma? (Muitos apoiados.)
A reforma dos correios, as reformas dos serviços dependentes da direcção geral de obras publicas e minas, as propostas de lei de sua iniciativa, entre as quaes são para memorar as que se referem ao trabalho dos menores e á creação dos tribunaes arbitros avindouros, e tantas outras reformas a que s. exa. tem vinculado o seu nome e que são sufficientes para o tornar immorredouro na gerencia da pasta que lhe está confiada: então tudo isto não é importante, nada representa? (Apoiados.)
Mas parece que o illustre deputado esqueceu tudo quanto acabo de referir e o muito que deixei de recordar, e que s. exa. conhece perfeitamente, para só fazer carga ao nobre ministro, para só nos mostrar o seu desprazer pela existencia proxima futura de um metropolitano em Lisboa.
Exclamava s. exa: «Quando Paris, apesar dos seus esforços, não logrou ainda ter metropolitano, ha de possuil-o Lisboa?
«Quando apenas existem metropolitanos em Berlim, em Vienna, em Londres e em New-York, e em mais parte alguma, é justo que se vá construil-o em Lisboa?
Eu estou quasi a concordar com o illustre deputado.
É caso para dizer-se: garrote com o sr. ministro das obras publicas. (Riso.)
Mas o que eu lamento, sr. presidente, o que eu sinto, é que Lisboa não tenha, e tão pouco vá ter, um metropolitano, porque, se o tivesse, era a prova de que a area e, o desenvolvimento da capital do meu paiz comportavam um melhoramento, que, lá fóra, só possuem «as capitaes da Inglaterra, dos imperios germanico e austro-hungaro, e a opulenta cidade da republica Norte-Americana.
Mas, sr. presidente, não é um metropolitano que se vae construir; o que se vae estabelecer entre nós é uma linha urbana com uma estação central, o que é, comtudo, do um grande alcance para a capital. (Apoiados.)
E é occasião, agora, de eu fazer algumas considerações a respeito dos calculos que o illustre deputado apresentou sobre o rendimento da linha marginal do Tejo. Se me não engano, s. exa. para avaliar este rendimento, partiu de que o movimento medio do porto de Lisboa era de 1.600:000 tonelladas; admittiu que a companhia transportava nas suas linhas ferreas metade d'aquelle valor, isto é, 800:000 toneladas do mercadorias.
Applicando em seguida a tarifa de 19 réis por tonellada, e por kilometro, o suppondo que o percurso medio é de 2,5 kilometros, acha a importancia de 38:000$000 réis.
Deduzindo 30 por cento para despezas de exploração, fica aquella verba reduzida a 26:600$000 réis; e juntando 6:000$000 réis, importancia do rendimento liquido de passageiros, obtem-se 32:600$000 réis como rendimento liquido total de mercadorias e passageiros.
Parece me que traduzi fielmente o raciocinio do illustre deputado.
Ora, os calculos feitos por s. exa. estão perfeitamente deduzidos, mas afigura-se-me que o principio do calculo não é verdadeiro,
O illustre deputado foi buscar a tarifa de 19 réis e applicou a ao percurso de 2,5 kilometros, que é metade da extensão da linha marginal; ora, não me parece que se possa fazer uma applicação de tarifas n'estas condições. S. exa. sabe que a tarifa total de transito tem um limite que lhe é determinado pelas condições de lucta que tem de sustentar com o percurso de outras linhas.
Por exemplo, se queremos chamar o movimento de transito para as nossas linhas de norte e leste e fazer com que um certo numero de mercadorias, em vez de entrarem por alguns dos portos de Hespanha, como Barcelona, Alicante, Sevilha, Saniander, Bilbau e outros, e seguirem pelas linhas ferreas da nação visinha, dêem preferencia ao porto de Lisboa e ás nossas linhas de norte e leste, é preciso que a tarifa total de transporte nas nossas linhas ferreas Veja vantajosa em relação á tarifa correspondente nas vias ferreas d'aquelle paiz. (Apoiados.)
E esta a maneira de estabelecer a lucta e chamar o movimento. (Apoiados.)
Portanto, a tarifa de transito tem um limite que, na sua totalidade, não póde ser excedido. (Apoiados.)
Como é que o illustre deputado vae applicar a tarifa de 19 réis, especialmente a 2,5 kilometros no porto de Lisboa?
Se vae applicar essa tarifa a uma determinada extensão no porto de Lisboa, ha de diminuil-a effectivamente no restante percurso, para que na totalidade fique a mesma. (Apoiados.)
(Interrupção.)
Mas ainda mesmo que se applique a tarifa media. Imagine v. exa. o movimento de transito que se faz actualmente pelas linhas ferreas do norte e leste para um determinado ponto, por exemplo, para Madrid; é claro que a tarifa total por que fica a mercadoria conduzida do porto de Lisboa até Madrid é inferior á que regula o transporte por um qualquer dos portos da Hespanha.
Quando é que o movimento de transito affluirá ao porto de Lisboa? Evidentemente, sempre que a tarifa de cá, avaliada como acabo de dizer, fôr inferior ás correspondentes em Hespanha. (Apoiados.)
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É claro que as mercadorias procuram naturalmente no seu movimento as correntes mais rapidas e economicas. (Apoiados.)
Se, pois, se vae applicar a tarifa media a mais 2,5 kilometros na linha marginal do Tejo, póde dar-se o facto d'aquella relação se inverter, e o movimento de transito, longe de affluir, afastar-se do porto de Lisboa, o que certamente a companhia não tem em vista; ou então, terá de diminuir-se a tarifa no restante percurso, tanto quanto é o augmento que provém da linha marginal, de modo a conservar-se constante a totalidade da tarifa de transito. Mas, n'este caso, o rendimento da linha marginal é ficticio! {Apoiados.)
Vê, pois, a camara quanto é fallivel a base de calculo de que o illustre deputado partiu para architectar lucros fabulosos para a companhia! (Apoiados.)
E, com isto, não pretendo dizer que a companhia vae perder; entendo que não, e nem esse foi, ou devia ser, o seu intento ao realisar o contrato com o governo. Mas o lucro provém lhe, não da exploração da linha marginal, mas sim do acrescimo que resulta para as outras suas vias ferreas, com que lucra o paiz inteiro. (Apoiados.)
Insisto n'este ponto: Em relação ao transito ha uma tarifa total que determina o seu movimento.
Qual é o empenho da companhia?
É evidentemente chamar o maior movimento possivel ás suas linhas. Pouco lhe importa que não tire da linha marginal do Tejo um rendimento conveniente; o que ella quer, é, como eu disse, fazer convergir ás suas linhas todo o movimento possivel, porque aufere d'ahi um rendimento maior no percurso total. (Apoiados.)
O que a companhia poderá assim perder, conservada a mesma tarifa total de transito, e augmentando-se o percurso actual com mais a parte correspondente da linha marginal, ganha-o ella de sobejo na intensidade do movimento que ás suas linhas vem affluir. (Apoiados.)
Entende tambem o illustre deputado que a linha marginal do Tejo podia ser explorada pelo estado, ou por uma companhia, em condições rasoaveis; e citou, em abono d'esta affirmação, o que se passa no porto do Anvers.
Discordo absolutamente de tal modo de ver. E permitta-me s. exa. dizer-lhe que as rasões, que militavam em Anvers para o estado ficar com a linha marginal dos caes, são exactamente as que aconselham e determinam o governo a não ficar com ella em Lisboa, e para no Porto avocar a si a exploração do ramal da alfandega até Leixões. (Apoiados.)
Sr. presidente, tem-se entendido sempre, e com justa rasão, que as linhas de caes são o natural prolongamento das linhas testas de caminho de ferro que ali veem concorrer; e a exploração d'aquellas só se póde fazer em condições vantajosas quando se acham nas mesmas mãos que as linhas ferreas que ali vão convergir. (Apoiados.)
O illustre deputado sabe que as despezas de exploração diminuem com o augmento de percurso da linha. (Apoiados.) As despezas do administração propriamente dita conservam-se estacionarias embora augmente algum tanto o percurso da linha. (Apoiados.)
Embora seja muito pequena a extensão da linha a explorar, tornam-se necessarias officinas, depositos de agua, de carruagens e de machinas, emfim todo o material fixo e circulante. Como é, pois, que o estado ou uma companhia poderia tirar da exploração de uma pequena linha, como a marginal do Tejo, rendimento que compensasse a despeza a fazer com todo aquelle material? (Apoiados.)
Evidentemente que, com tarifas acceitaveis, não auferiria resultados que compensassem aquellas despezas, ainda quando o trafico augmentasse muito. (Apoiados.)
E conviria augmentar as tarifas? A proceder assim, longe de augmentar-se, diminuia-se, pelo contrario, o movimento do porto. (Apoiados.)
Vê-se, pois, que a exploração da linha marginal só póde fazer-se em condições vantajosas pela empreza que tiver nas suas mãos as outras linhas ferreas que convirjam á capital, não só sob o ponto de vista da economia como tambem pelas facilidades e commodidades do serviço.
Sr. presidente, é este um dos casos em que as conveniencias, os interesses do estado e da companhia se casam, se harmonisam perfeitamente; porque, se o interesse do estado é que o movimento commercial augmente o mais possivel, (Apoiados.) outro tanto succede á companhia pois que, quanto maior for esse movimento, tanto mais importantes serão os resultados que tirará da exploração das suas linhas ferreas. (Apoiados.)
Vou responder, por ultimo, a um reparo que fez o meu prezado amigo o sr. Pereira dos Santos, qual era a circumstancia do governo não ficar com os terrenos indispensaveis na segunda secção, junto da margem, para as installações maritimas que o desenvolvimento commercial torne de futuro indispensaveis.
Tal observação não tem rasão de ser.
A regularisação da margem direita do Tejo desde o caneiro de Alcantara até Belem é constituida por um talude empedrado, cuja aresta superior dista 25 metros do plano vertical que passa pelo pé do talude. Quando, pois, n'esta acção, em toda ou em parte, se pretenda construir um muro de caes, ha disponivel o espaço necessario para carga, descarga e armazenagem, porque, alem d'aquelles 25 metros existe a faxa ou avenida interior a que me referi.
Passo agora ao terceiro e ultimo periodo; é o que se refere aos
C) Factos posteriores á adjudicação, isto é, projecto de execução de trabalhos
As obras do porto de Lisboa haviam sido adjudicadas ao empreiteiro Hersent em 9 de abril de 1887, e o respectivo termo de contrato fôra lavrado aos 20 do mesmo mez e anno.
O artigo 9.º do decreto, que abriu o concurso, preceituou que o concorrente, a quem fosse adjudicada a empreitada, apresentaria ao governo, no praso de noventa dias, a contar da data da adjudicação, o projecto completo para a execução de todas as obras, delineado de harmonia com o plano definitivo que serviu de base ao concurso e com os systemas de construcção propostos no acto do mesmo concurso pelo adjudicatario.
Foi em obediencia a esta clausula que o empreiteiro Pierre Hildenert Hersent enviou ao governo, dentro do praso estipulado, o seu Projet d´éxécution des travaux.
Este projecto, bem como o officio de remessa que o acompanha, têem a data de 25 de junho de 1887, de Paris; mas só deram entrada no ministerio em 8 de julho d'aquelle anno, e assim se acham registados na repartição de estradas, obras hydraulicas e edificios publicos.
Por despacho d'esta mesma data, ambos aquelles documentos foram enviados á direcção das obras do porto de Lisboa, a qual formulou a sua informação em 18 de julho de 1887.
Propondo o empreiteiro, no projecto e officio annexo, differentes modificações, tanto ao plano definitivo do governo, como nos proprios systemas de fundação por elle apresentados no acto do concurso, o sr. Mendes Guerreiro, director das obras do porto de Lisboa, resumiu a sua informação nas seguintes conclusões:
«1.° Que para o empreiteiro trabalhar, durante dois annos desenvolvidamente, basta resolver sobre o merito dos typos de muros apresentados, para o revestimento do caneiro de Alcantara, o muro do caes exterior que lhe fica proximo, e o muro do caes externo junto á estação de Santa Apollonia com desembarcadouro projectado no largo do Arsenal do Exercito
«2.° Que é minha opinião que esses typos constantes dos desenhos n.ºs 4, 5, 6, 7 e 8 estão no caso de serem approvados, com a modificação de se substituir o architectado
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recto por uma abobada, que reuna os pilares dois a dois; e com o additamento de se fazer no corpo de todos os muros, á excepção do muro do caneiro de Alcantara, uma galeria por onde passem os tubos de agua, gaz, etc.
«3.° Que os desenhos n.ºs 9, 10 e 11, para o desembarcadouro fluctuante no largo do Arsenal do Exercito, podem ser approvados, mas que é minha opinião, que este desembarcadouro não deveria ter mais de 25 metros de extensão, e que se devia construir outro igual no caes de Santarem.
«4.° Que se devem introduzir no plano geral do concurso modificações profundas, na disposição das avenidas, nas linhas ferreas, e nas docas sobretudo do ante-porto e de Santos, as quaes, segundo diz o proprio empreiteiro, não alterariam a economia geral da empreza.
«5.° Que o governo deve lançar mão do artigo 2.° do caderno de encargos, com que foi aberto o concurso, para melhorar tanto quanto fosse possivel as disposições do projecto, aproveitando-se as boas disposições do empreiteiro.»
A commissão especial, nomeada por despacho de 28 de março de 1887, á qual foram remettidos todos aquelles documentos, apresentou o seu parecer sobre o assumpto em 2 de agosto; e, resumindo o que n'elle se continha, concluia:
«
.° Que póde ser approvado o plano apresentado pelo adjudicatario das obras do porto de Lisboa, em data de 25 de junho ultimo, devendo, porém, completar o projecto definitivo, não só com os desenhos de execução e de detalhe, que faltam, como com os relativos ás obras e apparelhos que omittiu, reservando-se para apresental-os á medida que pela administração lhe for exigido ou que o serviço o reclamar;
«2.° Que podem ser approvados os processos e planos que apresenta para a construcção dos caes-docas de fundeadouro é de reparação, eclusa e telheiros, que não incluem modificação alguma ao plano approvado superiormente, e que serviu de base ao concurso;
«3.° Que os pilares de fundação dos muros de caes devem ser reunidos por abobadas, abatidas, construidas nos linteis metallicos, com a espessura de l metro, com as nascenças á cota de (- 2 metros) e com a flecha de l/8 em conformidade da proposta apresentada no concurso de 26 de março e respectivo desenho;
«4.° Que nos enrocamentos de fundação só se empregue pedra e só depois de previamente dragadas as vasas e lodos do fundo na espessura conveniente;
«5.° Que as argolas e arganéus sejam encaixados em nichos praticados nas cantarias do paramento dos caes, tendo o diametro de 30 centimetros no ante-porto e doca de Santos, e nos muros exteriores, e que os postes de defensa sejam prolongados até á profundidade de 3 metros abaixo da baixamar;
«6.° Que sejam approvadas as modificações propostas e que dizem respeito ás escadas interiores das dobas, ao arredondamento dos angulos de E. na doca de Santos, e ao traçado dos muros do N. das docas do Terreiro do Trigo e da alfandega, observando-se, porém, as condições que a commissão deixou expostas;
«7.° Que o avançamento do muro interior de E. do arsenal da marinha, como propõe o empreiteiro, e a substituição d'elle por uma rampa, não seja permittida sem previamente ser ouvida, a administração d'aquelle arsenal e a direcção das obras publicas de Lisboa;
«8.° Que se construam, embebidas nos muros exteriores, as escadas de cantaria indicadas no plano geral e tendo lm,20 de largura;
«9.° Que póde ser reduzido o comprimento do pontão do desembarcadouro fluctuante do caes do arsenal do exercito estabelecendo-lhe duas rampas ou pontes, sem augmento de despeza para o estado;
«10.° Que seja convidado o adjudicatario a apresentar uma proposta em devidos termos para a substituição do plano inclinado projectado por um apparelho Clark para navios até 1:000 toneladas;
«11.° Que se não dispensa uma soleira com a suficiente espessura na camara ou caldeira da eclusa (sas) e que se projectem e executem n'esta e nas docas de reparação os aqueductos necessarios para entrada e saída das aguas, completando-se os respectivos projectos com os necessarios desenhos de detalhe, e com os calculos da estabilidade da obra, especialmente da espessura da soleira das docas de reparação, e bem assim o calculo para que, o esgoto das docas se faça no tempo conveniente para o serviço;
«12.° Que á ponte movel sobre a eclusa se dê obliquidade necessaria para que a linha ferrea a transponha em curva de 200 metros de raio, pelo menos;
«13.° Que os telheiros sejam construidos com as devidas precauções, sendo vedados do lado da terra por um muro de tijolo, e do lado do porto por uma barreira movel em todo o comprimento, sem grade alguma fixa;
«14.° Que a chaminé da casa das machinas das docas de reparação seja de alvenaria ou de tijolo e não metallica;
«15.° Que resolvendo as estações competentes a construcção do collector para o esgoto da cidade, esta obra se faça de accordo com o adjudicatario das obras do porto de Lisboa, utilisando-se devidamente o trabalho a que elle é obrigado nos termos do seu contrato.»
Enviados á junta consultiva de obras publicas e minas, no proprio dia 2 de agosto, este e os demais documentos anteriores, deu aquella estação technica consulta, em ultima instancia, a 6 de agosto de 1887.
A junta compendiava todas as considerações expostas n'aquella consulta, da maneira que passo a ler á camara:
«l.° Que póde ser approvado o plano apresentado pelo adjudicatario das obras do porto de Lisboa em data de 25 de junho ultimo; devendo, porém, completar-se o projecto, não só com os desenhos de execução e de detalhe que faltam, mas com os relativos ás obras e apparelhos que omittiu, reservando-se apresental-os á medida que a administração lh'os for exigindo ou que o serviço os reclamar;
«2.° Que podem ser approvados os processos e planos que o empreiteiro apresenta para a construcção dos caes, docas de fundeadouro é de reparação, eclusa e telheiros, que não incluem modificação alguma no plano approvado superiormente, tendo servido de base ao concurso;
«3.° Que os pilares de fundação dos muros de caes deverão ser reunidos por abobadas abatidas, construidas sobre os linteis metallicos com a espessura de l metro, com as nascenças á cota de (- 2 metros) e com a flecha de l/8, na conformidade da proposta apresentada, no concurso de 26 de março ultimo, pelo respectivo adjudicatario:
«4.° Que os enrocamentos de fundação deverão ser feitos exclusivamente com pedra, e sómente depois da dragagem previa dos lodos na espessura conveniente para a solidez da construcção;
«5.° Que as argolas e arganéus deverão ser encaixados em nichos praticados nas cantarias do paramento, tendo o diametro de Om,30 no ante-porto e doca de Santos e nos muros exteriores.
«Os postes de defensa deverão ser prolongados até á profundidade de 3 metros abaixo do baixamar.
«6.° Que podem ser approvadas as modificações propostas pelo adjudicatario, com respeito ás escadas interiores das docas, ao arredondamento dos angulos de E. da doca de Santos, e ao traçado dos muros, do norte das docas do Terreiro do Trigo e da alfandega;
«7.° Que o avançamento do muro exterior de E. no arsenal da marinha, proposto pelo empreiteiro, e a substituição d'elle por uma rampa, não deve ser approvado sem previamente ser ouvida a administração do arsenal;
«8.° Que as escadas de cantaria dos muros exteriores, destinadas ao serviço da pequena navegação, deverão ser
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embebidas nas muralhas com a largura de lm,20, na conformidade do plano geral do concurso;
«9.° Que póde ser reduzido o comprimento do desembarcadouro fluctuante do caes do arsenal do exercito, estabelecendo-lhe duas rampas ou pontes, como propõe o empreiteiro, sem augmento de despeza para o estado;
«10.° Que seja convidado o adjudicatario a apresentar uma proposta, em devidos termos, para a substituição do plano inclinado, projectado por um apparelho Clark para os navios até 1:000 toneladas;
«ll.° Que não se pôde dispensar uma soleira sufficientemente espessa na camara ou caldeira da eclusa. N'esta e nas docas de reparação devem ser projectados os acqueductos para a entrada e saída das aguas, calculados de modo que o esgoto das docas se faça em tempo conveniente para o serviço;
«12.° Que a ponte movel sobre a eclusa deve ter a obliquidade necessaria para que a linha ferrea a transponha em curva não inferior a 200 metros de raio;
«13.° Que os telheiros deverão ser construidos com as devidas precauções para resistir á acção dos temporaes, sendo vedados do lado de terra por um muro de tijolo e do lado do porto por barreiras moveis em todo o seu comprimento;
«14.° Que a chaminé da casa das machinas das docas de reparação deverá ser feita de alvenaria;
«15.° Que, se as estações competentes resolverem pôr em execução um plano do saneamento da capital, esta obra poderá ser feita de accordo com o adjudicatario das obras do porto de Lisboa, utilisando-se devidamente o trabalho a que o mesmo adjudicatario é obrigado nos termos do seu contrato.»
O nobre ministro das obras publicas, limitando a sua interferencia a conformar-se, pura e simplesmente, com a consulta da junta, approvou o projecto de execução de trabalhos por portaria de 6 de agosto de 1887.
É esta a celebre portaria de 6 de agosto, em volta da qual tanta celeuma se levantou! E mal póde comprehender aquelle que, sincera e desapaixonadamente, estuda os factos, como houvesse alguem que se lembrasse, pela publicação d'esta portaria, de fazer carga ao governo de ter procedido com menos legalidade ou zelando menos desveladamente os interesses do thesouro. (Apoiados.)
Vou ler, na integra, esta portaria, e sinto que a não possa ouvir o paiz inteiro; porque, porventura, muitas das pessoas que a discutiram, nunca a tinham lido. (Apoiados.)
A portaria é do teor seguinte:
«Sua Magestade El-Rei, a quem foi presente o projecto definitivo das obras do porto de Lisboa, datado de 25 de junho do corrente anno, e apresentado pelo adjudicatario das mesmas obras, Pierre Hildenert Hersent;
«Tendo em vista as informações prestadas pelo director das obras do porto de Lisboa, o parecer da commissão especial encarregada de dar opinião sobre o assumpto, e o da junta consultiva das obras publicas e minas, que com o mesmo parecer se conformou:
«Hei por bem approvar o mencionado projecto com as conclusões de n.ºs 1.° a l5.°, que constam do alludido parecer da junta, e das quaes se envia copia ao engenheiro director das obras do porto de Lisboa, para seu conhecimento e para que d'ellas envie copia authentica ao referido adjudicatario.
«Paço, em 6 de agosto de 188l. = Emygdio Julio Navarro.»
Estão expostos os factos. Passo agora a fazer algumas considerações sobre elles.
Suscitou reparo a circumstancia de a portaria, que approvou o projecto de execução de trabalhos, ter a mesma data que o respectivo parecer da junta consultiva.
O nobre ministro das obras publicas já explicou este facto, e com uma lucidez que não deixa logar á menor duvida. (Apoiados.)
O paragrapho unico do artigo 10.° do decrete de 22 de dezembro de 1886 estatuia que, se, passados trinta dias depois da apresentação do projecto de execução de trabalhos por parte do empreiteiro, não houvesse resolução alguma do governo, se consideraria approvado aquelle projecto.
Ora, se o nobre ministro das obras publicas não tivesse publicado a portaria de 6 de agosto de 1887, seria excedido o praso designado n'aquelle artigo, e o empreiteiro teria posto em execução o projecto, tal como o apresentara, isto é, com modificações importantes, algumas d'ellas, mesmo, essenciaes. (Apoiados.)
Assim é que s. exas. censuram um facto, que, se não se houvera dado, produziria um grave inconveniente, que se não deu, e que s. exas. pretendem comtudo atacar. (Apoiados.)
Singulares contradicções! (Apoiados.}
Acresce ainda que o facto do nobre ministro assignar a portaria no proprio dia, em que a junta assignou a consulta, é prova de que n'um caso, essencialmente technico como este, o ministro se conformou, como devia, immediatamente e sem hesitar com o parecer da junta. (Apoiados.)
Das transcripções feitas resalta a circumstancia de que o governo cuidou de ouvir o maior numero de corporações technicas que tinha junto de si. (Apoiados.)
Foram consultadas: a direcção das obras do porto de Lisboa, a commissão especial e ajunta consultiva de obras publicas e minas.
A primeira d'aquellas corporações aconselhou o governo a que acceitasse um certo numero de modificações propostas pelo empreiteiro, que reputava convenientes, e entendia estar na alçada do governo o poder acceitar. A segunda corporação reduziu muito o numero das modificações acceitas; o mesmo fez ajunta na sua consulta, cujas conclusões de uma a quinze, o governo mandou ter em attenção na portaria de 6 de agosto de 1887, que approvou o projecto de execução de trabalhos.
As modificações cuja acceitação a junta aconselhou, e com as quaes o governo se conformou, são:
Collocação das escadas interiores nos angulos das docas em pan-coupé;
Arredondamento dos angulos interiores de montante, na doca de Santos;
Construir em alinhamentos rectos os dois muros do norte das docas da alfandega e do Terreiro do Trigo.
Como se vê do simples enunciado das modificações, são ellas de pequena importancia, aconselhadas pela junta no seu parecer de que era um dos signatarios o distincto engenheiro o sr. Lourenço de Carvalho, e comprehendiam-se completamente nas faculdades que o governo tem, de ordenar quaesquer.
modificações nos termos do artigo 2.° das condições annexas ao decreto de 22 de dezembro de 1886. (Apoiados.)
Tem-se pretendido dizer que a modificação, acima mencionada, do arredondamento dos angulos interiores de montante na doca de Santos, equivalia á transformação proposta para a mesma doca pelo empreiteiro William Reeves, e que foi considerada como modificando essencialmente o projecto.
Tal asserção é mais do que gratuita! (Apoiados.)
Basta lançar os olhos para a planta apresentada por aquelle empreiteiro, onde vem indicada a modificação proposta, para que a resposta fique dada. (Apoiados.)
Affirma-se tambem que a portaria de 6 de agosto de 1887 approvou um projecto apresentado pelo empreiteiro, quando é certo que a lei determinava que um projecto definitivo servisse de base ao concurso. Aos que assim dizem, aconselho-os a que leiam o artigo 9.° do decreto que abriu o concurso.
O projecto completo a que este artigo se refere é um projecto proprio para se executarem os trabalhos, mas mol-
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dado sobre o projecto definitivo que serviu de base ao concurso.
É este projecto definitivo que tem de executar-se, e que vae realmente executar-se, salvas as modificações indicadas.
Nenhumas outras se acceitaram ou estabeleceram; foi sobre aquelle projecto que o empreiteiro licitou, á execução integral de todas as suas partes se obrigou o empreiteiro nos termos do contrato lavrado a 20 de abril de 1887; são as clausulas d'este contrato que prendem o governo e o empreiteiro, é a sua observancia rigorosa que tem de ser respeitada por ambas as partes contratantes. (Apoiados.)
Todos os lucros, pois, que se deduzam para o empreiteiro de calculos mais ou menos bem architectados, mas baseados em suppostas modificações, em outras considerações que não a'quellas que eu expuz, são uma pura phantasia. (Apoiados.)
Podem, ou não, estar bem deduzidos os calculos; mas a base d'onde se partiu não é exacta. (Apoiados.)
Eis-aqui está, sr. presidente, o que é essa tão celebrada portaria de 6 de agosto de 1887!
E poderia eu, paraphraseando um dito notavel, exclamar agora:
Como se faz a critica! Como se exerce a censura! (Muitos apoiados.)
Parece-me poder affirmar concludentemente que tambem no terceiro periodo das obras dos melhoramentos do porto de Lisboa, o governo cumpriu a lei e zelou desveladamente os interesses publicos. (Apoiados.)
Tendo-se levantado na imprensa, em fins do anno ultimo, a questão das obras do porto do Lisboa, o governo, por portaria de 16 de dezembro de 1887, a que já me referi, encarregou a commissão especial, e a junta, de darem parecer sobre o artigo 8.° do programma do concurso e os lucros provaveis do empreiteiro. A este trabalho me reportarei em breve, pois me vou occupar agora da:
Parte financeira
Segundo vejo, é quasi a hora de encerrar a sessão; mas se não fosse abusar em demasia da bondade da camara, pedir-lhe-ia que me consentisse gastar mais alguns minutos.
Vozes: - Falle. Falle.
O Orador: - Embora eu deseje abreviar o mais possivel as minhas considerações, não posso deixar de tocar, ainda que summariamente, em diversos pontos.
Vozes: - Falle. Falle.
O Orador: - Dos illustres deputados da opposição, o que especialmente tratou a questão sob o ponto de vista orçamental foi o meu prezado amigo o sr. Pedro Victor.
Não me farei cargo de responder a s. exa., porque já lhe replicou quem tinha muita auctoridade e competencia para isso, o distinctissimo engenheiro e nosso presado collega o sr. Manuel Affonso de Espregueira.
Mas eu tambem estudei a parte financeira dos melhoramentos do porto de Lisboa, e fil-o por dois processos differentes, que se completam e me conduziram a uma mesma conclusão.
O primeiro, processo consistiu em comparar o projecto Mattos e Loureiro, que serviu de base ao concurso das obras e se está agora executando, com os projectos elaborados pelas diversas corporações technicas, a partir do plano da commissão nomeada por portaria de 16 de março de 1883.
Ora, os projectos organisados, a partir d'aquella data, são, pela sua ordem chronologica:
- 1.° Plano da commissão de 1883;
2.° Projectos presentes ao concurso realisado em l de fevereiro de 1886, comprehendendo:
a) Projecto Hersent;
b) Projecto William Reeves;
c) Projectos do «grupo nacional» (A e B);
d) Projecto Schiappa Monteiro;
e) Projecto Fourmont de Rouen.
3.° Projecto da direcção das obras do porto de Lisboa.
Ora, não tive eu á minha disposição todos os projectos presentes ao concurso de l de fevereiro de 1886, mas apenas os que o governo adquiriu, porquanto os de Schiappa Monteiro e Fourmont de Rouen, haviam sido entregues aos seus auctores.
Por outro lado, já depois de realisado o concurso de projectos, o «grupo nacional», remetteu ao governo um ante projecto dos melhoramentos do porto de Lisboa, elaborado por mr. Ad. Guérard.
Fiz, pois, o confronto entre o projecto Matos e Loureiro e os seguintes:
Projecto da commissão de 1883;
Projecto Hersent (15 de dezembro de 1885);
Projecto Reeves;
Projectos do «grupo nacional» (A e B);
Projecto Guérard;
Projecto da direcção das obras do porto de Lisboa.
Determinados os projectos com que se havia do fazer a comparação, seguia se definir os pontos em que o confronto devia ter logar. Estes pontos foram os seguintes:
Superficie de agua abrigada nas docas;
Extensão total dos muros de caes, acostaveis ou não;
Avançamento da linha de caes exterior;
Profundidade de agua nas differentes obras;
Apparelhos de carga descarga, etc.
Taes foram as feições, os aspectos, sob que comparei os differentes projectos, e parece-me que abranjo n'este quadro tudo o que ha realmente de essencial a considerar n'um porto. (Apoiados.)
Começarei pela superficie de agua abrigada nas docas.
Projecto da commissão nomeada em 16 de março de 1883:
Eram cinco as docas:
Area molhada
-
Hectares
Doca para madeiras e carvão 12,90
Doca de fluctuação 17,40
Doca de marés 9,75
Doca do arsenal 2,20
Doca da Ribeira Velha 3,25
Total. 45,50
Projecto Hersent (apresentado ao concurso de l de fevereiro de 1886):
Eram seis as docas.
Area
Molhada
Hectare
Darse aux charbons (Alcantar) 7,60
Darse dês transatlantiques (Santos) 10,40
Darse dês pêcheurs (Ribeira Nova) 3,80
Darse de l'arsenal (arsenal da marinha) 1,60
Darsette de la douanc (alfandega) 1,00
Darsette de 1'entrepôt (Terreiro do Trigo) 1,00
Total. 25,40
Projecto «Grupo nacional (B):
Eram cinco as docas.
Arca
Molhada
Hectares
Doca de fluctuação 16,64
Ante-porto 9,50
Doca de marés. 9,37
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Doca do arsenal l ,60
Doca da alfandega. 3,25
Total 40,36
O projecto (A) do «grupo nacional» não tinha doca de fluctuação. A area molhada das suas docas era, na totalidade, 28,62 hectares.
Projecto Guérard:
Eram cinco as docas.
Area
molhada
Hectares
Doca de fluctuação 11,01
Ante-porto 5,98
Doca para barcos 2,80
Doca do arsenal 1,60
Doca para barcos. 2,40
Total. 23,79
A juzante da doca de fluctuação indicava-se, na planta que acompanhou o ante-projecto Guérard, uma pequena doca para barcos, com a area de 0,48 hectares, o que elevava a superficie molhada das docas a 24,27 hectares.
Projecto da direcção das obras ao porto de Lisboa:
Eram seis as docas.
Area
molhada
Hectares
Doca de Alcantara 9,80
Doca de Santos 14,80
Doca da pesca 2,62
Doca do arsenal 1,65
Doca da alfandega 1,26
Doca do Terreiro do Trigo 1,71
Total 31,84
O sr. Reevos apresentou um projecto e uma variante a este projecto no concurso realisado em l de fevereiro de 1886. Nem nos desenhos, nem na respectiva memoria vêem indicadas completamente as superficies molhadas das docas; mas na planta que o mesmo empreiteiro apresentou mais tarde ao governo, já depois de realisado o concurso das obras, e que continha as modificações que elle se propunha introduzir no projecto Matos e Loureiro, comprehendem-se as seguintes docas e areas correlativas:
Area
molhada
Hectares
Doca de fluctuação ou de Alcantara. 11,76
Doca de mares ou de Santos 32,51
Doca do arsenal 2,69
Doca da alfandega. 1,30
Doca do Terreiro do Trigo. 1,50
Total. 49,76
Como se vê, a principal modificação que a planta accusa, e esta era importantissima e essencial, consistia na suppressão do ante-porto e na construcção de uma grande doca de marés, sendo os seus muros exteriores apenas de abrigo, apresentando duas aberturas, de 150 metros cada uma. Era uma construcção essencialmente diversa. E permitta-me a camara que incidentemente eu lhe diga, que é esta modificação que se pretende equiparar ao pequeno arredondamento dos angulos de montante da doca de Santos, aconselhado por todas as corporações technicas e approvado pela portaria de 6 de agosto de 1887. Já é preciso genio inventivo! (Apoiados.)
Mas voltando ao assumpto de que me estou occupando, direi que, embora se não possa precisar a area molhada das docas do primitivo projecto Reeves e sua variante, é ella, comtudo, muito inferior á da planta posteriormente apresentada pelo mesmo empreiteiro. Projecto Matos e Loureiro (que serviu de base ao concurso):
Eram seis as docas.
Arca
Molhada
Hectares
Doca de fluctuação ou de Alcantara 14,30
Ante-porto. 9,40
Doca de marés ou de Santos 15,93
Doca do arsenal 3,12
Doca da alfandega. 1,50
Doca do Terreiro do Trigo. 1,50
45,75
Recapitulando, podemos formar o seguinte quadro:
[ver tabela na imagem]
Projectos Superficie molhada das docas
-
Hectares
Indica-nos este quadro, em ordem decrescente, a superficie molhada das docas dos differentes projectos, e vê-se que é o projecto Matos e Loureiro, que serviu de base ao concurso e o empreiteiro Hersent tem de executar, que occupa o primeiro logar. (Apoiados.)
E não se supponha ser de pequena importancia este ponto de vista sob o qual estou comparando os projectos; porque, quanto maior for a superficie molhada das docas, tanto maior será o numero de navios que n'ellas se poderão acolher. (Apoiados.)
Não inclui n'aquelle quadro os projectos primitivos do sr. Reeves, por não ter a este respeito indicações precisas; mas não invalidam elles a conclusão deduzida, por ser a area das suas docas muito inferior á do projecto Matos e Loureiro.
Enquanto á planta posteriormente apresentada pelo mesmo empreiteiro, embora; area indicada seja um pouco superior, não é possivel estabelecer confrontos sob outros aspectos, por se nos apresentar completamente desacompanhada de quaesquer esclarecimentos.
Offerecia-se-me agora examinar a profundidade de agua nas differentes docas, e eu tenho mesmo aqui esboços cotados, que tirei das plantas dos differentes projectos, e que me permittiriam bastantes considerações interessantes; mas, em demazia tenho eu abusado da benevolente attenção da camara, e vejo-me obrigado a limitar a exposição dos resultados a que cheguei no meu estudo.
Assim, por exemplo, emquanto a profundidade de agua abaixo do zero hydrographico: varia no projecto da direcção das obras do porto de Lisboa, de 5 metros nas docas de pesca, da alfandega e do Terreiro do Trigo, até 8 metros na doca de Santos; vae, no projecto Hersent, de 4 metros nas darsttes de l'entrepôt e de la douane, até 8m, 5 na darse des transatlantigues; oscilla no ante-projecto Guérard entre 3 metros nas docas para barcos, e 6 metros no ante-porto: tal profundidade, no projecto Matos e Loureiro, tem o seu minimo de 4 metros na doca do Terreiro do Trigo, e o seu maximo de 9m,15 na doca de fluctuação.
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Ainda, pois, n'este caso o projecto Matos e Loureiro tem superioridade sobre os outros; (Apoiados.) e é de ver-se que a maior profundidade de agua, até certo limite, constitue uma vantagem importante, porque representa que nas docas que a possuam poderão entrar navios de maior caladura. E disse até certo limite, porque tambem é verdade que as mais possantes construcções navaes de que o commercio lança mão demandam um determinado calado de agua, e que augmental-o seria avolumar a despeza sem vantagem alguma.
Segue-se agora examinar a extensão total dos muros de caes, acostaveis ou não, nos differentes projectos.
Grupo nacional:
Projecto A:
Extensão total dos caes -11:677 metros, comprehendendo os muros de abrigo;
Metros
Caes acostaveis Exteriores 3:402
Interiores 3:88l
Total. 7:283
Projecto B:
Extensão total dos caes- 11:622 metros.
Projecto Matos e Loureiro:
Extensão total dos caes - 10:378 metros;
Metros
Caes acostaveis
Exteriores 3:524
Interiores 3:984
Total 7:508
Taludes de acostagem - 870 metros.
Projecto da direcção das obras do porto de Lisboa:
Extensão total dos caes -10:087 metros;
Metros
Caes acostaveis
Exteriores 3:765
Interiores 4:18
Total 7:902
Taludes de acostagem - 763 metros,
Projecto Hersent:
Extensão total dos caes - 9:489(tm), l;
Metros
Caes acostaveis
Exteriores. 4:9:36
Interiores. 3:775
Total 8:711
Taludes de acostagem - 510 metros.
Projecto Quérard:
Metros
Extensão total dos caes. 9:420,0
Caes acostaveis 7:860,0
Projecto Reeves:
Extensão total dos caes 7:980,0 metros, dos quaes 2:600 metros de molhes metallicos.
O projecto da commissão nomeada em 16 de março de 1883, apresentava caes cuja extensão total orçava, proximamente, pela dos projectos do grupo nacional.
Tambem o sr. Hersent, n'uma variante que propunha ao seu projecto, elevava somente a extensão total dos cães a 6:000 metros.
Da resumida exposição que levamos feita, infere-se que o projecto Matos e Loureiro não é inferior, pelo que respeita á extensão dos muros de caes, aos projectos que mais largamente encararam os melhoramentos do porto de Lisboa (Apoiados.)
De facto, o projecto Matos e Loureiro só tem superior a si, na extensão total dos caes, os projectos do «grupo nacional» e da commissão de 1883; mas são-lhes estes inferiores na extensão dos caes acostaveis.
Os projectos Hersent, Guérard e da direcção das obras do porto de Lisboa, apresentam caes acostaveis em extensão um pouco superior aos do projecto Matos e Loureiro, mas o comprimento dos taludes de acostagem d'este é maior que o d'aquelles.
Passo agora a considerar o avançamento da linha de caes marginal.
A portaria de 28 de junho de 1886, que nomeou os dois engenheiros consultores, preceituava que a linha de caes dos projectos do «grupo nacional» ou do engenheiro Hersent só deveria ser recuada, quando se tornaste absolutamente impossivel mantel-a nas condições technicas do projecto e bases financeiras para elle auctorisadas na lei de 16 de julho de 1885.
O projecto Matos e Loureiro adoptou uma linha de caes avançada, de proximamente 100 metros, ao sul da praça do Commercio.
Este avançamento era:
Metros:
Para os projectos do «grupo nacional» e da direcção das obras do porto de
Lisboa. 115,0
Para o projecto da commissão de 1883. 110,0
Para o projecto Hersent. 95,0
Tambem n'este ponto, não accusam accentuada superioridade os mais desenvolvidos projectos sobre o projecto Matos e Loureiro.
Segue-se agora, por ultimo, comparar os apparelhos de carga, descarga, telheiros, etc., comprehendidos nos differentes projectos.
É esta a parte menos dispendiosa das obras do porto, e o exame do que a tal respeito se contém nos differentes projectos, prova mais uma vez que o projecto Matos e Loureiro não tem que soffrer do confronto.
Como já fiz notar, dos projectos que foram presentes ao concurso realisado em l de fevereiro de 1886 tinham sido entregues dois aos seus auctores: eram os dos srs. Schiappa Monteiro, e Fourmont, de Rouen. Não pude, pois, levar até elles a comparação do projecto Matos e Loureiro. Certo é, porém, que o projecto Schiappa Monteiro, valioso por sem duvida, era sensivelmente o da commissão de 1883, apresentando todos os detalhes para se levar á execução, e o de Fourmont, de Rouen, fundava-se n'uma applicação larguissima do ferro, que a experiencia não auctorisa assim em construcções d'esta natureza, e, portanto, não podia fornecer-nos resultados interessantes para o nosso estudo.
Parece-me poder deduzir de quanto tenho exposto que o projecto elaborado pelos distinctos engenheiros Matos e Loureiro, que serviu de base ao concurso, e segundo o qual se vão construir as obras do porto de Lisboa, realisava os melhoramentos do porto segundo a concepção mais vasta, definida nos mais conceituados projectos até então apresentados. (Apoiados.)
Não traduz o projecto Matos e Loureiro menos vasta e amplamente os melhoramentos do porto de Lisboa, nem corresponde menos harmonicamente ao seu fim, do que o faziam os mais desenvolvidos projectos até então apresentados! (Apoiados.)
Passo a comparar os mencionados projectos pelo lado orçamental.
Soccorrer-me-hei para este fim, por mais de uma vez; ao parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, de 10 de junho de 1886, ácerca dos projectos presentes ao concurso, e do qual foi relator, como a camara sabe, o eminente engenheiro, o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa.
Começo pelo projecto Hersent.
N'uma nota complementar annexa á memoria descriptiva d'este projecto, dizia o seu auctor:
«Pendant que nous étudions les projets pouf les instal.
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latiofia maritimea du port de Lisbonne, nous nous sommes renda compte que les bases prises par le programme officiel étaient trop larges et que le projet elabore aurait pour conséquence d´engager le gouvernement dans une dépense supérieure aux prévisions de la loi votée.
«C'est la raison pour laquelle nous avons fait un nouveau plan, que nous nous réservons, avec des installations moins grandes, tout en conservant les mêmes lignes extérieures qui nous paraissent dans des bonnes conditions et présentent un véritable intérêt pour l'avenir.
«C'est en modifiant la disposition des darses que nous avons chorché à réduire Ia dépense qu'il serait nécessaire de faire de suite, pour rester en harmonie avee les ressources que le gouvernement peut ou veut affecter à l'organisation de son port.»
E mais abaixo continuava:
«Une seule darsette, en amont de l'arsenal, vis-à-vis de la place, entre la douane et l'entrepôt, serait probablement suffisante pour le service des fregatas. An besoin, la darse des pécheurs supplierait à l'insuffisance de ces installations pandant la première période.
«Cette darse des pécheurs pourrait ne pas avoir de quais à l'ouest et à l'est.
Ces quais seraient remplacés par desplans inclines d'une utilisation plus rationnelle avee le inatériel actuel.
«La grande darse pourrait, très probablement, suffire, avee les quais extérieurs au trafic du présent. On ajournerait, par suite, à une époque ultérieure la construction de Ia darse aux charbons, de quelques parties de quais et de divers ouvrages du côté d'Alcantara.
«Cette étude qui n'est, du reste, qu'une variante de notre projet, a surtout pour but de demontrer qu'on peut le modifier dans ses détails, sans que pour cela les grandes lignes cessent d'exister. On peut, par suite, ne construire, d'abord que 6:000 mètres de quais et ajourner le complément, que ne deviendra utile que par la suite.
Conclue-se que este engenheiro entendia que o seu projecto, tal como o apresentava, não podia realisar-se dentro da verba auctorisada de 10.800:000$000 réis, e que, para não exceder a base financeira da lei, seria necessario modifical-o dispensando a construcção da darse attx ckarbons e reduzir a 6:000 metros a extensão dos caes acostaveis.
A memoria descriptiva do projecto Reeves começava assim:
«O programma apresentado pelo governo para o concurso das obras do novo porto de Lisboa, sendo restrictamente executado conduziria a um projecto, que excederia muito o orçamento feito pela ex.ma commissão de 1883. Torna-se, portanto, absolutamente necessario fazer algumas modificações no plano com referencia aos muros do caes exterior, se quizermos não ultrapassar aquelle orçamento.»
É, pois, este engenheiro que entende tambem não poder levar-se á pratica o projecto que apresenta sem exceder a verba prescripta na lei. E para se collocar dentro d'ella é que o mesmo engenheiro apresentou um outro projecto com a designação de «n.° 2». O orçamento d'este projecto era ainda assim de 12.932:842$120 réis.
Para completar a linha de caes, prescripta no programma do concurso dos projectos, seria necessario addicionar a quantia de 2.228:004$000 réis, o que elevaria o orçamento do projecto inteiro a 15.160:840$120 réis.
No relatorio de 31 de janeiro de 1886, que acompanhou os dois projectos do «grupo nacional», lê-se:
«O custo doa projectos de que se tem tratado deve ser muito avultado. Pelas medições que os acompanham é facil reconhecer que qualquer d'elles importará em quantia muito superior á que a respectiva lei previu para a execução d'esta secção.»
É a opinião que uniformemente expõem os auctores doa projectos presentes ao concurso de l de fevereiro de 1886, (Apoiados.)
A commissão do engenheiros do «grupo nacional», tratou de estudar uma variante mais economica, mas fóra das condições do programma do concurso; tal variante não chegou a ser presente ao governe.
O sr. João Chrysostomo, no já mencionado parecer da junta, de que s. exa. foi relator, depois de exame detalhado e um estudo consciencioso da parte orçamental dos diversos projectos, chegou ás seguintes conclusões:
«1.ª Que o plano de 1883, executado integralmente com os seus 11:000 a 12:000 metros de caes, constituidos em mais de metade do seu desenvolvimento pelos muros do caes avançado, interiores e exteriores, com terrapleno de 100 metros de largura na maior parte, exigiria uma despeza que iria muito alem da fixada na lei de 16 de julho de 1885, e se approximaria de cerca de 20.000:000$000 réis;
«2.ª Que os projectos apresentados no concurso que teve logar em l de fevereiro de 1886, se fossem, executados, excederiam em muito a quantia fixada na lei.
Se a, hora não estivesse tão adiantada, eu exporia detalhadamente á camara as rasões e os calculos em que o eminente engenheiro se fundou para tirar as conclusões que acima deixo formuladas.
Emquanto ao projecto da direcção das obras do porto de Lisboa, tambem o custo da sua execução seria superior á base financeira marcada na lei.
É a affirmação que se encontra no parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, de 13 de dezembro de 1886.
Extrahi d'esse parecer os seguintes calculos, que passo a ler á camara:
«O orçamento, (refere-se ao elaborado pela direcção) comprehende as seguintes verbas:
1.200:000 metros cubicos de alvenaria hydraulica, construida ao ar livre a 3$000 réis 4.080:000$000
250:000 metros cubicos dita, pelo ar comprimido, a 10$000 réis 2.500:000$000
50:000 metros cubicos de cantaria, a 10$000 réis 500:000$000
Docas de reparação 700:000$000
2.200:000 metros cubicos de dragagens em lodo, a 250 réis 550.000$000
260:000 metros cubicos em terreno consistente, a 1$000 réis 260:000$000
4.100:000 metros cubicos de aterros, a 200 réis 820:000$000
760:000 metros cubicos do enrocamentos, a 400 réis 306:000$000
Pontões fluctuantes e pontes moveis 304:000$000
Escadas de ferro, arganéus, proizes, etc. 90:000$000
Defensas de madeira 90:000$000
Machinas e guindastes hydraulicos 600:000$000
Total do orçamento 10.800:000$000
«Analysando as differentes verbas de que consta este orçamento, chama especialmente a attenção, a que se refere ás alvenarias, cujo volume total é de 1.450:000 metros cubicos, cujo custo é orçado em 6.580:000$000 réis, o que dá por metro cubico o, preço de 4$537 réis correspondente á alvenaria ao ar livre 3$400 réis, e á construida pelo ar comprimido, naturalmente nas camaras de trabalho, a 10$000 réis, o primeiro dos quaes pareceu excessivamente baixo, e que sendo devidamente elevado fará subir a importancia total do orçamento acima do maximo fixado na lei.
Esta circumstancia e outras de que se fará, menção, levaram ao estudo de um novo projecto que satisfizesse a esta disposição da lei, do qual adiante se tratará,
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«Segundo os preços calculados para este ultimo projecto, o preço medio da alvenaria acima e abaixo de zero hydrographico é de 6$480 réis, que, applicado ao volume total das alvenarias do projecto da direcção, dá a importancia total de 9.396:000$000 réis, ou mais do que a importancia calculada no orçamento 2.816:000$000
«A verba destinada aos enrocamentos, a rasão de 400 réis por metro cubico importa em 306:000$000 réis o se se applicar o preço medio de 900 réis adoptado no novo projecto importaria em 688:500$000 réis ou mais 382:500$000
No orçamento da direcção não foram incluidas verbas para os seguintes trabalhos, attendidas no novo projecto pela seguinte fórma:
Vias ferreas 108:700$000
Telheiros 136:000$000
Calçadas 64:400$000
Vedações e accessorios 49:000$000
Canalisações. 60:00$000
Administração e imprevistos 193:366$735
«Total em que o projecto da direcção excederia o limite da lei 3.810:466$735
Sr. presidente, emquanto todos os projectos enumerados exigiriam, para ser, levados á, pratica, uma despeza muito superior á verba fixada na lei, succede que o projecto elaborado pelos engenheiros Matos e Loureiro apresenta um orçamento de 10.800:000$000 réis, quantia esta precisamente igual á verba fixada na lei, e vae ser executado integralmente pela somma de,l0.790.:000$000 réis, que tal foi aquella por, que as obras foram adjudicadas ao empreiteiro Pierre Hildenert Hersent. (Apoiadas.)
Approxime a camara os dois factos culminantes que ficam expostos, e veja-se qual é a conclusão que d'ahi resulta.
O exame detalhado e consciencioso de todos os projectos respeitantes aos melhoramentos, do porto de Lisboa, elaborados desde a commissão de 16 de março de 1883 até hoje, mostra que o projecto Matos e Loureiro não é inferior, antes corre parelhas com os mais desenvolvidos, com os que mais vastamente conceberam e delinearam os melhoramentos do porto. (Apoiados.)
É facto que quem quer póde contraprovar por si mesmo, e que se me afigura ter posto a toda a luz da evidencia na comparação que apresentei perante a camara. (Apoiados.)
Por outro lado, o estudo orçamental dos differentes projectos mostra de uma maneira clara e frisante que, emquanto o projecto Matos e Loureiro se vae executar pela verba de 10.790:000$000 réis, todos os outros demandariam, para se levar á pratica, quantias muito superiores. (Apoiados.) A leitura dos documentos levará ao espirito de quem quer o convencimento d'este facto.
Qual a conclusão que resulta?
É que a empreitada das obras do porto de Lisboa foi feita em condições altamente vantajosas para o estado. (Apoiados.)
Entendia-se não ser possivel, e esta era a opinião geral, realisar o plano de 1883 ou outro que d'elle se approximasse, dentro da verba auctorisada na lei. O concurso, aberto nas condições mais consentaneas com os interesses publicos, deixados livres os systemas de construcção, podendo os concorrentes usar dos seus meios especiaes de trabalho, aproveitar da sua experiencia e pratica, - permittiu que as obras se emprehendessem em condições excepcionalmente vantajosas para o thesouro. (Apoiados )
É a confirmação do que se dizia no relatorio da proposta de lei do sr. Antonio Augusto de Aguiar, de 25 de abril de 1884. E, tendo sido adjudicadas as obras ao empreiteiro Hersent, é ainda a confirmação das palavras do sr. Fontes Pereira de Mello, pronunciadas na sessão, de 27 de junho de 1885, em resposta ao sr. Barros Gomes. (Apoiados.)
Mas, como admittir então esses lucros fabulosos para o empreiteiro de que eu ouvi aqui fallar?
Mas, se se infere clara e rigorosamente de quanto eu expuz, que a adjudicação das obras foi feita em magnificas condições financeiras, como admittir que o empreiteiro vae tirar lucros extraordinarios, afora os que a empreitada natural e rasoavelmente lhe faculta, - na importancia de 2.700:000$000 réis, como disse o sr. Pedro Victor? (Apoiados.)
Admittamos por um momento tal hypothese, e vejamos as conclusões absurdas a que nos conduz.
As obras foram arrematadas por 10.790:000§000 réis; deduzindo 2.700.000$000 réis, que taes são os lucros extraordinarios que o empreiteiro illegalmente vae auferir, como se pretende affirmar, ficam 8.090:000$000 réis. Quer isto dizer: segundo a opinião do meu prezado amigo o sr. Pedro Victor, as obras dos melhoramentos do porto de Lisboa, taes como se acham delineadas no projecto Matos o Loureiro, que está sensivelmente a par dos mais vastos e desenvolvidos projectos que sobre o assumpto se têem apresentado, podem realisar-se por 8.090:000$000 réis, comprehendendo uma margem rasoavel de lucros para o empreiteiro.
A camara tem ainda presente no seu espirito a revista que passei aos orçamentos de todos os projectos elaborados desde a commissão de 1883 para cá. Todos elles accusavam, uniformemente, o facto de que a verba de réis 10.800:000$000 era já de si exigua para occorrer a um tão vasto programma de obras. Pois, foi puro engano! Enganaram-se as corporações technicas, todos os engenheiros tanto nacionaes como estrangeiros que trataram dos melhoramentos do porto de Lisboa; enganou-se o sr. João Chrysostomo!
Todas aquellas obras se podem executar por uma verba muito mais diminuta, por 8.090:000$000 réis, incluida uma rasoavel margem de lucros para o empreiteiro!
Tal é a opinião que se aventa agora!
Ha mais ainda.
A commissão de 1871, apresentando um plano de melhoramentos do porto, de Lisboa, calculou a despeza das obras que então propunha em 8.200:000$000 réis. O exame dos trabalhos d'aquella commissão mostra que o seu plano de obras era muito menos vasto do que aquelle que se vae executar, agora. Mas, que exclamaria ella, sr. presidente, se lhe dissessem que, por menos 110:000$000 réis do que o seu orçamento, se poderiam executar, não as obras que planeara, mas outras muito mais vastas e grandiosas! (Apoiados.)
Tambem a commissão de 1871 se enganou!
O celebre engenheiro inglez sir John Coode, auctor do projecto de Leixões, tambem foi chamado a dar a sua opinião sobre os melhoramentos do porto de Lisboa. As obras que o distincto engenheiro propoz para se realisarem desde logo, eram as seguintes:
1.ª Uma doca de marés adaptada para vapores e navios de maior lotação;
2.ª Uma doca de fluctuação com eclusa de entrada pela, doca de marés;
3.ª Uma pequena doca de marés para fragatas e barcos de pesca;
4.ª Dois diques de reparação;
5.ª Vias ferreas, armazens, etc.
A respectiva estimativa importava em £ 1.224:840, ou 5.511:780$000 réis; mas na confecção d'esta estimativa partiu-se da hypothese de que todas as ferramentas, uten-
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silios, machinismos, cimentes e outros materiaes que devessem ser importados para a obra fossem livres de direitos.
A simples exposição das obras que o engenheiro Coode propunha é suficiente para mostrar que ellas são incomparavelmente menos vastas, muito mais reduzidas, do que as comprehendidas no projecto Matos e Loureiro. Basta notar que não ha o muro de caes avançado, que é a obra mais dispendiosa. Se, pois, o projecto Matos e Loureiro se póde executar por 8.090:000$000 réis, por menos ainda de metade se deveriam poder executar as obras propostas por sir John Coode.
Tambem este illustre engenheiro se enganou!
E comtudo eu suppunha que para esse lado da camara o sr. Coode gosava fama de fazer os seus calculos estimativos muito reduzidos. E digo isto, porque, quando se tratou do porto de Leixões, aquelle engenheiro apresentou uma estimativa na importancia de 4.117:275$000 réis, o governo adoptou na respectiva proposta de lei como base extrema de licitação 4.500:000$000 réis, e a obra foi adjudicada por 4.489:000$000 réis.
A camara vê que são inaceitaveis as conclusões a que me conduz a hypothese de onde parti; tal hypothese é, pois, inadmissivel. (Apoiados.)
É erronea a base de onde se parte para pretender estabelecer lucros para o empreiteiro, na importancia de réis 2.700:0000$000 réis. (Apoiados.) Antes, os factos que eu fiz passar perante os olhos da camara, levam necessariamente á conclusão de que a empreitada das obras do porto de Lisboa se realisou em condições altamente vantajosas para o thesouro, e taes que anteriormente se não suppunha que podessem obter-se. (Apoiados.)
Sr. presidente, dirigido o meu estudo no sentido que venho de mostrar á camara, tratei de, por outro processo, corroborar as conclusões a que tinha chegado sobre a parte financeira da questão.
Examinei detidamente o orçamento do projecto elaborado pelos engenheiros Matos e Loureiro, e desejava expor largamente as considerações que esse exame me suscitou, mas o pouco tempo de que posso dispor obriga-me a ser breve.
O orçamento do projecto Matos e Loureiro, compunha-se de nove capitulos, distribuidos da seguinte fórma:
Capitulo 1.° - Muros e rampas:
Por artigos Por capitulos
Art. 1.° Muros exteriores. 3.291:091$495
rt. 2.° Muros interiores. 3.602:637$770
Art. 3.º Rampas 31:320$000
6.925:049$265
Capitulo 2.° - Terraplenagens:
Art. 1.° Dragagens. 842:500$000
Art. 2.° Aterros 672:660$000
1.515:160$000
Capitulo 3.° - Eclusa e docas de reparação:
Art. 1.° Eclusa. 250:000$000
Art. 2.°Docas de reparação 610:000$000 860:000$000
Capitulo 4.º - Pontes e desembarcadouros:
Art. 1.° Pontes moveis 70:000$000
Art. 2.° Desembarcadouros 140:000$000 210:000$000
Capitulo 5.º - Edificios e machinas:
Art. 1.° Edificios do serviço
hydraulico 71:200$000
Art. 2.°Apparelhos elevatorios de tracção 131:300$000
Art. 3.° Apparelhos a braços 6:000$000 208:500$000
Capitulo 6.°- Vias ferreas. 108:700$000
Capitulo 7.º - Obras accessorias:
Art. l.° Accessorios de caes 80:000$000
Art. 2.° Pavimento. 113:900$000
Art. 3.° Esgotos 60:000$000
Art. 4.° Telheiros 136:000$000 389:900$000
Capitulo 8°- Obras entre o caneiro de Alcantara e Porto Franco 427:884$000
Somma 10.645:193$265
Capitulo 9.°- Administração e imprevistos 154:806$735 Total 10.800:000$000
Quando se trata de orçar o custo de uma obra, ha tres elementos distinctos que considerar: a medição da obra, a serie de preços, e o orçamento propriamente dito, que não é outra cousa senão o resultado da multiplicação das quantidades de trabalho pelos preços correspondentes.
Na medição ha que considerar as unidades de trabalho e as quantidades de trabalho, isto é, as differentes especies de trabalho a executar e o quantum de cada especie. Examinei a medição do projecto Matos e Loureiro, e não encontrei differenças sensiveis.
Na serie de preços ha a considerar: preços simples, preços compostos e de applicação. Examinei a serie de preços do projecto Matos e Loureiro, e vou muito summariamente expor á camara a impressão que me resultou d'esse exame.
No projecto Matos e Loureiro, o custo do metro cubico de alvenaria hydraulica, abaixo do zero hydrographico, com cimento de Portland, pelo systema do ar comprimido, é computado em 8$000
O projecto da direcção das obras do porto de Lisboa applicava á mesma unidade de trabalho o preço de 10$000
O engenheiro Reeves, no seu projecto presente ao concurso em l de fevereiro de 1886, estabelecia. 13$000
O proprio engenheiro Matos no estudo que fez ácerca do plano da commissão de 1883, e que tem a data de 23 de novembro de 1884, applicava á unidade do trabalho acima referido o preço de 12$000
E acrescentava o mesmo engenheiro que poderia adoptar-se este preço, attendendo á facilidade de acquisição dos materiaes no porto de Lisboa, e aos provaveis aperfeiçoamentos dos processos de construcção.
Nos modernos trabalhos do porto de Anvers o custo medio do metro cubico das alvenarias foi de 79,17 francos, ou 140$250
Em Lisboa, a execução dos trabalhos apresentará mais difficuldades do que em Anvers, e aqui empregou-se, em vez de cimento de Portland, o trass de Hollanda, que é uma especie de pozzolana.
O sr. Hersent, no seu estudo sobre os melhoramentos do porto do Havre, applicou ao metro cubico dos muros de caes o preço medio de 70,45 francos, ou. 12$681
Croizette Desnoyers, no seu livro sobre os trabalhos publicos da Hollanda, cita o facto de que a fundação dos pilares de uma ponte sobre o Meuse em Rotterdam, por meio do ar comprimido, a profundidades de 23 metros abaixo das altas aguas, custou por metro cubico 93 francos, ou 16$740
Na fundação da ponte de Lorient sobre o Scorff, o metro cubico regulou a 162 francos, ou. 29$160
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Na ponte de Nantes sobre o Loire, á profundidade de 17 metros cubicos, 92 francos, ou 16$560
Apresento o seguinte quadro extrahido aos Processos geraes de construcção do Debauve:
[ver tabela na imagem]
Data das construcção Designação Systema de Profundidade Despeza das obras de fundação de penetração por metro
- cubico em
Metros alvenaria -
Réis
E dos casos citados muitos ha em condições mais favoraveis do que aquellas que se hão de dar em Lisboa.
O custo do metro cubico de alvenaria construida pelo processo do ar comprimido nos apoios de differentes pontes tem regulado em media por 100 francos ou 18$000 réis.
De todos os exemplos que deixo apontados, vê-se que o preço adoptado no projecto Matos e Loureiro é diminutissimo, e, como consequencia baixo tambem o orçamento.
Passo agora a examinar outros preços.
Um metro cubico de dragagem em lodo e areia é computado, segundo o projecto Matos e Loureiro em 200
No projecto da direcção avaliava-se em 250
No projecto Matos e Loureiro o metro cubico de cantaria, assente na obra, custa 11$600
A mesma quantidade de trabalho no caes oriental de Lisboa tem ficado por 11$964
1 metro cubico de blocos artificiaes no projecto Matos o Loureiro está avaliado em. 4$300
O mesmo trabalho em Leixões custou 5$297
Não levarei mais longe este estudo, porque a estreiteza do tempo m'o não permitte; mas o que fica exposto é sufficiente para mostrar que os preços das differentes unidades de trabalho são em extremo diminutos, e a tal ponto que difficilmente se poderiam executar por elles a não se realisarem condições excepcionaes.
E aqui tem a camara confirmado e explicado o que eu disse já hoje ao tratar do segundo periodo quando respondia aos reparos formulados por alguns dos illustres deputados da opposição.
E não passarei adiante sem fazer notar ainda um outro preço que tambem é muito exiguo.
O orçamento do projecto Mattos e Loureiro avaliava em 400 réis o preço do metro quadrado da calçada.
Ora, quer v. exa., sr. presidente saber qual é o preço porque fica á camara municipal de Lisboa o metro quadrado de calçada de basalto?
É 750 réis. E a base ó a seguinte:
Basalto, Om3;20 a 1:960 392
Areia para a base, Om3,10 a 500 50
Terraplanagem 60
Mão de obra de calceteiro 180
10 por cento para ferramentes e administração 68
Total 750
A verba de 154:806$735 réis que no orçamento é destinada a despezas de administração e imprevistos é tambem insignificantissima.
Continuemos analysando o orçamento
Como já disse, a verba ha pouco citada para despezas de administração e imprevistos é dminutissima. No ultimo parecer da commissão especial, encarregada de formulai-as bases do concurso, calculavam se as despezas de administração da seguinte forma, que me parece muito acceitavel:
Pessoa technico:
l engenheiro chefe 3:600$000
3 engenheiros subalternos, a 1:800$000 5:400$000
8 conductores, a 900$000 7:200$000
20 mestres ou apparelhadores, a 360$000 7:200$000
3 desenhadores, a 360$000 1:080$000
Pessoal administrativo:
l chefe de contabilidade 2:000$000
4 escripturarios, a 288$000 réis 1:152$000
20 agentes, guardas, etc. a 210$000 réis
Expediente, renda de casas e diversos 3:368$000
Somma em cada anno. 35:200$000
Total em dez annos 352:000$000
Não se attende aos ultimos tres annos de garantia.
Tambem a mesma commissão calculou em 300:000$000 réis o juro do capital empregado na execução dos trabalhos, e dos descontos em poder do estado.
Querendo determinar o augmento de despeza a que o empreiteiro é obrigado com a construcção das calçadas, hão temos mais que do preço de 750 réis deduzir 1/2 do decimo abonado (68 réis); fica 716. A differença entre esta quantia e 400 reis, preço estipulado no orçamento, dá 316 réis, que, multiplicado por 161:000m2, produzem réis 50:876$000, que tal é a verba que o empreiteiro terá a gastar a mais.
Uma das verbas que o empreiteiro tem a seu favor é a differença entre o custo do systema de fundações adoptado no projecto e o das arcadas. Seguindo um processo igual ao da commissão especial e junta, achei, para essa differença, 230:000$000 réis.
Os argumentos adduzidos durante a discussão não invalidaram a minha opinião a tal respeito.
São tambem a favor do empreiteiro o decimo de todos os preços calculados por estimativo, e as percentagens correspondentes ás verbas avaliadas por series de preços. A maneira de as obter é a seguinte:
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1542 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
As obras avaliadas por estimativa são as seguintes:
Capitulo 1.° - Muros e rampas:
Por artigos Por capitulos
Art. 3.° Rampas 31:320$000 31:320$000
Capitulo 2.° - Terraplenagens:
Art. 1.° Dragagens em terreno consistente 459:300$000
Art. 2.° Aterros 672:660$000 1.131:960$000
Capitulo 3.° - Eclusa e docas de reparação:
Art. 1.° Eclusa 250:000$000
Art. 2.° Docas de reparação. 610:000$000 860:000$000
Capitulo 4.° - Pontes e desembarcadouros:
Art. l.° Pontes 70:000$000
Art. 2.° Desembarcadouros 140:000$000 210:000$000
Capitulo 5.° - Edificios e machinas:
Art. 1.° Edificios do serviço hydraulico 71:200$000
Art. 2.° Apparelhos elevatorios de tracção 131:300$000
Art. 3.° Apparelhos a braços 6:000$000 208:500$000
Capitulo 6.°- Vias ferreas 108:700$000
Capitulo 7.º - Obras accessorias:
Art. 1.° Accessorios de caes 80:000$000
Art. 2.° Pavimento 113:900$000
Art. 3.° Esgotos 60:000$000
Art. 4.° Telheiros 136:000$000 389:900$000
Total 2.940:380$000
Tomando 1/11 2.940:380$000 = 267:307$272
Portanto, a verba de 267:307$272 réis deve ser lançada á conta de lucros para o empreiteiro.
As obras calculadas por serie de preços são:
Capitulo 1.º - Muros e rampas:
Art. 1.° Muros exteriores. 3.291:091$495
Art. 2.° Muros interiores. 3 602:637$770 6.893:729$265
Capitulo 2.º - Terraplenagens:
Art. 1.° Dragagens em lodo e areia 383:200$000 383:200$000
Total 7.276:929$265
Não se pode aqui seguir o mesmo methodo que para as importancias por estimativa. Vou, porém, analysar os differentes preços compostos, e nas percentagens n'elles arbitradas conservar apenas 5 por cento para ferramentas, e contar o restante a favor do empreiteiro.
Ora as quantidades de trabalhos são:
224:780 metros cubicos de alvenaria de pozzolana;
368:445 metros cubicos de alvenaria com cimento de Portland;
42:912 metros cubicos de cantaria;
1.916:000 metros cubicos de dragagens em lodo e areia.
A base para a alvenaria de pozzolana é a n.° l dos preços compostos, e teremos:
1m3 Pedra 1,1 X 43,5 = 47,85
Argamassa 0,4 X 18,2 72,80
Mão de obra 0,15 x 1,500 225,00
345,65 346
A base para a alvenaria de cimento a ar comprimido é a n.° N.° 2; teremos:
1m3_ Pedra 1,1 X 43,5 47,85
Argamassa 0,4 X 324,5 129,80
5 por cento applicado ao preço composto = 362,00
539,65 540
A base para a cantaria é a n.° 4; teremos:
1m3 Argamassa 0,05 X 324,5 16,23
5 por cento applicado ao preço composto = 560,00
516,23 516
A base para a dragagem em lodo e areis é o preço simples n.° l, teremos:
5 por cento do preço. = 9 9
Applicando estes preços ás quantidades de trabalho, resulta:
Alvenaria de pozzolana 224:780 X 346 = 77:773$880
Alvenaria do cimento.. 368:445 X 540 = 198:960$300
Cantaria assente 4:912 X 516 = 22:142$592
Dragagem em lodo e areia. 1:916:000 X 9 = 17:244$000
Total 316:120$772
É esta verba, pois, que tem de ser considerada como lucro do empreiteiro.
Postos estes preliminares póde-se fazer um calculo approximado das circumstancias orçamentaes em que o empreiteiro se acha collocado.
Para isto, considerarei em primeiro logar:
Verbas a favor do empreiteiro:
Obras entre o caneiro de Alcantara e Porto
Franco 427:884$000
Capitulo IX - Administração e imprevistos 154:806$735
Economia proveniente da adopção do novo systema de fundação dos muros 230:000$000
1/10 da importancia das obras calculadas por estimativa. 267:307$272
Verba destinada a lucros, resultante dos preços da serio, deduzidos os 5 por cento para ferramentas 316:120$772
Total 1.396:118$779
Passo a considerar em segundo logar:
Verbas contra o empreiteiro:
Juro do capital empregado na execução dos trabalhos e dos descontos em poder
do estado 300:000$000
Despezas de administração 352:000$000
Abatimenta da praça. 10:000$000
Calçadas 50:876$000
Total 712:876$000
Differença 683:242$779
Tal é a verba com que o empreiteiro tem de prover aos lucros da empreza e fazer face aos encargos resultantes dos accidentes, avarias e imprevistos.
Como a camara vê, esta verba representa approximadamente 6 por cento da importancia total das obras, e é d'ella que o adjudicatario terá de tirar os seus lucros e acudir ao mesmo tempo ás despezas que seja mister fazer,
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SESSÃO DE 9 DE MAIO DE 1888 1543,
provenientes de avarias e imprevistos, quando é, certo, que só para lucros do, empreiteiro se costuma contar sempre com 10 por cento da importancia do orçamento.
E note a camara que eu não tomei em consideração a exiguidade dos outros preços; não entrei em linha de conta com a fórma de pagamento em terrenos, que é manifestamente contraria aos interesses do empreiteiro. Se assim fizesse, aquella verba teria ainda bastante que descer.
E os direitos de importação dos materiaes, de cujo pagamento o empreiteiro das obras do porto de Lisboa não está isento como foi o de Leixões?
E a este respeito lembro-me de que o meu prezado amigo o sr. Pedro Victor disse que não havia que attender aos direitos de importação, porquanto no calculo dos preços para o orçamento já se attendia a elles.
Pois seja assim. Mas o illustre deputado não se lembrou de que o projecto Matos e Loureiro tem a data de 6 de dezembro de 1886, e que n'esse tempo estava em vigor a pauta do 17 de setembro de 1885, ao passo que agora vigora uma outra pauta, a que foi aqui votada no anno passado.
Ora, compulsando as duas pautas, eu acho immediatamente:
Pauta do 17 de setembro de 1885 Pauta de 16 de agosto da 1887
Cimentos livres 3 réis por kilog.
Cal hydraulica » 1 »
Pozzolana » 1 »
Ora, o volume total de alvenaria de cimento é 368:445 metros cubicos; cada metro cubico de alvenaria contem proximamente 222 kilogrammas de cimento; logo, o peso total do cimento é 81.794:790 kilogrammas, que, á taxa de 3 réis, representa contra o empreiteiro a verba de réis 245:384$370 réis. (Apoiados.)
Se se empregar a cal de Theil, em vez de pozzolana, ter-se-ha:
Volume total d'esta alvenaria, 224:780 metros cubicos; cada metro cubico contém proximamente 200 kilogrammas de cal: logo, o peso total da cal de Theil seria 44.956:000 kilogrammas, que, á taxa de l real, dá 44:956$000 réis.
Sommadas as duas verbas, dariam 290:340$370 réis.
É, pois, mais uma despeza que o empreiteiro terá que fazer e lhe irá cercear a verba destinada aos seus lucros
Mais longe poderia eu levar esta analyse, mas nem se me affigura necessario para cabal demonstração da proposição que formulei no principio do meu discurso, nem tão pouco o tempo m'o permittiria.
O exame directo do orçamento, veiu, pois, corroborar as conclusões a que eu já havia chegado por outro processo. (Apoiados.)
E com isto, sr. presidente, não quero eu dizer que o empreiteiro vae perder.
Pelo contrario, nenhuma duvida me resta de que elle veiu ao concurso das obras para ganhar, e ganhar o mais que pudesse; nem pelo facto do empreiteiro ganhar se segue que um contrato seja mau. Em todos os contratos que o governo faz, sempre o empreiteiro tem em vista ganhar. Mas a conclusão necessaria d'esta ultima parte do meu estudo é que o empreiteiro ha de ir procurar a remuneração rasoavel dos seus capitaes na sua pratica especial d'esta ordem de trabalhos, no seu pessoal adextrado, nos muitos machinismos de que dispõe e nos bons processos de administração; por outro lado, pode-se afoutamente dizer que nunca o estado realisou uma empreitada de obras em condições tão favoraveis. (Apoiados.)
Chegado ao termo das minhas considerações, parece me que posso affirmar ter demonstrado: 1.° que o governo cumpriu sempre a lei; 2.° que a empreitada das obras se realisou em boas condições para o thesouro. (Apoiados.}
Ao terminar, seja-me permittido antecipar no meu espirito o periodo de dez annos, antever a realisação das obras do porto de Lisboa, engrandecido o commercio do paiz, transformadas completamente as condições economicas da capital, e elevada ella ao logar proeminente que tem direito a occupar, pela magestade do seu porto, pela sua posição geographica, e pelos variados e pujantes elementos de vida de que dispõe!
E ao antecipar tudo isto no meu espirito, diviso eu tambem no fundo d'este quadro, risonho de prosperidade nacional, tres vultos a quem se devem os melhoramentos do porto de Lisboa.
O primeiro é o de Fontes Pereira de Mello, o prestigioso chefe do partido regenerador, que logrou a ventura e teve a gloria de fechar o cyclo brilhantissimo da sua administração publica com a lei de 16 de julho de 1885, destinada a transformar, por completo, as condições da cidade de Lisboa e a fazer com que ella no futuro assuma o papel importantissimo que tem direito a desempenhar.
O segundo é o de Antonio Augusto de Aguiar, o professor illustre, a cuja propaganda calorosa e diligente esforço se deveu a corrente da opinião publica, que fez com que aquell'outro estadista podesse, com o prestigio do seu nome e com a auctoridade da sua estatura, levar de vencida as resistencias que se oppunham a que fossem lei os melhoramentos do porto de Lisboa.
O terceiro, e justiça a todos, é o do nobre ministro das obras publicas; é o de Emygdio Navarro, esse orador distincto, esse jornalista da elite, esse parlamentar illustre, que, mercê das suas altas qualidades e energia, pôde transformar o que era apenas lei no papel, na realidade da execução das obras. (Apoiados.)
Sr. presidente, parecia que Fontes Pereira de Mello previa que as obras do porto de Lisboa haviam de ser, mais ou menos, motivo de dissabor para todos aquelles que pozessem a sua iniciativa, a sua vontade e a sua energia ao serviço de uma tal causa.
E, effectivamente, ellas trouxeram desprazer e desgosto para todos!
Mas quem é que na vida politica os não tem? Quem ha ahi tão acariciado de venturas que uma ou outra vez não sinta ferir-se nos cardos que a momentos se deparam na estrada da vida politica que seguimos? Todos temos dissabores; mas ha tambem a consolação de ver que no meio de tudo isto, quando chegam as horas solemnes, nós que tantas vezes injustamente nos atacámos e aggredimos, nunca negâmos a ninguem a justiça que lhe é devida. (Apoiados.)
Ainda não ha muito tempo que uma grande catastrophe ia roubando ao paiz, ao parlamento, á sua familia e á amisade de todos nós, um caracter que apreciâmos pelas suas excelsas qualidades, um amigo amantissimo das letras, um vulto proeminente do nosso meio politico: refiro-me ao sr. Pinheiro Chagas.(Apoiados.) E diante d'essa catastrophe não houve aggressão politica que se não callasse, não houve aggravo que se não esquecesse; tudo se esqueceu, e todos, cada um no momento em que o devia fazer, prestaram o preito de homenagem áquelle grande talento!-(Vozes: - Muito bem.)
Folgo de ver tambem que, na lucta que se travára contra o nobre ministro das obras publicas, chegado o momento solemne, aquelles que tinham sido os seus mais intransigentes adversarios não tiveram duvida em render-lhe a homenagem de consideração que lhe era devida. (Apoiados.)
Das amarguras por que passou o nobre ministro das obras publicas tem ainda s. exa. a compensal-o n'este momento, e sempre, a devotada dedicação o entranhado
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amor e o profundo respeito que lhe consagram todos aquelles que têem a suprema ventura de lhe avaliar de perto a probidade inconcussa do seu caracter, (Muitos apoiados.) as excellencias primorosas do seu coração (Muitos apoiados.) e os alevantados quilates do seu fino espirito. (Muitos apoiados.)
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por todos os srs. ministros deputados presentes.)
O sr. Presidente: - A ordem do dia para sexta feira é a mesma que vinha para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e meia da tarde.
Redactor = S. Rego