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tramar não hão de indefinidamente adiar um dos seus principaes remedios.

Aproveito a occasião para tambem solicitar a apresentação á discussão, o mais breve possivel, do projecto n.° 59, relativamente ao credito extraordinario para completar as construcções navaes que estão em andamento, e o projecto relativo á reforma da escola naval.

A camara conhece a importancia d'estes projectos. Não acrescentarei mais instancias;

O sr. Presidente: — Vae ler-se o projecto n.° 73, em que o governo pede soccorros para Cabo Verde; e depois continuará a discussão do projecto sobre caminhos de ferro vicinaes.

Leu-se, e é o seguinte:

projecto de lei N.° 73

Senhores. — A commissão de fazenda examinou a proposta de lei n.° 66-C, na qual é o governo auctorisado a applicar até á quantia de 70:000$000 réis para acudir com soccorros aos habitantes de Cabo Verde, constituindo metade d'essa quantia um adiantamento que ha de ser encontrado nos rendimentos das alfandegas d'aquelle archipelago, e a outra metade um donativo feito pelo thesouro aquella provincia, em vista da crise alimenticia que está soffrendo.

A vossa commissão, considerando que apesar dos soccorros prestados pelo governo e pela caridade publica, se torna indispensavel enviar com urgencia para aquella possessão outros recursos, com os quaes se possa debellar a temerosa crise por que está passando aquella possessão, é de parecer, depois de ter ouvido a illustre commissão do ultramar, que seja approvado o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° E o governo auctorisado a applicar até a quantia de 70:000$000 réis para acudir com soccorros aos habitantes de Cabo Verde.

Art. 2.° A metade d'esta quantia será paga pelo ulterior rendimento das alfandegas de Cabo Verde, a outra metade subministrada pelo thesouro publico a titulo de donativo aquella provincia.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes do uso que fizer da auctorisação concedida por esta lei.

Sala da commissão, em 23 de abril de 1864. = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Claudio José Nunes = Guilhermino Augusto de Barros = Joaquim Januario de Sousa Torres e Almeida = Anselmo José Braamcamp = Hermenegildo Augusto de Faria Blanc = João Antonio Gomes de Castro.

Senhores. — A commissão do ultramar tendo examinado a proposta de lei apresentada pelo governo para ser applicada a quantia de 70:000$000 réis, a fim de acudir com soccorros aos habitantes de Cabo Verde; e attendendo aos horrores da fome e das doenças com que estão lutando aquelles nossos irmãos, e á continuação da crise que de dia para dia ameaça maiores proporções e que para a combater não são sufficientes os soccorros colligidos pela caridade publica: é de parecer que a referida proposta de lei deve ser convertida em projecto de lei nos mesmos termos em que está redigida, para que sem demora o governo fique habilitado com os meios sufficientes para correr em auxilio de tantos infelizes.

Sala da commissão, em 22 de abril de 1864. = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Levy Maria Jordão = Francisco Luiz Gomes = Bernardo Francisco de Abranches = Ricardo Augusto Pereira Guimarães = Antonio José de Seixas = Henrique de Castro = Joaquim José Rodrigues da Camara = Joaquim Pinto de Magalhães,

O sr. Sá Nogueira: — Eu approvo o projecto, mas será bom que elle não passe sem fazer algumas observações que serão muito poucas.

Parece-me que uma parte dos males por que Cabo Verde tem passado, pelo menos o aggravamento d'elles, se poderia ter evitado se as auctoridades, talvez me engane, tomassem a tempo as medidas que deviam tomar, se offerecessem trabalho á gente que precisava d'elle para obter uma subsistencia. Se o offerecessem a tempo e nas proprias localidades, talvez se evitasse que muitos habitantes da ilha de S. Thiago corressem á capital, cidade da Praia, e fizessem os tumultos que, segundo o que tenho ouvido e o que tenho lido, ali tiveram logar.

Era necessario que as auctoridades tomassem medidas a tempo, e fornecessem meios de trabalhar, porque é muito mau precedente estarmos a dar alimentos de graça a quem tem força para o trabalho, o que não serve senão de alimentar o pauperismo n'aquellas povoações, e torna-las imprevidentes. D'este modo não terão nunca receio de que appareça uma calamidade d'estas, porque dirão que lá está o governo, lá está a mãe patria que lhes hão de acudir.

Quando venha uma calamidade extraordinaria, que seja necessario acudir-lhe de repente, voto por isso, voto para que se lhe dêem todos os soccorros precisos, mas que se lhe dêem a tampo, e quando podessem trabalhar era melhor que se aproveitasse o seu trabalho e que recebessem os seus salarios como paga d'elle, mas me como esmola.

O sr. Ministro da Marinha: — Isso já está determinado.

O Orador: — Diz-me o sr. ministro da marinha que isso está determinado, e creio que já o vi, mas eu fallo dos factos. Parece-me que os factos nao têem correspondido ao que está determinado.

Era sobre isto que eu tinha a fazer estas observações, e não direi mais nada.

O sr. Ministro da Marinha: — Depois das ultimas palavras do illustre deputado, limito-me a pouco.

Reconheceu s. ex.ª agora mesmo que já pelo governo, a este respeito, foi providenciado minuciosamente n'uma portaria publicada no Diario de Lisboa, a qual especificava os diversos modos de prestar setes soccorros, declarando quaes deviam ser dados aos invalidos, ás creanças, e ás mulheres impossibilitadas de poderem concorrer ao trabalho, quaes aos lavradores, e quaes aos operarios e aos braços occupados nas differentes obras publicas. De duas especies com effeito devem ser os auxilios—soccorros de domicilio aos cultivadores das terras, para que estes não abandonem o amanho d'ellas, porque daria isso em resultado para a futura estação uma nova e mais terrivel crise, — soccorros para aquelles que podessem ser applicados aos trabalhos de estradas, edificios, e obras de irrigação, que immediatamente se mandaram ampliar e activar.

Devo acrescentar que no Boletim da provincia foi publicada tambem uma portaria do governador, na qual, justamente para evitar o pauperismo n'aquella provincia, se incitava a actividade, e com boas rasões se admoestavam e cohibiam os abusos provenientes da indolencia natural a esses povos, e da sua repugnancia a maiores trabalhos. D'esse documento se vê que havia quem quizesse receber os soccorros sem os pagar com o seu trabalho, podendo faze-lo. O tumulto occorrido teve era grande parte essa causa. De taes tendencias da população não pôde o governo ser responsavel nem as auctoridades locaes. E um mal longamente inveterado, cujo remedio é tambem longo e difficil.

Não se trata porém aqui de corrigir taes tendencias nem é esta a opportunidade de elaborar a educação de um povo, cuja grande maioria se acha ainda n'um estado vizinho do primitivo. Trata-se de acudir-lhe, quando está estendendo a mão tremula de fome e exhausta de miserias (apoiados).

As reformas necessarias tem achado, hão de achar resistencias era muitas causas locaes, em muitos interesses, em muitos abusos. Isso pertence á administração e ao futuro. Ao presente toca a diligencia e a caridade (apoiados).

O sr. Carlos Bento: — Pedi a palavra unicamente para manifestar o meu voto, e parece-me que por esta occasião não devemos tratar nem de censurar, nem de louvar o governador ou as auctoridades.

Agora não se trata, e peço perdão ao illustre deputado que me precedeu, de fazer observações sobre politica retrospectiva. Ha fome ou não ha fome n'aquellas ilhas? Que me importa que o governador tenha cumprido ou não as suas obrigações? Tem-se morrido á fome ou não nas ilhas de Cabo Verde? Pergunto a v. ex.ª, e v. ex.ª creio que está de accordo n'este ponto, porque o facto é infelizmente exacto.

Não desconheço o judicioso das observações apresentadas pelo illustre deputado, o sr. Sá Nogueira. Podem as auctoridades ter commettido todas as faltas, todos os erros, mas o que é fóra de duvida é que ha fome n'aquellas ilhas, e que esta não foi o resultado da imprevidencia e dos actos dos individuos.

Qual era a previdencia humana que podia fazer com que houvesse chuva ou deixasse de a haver na estação propria? Quem poderia evitar uma calamidade?

Sei muito bem que a humanidade tem feito progressos; sei que se fossemos estabelecer um fóco de pauperismo n'aquellas ilhas teriamos feito muito mal, mas é preciso não desconhecer que esta crise não foi creada por imprevidencia ou defeitos dos individuos; esta desgraça foi uma calamidade publica, é o resultado de uma sécca, e já era outras occasiões ali a tem havido.

Todos sabem que aquelle archipelago tem sido victima muitas vezes do flagello da fome; todos sabem que até os proprios estrangeiros o tem soccorrido por mais de uma vez, e não ha de ser agora a camara dos deputados da nação portugueza que ha de mostrar se hesitante em manifestar sentimentos de humanidade, que outros têem tido por iguaes motivos.

Todos sabem que os Estados Unidos e a Inglaterra são pouco partidistas dos soccorros, que podem estabelecer o pauperismo pelo modo por que o entendeu o illustre deputado, mas note se que em Inglaterra ha a lei dos pobres, comquanto lá se não queira proteger a ociosidade.

Voto por este projecto que auctorisa o governo a despender até 70:000$000 réis, e voto o porque é necessario distinguir entre elle e as despezas superfluas que se propõem; voto o, porque quando se trata de fome não é permittido haver hesitações (apoiados).

Deste voto, dado n'esta occasião, hei de tirar motivo para reagir contra outras despezas, quando entender que não estão no mesmo caso (apoiados).

O sr. Mártens Ferrão: - Sr. presidente, fui prevenido pelo illustre deputado e meu amigo, o sr. Carlos Bento, nas reflexões que s. ex.ª acaba de apresentar á camara.

Voto este projecto como um dever de homem publico, voto o por um principio de sentimento, que n'este ponto me levaria a prestar o meu assentimento a qualquer proposta apresentada pelo governo, que tendesse a alliviar a triste sorte dos nossos irmãos d'alem-mar.

Entendo e entendi sempre que é dever da mãe patria velar pelas colonias, auxilia-la, e ter por ellas a solicitude de mãe. É isto um dever social, é um dever de coração; os estados não podem nem devem ser indifferentes ao sentimento. O estado é o homem! Tem os mesmos sentimentos.

A caridade particular pôde dar grandes resultados, e já os tem dado, ainda n'esta occasião em relação a Cabo Verde, mas a caridade particular não basta só, principalmente n'um paiz onde o seu desenvolvimento não tem chegado ao ponto em que se encontra em outros paizes. N'um paiz onde as fortunas particulares não são muito consideraveis, a caridade particular só por si não pôde ser sufficiente para fazer face a uma crise, como aquella que existe actualmente em Cabo Verde. É mister por isso que o estado venha sem demora em soccorro dos que soffrem.

Na Inglaterra, por exemplo, onde ha fortunas collossaes, a caridade particular em occasiões de crise, como ainda ha pouco, pôde ir muito mais longe do que em outros paizes. Mas entre nós onde não existem essas fortunas collossaes,

os grandes esforços que se fazem são importantes, é certo, mas raras vezes são sufficientes. O dever do governo por consequencia é não deixar que aquelle estado continue, é mostrar-se solicito em acudir aos soffrimentos do povo, e ao mesmo tempo evitar que o pauperismo se desenvolva e se habitue. E esta é uma grande questão!

Voto pois o projecto e desejaria te-lo votado ha mais tempo. Não desejo mesmo com as minhas palavras retardar a sua approvação. Apenas perguntarei ao nobre ministro se s. ex.ª entende que esta verba é a sufficiente para acabar com a crise alimenticia que tem logar nas ilhas de Cabo Verde.

Não recuso o meu voto á somma pedida, nem o recusarei a uma somma maior. Se o nobre ministro entende que esta verba não é sufficiente, fique s. ex.ª habilitado com os meios necessarios para que não peze sobre o paiz que, por falta de meios e de soccorros, possa perecer algum irmão nosso d'aquellas paragens! (Apoiados.) E uma cousa que fere os nossos sentimentos e o nosso orgulho nacional (apoiados).

Tambem pedirei ao nobre ministro da marinha que trate s. ex.ª de procurar prevenir de futuro que, quando se tornem a dar crises similhantes, não encontrem completamente desprevenida a provincia, como o estava actualmente. São frequentes estes acontecimentos no archipelago de Cabo Verde em consequencia da falta de chuvas, é por consequencia um dever do governo precaver para que, dada uma circumstancia como a actual, a provincia esteja em condições de poder evitar que um flagello similhante tome as proporções que infelizmente este tem tomado.

Pense o sr. ministro nos meios convenientes, para que de futuro não se possam repetir factos tão infelizes e que contrariam essencialmente o desenvolvimento das nossas colonias. Desde que se vir que n'ellas são frequentes estes acontecimentos, ha de esterilisar se e affrouxar o justo enthusiasmo que se manifesta pelo seu desenvolvimento (apoiados). Termino aqui.

O sr. Ministro da Marinha: — Quando o governo propoz esta somma, não o fez sem examinar o que em epochas anteriores se havia concedido aquella provincia para acudir a calamidades analogas. Por exemplo, na ultima calamidade d'este genero, que assollou a provincia foram despendidos por parte do governo 75:000$000 réis proximamente, e pediram ao ás côrtes 60:000$000 réis, se bem me lembro.

Na occasião presente o governo abriu já um credito de 12:000$000 réis. Juntando esta somma á que é proposta, sobem os subsidios officiaes a 82:000$000 réis, somma superior aquella que nas citadas circumstancias foi applicada pelos meus antecessores. Se addicionarmos os donativos do paiz, das outras provincias do ultramar e dos nossos irmãos residentes no Brazil, não anda longe do 140:000$000 réis a totalidade dos auxilios, o que já constituo um valor importante, cumprindo ponderar ainda que a subscripção da caridade publica tem excedido muito, ao que me consta, quantas para igual fim anteriormente se emprehenderam, pelo que muitos louvores se devem ás auctoridades, ás commissões e aos benemeritos cidadãos que em tão piedosa obra activa e zelosamente collaboraram.

O governo tem pois as possiveis probabilidades de que a somma pedida será sufficiente. Quando porém me enganasse, quando mesmo quaesquer circumstancias supervenientes e imprevistas fizessem reconhecer a necessidade de maior despendio, declaro francamente que recorreria a um credito supplementar, vindo depois pedir á camara a sua approvação, e dar lhe as devidas contas (apoiados). O fim do governo, da camara, de todo o paiz é o mesmo. E indispensavel dar vida aquella população desesperada e faminta. Esta a medida dos soccorros (apoiados).

Emquanto ás causas que produzem estas calamidades, a bem dizer periodicas, e aos meios de as precaver, a questão é outra.

A causa principal d'esse terrivel phenomeno, segundo a opinião de pessoas entendidas, está na falta de arborisação; a rasão da falta de arborização está na repugnancia d'aquelles povos ao arvoredo. É preconceito da terra que a sombra das arvores impede o desenvolvimento das searas.

Em muitos terrenos, onde se daria bem a mandioca, facil cultura e excellente alimento em taes paizes, cultivam exclusivamente a canna, para d'ella unicamente extrahirem a aguardente que os enerva e embrutece. Nenhuma previdencia, nenhuma precaução, nem se quer a que o natural instincto indica. A todas as tentativas de arborisação, já ensaiadas em diversas epochas e por differentes modos e meios, corresponde o povo com obstinada resistencia, e a devastação dos arbustos, já pelos gados, já pelos homens. Similhantes prevenções não se desarreigam sem longa e porfiada luta. É tambem uma educação lenta e difficil. É preciso toda a acção e energia de auctoridades intelligentes e zelosas (apoiados). São necessarios pertinazes e esclarecidos cuidados da administração local. E uma obra de paciencia e tempo, de perseverança e coragem (apoiados). Isto não o exige o illustre deputado como condição previa... não exige de certo. Bem o sei, faço inteira justiça á sua alta illustração e amor patrio.

Para começar um systema de previsão o primeiro meio deve ser a creação de celeiros communs (apoiados). Esta creação pôde ser poderosamente auxiliada pelo estabelecimento do banco ultramarino. Assim como todas as incurias logica e fatalmente derivam umas das outras, assim todos os melhoramentos se encadeiam e dão as mãos (apoiados).

Mas a actua! falta d'estas instituições, que só o tempo, o estudo, e resoluta iniciativa preparam e realisam, não estorva que se vote este urgente soccorro (apoiados). Todas as ponderações administrativas que fizermos são boas para o futuro, mas o indispensavel agora é o auxilio para o presente, e é isso o que se propõe (apoiados).