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SESSÃO DE 26 DE AGOSTO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo de Mello Gouveia

Summario

Apresentação de requerimentos e projectos de lei. — Ordem do dia: 1.ª parte, discussão e approvação do parecer da commissão de fazenda ácerca das emendas ao projecto n.º 7 (real d'agua) — Continuação da discussão do projecto de lei n.º 8 (ácerca dos bancos) — 2.ª parte, continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa.

Chamada — 45 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Albino Geraldes, Cerqueira Velloso, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, Barros e Sá, Antonio Julio, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Cau da Costa, Carlos Ribeiro, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Vieira das Neves, Francisco Mendes, Correia de Mendonça, Camello Lampreia, Pinto Bessa, Gomes da Palma, Perdigão, Sant'Anna e Vasconcellos, Franco Frazão, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Pinto de Magalhães, Lobo d'Avila, Bandeira Coelho, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Costa e Silva, Nogueira, Mexia Salema, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Luiz de Campos, Affonseca, Manuel Rocha Peixoto, Alves Passos, Pinheiro Chagas, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Ricardo de Mello.

Entraram durante a sessão — os srs.: Osorio de Vasconcellos, Alfredo da Rocha Peixoto, Braamcamp, Pereira de Miranda, Teixeira de Vasconcellos, A. J. Teixeira, Boavida, Arrobas, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Claudio Nunes, Carlos Bento, Eduardo Tavares, Francisco de Albuquerque, Francisco Costa, Caldas Aulete, F. M. da Cunha, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Silveira da Mota, Jayme Moniz, Santos e Silva, Melicio, Cardoso Klerk, Dias Ferreira, Rodrigues de Freitas, José Luciano, Moraes Rego, Sá Vargas, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Menezes Toste, Lourenço de Carvalho, Pires de Lima, Paes Villas Boas, Thomás Lisboa, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Thomás de Carvalho, Thomás Bastos, Visconde de Montariol, Visconde de Moreira de Rey, Visconde dos Olivaes, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs. Silveira Vianna, J. A. Maia, Baptista de Andrade, Camara Leme.

Abertura — Eram tres quartos depois do meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio do reino, remettendo alguns esclarecimentos pedidos pelo sr. Francisco de Albuquerque.

Para a secretaria.

2.° Do mesmo ministerio, respondendo a um requerimento do sr. Barros e Cunha. Para a secretaria.

3.º Do ministerio da guerra, remettendo os esclarecimentos pedidos pelo sr. Placido de Abreu.

Para a secretaria.

Requerimentos

1.° Requeiro que, pelo ministerio competente, sejam enviados a esta camara todos os documentos relativos ao facto que ultimamente se deu com a barca Feliz União, para poder annunciar uma interpellação ao sr. ministro respectivo.

Sala das sessões, 25 de agosto de 1871. = Pereira de Miranda.

2.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, sejam enviadas com a maxima urgencia copias das portarias ou quaesquer documentos em virtude dos quaes o director das alfandegas do circulo de Algarve está addido á alfandega de Lisboa, o director da alfandega de Faro está addido á do Porto, o director da alfandega de Serpa está dirigindo a de Faro, e um primeiro official da alfandega de Idanha a Nova é director da alfandega de Serpa, o que tudo importa um grande augmento de despeza.

Sala das sessões, 25 de agosto de 1871. = O deputado por Trancoso, Alberto Osorio de Vasconcellos.

3.º Requeiro que, pelo ministerio da justiça, seja enviada com toda a urgencia a esta camara copia da informação ácerca dos concorrentes á igreja de Santa Maria de Matança, bispado de Vizeu.

Sala das sessões, 25 de agosto de 1871. = O deputado por Trancoso, Alberto Osorio de Vasconcellos.

4.° Requeiro que, pelo ministerio da fazenda e da marinha, seja enviada com toda a urgencia uma nota contendo o numero de exemplares do elogio historico em francez do sr. marquez d'Avila e de Bolama, que foram tomados pelos mesmos ministerios, e bem assim o preço por que o foram.

Sala das sessões, 25 de agosto de 1871. = O deputado por Trancoso, Alberto Osorio de Vasconcellos.

Foram remettidos ao governo.

Declaração

Declaro que assignaria o projecto de lei sobre a reforma da carta, se o permittisse o regimento.

Sala das sessões, 25 de agosto de 1871. = Francisco Julio Caldas Aulete.

Inteirada.

SEGUNDAS LEITURAS

Renovação de Iniciativa

Renovo a iniciativa do projecto n.º 34 da sessão passada.

Projecto de lei

Artigo 1.° É o governo auctorisado a decretar a expropriação, por zonas, das propriedades que as camaras municipaes de Lisboa o Porto precisarem para a execução dos melhoramentos, cujos planos tiverem sido approvados pela junta consultiva das obras publicas.

Art. 2.° A parte que restar das zonas expropriadas para a execução d'estes planos poderá ser vendida pelas camaras municipaes, a fim de applicarem o producto da venda no custeamento dos mesmos melhoramentos.

Art. 3.° O processo para estas expropriações será o que é seguido para as construcções dos caminhos de ferro.

Art. 4.° Fica revogada a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 25 de agosto de 1871. = Manuel Thomás Lisboa = Francisco Pinto Bessa = Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Foi admittida e enviada á commissão respectiva.

Proposta

Requeiro que se consulte a camara sobre se convem em que se dê a palavra pedida para um requerimento antes de se encerrar a sessão a todo o sr. deputado que a peça, com tanto que não seja para se occupar do assumpto em discussão, ainda mesmo que o orador que esteja com a palavra fique com ella reservada para a sessão seguinte.

Sala das sessões, 25 de agosto de 1871. = Antonio Augusto Pereira de Miranda.

Foi admittida e enviada á commissão de regimento.

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O sr. Lampreia: — Em uma das sessões passadas mandei para a mesa um requerimento pedindo differentes esclarecimentos ao governo pelo ministerio do reino, e até hoje esses esclarecimentos não vieram.

Estou convencido de que o requerimento foi expedido pela mesa, com tudo a demora na remessa dos esclarecimentos, que pedi, obriga-me a renovar hoje o meu pedido.

Como sou o primeiro a fallar na sessão de hoje, limito-me a mandar para a mesa o meu requerimento, calando o muito que tinha a dizer, porque o banco dos srs. ministros está deserto.

O sr. Alves Passos: — Quando hontem o sr. deputado Alcantara alludiu a uma importante diligencia feita em Braga, por ordem do governador civil d'aquelle districto, pelos guardas da fiscalisação, pedi a palavra, porém não me chegou, e por isso hoje a pedi novamente.

O meu fim é levantar uma suspeita que parece poder deduzir-se do que disse o sr. Alcantara, quando s. ex.ª se referiu ás auctoridades de Amares, dizendo que ellas não tinham podido realisar a prisão.

Não collijo das palavras do illustre deputado que s. ex.ª quizesse lançar esta suspeita sobre as auctoridades de Amares, mas lá fóra, dizendo-se aqui que aquella prisão não tinha sido realisada por muito tempo, porque havia da parte das auctoridades pouco zêlo e cuidado, póde-se lançar sobre aquella auctoridade uma tal ou qual suspeita.

O faccinora que foi preso era effectivamente o flagello da humanidade, e andava constantemente provocando e incitando rixas para mostrar a sua fereza, e a auctoridade, que não tem á sua disposição senão algum cabo de policia que quasi sempre é vizinho do criminoso, e que trata de evitar provoca-lo para não expor a sua vida, digo, a auctoridade local não podia por este motivo realisar esta prisão mas a auctoridade local requisitou do governador civil uma força, e de combinação com o chefe da fiscalisação conseguiu immediatamente realisar a prisão do criminoso.

Das palavras do illustre deputado o sr. Alcantara tiro as illações que devo tirar com respeito ás auctoridades que aqui foram accusadas de connivencia com os malfeitores

O governador civil de Braga foi aqui accusado por occasião da eleição de Villa Verde, por se ter aluado aos malfeitores.

O sr. Alcantara disse aqui que as auctoridades não transigiam com os malfeitores; e por esta occasião eu acrescento que o chefe da fiscalisação, o sr. José de Araujo Mota, que foi aqui tão injustamente invectivado, é useiro e vezeiro em atacar os malfeitores, quasi que é reputado o terror d'elles, e encommendando-se-lhe uma prisão d'esta ordem, é sabido que o malfeitor está preso. É pena que os seus guardas sejam só 15 ou 16, e não 100 ou 200.

Associando-me ao louvor que o sr. deputado Alcantara dirigiu ao governador civil do districto de Braga, confio em que o sr. ministro do reino e o sr. ministro da fazenda terão tomado nota d'estes serviços, e fazendo isto, não fazem mais do que cumprir o seu dever.

O sr. Saraiva de Carvalho: — Mando para a mesa alguns documentos relativos á eleição de Mirandella.

O sr. Lobo d'Avila: — Pedi a palavra para chamar a attenção do governo para uma representação da camara municipal de Faro, a fim de lhe ser concedido um edificio para a construcção de uma cadeia, por isso que a actual não tem as condições exigidas para uma casa d'esta ordem.

Como não está presente o governo, peço a v. ex.ª que me inscreva para apresentar um projecto de lei a este respeito, a fim de que seja concedido o edificio pedido por aquella camara municipal.

O sr. Carlos Ribeiro: — Mando para a mesa a seguinte proposta, da qual peço a urgencia (leu).

Peço licença para fazer algumas considerações para fundamentar esta proposta.

Todos reconhecem que a reforma da nossa administração publica é urgentissima, e que é um dos assumptos de que devem occupar-se de preferencia os homens publicos e os poderes do estado.

Diz-se, com justificada rasão, que é necessario fazer desapparecer a divida fluctuante; que é mister afastar o governo do mercado da moeda, cuja concorrencia torna o aluguer dos capitaes muito mais caros, prejudicando o commercio, a industria e a agricultura. Diz-se que é necessario especialmente acabar com a divida fluctuante no estrangeiro, que tem o grave inconveniente altamente deshonroso para o paiz e para qualquer nação que se preze de não podermos pedir aos mercados de fóra 100:000 ou 200:000 libras emprestadas, sem que nos exijam penhores exagerados e um juro muito elevado.

Diz-se tambem que é indispensavel estabelecer definitivamente em bases solidas o credito nacional: em primeiro logar, porque o governo tem necessidade de levantar fundos para continuar os nossos melhoramentos materiaes, e melhoramentos que não é justo nem possivel pagar só com as receitas do presente, porque as gerações futuras hão de participar em muito mais vasta escala das vantagens d'esses melhoramentos, e por conseguinte têem obrigação de partilhar dos encargos que ellas criam; em segundo logar, para que os capitaes não procurem collocar-se exclusivamente na divida publica, onde encontram juros de 8, 9, 10 e 12 por cento, desamparando os elementos da riqueza do paiz, fazendo paralisar as operações sobre a propriedade pelo depreciamento d'ella, e esquivando-se a procurar emprego no commercio, na industria e na agricultura.

Diz-se tambem, que é urgencia inadiavel equilibrar a receita com a despeza.

Tudo isto é verdade, sr. presidente, mas não basta. Sr. presidente, nós não podemos estar adstrictos unicamente a economias, nem tão pouco a augmento de receita por meio de expedientes acanhados, incapazes de attingir rapidamente, como é mister, o fim a que nos propomos.

É preciso reformar a administração publica, fazendo uma reforma larga que corresponda ás necessidades do paiz (apoiados); uma reforma de administração publica que satisfaça a determinadas condições, e entre outras ás seguintes:

Primeiro a uma circumscripção territorial, não feita a capricho, no gabinete sob a pressão do interesse particular e das influencias eleitoraes, ou sob informações duvidosas (apoiados), mas que seja o resultado de um inquerito consciencioso feito sobre um esboço de reforma da circumscripção planeado no gabinete sobre dados estatisticos authenticos e informações insuspeitas; inquerito executado por pessoas entendidas, idoneas, conhecedoras do paiz, que vão ás localidades, e que depois de ouvirem os interessados tratem de offerecer ao governo um projecto de nova circumscripção territorial consentanea com as necessidades publicas e harmonica com o pensamento da reforma geral da administração publica.

Segundo, é necessario crear um corpo de magistratura civil.

Sr. presidente, não comprehendo que o paiz possa ser bem servido seguindo-se o systema, que os governos têem empregado até aqui, de nomear qualquer individuo para secretario, administrador de um concelho, ou para governador civil de um districto, sem attender á sua idoneidade e aos dotes moraes que deve possuir, uma vez que seja bom agente de politica ou instrumento faccioso de pugnas eleitoraes. Emquanto similhante systema for seguido, os vicios da má administração hão de triumphar sempre das melhores leis e regulamentos.

Desejo pois que o empregado na magistratura civil esteja revestido de todas as garantias que o ponham inaccessivel aos caprichos dos governos, e que o tornem absolutamente independente das suas exigencias sobre trabalhos eleitoraes.

Sr. presidente, no meu entender é necessario que o corpo de magistratura civil, para que possa corresponder cabal-

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mente á alta missão que lhe deve ser confiada, tenha uma organisação propria, com accesso ou carreira similhante á do corpo de magistratura judicial, é preciso que o alto magistrado superior do districto, depois de ter, pelos seus serviços, chegado a este logar, saiba que será de preferencia escolhido para ser membro do tribunal de contas ou do conselho d'estado, ou que o espere outro alto cargo da republica.

D'este modo os individuos encarregados da magistratura civil tratarão de estudar todas as questões praticas do seu officio para se desempenharem cabalmente nos differentes cargos da sua carreira publica.

É necessario em seguida organisar a fazenda municipal. Sem a organisação da fazenda municipal não é possivel organisar as finanças do estado.

V. ex.ª sabe que as finanças municipaes devem ser uma funcção ou antes o reflexo das finanças do estado, ou talvez mais acertadamente, as finanças do estado devem ser um reflexo das finanças das municipalidades.

Organisadas umas sem as outras, onde irá a incidencia do imposto, como se hão de regular as taxas e as percentagens?

É pois necessario que sejam simultaneos e harmonicos estes trabalhos de organisação das finanças municipaes e das finanças do estado.

A reforma de administração civil debaixo de um ponto de vista elevado, e comprehendendo a organisação da fazenda municipal, é subsidiaria da organisação de muitos outros serviços relativos ás municipalidades e aos districtos, taes como o ensino na localidade, a creação de cadeiras de agronomia e de economia rural, que habilitem os lavradores a saberem conhecer, ao menos, as funcções mais elementares do principal instrumento de que se servem, a terra, e para sujeitarem as suas operações economicas a preceitos, cujo esquecimento é um dos grandes males do lavrador ignorante e descuidado.

Ha outros assumptos de que tambem se deve occupar a administração local, por exemplo, se o municipio ou o districto esperarem que o governo mande estudar o regimen das aguas de todas as ribeiras e arroios, que seja elle que faça, por assim dizer, o inventario de toda essa riqueza que salva o solo da localidade, para depois prescrever os meios de se poderem aproveitar d'esse elemento de riqueza, certamente nunca se farão similhantes melhoramentos, porque é impossivel haver receita do estado que chegue para tanto.

Sr. presidente, o problema da organisação da nossa administração e fazenda exige tambem outra ordem de trabalhos.

É necessario tirar partido d'essa massa de bens nacionaes que estão por assim dizer inertes na posse de corporações de mão morta. Parece-me que se poderia fazer uma operação financeira sobre esses 17.000:000$000 ou 18.000:000$000 réis, que é em quanto orça a propriedade pertencente ás corporações de mão morta.

É tambem necessario completar a liberdade da terra. Uma parte da terra está ainda sujeita a encargos que repugnam ao interesse geral e á nossa illustração. Quero fallar dos pesadissimos laudemios que oneram ainda uma grande porção da propriedade. Ha alguns caracteres muito distinctos no seio d'esta assembléa, cujos nomes estão ligados á defeza de uma medida de grande alcance, como a reducção dos laudemios á quarentena, relativos a numerosas propriedades sujeitas ás leis da desamortisação.

Eu desejaria que se tomassem effectivos, isto é, que se convertessem em lei do estado, alguns projectos que n'este sentido têem aqui sido apresentados e discutidos n'esta casa. É uma cousa repugnante e insupportavel, que haja um predio, especialmente no Minho, cujas bemfeitorias estejam sujeitas a laudemios, impostos pelos proprietarios, administradores ou usufructuarios, de terço, de quarto, de metade, de 50 por cento!

Não comprehendo, nem se póde comprehender, a exigencia do directo senhorio, ou administrador, a menos que não haja alguma clausula especial no seu contrato de aforamento, que o emphyteuta pague uma percentagem elevadissima pelas bemfeitorias que foram feitas na propriedade, á custa do seu suor, do seu dinheiro e do seu trabalho! É uma cousa incrivel, e eu espero que similhante mal terá remedio, porque n'isso irá o interesse da terra, o interesse geral, e do estado.

Eu tenho muita fé que de um bem combinado systema tributario, em que o imposto pessoal, e especialmente o da propriedade, se torne mais igual e mais equitativo, resultará um consideravel augmento da receita publica; não digo que chegue para equilibrar a receita com a despeza, e ainda para fazer face aos novos encargos reclamados pelo progresso da civilisação, mas de certo deve dar um augmento consideravel, uma vez que cada um pague aquillo que justamente deve pagar.

A questão de fazenda não é uma questão que tenha difficuldades intrinsecas ou peculiares invenciveis; as difficuldades da questão de fazenda dependem mais da má semente, e das más doutrinas espalhadas por todos nós na massa da nação, do que de outra cousa. E expressando-me d'este modo não quero lançar culpabilidade n'um ou outro partido, porque todas as fracções politicas em que se devide a grande familia liberal têem culpas d'esta especie. N'esta parte nenhum partido póde tomar a pedra e lança-la ao outro, como causador ou propalador da má semente e das más doutrinas n'este paiz, com o fim de indispor o povo contra o tributo; 1846, 1856, 1863, 1868 e 1870 respondem precisamente a esta minha asserção.

Para bem se averiguar o que é a nossa divida nacional convem fazer algumas observações, dizer alguma cousa sobre a origem d'ella, aliás sabida por todos, mas talvez não se considere banalidade o repeti-la.

Sr. presidente, uma das causas mais proxima e mais immediata da nossa divida nacional deriva das grandes despezas e transtornos occasionados pelas guerras civis de 1832 a 1847. O desenvolvimento que se tem dado á nossa instrucção, especialmente á superior e á secundaria, é outra causa.

V. ex.ª sabe que em 1837 se organisaram a escola polytechnica de Lisboa, a escola do exercito, a academia polytechnica do Porto, creando-se posteriormente mais cadeiras; desdobraram-se as cadeiras na universidade de Coimbra e nas escolas de medicina e cirurgia de Lisboa e do Porto; deu-se bastante desenvolvimento á instrucção secundaria; crearam-se institutos e museos, etc.; e tudo isto para substituir uma instrucção superior e secundaria muitissimo acanhada e inferior ás necessidades da epocha; o que trouxe comsigo um grande augmento de despeza.

São origem da nossa divida nacional os celebrados 700 kilometros de caminhos de ferro que se têem construido no nosso paiz, e contra os quaes tanta celeuma se levantou e ainda se levanta.

São igualmente origem da nossa divida nacional os 3:200 kilometros de estradas que se têem construido para substituir caminhos intransitaveis e barrancos; as 340 pontes para tornar vadeaveis os rios e ribeiras; as carreiras da navegação para o Algarve, para os Açores, para a Africa occidental; a posta diaria entre Lisboa e cerca de mil povoações...

Todos se lembrarão que até 1853 não havia posta senão de tres em tres dias entre Lisboa, Porto e as principaes terras do reino, as capitaes dos differentes districtos administrativos, e para as outras terras do reino duas e uma vez por semana.

Entra tambem como causa da nossa divida nacional o estabelecimento da telegraphia electrica.

Sr. presidente, ao reflectirmos no que é, no que vale, e na prodigiosa influencia da telegraphia electrica na civilisação, especialmente se considerarmos, em relação a nós, os beneficios que nos trouxe, tanto particulares como de ser-

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viço publico, depois do seu estabelecimento em Portugal em 1854, só teremos a sentir que ella não esteja tão derramada como nos outros paizes cultos, e tão bem servida como ali.

A introducção do novo systema dos pesos e medidas tambem foi uma outra innovação, uma outra reforma, vantajosíssima, que trouxe comsigo não pequeno augmento de despeza. Pena é que o abandono em que, até certo ponto, se acha este serviço por falta de regulamento faça perder um terreno conquistado á custa de não pequenos sacrificios.

Representa tambem a nossa divida nacional o acrescimo dos deficits dos differentes annos, os seus respectivos juros, e juros compostos.

Estas são as causas principaes da nossa divida nacional. Vejamos agora quaes foram os encargos que advieram para o nosso thesouro com os melhoramentos materiaes. O custo dos melhoramentos materiaes executados até 1868. montam a 47.000:000$000 réis. As diversas receitas creadas no ministerio das obras publicas depois da sua organisação orçam por 18.000:000$000 réis, d'aquella somma temos uma differença de 29.000:000$000 réis. As sommas levantadas para fazer face a esta despeza, não excedem um encargo de 7 por cento, antes lhe é inferior segundo os calculos de pessoas entendidas, o que dá para o thesouro apenas um encargo annual na somma de 2.030:000$000 réis. Mas que vantagem não obtém o paiz com este encargo de 2.030:000$000 réis para o thesouro do estado?

Permitta-me v. ex.ª que apresente os calculos escriptos fundados em factos verdadeiros com respeito á viação publica.

Nos nossos caminhos de ferro, o movimento annual de passageiros é representado por um percurso medio de 1.000:000 a 70 kilometros; ou reduzido este movimento de passageiros á unidade de distancia kilometrica será representado por 70.000:000 passageiros. A differença de transporte de passageiros ou a economia por elles feita, viajando pela estrada barranco ou pelo caminho de ferro, é de 20 réis, mas spuponhamos que é só de 10 réis por kilometro: ora 10 réis, multiplicados por 70.000:000 passageiros, dão-nos a bagatela de 700:000$000 réis, metade da economia effectiva do lucro annual obtido pelo total dos passageiros que transitam pelos 700 kilometros de caminho de ferro do nosso paiz; e isto basta para aquilatar as vantagens que o paiz aufere pelo estabelecimento da viação accelerada no que respeita sómente ao movimento de passageiros.

Com relação a mercadorias, segundo os dados estatisticos que tenho, o seu percurso medio nos caminhos de ferro de norte, leste e sul é de 200:000 toneladas em um anno; ou reduzindo á unidade de distancia kilometrica teremos 18.000:000 toneladas. A differença de preço entre o transporte de mercadorias pelo caminho de ferro e o transporte de mercadorias pela estrada barranco, orça-la-hei apenas a 60 réis. Multiplicados estes 60 réis pelos citados 18.000:000 toneladas de mercadorias temos 1.080:000$000 réis.

Façamos agora uma comparação tambem entre as estradas novas, que montam a 3:200 kilometros, e as estradas velhas. Para estas não ha dados estatisticos pelos quaes se possa fazer um calculo bastante approximado á verdade; todavia nas apreciações, que vou apresentar, declaro que fui mui inferior áquillo que me parece ser a realidade.

Supponhamos que o numero de toneladas de mercadorias em movimento em todas as estradas novas é apenas tres vezes o numero que transita nos caminhos de ferro do norte, leste e sul, apreciação aliás muito baixa; supponhamos tambem que o percurso medio d'aquellas mercadorias é, como nos caminhos de ferro, de 90 kilometros: teremos que o movimento das mercadorias nas estradas ordinarias reduzido á unidade de distancia kilometrica será de 54.000:000 toneladas. Supponhamos que a differença ou a economia obtida pelo transporte d'estas mercadorias nas estradas novas sobre a estrada barranco ás costas de machos ou por outro qualquer meio é de 60 réis a tonelada por kilometro; n'estes termos a economia total nos 3:200 kilometros de estrada novas será de 54.000:000x60 réis ou de réis 3.240:000$000.

Relativamente á economia feita pelos passageiros que transitam em diligencias e a cavallo pelas estradas novas do paiz, para se fazer d'ella uma tal ou qual idéa basta adoptar o mesmo numero de passageiros para todas as estradas novas, o mesmo percurso medio, a mesma differença de preço por kilometro para a estrada barranco, que acima tomámos para os passageiros que transitam nos caminhos de ferro de norte, leste e sul: esta hypothese faz montar a economia referida a 700:000$000 réis.

Se sommarmos esta addição, vemos que o paiz lucra effectiva, real e immediatamente com o movimento de passageiros e mercadorias nos caminhos de ferro, e nas estradas novas, uma cifra não inferior a 5.720:000$000 réis annuaes.

Não metto em linha de conta o valor do tempo ganho pelo viajante que transita pelos caminhos de ferro e estradas novas; não fallo nas enormes vantagens que têem vindo á agricultura com o estabelecimento da nova viação; não mencionarei o augmento consideravel que tem tido o valor da propriedade rustica nas zonas atravessadas por novas estradas e por caminhos de ferro; não fallo tambem no que tem ganho o serviço publico com a nova viação, circumstancia esta que só por si daria margem a largas observações que me abstenho de apresentar agora para não tomar tempo á camara.

Já se vê, pois, que os 2.030:000$000 réis de encargos annuaes para o nosso thesouro com o estabelecimento d'estes importantes melhoramentos, caminhos de ferro, estradas, telegraphia e outros, não devem incommodar o mais tenaz e o mais zeloso defensor das economias e melhoramentos publicos.

E vem a ponto referir aqui o seguinte facto:

A França, que já tem completado a sua rede de caminhos de ferro de 1.ª e 2.ª ordem; que tem todas as suas estradas, que eram imperiaes, de 1.ª e 2.ª ordem completas; a França, que tem consideravelmente desenvolvida a sua rede de estradas municipaes; que tem os seus canaes concluidos, e feitas a maior parte das obras hydraulicas dos seus portos e barras; ainda em 1867 votou a enorme somma de réis 116.100:000$000 para conservação das suas obras publicas e para novas obras. Isto com relação á população de França corresponde a 3.055:000$000 réis por cada milhão de habitantes; e com relação á população de Portugal importa uma verba de 12.000:000$000 réis.

Sabe v. ex.ª e sabe a camara quaes foram as consequencias d'esta prodigalidade? Foi que a França em 1871, depois de ter passado por todos os desastres da guerra, está em condições de poder pagar á Allemanha o imposto de guerra de 5 milhares. A subscripção em París andou por 2 milhares e no resto da França excedeu os 3 milhares, havendo empenhos no estrangeiro para a subscripção.

A França certamente não tinha forças para subscrever com 5 milhares, se não tivesse semeado prodigamente para dar o maximo desenvolvimento possivel aos seus melhoramentos publicos.

Os deficits accumulados que constituem a nossa divida nacional, o deficit da actualidade, não é o que nos deve fazer esmorecer. O que nos deve porém preoccupar mais e muito é o deficit que existe no paiz de 27:000 kilometros de estradas que é necessario fazer, e o deficit de instrucção publica, especialmente da primaria.

É vergonhoso o estado em que se acha a instrucção primaria no nosso paiz. Eu peço licença á camara para ter um trecho de um livro publicado por um cavalheiro muito respeitavel, que já occupou uma cadeira no parlamento e um logar nos conselhos da corôa, o sr. D. Antonio da Costa. É um livro sobre instrucção primaria, do qual o Jornal da noite transcreveu um trecho que vou ter (leu). Para encontrarmos exemplo que se approxime de nós,

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n'este genero de atrazo, é preciso atravessar o Mediterraneo, transpor o Atlas e os grandes desertos do Sahara!...

Sr. presidente, é necessario derramar constantemente a instrucção no povo, para que possa conhecer os seus deveres e os seus direitos. É necessario que convirjam para esse ponto as attenções dos poderes publicos. É necessario que haja uma escola em cada freguezia; mas não basta isto. É necessario dotar os encarregados da educação do povo, os professores de instrucção primaria, com o indispensavel para a sua modesta mas necessaria sustentação.

Estes professores ainda hoje estão recebendo o estipendio estabelecido pelo marquez de Pombal. Este estadista instituiu que os professores de primeiras letras tivessem réis 100$000 annuaes; e note-se que n'esse tempo a moeda tinha muito mais valor do que não tem hoje, e a vida era incomparavelmente mais barata. Estes 100$000 réis foram reduzidos a 90$000 réis por um decreto de 1836 ou 1837, referendado pelo já fallecido Passos Manuel, ordenando-se por um acto de dictadura que recebessem mais 20$000 réis pelos cofres das camaras municipaes: melhoraram de situação em mais 10$000 réis por anno; era pouco, mas sempre era mais alguma cousa. Mas sabe v. ex.ª a quanto está reduzido hoje o professor de instrucção primaria depois de feitas todas as deducções? A receber 300 réis cada dia! Pergunto, sr. presidente, é isto que deve receber o homem empregado no alto sacerdocio de educar o povo? Creio que não (apoiados).

Depois da mãe de familia são os professores de instrucção primaria que têem a seu cargo a alta missão de completar a educação das creanças e dos mancebos (apoiados), e a nação paga este serviço com o mesquinho, o miseravel honorario de 300 réis, que a custo chega para o pão quotidiano! Isto é impossivel continuar assim (apoiados). É necessario, por consequencia, para habilitar pessoas idoneas, pessoas habeis, e sobretudo pessoas com as qualidades precisas e indispensaveis para poderem estar á testa da educação das creanças, é necessario que essas pessoas sejam devidamente remuneradas (apoiados); não digo com largueza, porque as forças do nosso thesouro não o comporta, mas que se melhore a sua situação actual, e que se melhore quanto antes, porque isto urge (apoiados).

Chamo para isto muito especialmente a attenção do governo. Não basta reformar, nem multiplicar as escolas, é necessario subsidiar condignamente os professores (apoiados).

Sr. presidente, para extinguir o deficit do orçamento do estado não é sufficiente fazer economias e augmentar a receita publica com recursos ordinarios ou extraordinarios; é necessario recorrer a outros meios. Disse eu, que a nossa receita deve augmentar de modo que não só faça face ás difficuldades presentes do thesouro publico, mas occorra a outras necessidades da civilisação, e que possamos organisar tambem a força publica no pé em que deve ser organisada (apoiados). Nós carecemos, e muito, de organisar o nosso exercito e á nossa marinha (apoiados). É necessario termos em conta que a nossa autonomia póde ser seriamente ameaçada (apoiados); e se chegar essa crise, quando chegue esse momento, cumpre estarmos prevenidos, e não nas condições em que estamos hoje sem administração, sem finanças, e sem recursos para ao menos podermos protestar.

Póde haver de hoje para ámanhã um grande abalo na Europa, ou no mundo inteiro, como aquelle que ha pouco se viu durante a guerra da França com a Allemanha, e é muito possivel que a nossa autonomia desappareça se não estivermos organisados e preparados.

Sr. presidente, parece-me que a nação está em circumstancias de poder pagar uma maior receita da que hoje paga; não digo pela imposição de novos tributos, mas pela regularisação dos actuaes.

Quaes eram os encargos da propriedade antes de 1832? Os encargos da propriedade eram os dizimos, os oitavos, os quintos, as luctuosas, e um sem numero de alcavalas. Todos nós sabemos que se se addicionasse ainda os dizimos correspondentes á propriedade das corporações religiosas, montaria isso á enorme somma de 10.000:000$000 réis, segundo dados estatisticos que tenho consultado.

O paiz podia então com esses grandes encargos e com mais outros onus ainda. No tempo da invasão franceza e no das guerras civis d'este seculo, o recrutamento pesava em geral sobre os lavradores e sobre os seus filhos e creados. Os embargos, especialmente em occasião das guerras, tambem pesavam immediatamente sobre a agricultura; e todavia nós não vimos de 1808 a 1816 o pauperismo, nem fome; não vimos a população de Traz os Montes invadir o Minho, a do Minho invadir a Beira, etc. devorada pela fome. É verdade que a população não era então de 4.000:000 de habitantes como hoje. A população, segundo alguns dados estatisticos que tenho podido colher, orçava por 2.000:000 de almas em 1816.

Entretanto não se deram factos d'aquelles apesar das contribuições e desastres determinados pela invasão franceza, pela guerra que se lhe seguiu, e em presença dos grandes onus que pesavam sobre a terra, na importancia de réis 10.000:000$000, quantia esta que hoje representaria uma somma muito maior em consequencia da differença de moeda.

Observarei agora, sr. presidente, que o imposto directo sobre a propriedade em 1835 era de 2.000:000$000 réis, em 1837 de 2.864:000$000 réis, no anno economico de 1849-1850 de 1.834:000$000 réis; no anno de 1860-1861 de 1.653:000$000 réis, e no anno de 1870-1871 de réis 2.826:000$000; media do imposto predial desde 1835 até 1870 proximamente 2.500:000$000 réis.

Se deduzirmos estes 2.500:000$000 réis dos taes réis 10.000:000$000, em que importavam os encargos sobre a propriedade antes de 1833 ou 1832, temos a differença de 7.500:000$000 réis; e, se multiplicarmos estes réis 7.500:000$000 por 36, que é o numero de annos decorridos desde 1833 até 1869, teremos a enorme somma de 270.000:000$000 réis.

Tal é o emprestimo, diga-se a phrase, que pelas leis de Mousinho da Silveira se fez á propriedade rural. São réis 270.000:000$000, e não entro aqui com os juros, nem com os juros dos juros, que isso então montaria a uma somma fabulosa.

A contribuição predial no anno economico de 1870-1871 está orçada em 2.826:000$000 réis. Correspondem estes 2.826:000$000 réis a um rendimento collectavel de réis 28.260:000$000; e se multiplicassemos estes 28.260:000$000 réis por 20, teremos 565.200:000$000 réis, quer dizer, a propriedade em todo o paiz, comprehendendo a propriedade urbana de Lisboa, Porto, Braga, Coimbra e Evora, por este calculo vale apenas a quantia de 565.200:000$000 réis.

Pois isto é possivel?!... Pois as matrizes são acaso uma verdade, ou tendem, pelo menos, a approximar-se da verdade?!...

Não é possivel. A serem as matrizes uma verdade, a propriedade urbana e rustica de todo o paiz valeria apenas, repito, 565.200:000$000 réis, menos ainda de metade das contribuições e da indemnisação que a Allemanha exigiu, e exige á França em consequencia da ultima guerra.

Ainda outra observação.

O imposto predial em Lisboa, intra-muros, é de réis 220:000$000, o que corresponde a um rendimento collectavel de 2.200:000$000 réis. Se multiplicarmos estes 2.200:000$000 réis por 20, teremos 44.000:000$000 réis. Isto quer dizer que, segundo as matrizes, o valor da propriedade em Lisboa é de 44.000:000$000 réis, isto é, sendo de 565.200:000$000 réis o valor da propriedade em todo o Portugal, a propriedade urbana em Lisboa vale um pouco menos da decima parte da propriedade urbana e rustica, total do paiz!... Isto é serio?

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Creio que a hora está já muito adiantada...

O sr. Presidente: — Assim que derem duas horas, a obrigação é entrar-se na ordem do dia; comtudo o sr. deputado tem o direito de expender as suas opiniões com a largueza que entender conveniente, e póde ficar com a palavra para a sessão seguinte, no caso de querer.

O Orador: — Segundo os dados estatisticos, colligidos por um cavalheiro de muita respeitabilidade, que já foi membro d'este parlamento, e que teve um logar distincto nos conselhos da corôa, o sr. Antonio de Serpa Pimentel, o movimento commercial dos nossos portos, comprehendendo a importação, exportação e reexportação, foi em 1851 de 21.000:000$000 réis; em 1868, 44.000:000$000 réis. Isto é, dobrou quasi n'este intervallo de 1851 a 1868.

As materias primas importadas no nosso paiz em 1851 sommaram 2.719:000$000 réis, em 1868, 5.260:000$000 réis.

Já se póde ver o desenvolvimento que as industrias tiveram n'estes dezesete annos decorridos.

Outra manifestação da riqueza publica são as sommas empregadas em titulos de divida publica, em acções e obrigações de diversos bancos. Em 1851 montava esta somma á quantia de 30.129:000$000 réis, em 1869 ascendeu a 90.323:000$000 réis.

O movimento bancario no mez de dezembro de 1864 era de 7.712:000$000 réis; em 1867, 33.481:000$000 réis.

Só a renda da propriedade rural e urbana nos trinta e seis annos passados do 1833 a 1869 apenas subiu réis 800:000$000!

(Interrupção.)

É mais uma rasão. Uma grande quantidade de terrenos que estavam incultos, e que se têem posto em cultura n'estes ultimos annos; milhares de hectares; assim é.

Quem viajou pelo paiz como eu, quem conhece a superficie do nosso solo, sabe avaliar a differença successiva e constante que tem havido no desenvolvimento cultural do nosso solo desde o Cabo de S. Vicente até Bragança; desenvolvimento mais sensivel e frisante nas largas zonas atravessadas pelas estradas ordinarias, e pelas vias de communicação accelerada.

Vou concluir, sr. presidente. A conservação do nosso deficit é um perigo; é indispensavel annulla-lo, faze-lo desapparecer; mas isto só não basta, é preciso sobretudo crear mais receita, que corresponda e satisfaça ás necessidades crescentes da civilisação.

É isto o que eu desejo que aconteça. Desejo que a receita augmente sem todavia se promulgarem novos tributos; basta unicamente regular melhor os que existem, e lançar mão das outras fontes de receita sem abusar dos recursos do paiz.

Por esse motivo é que mandei para a mesa a minha proposta.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — A hora está muito adiantada. Já deram duas horas, que é a hora propria de entrar na primeira parte da ordem do dia. Se alguns dos srs. deputados têem requerimentos ou representações a mandar para a mesa, tenham a bondade de o fazer.

O sr. Pinheiro Borges: — Fui encarregado pela commissão de guerra de dar parecer sobre um assumpto, mas não o posso apresentar sem que, pelo ministerio da guerra, venham os documentos que são mencionados no seguinte requerimento (leu).

O sr. Nogueira: — Mando para a mesa um parecer da commissão de saude.

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Santos e Silva (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara, sobre se quer discutir em primeiro logar o parecer da commissão de fazenda, ácerca das emendas offerecidas ao projecto n.º 7, parecer que já está distribuido pelos srs. deputados.

Foi approvado este requerimento.

Entrou em discussão o

Pertence ao n.º 7

Senhores. — Á vossa commissão de fazenda foram presentes as diversas propostas offerecidas por differentes srs. deputados a alguns artigos do projecto de lei n.º 7, sobre a fiscalisação e cobrança do real d'agua nas barreiras do Porto.

As propostas que dizem respeito á geropiga, que figura no artigo 2.° com o imposto de 110 réis por decalitro, não podem ser aceitas.

Eliminar a geropiga do artigo 2.° era isenta-la do imposto de 60 réis por decalitro, revogar n'esta parte o decreto com força de lei de 30 de junho de 1870, e destruir a contextura do projecto de lei n.º 7 n'um dos seus pontos cardeaes.

Alterar-lhe o direito do real d'agua, que lhe está marcado no artigo 2.°, tambem não póde ser. A geropiga tem sido invariavelmente até hoje equiparada ao vinho para o effeito do imposto, e para outros effeitos. Não é só a jurisprudencia fiscal, que auctorisa este asserto; é a legislação vigente. Veja-se especialmente o decreto com força de lei de 11 de outubro de 1852, que equipara a geropiga ao vinho para os effeitos do imposto e da exportação.

Quanto ás moções, que se referem ao § 2.° do artigo 3.°, julga-as a vossa commissão desnecessarias, por serem claros a letra e o espirito da lei. As bebidas estrangeiras, a que se refere este projecto de lei, se encontram na pauta geral direitos superiores ou iguaes aos direitos propostos de barreira, pagam esses direitos; se encontram direitos inferiores, têem de pagar os direitos de barreira. Não ha outra interpretação do § 2.° do artigo 3.° Entende todavia a vossa commissão, que a ultima parte do § 2.° deve ser redigida pela fórma seguinte: «quando forem superiores ou iguaes aos direitos de consumo em vigor».

O artigo 4.° póde ser redigido pela seguinte maneira, em harmonia com algumas propostas que foram presentes á commissão:

«Artigo 4.° O vinho, geropiga e aguardente destinados á exportação, ou ao adubo e beneficiação dos vinhos de embarque, pagarão unicamente 60 réis por decalitro.

«§ 1.° É considerada para beneficiação do vinho de embarque a aguardente nacional, que tiver este destino, e pesar seis graus ou mais do areometro de Tessa.

«§ 2.° Os armazens dentro da cidade do Porto, em que se depositarem os liquidos, a que se refere o artigo 2.° d'esta lei, e forem destinados á exportação, ficarão sujeitos á fiscalisação da alfandega.»

O artigo 5.° póde ser modificado do seguinte modo:

«Artigo 5.° As bebidas alcoolicas cerveja e mais bebidas fermentadas, que se fabricarem dentro de barreiras na cidade do Porto, e forem destinadas ao consumo da mesma cidade, ficam sujeitas ao imposto do real d'agua, nos termos da lei de 27 de dezembro de 1870.»

Outras propostas ha, que a vossa commissão não attende, porque as não julga attinentes ao presente projecto da lei.

Sala da commissão, 25 de agosto de 1871. = Anselmo José Braamcamp = Placido Antonio da Cunha e Abreu = Jacinto Augusto de Sant'Anna e Vasconcellos = Antonio Rodrigues Sampaio = Antonio Maria Barreiros Arrobas = Claudio José Nunes = Augusto Cesar Cau da Costa = João Antonio dos Santos e Silva.

O sr. Mariano de Carvalho: — Podia ter pedido a palavra sobre a ordem; mas, embora não o fizesse, julgo-me auctorisado a mandar para a mesa uma proposta muito simples.

Parece-me que a camara a poderá votar rapidamente sem que o projecto volte á commissão. A proposta é a seguinte (leu).

Como se vê do parecer da commissão de fazenda, entende

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ella que a geropiga deve continuar a ser equiparada ao vinho para o pagamento do imposto do real d'agua.

Sustenta a commissão esta sua proposição com duas especies de rasões. A primeira é que a geropiga tem sido invariavelmente até hoje equiparada ao vinho, para o effeito do imposto e para outros effeitos, pelo fisco.

Devo dizer á camara que não aceito a ampliação das leis tributarias pelo arbitrio do fisco. Não posso consentir de modo algum que o fisco se arvore em legislador tributario.

As leis relativas ao real d'agua tributaram o vinho, e não a geropiga, que não é preparada do mesmo modo que o vinho, que não soffre fermentação alcoolica e que não é vinho. Se o fisco a classificou como tal, errou e abusou.

A outra especie de rasões, que dá a illustre commissão, é que não é só a jurisprudencia fiscal que auctorisa esta equiparação, mas que tambem é a legislação vigente. E lembra especialmente o decreto com força de lei de 11 de outubro de 1852, que equipara a geropiga ao vinho para os effeitos do imposto e da exportação.

Fui consultar este decreto, e achei que elle prova exactamente contra o parecer da commissão. Vejam v. ex.ª e a camara qual é a rasão que dá a commissão. Diz que o decreto de 11 de outubro de 1852 equipara a geropiga ao vinho para os effeitos do imposto do real d'agua.

Abre-se o decreto de 11 de outubro de 1852 e encontra-se o seguinte (leu).

Portanto a propria lei diz que a geropiga é equiparada ao vinho para os effeitos do presente decreto, e mais nenhum. Sendo para os effeitos do presente decreto e mais nenhum, está claro que não fica equiparada para nenhum outro effeito senão para os effeitos mencionados no decreto. E quaes são os effeitos mencionados no decreto? São os seguintes: «Demarcação do Douro, qualificação dos vinhos, commissão classificadora, exportação.»

N'este decreto não se trata do real d'agua. Repito, pelo decreto de 11 de outubro de 1852 a geropiga é só equiparada ao vinho para os effeitos d'este decreto, e nos effeitos d'este decreto não entra o real d'agua. Portanto a equiparação não é para o imposto do real d'agua, mas só para os effeitos da exportação.

Pergunto como é que a illustre commissão póde dizer que pela legislação vigente, pelo decreto de 1852, a geropiga é equiparada ao vinho, quando o proprio decreto de 1852 combate as doutrinas da illustre commissão?

Desde que a equiparação não existe no decreto citado, nem em outra qualquer lei, está claro que não é legal, porque só o poder legislativo póde tributar.

A minha proposta tem por fim fazer com que seja tributada a geropiga que até aqui era isenta legalmente do imposto, embora por interpretação abusiva do fisco fosse tributada.

Como a geropiga tem maior valor que o vinho, proponho que o imposto seja de 10 réis em litro, em logar de 5 réis a que o vinho está sujeito.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o imposto do real d'agua applicavel á geropiga seja de 10 réis por litro.

Sala das sessões, 26 de agosto de 1871. = Mariano Cyrillo de Carvalho.

Foi admittida e ficou conjunctamente em discussão.

O sr. Santos e Silva: — Por parte da commissão de fazenda tenho a declarar, que não posso aceitar a emenda que o illustre deputado acaba de mandar para a mesa.

A camara póde resolver como entender; póde adoptar a proposta ou rejeita-la, mas a commissão declara desde já que a não aceita.

A proposito da geropiga, ao artigo 2.° foram offerecidas algumas emendas, em que se abolia o direito, ou propunha outro differente do que está consignado n'esse artigo. Portanto já v. ex.ª vê, que foram pela commissão consideradas todas essas propostas e todas as hypotheses ácerca da geropiga.

Tratando-se na commissão de resolver, se se devia manter o direito que este projecto marca á geropiga, ou se devia ser alterado, accordámos por unanimidade manter o statu quo.

Já se vê, que foi tambem considerada a hypothese dos 10 réis, do illustre deputado, a proposito da discussão da emenda do meu illustre amigo Barros e Cunha, que propunha 20 réis.

A geropiga foi sempre equiparada ao vinho em todas as circumstancias, e em todas as occasiões em que tem sido necessario tomar uma resolução sobre o vinho conjunctamente com a geropiga.

Por exemplo, trata-se da geropiga introduzida pelas barreiras de Lisboa; os poderes publicos têem constantemente decidido, que seja equiparada ao vinho para os effeitos do imposto. Paga o mesmo imposto que o vinho.

Tratou-se em 1852 de regular a exportação dos vinhos do Douro, de qualificar os que eram exportaveis pela barra do Porto, etc.; pois a geropiga foi logo no decreto de 11 de outubro d'esse anno equiparada ao vinho para a igualdade do imposto e para os effeitos da exportação (apoiados). Estes é que são os factos.

Em que contradicção está pois esta citação, que faço no relatorio, com o decreto de 11 de outubro de 1852?

Pois já não colhem, já são contradictorios os argumentos de analogia?

Veja v. ex.ª até onde chega o furor de contrariar um projecto (apoiados).

O que se deduz claramente do relatorio da commissão é o seguinte: a geropiga, tanto na jurisprudencia fiscal, como na vigente legislação, tem sido sempre equiparada ao vinho para os effeitos do imposto, da exportação, e outros, todas as vezes que os poderes publicos têem tomado alguma resolução sobre o assumpto (apoiados).

Esta é que é a questão (apoiados).

Eu bem sei que o decreto de 11 de outubro de 1852 não tratou do real d'agua; nem eu, nem a commissão podiamos dizer tal cousa no relatorio, porque ella tem perfeito conhecimento da legislação do paiz sobre este assumpto.

Eu tambem li o decreto, e até o lembrei particularmente ao illustre deputado, sei por consequencia do que elle trata. Se e citei no relatorio, foi para adduzir um argumento de analogia. (Apoiados.) Foi para provar a plausibilidade, o acerto, e até a legalidade com que a geropiga apparece n'este projecto com o imposto do real d'agua, de 5 réis por litro, igual ao vinho. (Apoiados.) Não ha pois aqui contradicção, nem citação impertinente.

A camara póde discutir o que quizer, mas lembro que, quando um projecto é approvado em todos os seus artigos, salvas as emendas, e se discutem depois essas emendas, não é costume fazer novas propostas; aliás eternisariamos as discussões. (Apoiados.) O projecto n.º 7 foi já, sub conditione, approvado. A commissão, examinando todas as emendas, adoptou as modificações, sobre as quaes a camara tem agora de pronunciar-se. Discutir novas emendas offerecidas n'esta occasião, é adiar indefinidamente a decisão de um assumpto (apoiados).

Isto não é coarctar o direito a ninguem, mas sustentar o direito que a camara tem de dar expediente aos negocios, cuja discussão é preciso que tenha termo; de outro modo seria interminavel (apoiados).

O parecer da commissão póde ser rejeitado ou approvado; mas o que não me parece curial, nem em harmonia com os precedentes parlamentares e com o andamento e boa direcção dos trabalhos, é que a proposito de umas emendas, as unicas de que agora nos devemos occupar, se estejam offerecendo outras (apoiados).

Lembro apenas isto á camara, sem de modo algum querer obstar a que ella tome a resolução que julgar mais justa.

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O sr. Mariano de Carvalho: — Ouvi attentamente o que disse o sr. relator da commissão, e devo confessar que as rasões que s. ex.ª apresentou, apesar do talento de s. ex.ª, dos seus conhecimentos dos negocios publicos, não me poderam convencer.

Primeiramente allegarei as rasões que tive para mandar para a mesa a emenda que ha pouco apresentei.

Quando este projecto se discutiu na generalidade e na especialidade, mandei para a mesa uma emenda para que a geropiga fosse tributada de modo diverso do que é o vinho. A commissão não attendeu á minha emenda, foi de opinião que a geropiga fosse tributada igualmente como o vinho.

Ha portanto dois modos de ver a questão.

Eu entendo que a geropiga deve ser tributada de modo diverso do que é o vinho; e a commissão entende que deve ser tributada do mesmo modo. Dada esta divergencia, era necessario que eu fixasse o quantum do imposto, visto que a commissão o não fez.

Eu tinha deixado á commissão a faculdade de marcar o direito que entendesse; mas como a commissão não quiz usar d'essa faculdade, vi-me obrigado a substitui-la.

A commissão julga que a geropiga deve ser tributada igualmente como o vinho, e eu entendo que é preciso fixar um direito para a geropiga e outro menor para o vinho.

Para mim, como já disse, a legislação de 1852, invocada pela illustre commissão de fazenda, contrariava a sua doutrina.

Diz a commissão (leu).

É claro que a illustre commissão n'este paragrapho mostra completo conhecimento da lei, e nem eu me atreveria, pelo muito respeito que consagro aos seus membros, a julga-la desconhecedora da nossa legislação fiscal, mas a illustre commissão póde, como qualquer de nós, interpretar a lei de um modo que não seja conveniente. Effectivamente a minha interpretação diverge totalmente da sua; porque diz o seu illustre relator pela nossa legislação sempre para todos os effeitos tem sido a geropiga equiparada ao vinho, e digo eu — não me consta que isso aconteça senão no decreto de 12 de outubro de 1852, não julgo que haja mais lei nenhuma n'esse sentido, e se mais alguma houvesse, naturalmente a illustre commissão havia de indica-la. Não ha para se equiparar a geropiga ao vinho senão o decreto de 12 de outubro de 1852. Fique isto bem assente.

O sr. Santos e Silva: — Ha tambem o decreto de 30 de julho de 1870.

O Orador: — Diz o illustre relator que ha tambem o decreto de 30 de julho de 1870, que lançou o direito de 60 réis sobre as bebidas alcoolicas exportadas pela barra do Porto; mas este decreto prova contra s. ex.ª, porque falla distinctamente em vinho, geropiga, aguardente e vinagre. Logo distingue geropiga de vinho, e se não distinguisse, teria fallado apenas dos vinhos e não mencionava a geropiga. Mas eu já demonstrei que a lei de 12 de outubro de 1852 só equipara a geropiga ao vinho para o effeito da exportação, logo a minha interpretação é a verdadeira.

Esta questão é muito grave, porque é questão de principios. Se não ha na legislação vigente mais disposição nenhuma que equipare a geropiga ao vinho, não posso aceitar o argumento de que o fisco os tem sempre equiparado. O fisco para mim não é legislador, em materia tributavel quem legisla são as camaras, e se o fisco equiparou ao vinho uma cousa que não é vinho, porque não soffre fermentação alcoolica, commetteu um erro e um abuso, que é bom que a camara castigue.

Concedo que seja a geropiga tributada e equiparada ao vinho ou mais onerada; mas quero que isto seja sanccionado pelo poder competente, que é o legislativo.

Se a illustre commissão reconhecesse commigo que a geropiga não estava tributada, mas que era necessario tributa-la, o caso seria differente. Mas se reconhece que não o está de direito, e que só o fisco, que apenas póde regular

a maneira de cobrar o tributo, a tributou, não estamos de accordo, porque eu quero que se tribute, mas que seja tributada pelas côrtes, que são o poder competente.

O illustre deputado combateu as apreciações que eu fiz do decreto de outubro de 1852, e na sua argumentação limitou se a dizer que havia analogia entre este caso e o caso do real d'agua.

Pois ha alguma analogia entre a exportação do vinho do Douro e o imposto do real d'agua? São cousas diversissimas, que por modo nenhum podem equiparar-se.

A legislação vigente, na unica parte em que equipara a geropiga ao vinho, diz expressamente que só a equipara para o effeito da exportação. Logo não a equipara para consumo, que não é exportação. Como ali não se trata senão de exportação, e como aquella lei diz que para este effeito é que fica a geropiga equiparada ao vinho, e não me póde mostrar que a exportação seja consumo, cáe por terra o seu argumento. Chamo a attenção da camara para este negocio, que não é tão simples como parece.

Eu não admitto que o fisco em caso nenhum interprete as leis tributarias de modo extensivo, e esta é que é para mim a questão.

Se a illustre commissão entende que a geropiga deve pagar 5 réis por litro, diga isso a lei; mas o que não deve é pagar em caso nenhum um imposto em que não está tributada legalmente.

Não posso deixar de protestar contra este systema de ampliar as leis tributarias, e entendo que quando tal caso se desse em paiz onde o systema constitucional fosse seriamente observado, os ministros que approvaram as decisões fiscaes, seriam accusados e punidos. N'este paiz pretende-se elevar o abuso á altura de lei.

O sr. J. Pinto de Magalhães: — Requeiro que se consulte a camara sobre se a materia está discutida.

Julgou-se discutida.

Posto a votos o parecer, foi logo approvado.

A proposta do sr. Mariano de Carvalho foi rejeitada.

O sr. Presidente: — Continua a discussão do projecto de lei n.º 8, ácerca dos bancos.

Tem a palavra sobre a ordem o sr. Adriano Machado.

O sr. Adriano Machado: — Sr. presidente, depois da larga discussão que tem havido sobre este projecto, não me atreveria a usar da palavra se não tivesse de apresentar a questão sob um aspecto que ainda não foi considerado pela camara.

Não leio, porém, immediatamente a substituição que me proponho a mandar para a mesa, porque v. ex.ª bem conhece que não devo merecer a attenção de nenhum dos lados da camara emquanto estiver pendente a insinuação que fez encerrar tumultuariamente a sessão de hontem (apoiados).

V. ex.ª estará lembrado de que o sr. presidente do conselho, talvez sem o querer, accusou a minoria de ser de algum modo inclinada aos desatinos da communa (muitos apoiados).

Não me julgo auctorisado para representar as opiniões de nenhum dos grupos d'esta casa; mas o que posso com toda a segurança affirmar em nome tanto da maioria como da minoria, é que não ha aqui um só deputado que não reprove e não condemne com todas as suas forças as doutrinas dos communistas (apoiados), dos incendiarios (apoiados), dos assassinos, dos atheus (apoiados), dos inimigos do genero humano e da civilisação, que por egoismo, ou seja cubica ou seja ambição de celebridade, procuram quebrar todos os laços sociaes. Não está aqui ninguem que não abomine taes doutrinas (apoiados geraes).

O sr. presidente do conselho não quiz de certo fazer-nos uma insinuação d'estas, porque era preciso ser falto de consciencia para attribuir a qualquer de nós a mais leve sombra, não direi já de cumplicidade, mas nem sequer de condescendencia com os promotores de tão repugnantes brutalidades (muitos apoiados).

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A camara está mostrando bem claramente que representa o sentimento de todos, protestando contra qualquer insinuação que nos possa ser dirigida n'este sentido (apoiados).

Faço justiça ao sr. presidente do conselho declarando que as phrases ou mal pensadas, ou mal interpretadas que proferiu, não traduziam a intenção de s. ex.ª; mas tambem é justo concordar em que palavras com o sentido que se lhes attribuiu não podiam ser ouvidas (apoiados), e que se ha cousa que faça honra á camara, foram os protestos energicos que de toda a parte se levantaram (apoiados).

Ainda que inimigos, como os que deveras o são, das doutrinas communistas, queremos a liberdade da discussão até para ellas; porque confiamos na nossa força para as combater com rasão; porque queremos que o erro, se o ha, appareça onde possa ser vencido pela verdade, em vez de se esconder nas trevas e lavrar subterraneo sem discussão, isto é, sem contradicção até ao momento da explosão terrivel (apoiados).

O sr. Presidente: — Depois do sr. deputado ter feito essa exposição, permitta-me que lhe diga que o sr. presidente do conselho não está presente.

Uma voz: — Está nos corredores.

O sr. Presidente: — Não está na sala, e na sala é que se discute.

O sr. Ministro da Fazenda: — Está o governo.

O Orador: — Diz o sr. Carlos Bento que está o governo; mas eu não proferi nenhuma palavra offensiva ao sr. presidente do conselho...

O sr. Presidente: — Não, senhor. Pelo contrario. O sr. deputado não disse palavra nenhuma offensiva. Eu fiz esta observação simplesmente a bem da ordem dos trabalhos. V. ex.ª repelliu aquillo que lhe pareceu uma phrase menos bem pensada, ou talvez um erro de interpretação (apoiados). Depois d'isso podemos entrar na discussão do projecto, e logo continuará a discussão d'esse ponto.

O Orador: — Entro já na materia, nem discuto este ponto. Eu queria só estabelecer o estado da questão. A medicina do sr. presidente do conselho recolhe a molestia ao interior, e nós queremos que ella venha toda á peripheria. Qual d'estes dois methodos de therapeutica social é melhor? Esta é que é a questão.

O sr. Luiz de Campos: — O melhor é o legal.

O Orador: — Ora estabelecida a opinião da minoria, se é que ella não é tambem da maioria, peço a benevolencia da camara para as poucas considerações que passo a fazer sobre o projecto.

Na sessão passada, quando aqui veiu um projecto analogo a este com as emendas da camara dos dignos pares, que acrescentára algumas isenções ás isenções que contra a minha opinião já tinham sido aceitas por esta casa, declarei a rasão por que não o podia, approvar. A rasão era porque não tinhamos poderes para admittir nenhuma isenção e nenhum privilegio. Um paragrapho constitucional da carta diz que ninguem será isento de contribuir para as despezas do estado na proporção dos seus haveres. Esta disposição não póde ser alterada nem revogada pelo poder legislativo ordinario. Logo as isenções que vem n'este projecto, como as que vinham no do anno passado, são outras tantas violações d'aquella disposição constitucional (apoiados).

Outro paragrapho tambem constitucional diz que a lei será igual para todos, e este projecto não é igual.

Outro paragrapho tão constitucional como os precedentes aboliu todos os privilegios. Este projecto admitte uns poucos de privilegios. Portanto é illegal, e ainda que seja convertido em lei, não deve ser cumprido. Nas nações como a Inglaterra, onde está admittida a omnipotencia parlamentar, as camaras podem legislar sem nenhuma restricção. Nas nações, porém, como é a nossa, em que o poder legislativo constituinte é diverso do poder legislativo ordinario e superior a este, as côrtes geraes não têem faculdade legal para alterar a carta, e, quando o façam, o poder judicial deve, nos casos especiaes que forem objecto de controversia judiciaria, fazer prevalecer a lei fundamental. Este principio não é conhecido da constituição ingleza, porque n'esta não ha differença entre o poder constituinte e o legislativo; mas está admittido na constituição dos Estados Unidos da America. Aqui o poder judicial é independente, como entre nós, e igual, dentro da sua esphera, ao poder legislativo. Nenhum d'elles póde faltar á constituição, que é a fonte de ambos, e em caso de conflicto entre a lei das côrtes geraes e a lei fundamental, esta, que não póde ser revogada por aquella, é a que deve prevalecer.

Entendi, pois, e entendo, que toda a lei que nós fizessemos no sentido d'esse projecto, era inutil e nulla. Portanto não admitto privilegio nenhum, nem ainda o que se diz protegido por contrato oneroso. Sustentei, ha cerca de seis annos, esta mesma doutrina, n'um artigo a que outro dia alludiu o meu amigo o sr. Rodrigues de Freitas.

É portanto uma opinião muito antiga no meu animo. E não mostrei só a illegalidade e portanto a nullidade dos privilegios de isenção de imposto, senão a de todos e quaesquer privilegios concedidos aos bancos pelo poder legislativo. O sr. Rodrigues de Freitas julgou haver alguma exageração n'esta doutrina, e entende que as côrtes podem conceder privilegios por utilidade publica. O respeito que merecem as opiniões do illustre deputado, e o exemplo de privilegios concedidos em varias leis, referendadas por homens eminentes de todos os partidos, obrigam-me a chamar a attenção da camara para o art. 145.° § 15.° da carta constitucional, em cujas palavras ha até uma redundancia, como se o seu auctor tivesse previsto a serie de abusos, para que as assembléas legislativas se deixam arrastar.

O § não diz que ficam abolidos todos os privilegios, excepto os de utilidade publica. Não diz tal. O que diz é: «Ficam abolidos todos os privilegios que não forem essencial e inteiramente ligados aos cargos por utilidade publica».

Assim o direito de julgar, por exemplo, é um direito que não o póde ser exercido por todos, mas só pelos magistrados. É um privilegio tão essencial e tão inteiramente ligado ao cargo do juiz, que se não fosse elle, não existiria o cargo. Ha outros privilegios que, a mesma carta julga essenciaes aos cargos. Tal é o de não poderem continuar os processos crimes contra os deputados, sem auctorisação da respectiva camara, privilegio de que se tem abusado muito, mas que a constituição entendeu que era preciso para manter inviolavel a independencia dos representantes do povo contra qualquer attentado do poder executivo ou contra as intrigas das facções. O anno passado sustentei este privilegio, e ainda o sustento apesar dos abusas quotidianos a que tem dado causa. Está na carta e no espirito do § 15.° do artigo 145.°, por ser essencial ao desempenho do cargo.

O sr. Presidente: — Vejo-me forçado a pedir mais uma vez á camara attenção para o que se discute, porque havendo esta conversa continuada, não póde ouvir-se na mesa o que se diz.

O Orador: — Disse quaes são os privilegios que a carta admitte. São unicamente os essenciaes aos cargos publicos, e o privilegio dos novos inventos de que falla n'outro logar para garantir ao inventor a propriedade das suas descobertas. Todos os mais foram abolidos, e não podem ser restabelecidos nem creados, sejam quaes forem as apparencies de utilidade publica que os recommendem.

Qualquer contrato, pois, em que se estipule um privilegio, é um contrato nullo, de nullidade insanavel, porque, como diz no artigo 10.º o codigo civil reproduzindo um principio de direito muito antigo, são insanavelmente nullos os actos contrarios ás leis de ordem e interesse publico, e não ha nada tanto da ordem e interesse publico como são as leis constitucionaes (apoiados). N'outro artigo diz o mesmo codigo que a nullidade da condição por impossibilidade

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legal produz a nullidade da obrigação que d'essa condição dependia. Já a camara vê que não posso de fórma alguma respeitar a clausula do contrato em que se estipula um privilegio, e que portanto é dever nosso eliminar a excepção que vem no artigo 1.° do projecto (apoiados).

Esquecia-me ainda outro argumento que leva á mesma conclusão. Assim como os direitos absolutos do homem são inalienaveis, assim tambem o são as funcções dos poderes constitucionaes. Estas não podem fazer objecto de nenhum contrato: não podem ser vendidas nem trocadas nem por qualquer outra fórma alienadas. As camaras não podem despojar-se do direito de legislar, nem do direito de votar impostos segundo a riqueza dos cidadãos e as necessidades do estado. Logo todo o acto, pelo qual o parlamento se obriga a não tributar qualquer companhia, não póde produzir obrigação nenhuma.

Tem-se chamado a este projecto de lei projecto de extincção dos privilegios dos bancos. É um titulo que elle não merece. É facil demonstrar que, longe de extinguir os privilegios, os cria e robustece (apoiados).

Uma cousa é isenção de imposto, outra cousa é privilegio de isenção de imposto. Assim, por exemplo, quando a lei diz que ficam livres da contribuição predial nos primeiros dez annos as terras incultas reduzidas á cultura, concede uma isenção, mas não um privilegio, porque é uma lei geral, de que se podem aproveitar todos os cidadãos que cultivarem terrenos incultos. Assim tambem quando todos os bancos gosam da isenção de impostos, não ha um privilegio, porque todos os cidadãos que se associarem para a constituição de companhias bancarias ficam sob a mesma protecção da lei. Tanto isto foi presentido pelos legisladores, que concedendo estas isenções aos bancos existentes, as restringiram ao tempo da duração de isenção analoga que fôra outorgada ao banco de Portugal. Assim as leis tiraram á isenção de que gosava este banco o caracter de privilegio.

Agora o projecto que estamos discutindo é o que vem conceder a uns o que nega a outros. O nome portanto que elle merece é o de «projecto que cria privilegios de isenção de impostos».

Todo o privilegio tem o mau effeito de um tributo, sem ter as suas vantagens (apoiados). Na verdade se se isenta de imposto um certo emprego do capital, os capitaes que até então andavam animando outros ramos de trabalho vão procurar a collocação privilegiada, se os devedores que os traziam não offerecerem um supplemento de juro que compense o credor da isenção que gosaria na empreza não tributada. Este supplemento de juro é pois como um imposto, com a triste differença de entrar no bolso de particulares, em logar de reverter em beneficio da sociedade. Assim este projecto lança ás companhias, que não mereceram os seus favores, dois impostos, um que vae para o estado, outro que vae para os accionistas das companhias favorecidas. O valor das acções das primeiras soffre dois desfalques, um proporcionado ao imposto legal, outro proporcionado ao privilegio illegitimo.

Sr. presidente, depois de mostrar a illegalidade constitucional das isenções comprehendidas no projecto que se discute, parece-me que é uma especie de profanação estudar o projecto por outro lado. É como se um juiz, depois de se declarar incompetente, entrasse no conhecimento da questão. Se não temos poderes para approvar este projecto, claro está que não devemos approva-lo (apoiados).

Todavia entrarei rapidamente na questão da conveniencia.

O que se não póde negar é que a suppressão de todas as isenções augmenta a receita publica. A conveniencia fiscal está portanto bem conhecida, nem me parece que o projecto como está dê o rendimento em que o outro dia o calculou o sr. ministro da fazenda (apoiados).

Examinemos, porém, os argumentos com que se intenta justificar cada uma das excepções.

A favor das obrigações do credito predial diz-se que o imposto que se lançar sobre ellas não vae pesar sobre o capitalista, mas sim sobre o proprietario.

A isto respondo em primeiro logar, que em 31 de dezembro de 1870 estavam em circulação mais de réis 6.400:000$000 de obrigações, quasi todas do juro de 6 por cento, porque apenas 130:000$000 réis eram de 5 por cento. Hoje aquella cifra deve subir a perto de 7.000:000$000 réis. Portanto os juros devem montar de 360:000$000 a 400:000$000 réis. Logo o imposto sobre os juros d'estas obrigações, sem entender nada com os proprietarios, visto que já estão em poder dos capitalistas, renderia de 36:000$000 a 40:000$000 réis. Vê-se, pois, que a opposição que fizemos na sessão passada, e que ora continuâmos a fazer a este projecto, vale pelo menos 40:000$000 réis por anno. Uma opposição d'estas não póde ser condemnada pelo paiz apoiados).

Em segundo logar, permitta-se-me repetir o argumento que já aqui produziu o sr. Barros e Cunha, unico argumento que repetirei, sem que por isso se entenda que nego a minha approvação a qualquer dos outros com que foram impugnadas diversas isenções do projecto. O argumento é que se o imposto vae pesar todo sobre o proprietario empenhado, e não sobre o capitalista, então a justiça pede que se isentem da decima de juros todos os emprestimos hypothecarios. A isto não se respondeu nem póde responder-se.

Em terceiro logar, a isenção não aproveita tanto como se suppõe aos futuros mutuatarios, porque ninguem póde dar ao capitalista a certeza de que esta isenção será mantida sempre, e não será revogada para o anno que vem. Receiando que ella seja retirada, o capitalista vae-se segurando, e abate no preço da obrigação a quantia correspondente ao encargo de que se teme. Assim elle irá levantando sobre o proprietario a somma respectiva ao imposto provavel, e o proprietario pagará o imposto não ao estado, mas ao credor (apoiados). Aqui está o que são os privilegios: verdadeiros tributos sem a rasão que os justifica, que é o bem da communidade (apoiados).

Em ultimo logar, se é o proprietario empenhado aquelle que deveras se deseja favorecer, então façamos-lhe o serviço directo. Abatamos lhe no rendimento collectavel da propriedade hypothecada uma quantia igual ao juro que paga.

Isto, sim, que era justiça direita. Se eu tomo a juro de 6 por cento a quantia de 10:000$000 réis para construir uma casa que me dá um 1:000$000 réis de renda, é claro que o meu rendimento collectavel é apenas de 400$000 réis, porque os outros 600$000 réis são rendimento do meu credor. Pague eu a decima dos meus 400$000 réis, e pague-a elle dos seus 600$000 réis. Façamos assim, e não alleguemos a compaixão pelos proprietarios, para favorecer os interesses de associações poderosas (apoiados).

A respeito da companhia das aguas, o que se tem dito é bastante para provar de um modo irrefutavel, na minha opinião, que as suas obrigações devem ser tributadas como as de outra qualquer companhia.

Util por util todas as companhias o são; mas se esta não póde com os seus fundos dotar a cidade de Lisboa com um beneficio de tanta importancia como é o abastecimento das aguas, vamos tambem pelo caminho direito, e concedamos, lhe uma subvenção, mas só depois de se verificar por um minucioso inquerito que sem esta subvenção a companhia não póde desempenhar a util missão a que se propoz (apoiados). Mas estes meios indirectos a que se costuma recorrer sem conhecimento de causa, estas rasões vagas com que se costumam justificar todas as sem rasões, não podem ser admittidos pela camara (apoiados).

Para defender a isenção concedida ao banco ultramarino, allega-se que os capitaes não vão para as colonias, e que é preciso convida-los por meio da isenção. D'aqui estava eu concluindo que todos os estabelecimentos bancarios deviam ser alliviados do imposto pelas operações que realisassem no ultramar. Mas nada. O favor é só para o banco ultramarino. E é notavel que emquanto nós dizemos agora que os capitaes não se inclinam para as colonias, o banco ultra-

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marino teve tanto medo á affluencia dos capitaes nas nossas provincias de alem mar, que exigiu um privilegio de quinze annos para fundar n'ellas instituições bancarias (apoiados).

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Com um subsidio de 30:000$000, réis.

O Orador: — É verdade. Ainda por cima com um subsidio de 30:000$000 réis.

Na minha opinião todos os privilegios, todos sem uma unica excepção, devem ser abolidos. Mas como esta questão não é só uma questão de fazenda, não devo alterar a indole da discussão, e por isso me limito ao privilegio de isenção de impostos na substituição que vou ler. É a seguinte (leu.)

No artigo 4.° procurei evitar toda a duplicação do imposto.

Ainda tencionava apresentar outra moção de ordem. Não a apresento por ora; mas digo que o seu fim era pedir que este projecto não fosse votado sem que o sr. ministro da guerra retirasse umas propostas que trouxe á camara, e que augmentam inutilmente a despeza (apoiados).

Não sou competente para fallar sobre a parte technica de algumas d'estas propostas, porque não tenho estudado as cousas militares senão pelo lado administrativo; mas quem se occupa da administração publica, tem o direito e a necessidade de aceitar as conclusões a que chegaram os homens da profissão.

Em diversas publicações militares da Inglaterra tenho visto censurar o governo inglez por ter querido aproveitar as espingardas Enfield por meio de uma conversão que, ficando muito cara, não é sufficiente para as pôr a par das espingardas do systema de Martini-Henry, que já não é o modelo mais perfeito.

O capitão Drake, comparando a espingarda de Martini-Henry com a de Snider Enfield, achou os seguintes resultados:

1.° A penetração a 700 jardas (640 metros), é quasi igual á de Enfield a 350 jardas.

2.° A certeza do tiro a 1:000 jardas (914 metros), é igual á de Enfield a 600 jardas.

3.° A sua rapidez é igual ao duplo da de Snider e ao quintuplo da de Enfield.

E conclue que 5 homens com as armas de Martini-Henry produzirão o dobro do effeito de 10 homens armados com as espingardas de Snider.

Os mais eminentes engenheiros inglezes consideram como um desperdicio dos dinheiros publicos toda a tentativa da conversão das espingardas Enfield. Na sua opinião me fundo para condemnar tambem como desperdicio a quantia de 60:000$000 réis que o sr. ministro da guerra se propõe gastar na conversão das espingardas Enfield nas do systema de Snider-Barnett. Gastar tanto dinheiro para ficarmos com uma arma peior da que podem trazer os nossos inimigos, não póde ser boa administração.

Tambem me não parece aceitavel um augmento de despeza com os officiaes do exercito. Este augmento importa em 20:000$000 réis, segundo os calculos do sr. ministro da guerra. A attitude que a nação tem imposto ás camaras nos ultimos annos, obriga-me, e creio que nos deve obrigar a todos nós, a oppormo-nos a qualquer augmento de despeza, por pequeno que seja, que não for muito e muito justificado (apoiados).

Vem sempre o argumento de que a vida está cara e que os ordenados são diminutos. É verdade, mas é uma verdade commum a todo o funccionalismo. A vida está cara para todas as classes da saciedade. Quando o mal é geral cumpre que sofframos cada um a nossa parte, o que não aggravemos as penas dos outros.

Sem ir mais longe temos diante de nós exemplos vivos na repartição tachygraphica, que padeceu muito com as reformas que se fizeram. Ha ali empregado a quem tiraram 480$000 réis nos seus vencimentos, e ainda teve o desconto de 15 por cento do ordenado que lhe deixaram. Resignou-se, e sem nenhum despeito continuou a fazer o serviço com a mesma perfeição com que d'antes o fazia (apoiados.)

Resistamos a todas as tentativas de augmentar as despezas, e resistamos com perseverança e com tanta energia, que os srs. ministros não possam ter nem sequer a lembrança de trazer á camara qualquer proposta que tenda a aggravar, sem motivo especial e muito attendivel, os encargos do thesouro (apoiados).

O sr. ministro da guerra, para attenuar o mau effeito das suas propostas, falla-nos n'umas economias serias que tenciona realisar no seu ministerio. Assim será, mas por ora o que é serio é a despeza. Economias ainda não vimos nenhumas. Diz-se lá por fóra que só na padaria militar se pouparão 100:000$000 réis. Bom será que se elimine qualquer desperdicio, se o ha; mas desconfio muito d'esta economia. No tempo de D. João de Castro dizia-se, que primeiro comiam os soldados o soldo do seu governador do que o salario do seu rei. Não se vá dizer agora, que comem os officiaes, ao mesmo tempo, o soldo da nação e o pão dos seus soldados. (Vozes: — Muito bem.)

Desejo que o projecto que se discute não seja votado emquanto se não retirarem aquellas propostas, porque nenhum tributo é justo senão quando a sua applicação é conveniente. Nós não podemos lançar impostos ao paiz, quando vemos aberto, diante de nós, o sorvedouro que os ha de tragar (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

Substituição

Artigo 1.° São nullos, por contrarios á carta constitucional da monarchia portugueza, e como taes ficam abolidos da data d'esta lei em diante, todos os privilegios de isenção de imposto, embora taes privilegios fossem concedidos em lei votada pelas côrtes geraes.

Art. 2.° Os estabelecimentos bancarios, sociedades anonymas e companhias ficam sujeitos á contribuição unica de 5 por cento dos juros e lucros que houverem desde a publicação d'esta lei em diante.

§ unico. São comprehendidos nas disposições d'este artigo os juros e lucros dos bancos, companhias e sociedades anonymas estrangeiras de qualquer especie e natureza com relação ás operações e transacções que esses estabelecimentos fizerem em territorio portuguez, na conformidade das disposições da carta de lei de 22 de junho de 1867.

Art. 3.° Na contribuição de que trata o artigo antecedente será descontada a importancia da contribuição predial, da decima de juros, do imposto sobre as obrigações de outras companhias ou sociedades, e bem assim a importancia de quaesquer impostos addicionaes sobre as referidas contribuições pagas ao thesouro portuguez pelos respectivos bancos, companhias e sociedades anonymas.

Art. 4.º Os juros das obrigações de quaesquer bancos, companhias e sociedades anonymas nacionaes ou estrangeiras ficam sujeitos, desde a publicação d'esta lei em diante, á contribuição unica annual de 5 por cento quando os ditos juros forem pagos no continente do reino ou ilhas adjacentes.

§ unico. Não se consideram obrigações para os effeitos d'esta lei as letras a praso de menos de um anno, as quaes todavia ficam sujeitas ao sêllo legal.

Art. 5.° No anno economico de 1871-1872 as contribuições de que tratam os artigos 2.° e 4.° d'esta lei serão extraordinariamente de 10 por cento.

Art. 6.º Fica revogada a legislação em contrario.

Sala das sessões, 26 de agosto de 1871. = O deputado por Penafiel, Adriano de Abreu Cardoso Machado.

Foi admittida e ficou conjunctamente em discussão.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. presidente do conselho de ministros para continuar o seu discurso.

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O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez d'Avila e de Bolama): — Eu julgo dever dar uma explicação á camara sobre um incidente que se deu hontem, quando v. ex.ª interrompeu a sessão, porque vi que se interpretaram mal as palavras que eu pronunciei.

Eu disse as seguintes palavras «não espero que haja na camara quem defenda a communa.»

Muitas vozes: — É verdade, foi o que disse.

Outras vozes: — Não foi.

O Orador: — Eu assevero que disse hontem na camara, antes da interrupção da sessão «não espero que haja na camara quem defenda a communa». É evidente que esta phrase em logar de ter referencia a algum membro da camara, era a demonstração de que eu não acreditava que houvesse na camara quem defendesse a communa.

Insistiu-se, e infelizmente ainda se insiste agora, em que eu disse o contrario. Aqui estão as notas tachygraphicas sem a menor correcção, e a tachygraphia diz o seguinte: «Não espero que haja na camara quem tenha a coragem de defender a communa.»

(Ápartes de differentes srs. deputados.)

Eu não respondo a estas interrupções, mas v. ex.ª comprehende que ellas não podem agradar-me.

Supponhamos mesmo que eu tinha dito «não esperava» (muitos apoiados).

O sr. Barros e Cunha: — Apoiado, apoiado, muito bem.

O Orador: — Mas não disse. Aqui está um jornal que é insuspeito, porque sempre me aggride violentamente: é o Jornal do commercio. É que diz o extracto da sessão de hontem publicado n'este jornal a este respeito? Diz: «o orador disse que não estava em discussão a communa, mas que era licito alludir a ella, e não espera que haja na camara quem tenha a coragem de defender a communa».

Não comprehendo como os illustres deputados querem substituir por força a sua auctoridade á auctoridade da tachygraphia e á auctoridade insuspeita d'este jornal, que, torno a dizer, não póde ser taxado de parcialidade a meu favor.

Aqui está, pois, repito, o que se lê no Jornal do commercio.

O sr. Luiz de Campos: — Não me guio pelo jornal.

O Orador (largando o Jornal do commercio e pegando nas notas tachygraphicas): — Pois então aqui estão as notas tachygraphicas, que dizem precisamente o mesmo (leu).

A camara ouviu o que escreveu a tachygraphia e o que escreveu o Jornal do commercio, que me tem combatido sempre.

O sr. Luiz de Campos: — Essas notas não são exactas.

O Orador: — Não são exactas?

O sr. Luiz de Campos: — Não são.

O Orador: — O paiz apreciará (apoiados). Hontem requeriam-se as notas tachygraphicas para provar que eu tinha corrigido um discurso meu, e eu podia pedir, e não pedi, as de todos os que corrigem os seus discursos e usam d'essa faculdade em larga escala; hoje as notas tachygraphicas já não servem para provar cousa nenhuma! (Apoiados.) Qual é então o testemunho que se póde invocar? Repito, hontem pediam-se as notas tachygraphicas do meu discurso, para provar que eu tinha emendado esse discurso, logo as notas tachygraphicas faziam auctoridade; hoje as notas tachygraphicas não fazem auctoridade nenhuma! (Apoiados.) Aqui só faz auctoridade quem guerreia, e guerreia violentamente governo! (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Eu estou ainda respondendo ao sr. visconde de Moreira de Rey, e felizmente parece-me que não tenho já muito que occupar-me do discurso de s. ex.ª a meu respeito.

O sr. Telles de Vasconcellos, na resposta que deu ás arguições que lhe foram feitas pelo illustre deputado por Aveiro, referiu-se a alguns actos da dictadura no tempo em que este illustre deputado era ministro, e o sr. visconde de Moreira de Rey julgou que o meio de responder cabalmente a estes argumentos era assegurar que eu tinha sido um dos maiores sustentaculos da dictadura.

S. ex.ª equivocou-se. Eu confesso que sou amigo do sr. duque de Saldanha, e que desejava ajudar o nobre marechal a saír airosamente das difficuldades que o cercavam; mas defender a dictadura nunca o fiz, nem a aconselhei, nem em qualquer occasião que tivesse pretexto para o fazer o fiz (apoiados); a minha opinião é contraria á dictadura, nunca deixei de o manifestar (apoiados).

Desejava fazer esta rectificação para que se não entendesse que eu defendi ou aconselhei a dictadura ao sr. duque de Saldanha. Até mesmo n'esse tempo as minhas relações com os ministros eram fraquissimas; não ha um só, comprehendendo o nobre presidente do conselho de ministros d'essa epocha, que possa gabar-se de que subi as suas escadas para lhe pedir, alguma cousa...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Em casa do sr. Dias Ferreira o vi eu mais de uma vez.

O Orador: — Viu-me mais de uma vez em casa do sr. Dias Ferreira?

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Vi.

O Orador: — Está enganado completamente. Se me viu em casa do sr. Dias Ferreira mais de uma vez foi n'outro tempo, e nunca para lhe pedir alguma cousa como ministro. Está perfeitamente enganado.

Entrarei, e já não é cedo, na questão da eleição de Arganil.

O sr. visconde de Moreira de Rey accusou-me acerbamente de eu não ter tomado a palavra para me defender das accusações que me tinham sido feitas a este respeito; mas v. ex.ª e a camara sabem, que n'um discurso que durou, ou occupou, quatro sessões, foi um dos cavalheiros, que não sei se está presente, que é membro d'esta casa, altamente aggredido accusando o de ter enganado o governo com informações falsas e calumniosas. São as expressões que foram empregadas.

O sr. visconde de Moreira de Rey disse muitas vezes que o paiz estava horrorisado com estes crimes e com estas informações falsas e calumniosas. Os illustres deputados, que tinham assim insultado o governador civil de Coimbra, não podem deixar de reconhecer que elle tinha, mais do que ninguem, necessidade de responder a estas accusações.

Estou traduzindo as arguições que foram feitas, e traduzindo as nos termos em que s. ex.ª as proferiu, para mostrar a importancia que tinham essas arguições.

O illustre deputado pela Guarda tinha por consequencia necessidade de responder a censuras que lhe eram pessoaes, e eu não havia de privar o homem, que me tinha feito a honra de aceitar de mim um cargo de confiança, da possibilidade de se defender. Entendi, por consequencia, que o illustre deputado ex-governador civil de Coimbra devia ter logo a palavra, e reservei-me para a tomar depois d'elle. E o que estou fazendo. E tanto eu tinha interesse em tomar a palavra, que pedi hontem a v. ex.ª que me permittisse entrar n'este debate, porque uma certa discussão sobre assumpto muito differente que aqui se levantou podia dar em resultado que se não entrasse na segunda parte da ordem do dia. Tal era o medo que eu tinha de entrar n'este debate!

O illustre deputado acrescentou que — os crimes praticados na eleição de Arganil tinham ainda contra o governo a circumstancia aggravante de serem praticados com premeditação.

E quaes foram as provas que apresentou d'esta grave accusação? Primeiramente, que eu sabia que o administrador do concelho de Arganil era fundador de um jornal O Trovão da Beira, e que não o tinha demittido por isso; em segundo logar, que eu sabia que o administrador do concelho tinha declarado que estava resolvido a recorrer á força, e que em logar de o ter eu demittido por isso, tinha posto á sua disposição uma grande força para elle levar por diante a sua ameaça.

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A esta demonstração hei de eu responder cabalmente, e parece-me que hei de levar á ultima evidencia que nem uma nem outra accusação tem o menor fundamento.

O sr. Dias Ferreira occupou a camara durante quatro sessões, e com a unica differença da extensão do seu discurso não fez senão a repetição de outro discurso que s. ex.ª aqui pronunciou em 1860.

S. ex.ª veiu á camara pela primeira vez em 1860, por Arganil, e, quando se discutiu essa eleição, disseram-se a respeito d'ella exactamente as cousas que s. ex.ª sustenta que tiveram logar agora na eleição a que se procedeu n'esse circulo.

O sr. Henriques Secco sustentou que para a eleição de Arganil tinha aquelle collegio sido occupado militarmente; que se tinha empregado o terror com os aboletamentos; que se tinha empregado o terror com ameaças do recrutamento; que se tinham corrompido os eleitores com offertas de empregos, e mais alguma cousa do que isso, com offertas de dinheiro.

Estas graves accusações não foram respondidas pelo illustre deputado, que, é verdade, não estava então na camara; mas que, quando veiu aqui, em logar de se occupar em lhes responder, o que fez foi ajustar contas com os empregados d'esse tempo, que, dizia s. ex.ª, o tinham combatido.

Pois parece-me que tão regular era que s. ex.ª provasse que na sua eleição não tinha havido as atrocidades que o sr. Henriques Secco sustentava que se tinham dado; parece-me que isso era tão regular como vir aqui queixar-se acerbamente das auctoridades judiciaes, porque n'esse tempo foram as auctoridades judiciaes que combateram s. ex.ª Agora foi o contrario; agora é a auctoridade administrativa de quem s. ex.ª vem queixar-se. A differença está unicamente n'isto.

Em 1860 s. ex.ª veiu aqui pedir que se fizesse uma syndicancia rigorosa ao juiz de direito de Arganil, que o tinha guerreado, e que fosse transferido, apesar de não ter acabado o quadriennio. É verdade que esse magistrado, como disse, ainda não tinha acabado o quadriennio, mas s. ex.ª explicava isso muito bem, porque para a syndicancia era necessaria a transferencia.

Ora, ainda que o sr. deputado pela Guarda leu já esse discurso, eu entendo que elle lança uma tal luz sobre este debate, sobre as pessoas que representaram n'esta eleição, agora a favor do illustre deputado, e então contra s. ex.ª, que não tenho remedio senão chamar de novo a attenção da camara para uma parte d'este mesmo discurso.

O sr. deputado dizia então:

«O juiz de direito de Arganil veiu coroar a obra da desanimação dos povos a respeito da perseguição dos criminosos de Midões, propondo para seus substitutos os intimos amigos e mais decididos protectores dos criminosos, em cujo facto os povos vêem, e com rasão, uma protecção manifesta aquelles malfeitores. Dois d'estes substitutos nunca tomam conta das varas, e os outros dois são altamente suspeitos de parcialidade a favor de João Brandão. Um d'elles, que é o sr. Antonio Ferreira Pinto, de Pomares, é o maior amigo de João Brandão».

Este homem, que agora é um homem honrado, que é bacharel formado, e que foi victima da perseguição da auctoridade administrativa, recebeu então de s. ex.ª a injuria de ser considerado como amigo intimo dos Brandões.

(Lendo.) «Um d'elles, que é o sr. Antonio Ferreira Pinto, de Pomares, é o maior amigo de João Brandão; entram em casa um do outro com tanta confiança que até se tratam por tu, convivencia esta que faz desesperar os povos de que a auctoridade judicial tenha boa vontade de perseguir aquelle malfeitor, e assim não se animam a fazer lhe uma guerra aberta e declarada.»

Dizia-o o sr. Dias Ferreira em 1860. Em 1871 são altamente criminosas as auctoridades que dizem o mesmo.

«O outro substituto, que é o sr. José Joaquim Jorge, de Arganil, protege-os tão decididamente que deu fiança a um co-réu de João Brandão, aquelle sobre quem pesavam circumstancias mais aggravantes no delicto do homicidio do ferreiro de Varzea, porque foi o administrador que acompanhou e guiou os malfeitores que assassinaram o ferreiro.»

Este sr. José Joaquim Jorge é ainda hoje primeiro substituto, e o illustre deputado por Guimarães creio que já declarou que era um homem honrado (apoiados).

Muito bem. Isto prova que nem sempre as informações que deu o illustre deputado por Aveiro, com toda a convicção de serem verdadeiras, o são. Isto prova que s. ex.ª muitas vezes se engana, como se enganou a respeito d'este cavalheiro, que em 1860 veiu declarar ser um juiz em quem não podia haver confiança por ser amigo dos Brandões.

Este cavalheiro é ainda hoje substituto, e os apoiados que os illustres deputados acabam de me dar provam que elle é um homem de bem. Parece-me que, se elle é hoje um homem de bem, tambem o era em 1860; no entanto n'esse tempo não merecia este conceito ao illustre deputado a quem me refiro. Talvez ainda venha um dia, e isso não ficará mal a s. ex.ª, em que o veja elogiar o desgraçado administrador de Arganil, a quem fez as mais graves accusações.

Torno a ler:

«Outro substituto, que é o sr. José Joaquim Jorge, de Arganil, protege-os tão decididamente que deu fiança a um co-réu de João Brandão, aquelle sobre quem pesavam circumstancias mais aggravantes no delicto do homicidio do ferreiro de Varzea, porque foi o administrador que acompanhou e guiou os malfeitores que assassinaram o ferreiro.»

Isto não póde ser verdade. O illustre deputado estava enganado quando disse isto, quando disse que este homem, sendo administrador do concelho, foi acompanhar os malfeitores que assassinaram o ferreiro da Varzea, e que é hoje juiz substituto de Arganil. Hoje declara-se aqui, que é um homem de bem, um homem honrado, e o illustre deputado não o contesta!

Isto tudo prova que o illustre deputado, com as melhores intenções, se podia enganar altamente nas apreciações que aqui vem fazer de funccionarios publicos a quem s. ex.ª fez accusações acerbas, e annos depois prova que são homens de bem, e os declara seus amigos intimos, como este cavalheiro.

O sr. Antonio Pinto Ferreira de Pomares, de quem o sr. Van-Zeller n'uma carta que vou ler á camara fallou nos seguintes termos:

«O prisioneiro politico, que nos queria honrar com a sua influencia eleitoral no concelho de Arganil, esteve fóra da acção da lei mais de quatro dias.»

É o mesmo homem que em 1860 o sr. Dias Ferreira accusava de ser um amigo intimo dos Brandões!

O sr. Van-Zeller: — Não tenho nada com 1860.

O Orador: — Tenho eu.

O sr. Van-Zeller: — Eu referi-me aos documentos.

O Orador: — Estou confrontando depoimento com depoimento, e a camara julgará.

No mesmo numero do Partido Constituinte, em que vem a carta do sr. Van-Zeller, vem outra do sr. Antonio Ferreira Pinto de Abreu, em que chama ao sr. Dias Ferreira o seu ex.mo e bom amigo, a quem queria amortisar uma divida de amisade e gratidão.

Não era de certo a divida de 1860; era outra divida.

Vozes: — Muito bem.

É uma cousa que s. ex.ª fez contra a lei, é a sua nomeação de fiscal dos tabacos em Coimbra; o que não podia ser, porque esse empregado não estava nas circumstancias de ser nomeado em vista da lei.

Fez-se aqui uma grande accusação, uma accusação gravissima em 1860, ao juiz de direito de Arganil, e de envolta com elle a accusação a mais tremenda a dois dos seus substitutos. Um d'elles, que era amigo intimo então dos Brandões, a ponto de se tratarem por tu, é hoje tambem amigo

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intimo do sr. Dias Ferreira, e lhe mereceu o favor de o nomear fiscal dos tabacos; que é exactamente um emprego em que este cavalheiro não tem occasião nenhuma em que possa delinquir! O outro, que é tambem hoje juiz substituto, está declarado homem de bem, e não podia por consequencia em 1860 ter sido malfeitor de tal força, que guiasse os individuos que foram assassinar o pobre ferreiro da Varzea, como foi affirmado pelo sr. Dias Ferreira.

Fui accusado de não ter mandado os documentos á camara, quando me foram pedidos, e só os ter mandado quando me foram arrancados violentamente. Foi a phrase que aqui se empregou.

Fui accusado de ter tido conhecimento a 7 de julho da soltura do regedor e não ter demittido o administrador do concelho.

Fui accusado de ter sabido que o administrador do concelho ameaçava recorrer á força, o de ter posto, apesar d'isso, a força armada á sua disposição.

Fui accusado de ter adoptado para as eleições a doutrina da circular de 19 de junho de 1845, de que resultou alguns srs. deputados virem aqui fazer espirito, hontem ou ante-hontem, dizendo que estamos agora em 1871 e não em 1845!

De passagem direi quanto a esta accusação, que em 1845 estava na opposição ao ministerio d'esse tempo. Aqui têem os srs. deputados a comparação que estão a fazer em relação a mim. Não estou a fazer censura a 1845, nem elogio a 1871. Os illustres deputados conhecem tão pouco a minha historia, conhecem-me tão pouco, a mim, a quem estão accusando com tanta violencia, que ignoram que em 1845 estive em opposição ao ministerio por considerações que é inutil referir agora.

Fui accusado ainda de ter consentido que o administrador do concelho de Arganil fosse o fundador do jornal Trovão da Beira.

Fui accusado finalmente de ter tido conhecimento da queixa do delegado do procurador regio em 20 de maio contra o administrador, e de ter transferido aquelle delegado em logar de demittir o administrador.

Fiz esta recopilação em vista dos apontamentos que tomei durante a discussão; porque apesar do vivo desejo que tinha de não responder aos discursos dos srs. deputados senão depois de os ter impressos, ainda não pude ter essa fortuna. Sirva isto ainda de lição para não virem aqui, com o fim de accusarem um ministro, pedir as notas tachygraphicas dos seus discursos, quando esse ministro os restitue com toda a regularidade (apoiados), por maneira que os srs. deputados as têem sempre no seu logar. Alguns srs. deputados deixam passar uma semana, e algumas vezes mais de uma, sem que o publico saiba o que disseram na camara.

Eu pergunto para que demoram os srs. deputados os seus discursos em suas casas este tempo? Se é para os restituir tal qual a tachygraphia lh'os manda, não vale a pena demora-los tanto tempo; naturalmente é para os corrigir. Esta liberdade que querem para si, não a podem negar aos ministros (muitos apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — E os de 1865?

O Orador: — Nós não estamos em 1865, estamos em 1871.

(Interrupção.)

Hontem era 1845, estando nós em 1871; hoje já não estamos em 1845, é 1865 que se invoca estando nós em 1871. Querem que estejamos em 1865, quando estamos em 1871. Tudo lhes serve para accusar os ministros.

(Susurro.)

O sr. Presidente: — Peço a attenção dos srs. deputados.

O Orador: — Eu vou responder a todas estas accusações como poder.

Foi preciso arrancar violentamente os documentos, disse um illustre deputado. Os documentos foram pedidos, não a 24, como se disse, mas a 25; foram pedidos pela junta preparatoria, que não tinha auctoridade para os pedir, porque já estes documentos unicamente tinham sido pedidos para fazer uma accusação ao governo, e a junta preparatoria não tem direito de fazer accusações ao governo (apoiados).

As attribuições da junta são muito limitadas, reduzem-se a verificar os poderes dos seus membros (apoiados). Depois de constituida a camara é que ella póde exercer as funcções que pertencem á camara dos deputados.

Apesar d'isso, eu, para que se não dissesse que queria subtrahir esses documentos ao conhecimento da camara e do publico, e como a maior parte d'elles estavam em Coimbra, mandei immediatamente ali pedi-los. Apenas chegou ao ministerio do reino o requerimento apresentado mesmo na junta preparatoria, dei ordem para se pedir immediatamente os documentos. E é necessario que o illustre deputado saiba uma cousa, que não tem obrigação de saber, não faço censura por isso, e é um assumpto de expediente, só sabe quem corre com estas cousas; quando alguns documentos são pedidos, o governo nunca recebe o officio da requisição no mesmo dia, mas só no dia seguinte, em que é approvada a acta da sessão em que o requerimento foi apresentado. Esta é a pratica (apoiados).

Não sejam portanto tão rigorosos.

O que eu affirmo é, que apenas esse requerimento chegou á secretaria, e me foi apresentado pelo chefe da repartição politica, dei ordem para se requisitarem de Coimbra esses documentos.

A resposta que d'ahi veiu consta dos proprios documentos. Não admira que houvesse uma pequena demora, porque o governador civil de Coimbra teve tambem de mandar a Arganil, onde estavam alguns dos documentos que se pediam. Por consequencia, não deve admirar que só aqui chegassem no dia 10 de agosto. Em 11 apresentei á camara os documentos que até então tinha podido reunir. Os outros vieram no dia 14, e no dia 15 foram distribuidos impressos por casa aos srs. deputados.

Já vê, portanto, a camara que não houve demora alguma da parte do governo na apresentação d'esses documentos (apoiados), e não ha fundamento algum para esta accusação.

Quanto á outra accusação de eu ter tido conhecimento no dia 7 da soltura do regedor, e não ter demittido logo o administrador, tambem esta não é fundada.

O illustre deputado, o sr. Van-Zeller, procurou-me no dia 8, seriam tres para as quatro horas da tarde, para me dar conhecimento do facto de se ter mandado soltar um preso que o tinha sido em virtude de um mandato judicial. Eu não sabia nada a este respeito, mas expedi immediatamente um telegramma ao governador civil para me informar do que havia, e para que adoptasse as necessarias providencias, a fim de que não fosse compromettida a liberdade dos cidadãos.

Lembra-me que o illustre deputado desejava, e é natural, não o censuro por isso, transporto-me á situação de s. ex.ª, e parece-me que é este o melhor meio de resolver as questões. O que eu queria é, que tambem se tivessem transportado á minha; lembra-me que o illustre deputado queria que eu mandasse immediatamente ordens de que resultasse a soltura do preso. Era um seu amigo que o ía ajudar na eleição, e a exigencia do nobre deputado era natural.

S. ex.ª pretendia que eu mandasse a ordem ao governador civil de Coimbra, a fim de que expedisse logo um expresso para Arganil ordenando que immediatamente o preso fosse entregue ao poder judicial.

Entendi que não podia dar similhante ordem, porque podia ter inconvenientes; e por outra parte merecia-me inteira confiança o governador civil, que mereceu os louvores do nobre deputado, louvores que não mereceu ao sr. Dias Fer-

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reira pela maneira como o tratou no seu discurso, mas que estimo muito os merecesse ao sr. Van-Zeller e á camara que o applaudiu.

Eu tinha completa confiança na prudencia, moderação e espirito liberal do sr. Telles de Vasconcellos (apoiados), e estava convencido de que para s. ex.ª bastava que eu dissesse o que lhe disse no seguinte telegramma:

«Acaba de me assegurar por escripto o ex-deputado Francisco Van-Zeller, que o administrador do concelho de Arganil arrancára das mãos do official do juizo um preso, que se achava culpado, pondo-o em liberdade, e prendendo o official. Que prendêra tambem sem motivo um influente a favor da opposição. Verifique sem demora estes factos, não permittindo que se pratiquem violencias contra a liberdade do cidadão.»

Que mais se queria que eu fizesse?

Peço á camara que veja este negocio desprevenidamente, e nem ella é capaz de o ver de outra maneira, e a camara não póde deixar de reconhecer que eu obrei como devia...

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Excellentemente.

O Orador: — Excellentemente, sim, senhor.

O sr. Telles de Vasconcellos tinha sido mal informado quando me affirmou que não havia preso algum á ordem da auctoridade administrativa; mas logo que o soube fez o que devia suspendendo o administrador, que não foi só suspenso por ter prendido o fiscal dos tabacos, mas pelas irregularidades que se lhe imputavam.

O illustre governador civil estava persuadido de que não havia presos á ordem da auctoridade administrativa, e era incapaz de asseverar uma cousa estando convencido do contrario (apoiados). E isto prova-o o seguinte telegramma dirigido por s. ex.ª ao governo:

«Não ha preso algum ás ordens da administração. — (L. S.) = Telles de Vasconcellos.»

Não tinha eu pois ordem nenhuma mais a mandar, e esperava as communicações officiaes. Essas communicações demonstraram-me que s. ex.ª, tendo reconhecido que o procedimento do administrador do concelho tinha sido irregular em relação a este facto, e em relação a outros que haviam sido communicados ao sr. ministro da justiça, o havia suspendido do exercicio das suas funcções.

Depois que tive conhecimento d'esta suspensão não tinha mais que fazer senão esperar a syndicancia, e depois a resposta do administrador para proceder como entendesse. Veiu a syndicancia, mandei responder sobre ella o administrador, elle respondeu como pôde, e eu exonerei-o.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Era de esperar depois da eleição feita.

O Orador: — Isto é a continuação dos insulstos que constantemente se me dirigem, e eu digo a v. ex.ª que não ha nenhum ministro que tenha coragem para os soffrer (apoiados). Eu peço a v. ex.ª que me mantenha a palavra com o decoro devido a um ministro da corôa. Não ha um só sr. deputado que junte um apoiado a esta aggressão inqualificavel. Criminoso por que não demitti o administrador do concelho, criminoso porque o demitti: sempre criminoso.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Foi tarde.

O Orador: — Eu appello para a camara (apoiados). O illustre deputado não póde ser n'este negocio senão accusador; não é juiz, nem tem a placidez de animo, nem a serenidade de espirito, não tem a imparcialidade necessaria para ser juiz. É meramente accusador, e desempenha bem o seu papel.

Ha dois pontos ainda a que é indispensavel que eu responda, mas elles têem tal ligação entre si, que os reservo para o fim, e vou tratar da questão de premeditação, que se prova, segundo o sr. visconde de Moreira de Rey, pelo facto de saber eu que o administrador do concelho de Arganil era fundador do jornal o Trovão da Beira, e não o demittir por isso.

Eu não esperava ouvir n'uma camara liberal esta doutrina (apoiados). Os illustres deputados que me aggridem por eu ter mandado fechar as portas do casino, querem que eu ande a examinar quaes são os empregados publicos, que são fundadores ou protectores de jornaes que injuriam certas pessoas, para os demittir!

Então tinha que demittir muita gente (apoiados).

(Interrupção do sr. visconde de Moreira de Rey que não se percebeu.)

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado por Fafe que não interrompa o orador.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — É só uma palavra.

O sr. Presidente: — Uma palavra póde interromper tanto como muitas.

O Orador: — Era celebre a tarefa que se me impunha! Havia de andar a examinar quaes eram os empregados publicos que fundavam jornaes ou escreviam para elles! E não devia limitar-me aos empregados de commissão, porque não devia exceptuar os empregados publicos, que podem allegar que têem os seus logares garantidos.

Eu acho esta doutrina detestavel. Se porventura um empregado de commissão não póde fundar um jornal, nem póde auxilia-lo com o seu dinheiro, parece-me que os empregados que têem os seus logares garantidos deverão fazer o mesmo (apoiados).

Mas estabeleçam os empregados publicos os jornaes que quizerem, podem mesmo injuriar-me pessoalmente, que eu o mais que faço é não ter esses jornaes, porque realmente estar a ter injurias não é uma cousa agradavel. Basta ouvi-las; mas le-las!... Ouço-as, porque não tenho outro remedio (riso); mas estar de proposito a le-las, confesso que antes quero ter um romance.

E não considerem os homens, que são empregados publicos e que ou fundarem jornaes, ou escreverem para elles artigos em que eu seja aggredido violentamente, ou não violentamente, que vou ajustar contas com elles (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Se forem bons empregados, se desempenharem bem as suas funcções, hei de continuar a protege-los como se em logar de escreverem contra mim, escrevessem a meu favor (muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

São attribuições diversas. Estão no seu direito de empregar as horas vagas como quizerem, respondendo perante a lei pelos abusos que commetterem; mas afigura-se-me (é uma idéa que me occorreu agora, e vou manifesta-la com a modestia de um homem que confessa que lhe faltam os conhecimentos theoricos sobre o assumpto) que quando se me vem pedir que demittisse o administrador do concelho de Arganil, porque fundou um jornal, não se me pede uma medida de repressão, pede-se-me uma medida de prevenção, como procurarei provar.

Peço de novo desculpa, póde ser que esteja dizendo um erro em jurisprudencia, mas parece-me que não é pela demissão que se reprimem os abusos da liberdade de imprensa (apoiados); não é pela demissão; ha uma outra ordem de castigos, e ha um outro processo para esses abusos (apoiados).

Se o administrador do concelho de Arganil, tendo fundado um jornal contra uma certa pessoa, fosse demittido por isso, eu entendia que essa medida era uma medida preventiva para evitar a continuação d'aquelle jornal, se a evitasse; mas que não era uma medida repressiva, porque essa auctoridade lá ficava sujeita aos abusos que tivesse commettido em vista da lei da liberdade de imprensa (apoiados da esquerda da camara). Ora muito estimo que apoiem. (Vozes: — Muito bem.)

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Isso é verdade e é habil.

O Orador: — Então como é que aquelles que queriam a demissão do administrador, me accusam por não ter consentido as prelecções do casino? Querem que para essas prelecções houvesse só a repressão, mas a prevenção havia

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de ser quando lhes conviesse! Não querem a prevenção, querem só a repressão; mas lá em uma occasião em que a prevenção lhes conviesse, então o governo era altamente criminoso porque a não tinha empregado! (Riso.)

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Isso é verdade e é habil (apoiados).

O Orador: — Muito obrigado.

Acreditem os nobres deputados, se o quizerem acreditar, mas eu estou persuadido de que me hão de fazer esta justiça, eu não conheço o Trovão da Beira. Disse-se aqui que era um jornal que atacava todas as auctoridades de Arganil ou de Coimbra; não sei; affirmo que o ignoro completamente. E não se admirem. Pois se eu declarei já á camara que nem sempre tinha tempo para ter todos os jornaes, como esperam os nobres deputados que eu possa ter aquelle jornal, que de mais a mais para mim já estava debaixo do peso da accusação de que era um jornal feito unicamente para atacar um cavalheiro que, a fallar a verdade, apesar do respeito que o sr. visconde de Moreira de Rey queria que eu tivesse para com elle em relação á camaradagem de 1868, não se tem portado commigo na camara por maneira tal, que eu devesse considerar s. ex.ª n'uma posição muito favoravel a meu respeito (apoiados).

Por consequencia, desde o momento em que eu sei que o Trovão da Beira é um jornal que ataca s. ex.ª, para que me hei de dar ao incommodo de ter esse jornal que ataca um meu adversario politico? Não tenho essa curiosidade, sr. presidente, nem prazer algum n'isso. Sou portanto moralmente innocente nas arguições, nas queixas feitas pelo Trovão da Beira (se foram feitas) contra o illustre deputado por Aveiro.

Mas, quando mesmo eu tivesse conhecimento d'essas accusações, e quando essas accusações fossem tão asperas como o illustre deputado disse, entendia que s. ex.ª tinha o meio de as repellir.. S. ex.ª fundou tambem aqui na capital um jornal, a respeito do qual talvez muita gente diga que é tão violento como o Trovão da Beira. Pois não podia s. ex.ª com armas iguaes bater-se com o Trovão da Beira no seu jornal? (Apoiados.)

Eu nunca ajustei contas com s. ex.ª pela fundação d'esse jornal, nem perguntei ao illustre deputado com que dinheiro o sustentava, e então com que direito havia eu de perguntar ao administrador do concelho de Arganil com que dinheiro estava sustentando o Trovão da Beira? (Apoiados.)

Sr. presidente, se o fizesse, isso revelava da minha parte um espirito de espionagem tão mesquinho, tão contrario ás minhas tendencias liberaes, que, digam os illustres deputados o que quizerem, eu francamente lhes asseguro que não podia aviltar-me a esse ponto. (Vozes: — Muito bem.) E entretanto note v. ex.ª, que é sobre esta circumstancia que se architectou precisamente a premeditação de que me accusam. De maneira que parece que se eu tivesse demittido immediatamente o administrador do concelho de Arganil, porque tinha fundado um jornal, esse jornal acabava. Não sei, talvez não acabasse, talvez ficasse peior ainda, se é possivel (apoiados — riso).

Com relação ao administrador do concelho de Arganil, direi que houve um tempo, e não vae longe, em que o sr. Dias Ferreira tinha a respeito d'elle opiniões diversas das que tem hoje, porque lhe offereceu um logar de commissão que elle não quiz aceitar (apoiados).

Esse homem (note se bem que eu quanto mais envelheço tanto mais sympathias tenho pela gente moça), esse homem é um moço formado ha poucos annos na universidade de Coimbra, começou a sua carreira com as melhores informações no ministerio da justiça, foi nomeado juiz ordinario de um julgado, cargo que não aceitou, e dos papeis que n'aquella repartição existem, e que lhes são relativos, consta que ha as melhores informações a respeito da sua probidade e a respeito dos seus costumes. Hoje está demittido, terá de responder perante o poder competente pelas accusações que se lhe fizeram aqui, e por consequencia não direi mais nada a respeito d'elle (apoiados).

Mas compunge-me o coração ver tratar assim um homem moço, que começa agora a sua carreira publica, quando vejo que aquelles que o accusaram, ha onze annos atacaram tambem aqui violentamente homens, de quem hoje se prezam de ser amigos! (Apoiados.)

Eu, sr. presidente, nunca havia de ser amigo de um malvado que acompanhou assassinos para irem matar um homem. Sobretudo, quando eu tivesse vindo declara-lo no seio do parlamento, havia de começar por dar uma satisfação plena e completa a esse homem, havia de proceder para com elle, no seio do parlamento, como fez o sr. Garrett com relação a mim, n'um caso que aliás não tem comparação nenhuma com este. O sr. Garrett julgou que me tinha offendido n'esta camara, e na outra casa, onde elle tinha assento, pediu-me publicamente perdão. Era assim que eu havia de fazer; não havia de declarar que prezava a amisade d'esse homem sem começar por lhe pedir no parlamento perdão da injuria atrocissima que lhe tinha feito, considerando-o associado com malfeitores para commetter um assassinato (apoiados).

O sr. Dias Ferreira: — Isso é inexacto, porque eu não disse tal.

O Orador: — Vejamos o que diz o Diario da camara. «O outro substituto é o sr. José Joaquim Jorge, de Arganil...»

Eu não pedirei as notas tachygraphicas d'esse discurso, (riso), contento-me com a publicação feita sem reclamação do illustre deputado. «Como dizia o outro substituto, que é o sr. José Joaquim Jorge, de Arganil...»

O sr. Dias Ferreira: — Aquelle administrador não era José Joaquim Jorge. Por isso é que s. ex.ª tem estado a laborar em equivoco desde o principio.

O Orador: — Então ha dois José Joaquim Jorge? A auctoridade administrativa que teve ordem para ir proceder á prisão do ferreiro, o homem de quem aqui se falla chamava-se José Joaquim Jorge, e o primeiro substituto hoje do juiz de direito de Arganil chama-se José Joaquim Jorge.

Vozes: — É o mesmo homem.

O Orador: — Pois então aquelle José Joaquim Jorge não é hoje o primeiro substituto do juiz de direito de Arganil? O illustre deputado sabe muito bem que eu tenho muitos meios de verificar se é ou não.

O sr. Dias Ferreira: — José Joaquim Jorge é o substituto do juiz de direito; mas o administrador do concelho que, acompanhado dos malfeitores, concorreu para o assassinato do ferreiro nem se chamava José Joaquim Jorge, nem era de Arganil.

O Orador: — Eu estimo a interrupção do illustre deputado. O discurso não está claro a este respeito. O homem não conduziu os malfeitores, mas deu fiança aos cumplices (apoiados). Ora, era melhor guardar estas accusações para os tribunaes, e não vir apresenta-las na camara. Muito bem, elle não conduziu os assassinos, mas merecia tal confiança ao illustre deputado, que s. ex.ª, continuando, disse o seguinte n'este discurso desgraçado, em que se deprimiu tanta gente conhecida...

«Este co-réu é o sr. Francisco Augusto, de Covas, é o sr. ministro da justiça tem um meio prompto de obter a prova d'este facto, pedindo ao seu delegado em Arganil uma certidão do despacho que concedeu a fiança, que ha de estar assignado por aquelle substituto, e confrontando-a com o officio do juiz de direito em que elle faz a proposta d'este substituto, o qual deve existir na secretaria da justiça ou na presidencia da relação do Porto. Ora, um juiz que concede fiança a um co-réu de João Brandão, terá muita duvida era a conceder a este (apoiados), que está nas mesmas, senão em mais favoraveis circumstancias?»

São estes factos, que me auctorisam a crer que talvez venha um dia em que o sr. deputado por Aveiro faça aqui o elogio do ex-administrador do concelho, que hoje tão vio-

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lentamente accusa, e parece-me que esse elogio ha de repousar sobre bases mais justas do que aquellas sobre que repousa agora...

O sr. Dias Ferreira: — Isto não serão insinuações nem insultos?

Vozes: — Ordem, ordem.

O sr. Dias Ferreira: — Tenho estado calado emquanto o sr. presidente do conselho tem fallado, mas tenho direito de reclamar quando s. ex.ª me dirige um insulto.

Vozes: — Não são insultos.

O sr. Dias Ferreira: — Eu não me queixei por aquelle jornal me ter aggredido.

O sr. Presidente: — A camara ouviu o sr. Dias Ferreira; agora ouve o sr. presidente do conselho.

O sr. Dias Ferreira: — Mas peço ao sr. presidente do conselho que falle convenientemente.

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que não continue a interromper o orador.

O sr. Dias Ferreira: — V. ex.ª está enganado commigo.

(Susurro.)

Vozes: — Ordem, ordem.

O sr. Dias Ferreira: — Tenha v. ex.ª a bondade de chamar o sr. presidente do conselho á ordem, aliás citarei a v. ex.ª o artigo 32.° do regimento.

O Orador: — Vou repetir o que disse, e appello para o testemunho da camara que diga se nas expressões que proferi dirigi alguma injuria. A minha consciencia diz-me que não. Isto prova que as verdades que digo incommodam muito o illustre deputado.

Oxalá que s. ex.ª tivesse pensado melhor na possibilidade de ouvir estas verdades, e se abstivesse de fazer um discurso no sentido em que o fez.

Depois de quatro sessões veiu s. ex.ª propor formalmente a accusação ao presidente do conselho, e não quer agora que elle se defenda.

Não tenho empregado injuria alguma para com o illustre deputado; li apenas o seu discurso proferido em 1860, que é o seu depoimento.

A camara ha de estar lembrada do que s. ex.ª disse aqui tão desabridamente contra o cavalheiro que esteve á testa da administração do concelho de Arganil, e, em vista dos factos que referi, estou certo de que s. ex.ª ha de vir um dia a esta camara fazer o elogio d'elle, como o fez já com relação aos dois cavalheiros de que ha pouco me occupei, e que tão violentamente accusou em 1860. Esse elogio ha de ter melhor fundamento do que teve o elogio que teceu aos dois cavalheiros, porque por ora ainda ninguem accusou aquelle administrador de ser associado com os Brandões, nem de ter acompanhado os assassinos do ferreiro da Varzea. Ainda ninguem accusou o administrador do concelho de Arganil d'estes crimes, e hoje vem s. ex.ª accusa-lo de factos que todos dizem que elle era incapaz de praticar, por ser homem de bem.

Estou convencido de que a accusação feita ao administrador do concelho de Arganil é tão injusta, como o foi a que o sr. deputado fez em 1860 ás pessoas de quem hoje se confessa amigo.

Talvez não tarde muito a occasião em que s. ex.ª lhe venha aqui fazer a reparação devida.

Tenho aqui o decreto, pelo qual o sr. Dias Ferreira nomeou aquelle cavalheiro para conservador, logar que elle não aceitou.

Esse decreto diz o seguinte:

«Attendendo ao que me representou o bacharel Manuel da Cruz Aguiar, o qual, tendo concluido a sua formatura na faculdade de direito na universidade de Coimbra no anno de 1869, foi approvado com «bom» pelo jury no concurso a que se procedeu em 19 de abril proximo preterito, na conformidade do decreto de 27 de janeiro ultimo, para o provimento de logares de conservador privativo do registo

predial: hei por bem nomea-lo para o logar de conservador privativo do registo predial na comarca de Arganil.

«O ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça assim o tenha entendido e faça executar. Paço, em 26 de agosto de 1870. = REI. = José Dias Ferreira.»

Este cavalheiro não aceitou este despacho, e depois d'isto foi nomeado juiz ordinario do julgado de Ancião.

Tenho aqui o decreto d'essa nomeação, que é referendado pelo sr. Saraiva de Carvalho:

«Attendendo ao que me representou o bacharel Manuel da Cruz Aguiar, um dos concorrentes ao concurso documental aberto perante a presidencia da relação de Lisboa, em 18 de março do presente anno, na conformidade do decreto de 28 de dezembro de 1869, para o provimento do logar de juiz ordinario do julgado de Ancião, comarca de Pombal; e tomando em consideração as informações que a seu respeito me foram presentes: hei por bem nomea-lo para o dito logar.»

Está referendado pelo sr. Saraiva de Carvalho, e tem a data de 17 de novembro de 1870.

E o sr. Saraiva de Carvalho não podia deixar de examinar os documentos, sobre que assenta este despacho, os quaes dizem o seguinte:

«O segundo, o bacharel Manuel da Cruz Aguiar, junta publica fórma da sua carta de formatura, da qual se mostra que foi approvado nemine discrepante; e da informação confidencial do administrador do concelho de Arganil, igualmente se mostra que o dito bacharel é pessoa de inteira probidade e bons costumes.»

Aqui está o maior criminoso que deu logar a esta discussão, a qual se veiu introduzir na discussão da resposta ao discurso da corôa, e que não tem consentido que ella se vote.

(Interrupção do sr. Van-Zeller que se não percebeu.)

Ora o sr. Van-Zeller ignorava a existencia d'estes documentos!! Pois tinha de casa quem lhe podesse dizer o que elles continham.

Pois o sr. deputado que pediu aqui tantos documentos, não podia pedir estes?! Não pedia senão aquelles que lhe faziam conta. Eu apresentei aquelles que constavam do processo.

Por consequencia, repito, que não me parecia que fosse objecto de motejo, quando se trata de um homem accusado, entregue á acção dos tribunaes, tão violentamente aggredido, nem que fique mal ao protector natural dos empregados que estão debaixo das suas ordens, apresentar o que ha de favoravel a seu respeito; e que justifique, não um despacho meu, mas o despacho do illustre deputado o sr. Saraiva de Carvalho, que não carece da minha defeza; mas eu, em testemunho de verdade, não posso deixar de a dar a todos, amigos meus particulares, ou adversarios politicos; porque, francamente o digo, é circumstancia que nunca pesou no meu animo a qualidade de adversario politico, que é uma qualidade que póde dar-se por circumstancias que nada influem nem sobre a probidade de quem é adversario, nem sobre a probidade d'aquelle a quem se faz opposição (apoiados).

Eu appello de novo para a imparcialidade da camara, e a camara que diga se nas considerações que tenho feito ha injuria para alguem.

O sr. Placido de Abreu: — Não, senhor.

O Orador: — Fallou-se, e sobre isto fez-se uma accusação tremenda, e talvez seja n'esta accusação que se firme a que se nos fez de reaccionarios; fallou-se, digo, na celebre portaria circular de 1845.

Quando se mandou proceder ás eleições, copiou-se na secretaria do reino a portaria de 5 de junho de 1871, do mesmo modelo da qual o illustre deputado por Aveiro fez copiar a sua portaria de 5 de agosto de 1870: a portaria de 5 de junho é copia textual do original de que o illustre deputado por Aveiro fez tirar a sua portaria; quer di-

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zer, uma e outra portarias são uma e a mesma cousa, com a differença das datas e das assignaturas.

Agora pergunto: porque motivo veiu o illustre deputado por Aveiro tirar a consequencia de que eu desposei a doutrina da circular de 29 de julho de 1845? Por eu não ter reprehendido o governador civil de Coimbra por ter citado essa portaria n'um officio, que me dirigiu. Mas ha algum documento por onde conste que o governador civil de Coimbra fez obra por ella nas instrucções que deu aos seus subordinados? Não ha nem póde haver.

Elle conformou se com a portaria que eu lhe mandei, a qual não falla em portaria de 29 de julho de 1845. Falla tanto n'ella como a circular do sr. Dias Ferreira de 5 de agosto de 1870.

O que o governador civil de Coimbra disse foi que talvez o administrador do concelho de Arganil se julgasse habilitado para a prisão, que fez, de um fiscal dos tabacos, pelas disposições da portaria de 29 de julho; mas d'ahi a ter elle auctorisado o administrador do concelho de Arganil a fazer essa prisão, que elle não previa, e tanto que poz em liberdade o preso e suspendeu a auctoridade que tinha feito a prisão, vae uma distancia immensa.

Isto não prova senão a carencia absoluta de argumentos para se accusar (apoiados).

O governador civil tanto citou a portaria de 29 de julho, tanto estava conforme com a doutrina d'ella, e tanto entendeu que o administrador do concelho tinha andado irregularmente, que soltou o preso! Fez mais do que os illustres deputados queriam que fizesse, porque os illustres deputados queriam que elle entregasse o preso ao poder judicial, e se elle assim tivesse procedido, o preso não era solto immediatamente como foi.

De maneira que n'este caso o governador civil é culpado de não ter retido aquelle cidadão portuguez mais tempo; é por isso accusado: e elle entendeu que remediava melhor o ataque feito á liberdade d'aquelle cidadão, soltando-o immediatamente, e considerando a prisão como se não tivesse sido feita.

Eu esperava que o procedimento d'este honrado magistrado não merecesse censura aos illustres deputados.

Não sei se s. ex.ª está presente, e desejava que não o estivesse.

Mas eu não posso deixar de elogiar um homem a quem a minha consciencia me obriga a dar testemunho do apreço em que o tenho.

Creio que o honrado ex governador civil de Coimbra não julgou dever ter ainda por mais tempo preso um homem que elle entendia que tinha sido preso illegalmente, e por consequencia, não só não reconheceu como legal essa prisão, mas ainda suspendeu o administrador do concelho de Arganil, que na opinião dos illustres deputados que nos accusam, era o seu delegado para todos os crimes que não commettia senão por ordem do governador civil de Coimbra, ou melhor ainda, por ordem do ministro do reino! Ora aqui está como o governador civil de Coimbra era cumplice nos crimes commettidos pelo administrador do concelho de Arganil, que o suspendeu, annullando clara e ostensivamente diante de todo o districto um acto importante que elle tinha praticado!! (Muitos apoiados.)

A camara ha de estar lembrada da objurgatoria violenta que me dirigiu o illustre deputado que por alguns dias occupou a tribuna. S. ex.ª, dirigindo-se ao ministro do reino, disse: «V. ex.ª sabia de todos estes factos, porque de certo não ignorava que no districto de Coimbra se estavam fazendo eleições por esta portaria, que só continha doutrinas obsoletas!» Emprégo pelo menos este termo para não empregar outro, porque me parece que os epithetos que foram empregados são mais fortes! (Apoiados.)

Essa doutrina é citada n'um officio que se me dirigiu, mas a prova de que em caso nenhum se fez obra por ella, e de que não se considerava que se podia justificar o procedimento do administrador do concelho, está em que se

annullou, repito, um acto que elle tinha praticado, suspendendo o (apoiados).

Tambem me parece que tenho demonstrado á camara, que a accusação que se fez relativamente a este ponto é igualmente destituida de fundamento (apoiados).

O outro ponto da premeditação é esta accusação que se me faz — de ter sabido que o administrador do concelho estava resolvido a recorrer á força, e em logar de o reprehender e inhibir de praticar esse excesso, lhe mandei força para o poder levar a effeito. Este argumento demonstra ainda a carencia de fundamento para accusar o governo (apoiados).

Vou ler á camara o officio do administrador do concelho de Arganil, e os illustres deputados verão se succedeu aquillo que se asseverou.

O officio do administrador do concelho diz o seguinte:

«Não ha segurança nenhuma n'este concelho, podendo de um momento para outro apparecer reacção, a qual não terei força para reprimir.»

«E não é provavel que vendo-se um partido opprimido recorra aos meios da força?»

Isto é dizer, porventura, que estava resolvido a recorrer á força?! Quem póde ver aqui isto?! Aqui não se vê senão a narração de um homem, que entende que carcerá de força para manter a ordem e a liberdade no acto da eleição (apoiados); e nenhum sr. deputado póde provar que a força, que foi mandada do Porto para Arganil, opprimiu a liberdade dos cidadãos que queriam fazer uso dos seus direitos eleitoraes; antes pelo contrario, até o sr. Dias Ferreira fez o elogio do commandante d'esse destacamento, e logo não se póde attribuir a este magistrado a intenção de recorrer á força: primó, porque não o disse; secundó, porque tendo a força á sua disposição, em logar de a aproveitar para aquillo que se condemna, empregou-a para que a eleição se fizesse com a maior liberdade. E effectivamente todos os documentos que se têem apresentado, provam que a eleição de Arganil foi feita com a maior liberdade (apoiados).

Eu não posso continuar, é impossivel. Alem da fadiga em que estou, tambem a camara não póde estar menos cansada, e provavelmente aborrecida da continuação d'este debate. Mas eu não posso deixar ainda de responder a uma observação que foi aqui feita, accusação direi, tão justa e fundamentada como esta que acabo de refutar.

A camara comprehende que eu tinha absoluta necessidade de ver formuladas as accusações que me eram dirigidas para responder a ellas.

Em falta do discurso do illustre deputado, que ainda não vi, recorro ao Jornal do commercio, a que recorri ha pouco, e recorro a elle por uma circumstancia, que os cavalheiros que o lêem não podem deixar de ter notado; esta circumstancia é que os extractos das sessões são feitos com mais extensão do que os que se fazem para os outros jornaes; vê-se portanto que são feitos á vista das notas tachygraphicas.

Aqui está como o illustre deputado procurou provar a minha connivencia em todos estes crimes.

Falla o illustre deputado por Aveiro:

«Restava provar a asserção relativa á cumplicidade do governo em todos aquelles attentados.

«Esta era muito facil demonstrar.

«No dia 14 de junho escrevia o administrador do concelho ao governador civil: «nâo é natural que, vendo-se um partido opprimido, recorra aos meios da força? O governador civil manda este officio ao governo, sem commentario algum, e o governo, tendo conhecimento de que o administrador do concelho julgava indispensavel o emprego dos meios da força, consente n'elles, agrada-lhe o systema, e manda-lhe parte da divisão do Porto para o auxiliar.»

É realmente a consequencia mais violenta, que eu tenho

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visto tirar. Parece me que refutei já cabalmente este argumento, que não brilha pelo lado da logica.

«Lesse a camara os artigos do codigo penal que fallavam da cumplicidade nos crimes, e talvez encontrasse lá este caso muito explicado.»

Ha de ser difficil, porque a primeira cousa que não ha de encontrar no codigo penal é circumstancia nenhuma que prove, que uma auctoridade que se queixa da coacção em que está um districto, e em que pergunta ao governo se póde haver reacção, contra a qual elle não tem força, se infira logo daqui que ella quer empregar a força.

Mais ainda, e este argumento ainda é mais forte.

«Mais ainda. O delegado do procurador regio em Arganil queixou-se ao governo, em 21 de maio ultimo, que o administrador do concelho, tendo recebido em 29 de janeiro uns mandados para capturar um criminoso, sem fiança, em logar de o capturar tivera com elle uma reunião em março para tratarem de fundar o jornal Trovão da Beira. O governo soube d'isto, mas o castigo que deu ao administrador do concelho foi transferir o delegado que tinha feito a queixa.»

O Trovão da Beira é a sombra de Banquo. É o fundamento de todas as accusações! Se aquelle maldito jornal não tivesse sido fundado, não tinha o incommodo que estou tendo agora.

Tanto o illustre deputado por Aveiro, como o sr. visconde de Moreira de Rey, quando lhes conveiu, para a sua argumentação, provar que o delegado era um excellente empregado, e tanto que o governo o tinha recompensado mudando-o para um logar melhor do que o que tinha; quando isto lhes conveiu, repito, consideraram a transferencia como um crime, agora que não lhes convinha este modo de argumentação, consideram a transferencia como um castigo e não trepidaram diante d'esta contradicção. A camara não póde esquecer-se do que se disse a este respeito: primeiro, que o governo approvára o procedimento do representante do ministerio publico de Arganil, porque o transferiu para uma comarca melhor do que a que tinha; logo deu lhe um premio: segundo, que logo que conveiu á opposição accusar o governo, porque tendo visto um certo officio d'este funccionario, contra o administrador do concelho, em logar de demittir o administrador, transferiu o delegado; a transferencia passou a ser um castigo em logar de uma recompensa.

Ora, é inexacto tudo o que se disse, e o illustre deputado tinha obrigação de saber pelas datas que tudo quanto disse a este respeito não sustenta a analyse.

O officio de que fallou o illustre deputado é de 20 de maio; mas quando chegou ás mãos do governo? O illustre deputado sabia-o muito bem, porque constava dos documentos. Para que vem pois o illustre deputado argumentar como se o officio do delegado, assignado por elle em 20 de maio, tivesse tambem chegado ás mãos do governo em 20 de maio?

O officio é effectivamente de 20 de maio e foi mandado ao procurador regio junto da relação do Porto. Este funccionario mandou-o ao sr. procurador geral da corôa e fazenda em Lisboa, e este benemerito magistrado enviou-o ao governo em data de 1 de julho. Logo só no dia 1 de julho, mesmo suppondo que esse officio tinha entrado logo no ministerio da justiça, só n'esse dia é que o governo teve conhecimento d'esta queixa.

Documento n.º 10 da 1.ª collecção, pag. 15:

«Ill.mo e ex.mo sr. — Tenho a honra de levar ao conhecimento de v. ex.ª o officio que ao procurador regio junto da relação do Porto dirigiu o delegado na comarca de Arganil, e que versa sobre o procedimento havido pelo administrador do concelho em assumptos de serviço publico

«Deus guarde a v. ex.ª Procuradoria geral da corôa e fazenda, 1 de julho de 1871. — Ill.mo e ex.mo sr. ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça. = O procurador geral da corôa e fazenda, João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Mártens.»

Aqui está a prova de que o sr. ministro da justiça só tinha podido receber este officio em 1 de julho.

E quando foi transferido o delegado? Ignora o illustre deputado o motivo por que elle foi transferido?

Este delegado em 24 de janeiro de 1871 dirigiu um requerimento ao ministerio da justiça, implorando a graça de ser transferido para qualquer comarca da Estremadura, Alemtejo ou Algarve, declarando que não podia ir para mais longe, porque tinha sua velha mãe octogenaria, e a transferencia para mais longe podia comprometter a vida de sua mãe.

Por decreto de 30 de junho, um dia antes de ter entrado o tal officio no ministerio da justiça, se entrou no dia 1, porque é mais natural que só entrasse no dia 2, o sr. ministro da justiça, que é realmente um magistrado sanguinario (riso), tranferiu aquelle delegado para Extremoz. Este despacho foi considerado como um premio, mas depois, como só se tratava de fazer effeito, foi considerado como um castigo.

Mas o illustre deputado foi realmente infeliz. S. ex.ª, habil jurisconsulto, julgava que eu não sustentaria a questão, que ficaria arrasado com a accusação, e que iria a correr para o paço a pedir a demissão, meio unico de escapar a uma defeza impossivel, a uma accusação formal, que me estava imminente.

Os illustres deputados faziam-me esta justiça. Julgavam que eu ía pedir a minha demissão, vergando debaixo de uma accusação d'esta natureza, porque só assim é que se alteram as datas, e que se transtornam os factos e é que se converte em crime aquillo que nem sombra de crime é (muitos apoiados).

Portanto parece-me que as duas accusações, por virtude das quaes está provada a minha cumplicidade, caíram completamente (apoiados).

Primeira accusação: mandei força armada ao administrador do concelho de Arganil, quando elle declarára que tinha de recorrer á força armada. Nego redondamente que elle tivesse declarado que tinha de recorrer á força armada.

Segunda accusação, (e n'isto peço perdão ao meu collega da justiça, o sr. Sá Vargas, de me occupar d'ella, porque é commigo, e porque se disse que s. ex.ª procedeu por pressão e exigencia minha, s. ex.ª era incapaz de satisfazer a similhante exigencia (apoiados); nas eu aceito o argumento.) Segunda accusação: que sabendo eu no dia 20 de maio, por officio do delegado do procurador regio da comarca de Arganil, que o administrador do concelho tinha procedido illegalmente, era logar de demittir logo o administrador, dei ao delegado o castigo tremendo de o transferir (riso). Parece-me que a camara viu, tanto na primeira como na segunda parte, a demonstração mais completa da minha criminalidade, e que aquella ameaça solemne que o illustre deputado por Aveiro me fez aqui de que provaria a minha associação criminosa com os criminosos, está levada á ultima evidencia (muitos apoiados).

Acho nos meus apontamentos esta asserção do illustre deputado por Aveiro -perdida a eleição não admira o desafogo da vingança.

Ha precedentes em que o desafogo da vingança veiu mesmo quando se venceu (apoiados). As eleições de Arganil em 1860 não tinham sido perdidas pelo illustre deputado, como o não foram agora; entretanto a camara tem visto, que não são os que perderam a eleição que vem pedir castigo para aquelles que a fizeram perder, são os que venceram que vem pedir castigo para aquelles que os combateram e ficaram vencidos (apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Não é o desafogo da derrota que vem pedir castigo, é o desafogo do triumpho que o vem pedir (apoiados), e do triumpho sem generosidade (apoiados), porque depois das eleições estas questões eleitoraes acabam (apoiados), esquecem-se estas desintelligencias (apoiados); ninguem vem ao

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parlamento pedir castigos (apoiados); cada cidadão usa do seu direito como entende, comtanto que não use d'elle illegalmente (apoiados), e ninguem tem direito de o accusar (apoiados).

Quaes são as vinganças que este ministerio nefando, inepto e nefasto exerceu?

Os empregados de fazenda, que apoiaram largamente a eleição opposicionista, como consta dos documentos que tenho presentes, e que a camara conhece, lá estão nos seus logares (apoiados). O sr. ministro da fazenda que os podia chamar a Lisboa, ha precedentes d'isso, mas não são nossos (apoiados), e aqui foram citados já alguns d'elles, que não repito agora, não o fez o sr. ministro da fazenda que podia chamar a Lisboa o fiscal do tabaco, para elle não andar lá a fazer a eleição do sr. Van-Zeller, como o sr. Van-Zeller confessa na sua carta, porque o sr. Van-Zeller diz terminantemente: «o cavalheiro (referindo se a este empregado) que nos honrára com o seu apoio, esse lá ficou, e o sr. ministro da fazenda podia annullar esse apoio mandando chamar esse empregado a Lisboa...»

O sr. Dias Ferreira: — Foi para a enxovia, ficou melhor.

O Orador: — Não é digno de um homem que foi ministro dizer isso (apoiados). O homem foi para a enxovia, mas o governador civil quebrou-lhe os ferros (muitos apoiados).

O sr. Dias Ferreira: — Quatro dias depois.

O Orador: — Não podia ser antes, porque o governador civil não podia soltar antes um homem que não sabia que estava preso (apoiados), logo que o soube soltou-o (apoiados).

Não são argumentos dignos de um jurisconsulto, de um homem collocado em alta posição dizer — foi melhor manda-lo para a enxovia! (Apoiados.) Fui eu que o mandei para a enxovia? Apesar da attitude hostil ao governo, que esse homem tomou na luta eleitoral, lá está fruindo os proventos de um emprego que lhe foi dado contra lei!

O sr. Dias Ferreira: — Não é verdade...

O Orador: — Isto é phrase parlamentar na bôca do illustre deputado, se fosse na minha não o era (apoiados).

O sr. Dias Ferreira: — Não é verdade.

O Orador: — Essa phrase é parlamentar? Na minha bôca não o era. Eu estou discutindo o que s. ex.ª disse. O illustre deputado acaba de ver a felicidade com que veiu aqui accusar-me da transferencia d'aquelle delegado, transferencia feita a seu pedido, e antes de ter o governo conhecimento do officio de que fallou o illustre deputado. S. ex.ª veiu accusar-me pelos attentados inauditos que commetti, e para isso alterou os documentos, as datas, os factos, tudo, e diz agora que eu é que estou fazendo isso! Não sigo os seus exemplos. Argumento só com a verdade dos documentos. Não leio os documentos alterados, como s. ex.ª fez quando disse, por exemplo (leu).

Ora, d'estes argumentos é que o sr. Dias Ferreira não encontra na minha argumentação. Concluir de um documento impresso, que está nas mãos de todos, o que lá não está, o que é inteiramente contrario ao que lá está, como o illustre deputado fez, é o que eu não faço.

As auctoridades que protegeram a eleição do sr. Van-Zeller lá estão nos seus logares. O sr. ministro da fazenda tinha direito de as chamar a Lisboa. Ha precedentes, mas que nós não admittimos nem imitâmos. Se se tratasse da questão eleitoral eu havia de apresentar ainda um telegramma do sr. ministro de fazenda, para mostrar quaes eram os sentimentos que animavam o governo para tornar uma verdade a liberdade das eleições.

Não se chamou a Lisboa nenhum empregado. Elles andaram lá trabalhando tranquillamente a favor da eleição do sr. Van-Zeller; e foi melhor assim, porque se tivessem sido chamados a Lisboa o sr. Van-Zeller não tinha aqui um logar provavelmente, o que eu muito havia de sentir, porque s. ex.ª é digno de ter assento no parlamento. O desafogo da derrota não exerceu vingança nem a exercerá, estejam s. ex.ªs tranquillos. O sr. Van-Zeller pediu ao governo, n'uma carta que dirigiu aos seus eleitores, que fosse generoso para com aquelles empregados. O governo já o foi e ha de continuar a se-lo.

Vou concluir. Peço desculpa á camara de ter sido tão extenso; mas não o fui tanto como foi a accusação.

A camara tem diante de si todas as peças do processo; ouviu os accusadores; ouviu o accusado. Eu procurei demonstrar que não tinha procedido irregularmente, illegalmente, nos actos que pratiquei como ministro do reino. Entrego o julgamento d'este pleito á camara; e, faço mais do que isso, entrego-o tambem ao paiz. Espero tranquillo a sua sentença.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(S. ex.ª foi comprimentado por grande numero de srs. deputados).

O sr. Falcão da Fonseca (por parte da commissão diplomatica): — Mando para a mesa um parecer da commissão diplomatica, com respeito á proposta do governo, n.º 10-B.

O sr. Presidente: — Vou dar a palavra ao sr. deputado pelo Porto, Rodrigues de Freitas, para uma questão previa; mas tenho uma observação a fazer a s. ex.ª

O sr. deputado, tendo já usado da palavra uma vez, e tendo já apresentado uma substituição ao projecto de resposta ao discurso da corôa, não quererá agora de certo, preterir o direito que têem os outros srs. deputados de entrarem n'este debate, e por isso peço-lhe que se circumscreva precisamente ao que manda o regimento a respeito de questões preliminares.

Tem a palavra o sr. deputado pelo Porto, Rodrigues de Freitas.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Agradeço muito a v. ex.ª a observação que acaba de me fazer; mas creia v. ex.ª que, pedindo a palavra para uma questão previa, não fui meu intuito preterir os meus collegas, e sim chamar unicamente a attenção da camara para uma questão grave, que me parece dever ser decidida antes de se votar a resposta ao discurso da corôa.

(Susurro.)

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que levante um pouco mais a voz.

O Orador: — Os meus eleitores mandaram-me só com o meu diploma; aceitaram-me com a voz que possuo, e eu não posso gritar.

O sr. Presidente: — Mas eu preciso ouvir.

O Orador: — Faça v. ex.ª o que entender.

(Restabeleceu-se o silencio.)

O sr. Presidente: — Tenha o sr. deputado a bondade de continuar.

O Orador: — A minha moção é esta (leu).

Digo a v. ex.ª que não profiro uma só palavra ácerca d'esta moção, se v. ex.ª me declarar que ella não é uma questão previa. Se ella não é uma questão previa, não continuo, porque não quero tirar tempo á camara, nem preterir ninguem.

O sr. Presidente: — Por certo que não. É uma questão geral que está envolvida na resposta ao discurso da corôa, e na altura competente o sr. deputado discute tudo isso, porque está inscripto segunda vez.

Na resposta ao discurso da corôa ha largueza para se tratar de todos os actos do governo. Se o sr. deputado julga esse muito mais importante do que os outros, é uma opinião sua; e os outros senhores que estão previamente inscriptos têem tambem direito a usar da palavra (apoiados); mas a camara é quem decide em ultima instancia.

O Orador: — V. ex.ª sabe perfeitamente que eu podia sustentar esta moção, sem nada perguntar a v. ex.ª Lembro a v. ex.ª que eu digo n'esta moção: «considerando a importancia dos documentos ácerca da estrada da Guarda a Castello Branco pela Covilhã, a camara dos deputados de-

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libera discuti-los e votar sobre este assumpto, antes de proseguir no debate da resposta ao discurso da coroa».

O sr. Presidente: — Agora respondo ao sr. deputado que, em vista das disposições do regimento ácerca das questões preliminares, a sua moção não é senão uma proposta para uma discussão.

Aqui estão no regimento os pontos que podem ser questões preliminares:

«Em qualquer estado da discussão se póde oppor, que não ha logar a deliberação sobre a proposição ou projecto que se discute. Esta questão é preliminar, e deve ser discutida e resolvida antes da questão principal. O mesmo se guardará com a exposição do estado da questão, invocação do regimento, questão de ordem, ou justificação de deputado chamado á ordem pelo presidente.»

Estas é que são as questões preliminares que apresenta o regimento.

O Orador: — Eu entendo que a minha moção é uma questão previa, porque digo que não ha logar para a resposta ao discurso da corôa ser votada emquanto nós não soubermos o que se passou em relação á estrada da Guarda a Castello Branco pela Covilhã.

Já vê v ex.ª que é uma questão previa que eu estou no direito de sustentar; e se a proponho é porque, tendo solicitado os documentos que houvesse a respeito d’aquella estrada...

O sr. Presidente: — Observo ao sr. deputado...

O Orador: — Mas v. ex.ª parece que não quer que eu falle. Por consequencia, requeiro a v. ex.ª que consulte a camara para se saber se esta moção é ou não é uma questão previa, e peço que haja votação nominal ácerca d'este requerimento.

O sr. Presidente: — Vae ler-se a moção do sr. deputado para a camara tomar d'ella conhecimento, e resolver se é ou não uma questão previa.

Leu-se na mesa, e é a seguinte:

Moção

Considerando a importancia dos documentos ácerca da estrada da Guarda a Castello Branco pela Covilhã, a camara dos deputados delibera discuti-los e votar sobre este assumpto antes de proseguir no debate da resposta ao discurso da corôa.

Sala das sessões, 26 de agosto de 1871. = José Joaquim Rodrigues de Freitas Junior, deputado pelo Porto.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Desisto do meu requerimento ácerca de votação nominal.

Constatada a camara, decidiu que esta moção não era uma questão previa.

O sr. Presidente: — Tem a palavra para um requerimento o sr. Lourenço de Carvalho.

O sr. Lourenço de Carvalho: -— Pedi a palavra para requerer que sejam publicados os documentos que foram remettidos para a mesa com relação á estrada da Covilhã, e que seja remettida do ministerio das obras publicas; para ser publicada conjunctamente com os documentos que já cá estão, a declaração lançada no telegramma expedido para a continuação dos trabalhos d'esta estrada.

Tambem aproveito a occasião para pedir a v. ex.ª que consulte a camara sobre se me permitte, que eu faça uma declaração por parte do individuo que pertenceu ao gabinete actual como ministro das obras publicas.

(Susurro).

O sr. Presidente: — O sr. deputado tenha a bondade de formular de novo o seu primeiro requerimento.

O sr. Lourenço de Carvalho: — V. ex.ª quer que enuncie o meu primeiro requerimento?

O sr. Presidente: — Sim, senhor.

O sr. Lourenço de Carvalho: — O meu primeiro requerimento é para que v. ex.ª consulte a camara sobre se determina, que os documentos relativos á estrada da Covilhã sejam publicados, uma vez que a attenção publica convergiu sobre esta questão; peço mais...

O sr. Presidente: — Perdão; vamos a tratar do primeiro requerimento, e depois trataremos dos outros.

Os srs. deputados que são de opinião que se publiquem os documentos que estão sobre a mesa ácerca da estrada da Covilhã tenham a bondade de se levantar.

Foi approvado este requerimento.

O sr. Lourenço de Carvalho: — O segundo requerimento é para que se officie ao governo, para que remetta a esta camara, para ser publicada, a declaração que foi lançada no telegramma que se expediu para a continuação dos trabalhos da estrada da Covilhã.

Esta declaração não consta dos documentos mandados para a mesa.

(Susurro.)

O sr. Presidente: — Isso não se discute agora; parece-me que o segundo requerimento do sr. deputado é para consultar a camara sobre se lhe consente que faça uma declaração...

O sr. Lourenço de Carvalho: — Peço perdão, não é isso; é para que se officie ao governo para que remetta a declaração lançada no telegramma original.

O sr. Presidente: — Na mesa não se percebeu isso; o que eu entendi foi que o sr. deputado tinha feito dois requerimentos, mas agora vejo que são tres; e o segundo era para que a camara permittisse que o sr. deputado fizesse uma declaração por parte do individuo a que se refere esta questão.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Peço a remessa d'este documento, se o governo entende que não ha inconveniente.

Alguns srs. deputados pedem a palavra sobre o modo de propor.

O sr. Presidente: — Sem ordem não é possivel dirigir os trabalhos. Peço ao sr. deputado que cumprindo o regimento escreva o seu requerimento para se votar; isto é, as duas partes que faltam votar, porque sobre uma já a camara resolveu.

(Pausa.)

O sr. Presidente: — Vae ler-se o segundo requerimento do sr. Lourenço de Carvalho.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que seja consultada camara se permitte que eu faça uma declaração relativa á estrada da Covilhã. = Lourenço de Carvalho.

Foi logo approvado.

O sr. Presidente: — Vae ler-se o terceiro requerimento do mesmo sr. deputado.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que se officie ao governo, pedindo que remetta para ser publicada a declaração que foi lançada no telegramma expedido para a continuação dos trabalhos na Covilhã. = Lourenço de Carvalho.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Direi apenas duas palavras, que creio hão de simplificar esta questão. O governo não tem duvida em mandar á camara o documento de que se trata, e a camara resolverá sobre se elle deve ou não ser publicado.

O sr. Mariano de Carvalho (sobre o modo de propor): — Desde que o sr. presidente do conselho declara que não tem duvida em mandar o documento á camara, o requerimento não é necessario. A camara resolveu que fossem publicados os documentos que estão sobre a mesa; e agora parece-me que é preciso nova votação para que se publique tambem esse.

O sr. Barjona de Freitas (sobre o modo de propor): — Se eu entendi bem a questão de que se trata, vejo que o sr. deputado Lourenço de Carvalho pede que se officie ao governo para remetter para a mesa o telegramma a que se referiu. Creio que para isto não é necessaria a deliberação da camara (apoiados).

Quanto a pedir a publicação do documento, parece-me

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

que seria mais regular que a camara esperasse que esse documento se apresentasse sobre a mesa para o apreciar, e depois resolver se deve ou não ser publicado. Pela minha parte presumo que é um documento, cuja publicação não tenho duvida em votar; parecia-me entretanto mais regular que, só depois de se saber o que era, se deliberasse ácerca da sua publicação.

O sr. Mariano de Carvalho (sobre o modo de propor): — Nós sabemos qual é o documento; e parece me que não póde haver duvida em decidir já a sua publicação, tanto mais que o governo já declarou que não tinha duvida na apresentação e publicação d'esse documento.

O sr. Presidente: — O governo já disse que mandava o documento; depois de o mandar, o documento é da camara, e esta resolve se deve ou não publicar-se (apoiados). Entretanto vou consultar a camara sobre se quer desde já decidir a publicação, isto é, se approva o requerimento do sr. Lourenço de Carvalho.

Posto a votos o requerimento, foi approvado.

O sr. Presidente: — Em virtude da deliberação da camara, tem a palavra o sr. Lourenço de Carvalho para uma declaração.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Começo por agradecer á camara a prova de benevolencia com que me honra, permittindo que eu faça uma declaração, com referencia á questão da estrada da Covilhã.

V. ex.ª sabe que esta questão se refere muito especialmente a um cavalheiro que não tem voz n'esta casa, mas que tem assento na outra casa do parlamento; pois eu estou auctorisado a declarar a esta camara que s. ex.ª, na primeira sessão da camara dos dignos pares, rectificará, na presença do governo, a exposição feita pelo sr. marquez d'Avila e de Bolama, dos factos relativos á estrada da Covilhã, que tiveram por consequencia a saída do mesmo cavalheiro do seio do gabinete.

Pela minha parte não desejo por fórma alguma inverter a ordem do debate, nem alterar a inscripção; e por isso limito-me a esta simples declaração, esperando pela occasião em que eu, sem preterição dos oradores inscriptos, possa tratar d'ella com mais desenvolvimento.

O sr. Presidente: — O sr. deputado pelo Porto pediu a palavra para um requerimento antes de se encerrar a sessão.

O sr. Pinheiro Chagas: — Eu tinha pedido a palavra antes para um requerimento.

O sr. Presidente: — É verdade; desculpe o sr. deputado, porque no meio d'esta agitação em que a camara tem estado, é quasi impossivel, a mim e aos srs. secretarios, tomarem nota dos srs. deputados que pedem a palavra.

Tem a palavra o sr. Pinheiro Chagas.

O sr. Pinheiro Chagas: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara para que declare se esta questão da estrada da Covilhã se ha de tratar especialmente. Eu estou inscripto sobre a materia, mas não quero ficar com isso prejudicado para tratar d'essa questão.

O sr. Presidente: — Peço perdão ao sr. deputado para lhe dizer que a camara já decidiu, que se não devia tratar esta questão agora separadamente; ha uma interpellação ácerca d'esta questão, e n'ella póde tomar parte o sr. Pinheiro Chagas.

Tem agora a palavra para um requerimento o sr. Rodrigues de Freitas.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Desejava saber se no ministerio das obras publicas ha o documento pelo qual varias pessoas da Covilhã se responsabilisavam pelas expropriações; e se esse documento é de tal natureza que possa ser trazido á camara. O sr. presidente do conselho alludiu a elle; e como póde esclarecer a questão, desejava que s. ex.ª me dissesse se o documento que citou existe e é de natureza que possa vir a esta camara.

O sr. Presidente do Conselho de Ministros: — Vou responder ao nobre deputado.

No meu discurso não me referi a nenhuma offerta por escripto. Referi-me a uma offerta feita em presença de algumas pessoas por um cavalheiro superior a toda a excepção, que me declarou tomar sobre si a responsabilidade das expropriações se porventura a camara municipal da Covilhã, que se tinha encarregado de as fazer, as não realisasse. Esta declaração foi feita diante de mim, e de um modo tão solemne, que, pela muita consideração que me merece esse cavalheiro, não entendi necessario exigir garantia, e por consequencia não exigi que a fizesse por escripto. Mas declaro que respondo por essa declaração.

O sr. Pereira de Miranda (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que os documentos, cuja publicação foi auctorisada, sejam impressos com urgencia e distribuidos por casa dos srs. deputados, porque sendo eu um dos que estão inscriptos para fallar na resposta ao discurso da corôa, tinha tenção de me occupar da questão da Covilhã quando se verificasse a interpellação que a este respeito está annunciada; mas vendo agora pertender se discuti-la conjunctamente com a resposta ao discurso da corôa, não desejo que por causa d'aquella questão se altere a ordem da inscripção.

O sr. Presidente: — Isso é do expediente da mesa, e portanto escuso de consultar a camara.

O sr. Pinheiro Borges: — Mando para a mesa o seguinte requerimento (leu).

O sr. Santos e Silva: — Requeiro a v. ex.ª, ou antes peço tenha a bondade de mandar ter a ordem da inscripção, para que cada um saiba a altura em que está inscripto na resposta ao discurso da corôa.

O sr. Presidente: — A ordem da inscripção é a seguinte (leu).

A ordem do dia para segunda feira é a mesma que está dada, tanta na primeira como na segunda parte.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas da tarde.

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