O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

1498

Discurso preferido na sessão de 1 de maio, que devia ter logar a pag. 1399, col. 2.ª lin. 82

O sr. Pereira Garcez: — Sr. presidente, pedi a palavra para chamar a attenção da camara e do governo sobre varios assumptos de grave importancia; e muito folgo de estar presente o meu illustre amigo, o ar, ministro da marinha e ultramar, porque tenho assim mais esperança de conseguir os fins a que me proponho. Se nada conseguir porém, o que não espero, terei pelo menos a consciencia de haver cumprido o meu dever.

Sr. presidente, o primeiro assumpto de que vou occupar-me é a questão do padroado do Oriente, que tem sido por vezes tratada n'esta camara, mas que ainda não está resolvida; e emquanto o não for, é necessario que pelo menos nós, os deputados pela India, instemos pela sua resolução (apoiados). Esta materia é mais importante do que todas as outras, de que a camara se tem occupado na presente sessão, porque d'ahi não ha males a receiar e podem resultar grandes vantagens ao paiz. Demais é uma questão de honra e dignidade nacional, de que depende a conservação de monumentos gloriosos, que nenhuma nação, que os possue, se resolve a perder (apoiados).

Este negocio, sr. presidente, não anda, e é preciso que ande, e que se ultime. Nunca nos achámos a este respeito em circumstancias tão arriscadas. Antes da concordata tinhamos a jurisdicção metropolitica do arcebispo de Goa, e, na falta do arcebispo, a mesma jurisdicção continuada no cabido Sede Vacante, por effeito de antigas bullas, irrevogaveis, sem o expresso consentimento do padroeiro (apoiados), e tinhamos tambem a actividade, a devoção civica, a coragem patriotica dos sacerdotes de Goa, vivamente empenhados na defeza dos nossos direitos (apoiados). Hoje temos a jurisdicção metropolitica do primaz do Oriente; mas provisoria, mas concedida provisoriamente pelo praso de seis annos, que está a expirar, e já não podemos contar com a energia dos padres da India, depois do deploravel acontecimento dos quatro sacerdotes, victimas da sua dedicação, a que já por duas vezes me referi n'esta camara (apoiados).

Se pois o governo não conseguir com toda a urgencia a prorogação do praso, concedido ao arcebispo de Goa para o exercicio da sua jurisdicção, metropolitica, e se não obtiver tambem, com toda a brevidade, e circumscripção das dioceses suffraganeas da India de que depende essencialmente a terminação d'esse, estado provisorio, ficaremos d'aqui a pouco tempo completamente desarmados, sem ter mos meio algum da resistencia contra as invasões dos propagandistas (apoiados). Ha por ora, sr. presidente, uma especie de treguas entre elles e os nossos missionarios; mas não nos illudâmos, a tregua não é a paz definitiva, e se houve rompimento, como é muito para receiar, todas as probabilidades indicam que d'esta vez o resultado seria perda completa do padroado (apoiados).

Não quero, sr. presidente, apresentar, novamente n'esta camara o quadro doloroso d'essa luta terrivel, travada entre os missionarios da propaganda fide, e os sacerdotes portuguezes: direi apenas, para que os nossos illustres collegas, que não têem conhecimento d'esses factos, possam, fazer d'elles uma idéa, que a propaganda, a par dos seus actos de violencia e dos meios de seducção que empregava, foi tão longe nas traças de illudir as consciencias, que ousou especular com o sentimento da dignidade da mulher; que ousou, sr. presidente, especular com os mais puros e santos affectos do coração da mãe e da esposa, incutindo-lhe no espirito a idéa atroz da illegitimidade dos laços que contrahira á face da igreja catholica, por ser nulla a benção nupcial recebida da mão do sacerdote portuguez! E houve mãe e esposa (e não poucas), que nos transes da mais violenta dor e do desespero mais afflictivo, ao estreitar nos braços o filho tão querido, via n'elle uma raça espuria e abastardada, olhando ao mesmo tempo com horror para o homem da sua escolha e affeição, com quem julgava estar vivendo nas impurezas do concubinato. (Vozes: — Muito bem.)

Foi para se pôr termo a esse estado violentissimo, e para rehavermos a posse dos nossos direitos usurpados que se fez a concordata de 21 de fevereiro de 1857. Mas, sr. presidente, a concordata está feita ha muito, e ha muito solemnemente garantida por ambas as altas partes contratantes, o Santo Padre e o Rei de Portugal; e todavia ella apenas serviu, por ora, de satisfazer as vistas da côrte de Roma, as mais justas, as mais puras, e as mais santas, certamente, tornando desde logo effectiva a renuncia que estipulámos das nossas riquissimas missões que possuiamos nas vastas terras comprehendidas desde a Arábia feliz até á India central, e desde os mares de Bengala aos confins do Oriente.

Para nós, porém, sr. presidente, que tambem tinhamos os mais puros e santos desejos, e sobre a santidade dos nossos desejos á santidade dos nossos direitos (apoiados), a concordata só nos deu até agora a confirmação do arcebispo de Goa, o que seria por certo de grande vantagem se a concordata fosse devidamente cumprida; mas não o tendo sido, traduz-se ella para nós, ainda até hoje, n'uma simples esperança: na esperança, sr. presidente, de um futuro incerto e indefinido! Ora essa esperança tinhamo-la nós muito antes da existencia da concordata, e apesar d'isso possuiamos sem quebra os amplissimos direitos do padroado. Cerceámo-los em grande parte, e para que? Seria acaso, sr. presidente, para obtermos em troca essa mesma esperança?

Quando aqui se discutiu a questão do Congo fiz-me inscrever, mas não com a idéa de occupar-me do assumpto que tinha de ser tratado por pessoas competentissimas. O meu fim era, se me chegasse a palavra, aproveitar o ensejo, como diz o meu collega o sr. Gomes, para reclamar novamente a solicitude dos poderes publicos para a gravissima questão do padroado do Oriente.

O sr. Gomes: — Apoiado.

O Orador: — Sr. presidente, as amplas concessões que fizemos pela concordata, exigiam uma compensação: a compensação era o reconhecimento dos direitos do padroado da corôa portugueza nas terras da India, sujeitas mediata e immediatamente ao governo britannico, no bispado de Malaca, comprehendendo a cidade de Singapura, e na cidade de Macau comprehendendo a provincia de Cantão e ilhas adjacentes. Ficava porém dependente o exercicio d'esse direito quanto ás terras da India britannica, que era para nós a parte valiosa da concordata, de uma nova circumscripção das respectivas dioceses. Antes d'isso as cousas deveriam ficar como ficavam.

Já se vê portanto, sr. presidente, que a circumscripção das dioceses da India é para nós o ponto essencial, sem isso a concordata nada nos póde servir, ou antes serviu apenas para cedermos importantes direitos, que eram nossos, e que já o não são, porque os renunciámos na fé de promessas solemnes, consignadas n'um contrato solemnissimo. Mas a circumscripção não se faz, nem se póde fazer, emquanto a côrte de Roma não nomeia o seu commissario, que deve proceder a esse trabalho, de accordo com o nosso, que por elle espera debalde em Goa ha já tres annos! Similhante procedimento do governo pontificio não tem explicação possivel. É ou não a concordata uma cousa séria? Foi ou não feita para ser cumprida por ambas as partes contratantes? Póde a côrte de Roma deixar de cumprir uma clausula do seu contrato, que é trivialissima, mas de cuja inexecução resulta para nós a annullação completa de todas as vantagens da concordata? Se o não póde fazer, como não póde, é preciso que o governo romano nomeie quanto antes o seu commissario, ou então que declare franca e positivamente a rasão por que o não faz. São estes os termos da questão, que cumpre resolver com toda a urgencia.

Sr. presidente, o adiamento indefinido da circumscripção das dioceses da India é a violação flagrante da concordata (apoiados), e a morte certa do padroado do Oriente. Com tal demora perdemos successivamente a nossa importancia n'essas regiões, ao passo que os missionarios da propaganda fide vão ganhando de dia para dia novos meios de influencia. Organisaram elles ultimamente bellas escolas para ambos os sexos, frequentadas já por grande numero de alumnos, filhos das principaes christandades de Bombaim, e outros pontos. Juntando este novo meio de seducção aos outros de que já dispunham, contam elles desalojar-nos do coração d'aquelles povos, unico baluarte que ainda nos resta, e hão de consegui-lo como é facil de prever.