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1897

Propostas do sr. ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça, apresentadas á camara dos senhores deputados na legislatura passada, e de que renovou a iniciativa em 14 de julho ultimo.

Senhores. — Nem a magistratura judicial poderá ter prestigio, nem os cidadãos poderão ter confiança n'ella, nem o governo poderá ter exacto conhecimento das qualidades de seus membros, em quanto por um systema regular de fiscalisação não se tornar effectiva a responsabilidade a que o poder judicial está sujeito.

Todo aquelle a quem é confiada uma funcção publica, que o admitte a tomar parte na administração do seu paiz, contráe por esse facto a obrigação de cumprir todos os deveres inherentes a essa funcção, e de os cumprir com integridade. Os deveres austeros que as funcções judiciaes impõem aos membros d'esta magistratura, derivam-se da natureza da elevada missão que exercem no seio do corpo social. A magistratura judicial, disse um escriptor moderno, só deve conhecer o vicio para o esmagar pelos seus exemplos de virtude; só deve communicar com o seu seculo pelas suas luzes e pela sua illustração. Nenhuma sociedade, regularmente constituida, póde prescindir de instituições que tenham por especial objecto manter a moralidade onde ella existe, cohibir a desmoralisação se ella chegou a contaminar os costumes publicos, e sobretudo evitar que as corporações do estado se tornem complices dessa dissolução social, que pela natureza das funcções que exercem, são ellas as primeiras obrigadas a combater. É por isso que sempre se tem reconhecido a necessidade de haver, em relação a toda a ordem de funccionarios publicos, e especialmente a respeito dos funccionarios judiciaes, uma fiscalisação bastante extensa, não só para que possa prevenir-se ou reprimir-se a corrupção, que chega a tocar a esphera da lei penal, mas tambem para que aquella que escapa á acção repressiva d'esta lei, possa ser indicada aos poderes publicos a quem pertence applicar o remedio competente.

Este direito de fiscalisação é na realidade uma funcção do poder executivo; é a elle que pertence, é d'elle que dimana, é elle que a delega; mas como envolve uma especie de julgamento, a auctoridade judicial deve ter uma grande intervenção no direito de repressão inherente aquella acção fiscal. Comtudo as jurisdicções criminaes ordinarias devem ser o menos que for possivel chamadas a reprimir infracções d'esta natureza, que são essencialmente differentes dos delictos communs. A melhor jurisdicção n'este caso será aquella que procedendo summariamente, sem grande apparato, der comtudo á sociedade, á corporação e ao individuo, a garantia do numero sem prescindir de meio algum de verificação.

No nosso paiz não é nova, em relação á ordem judicial, esta fórma de acção fiscal. Encontrasse na instituição dos corregedores na organisação antiga e nas syndicancias encarregadas aos funccionarios do ministerio publico na legislação moderna. Ambas eram defeituosas. Nada direi da primeira porque não se trata aqui de a resuscitar, mas direi algumas palavras da segunda, que na proposta que tenho a honra de vos apresentar, tenho em vista substituir.

Dois grandes defeitos offerecem as syndicancias judiciaes taes quaes as possuimos.

O primeiro é a natureza da magistratura a que a lei as confia, o segundo é a sua irregularidade. A magistratura do ministerio publico é essencialmente fiscal, é verdade; mas esta especie de fiscalisação de que aqui se trata envolve uma operação mixta, porque, como já disse, comprehende tambem uma especie de julgamento. É por isso que o ministerio publico, tendo um importante papel a representar nas syndicancias, não póde ser unicamente encarregado dellas. É por isso que as actuaes syndicancias são um simples processo informatorio, e por isso mesmo quasi sempre esteril. Alargar mais n'este objecto a acção do ministerio publico seria inverter a sua natureza, e ao mesmo tempo offender os principios consignados no nosso codigo politico, que não, quer que o poder judicial seja irresponsavel, mas quer que seja independente.

O outro grande defeito é a irregularidade das syndicancias. É da essencia da acção fiscal que ella em regra obre sem prevenções para que possa ser equitativa. Porém isto não é possivel quando no decretar-se uma syndicancia extraordinaria a um funccionario ou tribunal, vae envolvida uma accusação, uma suspeita, um juizo proferido pelo poder executivo, que só deverá ter recorrido a esse meio extremo, quando tiver o seu parecer formado ácerca da procedencia das rasões que se lhe offereceram para crer na culpabilidade do tribunal ou funccionario syndicado.

É por isso que as syndicancias, taes como presentemente se acham estabelecidas, por assim dizer, julgam antes de processar, decidem antes de conhecer, infamam antes de condemnar. Nisso está a explicação do quasi nenhum uso que os differentes governos têem feito dellas, apesar de reconhecerem a necessidade de se exercer a sua acção fiscal sobre a magistratura judicial, independente, mas responsavel, e mesmo tanto mais responsavel quanto é mais independente. ¦

É necessario pois que a reforma d'este ramo de serviço publico satisfaça a duas indicações capitães. A primeira é que a acção fiscal do poder executivo se accumule com a acção do poder judicial, unico a quem pertence julgar, e tambem julgar os seus membros; e que as syndicancias não sejam um mero processo informatorio, mas sejam tambem um processo criminal, quando encontrarem nos actos de que reconhecem elementos de criminalidade; ou um processo disciplinar, quando encontrarem simples infracções de disciplina. A segunda é que sejam regulares e periodicas para que não envolvam suspeitas muitas vezes infundadas e sempre prejudiciaes, mesmo tanto mais prejudiciaes quanto mais infundadas.

A proposta de lei que na sessão de 28 de fevereiro de 1860 ácerca d'este objecto vos foi apresentada pelo ministro meu antecessor, satisfazia a estas indicações, mas julguei que o meio pratico que ella empregava era dispendioso e complicado.

Na proposta, que tenho a honra de vos apresentar, satisfaço aos mesmos principios reguladores; mas adopto um meio differente que me pareceu mais simples e economico, conservando comtudo quasi todos os desenvolvimentos que se encontram na proposta a que me referi.

PROPOSTA DE LEI

TITULO I

Das syndicancias dos juizes de primeira instancia

CAPITULO I

DISPOSIÇÕES GERAES

Artigo 1.° As syndicancias dos juizes de direito de primeira instancia terão logar ordinaria ou extraordinariamente.

Art.. 2.º A syndicancia ordinaria terá necessariamente logar quando o juiz de direito concluir o quadriennio ou o sexennio legal.

Art.. 3.º A syndicancia extraordinaria terá logar todas as vezes que o governo a julgar conveniente, quer seja no caso de transferencia extraordinaria, feita a requerimento do transferido, ou por conveniencia do serviço publico; quer seja durante é quadriennio ou sexennio legal.

Art.. 4.° A syndicancia será commettida pelo governo a um juiz de primeira instancia, que para isso designar, com tanto que seja de classe igual ou superior á do syndicado.

§ unico. A designação poderá recaír sobre o que for transferido para a comarca d'onde o syndicado tiver saído.. Art.. 5.° Nenhum juiz poderá ser mandado syndicar de outro que em epocha anterior tenha syndicado d'elle.

Art.. 6.° Nenhum juiz de primeira instancia poderá ser mais de uma vez, dentro do quadriennio ou sexennio legal, transferido a requerimento seu, sem ter tido pelo menos uma syndicancia em alguma das comarcas, onde, durante esse praso, tiver servido.

Art.. 7.° O magistrado, que, sem causa justa e provada, se recusar a fazer a syndicancia. perderá a collocação que por antiguidade lhe competir, passando para depois dos cinco juizes que immediatamente se lhe seguirem.

Art.. 8.° Nos accessos na respectiva carreira da magistratura attender-se-ha á maneira por que os magistrados syndicantes se desempenharem d'este encargo.

Art.. 9.° O juiz de direito da comarca, onde tiver logar a syndicancia, sairá d'ella emquanto a mesma durar.

§ 1.º Durante esse tempo funccionará aquelle dos seus substitutos a quem por lei pertencer.

§ 2.° Para que esta saída se verifique basta que pelo presidente da respectiva relação seja participado ao juiz de direito que se vae proceder a syndicancia na comarca.

§ 3.º Se aos magistrados syndicantes constar que o syndicado não se ausentou da comarca, no praso marcado pelo presidente da relação, sem causa justificada, ou voltou a ella durante a syndicancia, farão lavrar auto d'esse facto, que juntarão ao respectivo processo, e o delegado que assistir á syndicancia dará conta d'elle ao governo por via do seu procurador regio.

§ 4.° A causa de que trata o paragrapho antecedente só poderá ser a de molestia que inhiba o syndicado de fazer a jornada, sendo comprovada pelo attestado de dois facultativos, se os houver, e do administrador do concelho.

§ 5.° O governo poderá, se o julgar conveniente, manda-lo examinar por dois facultativos de fóra da comarca.

§ 6.° A comparencia do syndicado na comarca, emquanto durar a syndicancia, basta para no tribunal superior se lhe impor a pena de suspensão de um a seis mezes que importará sempre a perda do correspondente vencimento.

Art.. 10.º Os magistrados syndicantes apresentar-se-hão na sede da comarca, onde tiver logar a syndicancia, dentro de vinte e quatro dias contados da communicação do decreto que os designou para aquelle serviço.

Art.. 11.º A camara municipal da cabeça de comarca em que houver de ter logar a syndicancia, preparará casa de aposentadoria para os magistrados syndicantes e empregados de fóra da comarca, que os deverem acompanhar.

§ 1.° Aos magistrados syndicantes e empregados de fóra da comarca que os acompanharem, é prohibido aceitar hospedagem de qualquer pessoa.

§ 2.° Se os magistrados syndicantes tiverem de fazer alguma diligencia em concelho differente do da sede da comarca ahi lhes será preparada aposentadoria pela mesma fórma, tendo-a elles previamente requisitado.

Art.. 12.° Os magistrados e empregados de fóra da comarca, em serviço na syndicancia, vencerão uma gratificação diaria, alem de um subsidio para a despeza da jornada.

§ 1.° A gratificação será para o juiz de direito e delegado 1$000 réis, e para o escrivão 800 réis por dia.

§ 2.º O subsidio para a jornada será com relação a cada syndicancia, fixado, tendo em attenção a difficuldade e distancia do transporte do local onde o magistrado syndicante estiver para aquelle onde a syndicancia houver de ter logar.

CAPITULO II

DOS DEVERES E ATTRIBUIÇÕES DOS JUIZES SINDICANTES

Art.. 13.° A syndicancia estará aberta por um praso que nunca será inferior a vinte nem superior a trinta dias.

§ unico. A abertura da syndicancia, e a epocha em que findam os vinte dias, assim como a prorogação, se a houver, nos limites d'este artigo, serão annunciadas por editaes em toda a comarca respectiva.

Art.. 14.° Os prasos estabelecidos no artigo antecedente nunca poderão ser alterados, salvo o caso de molestia superveniente, de algum dos magistrados syndicantes, ou outro de força maior.

§ unico. No caso de molestia por mais de oito dias, poderá o governo proceder á substituição do magistrado impossibilitado.