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SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1890

Presidencia do exmo. sr. Pedro Augusto de Carvalho

Secretarios - os exmos. srs.

José Joaquim de Sousa Cavalheiro
Antonio Teixeira de Sousa

SUMMARIO

Lê-se um officio do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado Antonio Lereno, nota das vacaturas existentes nos quadros de saude das provincias ultramarinas.- Teve segunda leitura um projecto de lei approvando, na parte que depende da auctorisação do poder legislativo, o contrato celebrado em 6 de dezembro de 1888 entre a camara municipal de Almada e Arthur Eugenio Lobo d'Avila para o abastecimento de aguas da villa e seus suburbios, apresentado pelo sr. Costa Pinto.- Apresentam declarações do voto os srs. Neves Ferreira e Figueiredo Mascarenhas.- Os srs. Emygdio Navarro e ministro dos negocios estrangeiros fallam sobre a questão ingleza, a proposito de um artigo publicado no Times.- O sr. Eduardo Coelho manda para a mesa um projecto de lei, assignado tambem pelos srs. deputados Francisco de Medeiros, Emygdio Navarro, Mattozo Côrte Real, Baptista de Sousa, Elvino de Brito e Eduardo Villaça, auctorisando o governo a fazer construir linhas ferreas, e faz diversas considerações sobre a opportunidade da sua construcção. Termina por mandar para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro do reino sobre violencias e abusos na ultima eleição geral de deputados.- O sr. Charters de Azevedo manda para a mesa um projecto de lei approvando o contrato celebrado em 12 de abril do 1890 entre a camara municipal de Leiria e Diogo Souto para a illuminação a gaz da referida cidade de Leiria.- O sr. Alfredo Brandão renova a iniciativa do projecto de lei n.° 73-R, do 1875, que manda applicar aos empregados das differentes repartições do hospital de S. José e annexos as disposições do artigo 114.° do regulamento approvado por decreto de 10 de outubro de 18G3.

Na ordem do dia continúa a discussão do projecto n.° 152, ácerca da construcção do caminho de ferro de Mossamedes. - Defende o projecto o sr. Ferreira do Amaral, e combate-o o sr. Affonso Espregueira. - O sr. Ressano Garcia propoz, e foi acceito, o haver duas discussões, uma na generalidade, outra na especialidade.- Dão o seu parecer sobre esta proposta, antes de votada pela camara, os srs. ministro da marinha e o relator do projecto.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 58 srs. deputados. São os seguintes:- Abilio Eduardo da Costa Lobo, Agostinho Lucio e Silva, Albano de Mello Ribeiro Pinto, Alberto Augusto de Almeida Pimentel, Alexandre Alberto da Rocha Serpa Pinto, Alexandre Maria Ortigão de Carvalho, Alvaro Augusto Froes Possollo de Sousa, Antonio Augusto Correia da Silva Cardoso, Antonio de Azevedo Castello Branco, Antonio Eduardo Villaça, Antonio Fialho Machado, Antonio Jardim de Oliveira, Antonio José Arroyo, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Barão do Paçô Vieira (Alfredo), Carlos Roma du Bocage, Custodio Joaquim da Cunha e Almeida, Eduardo Abreu, Eduardo Augusto da Costa Moraes, Eduardo José Coelho, Emygdio Julio Navarro, Eugenio Augusto Ribeiro de Castro, Feliciano Gabriel de Freitas, Fernando Pereira Palha Osorio Cabral, Francisco do Almeida e Brito, Francisco de Barros Coelho e Campos, Francisco de Castro Mattozo da Silva Côrte Real, Francisco Joaquim Ferreira do Amaral, Francisco José Machado, Francisco José de Medeiros, Francisco Xavier de Castro Figueiredo de Faria, João Maria Gonçalves da Silveira Figueiredo, João de Paiva, João Pinto Moreira, João Simões Pedroso de Lima, Joaquim Germano de Sequeira, Joaquim Ignacio Cardoso Pimentel, Joaquim Simões Ferreira, Joaquim Teixeira Sampaio, José de Abreu do Couto Amorim Novaes, José de Alpoim de Sousa Menezes, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, José de Azevedo Castello Branco, José Estevão de Moraes Sarmento, José Julio Rodrigues, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria Pestana de Vasconcellos, José Maria de Sousa Horta e Costa, Julio Antonio Luna de Moura, Luciano Cordeiro, Luiz de Mello Bandeira Coelho, Luiz Virgilio Teixeira, Marcellino Antonio da Silva Mesquita, Pedro Augusto de Carvalho, Pedro Ignacio de Gouveia e Thomás Victor da Costa Sequeira.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Augusto da Silva Monteiro, Adriano Emilio de Sousa Cavalheiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Alfredo César Brandão, Alfredo Mendes da Silva, Amandio Eduardo da Motta Veiga, Antonio Baptista de Sousa, Antonio Maria Cardoso, Antonio Maria Jalles, Antonio Costa, Arthur Hintze Ribeiro, Augusto Maria Fuschini, Bernardino Pacheco Alves Passos, Caetano Pereira Sanches de Castro, Conde de Villa Real, Eduardo Augusto Xavier da Cunha, Eduardo de Jesus Teixeira, Elvino José de Sousa e Brito, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Severino de Avellar, Frederico Ressano Garcia, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho de Abreu, João Alves Bebiano, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Marcellino Arroyo, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, José Christovão Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Elias Garcia, José Frederico Laranjo, José Freire Lobo do Amaral, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim de Sousa Cavalheiro, José Maria Charters Henriques de Azevedo, José Maria Greenfield de Mello, José Maria de Oliveira Peixoto, José Victorino de Sousa e Albuquerque, Julio Cesar Cau da Costa, Manuel Affonso Espregueira, Manuel de Arriaga, Manuel d'Assumpção, Manuel Francisco Vargas, Manuel Pinheiro Chagas, Manuel Thomás Pereira Pimenta de Castro, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Pedro Victor da Costa Sequeira e Roberto Alves de Sousa Ferreira.

Não compareceram á sessão os srs.: - Abilio Guerra Junqueiro, Adolpho da Cunha Pimentel, Antonio José Ennes, Antonio Manuel da Costa Lereno, Antonio Maria Pereira Carrilho, Antonio Mendes Pedroso, Antonio Pessoa de Barros o Sá, Antonio Sergio da Silva e Castro, Aristides Moreira da Motta, Arthur Alberto de Campos Henriques, Arthur Urbano Monteiro de Castro, Augusto Carlos de Sousa Lobo Poppe, Augusto Cesar Elmano da Cunha e Costa, Augusto da Cunha Pimentel, Augusto José Pereira Leite, Augusto Vidal de Castilho Barreto e Noronha, Bernardino Pereira Pinheiro, Carlos Lobo d'Avila, Christovão Ayres de Magalhães Sepulveda, Columbano Pinto Ribeiro de Castro, Conde do Covo, Estevão Antonio de Oliveira Junior, Fernando Mattozo Santos, Fidelio de Freitas Branco, Fortunato Vieira das Neves, Frederico de Gusmão Corrêa Arouca, Henrique da Cunha Matos de Mendia, Ignacio Emauz do Casal Ribeiro, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, Jayme Arthur da Costa Pinto, João do Barros Mimoso, João José d'Antas Souto Rodrigues, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Machado, Joaquim Alves Matheus, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Antonio do Almeida, José Bento Ferreira do Almeida, José Dias Ferreira, José Domingos Ruivo Godinho, José Luiz Ferreira Freire, José Maria Latino Coelho, José Maria dos Santos, José Monteiro Soares de Albergaria, José Paulo Monteiro Cancella, José de Vasconcellos Mascarenhas Pedroso, Lourenço Augusto Pereira Malheiro, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz Augusto Pimentel Pinto, Luiz Gonzaga dos Reis

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1444 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Torgal, Manuel Constantino Theophilo Augusto Ferreira, Manuel de Oliveira Aralla e Costa, Manuel Vieira de Andrade, Marianno Cyrillo de Carvalho, Marquez de Fontes Pereira de Mello, Matheus Teixeira de Azevedo, Pedro de Lencastre (D.), Sebastião de Sousa Dantas Baracho, Visconde de Tondella e Wenceslau de Sousa Pereira Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação no requerimento do sr. deputado Antonio Lereno, nota das vacaturas existentes nos quadros de saude das provincias ultramarinas.

Para a secretaria.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores.- A camara municipal do concelho de Almada celebrou, em 6 de dezembro de 1888, um contrato com Arthur Eugenio Lobo d'Avila, para o abastecimento de agua no concelho.

O contrato, approvado pela commissão executiva da junta geral do districto, em 4 de dezembro de 1888, carece de sanação legislativa.

O concelho de Almada, pela sua importancia fabril, predial e agricola, merece que os poderes publicos lhe proporcionem todos os melhoramentos de que necessita, e o abastecimento de agua é reconhecido por todos como inadiavel para aquelle concelho, onde está situado o primeiro lazareto do paiz, o qual com difficuldade obtem actualmente a agua indispensavel para os serviços mais urgentes. No contrato vem indicado na clausula 21.ª que a camara a obrigo a solicitar do governo a isenção dos direitos do material que a empreza empregar.

Para proteger as industrias nacionaes, que luctam com a concorrencia estrangeira, entendo que não deve ser concedida nenhuma isenção de direitos de importação e n'estas circumstancias, não trazendo o contrato encargos para o thesouro central, tenho a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É approvado, na parte que depende da auctorisação do poder legislativo, o contrato celebrado em 6 de dezembro de 1888, entre a camara municipal de Almada e Arthur Eugenio Lobo d'Avila, para o abastecimento de aguas da villa e seus suburbios.

§ unico. Não é concedida a isenção de direitos de importação do qualquer material, que o concessionario ou a empreza que organisar precise empregar na construcção das obras.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, em 21 de julho de 1890. = Jayme Arthur da Costa Pinto, deputado pelo circulo do Almada.

Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão administrativa.

Nota de interpellação

Desejâmos interpellar o sr. ministro do reino sobre as violencias e abusos dos agentes do governo na ultima eleição geral do deputados. = Eduardo José Coelho = José Maria de Alpoim.

Mandou-se expedir.

DECLARAÇÕES DE VOTO

Declaro que, só estivesse presente á votação do projecto n.° 141, sobre os tabacos, votaria pela sua approvação. = O deputado pelo circulo n.° 47 (Penacova), Vieira das Neves.

Para a acta.

Declaro que, se estivesse presente na sessão nocturna de hontem, teria approvado o projecto n.º 141.

Sala das sessões, 22 do julho de 1890. = José Gregario de Figueiredo Mascarenhas.

Para a acta.

O sr. João Pinto Moreira: - O nosso illustre collega o sr. Fortunato Vieira das Neves encarregou-me de participar a v. exa. e á camara que não pôde comparecer hontem, e faltará a mais algumas sessões, por incommodo de saude e igualmente de que, se tivesse estado presente quando se votou o projecto dos tabacos, o teria approvado.

Mando para a mesa a competente declaração de voto.

Vae publicada no logar do costume.

O sr. Emygdio Navarro: - Havia tres dias chegara a Lisboa o jornal inglez Times, que trazia um artigo em que se encontram as bases de um convenio entre Portugal e Inglaterra, para a delimitação dos territorios portuguezes em Africa.

Declarava que, se usara da palavra, apesar da resposta dada pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros na camara dos pares ao sr. Barros Gomes, não era porque quizesse obrigar s. exa. a dar uma resposta mais completa, mas para que se não dissesse que perante um facto d'esta ordem, não havia na camara dos deputados uma voz que se levantasse para protestar contra elle.

As suas considerações seriam muito breves; não queria insistir com o sr. ministro dos negocios estrangeiras para que saísse da sua reserva, porque lhe queria deixar inteira e completa a responsabilidade do seu procedimento, e o seu proposito era unicamente apresentar a expressão da sua mágua perante similhante facto, e para que mais tarde não se podesse invocar o argumento de quem cala consente, para concluir d'ahi que a opposição dava o seu assentimento ás bases d'aquelle convenio.

Algumas vezes que tivera occasião de fallar sobre este assumpto, perguntára ao sr. ministro dos negocios estrangeiros se porventura a Inglaterra considera a substancia do ultimatum de 11 de janeiro como irrevogavel, ou se admittia que essa substancia soffresse modificações o podesse ser alterada em proveito de Portugal.

S. exa. respondêra-lhe categorica o formalmente que a prova mais completa de que a Inglaterra não considerava a substancia do ultimatum como irrevogavel, era que tinha admittido negociações.

O que nunca ninguem, porém, poderia suppor, era que a substancia d'esse ultimatum era alterada, mas contra Portugal.

Pelo ultimatum de 11 de janeiro perdia Portugal o Chire o a Mashona, e, a serem exactas as bases do convénio mencionado pelo Times, Portugal perdia da mesma formão Alto Chire e a Mashona o mais o extenso e vasto e feracissimo territorio que ía de Tete ao Zumbo e que se podia considerar como perdido o districto de Manica, que o mesmo era que perdel-o entregar o rio Tungue á livre navegação e perdia-se tambem, segundo a opinião do sr. Julio de Vilhena, a provincia de Moçambique, porque o mesmo era que perdel-a consentir na livre navegação do Chire e do Zambeze.

Se o convenio era isto, melhor era quando foi do ultimatum ter entregue tudo á Inglaterra, porque só escusava agora de ter de lhe entregar mais.

Se s. exa. queria dar explicações á camara, agradecia-lhe muito; mas se s. exa. julgava essas informações prejudiciaes, não insistia com s. exa. para que as desse.

Julgava mil vezes preferivel perder-se tudo quanto a Inglaterra queira, a ter-se de sanccionar a vergonha de Portugal, assignando um convenio d'aquella ordem. Antes a ispoliação, do que a deshonra.

Se era verdade que o convenio não estava assignado, não estava concluido, era bem melhor que o sr. ministro dos negocios estrangeiros, palpando a opinião publica, visse

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que ella lhe era completamente hostil e que preferisse a cedencia perante a força, á subserviencia, á humilhação, á deshonra.

Se Portugal não podia fazer manter os seus direitos, fizesse manter a sua dignidade, porque essa podia e devia mantel-a.

Não comprehendia que entrasse nas negociações a cedencia do Zumbo.

Em 7 de novembro de 1889, o ministerio progressista publicara um decreto sobre a organisação administrativa do Zumbo, e em 21 de novembro o ministerio inglez reclamava contra a parte desse districto que envolvia o territorio da Mashona; mas nada se dizia d'essa reclamação com respeito á região do Zumbo; mas não só não se dizia nada, como reconhecia que Portugal tinha direito a ella.

Agora o governo inglez tomára conta do Zumbo, e não podia o governo portuguez, sem faltar aos mais sagrados deveres para com a patria, ceder esse districto.

Nas bases do convenio não havia compensação nenhuma para Portugal. As compensações que lá se dizia se davam a Portugal eram irrisorias, pois eram na costa Occidental, que não lhe pertencia, e aonde não tinha interesse.

Depois de outras considerações, terminou dizendo que era mil vezes preferivel que a Inglaterra se apoderasse de tudo á força, a que Portugal assignasse um contrato, que seria a sua vergonha, a sua humilhação.

Preferia que se rompesse com a Inglaterra a ser-se espoliado por essa fórma.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Hintze Ribeiro): - Sr. presidente, a camara sabe bem que o illustre deputado que acaba de fallar tem outra liberdade no exercicio do seu direito parlamentar que eu não tenho; mas ha uma cousa que ninguem, imparcialmente, póde deixar de considerar como absolutamente extraordinaria. A camara sabe quaes foram as declarações que hontem fiz na camara dos pares; a camara não ignora, de certo, que eu disse que as negociações com a Inglaterra estavam, sim, adiantadas, mas não concluidas, o que não podia antecipar declarações sobre um assumpto que ainda não estava definido.

Pois quando o ministro dos negocios estrangeiros declára que as negociações não estão ultimadas, que o assumpto não está definido, vem um deputado da nação,-levado por um sentimento patriotico em que eu creio, mas que não é exclusivo do illustre deputado; levado por uma expansão meridional, mas que, no meu entender, é inopportuna, - vem um deputado da nação, repito, discutir aquillo que eu declaro que não está definido! Isto é extraordinario!

Comprehendo que s. exa. discutisse as minhas palavras ou as minhas declarações, mas o que não comprehendo é que s. exa. aproveite o ensejo para, em presença de uma affirmativa tão formal como a que hontem fiz, vir discutir, não o que eu disse, mas o que um orgão da imprensa ingleza se lembrou de dizer! (Apoiados.)

A camara e o paiz no seu juizo imparcial e seguro avaliarão as minhas responsabilidades, mas avaliarão, tambem, como é que n'este momento, no momento preciso em que as negociações chegaram ao ponto em que em breve trecho se podem ultimar, procede um representante da nação, - com os melhores intuitos, quero crer, mas certamente com uma má e errada interpretação d'aquillo que eu julgo ser n'esta occasião o verdadeiro influxo de patriotismo. A nação apreciava a maneira como o illustre deputado, representante da propria nação, vem ao parlamento commentar as palavras e a opinião de um jornal, por mais auctorisadae importante que seja, quando o dever de s. exa. era só tomar-me conta pelas minhas palavras ou pelas declarações que fizesse.

A que proposito vem architectar factos, e commental-os com palavras asperas, como phrases duras, embora de effeito, sobre um artigo publicado por um jornal? (Vozes: - Muito bem.)

As rasões da minha reserva não são nem sumenos consideração para com o parlamento, nem, por certo, a ambição exclusiva de concentrar em mim todo o interesse do paiz, n'um momento decisivo para a sua historia e para o seu futuro. (Vozes: - Muito bem.)

Ninguem mais do que eu poderia estimar vir aconselhar-se com o parlamento, - e se no parlamento está a força da nação vir escudar-se n'essa força, para assim poder melhor sustentar o interesse do, paiz.

Porque não o faço? É com o intuito de menosprezar os representantes do paiz? É evidente que essa não poderia serra rasão do meu proceder.

É porque conheço as difficuldades da situação, com que tão de perto tenho luctado ha tantos mezes, incansavelmente, com um trabalho, com uma dedicação que nem o illustre deputado aprecia, porque, talvez nem a imagina sequer! (Apoiados.)

Pois n'um assumpto tão grave o tão ponderoso não era para mim da maxima vantagem repartir a responsabilidade com o parlamento? (Apoiados.)

Não comprehende o illustre deputado que é necessario que eu esteja bem convencido de que os interesses do paiz não seriam bem servidos com outra linha de proceder para que eu persista no meu silencio? (Apoiados.)

Imagina s. exa. que eu, homem novo, relativamente, e com uma carreira publica que não se estendo a muitos annos, sabendo perfeitamente as consequencias das responsabilidades em que me envolvi, não comprehenda bem que tudo que em n'um póde valer alguma cousa, o meu trabalho, o meu esforço, a minha posição e o meu nome, tudo n'este momento pesa sobre a balança d'esta questão? (Apoiados.)

Tudo arrisco, bem o sei, e, todavia, arco com essas responsabilidades eu só, chamo-as para mim e tomo-as inteiras! Não é porque eu desconheça o juizo que depois se ha de formar, as injustiças com que me hão de aggredir, as considerações com que hão de avolumar essas mesmas responsabilidades.

Não é porque eu ignoro que, qualquer que seja o resultado a que possa chegar, a recoempensa que terei da devoção o sacrificios pelo meu paiz ha de ser, de muitos, a paga ingrata, ha de ser, pelo menos, o doesto sangrento, se não for a affronta crudelissima. (Apoiados}

Sei o muito bem; creia s. exa. que não me engano; não tenho illusões sobre este ponto.

Pois quando eu sei quaes são as responsabilidades que tenho, e todavia prescindo de as dividir pelo parlamento e as tomo para mim; quando eu sei quaes são consequencias que hão de vir pela força das cousas, pela natureza do meio em que vivemos, pela maneira como os problemas se encaram, e pelo modo como a nossa acção politica se exerce; quando ou sei quaes hão de ser as consequencias, qualquer que seja o resultado, a que eu chegue, (Apoiados.) o illustre deputado persuade se que é por algum sentimento ou de altaneria, que mal se poderia comprehender, ou de vangloria, que não poderia caber era mim, (Apoiados.) que eu me declaro impossibilitado de n'este momento, chamar o parlamento a terreiro, dar-lhe conta dos meus actos, alargar me em explicações sobre as negociações pendentes, consultai-o, ouvil-o e inspirar-me n'elle? (Apoiados.)

Fraquissima comprehensão tem então s. exa. das responsabilidades que impendem sobre mim, e da situação em que me encontro! (Apoiadas.)

E s. exa., que é um espirito claro, uma intelligencia arguta, e, quando quer avaliar as cousas sem paixão, com calma e serenidade, é homem de bom senso e de boa fé, diga-me, desapaixonadamente, se é correcto e regular estarmos a discutir uma negociação, que ainda não está concluida, e umas bases que s. exa. não conhece, (Apoiados.)

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e diga-me se aquillo, a que os deveres parlamentares obrigam não é, desde que a responsabilidade é minha, esperar que eu possa vir dar á camara todos os esclarecimentos necessarios para então esta os apreciar, julgar e decidir? (Apoiados.) Mas então com conhecimento de causa. Até ahi não, nunca, porque s. exa. discutiu o que não sabe, (Apoiados.) e não sabe porque eu não lho digo; e se não lh'o digo, não é porque não queira, mas porque não posso e não devo dizer-lhe nada. (Apoiados.)

E acredite s. exa. que não vae n'isto sentimento de orgulho ou de vaidade, - como tambem não o digo com abatimento, porque na minha consciencia não entra este sentimento. (Muitos apoiados.) Nem estou ufano, nem abatido; estou como quem sabe que tom cumprido, ou, pelo menos, tem procurado cumprir, lealmente, um dever espinhoso, amargo o extremamente difficil. (Muitos apoiados.)

Disse o illustre deputado, - e n'esta parte s. exa. o que fez foram declarações previas, - que antes perdermos tudo, que antes nos arranquem tudo, do que deshonrarmos com a nossa assignatura um pacto que offende a nossa dignidade.

Mas quem disse ao illustre deputado que eu assignei um facto que offende a nossa dignidade? (Apoiados.)

Pois precisamente quando eu preciso firmar-me nos interesses da nação, de olhar ao seu futuro, ás necessidades instantes da sua civilização colonial, á indispensabilidade de conservar quanto possivel os seus dominios e os seus direitos, o seu decoro e a sua reputação de nação civilisada e civilisadora, quem deu ao illustre deputado o direito de suppor, em vista do meu silencio, que não quebro, porque não posso, que eu ía firmar um pacto ignominioso para a nação?

E, se eu o fizesse, porventura a nação ficava privada de avaliar qualquer comprehensão menos nitida que eu tivesse dos meus deveres, quaesquer resoluções menos convenientes da minha parte?!...

Pois qualquer convenção que eu firme não ha de vir ao parlamento? (Apoiados.)

Se o parlamento entender em sua consciencia que esse pacto é affrontoso da sua dignidade, nocivo aos seus interesses, attentatorio dos seus direitos, não tem o plenissimo direito de o rasgar, (Apoiados.) quaesquer que sejam os meus esforços o a minha defeza?! (Apoiados.)

Pois, se é esse o seu direito, espere a occasião propria de o exercer, e não falle por ora, que não podo nem deve fallar, no interesse das proprias negociações e no interesse do paiz. (Apoiados.)

Eu, por fraco e humilde que seja, sou todavia tão forte quando me convenço de que effectivamente o interesse do paiz e a responsabilidade que me cabe me impedem de fallar, que não ha ninguem, absolutamente ninguem, embora com as palavras mais vibrantes, ou com as phrases mais amargas e as maiores explosões de sentimento, que me possa fazer ceder um palmo, sequer, do terreno em que me colloquei.

Desde que eu estou convencido de que cumpro um dever, é a esse dever que me dedico absolutamente. (Vozes: - Muito bem.)

Repito: Em primeiro logar as negociações não estão ultimadas, e por isso não se póde discutir, porque o assumpto não está definido. Em segundo logar o parlamento tem o direito absoluto, incontestavel, não só de me tomar contas pelos meus actos e pela minha obra, mas tambem de approvar ou rejeitar qualquer convenção que eu faça.

Desde que esse é o sou direito, o interesse do paiz está salvo.

Eu posso ter errado; e posso errar ainda. Do boa, fé ? Do má fé? O paiz avaliará.

O que se não póde é discutir quando as bases para essa discussão não estão ainda assentadas; o que se não póde é julgar o meu procedimento sem que eu venha aqui trazer todos os documentos comprovativos das circumstancias que se deram o das rabões que me determinaram. (Apoiados.) Creio absolutamente no sentimento patriotico, nobre e generoso, - porque não lhe attribuo outros intentos,- com que e illustre deputado se levantou tão indignado contra umas phrases que encontrou exclusivamente n'um orgão da imprensa, mas parece-me que o illustre deputado, reflectindo, reconhecerá que e necessario deixar seguir os acontecimentos e deixar ultimar as negociações.

Depois,- não sei se como réu, porque só é réu quem se sente culpado, e eu ainda me não sinto com culpas, mas em todo o caso como responsavel perante o parlamento - ter-me-ha aqui para defender os meus actos.

Então s. exa. com a maxima imparcialidade, ouso esperal-o, não me condemnará se os julgar bons. No caso contrario, se entender que ou atraiçoei o que devia ao decoro e á dignidade do meu paiz, seja implacavel commigo! (Vozes: - Muito bem.)

Até lá parece-me, no interesse de todos, - no interesse da patria! - Que não é conveniente estar a levantar questões irritantes e desagradaveis de aqui para a Inglaterra como da Inglaterra para cá, por intermédio de um fio telegraphico, que muitas vezes, alterando e aggravando tudo de um para o outro ponto, exacerba as paixões, irrita os animos, augmenta as difficuldades e impede as negociações. (Apoiados.)

A maxima severidade depois, mas até ahi conserve o illustre deputado a maxima abstenção; porque é este o dever que o paiz nos impõe.

Tenho dito.

Vozes: - Muito bem.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Emygdio Navarro: - Não sabia contra quem fora o discurso do sr. ministro dos negocios estrangeiros; contra elle não, que não fizera accusações, que não lavrára sentença alguma.

Se alguem se podia levantar contra elle, era o redactor do Times, e esse felizmente não tinha representação na camara.

Nas considerações que fizera não queria discutir a questão, mas simplesmente fazer com que o silencio da opposição não podesse significar um assentimento ás bases que se podesse encontravam no Times.

O seu intento fôra simplesmente significar que, se essas bases eram verdadeiras, a opposição estava ao lado do governo para o ajudar a repellil-as.

O que quizera fôra assentar bem que a opposição não podia dar o seu assentimento ao convenio que vinha no Times, para que mais tarde, quando tivessem de se liquidar as responsabilidades, não se dissesse que a opposição, manifestando-se contra esse convenio, o fazia por facciosismo.

Lamentava que não fosse dado ao parlamento portuguez discutir este assumpto sobre o qual em Inglaterra se fallava livremente.

Antes de terminar queria fazer notar á camara que quando o mesmo jornal apontara as bases das negociações anglo-germanicas, se disse que essas bases não eram exactas, e no emtanto depois se vira que correspondiam perfeitamente á verdade.

(O discurso será publicado na integra, e em appendice a esta sessão, quando s. exa. restituir as notas tachyqraphicas.)

O sr. Eduardo José Coelho: - Sr. presidente, depois das palavras proferidas pelo meu amigo e correligionario o sr. Emygdio Navarro, sobre o incidente de que se trata, entendo que o devo dar hoje por terminado. (Apoiados.)

Mando para a mesa uma nota de interpellação, que vae tambem assignada pelo meu amigo e correligionario o sr. deputado

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É do teor seguinte:

(Leu.)

Aproveito a occasião de estar com a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, relativo á construcção do caminho de ferro do Mirandella a Bragança, de Chaves por Villa Pouca de Aguiar e de Villa Real até á Regua, e da Regua até Villa Franca das Naves o de Arganil até á Covilhã.

Não faço a leitura do relatorio, em que justifico amplamente este projecto de lei, porque não quero cansar a attenção da camara, e porque confio ella folga antes de ter conhecimento d'elle pela publicação no Diario das sessões.

Não posso, porém, deixar de fazer fugitivas considerações á camara sobre este assumpto.

Quando pela primeira vez me apresentei n'esta casa como ministro das obras publicas, e sendo interrogado sobre varios assumptos dependentes do meu ministerio, eu respondi que a minha tarefa estava, em certo modo, muito simplificada, porque não tinha senão a continuar a illustrada iniciativa do meu antecessor.

N'estas condições, é claro que acceitava todos os projectos pendentes, e que ainda não tinham sancção parlamentar.

Entre os projectos pendentes, havia um sobre caminhos de ferro, denominado caminhos de ferro ao norte do Mondego.

Esta proposta ministerial soffreu mais tarde uma modificação, desdobrando-se em dois projectos de lei, porque o prolongamento do caminho de ferro de Mirandella a Bragança e o de Arganil á Covilhã constituiam um projecto de lei, e os restantes caminhos de ferro outro projecto de lei.

A commissão de obras publicas deu parecer favoravel a este projecto de lei.

Fecharam-se as camaras, e no interregno parlamentar era meu dever preparar-me com providencias da minha iniciativa para me apresentar ao parlamento.

É claro que um dos assumptos que não podia deixar de merecer a minha attenção era effectivamente os projectos relativos a caminhos de ferro.

A experiencia e outras considerações que agora omitto, convenceram-me que devia desdobrar a primitiva proposta ministerial do meu antecessor em tres projectos de lei, e no relatorio alludo a esse facto.

O projecto que hoje apresento era o primeiro na serie, que teria de apresentar á critica do parlamento, se ainda tivesse a honra de gerir a pasta do ministerio das obras publicas.

Devo declarar á camara que a minha resolução de propugnar para que, pelo menos, o projecto de lei, que hoje apresento, fosse discutido e convertido em lei, era seriamente meditada, e a tinha manifestado em conselho de ministros.

Não foi, e não podia ser nunca intenção minha, engeitar os outros projectos de lei, mas não sendo possivel discutil-os todos, era um compromisso tomado com a minha propria consciencia e com a minha dignidade, discutir o projecto de lei, que hoje apresento, como iniciativa individual, e se não podesse fazel-o converter em lei, então o caminho a seguir tambem era sabido. (Apoiados)

Se portanto não deixasse os conselhos da corôa o governo progressista, o projecto de lei agora apresentado seria para mim questão ministerial. (Apoiados.) E, escuso dizer, que estou auctorisado a fazer esta declaração, porque a minha intenção era sabida por todos os meus collegas no ministerio. (Apoiados.)

Está na téla do debate o caminho de ferro de Mossamedes e como estou inscripto para fallar sobre a opportunidade d'esse caminho do ferro, desejo antecipar a minha declaração, de que me parece uma atrocidade e uma iniquidade sem nomes, que o parlamento vote um projecto n'aquellas condições, que importa a despeza talvez superior a 4.000:000$000 réis, emquanto que a provincia de Traz os Montes não tem ainda um caminho de ferro. (Apoiados.)

O caminho de ferro de Mirandella a Bragança custará talvez a terça parte do que custa aquelle que agora só quer impor á sancção parlamentar.

As ligeiras considerações expostas, demonstram qual seria a minha norma do proceder quanto aos caminhos de ferro que maio directamente interessam á provincia de Traz os Montes, e como estou inscripto para fallar sobre o caminho de ferro de Mossamedes, terei então ensejo do desenvolver largamente este assumpto, e mostrarei a grande injustiça relativa que o parlamento commette se porventura votar este caminho de ferro com prejuizo e adiamento dos caminhos de ferro da provincia do Traz os Montes. (Apoiados.)

Terei de referir-me mais de uma vez a este assumpto. (Apoiados.)

O sr. Figueiredo Mascarenhas: - Pedi a palavra para declarar a v. exa., sr. presidente, que, se estivesse presente quando se votou o projecto de lei n.° 141, que estabelece o monopolio dos tabacos, o teria approvado.

A declaração de voto vão publicada na secção competente.

O sr. Charters de Azevedo: - Mando para a mesa um projecto de lei approvando o contrato celebrado em 12 de abril do 1890 entre a camara municipal de Leiria e Diogo Souto para a illuminação a gaz da referida cidade de Leiria.

Ficou para segunda leitura.

O sr. Alfredo Brandão: - Renovo a iniciativa do projecto de lei n.º 73-R de 1875, que manda applicar aos empregados das differentes repartições do hospital de S. José e annexos as disposições do artigo 114.° do regulamento approvado por decreto de 10 de outubro de 1863.

Ficou para segunda leitura.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto n.º 152, ácerca da construcção do caminho de ferro de Mossamedes

O sr. Ferreira do Amaral (relator): - Sr. presidente, não se tendo ainda começado a contrariar o projecto em discussão, era talvez dispensavel que eu começasse a defendel-o; no entanto, como se propoz um adiamento, desejo dizer ao illustre deputado que o propor quaes os motivos por que entendo que tal adiamento não tem rasão de ser.

O illustre deputado, a quem respondo, pintou-nos com as cores mais carregadas o estado da provincia do Douro. Eu tenho a infelicidade de não conhecer o Douro, mas basta o testemunho de s. exa. para o acreditar; foram tão carregadas as prophecias, que eu poderia, em opposição, fazer o quadro tambem carregado de qual é o estado dos colonos que foram para Mossamedes confiados nas palavras do governo transacto, que lhes disse que havia de ali estabelecer um caminho de ferro.

Mas não é preciso nada d'isso.

O caminho do ferro de Mossamcdcs serve tombem ás provincias do Douro, parecera talvez parodoxal esta opinião, emquanto que a precedencia do caminho de ferro do Douro não fará senão protrahir por largo espaço de tempo um problema colonial, que não é do Douro, mas do paiz. Eu peço licença, á falta de poder contar o que se passa no Douro, para fazer constar o que os trasmontanos dizem em Africa.

Para isso vou relatar um pequeno incidente, que me succedeu quando era governador de Mossamedes.

Um homem que tinha sido condemnado por um crime leve e que residia no planalto da Chella, que ali se estabelecêra e que contava setenta oito annos de idade, com trinta de estada na Huilla, estava ao meio dia a cavar a

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sua terra, e dizia-me com os olhos banhados em lagrimas: «os trasmontanos é que deviam vir para aqui, para se livrarem da miseria da sua terra, e para conhecerem que em Portugal só não esqueceu ainda do antigo primor com que sabiam tratar as colonias os seus filhos mais ousados».

Isto dizia-me elle com os olhos arrasados de lagrimas, e póde a camara comprehender que não posso lembrar-me d'isso sem estar eu tambem sensivelmente commovido.

O caminho de ferro que se propõe não é um caminho de ferro de especulação partidaria, é um caminho de ferro que tem ligadas a si as responsabilidades do partido progressista, e se essas responsabilidades vierem a ser chamadas, constituirão uma das glorias d'esse partido.

Causa-me portanto estranheza que um deputado, que é um dos membros mais conspicuos do partido progressista, a despeito do que só disse pela bôca do monarcha em tres discursos da corôa successivos, que o caminho de ferro de Mossamedes era uma idéa que não se podia pôr de parte e que a tudo preferia, viesse impugnar um melhoramento de tão incontestavel vantagem.

Empreguem-se todos os esforços para que a emigração derive para o planalto da Chella e verão o que é um clima salubre, e como ali se póde colher tudo que se costuma plantar em Portugal.

Pelo que acabo de dizer, parece-me que não deve ser acceito o adiamento, e não appellarei na defeza d'esta causa mais do que para a consciencia do illustre deputado, e se for preciso um cyrinéu n'esta cruzada, peça ao sr. Ressano Garcia que lhe mostre os telegrammas que fazia para os colonos de Mossamedes, e lhe diga qual a parte activa que tomou neste emprehendimento.

Respondendo ao meu illustre e sympathico amigo o sr. Serpa Pinto, direi que s. exa. defendeu calorosamente o projecto na sua generalidade e simplesmente se referiu á necessidade ou á preferencia d'este caminho de ferro se fazer sob a administração do estado, em vez de ser por uma companhia. Essa hypothese, como s. exa. sabe, está estabelecida no projecto.

Se a condição 1.ª não permitte a construcção do caminho de ferro por uma companhia, a alternativa de ser construido pelo governo está no projecto, e foi essa uma das modificações feitas pela commissão.

Se a empreitada se fizesse por conta do estado, a origem do dinheiro havia de ser a mesma do que se fosse feita por uma companhia, porque toda a gente sabe que o estado não tem nas suas arcas o dinheiro preciso para um trabalho d'esta ordem.

Os receios que ha, e que eu estou bem longe de partilhar, existem tanto em uma hypothese como na outra, com a differença de que na hypothese do concurso, que o projecto considera primeiramente, pertence ao concessionario procurar o dinheiro que precisa, e isso não é indifferente, quando se trata de um paiz que tem de fazer, por vezes, essas operações financeiras, emquanto que, se for o governo a construir a linha, todos esses encargos e prejuizos, se os houver, ficarão á conta do estado, acrescendo ainda que este não póde fiscalisar a exploração de uma maneira tão proficua como a companhia. D'isto é exemplo todo o mundo, a propria Inglaterra, e está aqui na camara quem o possa dizer, nem mesmo a França está isenta d'isso.

Terminando, agradeço ao meu illustre amigo o sr. Serpa Pinto as phrases amaveis que me dirigiu, e que não são mais do que mais uma prova da generosidade do seu coração e da reconhecida magnanimidade do seu elevadissimo espirito.

O sr. Ressano Garcia (para um requerimento): - Pedi a palavra para um requerimento, porque, se a pedisse para uma questão prévia, o sr. presidente não m'a daria, em vista da maneira por que interpreta o regimento.

Como o regimento não permitte que se fundamentem requerimentos, limito-me a ler o que vou mandar para a mesa.

Leu-se, na mesa o seguinte:

Requerimento

Requeiro que haja, sobre o projecto de que se trata, duas discussões: a primeira na generalidade, a segunda na especial idade, agrupando-se para esse effeito as bases comprehendidas no artigo 1.°, pelo mesmo modo por que vem agrupadas na proposta ministerial. = Frederico Ressano Garcia.

O sr. Ministro da Marinha (Julio de Vilhena): - Embora não seja costume pedir a palavra sobre requerimentos, porque é contrario á letra do regimento, eu considero como uma proposta o que s. exa. acaba de apresentar para poder usar da palavra.

Não tenho duvida em acceitar a proposta de s. exa., o meu desejo é que haja uma larga discussão, o governo não lucra nada em que a discussão seja estrangulada.

Não tenho duvida nenhuma em admittir duas discussões, uma na generalidade e outra na especialidade; mas, para não se alargar a discussão sem utilidade alguma, entendo que se devem agrupar as bases nas condições da proposta. N'estes termos, repito, não tenho duvida nenhuma em acceitar a proposta do sr. Ressano Garcia.

O sr. Ferreira do Amaral (relator): - Declaro que faço minhas as palavras do sr. ministro da marinha.

O sr. Presidente: - Em vista da declaração que acaba de fazer o sr. ministro e o sr. relator, vou pôr o requerimento á votação.

Foi approvado.

O sr. Espregueira: - A minha moção é a seguinte:

«A camara reconhecendo que a administração financeira das nossas colonias accusa um deficit consideravel, que é supprido na maxima parte pela metropole, e que os encargos resultantes das garantias concedidas ao caminho de ferro de Mormugão, cabo submarino para Loanda, e caminho de ferro de Ambaca aggravarão ainda nos annos proximos este deficit, resolve adiar a discussão do projecto para a construcção do caminho de ferro de Mossamedes ao planalto da Chella, e passa á ordem do dia. = O deputado, M. Espregueira.»

Estimo muito que a camara tenha tomado a resolução de dividir a discussão d'este projecto em duas partes, generalidade e especialidade, porque assim será muito mais proficuo o debate, e evitar-se-ha que os oradores, que tomarem parte n'elle, sejam levados a discutir a generalidade, entrando ao mesmo tempo na especialidade do projecto.

Eu creio, sr. presidente, que se póde asseverar que, a respeito d'este projecto, ha evidentemente na camara tres correntes de opiniões. Ha quem considere a construcção d'este caminho de ferro absolutamente necessaria o até urgentissima, acceitando, portanto, completamente as bases que o governo propõe para esse fim; ha quem considere este caminho de ferro como util, mas que entenda que não deve ser construido segundo a proposta do governo; e ha tambem quem considero inopportuna a approvação do projecto, julgando que mais conveniente seria, e até mais prudente, adiar a discussão, pelo menos para o anno, a fim de o governo mandar proceder a novos estudos e mais completos que fixem o traçado e as condições em que deve fazer-se a construcção d'este caminho de ferro.

É esta a minha opinião. Em primeiro logar devo dizer que conheço os estudos, que serviram de base ao illustre ministro da marinha para formular o seu projecto de lei. Já existiam no ministerio da marinha ha bastante tempo esses projectos. Quando na imprensa se disse que brevemente seria apresentado a esta camara uma proposta de lei para a construcção do caminho de ferro do Mossamedes, eu suppuz que o nobre ministro da marinha, ou o seu ante-

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cessor, teria mandado proceder a mais detidos exames, e seria em vista d'esses novos esclarecimentos que apresentaria ao parlamento a proposta de lei. Reconheci posteriormente que não era assim, e que o illustre ministro se baseára apenas no reconhecimento feito pelo sr. engenheiro Joaquim José Machado.

E antes de mais nada eu devo declarar que me é excessivamente penoso ter de pedir que, antes de se construir este caminho de ferro, se proceda a um novo estudo, porque reconheço no sr. Machado qualidades excepcionaes, e tenho por elle a maior sympathia. (Apoiados.)

Em differentes commissões de serviço em que temos collaborado, notei a dedicação e zêlo com que s. exa. se occupa sempre das cousas do ultramar e o sou conhecimento profundo de muitas das nossas questões coloniaes. É-me por isso penoso dizer que o seu reconhecimento não é bastante completo para sobre elle se assentar uma base segura para a execução d'esta linha ferrea; e isto muito principalmente no caso de ser adoptada a primeira parte do projecto em discussão, para que o caminho de ferro seja adjudicado a uma empreza, nas condições que estão exaradas no mesmo projecto.

Eu desde já devo dizer ao illustrado relator da commissão que as duas hypotheses para a construcção não estão inscriptas no projecto pela mesma forma, porque uma está subordinada á outra. A parte principal, aquella que realmente devo ter applicação em primeiro logar, e a adjudicação do caminho de ferro a uma em preza particular, conforme as bases contidas no projecto. Só não havendo proponente que acceite estas bases é que o governo poderá proceder á construcção por conta do estado. Por conseguinte é a primeira hypothese que nós devemos absolutamente considerar para o nosso debate.

Não quero desde já entrar na apreciação das condições em que poderá ser adjudicada a concessão d'esta linha, porque isso terá logar na especialidade. Direi antes de mais nada os motivos principaes em que me fundo para suppor não só inopportuna, mas inconveniente no momento actual, a execução do caminho de ferro a que se refere o projecto de lei submettido á apreciação da camara.

Eu não sou pessimista, e ninguem tem mais confiança no futuro do paiz do que eu. Considero que são indispensaveis muitos melhoramentos que ainda resta fazer, e sobretudo confio mais do que muitas pessoas no resultado de todos esses trabalhos.

Eu sei o grau de desenvolvimento que lêem tido as nossas industrias e o commercio pelo desenvolvimento dos caminhos de ferro e das estradas ordinarias, (Apoiados.) e estou convencido da utilidade e necessidade de proseguirmos n'esse caminho. Mas principalmente o que desejo é que isso se faça com methodo e prudencia (Apoiados da esquerda.) e que se attenda ás circumstancias financeiras do paiz, emprehendendo se pouco a pouco e á medida que os nossos recursos o permittirem, todos os melhoramentos de que o paiz carece.

O meu amigo o sr. Eduardo José Coelho advogou com muito calor a causa da provincia de Traz os Montes, e repetiu aquillo de que me parece a camara está convencida, o que todos nós sabemos, porque effectivamente a provinda do Traz os Montes merece ser attendida na construcção dos seus caminhos de ferro e em outras medidas necessarias para se melhorar o estado precario em que se encontra. Evidentemente é esse tambem o parecer da camara.

O illustre relator respondendo ao sr. Eduardo José Coelho e reconhecendo que o estado precario da provincia de Traz os Montes leva os seus habitantes a emigrarem, lembrou-lhes como unica consolação que em vez de irem para o estrangeiro o para outras colonias, emigrassem para Chella, onde já existe uma colonia portugueza importante e aonde se vae fazer um caminho de ferro. Parece-me que os habitantes da provincia do Traz os Montes preferem antes o caminho de ferro na sua provincia, para desenvolverem as suas industrias e poderem mais facilmente exportar os productos da sua lavoura, a emigrarem para o planalto da Chella, não obstante as bellezas que d'elle nos contam. Em logar de por qualquer meio se occorrer ao estado precario da provincia de Traz os Montes o illustre relator recommenda aos habitantes dessa provincia o caminho da Chella, em vez do Brazil, das ilhas Sandwich, Demerara e outros pontos.

Não é, porem, sómente a provincia de Traz os Montes que soffre pela falta de vias de communicação acceleradas. O valle de Lima tambem carece d'esses meios de transporte, porque os seus proprietarios atravessam uma crise durissima visto a lavoura não compensar as despezas grandes que a terra necessita para produzir algum fructo. Muito especialmente as grandes despezas que se fazem no transporte dos vinhos attenuam muito os lucros que a cultura da vinha poderia dar.

A camara votou forçada, e eu digo votou forçada, porque ha certas leis que se votam sómente em circumstancias muito excepcionaes, ou pelo menos a camara acceitou com repugnância o projecto que hontem foi votado para prender completamente durante dezeseis annos o primeiro rendimento d'este paiz. (Apoiados.) A camara votou o monopolio do tabaco sabendo que embora no presente elle possa dar alguma vantagem, que ainda assim é contestada, no futuro deve necessariamente dar um prejuizo. (Apoiados.)

Mas o sr. ministro da fazenda instou pela approvação do projecto em vista do estado precario das nossas finanças, que no presente exigem todos os sacrificios.

E esta situação que tambem determinou a apresentação do projecto para o augmento de 6 por cento nas contribuições geraes do estado, e foi esta consideração que levou tambem a camara a approvar aquelle sacrificio, que levanta por toda a parte grande repugnancia.

Esta situação critica esqueceu, porém, ao sr. ministro da marinha, porque, não obstante o governo e a camara reconhecerem que o estado da fazenda publica, no momento actual e ainda no anno proximo, é bastante difficil e melindroso, trouxe á camara um projecto para a execução de um novo caminho de ferro no ultramar som bases que se possam reputar completas e em harmonia com as necessidades da situação presente. É mais um encargo elevado que virá pesar sobre o nosso orçamento colonial, que já accusa um deficit importante.

E não e só no anno actual que o estado das finanças das nossas colonias attesta um deficit consideravel; este deficit ha de augmentar consideravelmente nos annos proximos, independentemente do projecto que se vae votar.

Julgo por isso que nas circumstancias actuaes a attenção do sr. ministro se devia dirigir principalmente para liquidar e completar os melhoramentos decretados para as nossas provincias ultramarinas, sem emprehender novas obras, cuja utilidade póde ser reconhecida, mas que necessariamente devem trazer encargos fortes e immediatos para o thesouro.

Quando quiz estudar a proposta do governo para a execução d'este caminho de ferro, pareceu-me mais conveniente ver previamente de um modo geral qual era o estado financeiro das nossas colonias, e qual tem sido o resultado dos emprehendimentos realisados nos ultimos annos.

Vou dizer á camara tão resumidamente quanto possivel o ensinamento que eu tirei d'esse exame.

Devo dizer ao illustre ministro que este estudo me foi extremamente difficil, em primeiro logar porque nunca me tinha occupado d'este assumpto com o cuidado que elle merece; em segundo logar porque são escassissimos os documentos de que os deputados podem dispor.

Eu pedi aqui com muita antecedencia uns esclarecimentos muito resumidos por julgar que haveria difficuldade em remetter a esta camara, com a brevidade que eu desejava,

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informações mais desenvolvidas e completas. Marquei a data de 31 de dezembro de 1889 por me parecer que o governo deveria ter até áquella data todos os esclarecimentos no ministerio. Instei muitas vezes pela remessa desses documentos e só hontem os li porque vieram para esta camara no sabbado. Estes documentos, devo ainda dizer, não respondem inteiramente ao meu pedido, e estão formulados de modo que tornam mais difficil o exame de muitos assumptos, a que quero referir-me.

Eu já tinha, até certo ponto, prescindido d'esses documentos, e guiando-me pelos poucos esclarecimentos que tinha obtido chegara á convicção de que não só no anno actual mas ainda nos seguintes será muito precaria a situação financeira do ultramar.

Tomei como ponto de partida o anno economico de 1886- 1887. Para 1887-1888, já tinha á minha disposição as tabellas de receita e despeza das provincias ultramarinas e para 1888-1889 tambem essas tabellas foram publicadas.
Posteriormente só encontrei para o meu estudo os orçamentos geraes.

É para sentir que o ministerio da marinha e ultramar não tenha feito com roais regularidade essa publicação, e sobretudo que se não publicassem ainda as tabellas para as ultimos annos.

Para conhecer o deficit da administração das provincias ultramarinas, servi-me para os annos de 1887-1888 e 1886-1887 das contas provisorias do ministerio da marinha, para os annos de 1888-1889 e 1889-1890 dos orçamentos rectificados, e para o anno actual do orçamento de previsão.

As quantias que oneram o cofre da metropole para cobrir as defficiencias das nossas provincias ultramarinas com relação aos ultimos cinco annos constam do mappa que vou ler:

[Ver mapa na imagem]

(a) No anno de 1887 foi a garantia de 137:603$300 réis.

Em 1886-1887 o deficit total elevou-se a 1.391:257$098 réis, sendo de 1.100:000$000 réis approximadamente o deficit proveniente da administração propria das differentes provincias ultramarinas. Em 1889-1890 esse desequibrio é de 2.454:112$660 réis, entrando n'essa despeza réis 731:004$680 gastos com o caminho de ferro de Lourenço Marques. Isto é o que resulta do orçamento rectificado.

Segundo o orçamento de previsão para o anno actual a despeza a cargo da metropole será de 2.037:860$000 réis, não se comprehendendo verba alguma para as despezas do caminho de ferro de Lourenço Marques, que, como a camara vê, tinham sido no anno anterior de 734 contos approximadamente.

Desde já só podo prever que para este anno o deficit total será muito superior a 2:037 contos, porque alem da despeza com o caminho de ferro de Lourenço Marques, haverá que fazer outras correcções a que eu logo me referirei.

Acrescentei a verba de 500 contos á que se acha inscripta no orçamento d'este anno para fazer face ao deficit proprio das provincias ultramarinas, por isso mesmo que n'elle se dispõe que esse déficit será em parte coberto por um emprestimo de 500 contos. Não fiz a compensação na despeza da parte relativa ao juro desse emprestimo, pela insignificância da verba.

Assim no deficit de 1:122 contos das provincias ultramarinas no anno actual está incluido o emprestimo de 500 contos necessario para pagamento do parte das despezas ordinarias, extraordinarias e especiaes a cada uma das colonias. As outras verbas de despeza são importantes e tendem todas a augmentar consideravelmente.

N'estas circumstancias a camara comprehende que era natural averiguar se é possivel diminuir as despezas pelo menos em parte, ou esperar augmentos importantes de receitas para attenuar esse desequilibrio.

O que porém se vê desde logo é que era necessario contar com um excesso enorme de despeza, não só para o anno do 1890-1891, mas para os annos mais proximos.

Hei de ir analysando successivamente cada uma das despezas que a metropole supporta, porque desejo levar o convencimento ao animo da camara de que é precaria a nossa administração colonial, e sobretudo provar que não faço opposição ao caminho de ferro que se discute, unicamente com a idéa de guerrear, ou oppor-me aos propositos do governo, mas por estar inteiramente convencido de que no estado actual era necessario mais prudencia e circumspecção, attendendo-se primeiro á regularisação dos importantissimos negocios que estão por concluir no ultramar, antes de se emprehenderem novos e dispendiosos trabalhos que irão aggravar ainda mais a situação já difficil do thesouro.

Continuando com o exame das differentes despezas que a metropole supporta, encontra a seguinte:

Subsidios a differentes companhias e museu colonia, 195:860$000 réis.

Esta somma decompõe-se da seguinte fórma:

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[Ver tabela na imagem]

Subsidio á «Eastern and south African telegraph company, limited», pelo estabelecimento e exploração de um cabo telegraphico submarino entre Aden e Natal, tocando em Moçambique e Lourenço Marques ....
Subsidio á «Empreza nacional» pela navegação entre as ilhas de Cabo Verde e a provincia da Guine ....
Subsidio á empreza de navegação entre Lisboa e Moçambique ....
Importancia para occorrer ás despezas de emigração para as possessões de Africa ....

Museu colonial:

1 director agronomo:

Vencimento de categoria e de exercicio ....
Gratificação ....
Para as demais despezas ....
Commissão de cartographia ....

O illustre ministro já terá conhecido que esta verba no anno futuro, e mesmo talvez no actual, será excessivamente augmentada, porque apresentou uma proposta de lei elevando muito consideravel mente a importancia do subsidio para a companhia de navegações para Africa oriental.

O augmento será de 402 contos de réis.

E diz-se no relatorio que precede a proposta de lei, que é indispensavel este augmento, porque era impossivel á companhia continuar a fazer o serviço com o subsidio que o estado paga.

D'aqui posso concluir que o illustre ministro deve estar convencido de que se for convertida em lei a sua proposta, terá que inscrever no orçamento rectificado d'este anno uma verba de 502 contos de réis para o subsidio á companhia de navegação para Africa, em vez da quantia de 98 contos de réis já auctorisada.

Vem em seguida a despeza de 218 contos de réis para o estabelecimento de novas missões, de estações civilisadoras e commerciaes, e exploração em Africa, incluindo colonisação em Lourenço Marques.

A camara sabe que estão pendentes as negociações com a Inglaterra para a fixação dos limites dos nossos territorios na Africa oriental.

D'ahi resultará a necessidade de recorrermos a meios extraordinarios, augmentando consideravelmente as despezas n'aquellas provincias para occupar definitivamente todos os nossos dominios e executar as obras indispensaveis para os melhoramentos de que elles tanto carecem. É este o meio de provar que lemos direito de conservar esses territorios no nosso poder e dominio.

São portanto inadiaveis as extraordinarias despezas que temos que fazer na provincia de Moçambique, despezas que são de absoluta e immediata necessidade para podermos manter ali o nosso dominio e provarmos á Europa que somos capazes de exercer uma acção efficaz e civilisadora nas nossas vastas possessões ultramarinas.

Portanto, a verba de 218 contos de réis, a que me tenho referido, ha de ser excedida e muito no actual anno económico e nos immediatos.

Segue-se a despeza com a garantia de juro para o cabo submarino de Loanda que está orçada em 152 contos de réis. Não quero fallar da discussão que houve aqui a este respeito. Notarei unicamente que esta verba tem crescido em todos os orçamentos, não obstante ter-se calculado em 1885 quando se discutiu este assumpto n'esta camara, que o maximo encargo para o estado seria de 73 contos de réis.

Eu desejo que a camara fique completamente inteirada e por isso vou ler o que se dizia no relatorio que precedeu a proposta de lei assignada pelo illustre deputado o sr. Pinheiro Chagas, que então era ministro da marinha:

«Não será nos primeiros annos o trafico da Africa occidental das 150:000 palavras garantidas, mas evidentemente não lhe será muito inferior o desembolso do governo, nas peiores hypotheses provaveis, será relativamente pequenissimo.»

No seu relatorio dizia a commissão do ultramar:

«Tomando como ponto de partida a hypothese muito desfavoravel, tivemos a peito levar á evidencia que o encargo effectivo para o estado, quando se dê, nunca poderá ser representado por uma quantia importante.

«Assim, o governo só teria que garantir 30:000 palavras, com relação a Angola, isto é, 47:250$000 réis e 39:000 com relação á Guine, isto é, 26:320$000 réis, ou o total de 73:370$000 réis, apenas nos primeiros tempos, porque seria absurdo não contar que do movimento naturalmente crescente das relações commerciaes, não fosse consequencia tambem o maior movimento pelo cabo submarino.»

Houve aqui um sr. deputado que apresentou alguns calculos, para provar que os encargos para o estado eram muito consideraveis; e o relator mostrou que tinha estudado amplamente o assumpto, que não se guiara por apreciações vagas, mas que examinara o movimento das alfandegas e o movimento commercial das provincias ultramarinas, do que resultara ter chegado a conclusões infalliveis.

Outro sr. deputado propoz que a verba de 73 contos se invertesse antes em uma annuidade para a construcção de uma doca no porto de Lisboa, e o relator da commissão respondeu o seguinte:

«O calculo feito por s. exa. em relação a 1:000 contos que seriam, necessarios para a construcção de uma doca, tomando como ponto de partida o encargo maximo de 73 contos, que eu calculei poderia resultar do actual contrato é, desculpe-me s. exa., feito sem grande fundamento. Os 73 contos não podem rasoavelmente ser tomados como base para uma annuidade, porque, ainda na peior hypothese, essa quantia ha de ir successivamente diminuindo; e na melhor, e que é tambem a mais provavel, o governo no fim de quatro a cinco annos, não terá que pagar cousa alguma.»

O sr. ministro da marinha que era então o sr. Pinheiro Chagas, advogou n'esta casa calorosamente o projecto, procurando demonstrar que elle era de muita vantagem para o paiz, e os encargos diminutos.

E eu apenas como commentario unico a tudo que acabo de lembrar á camara apresentarei a realidade dos factos.

O cabo submarino para Loanda tem-nos custado o seguinte:

Em 1886-1887 .... 50:000$000
Em 1887-1888 .... 138:975$500
Em 1888-1889 .... 125:067$974
Em 1889-1890 .... 148:000$000

Para 1890-1891 está orçada esta despeza em 152 contos.

De sorte que n'este anno a realidade dos factos não corresponde ás esperanças do illustre ministro que firmou o contrato para o cabo submarino para Loanda, porque na

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sua opinião o estado na actualidade só devia auferir vantagens sem despender um real com este melhoramento, quando pelo contrario a despeza prevista para 1890-1891 é mais do dobro da quantia que se julgava maxima, na peior das hypotheses.

Temos em seguida o caminho de ferro de Mormugão.

N'uma das passadas sessões legislativas discutiu-se muito a proposta do governo transacto, para a liquidação provisoria do capital sobre que devia recaír a garantia de juro, tendo havido em 1885 uma proposta idêntica a essa, que foi igualmente muito discutida n'esta camara.

Achava-se excessiva a somma de 550:000 libras para o capital supplementar a garantir á companhia, e no emtanto foi resolvido, segundo os termos do contrato, que effectivamente não tinhamos outro remedio senão garantir á companhia 550:000 libras, alem do primitivo capital de 800:000 libras.

V. exa. sabe que o contrato deste caminho de ferro foi uma consequencia necessaria do tratado de 1878, o chamado tratado da India.

Este contrato foi preparado e quasi concluido pelo ministro progressista de 1880. O illustre ministro regenerador, o sr. Julio de Vilhena, que se seguiu ao ministro progressista, na pasta da marinha, encontrou este contrato no seu gabinete de trabalho, referendou-o por julgar todas as bases perfeitamente acceitaveis, e entender alem d'isso que o modo como se tinha contratado este caminho de ferro era perfeitamente leal, por isso que o governo só garantia as despezas que realmente se fizessem, sendo esta a base que mais lhe agradava, para contratos d'esta ordem.

Eu registo a opinião que o illustre ministro manifestou n'esta casa a similhante respeito, e espero que s. exa. não tenha que a contradizer.

Isto, porém, fundava-se em duas cousas que precisam ser completamente cumpridas na pratica.

A primeira é que a companhia, a quem se entregou a execução das obras, empregasse sempre todo o escrupulo e a máxima lealdade na realisação dos trabalhos.

V. exa. sabe que no mundo financeiro estas condições são difficeis de encontrar, principalmente quando se trata do capitães que Icem em vista obter a maior remuneração possivel.

Emquanto á fiscalisação, que é a segunda condição, eu confio na acção do illustre ministro. S. exa. escolheu para o caminho de Mormugão um engenheiro de quem sou amigo, e que é zeloso e honradissimo, o sr. Xavier Cordeiro.

Ha muitos, ou antes reputo que todos estão n'essas circumstancias; mas v. exa. sabe as difficuldades que tem sempre o governo, mesmo aqui no paiz, para se fazer obedecer, quando os interesses particulares dos capitalistas são oppostos aos interesses geraes e sobre tudo, quando esses capitalistas residem em Londres, e os seus intuitos são inteiramente oppostos aos fins e desejos do governo, porque empregarão todos os meios, e todos os processos para illudir não só a vigilancia da fiscalisação, mas tambem a boa fé dos contratos.

Quando se desce ao exame succinto dos factos, e se examinam os negocios em face dos contratos vigentes, que são em geral confusos, o governo vê-se muitas vezes forçado a dar a sua sancção a factos, que elle no seu intimo reprova.

Isto succede todos os dias; e está-se dando em todos os caminhos de ferro construidos no ultramar.

De sorte, que o systema do illustre ministro é o melhor possivel, simplesmente tem a difficuldade da pratica, precisa de reunir em igual grau, os dois factores, uma fiscalisação perfeitamente boa e uma lealdade extrema na companhia que explora ou construe.

Para a fiscalisação ainda ha uma outra difficuldade maior, é a distancia e a impossibilidade de rapidamente se poderem examinar os trabalhos.

Os engenheiros têem muitas vezes, e a mim me tem succedido, de dar a sua opinião sobre processos incompletos, sobre documentos que não esclarecem completamente a questão por todos os seus lados. Ha processos, ha questões, que parecem á primeira vista de importancia secundar a e de solução facil, mas quando são examinados com reflexão e criterio, reconhece-se que a resolução é difficil e precisa ser maduramente pensada, para não comprometter os legitimes interesses do estado.

A distancia enorme que nos separa de algumas das nossas colonias, inhibe as pessoas incumbidas de preparar os elementos sobre que o governo deve assentar as suas resoluções, de praticamente poderem usar de todos os meios de investigação que se empregam no continente, e por mais habil e escrupulosa que seja a fiscalisação quando está longe, não póde prevenir sempre as objecções que se apresentem.

Por consequencia, muitas vezes, a resolução superior não e tão perfeita como seria para desejar.

Assim, a fiscalisação do governo portuguez no ultramar deve firmar-se quasi unicamente, na confiança absoluta no agente fiscal que exerce essas funções.

Em relação a Mormugão, devo dizer á camara que a opinião do ministro que contratou a execução do caminho de ferro com a companhia ingleza era a melhor possivel.

Elle julgava que as vantagens que resultariam da execução d'esta linha ferrea, seriam grandes e para ser inteiramente imparcial citarei o que disse o illustre e chorado chefe do partido progressista o sr. Braamcamp, quando se discutiu n'esta camara a lei de 17 de junho de 1880:

«Devo dizer francamente, que não temos dados sufficientes e positivos a respeito da construcção d'esse caminho de ferro; não temos senão uma exposição resumida, que nos foi mandada pelo engenheiro encarregado dos estudos; porém esses estudos dão-nos toda a esperança de que o caminho poderá ser construido em boas condições.»

E acrescentava o sr. Braamcamp «e se n'esta occasião não viessemos pedir esta auctorisação á camara, teriamos de adiar paia mais um anno a construcção do caminho».

Referindo-se ás informações que recebera dos engenheiros incumbidos dos estudos, dizia que se poderia estudar uma passagem para atravessar os Gates, e «que o caminho por esse traçado devia ficar em circumstancias economicas e financeiras de grande vantagem tanto para o paiz como para o thesouro, que tinha de satisfazer os encargos».

Um deputado regenerador muito conhecido pelo interesse que toma sempre pelos negocios coloniaes, disse depois de votada a generalidade do projecto, que não podia deixar de se votar, porque o tratado da India «seria uma iniquidade, se porventura se não completasse com a construcção do caminho de ferro».

O illustre ministro, como eu já referi, fallando n'esta camara em 1883, a respeito da liquidação provisoria do capital gasto com a execução do caminho de ferro de Mormugão, dizia que o systema adoptado de se pagar o juro sobre a quantia realmente despendida com os trabalhos era uma formula leal e verdadeiramente sincera, mas era preciso que á sombra de um contrato similhante a companhia não abusasse.

Infelizmente a camara não sabe ainda o custo real do caminho de ferro, porque se approvou sómente uma liquidação provisoria, e por isso é natural que eu deseje saber se já foi decidida a liquidação definitiva com a companhia, para o primeiro capital de estabelecimento.

E digo muito propositadamente, primeiro capital de estabelecimento, porque essa conta não póde terminar, nem fechar-se completamente, visto que o contrato permitte ou antes obriga o governo portuguez a garantir todo o capital que for gasto a mais das quantias previstas nas obras que forem reconhecidas necessarias para a exploração da linha ferrea e do porto.

O illustre ministro referiu-se extensamente a este fa-

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cto, quando se discutiu aqui a liquidação de 1888, e reconheceu que o contrato era muito explicito a este respeito.

Vê-se assim que o contrato não se referia sómente a obras do primeiro estabelecimento, mas a todas aquellas que forem necessarias para a boa exploração do caminho de ferro e do porto.

Peço á camara que attenda mais a que o governo garante igualmente todas as despezas de exploração, comprehendendo-se n'essas despezas não só o que se gastar com a conservação do material circulante, mas ainda com o augmento d'esse material, de sorte que o illustre ministro e os seus successores terão de pagar á companhia as despezas de exploração e o augmento do material circulante que for necessario para o movimento geral d'aquella linha.

Alem d'isso o desenvolvimento das transacções commerciaes deve forçosamente produzir a necessidade do augmento das obras de porto, da estação do caminho de ferro em Mormugão, e de outras estações mais, e d'ahi resultará sempre discussão importante com a companhia para se definirem bem as obras que realmente são necessarias, por que é possivel que ella peça mais do que o indispensavel, visto ter o governo que garantir esse excesso do capital.

É necessario tambem que se saiba, que o caminho de ferro de Mormugão apenas rende hoje para as suas despezas de exploração, como logo explicarei á camara; e de futuro para desenvolver o trafego d'essa linha em concorrencia com outras linhas inglezas, a companhia terá que augmentar o material circulante e as despezas de exploração. D'ahi resultará a triste consequencia de que durante muito tempo as despezas de exploração do caminho de ferro de Mormugão absorverão quasi por completo as suas receitas, e que o estado ha de supportar por inteiro os encargos do primitivo capital do caminho de ferro, e de todos os augmentos que a necessidade do trafego exigir.

Esta consideração é da maior importancia.

Quando em França se discutia muito a questão dos caminhos de ferro, um economista muito conhecido de todos, o sr. Léon Say, dizia n'um artigo publicado no jornal dos economistas, que aquelles que pensavam que um caminho de ferro era um instrumento completo que não tinha necessidade de augmentar as suas despezas de estabelecimento para fazer face ao trafego crescente, estavam completamente enganados, porque desgraçado seria o caminho de ferro em que não houvesse necessidade de augmentar as despezas do seu estabelecimento, porque isso resultava sómente de estar estacionario o trafico, e de não haver talvez necessidade d'aquella via de transporte aperfeiçoada.

Ora o illustre ministro reconhece que o caminho de ferro de Mormugão deve produzir um melhoramento consideravel nos estados da India, e por isso ha de necessariamente reconhecer tambem que o governo portuguez terá que permittir a continuação e a construcção de obras novas e compra de material circulante para se satisfazer ao augmento do trafego e ás necessidades crescentes da exploração. Esta necessidade parece-me, que já se sente; porque segundo me consta reputavam-se insufficientes as pequenas installações do porto de Mormugão.

Em todos os portos commerciaes se tem tratado de estabelecer grandes apparelhos para carga e descarga rapida dos grandes vapores. Os portos inglezes da India estão preparados para esse trafego, e se nós não formos adiante das necessidadades continuando as obras do porto, o melhorando as installações, o commercio não irá a Mormugão e talvez d'ahi possa resultar a idéa de estabelecer um caminho de ferro para um porto concorrente. Em todas as negociações para o tratado da India e caminho de ferro de Mormugão teve-se em vista attrahir o movimento de uma grande zona da India ingleza para o nosso territorio, aproveitando as condições excepcionaes em que estava a bahia de Mormugão em relação a muitos outros portos inglezes.

Mas para que isso se realise necessario é que o commercio encontre no nosso novo porto todos os elementos indispensaveis e a acquisição d'esses elementos custa muito dinheiro. O governo actual e os que lhe succederem têem porém de cuidar seriamente d'este estado de cousas, e reconhecerão por certo a necessidade absoluta de permittir a construcção de novas obras e por consequencia de augmentar muito a despeza garantida.

A conclusão logica que daqui tiro é que não devemos esperar desde já da exploração directa do caminho de ferro de Mormugão augmentos crescentes que diminuam os encargos do estado, provenientes d'este caminho de ferro e antes pelo contrario e muito possivel ou antes certo que esses encargos augmentarão. (Apoiados da esquerda.)

D'aqui póde resultar evidentemente um melhoramento consideravel para aquella nossa possessão, mas em presença do modo porque tratâmos as differentes questões, deixando incompletos os grandes melhoramentos que encetámos, eu receio que o governo, principiando a pensar no caminho de ferro de Mossamedes e tendo de cuidar no prolongamento do caminho de ferro de Ambaca, e da construcção de outros tanto para o Bihé como na provincia de Moçambique, descure o estado da India, dizendo que já lá tem um caminho de ferro e um porto e de nada mais carece. É verdade que tem isso, mas esse caminho de ferro e esse porto são por emquanto insufficientes, necessitando de obras complementares sem as quaes não prestarão os serviços que devem prestar.

Para avaliar a influencia que este caminho de ferro podia ter na prosperidade do estado da India, recorri aos annaes parlamentares e vi que n'uma das sessões o nobre ministro da marinha dissera que o estado da India estava excessivamente prospero, facto que attribuia ao tratado de 1878. Affirmou-se que o resultado fôra brilhante e, que o estado da India era prospero, havendo um pequeno augmento de receita, sobre as despezas locaes, o que contrastava com as outras provincias que tinham deficits e avultados. Se nós repararmos, porém, attentamente n'esse facto, veremos que o augmento da receita é apparente e provém da quantia que cobrámos do governo inglez em compensação do que no tratado lhe foi concedido.

A respeito da influencia e beneficios que têem resultado d'esse tratado para a nossa India, eu ouvi, aqui, um filho de Goa dizer que se achavam ali durissimas as condições a que os nossos compatriotas tinham ficado sujeitos por esse tratado. Eu não sei se isso é inteiramente exacto, e não tomarei, portanto, como um axioma a proposição do illustre deputado, mas digo, que em 1892 póde terminar o tratado, e segundo as suas condições, doze mezes antes, tanto o governo portuguez como o inglez têem o direito de pedir modificações ou mesmo a sua completa revogação.

No contrato do caminho de ferro de Mormugão existe a clausula de que se for rescindido o tratado da India de 1878 e se o governo portuguez não der garantias sufficientes, a companhia tem o direito de entregar o caminho de ferro ao governo portuguez, e no mesmo contrato estão marcadas com a maior clareza as condições da entrega d'esse caminho de ferro. Por ellas se vê que o governo teria de pagar não só as quantias gastas na construcção e estabelecimento do caminho de ferro, mas todo o material que exista inclusivamente a parte que tenha sido comprado á custa da exploração, e que o governo portuguez já tenha pago.

Se o tratado é muito vantajoso para o governo portuguez, como pensa o illustre ministro, póde ser desvantajoso para o governo inglez e principalmente por causa do pagamento de 400:000 rupais para garantia do caminho de ferro.

A receita do estado da India foi em 1863-1864 de réis 375:105$803; em 1875-1876, de 528:648$887 réis; em 1885-1886, de 736:097$200 réis; em 1888-1889, de réis

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902:732$400 réis; em 1889-1890, de 884:774$400 réis e para 1890-1891 está calculada em 920:816$800 réis. O augmento de 1888-1889 para 1890-1881 é apenas de réis 23:084$400, ou na media de 11:542$200 réis por anno.

A despeza ordinaria e extraordinaria da India prevista para o actual anno economico é de 874:161$620 réis, mas considerando que a metropole gastará com o pagamento da garantia de juro á companhia do caminho de ferro de Mormugão 150 contos de réis, ha realmente um déficit de 108:957$600 réis.

O saldo de 41:042$400 réis previsto facilmente se transformou em deficit.

O governo inglez contribuiu para as receitas do novo estado da India com a quantia de 199:630$800 réis em 1889-1880, e para o anno actual suppõe-se que essa quantia se elevará a 200:695$500 réis.

Segue-se na analyse das despezas do ultramar que estou fazendo, o pagamento da garantia á companhia do caminho de ferro de Ambaca. Em 1889-1890 auctorisou-se no orçamento rectificado a verba de 133:656$000 réis; e para o anno corrente o illustre ministro calculou que essa garantia custará 200 contos de réis.

Eu não sei se o illustre ministro publicou os calculos em que baseava esse pedido, mas certamente fez esses calculos e minuciosos, porque não posso suppor que fizesse inscrever no orçamento uma verba fixada arbitrariamente. Instei por mais de uma vez por esses esclarecimentos, e só hontem é que me foram remettidos alguns e incompletos.

Estudando esto assumpto cheguei a resultados que me pareceram exagerados, porque segundo elles a quantia a pagar a esta companhia seria muito mais consideravel do que geralmente se suppunha. Na falta de esclarecimentos por parte do governo recorri ás contas da propria companhia para rectificar os meus calculos, e reconheci que realmente o encargo para a metropole será muito superior a 200 contos de réis no actual anno e que excederá a 616:000$000 réis nos annos futuros.

Nos relatorios e nas contas da companhia, que estão publicados, vê-se que o rendimento da primeira secção no primeiro semestre de 1889 foi de 5:170$190 réis, ou 86$069 réis por kilometro, e que a garantia paga pelo governo portuguez, com relação a esse semestre, era de 66:828$010 réis. Quando a linha estiver concluida, eu calculo que a maxima receita não excederá approximadamente de réis 500$000 por anno e kilometro, e que a garantia de juro do capital e as despezas de exploração que o governo terá a pagar importarão em mais de 616 contos de réis.

Examinando depois o relatorio do governador geral de Angola, o sr. Capello, verifiquei que a avaliação d'este funccionario era superior á minha, por isso que elle calculára que o encargo para o estado seria, quando se abrisse toda a linha á exploração, de 630 contos de réis por anno para um cumprimento de 300 kilometros. Com as mesmas bases, e para o comprimento provavel do 350 kilometros, esse encargo será de 735 contos de réis.

Eu achava exagerada a cifra de 616 contos de réis que tinha encontrado, suppondo as melhores hypotheses, porque aquelle caminho de ferro atravessa regiões incultas e despovoadas, e são mais do que certas as grandes despezas que d'ahi resultarão durante muitos annos.

Portanto, parece-me, repito, que antes de se emprehenderem novas obras, é necessario ver as forças de que podemos dispor para não irmos comprometter irremediavelmente a situação do thesouro publico.

Estou certo de que se quando se discutiu este caminho de ferro o paiz soubesse que elle nos custaria perto de 700 contos de réis do encargo annual, a camara não o teria votado, ou pelo menos teria votado a construcção por conta do governo, visto que isso traria na exploração encargos menores, não pagando o governo á companhia, alem do juro do capital, uma verba muito elevada para despezas de exploração, que ella não gasta, e que reverte em seu beneficio pela fórma por que foi interpetrado o contrato.

Voltando ao relatorio do sr. Capello, de 1887, leio n'elle o seguinte:

«Por esta exposição póde-se fazer uma ligeira idéa da situação financeira da provincia de Angola, durante os primeiros annos futuros, em media:

«Deficit ordinario .... 450:000$000
«Garantia de rendimento liquido annual de 6 por cento ao caminho de ferro (300 kilometros) .... 630:000$000
«Cabo telegraphico para garantia do rendimento de 90:000 palavras, sendo a media de 6:000 .... 117:000$000
«Total .... 1.197:000$000

Eu digo á camara, com toda a sinceridade, que só li este relatorio depois de formar a minha idéa sobre a situação do caminho de ferro de Ambaca, e elle demonstrou-me que eu, infelizmente, não me enganara nos meus calculos.

A despeza para a metropole será de 630 contos de réis na opinião do illustrado governador, mas na hypothese de que o caminho tivesse 300 kilometros de comprimento, e o sr. ministro já sabe que a via ferrea terá maior comprimento.

O contrato não limitou a extensão da linha, o que era um dos seus defeitos, e não só não fixava o comprimento, como não dizia senão de um modo muito geral qual o traçado que devia seguir-se. D'ahi resulta que haverá augmento consideravel no percurso total, dando-se logo no começo um alongamento de 30 kilometros, como se vê do relatorio do governador geral.

Supponho que esta linha terá pelo menos 350 kilometros, e n'esse comprimento baseei os meus calculos.

Vê-se, pois, que o sr. ministro da marinha terá de inscrever no orçamento futuro, pelo menos 600 contos de réis para os encargos da exploração do caminho de ferro de Ambaca, assim como terá de vir pedir ao parlamento o prolongamento d'aquella linha, que se tornará indispensavel para fazer concorrencia ao estado independente do Congo e diminuir os encargos enormes, que por falta de tranco esta linha incompleta nos ha de causar.

No relatorio do sr. Capello a que me tenho referido, se mostra a absoluta necessidade de se prolongar o caminho de ferro para o interior.

Se o governo, depois de gastar sommas avultadas no caminho de ferro, de Ambaca, o deixar incompleto, será excellente para a companhia que o explora, mas deploravel para o estado, porque os encargos consideraveis dos primeiros annos não serão diminuidos, e pesarão sempre sobre a metropole.

Em vez de se completar uma obra começada, intenta-se outra, em condições taes, que por muito tempo só trará difficuldades ao governo e despezas ao thesouro.

O sr. ministro da fazenda veiu pedir novos sacrificios ao paiz, dizendo-nos que eram avultadissimos os encargos que actualmente pesavam sobre o thesouro, mas que tinha esperança que dentro em pouco a situação financeira seria mais desafogada.

Nós veremos qual será o estado do thesouro se continuarmos n'este caminho, (Apoiados.) acceitando obras mal definidas e mal projectadas.

Para se examinarem estes assumptos, como a sua grande importancia exige, são limitadissimos os documentos de que os deputados e o publico póde dispor.

Já me referi aos esclarecimentos que recebi em relação ao caminho de ferro do Mormugão.

Apesar de nos ter custado no anno passado 310 contos de réis, parece pela nota remettida a esta camara que só

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despendemos com elle 66:869 rupias ou 26:747$600 réis.

Quiz estudar o movimento da nossa provincia de Angola, e encontrei para isso sómente a estatistica incompleta até 1885-1886; são, porém, esses elementos indispensaveis, e por isso eu peço ao illustre ministro que faça publicar todos os esclarecimentos que tiver na sua secretaria sobre os serviços mais importantes confiados ao seu cuidado; trazendo, alem d'isso, ao parlamento na proxima sessão legislativa um relatorio desenvolvido, que abranja todas estas grandes operações que o governo tem feito no ultramar. (Apoiados.)

Nós estamos actualmente envolvidos no ultramar em negocios muito mais importantes, muito mais graves do que aquelles que temos no continente, e se nós podemos obter mais facilmente as esclarecimentos que precisâmos em relação aos negocios do continente, não podemos senão com muita difficuldade saber a verdadeira situação dos differentes trabalhos em que andemos empenhados no ultramar.

É por isso que eu insisto com o sr. ministro da marinha para que mande colligir todos esses documentos e os faça distribuir antes mesmo da abertura do parlamento.

Effectivamente, eu confio immensamente no futuro desenvolvimento e na riqueza das nossas colonias; mas para isso se realisar, indispensavel é que durante alguns annos a metropole tenha de empregar grande parte dos seus recursos em favor das colonias. E não digo isto sómente em relação ás despezas extraordinarias a fazer com os grandes melhoramentos dos portos e dos caminhos de ferro. As receitas das provincias ultramarinas não chegam para a sua administração interna e para as pequenas obras que ali são reclamadas constantemente.

Todos os relatorios dos governadores ultramarinos pedem constantemente, sem excepção, urgentissimos e indispensaveis melhoramentos.

O sr. ministro da marinha sabe perfeitamente que em nenhuma das nossas colonias ha um bom caes de desembarque, onde os grandes navios do commercio possam atracar; não ha nos portos das nossas colonias as commodidades exigidas hoje nos portos commerciaes, mesmo de segunda ordem; e todas estas despezas são inevitaveis, e hão de vir a seu tempo.

Referindo-me mais especialmente a Angola, o deficit é na opinião do governador geral, o sr. Capello, de 1:120 contos de réis, proveniente de despezas inevitaveis.

Vê-se mais que o calculo do sr. Capello não é exagerado, porque mencionou o cabo submarino com o encargo de 117 contos de réis, emquanto que o illustre ministro pediu 152 contos de réis no orçamento. E isto corrobora ainda o meu argumento do que a despeza com o caminho de ferro de Ambaca ha de ir muito alem do que só tinha previsto. Eu tinha calculado 616 contos de réis approximadamente; mas o sr. Capello, que está mais proximo da realidade das cousas, que vê tudo de mais perto, que tem melhores elementos para calcular, diz que a despeza será de 630 contos de réis para 300 kilometros, que corresponde a 735 contos para o comprimento de 350 kilometros.

Já vê v. exa. que simplesmente em Angola, ha mais de 1:000 contos de réis de deficit permanente, e este é o facto capital.

Mesmo com risco de ser fastidioso e de aborrecer a camara, desejo mostrar que é convicção minha, profunda, que seguimos n'um mau caminho não estudando devidamente o modo de emprehender os grandes trabalhos, que são propostos ao parlamento despidos do estudos serios e de esclarecimentos, e apenas fundados em illusões e phantasias.

Haja vista o que succedeu relativamente ao cabo submarino.

Dizia-se que a maxima despeza, na peior das hypotheses, seria de 73 coutos de réis e sómente no primeiro anno, porque dentro de quatro ou cinco annos não se gastaria um real. A verdade é que para o anno actual, isto é, cinco annos depois do estabelecimento do cabo, a despeza está computada em 152 contos de réis, mais do dobro.

Quando se apresentou o projecto do caminho do ferro de Ambaca, dizia-se tambem que dentro de poucos annos o estado deixaria de pagar a garantia de juro a que se obrigava, mas hoje vê-se que fôra uma completa illusão suppor isso, porque o encargo actual é pesadissimo e durará muito tempo.

Referindo-mo ao projecto era discussão, notarei desde já, sem o querer discutir agora na especialidade que são garantidas tambem as despezas de exploração n'um certo periodo.

Não só tinha dito isto abertamente quando se poz a concurso o caminho de ferro de Ambaca, introduzindo-se posteriormente essa clausula no contrato, o que não parece ter sido muito regular.

Tenho aqui uma nota do que já custou ao estado essa garantia, e da quantia que a companhia economisou d'essas, despezas.

É precisamente este um ponto para o qual a minha attenção já foi chamada ha mais tempo, quando tive de dar o meu voto sobre uma questão identica, e por isso tive de estudar o assumpto detalhadamente.

Eu entendi que a interpretação dada n'essa parte pelo governo ás condições do contrato do caminho de ferro de Ambaca, obrigam agora o estado a proceder do mesmo modo em todos os casos idênticos e faço referencia a este assumpto para mostrar a falta de prudencia e de cuidado com que muitas vezes se votam os projectos apresentados n'esta casa (Apoiados.) e como depois se executam.

Quando se publicou o programma do caminho de ferro de Ambaca não se disse, como agora, que o governo garantia as despezas de exploração, mas declarou-se isso quando se assignou o contrato em 25 de setembro de 1888.

Comparando-se as condições do contrato do Ambaca com as do caminho de ferro de Mirandella, vê-se o seguinte:

Caminho de ferro de Mirandella

(Contrato de 30 de junho de 1884)

«Artigo 27.° O governo garante á empreza adjudicataria o complemento do rendimento liquido annual até 5,5 por cento em relação ao custo de cada kilometro que só construir, comprehendendo juro e amortisação.

«Art. 28.° Para os effeitos d'esta garantia de juro, o preço kilometrico será a quantia de

«As despezas do exploração serão computadas em 50 por cento do producto bruto kilometrico, excluindo o imposto de transito, fixando-se todavia um minimum de réis 700$000, o em maximo de 1:200$000 réis por kilometro.»

Caminho de ferro de Ambaca

(Contrato de 25 de setembro de 1885)

«Artigo 22.° O governo concede tambem á empreza o complemento do rendimento liquido annual até 6 por cento em relação ao custo de 19:999$000 réis por cada kilometro que se construir, comprehendendo juro e amortisação.

«§ 3.° Esta garantia durará por todo o praso da concessão.

«Art. 23.° Quando o rendimento bruto da linha ferrea, excluido o imposto de transito, não exceder a 2:000$000 réis por anno e por kilometro, as despezas de exploração para os effeitos do computo de garantia serão sempre calculadas em 1:000$000 réis tambem por anno e por kilometro.

«Quando o rendimento bruto for superior a 2:000$000 réis, etc., em 6 por cento.

«Quando for superior a 2:500$000 réis, etc., serão calculadas em 55 por cento, não poderão ser superiores a 1:375$000 réis.»

As condições parecem identicas mas na applicação tem

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havido duvidas. Para o caminho de Ambaca o ministro da marinha de setembro de 1885 declarou, a pedido do unico licitante que houve, que a garantia do governo se applicava ás despezas de exploração, por estar isso em completa harmonia com as disposições do concurso, e para o caminho de Mirandella a opinião da procuradoria geral da corôa é adversa a essa interpretação.

O facto é que em virtude das declarações feitas pelo governo no acto da assignatura do contrato, ha a garantia do estado não só para o juro dos capitães empregados na construcção, mas ainda para as despezas da exploração, computadas em verba superior ás necessidades do trafico.

Quer a camara saber a importancia que tem isso? É enorme, tanto que a companhia n'um dos seus relatorios dizia que a verdadeira interpretação das clasulas do contrato, que só referem á garantia de governo, estava no artigo seguinte dos seus estatutos:

«Á conta de ganhos e perdas serão tambem levadas as economias que porventura se realisarem sobre as quantias fixadas para as despezas de exploração, ou o excesso quando essas despezas forem superiores.

«§ unico. Será igualmente debitada a conta do governo pela differença que houver para menos da importancia da receita bruta da exploração, em relação ás despezas da mesma exploração, computadas em 1:200$000 réis no minimo.»

A companhia julgava que esta ultima garantia tinha alto valor, admittida a hypothese de terem os obrigatarios de tomar posse da linha.

Effectivamente no primeiro semestre de 1889 o rendimento da primeira secção (60 kilometros) foi de 5:170$190 réis, e a despeza real de 19:579$735 réis, o que correspondo a 652$650 réis por anno e kilometro. Tendo o governo abonado á companhia para as despezas de exploração 36:000$000 réis, segue-se que a companhia levou á a conta de ganhos e perdas o lucro de 16:420$265 réis só em relação áquelle primeiro semestre. Alem d'isso a companhia recebeu por completo o juro garantido. No segundo semestre de 1889 a receita foi de 7:580$660 réis. A receita total em 1889 foi pois de 12:750$800 réis, ou réis 212$514 por kilometro.

Em 1890 abriu-se mais uma secção, havendo no primeiro trimestre a receita de 4:948$930 réis, o que correspondo a 197$957 réis por kilometro e por anno. Os prejuizos para o estado serão, portanto, consideraveis, como já disse, porque terá que pagar não só o juro garantido, mas tambem a differença entre a receita bruta e a quantia fixada para despezas de exploração, e durante muito tempo a linha renderá menos do que essa verba. A economia poderá bem avaliar se era cerca de 500$000 réis por kilometro.

Já v. exa. vê que estamos longe dos 6 por cento que se tinham garantido para a construcção da linha ferrea de Ambaca.

E isto ha de collocar a companhia desafogada? Não o creio. Porque não ha negocio que esteja mais sujeito a riscos e difficuldades do que uma construcção de caminho de ferro, e sobretudo a exploração nos primeiros annos.

Eu tenho d'isso uma larga experiencia. Todos os calculos são falliveis, e todas as hypotheses que parecem absolutamente certas, falham muitas vezes, (Apoiados) porque ha sempre augmento na despeza e diminuição de lucros a que tem do se attender. (Apoiados.)

Ora, nós que levâmos já uma vida bastante longa n'esta carreira de melhoramentos materiaes, sentindo logo no começo difficuldades immensas; que tivemos consideraveis embaraços politicos o financeiros por causa da liquidação da primeira companhia de leste; que fomos forçados a ceder ás exigencias dos interessados na companhia de sul e sueste; e que temos ainda pendentes as difficuldades do caminho de ferro de Lourenço Marques; deviamos ter aprendido já bastante para mudarmos de systema, porque o que seguimos não se presta senão a especulações pouco licitas, e longe de ser vantajoso para o estado, é muito prejudicial e ruinoso, affectando os nossos mais vitaes interesses e o nosso decoro nacional. (Apoiados.)

É para evitar mais e maiores difficuldades que no futuro podem apparecer que eu pedia ao illustre ministro da marinha e ultramar que pensasse seriamente no modo de obter para o estado o caminho de ferro de Mormugão, rescindindo o contrato em vigor, e é igualmente por esse motivo que eu entendo que é o estado e não uma companhia particular, que deve construir o caminho de Mossamedes de que agora se occupa a camara.

Tem-se fallado na necessidade de empregar n'estas obras exclusivamente capitães portuguezes.

É este um ponto delicado em que eu não desejaria entrar. Lembrarei apenas que o sr. ministro da fazenda pediu ha pouco tempo dinheiro á praça do Paris para pagar despezas instantes do thesouro portuguez, e que a propria companhia do caminho de ferro de Ambaca, que se diz genuinamente portugueza, foi buscar os capitães a Londres para construir a linha.

A este respeito devo dizer desde já que ha no meu espirito uma grande preoccupação.

Ha tempo vi um annuncio da companhia, dizendo que não havia difficuldades entre ella e o seu empreiteiro geral e que essas difficuldades se davam entre este e os sub-empreiteiros.

Fazia-se esta declaração no intuito de esclarecer o publico sobre os boatos que corriam.

Mas, acrescentava a companhia, e é isto o mais serio, que não havia risco nenhum, porque só no caso da companhia não satisfazer aos seus encargos para com os capitalistas inglezes, que lhe haviam emprestado dinheiro é que elles teriam direito de tomar posse da linha e de todas as vantagens que pertenciam a essa concessão, em que se comprehende a propriedade de extensas zonas de terrenos.

Assim, pois, eu devo declarar a v. exa. com toda a franqueza que vejo uma grande nuvem no futuro com respeito a esta questão.

Se eu insisto no que deixo dito é para mostrar á camara que estou profundamente convencido de que não devemos votar desde já este projecto como está redigido, porque nos póde trazer os mesmos perigos. (Apoiados.)

E não querendo que se pense que me domina, apenas um sentimento politico, mas antes a convicção profunda de que vamos n'um caminho erradissimo, tratei de rodear-me de todos os elementos que podessem esclarecer a camara.

Quer v. exa. ver o que diz um dos documentos que eu tenho aqui?

Lê-se no relatório da companhia do Ambaca, relativo ao anno de 1887, o seguinte:

«Embora conhecido e approvado por vós, exaremos aqui o summario do contrato de trustees.

«São os trustaes os curadores desinteresses dos portadores de obrigações, incumbindo-lhes, portanto, a guarda do producto das mesmas, e a estreita e absoluta applicação d'esse producto aos fins que deram logar á creação das obrigações, e outrosim a acção legal, como procuradores dos obrigatarios, em caso de qualquer quebra de contrato, quer com referencia á execução do trabalho que o producto das obrigações tem de custear, quer com relação ao pagamento dos coupons e omortisação dos titulos.

«Alem d'isto têem os trustees a fazer valer o privilegio em favor dos obrigatarios, com a mesma força que lhes daria uma hypotheca, sobre todos os bens que constituem o activo da companhia bem como sobre todas as vantagens que a esta dá o contrato de concessão para o referido caso de infracção.»

Note v. exa.; este contrato de concessão dá tambem á companhia terrenos e terrenos importantes ao lado da linha, como já disse.

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No relatorio do anno seguinte, insistindo novamente a direcção sobre este ponto, dizia:

«Se desde hoje até ao dia da amortisação da ultima obrigação creada, a companhia faltasse ao pagamento do cou-on e da amortisação, os trustees, cujas funcções se extinguem só com o pagamento da ultima obrigação, viriam em nome do obrigatario tomar conta de todos os haveres da companhia e de todas as vantagens da concessão.»

Em seguida transcreveram-se no relatorio os artigos 21.°, e 22.°, e o artigo 23.° do contrato de concessão, sendo este ultimo o que trata das despezas de exploração, dizendo-se que esse artigo é de alto valor, admittida a hypothese de terem os obrigatarios de tomar posse da linha.

Como se explica a insistencia da companhia sobre este ponto, quando o relatorio é destinado aos accionistas, e não aos obrigatarios?

Como v. exa. sabe, muitas companhias de caminhos de ferro da Europa que se encontram hoje n'um estado bastante prospero, não poderam nos primeiros annos pagar por inteiro o coupon das suas obrigações, e na peninsula não houve uma unica que podesse desde logo satisfazer a todos os seus encargos, apesar de serem elevadas as subvenções recebidas em dinheiro. Tanto em Portugal como em Hespanha os governos foram obrigados a prestar auxilio de differente natureza para attender ao estado precario das companhias, porque as despezas de construcção tinham eido mais fortes do que se pensava, e eram diminutas as receitas da exploração.

Ora diante d'este facto, póde muito bem succeder que o governo portuguez tenha ainda que recorrer a um augmento de garantia, e será bom evitar por uma boa fiscalisação que só dê esta hypothese, porque os encargos para a metropole são já consideraveis e muito superiores ao que se esperava.

Quanto ao trafico da linha, tambem é notavel o que diz a companhia a esse respeito:

(Leu.)

O que eu desejo é que todos estejam convencidos de que não apresento uma opinião mal fundada, e que o assumpto é da maior gravidade.

A companhia diz que é necessario prolongar o caminho e que, se o governo o não fizer, resultarão d'ahi prejuizos para o paiz.

A verdade é infelizmente que a companhia póde explorar mal, e aproveitando-se da concessão que se lhe fez para a garantia das despezas de exploração computadas n'um certo minimum reduzir o mais possivel essas despezas, para ter fortes economias a levar á conta do ganhos e perdas, não procurando desenvolver o trafico da linha, porque assim serão mais avultados os seus lucros.

Eu insisto n'este ponto, porque tal é a consequencia do modo como foi estabelecida a companhia para a construcção e exploração do caminho de ferro de Ambaca.

Não deve restar a menor duvida á vista do que disse a companhia, de que ella reduzirá as despezas de exploração na localidade quanto poder, porque pelo que respeita á administração superior ha de ser o que quizerem os grandes interessados.

Quanto á exploração propriamente dita, a companhia limitar-se-ha a manter em estado regular a via férrea e dependencias, fugindo a todas as despezas que poder evitar, é não curando absolutamente nada de promover a melhoria e augmento do movimento commercial, porque explora por conta do governo sem ter interesse algum no augmento do trafico, antes pelo contrario, desejará evitar esse augmento, por isso que a elle deverá corresponder augmento de despezas de exploração.

Portanto, o illustre ministro tem diante de si mais um grande problema a resolver, que consiste em modificar o contrato de Ambaca, de modo que elle seja igualmente util ao governo, aproveitando-se da primeira occasião que se lhe offerecer.

Em vez d'isto o governo Apresenta um projecto deficiente e despido de esclarecimentos, para constituir uma outra companhia para a construcção do caminho de ferro de Mossamedes, repetindo os mesmos erros, e não acautelando, como era preciso, os interesses do estado. A experiencia está ahi a provar que os methodos empregados até agora só têem causado embaraços politicos, financeiros e internacionaes; mas o illustre ministro vae seguindo os mesmos erros, e acarretando sobre o paiz novas difficuldades.

Este projecto do lei é baseado n'um simples reconhecimento, e é muito constrangido que sou levado a achar insufficientes os estudos do meu amigo e distincto engenheiro o sr. Joaquim José Machado; mas elle mesmo no seu relatorio aconselha muitas modificações e importantes, propondo até que se estude outra solução para a ultima parto do traçado, desde o pé da serra da Chella até ao alto.

Assignei a consulta da junta que foi submettida ao sr. ministro da marinha, na qual se acceitava a largura de 1 metro para a via, recommendando-se comtudo que se fizessem novos estudos para ver se era possivel encontrar outra solução melhor.

Se não fosse a muita consideração que nos merece aquelle illustre engenheiro, a opinião unanime da junta seria a rejeição absoluta e completa do projecto sem outro exame; mas attendendo ao conhecimento que aquelle engenheiro tem das nossas provincias ultramarinas, entendemos dever por emquanto pedir que se fizessem novos estudos em toda a extensão, procurando-se outra passagem na serra da Chella, e sómente para o caso de que pelo novo estudo se reconhecesse que o traçado das primeiras secções, que não eram muito difficeis, se podesse conservar na nova direcção geral a estudar, e, sómente n'este caso, é que o ante-projecto ou reconhecimento das primeiras secções podia ser adoptado, para servir de base ao projecto definitivo. Emquanto á ultima parte do traçado, a solução proposta era tão extraordinaria, que o proprio auctor do projecto lembrava outra solução mais barata.

Nos termos em que foi redigido o parecer a junta teve em vista a qualidade do auctor do projecto, e o seu inexcedivel zêlo pelos negocios do ultramar, mas não foi menos affirmativa em declarar que eram precisos novos estudos, que poderiam modificar a directriz geral de todo o traçado.

E não ha n'isto desdouro para ninguem, por mais competente que se reputo n'estes assumptos, pelo contrario deve desejar que os estudos sejam revistos por outras pessoas. (Apoiados.}

Quem não pensar deste modo não pensa bem.

Todos os engenheiros que tem tratado de caminhos de ferro são de opinião de que não ha nada mais difficil do que um traçado de caminho de ferro, e quaesquer que sejam as circumstancias leva sempre muito tempo para ser bem feito.

Póde ír alguem ao campo com instrumentos fazer rapidamente um traçado, bom ou mau, sem attender ás condições do terreno e ás differentes circumstancias a que uma linha ferrea tem de satisfazer, e apresentar depois um projecto com o seu nome, dizendo que não ha outra solução a estudar.

Quando submetterem á apreciação do illustre ministro um projecto preparado por essa fórma, como definitivo e invariavel, s. exa. não deve confiar em tal projecto, porque não póde estar bom. Estas palavras não se applicam ao reconhecimento do engenheiro Machado, porque elle mesmo propoz desde logo numerosas modificações.

Todos os que têem tratado de caminhos de ferro, todas as auctoridades que escreveram a este respeito, dizem que é necessario fazer estudos duas, tres ou mais vezes para se conseguir um bom traçado para um caminho de ferro qualquer, e muito mais quando o terreno é difficil como é no caso de Mossamedes.

O sr. Freycinet, na occasião em que se discutiu no par-

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lamento francez a questão da rede complementar dos caminhos de ferro de França, respondeu a alguns deputados que receiavam que, em resultado de se construirem tantos caminhos de ferro ao mesmo tempo, a França ficasse em más circumstancias financeiras, e houvesse perturbação nas condições do trabalho da lavoura, que desde o começo dos estudos de um caminho de ferro até se principiar a construcção não podiam passar menos de dois annos.

Esta é a verdade: é preciso fazer muitas confrontações, e que differentes pessoas examinem o assumpto, porque de outro modo só excepcionalmente se póde obter um bom traçado. Não se procedendo com cuidado, muito assiduo e demorado, as obras saem muito caras, e a via férrea não satisfará ao seu fim.

Commigo mesmo se deu um exemplo.

Eu fiz um projecto para o porto de Leixões em 1864 e 1865.

Esse assumpto foi examinado por muitos outros engenheiros, e depois de consultadas muitas pessoas competentes tanto estrangeiras, como nacionaes, a final adoptou-se um projecto em que o traçado do uma grande parte dos molhes se confunde com o do projecto que eu tinha elaborado, empregando-se no perfil de quebramar o systema de construcção que eu tinha proposto, apenas mais ampliado.

Para o estudo definitivo de um caminho de ferro é preciso ír ao campo por differentes vezes examinar todas as circumstancias, que se dão; a natureza do terreno e os materiaes de que se poderá dispor para a construcção.

O illustre ministro, porém, contentou-se com aquelle reconhecimento, quando a junta pedia novos estudos. Desde que a junta pedia novos estudos s. exa. devia reconhecer que ella entendia que a execução d'este projecto tal como está não podia ter logar.

A commissão, e permitta-se-me uma referencia ao parecer da commissão, na especialidade; a commissão julga ainda este assumpto muito facil porque concede apenas seis mezes para se apresentar o projecto definitivo.

Note v. exa. A lei ha de sair do parlamento d'aqui a alguns dias; e publicar-se immediatamente no Diario do governo. No dia seguinte o governo póde abrir concurso, e por pouco tempo, porque se não marca praso algum; apparecem differentes concorrentes, todos na molhar boa fé; assigna-se o contrato, e d'ahi a seis mezes deve ser apresentado o projecto definitivo.

Ora dois mezes gastam-se para se ír d'aqui a Mossamedes e voltar do lá.

Quatro mezes para se fazer o projecto definitivo de uma linha de 180 kilometros é realmente muito pouco, porque são precisos pelo menos dez mezes.

Ha um ponto importante que eu hei de tratar na especialidade. É a largura da via; propunha o illustre ministro de 1 metro, e a commissão deixou-a indeterminada.

Parece-me que haveria vantagem em se estudar novamente o caminho de ferro não só para a largura de 1 metro, mas tambem para a largura de 75 centimetros.

A minha opinião pessoal é que a largura de 1 metro é a mais conveniente, mas sei que um engenheiro muito distincto propoz para uma parte da rede da Argelia franceza a largura de 75 centimetros, e é esta igualmente a largura adoptada no estado independente do Congo.

Não sou muito partidario d'essa largura; porque acho que ella é diminuta não se prestando bem aos movimentos militares. Mas em todo o caso não é dinheiro perdido estudarem-se todas essas soluções; porque sómente de um estudo minucioso e comparativo é que se póde conhecer a conveniencia de se adoptar uma ou outra solução.

Parece-me ter provado que o nosso orçamento ultramarino tem forçosamente de ser consideravelmente augmentado nos annos proximos com grandes despezas, certas e inadiaveis.

O governo e a camara têem differentes problemas a resolver para o desenvolvimento das nossas provincias ultramarinas.

Ha, em primeiro logar, a conclusão do caminho do ferro de Lourenço Marques, e note v. exa. que as despezas incluidas no orçamento do anno passado não foram diminutas, e não sabemos ainda o que nos custará a exploração e a posso d'aquelle caminho de ferro, porque no orçamento do anno actual não se encontra verba alguma para esse caminho de ferro. São encargos novos que devem resultar para o thesouro, e com que devemos desde já contar.

Alem dos trabalhos necessarios para a sua conclusão até á fronteira, que estuo orçados em trezentos e tantos contos de réis, será preciso adquirir material circulante e construir no porto as obras indispensaveis para embarque e, desembarque de mercadorias, como caes, pontes e tudo o mais que constitue uma estação maritima.

Todas estas despezas serão muito avultadas, mas haverá que attender forçosamente a ellas, porque fazer o caminho de ferro e não lhe dar as condições necessarias para que o commercio possa d'elle aproveitar-se com vantagem, seria um contrasenso, e um despendio quasi inutil de capitães.

Provado fica, que o illustre ministro tem de se occupar seriamente d'este assumpto, de que depende o desenvolvimento da nossa colonia de Lourenço Marques.

Emquanto ao caminho de ferro de Mormugão, já disse que havia tambem a necessidade de augmentar as despezas com o complemento d'aquella linha ferra, e portanto os encargos do estado, que no ultimo anno foram de 310:000$000 réis approximadamente.

Pelo que respeita ao caminho de ferro de Ambaca, alem das difficuldades que eu indiquei como provaveis para o futuro, está pendente a questão do caes de embarque no porto de Loanda, porque existe ali uma estacada provisoria, não se tendo resolvido a questão que se levantou para se saber a quem pertence fazer aquella obra, se á companhia, se ao governo.

É um ponto que está em litigio, penso eu, a não ser que o illustre ministro o resolvesse ha pouco tempo.

Mas se é á companhia que pertence fazer essa obra, não vejo que polo contrato lhe esteja garantido o juro do dinheiro que a companhia gastar n'ella, se é ao governo, temos uma nova despeza e avultada a acrescentar ás muitas que já oneram o thesouro da metropole.

N'estas circumstancias intentar desde já um novo caminho de ferro em Mossamedes, nos termos propostos pelo governo, seria aggravar ainda mais as difficuldades presentes e futuras, já consideraveis do nosso thesouro. (Apoiados.)

Nem a illustre commissão, nem o ministro nos explicam a rasão porque se escolheu Mossamedes para ponto de partida do primeiro caminho de ferro a construir n'aquella parte da Africa. Effectivamente Mossamedes é o ponto para onde só dirigem hoje as attenções, mais especiaes do ministerio da marinha.

A camara não foi comtudo sufficientemente esclarecida dos motivos que determinaram esta preferencia.

Ha no relatorio do governo muitas considerações sobre as vantagens da colonisação do planalto da Chella, muito apropriado a isso pela sua salubridade, mas quando o illustre deputado, o sr. Pinheiro Chagas, apresentou a proposta de lei para o caminho de ferro de Ambaca, disse-nos igualmente que as riquezas de Africa não estavam no litoral, quasi sempre insalubre, e que todos os exploradores se afastavam o mais depressa da costa, indo buscar as regiões férteis e salubres do interior, onde talvez em menos de um seculo pullule a colonisação europea.

Dizia-se mais que o caminho de Ambaca era caminho de penetração, que iria procurar principalmente os productos ricos dos mercados do interior.

Hoje diz-nos a commissão e o sr. ministro: «que este caminho vem promover a colonisação do planalto da Chella,

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e dar saída aos generos que ali se produzem, que são pobres!»

E o sr. Serpa Pinto, com muita verdade, disse-nos: «que a fertilidade dos terrenos em Africa estava na rasão directa da sua insalubridade!» Sendo assim e em vista da grande salubridade do planalto, que todos reconhecem, os terrenos ali serão dos menos productivos de Africa?

Mas esse caminho de ferro deve terminar no começo do plan'alto?

A idéa do governo e da commissão é que esse caminho de ferro siga para o interior?

O sr. Machado no seu projecto designou de Mossamedes ao Bihé, mas disse logo que lhe dava esse titulo em harmonia com a idéa inicial expressa no requerimento dos srs. Capello e Ivens, não emittindo a sua opinião sobre a melhor directriz a seguir para leste da Chella.

Tem-se fallado, com muita insistencia, na necessidade de ir ao Bihé com um caminho de ferro, por sor um ponto commercial importante, e estar na direcção mais conveniente para a ligação com a costa da Africa oriental.

N'estas circumstancias, quando o governo intentasse um novo caminho de ferro em Africa, parecia-mo que se deveria decidir por aquelle que permittisse ír desde a costa occidental até á oriental, e o paiz conheceria a importancia total dos encargos, que d'ahi devem resultar, fazendo-se as primeiras secções, por emquanto apenas, até que os nossos recursos nos deixassem fazer o resto.

Seria assim mais racional.

No projecto actual ignora-se qual será o prolongamento, que dependerá de novos estudos.

O que sabemos é que por Ambaca se não irá á costa oriental.

A companhia concessionaria que deve estar mais ao facto de todos os negocios que dizem respeito aquelle caminho, por isso que tem lá os seus engenheiros, administradores e empregados, não se refere senão ao prolongamento até Malange ou Cassange, para evitar a concorrencia das linhas ferreas do estado do Congo, que podem desviar a corrente dos productos ricos das regiões do interior.

Se o governo portuguez não o entender assim, nenhum prejuizo soffrerá a companhia, porque receberá o juro garantido, e as economias que fizer sobre a importancia garantida tambem para as despezas de exploração. É o que diz bem claramente a companhia nos seus relatorios.

Póde por isso pensar-se que o governo, antes de encetar novos caminhos de ferro no ultramar, devia prolongar o de Ambaca até ao seu terminus natural, ou que pelo menos, querendo encetar um outro, nos propozesse o tronco principal do que tem de ser prolongado até ao Bihé.

Era isto mais consentaneo com os interesses publicos.

Pergunto: é este o caminho do ferro que ha do ír ao Bihé? Parece-me que não é essa a direcção mais natural. Alem d'isto o projecto tem treze reversões e bastantes declives de 0,03 a 0,05 por cento; n'estas condições não póde constituir o primeiro tronco de um caminho de ferro importante e longo.

É apenas um pequeno caminho de ferro destinado a facilitar a colonisação da zona mais rica e salubre do plan'alto da Chella?

Se eu tivesse a decidir-me sobre esse assumpto, mandava fazer um reconhecimento geral, para saber qual o caminho que se devia encetar, no intuito de leval-o ao Bihé, partindo de Mossamedes ou de Benguella, mas em condições de mais tarde o prolongar até á costa oriental. Antes de obter esses novos esclarecimentos não ía fazer este caminho de ferro, que parece ser destinado sómente a satisfazer as necessidades restrictas e pequenas do planalto, podendo esperar-se um anno sem prejuizo pelos novos estudos.

Direi muito de passagem, que pelas informações que colhi sei que as receitas em Benguella tão superiores às despezas, o que não succede em Mossamedes.

O estado recebe mais do que despende com aquelle districto. A camara municipal de Benguella faz estradas, realisa os seus principaes melhoramentos; o commercio de Benguella é prospero e a importação o a exportação augmentam dia a dia. Benguella parece ser realmente uma colonia que tem elementos de prosperidade. N'isto estão de accordo as pessoas que conhecem o ultramar.

A Catumbella chegam em certas epochas de 3:000 a 4:000 pretos por dia com productos ricos do interior, para trocar com outros da industria europêa.

Não sei quaes sejam as rasões que tanto este governo como o transacto tiveram para escolher como ponto de partida do caminho de ferro que se quer construir, Mossamedes e não Benguella.

Os documentos apresentados á camara não esclarecem sufficientemente este ponto, o isso bastaria para eu não acceitar o projecto submettido ao exame do parlamento.

Alem d'isto é mais prudente não encetar novas obras sem concluir as que já estão começadas, principalmente quando o thesouro publico não tem recursos de sobra para isso.

Julgo, portanto, inopportuna n'este momento a construcção d'este caminho de ferro, e ainda que não existisse esse motivo, havia a necessidade de se proceder a estudos definitivos, sem os quaes não póde dar-se um concurso serio.

O illustre ministro será certamente o primeiro a reconhecer que, segundo os termos do projecto, é licito á empreza adjudicataria aproveitar-se por um estudo minucioso das condições do terreno e construir mais economicamente o caminho, como mesmo se deduz do relatorio do engenheiro Machado, e n'este caso o governo vae dar mais do que devia.

Se, pelo contrario, a empreza encontrasse difficuldades graves não previstas, teriamos que vir em seu auxilio como fizemos em relação ao syndicato portuense para o caminho de ferro de Salamanca.

Como v. exa. sabe suppunha-se que a empreza de Salamanca era boa para os capitães que n'ella se empregassem e que traria grandes vantagens para a praça do Porto, que julgava aquelle caminho de ferro indispensavel para a sua existencia, porque sem elle cresceria a herva nas das do Porto.

A triste realidade é outra. Não ha passageiros nem mercadorias no caminho de ferro, mas tambem se não vê herva nas das do Porto. O movimento de passageiros é tal que a companhia julga que não póde manter um comboio rapido por semana. A situação d'aquella empreza era tão critica que teve de recorrer ao estado para salvar os bancos do Porto do um desastre certo.

Os grandes beneficios com que se sonhou transformaram-se em encargos certos e consideraveis para o estado, sem que a praça do Porto colha vantagens.

As receitas do caminho de ferro não chegam para as suas despezas reduzidas de exploração.

O mesmo succedeu no caminho de Mormugão, no caminho de Ambaca, e no cabo submarino.

Para se votarem prometteram os relatorios das commissões e dos ministros grandes lucros e beneficios, e o paiz só recebeu d'esses contratos decepções e prejuizos.

O mesmo succedêra com o caminho de ferro de lesto e com o do sul, e, desde que a experiencia e a pratica nos tem demonstrado que eram demasiado elevadas as nossas aspirações, parecia-me que já era tempo, pois ha quasi cincoenta annos que começámos, de mudar de caminho e de systema.

Na legislatura de 1856 houve nesta camara uma longa discussão sobre o caminho de ferro de leste, e eu vou apenas citar este facto para que se veja quanto é muitas vezes fecunda a imaginação dos que pretendem que se votem projectos d'esta ordem.

Apresentou-se á approvação do parlamento um accordo feito em Londres com os empreiteiros e interessados do ca-

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minho de ferro do leste para a liquidação dos trabalhos, e uma convenção com banqueiros de Paris para a conclusão d'aquella linha ferrea e da do norte.

Citou o ministro auctor das propostas para convencer a camara da vantagem do caminho de ferro de leste, a opinião de um distincto escriptor inglez, que pensava que feito um caminho de ferro para ligar Lisboa com a Europa, só a cidade de Londres poderia rivalisar com Lisboa. Acrescentava o mesmo ministro que não ía tão longe, mas que na sua opinião, com excepção de Londres, Lisboa ficaria a par das principaes capitães da Europa.

Isto prova ainda uma vez como exageradas têem sido as vantagens da melhoramentos d'esta ordem.

Os melhoramentos materiaes são necessarios, são indispensaveis? São, mas é necessario que se façam com prudencia, ordem e methodo, e segundo os nossos recursos, para que não caíamos nas difficuldades que nos trouxe o caminho de ferro de leste, o do sul, e o de Lourenço Marques.

Li os relatorios das propostas de lei, li as discussões de 1854 e de 1856 n'esta casa. A ultima durou cincoeuta e tantos dias, o que responde aos que julgam que estes assumptos gravissimos se podem discutir rapidamente. N'aquella epocha nem por parte do governo, nem por parte da maioria houve reclamações por uma tão larga discussão.

Os que estiveram aqui em 1869 tiveram que acceitar o pagamento de uma multa de 200 contos de réis a um banqueiro de Londres, um dos nossos credores, porque a situação do thesouro era desesperada, por causa exclusivamente das difficuldades que resultaram da falta de cumprimento do contrato por parte da companhia que tomára o caminho de ferro do sul.

E é com estes exemplos tão recentes que se apresenta ao parlamento um projecto que além de augmentar desde já as despezas publicas e os embaraços do thesouro, trará por certo no futuro conflictos mais serios e mais grandes?

Não ha estudos definitivos nem base segura para um concurso serio, sendo as condições da auctorisação que se pede tão vagas, que se prestarão a muitas interpretações.

Parece-me, pois, que o illustre ministro devo esperar mais um anno para que se façam novos estudos e se esclareça melhor este assumpto.

Fixada a directriz e as condições technicas da execução entendo que é ao estado que incumbe construir o caminho de ferro, porque só assim se evitarão os inconvenientes que têem provindo de contratos similhantes.

No continente podem adoptar-se outros processos, mas em Africa o interesse geral exige que seja, o estado que emprehende obras d'esta magnitude.

Se o illustre ministro me convencer do contrario, não negarei o meu voto ao projecto.

(O orador foi comprimentado por grande numero dos seus collegas.)

Leu-se na mesa e foi admittida a moção apresentada peio sr. deputado.

O sr. Ferreira do Amaral (relator): - Sr. presidente, não será muito facil em vinte e cinco minutos, que tenho para fallar, responder, argumento por argumento, á longuissima peregrinação que o meu amigo o sr. Espergueira fez desde o mais remoto oriente, até ao caminho de ferro de lesto e norte, quer dizer desde Murmugão até Xabregas, com escala por Ambaca, Mossamedes e Lourenço Marques, o que me levaria tanto tempo, como o que o illustre deputado gastou; e seria para mim ainda mais difficil, porque teria de luctar contra a competencia provada em muitos annos, que o illustre deputado tem era assumptos de caminhos de ferro, tendo para lhe contrapôr só a minha vontade de bem servir o meu paiz, e a convicção de que, defendendo o projecto em discussão, defendo o meio mais forte, mais seguro, mais efficaz de assegurar a nossa soberania, e de fazer entrar a eivilisação no centro da Africa, porque é necessario que se saiba, que, se o marfim, a borracha, a cêra e todos os generos de primeira plana commercial, que vem aos mercados do litoral de Africa, fazem a fortuna do muitos mercadores, que se empregam n'esse commercio, o elemento branco é o primeiro genero a explorar e a produzir em Africa, se quizer que a civilisação se desenvolva e fortifique, porque desde que aquella se queira inocular só pelos proprios meios de commercio, nós temos por esse lado a tradição correcta e augmentada dos antigos mercadores com as suas alcavallas, desmoralisadoras, emprego a palavra, e ainda é um pouco lisongeira para elles; poro outro o missionario a perder tempo, e o administrador a perder tambem os seus esforços, e não temos o colono ligado á terra, que é verdadeiro elemento de civilisação, que é o que procurâmos e devemos obter.

O illustre deputado o sr. Espregueira com a competencia do assumpto que todos lhe reconhecem, atirou á cara dos imperitos, como eu, com a incompetencia, phantasias e illusões. Feliz culpa e a d'essas phantasias e illusões que se firmam no amor do paiz. Quando erre, prefiro errar em acreditar que o paiz póde fazer um caminho de ferro, e não em dizer que estamos em uma situação financeira tão difficil, que são taes as contrariedades com que temos a luctar, que um caminho de ferro de 180 kilometros, é uma phantasia perigosa, que nós não devemos pensar resolver ainda por muitos annos!

Disse s. exa. que havia illusões em caminhos do ferro, e que estas illusões não se limitavam só ao ultramar, mas diziam tambem respeito ao caminho de ferro do norte e leste. Em resposta direi ao illustre deputado que por essa occasião houve tambem illusões em contrario d'aquellas a que s. exa. allude, e se bem me lembra, não porque eu seja dado a rebuscar precedentes nos annaes parlamentares, mas porque tenho na tradição do meu ouvido, que houve quem dissesse que o primeiro comboio, na primeira semana que chegasse do Porto traria tudo quanto lá houvesse e que fosse preciso trazer, e que na segunda, se quizesse trazer gente, era preciso que o governo pagasse a alguém que quizesse fazer o obsequio de viajar nos comboios para cohonestar a construcção da linha.

Aqui tem v. exa. as phantasias de uns e as phantasias de outros, uns diziam que o governo havia de pagar aos passageiros que viajarem no caminho de ferro; outros que desse caminho de forro haviam de resultar importantes vantagens para o paiz, e eu pergunto a s. exa., perante a historia e os factos, qual dos dois elementos tinha rasão, qual foi mais patriotico e contribuiu mais para o desenvolvimento do paiz.

Dizia o illustre deputado, e eu preciso resumir as considerações que tenho a fazer, mesmo porque d'este lado da camara poderia ser estranhavel que eu deva imitar s. exa. na prolixidade do argumentos e em protelar a discussão, mas póde s. exa. estar certo que me poderá faltar intelligencia, mas nem a coragem, nem a vontade me fallecem, e a minha convicção é tal que apesar da competencia de s. exa. eu sinto-me com vontade de discutir, e peço aos illustres deputados da maioria que dêem o maior desenvolvimento a esta discussão, desejo não só manifestado pela declaração do sr. ministro da marinha, mas pelas minhas declarações por parte da commissão.

S. exa. disse que desejava saber a minha opinião sobre as condições de navegação dos portos de Benguella e Mossamedes.

Estas differenças definem se em duas palavras: Benguella não é porto, Mossamedes é um porto de primeira ordem.

O sr. Luciano Cordeiro: - De primeira ordem não...

O Orador: - Eu não tenho uma grande auctoridade no assumpto, mas tanto quanto possa confiar-se no meu conhecimento do porto de Mossamedes, para onde fiz não menos de trinta e oito cruzeiros em navios de véla, o que

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SESSÃO DE 22 DE JULHO DE 1890 1461

já é alguma cousa, (Apoiados) posso affiançar ao illustre deputado que Mossamedes é um porto de primeira ordem.

O sr. Luciano Cordeiro: - Era uma observação que fazia a mim mesmo; não era para objectar a s. exa.

O Orador: - Já aqui se tem feito referencia á conveniencia de haver n'esta sala uma pedra e um mappa; e acho realmente isso uma necessidade. A pedra era para os calculos; o mappa era para os incredulos. (Apoiados.)

Uma das rasões que levaram o illustre deputado o sr. Espregueira a votar contra o caminho de ferro de Mossamedes, era os encargos que a. exa. notou existirem nos nossos orçamentos ultramarinos, encargos que tornavam, na sua opinião, perigosa a construcção d'este caminho de ferro.

Ora, sr. presidente, é notavel que, sendo eu convictamente regenerador, e nunca tendo sido outra cousa, me veja agora na obrigação do ír defender o meu amigo o sr. Ressano Garcia, que aliás não precisa nada da minha defeza.

O sr. Ressano Garcia: - A minha causa está era muito boas mãos.

O Orador: - O illustre deputado o sr. Espregueira, com a sua auctoridade e respeitabilidade, fez-me lembrar ha pouco aquella referencia de Camões ao homem já de avançada idade, (n'esta ultima circumstancia não ha de certo paridade com o illustre deputado) que na praia do Rastello estranhava que portugueses se fossem lançar em tão longinquas aventuras, quando tinham ao pé de nós o torpe ismaelita... tudo quanto nós sabemos que lhe attribuia o épico immortal. Pois o illustre deputado, á força de querer ser o propheta do Rastello, não soube que, atirando a pedra para o mar, em vez de caír no oceano, a pedra ía caír em cima dos seus amigos. Foram os amigos do illustre deputado que já em 1887 alludiram á necessidade da construcção do caminho de ferro de Mossamedes. Bem sei que podem responder-me que então o estado financeiro do paiz era prospero. Em 1888 continuaram a affirmar essa necessidade. Foi um ministro progressista que mandou estudar este caminho do ferro; e eu, repito isto para gloria do sr. Henrique de Macedo, do sr. Barros Gomes, do sr. Ressano Garcia, e de todos aquelles que sustentaram a mesma opinião; e principalmente o sr. Ressano Garcia, que chegou a telegraphar aos colonos, dizendo-lhes: não se retirem, porque o governo compromette se a fazer o caminho de ferro. E quer v. exa. saber qual foi o valor d'este serviço prestado pelo sr. Ressano Garcia? Foi fazer com que nós pudéssemos affiançar á Europa, nas nossas negociações, que tinhamos povo para colonisar a Africa, quando isso fosse preciso; foi mostrar que a antiga como a moderna raça portugueza e a mais propria para a colonisação do continente negro e que não somos um povo abatido, porque ainda nos lembrâmos do que fizemos, não simplesmente para a tradição historica, mas para a exacta observancia d'aquillo que é por todos considerado como um dever de nação colonial. (Apoiados.)

Como v. exa. sabe em todas as nações coloniaes ha o que se chamam despezas de soberania. Essa soberania não se exerce sem se terem os encargos correlativos, e é d'elles que derivam não só o credito, mas o aproveitamento do commercio da metropole com as colonias.

Como governador geral da provincia de Angola já tive sob a minha jurisdicção o districto de Benguella, cujos habitantes tenho na maior consideração por muitos motivos e ainda porque de toda a provincia são elles os que menos incommodo causam, e mais dinheiro fornecem em contribuições para o estado e municipio.

Consultando as estatisticas vê-se que em relação a Benguella as fazendas estrangeiras entram por tres quartas partes no valor da importação. Em relação a Mossamedes as estatisticas constituem a decima parte da balança commercial de Benguella, pendo, porém, a maior parte por importação de generos absoluta, completa e inteiramente nacionaes. Esta observação póde responder ao illustre deputado. Em Beuguella o commercio é grande, porque o producto é rico; em Mossamedes o commercio é pequeno porque o producto é pobre; mas o commercio que lá se faz é todo com as praças do continente portuguez. Se não representa isto alguma cousa na consideração que possa merecer uma região qualquer, é, pelo menos, para s. exa., tão patriota como eu, uma rasão que deve calar no seu espirito para ser menos severo com o relator do projecto.

Visto que não tenho muito tempo para poder responder ao illustre deputado, lembrarei apenas um adjectivo que escapou de certo a s. exa. no calor da discussão. Ninguem precisa mais desculpa para essa especie de lapso do que eu que tenho a mais completa negação para fallar em publico, a que vem juntar-se a falta de pratica. Estes lapsos são mais de notar, pois, no illustre deputado, que é um antigo parlamentar, do que em mim que sou caloiro no officio. (Riso.)
Disse s. exa. que o argumento de aconselhar os habitantes de Traz os Montes a irem para o planalto da Chella era irrisorio.

Eu que estudei mathematica, e não digo isto para credito dos meus mestres, mas sim para justificar a minha observação, devo dizer a v. exa. que logo que se põe o argumento diante de mim tiro-lhe immediatamente o corolario. Fiz então o seguinte raciocinio.

Se o argumento é sempre parte da intelligencia do individuo que o produziu, é claro que se essa intelligencia tem pontos irrisorios é por ser tambem irrisorio o que póde talvez ser justo mas é de certo menos agradavel de ouvir.

O sr. Espregueira: - Não era essa a minha intenção.

O Orador: - Supponhamos que não o era, em todo e o caso o meu argumento para os factos fica sempre de pé.

Eu não quero responder com um gracejo á observação do illustre deputado, porque mo impede a gravidade que eu estou obrigado a manter como relator do projecto.

O que digo, porém é que a idéa de se fazerem dos caminhos de ferro do Mondego a salvação de Traz os Montes, me parece extraordinaria. Elles não passam por cima da phylloxera, nem espantam o terrivel flagello com o silvo das suas locomotivas; não se fazem locomotivas de sulfureto de carbono. (Riso.)

Se o illustre deputado imagina que os individuos que vão trabalhar para os caminhos de ferro de Traz os Montes, ficam com isso servidos para toda a sua vida, digo-lhe que acabado o caminho de ferro elles voltam outra vez para a miseria, tendo só tido o ante-gosto do que póde ser a grande satisfação de ter de comer para sempre, pois que como é provavel que não depositem os restos das suas economias, findos os trabalhos têem-se alimentado por mais dois ou tres annos, para depois terem de voltar para a miseria.

Isto não succederá aos que forem para Mossamedes e outros pontos onde s. exa. achou tão mau o clima, constituindo-se assim em perpetuador da tradição aldeã de que antigamente se dizia que era uma deshonra ír para a Africa, por ser terra de degredados.

A um modo de ver tão restricto responde-se em duas palavras que são as seguintes:

É preciso que se saiba que não é só o militar que vae para a Africa, que defende a patria; o colono ainda a defende melhor. E não consta que isto se julgue titulo deshonroso, mas em vez disso é o padrão de gloria mais sympathico que por ventura póde honrar as consciencias honestas. (Apoiados.)

O illustre deputado suppõe que se dão só quatro mezes para fazer os estudos definitivos.

N'esta parte o illustre deputado foi injusto com a commissão.

Eu sei infelizmente o que são estudos na Africa, porque eu era governador de Mossamedes, quando se fizeram os estudos do caminho de ferro de Ambaca, sendo em Mos-

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1462 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

samedes que se fizeram os trabalhos de gabinete. O illustre deputado fez o elogio d'esses estudos. É portanto s. exa. da escola d'aquelles que dizem que o que se gasta em estudos se economisa em exploração?

Em resposta direi tambem a s. exa. que, quando o que se gasta em estudos, se aproveita, como se aproveitaram os estudos do caminho de ferro do Arobaca, melhor era que se fizesse menos em estudos e se aproveitasse mais em palmos de caminho de ferro construido, em vez de kilometros de papel desenhado. (Apoiados.)

A conclusão total da linha deverá verificar-se quatro annos depois de inaugurados os trabalhos; e a inauguração dos trabalhos é que ha de ser quatro mezes depois de approvado o projecto definitivo. (Apoiados.) Os projectos hão do ser presentes ao governo até seis mezes depois da data do contrato.

Por consequencia já s. exa. vê que ou a minha redacção não foi completamente boa, ou então s. exa. não estava com muito boa vontade ao relator. (Riso.)

(Interrupção.)

Diz o projecto:

«Os projectos definitivos desta secção, deverão ser presentes ao governo até seis mezes depois da data do contrato definitivo.»

S. exa., que é muitissimo mais competente do que eu em assumptos de caminhos de ferro, esqueceu-se, na severidade da sua critica, de attender á circumstancia de que não se exige a apresentação de estudos completos em uma região onde é absolutamente indifferente passar por um ou por outro ponto, desde o momento em que se vae construir uma linha ferrea atravez do terrenos onde não ha regiões intermedias importantes a servir, o onde não ha nem uma só expropriação a fazer.

Como v. exa. muito bem sabe em regra uma das rasões por que se pretendo a apresentação de estudos completos é para tornear difficuldades de construcção, que nas primeiras quatro secções se não dão.

Póde haver uma variante de 1 kilometro de um para outro lado, será que isso altere o orçamento de uma fórma notavel.

O caminho de ferro está projectado até á base da Chella, de maneira que não offerece a menor difficuldade, segundo tenho ouvido a muitos engenheiros. E tanto o traçado é bem feito, que s. exa. nos disse, o que aliás não era preciso, que a junta consultiva de obras publicas o tinha approvado.

(Interrupção).

S. exa. aqui o declarou, e a consulta que eu tive occasião de ler, dizia que, até á base da Chella, não havia a menor duvida. Com respeito á segunda parte as duvidas eram apenas sobre as reversões. A unica novidade para mim, sobre o assumpto foi hoje dada por s. exa., dizendo que, se ajunta consultiva tinha approvado o traçado, fôra em attenção á respeitabilidade do seu signatario.

Esta declaração tem simplesmente um defeito, prova de mais.

S. exa. não estava habilitado decerto a fazer uma declaração d'estas, e se o estivesse, ajunta consultiva diria simplesmente, que para salvar um camarada tinha illudido o governo, e illudindo o governo tinha consequentemente illudido o seu paiz.

Aqui vejo eu a necessidade de não defender só o projecto, tenho de defender tambem a junta consultiva. (Apoiados.) E n'este meu prurido de advocacia, parece-me que tenho tambem de considerar s. exa. no numero dos meus clientes, como auctor, ou pelo menos, como relator do parecer da junta, e se não é relator é signatario.

É impossivel responder a toda a serie de considerações feitas pelo illustre deputado, porque está proximo a dar a hora.

O sr. Presidente: - A hora está a dar. Se o illustre deputado quizer continuar o seu discurso póde fazel-o, se não quizer, fica com a palavra reservada para a sessão seguinte.

O Orador: - Se v. exa. me dá licença eu apenas tomarei a attenção da camara por mais cinco minutos.

O illustre deputado diz que comprehende um projecto de subsidio á navegação, mas que lhe custa a comprehender um projecto de subsidio para um caminho de ferro que sirva o planalto da Chella, Pois o caminho de ferro de Mossamedes é um complemento altamente necessario para a navegação que é naturalmente alimentada pelo producto da colonisação. (Apoiados.)

O illustre deputado dá ao colono licença de poder morrer de uma indigestão de trigo, mas não quer que elle tenha que calçar, que vestir, que fumar, e que possa comprar tudo de que precisa, alem do que come. Não será de certo por este processo que o illustre deputado quererá suavizar a posição dos colonos que tanto carpíu, como sendo mau remédio contra miserias, viver em Africa.

Tambem o illustre deputado fez varias referencias á largura da via, mas isto está definido no projecto que ajunta consultiva approvou. Sobre isto não me parece que haja a mais pequena duvida.

D'esta vez foi a commissão mais longe do que a junta consultiva, porque a commissão definiu o metro, como o maximo.

O projecto da commissão permitte que se vá tanto a baixo do metro, quanto for necessario para se construir o caminho nas melhores condições financeiras, combinadas com as melhores condições technicas.

Eu podia acompanhar o illustre deputado nas considerações que fez sobre o caminho de ferro de Mormugão, talvez que o podesse fazer porque tambem fui governador da India e percorri aquelle caminho antes de haver a locomotiva, percorri-o a cavallo, e sabe Deus com que sol e com que tormentos.

Mas isto não é a discussão do bill de indemnidade, nem a discussão da resposta ao discurso da corõa, nem a discussão do orçamento rectificado, para onde parece estaria mais de molde a estructura geral do discurso do illustre deputado.

Não é muito natural que s. exa. e a camara exijam do relator que tendo-se proposto defender um caminho do ferro e portanto uma hypothese definida, se tivesse habilitado com o estudo de toda a administração do paiz.

Isto seria muito excessivo para a minha intelligencia, e o contrario de todas as praxes de uma discussão pacata e serena e sem sabor politico. S. exa. poderia fazel-o com a auctoridade da sua palavra e com a respeitabilidade scientifica do seu nome; eu é que o não posso nem preciso fazer.

Como a hora está muito adiantada e eu terei occasião de fallar na especialidade, reservo-me para n'essa occasião responder ao sr. Espregueira na parte do seu discurso que alcançou um pouco a especialidade, nas duvidas que s. exa. tenha entre a partida de Benguella, e a testa da linha em Mossamedes, e em muitas outras considerações a que agora não respondo, pedindo desculpa á camara de lhe ter tomado este tempo, e agradecendo-lhe respeitosamente a amavel attenção que se dignou de dispensar-me.

Vozes: - Muito bem.

(O orador foi comprimentado.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia é a continuação da que estava dada.

Está levantada a sessão.

Eram mais de seis horas e meia.

O redactor = Barbosa Colen.

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