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SESSÃO NOCTURNA DE 15 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretários os exmos. srs.:

José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral
Francisco José Machado

SUMMARIO

Officio do ministerio dos negócios estrangeiros, acompanhando uns documentos requeridos pelo sr. visconde da Torre. - Requerimentos de interesse publico apresentados pelo sr. deputado Pereira Carrilho. - Approva-se sem discussão o projecto de lei n.° 139.- O sr. Albano de Mello apresenta o parecer da commissão de instrucção publica, sobre o projecto de lei n,° 95-B. - Entra em discussão o projecto de lei n.° 143, que é approvado, depois de satisfeita pelo sr. Tavares Crespo, relator, uma pergunta do sr. Avellar Machado. - Approva se o projecto n.° 148, depois de trocadas algumas explicações entre o sr. D. José de Saldanha e o sr. Pereira Carrilho, relator. - O sr. Oliveira Valle apresenta o parecer da commissão de verificação de poderes, sobre a eleição pelo circulo n.° 1, de Loanda, e pede dispensa do regimento, que foi concedida, sendo em seguida approvado o parecer sem discussão. É proclamado deputado o sr. Joaquim Alfredo da Silva Ribeiro. - Entra em discussão o projecto n.° 151. É approvado, depois de trocadas algumas explicações entre o sr. Avellar Machado e ministro da justiça. - O sr. Silva Cordeiro participa, que se acha constituida a commissão do regimento.
Na ordem da noite, discussão do projecto do bill, lê-se a moção de ordem apresentada pelo sr. Consiglieri Pedroso na sessão diurna, e é admittida. - A requerimento do sr. Santos Moreira julga-se sufficientemente discutida a generalidade do projecto, que é approvada, depois de terem sido rejeitadas as moções de ordem dos srs. Amorim Novaes, Frederico Arouca, Dias Ferreira. Consiglieri Pedroso e Ruivo Godinho. - A requerimento do sr. Ruivo Godinho lêem-se na mesa os nomes dos srs. deputados que ainda se achavam inscriptos sobre a generalidade do projecto. - Entra em discussão o artigo 1.°-Apresenta uma questão previa o sr. D. José de Saldanha, a quem responde o sr. Antonio Candido, relator. - Usa largamente da palavra contra o projecto, na parte relativa á reforma de engenheria, o sr. Pedro Victor. - Manda pura a mesa dois pareceres da commissão de instrucção publica o sr. Albano de Mello. - Apresenta uma proposta de lei o sr. ministro da fazenda. - O sr. visconde de Monsaraz responde ao sr. Pedro Victor e defende o projecto.

Abertura da sessão- Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 59 srs. deputados. São os seguintes:- Albano de Mello, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Tavares Crespo, Mazziotti, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Miranda Montenegro. Eduardo José Coelho, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Francisco Matoso, Francisco Machado, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Avellar Machado, Pereira e Matos, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Laranjo, Pereira dos Santos, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Julio Graça, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Pedro Victor, Dantas Baracho e Visconde de Monsaraz.

Entraram durante a sessão os srs.: - Mendes da Silva, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Ribeiro Ferreira, Antonio Ennes, Gomes Neto, Pereira Borges, Urbano de Castro, Lobo d'Avila, Eduardo de Abreu, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Fernando Coutinho (D.), Castro Monteiro, Fernandes Vaz, Lucena e Faro, Candido da Silva, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Vieira de Castro, Joaquim da Veiga, Oliveira Martins, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, José Castello Branco, Elias Garcia, Figueiredo Mascarenhas, Oliveira Matos, Abreu e Sousa, Vieira Lisboa, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Sebatião Nobrega, Tito de Carvalho, Estrella Braga, Visconde da Torre e Visconde de Silves.

Não compareceram á sessão os srs.:-Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Campos Valdez, Antonio Centeno, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Jalles, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Augusto Pimentel, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Matoso Santos, Freitas Branco, Francisco de Medeiros, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Severino de Avaliar, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Sá Nogueira, Sant'Anna e Vascencellos, Cabal Ribeiro, Scarnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, João Arroyo, Sousa Machado, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, José de Nápoles, Ferreira Freire, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Santos Reis, Julio Pires, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Vicente Monteiro, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado visconde da Torre, copias dos documentos relativos às collegiadas de Santa Maria Maior de Barcellos e de Santo Estevão de Valença.
Para a secretaria.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Em conformidade com o regimento, requeiro que sobre o projecto do lei n.° 135 seja ouvida a commissão de fazenda. = A. Carrilho.
Mandou-se expedir.

Requeiro que, em conformidade do regimento, seja ouvida a commissão de fazenda sobre o projecto de lei modificando a legislação sobre o recrutamento militar. =A. Carrilho.
Mandou-se enviar o projecto á commissão de fazenda.

O sr. Presidente : -Vae ler-se para entrar em discussão o parecer da commissão de fazenda que approva a contas da gerencia da commissão administrativa d'esta camara.

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1770 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Leu-se. - É o seguinte:

PARECER N.° 139

Senhores. - A vossa commissão de fazenda foram presentes as contas da gerencia da commissão administrativa da camara dos senhores deputados, nos periodos que decorrem desde 21 de janeiro a 11 de julho de 1885, e desde 20 de janeiro até 8 de abril de 1886.
Mostra-se d'essas contas:

Que o saldo que passou da junta administrativa, no dia 21 de janeiro de 1885 foi de Que os fundos recebidos do thesouro publico foram :
de 21 de janeiro a 11 de julho de 1885.... 137:458$020
de 25 de janeiro a 8 de abril de 1886 .... 59:454$721
perfazendo assim o debito d'estas contas .... 197:307$506

Que os pagamentos realisados foram :
Por subsidios e gratificações de jornada dos srs. deputados:
Desde 21 de janeiro a 11 de julho de 1885.... 96:611$335
Desde 25 de janeiro a 8 de abril de 1886.... 46:315$155

Por ordenados e gratificações dos empregados da camara:
No primeiro periodo.... 20:254$890
No segundo periodo.... 8:719$440
Por contas pagas á imprensa nacional :
No primeiro periodo .... 19:909$405
No segundo periodo.... 1:601$120

Por despezas de expediente e eventuaes :
No primeiro periodo .... 927$105
No segundo periodo .......... . 856$510

Pelos saldos entregues ao thesoureiro da junta administrativa da camara....2:112$496
perfazendo assim o credito .... 197:307$506

Do que se conclue que as contas estão saldadas, e como se acham devidamente documentadas, é de parecer a vossa commissão que ellas devem ser approvadas, dando-se plena quitação por ellas ao illustre deputado o sr. Estevão Antonio de Oliveira Junior, que foi thesoureiro da referida commissão administrativa.
O mesmo sr. deputado já entregou á actual commissão administrativa a importancia de 32$630 réis que tinha em deposito, importancia do ordenado vencido pelo primeiro tachygrapho Gastão Baptista da Fonseca, de 1 a 15 de agosto de 1884, data em que falleceu, importancia ainda não reclamada.
Sala da commissão de fazenda, aos 30 de junho de 1887.= J. P. Oliveira Martins - José Maria dos Santos= F. Mattoso dos Santos = Antonio Candido = Gabriel José Ramires = A. Fonseca = Vicente E. Monteiro = Antonio Maria de Carvalho = Carlos Lobo d'Avila = Antonio Eduardo Villaça = Antonio M. Pereira Carrilho.

Conta da gerencia do thesoureiro da camara dos senhores deputados desde 21 de janeiro até 11 de julho de 1885

Receita

Recebido do thesoureiro da junta administrativa :
Saldo da sua gerencia .... 394$765
Importancia que existia em seu poder, do ordenado vencido pelo primeiro tachygrapho Gastão Baptista da Fonseca, de 1 a 15 de agosto de 1884, data em que falleceu, e que ainda não foi reclamada.... 32$630

Idem do ministerio da fazenda (documento n.º 1) :
Pelo artigo 9.°.... 99:142$585
Pelo artigo 10.º .... 17:212$170
Pelo artigo 11.º.... 21:103$265

Somma - Rs. 137:885$415

Despeza

ARTIGO 9.º

Subsidios e gratificações de jornada dos srs. deputados (liquido de impostos) - 24 documentos (A) .... 94:672$620
Imposto de rendimento - 8 documentos (B).... 1:887$125
Idem de sêllo - 8 documentos (C).... 51$590

ARTIGO 10.º

Ordenados e gratificações da empregados da camara (liquido de impostos) - 34 documentos (D) .... 19:653$350
Imposto de rendimento -7 documentos (E).... 343$940
Idem do sêllo - 7 documentos (F).... 17$330
Quotas para o monte pio official - 6 documentos (G)....240$270

ARTIGO 11.

Contas da imprensa nacional, pela assignatura do Diario do governo, composição e impressão do Diario das sessões, etc.- 25 documentos (H).... 19:909$455
Despezas de expediente e eventuaes-36 documentos (I).... 927$105

Somma - Rs. 137:702$785

Importancia do ordenado vencido pelo primeiro tachygrapho Gastão Baptista da Fonseca, de 1 a 15 de agosto de 1884, data em que falleceu, e que ainda não foi reclamada.... 32$630
Idem, entregue ao thesoureiro da junta administrativa - 1 documento (J)...32$630

Somma- Rs. 137:885$415

Lisboa, 16 de abril de 1887.= Antonio de Oliveira Junior.

Conta da gerencia do thesoureiro da camara dos senhores deputados desde 25 de janeiro até 8 de abril de 1886

Receita

Importancia, ainda não reclamada, do ordenado vencido pelo primeiro tachygrapho Gastão Baptista da Fonseca, de 1 a 15 de agosto de 1884, data em que falleceu .... 32$630
Idem, recebida do ministerio da fazenda (documento n.º 1) :
Pelo artigo 9.°.... 48:232$596
Pelo artigo 10.°.... 8:719$440
Pelo artigo 11.°.... 2:502$65

Somma - Rs. 59:487$301

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SESSÃO NOCTURNA DE 15 DE JULHO DE 1887 1771

Despeza

ARTIGO 9.°

Subsidies e gratificações de jornada dos srs. deputados (liquido de impostos) - 16 documentos (A) .... 45:590$155
Imposto de rendimento - 5 documentos (B) 697$480
Idem de sêllo - 5 documentos (C).... 27$520

ARTIGO 10.º

Ordenados e gratificações dos empregados da camara (liquido de impostos) -18 documentos (D).... 8:440$215
Imposto de rendimento - 3 documentos (E) 145$770
Idem de sêllo - 3 documentos (F).... 7$470
Quotas para o monte pio official - 3 documentos (G).... 125$985

ARTIGO 11.º

Conta da imprensa nacional, pela composição e impressão do Diario das sessões, etc. - 1 documento (H).... 1:601$120
Despezas de expediente e eventuaes - 15 documentos (I).... 856$510

Somma - Rs. 57:492$225

Importancia ainda não reclamada do ordenado vencido pelo primeiro tachygrapho Gastão Baptista da Fonseca, de 1 a 15 de agosto de 1884, data em que falleceu.... 32$630
Idem entregue ao thesoureiro da junta administrativa da camara - 1 documento (J) ..... 1:962$496

Somma - Rs. 59:487$351

Lisboa, 16 do abril de 1887. = O thesoureiro, Estevão Antonio de Oliveira Junior.
Approvadas sem discussão.

O sr. Albano de Mello: - Por parte da commissão de administração publica, mando para a mesa o parecer sobre o projecto de lei n.° 95-B, que auctorisa a camara municipal do concelho de Cuba a desviar do fundo da viação municipal a quantia de 1:500$000 réis, para a canalisação de agua e construcção de uma fonte publica, e a quantia de 2:017$000 réis para feitura e concerto de calçadas na mesma villa.
A imprimir.
O sr. Presidente: - Vae ler-se, para entrar em discussão, o projecto de lei relativo á creação de um logar de tabellião de notas em Condeixa a Nova.
Leu-se. - É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 143

Senhores. - A vossa commissão de legislação civil examinou, como lhe cumpria, o projecto de lei n.° 135-F, em que se propõe a creação de um officio de tabellião publico de notas, no concelho de Condeixa a Nova.
A area d'este importantissimo concelho, hoje julgado municipal, pertence a tres julgados ordinarios : Condeixa, da comarca de Coimbra, Ega, da comarca de Soure, e Podentes, da comarca de Penella.
Só o escrivão do extincto julgado ordinario de Condeixa exerce as funcções de tabellião, o que é injusto e desigual para os outros dois antigos julgados, e é incommodo para os povos do concelho que não habitarem na circumscripção onde existe o escrivão notario.
D'este modo metade approximadamente da população do concelho carece de ir legalisar as suas transacções aos cartórios dos tabelliães, nas sedes das comarcas respectivas, com grave damno dos interesses e da commodidade dos povos.
É para evitar taes inconvenientes que a vossa commissão, ouvido o governo, que está de accordo, submette á vossa approvação e esclarecido exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É creado no concelho de Condeixa a Nova um officio publico de tabellião de notas.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Lisboa e sala das sessões da commissão, em 1 de julho de 1881.=F. de Medeiros = J. A. da Silva Cordeiro - E. J. Coelho = Antonio Maria de Carvalho = Antonio Simões dos Reis = Luiz Emilio Vieira Lisboa = Antonio Lucio Tavares Crespo, relator.

N.º 136-F

Senhores. -A creação de um julgado municipal no concelho de Condeixa tornou indispensavel a creação de um officio de tabellião. Já no antigo julgado, que houve n'aquelle concelho, havia dois escrivães que exerciam simultaneamente as respectivas funcções e as de tabelliães. A posição topographica da villa de Condeixa, situada entre campo e serra, e cabeça de um dos melhores concelhos de segunda ordem do districto de Coimbra, e que por si só daria muito que fazer áquelles funccionarios, faz com que grande numero de habitantes das freguezias pertencentes às comarcas de Coimbra, Penella, e Soure, prefiram pela distancia, e por outras commodidades annexas, a villa de Condeixa a qualquer das sedes das referidas comarcas.
É por todos estes fundamentos, que julgámos deverem merecer á attenção do poder legislativo, que temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É creado no concelho de Condeixa um officio de tabellião.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 27 de junho de 1887. = Joaquim Heliodoro da Veiga = Antonio Simões dos Reis = Luiz José Dias.

O sr. Avellar Machado: -Eu desejava saber se sobre esse projecto foi ouvido o governo.
O sr. Tavares Crespo (relator):-Tenho a responder ao illustre deputado que o governo foi ouvido e está de accordo.
Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi posto o projecto á votação e approvado na generalidade e especialidade.
O sr. Presidente:-Vae ler-se outro projecto para entrar em discussão.
Leu-se. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 148

enhores. -- Á vossa commissão de fazenda foi presente a renovação de iniciativa do projecto do lei n.° 47 da sessão de 1886, auctorisando o governo a reformar como actor de 1.ª classe António Pedro do Sousa, applicando-lhe as disposições dos decretos de 4 de outubro de 1860 e da lei de 7 de maio de 1878; e
Considerando o distincto merito e as excepcionaes aptidões do artista a que o projecto se refere, artista que não se encontra nas precisas condições da lei para poder ser passado á inactividade com a pensão correspondente, sem o voto do poder legislativo;
Considerando que, as rasões expostas no relatório que precedeu o mencionado projecto de lei, datado de 26 de março de 1886, são perfeitamente justificadas, auctorisam e impõem a approvação da providencia proposta;
Considerando que depois da promulgação do decreto que instituiu a caixa de aposentação é pelos fundos d'essa caixa, para a qual o thesouro concorre com largo subsidio, que a pensão deve ser paga, e que para se decretar a mesma pensão tem de ser verificada a completa inhabilidade do actor para exercer a sua arte, satisfazendo-se assim a uma das principaes prescripções do referido decreto n.° 1 de 17 de julho de 1886;

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1772 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

É de parecer, de accordo com o governo, que podeis approvar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° Verificada pelo modo estabelecido no decreto n.° 1 de 17 de junho de 1886, e demais disposições vigentes sobre o assumpto, a completa incapacidade physica para exercer a sua arte do actor Antonio Pedro de Sousa, é o governo auctorisado a reformal-o como actor de 1.ª classe, applicando-lhe as disposições dos artigos 2.° e 3.° da carta de lei de 7 de maio de 1878.
§ 1.° O decreto que conceder a reforma e o respectivo processo ficam sujeitos ao visto do tribunal de contas, para poder produzir os seus effeitos, nos termos do mencionado decreto n.° 1, de 17 de julho de 1886.
§ 2.° A pensão de reforma será paga pela caixa de aposentação.
Art. 2.° Fica revogada a legislação contraria a esta.
Sala da commissão de fazenda, 1 de julho de 1887.= Vicente Monteiro = Carlos Lobo d'Avila = Marianno Presado = Antonio Eduardo Villaça =A. Baptista de Sousa= José Frederico Laranjo= Antonio Candido =A. Fonseca = Antonio M. Pereira Carrilho, relator = Tem voto dos srs.: J. M. dos Santos = Gabriel Ramires = Fernando Mattozo Santos.

N.° 100-A

Senhores. - Renovo a iniciativa do projecto de lei, que o anno passado enviei á camara, e que diz respeito á reforma do actor do theatro de D. Maria, Antonio Pedro de Sousa.
Sala das sessões, 13 de maio de 1887.= Urbano de Castro.

N.º 47

Senhores. - A vossa commissão de fazenda foi presente o projecto de lei n.° 36-B, que tem por fim auctorisar o governo a applicar ao actor Antonio Pedro de Sousa as disposições dos decretos de 4 de outubro de 1860 e de 7 de maio de 1878, em relação á reforma dos actores nacionaes, como se tem feito a outros igualmente distinctos e que não se achavam nas condições precisas da lei.
Considerando as rasões expostas no relatorio que precede o referido projecto, e attendendo a que, tendo cessado por morte algumas das reformas ultimamente concedidas, a que hoje se pede com indiscutivel fundamento de equidade não aggrava a despeza que até agora se fazia, a vossa commissão é de parecer que merece ser approvado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° E o governo auctorisado a reformar como actor de 1.ª classe António Pedro de Sousa, applicando-lhe as disposições dos decretos de 4 de outubro de 1860 o de 7 de maio de 1878.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
3 de março de 1886. = Eduardo J. Coelho (com declarações) -Adolpho Pimentel = Tito A. de Carvalho = Pinheiro Chagas = Frederico Arouca = Manuel d'Assumpção= Lopes Navarro = Arthur Hintze Ribeiro = Carlos Lobo d'Avila = Moraes Carvalho = Luciano Cordeiro

N.º 36-B

Senhores.- Como é geralmente sabido, o actor António Pedro de Sousa lucta do ha muito com uma cruel doença de caracter chronico. Essa doença, attestada, como vereis, por quatro illustres facultativos, apresenta, na opinião dos homens da sciencia, o caracier do incuravel, obrigando o doente, são as palavras do dr. José Eduardo Fragoso Tavares, medico do real hospital de S. José, á privação de todo o trabalho violento e aturado, e frequentes vezes mesmo impedindo-o até de se levantar da cama.
Pelo decreto de 4 de outubro do 1860 estatuia-se que os actores do extincto theatro normal, impossibilitados para o exercicio da arte scenica, teriam direito á reforma, quando pelos seus merecimentos e serviços distinctos houvessem obtido uma qualificação honrosa, graduada pelas classes estabelecidas.
Extincto o theatro normal, foi aquelle decreto substituido pelo de 7 de maio de 1878, que, mantendo o principio indicado, tornou extensivo o decreto ou o premio da reforma a todos os actores que tivessem prestado serviço em qualquer theatro nacional, embora não administrado pelo estado.
Claro está que não quero, citando estes decreto, fazer acreditar que as suas disposições sejam exactamente applicaveis ao actor Antonio Pedro.
Se assim fosse, bastava que se cumprisse a lei, para que lhe fosse concedida a reforma.
Citei-os, porém, para pôr em evidencia o principio n'elles consignado de que todo o actor notavel pelos altos merecimentos e relevantes serviços, ao encontrar-se impossibilitado de continuar no exercicio da sua arte, teria direito a reformar-se.
O principio parece-me de todo o ponto justo, como justo se me afigura que o appliqueis ao actor Antonio Pedro de Sousa.
Tenho por absolutamente desnecessario traçar aqui o elogio do grande artista; as repetidas ovações de dois publicos, o publico de Portugal e o do Brazil, os artigos ve-hementes de enthusiasmo ua nossa imprensa e da brazi-leira, consagrando-lhe os successivos triumphos na scena, dispensar-me-iam de lhe encarecer e exaltar os meritos, se todos vós de ha muito, intelligentes e illustrados como sois, os não conhecesseis e apreciasseis.
O nome de Antonio Pedro de Sousa é inquestionavelmente uma das maiores glorias do theatro portuguez contemporaneo.
Portanto, ácerca dos seus merecimentos nem mais palavra. Insistir em os demonstrar seria injuria para todos nós.
Quanto aos serviços por elle prestados, não fallando dos que presta todo o artista de notavel talento á arte que cultiva e ao paiz a que pertence, dir-vos--hei que tanto em Portugal como no Brazil se podem considerar sem conto as festas de caridade a que concorreu, já por convite, a que nunca se recusou, já por elle mesmo organisadas, obedecendo sempre ao desejo de minorar uma desgraça, de alliviar uma miseria, de dar lenitivo a uma dor, de fazer renascer a esperança em corações de onde ella de ha muito desapparecêra.
Junto ao requerimento em que Antonio Pedro de Sousa solicita a sua reforma encontram-se os mais honrosos documentos que podem ser conferidos a um artista que nas suas horas de boa e prospera fortuna nunca se esqueceu d'aquelles para quem ella era má e adversa. Um grande e brilhante talento ao serviço de um nobre e generoso coração.
Falta-nos fallar apenas da condição indispensável a qualquer individuo para que possa gosar dos beneficios de uma reforma, do seu estado physico. Mas ,d'este, como já vos disse, fallam-vos com a auctoridade que lhes vem dos seus diplomas scientificos quatro distinctos medicos, cuja honradez e integridade de caracter é de todos conhecida e respeitada.
Parece-me portanto satisfazer o actor Antonio Pedro de Sousa a todas as condições para que lhe seja applicada a doutrina, ou o principio, que os decretos de 1860 e 1878 estabeleceram para a reforma dos artistas dramaticos.
Não ignoro que não são favoraveis actualmente, como de ha muito, as circunstancias do thesouro.
Se, porém, me concedeis licença, notar-vos-hei em primeiro logar, que não se trata por forma alguma de uma lei nova, que possa aproveitar de futuro seja a quem for, sobrecarregando por esta forma a despeza do estado. Peço-vos apenas uma excepção que se me afigura do todo o ponto justa e equitativa: uma excepção que bom seria podesse servir de confirmação á regra, de não se reformar quem quer que fosse, senão nos rigorosos termos prescriptos pela lei.

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SESSÃO NOCTURNA DE 15 DE JULHO DE 1887 1773

Notarei mais em segundo logar que da reforma de Antonio Pedro não resulta em verdade o augmento de nenhuma verba no orçamento. Simplesmente se conserva a que era destinada ao actor José Carlos dos Santos, ultimamente fallecido.
Creio que este facto não deixará de contribuir, depois do mais que venho de expor-vos, para que deis a vossa approvação ao projecto de lei que tenho a honra de apresentar-vos.
Artigo 1.° É o governo auctorisado a reformar o actor Antonio Pedro de Sousa, applicando-lhe em tudo as disposições do decreto de 7 de maio de 1878.
Art. 2.° O vencimento, a contar da data em que for concedida a referida reforma, será de actor de 1.ª classe, conforme o decreto de 4 de outubro de 1860.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala da camara dos senhores deputados, 26 de março de 1886.- Fernando A. G. Caldeira = R. A. Pequito =A. da Cunha Bellem= Urbano de Castro = Antonio Candido.
O sr. D. José de Saldanha: - Sr presidente, pedi a palavra, não para impugnar o projecto n.° 148, que está em discussão, mas unicamente para fazer uma pergunta ao sr. relator.
No parecer n.° 47, que foi apresentado nesta camara, em 3 de março de 1886, sobre o projecto de lei n.° 36-B, que se referia ao mesmo assumpto que está agora pendente da discussão e da votação dos srs. Deputados da nação portugueza, dizia-se o seguinte:
"Considerando as rasões expostas no relatorio que precede o referido projecto, e attendendo a que, tendo cessado por morte algumas das reformas ultimamente concedidas, a que hoje se pede com indiscutivel fundamento de equidade não aggrava a despeza que até agora se fazia..."
Fica, pois, estabelecido que no parecer apresentado em 1886 se concedia reforma, mas impunha-se como condição absoluta não ser aggravada a despeza publica.
No parecer que está em discussão, do que e relator o sr. Antonio Maria Pereira Carrilho, diz-se o seguinte:
"Considerando que as rasões expostas no relatóorio que precedem o mencionado projecto de lei, datado de 26 de março de 1886, são perfeitamente justificadas, auctorisam e impõem a approvação da providencia proposta."
A minha pergunta, dictada pelo que acabo de ler á camara, é muito simples, e reduz-se a perguntar se este projecto n.° 148 está em harmonia com a doutrina do parecer de 1886, que estabelecia que a reforma só poderia ser dada sem aggravamento da despeza publica.
O sr. Carrilho (relator): - Eu não assignei o projecto de lei de 3 de março de 1886; no emtanto era exacto e verdadeiro tudo quanto a commissão de fazenda dizia n'essa data."
Não ha aggravamento de despeza, porque a caixa de aposentação dos actores tinha nessa occasião grandes sobras ; essas sobras continuam a existir, e em consequencia do projecto de lei apresentado n'esta camara, e que está dependente da camara dos dignos pares, que transferiu o pagamento de todas as classes inactivas para o banco de Portugal, só estão inclusos n'essas despezas os vencimentos que se pagavam na data de 30 de junho ultimo.
Com a importancia destinada a esta aposentação não ha augmento de despeza, repito.
A commissão, de accordo com o governo, não queria que esta pensão fosso descripta no orçamento, e transferiu-a para a caixa de aposentações, que no dia 30 de junho teve um saldo com que talvez se podessem comprar réis 120:000$000 de inscripções.
(Interrupção )
Vamos todos para a caixa de aposentações, que é uma instituição excellente, e que ha de deixar ao sr. Marianno de Carvalho um nome como o que o monte pio official deixou a Fontes Pereira de Mello.
Não ha augmento de despeza agora, como não a havia em 1886, e a camara pratica um acto de justiça approvando este projecto.
Posto á votação o projecto, foi approvado na generalidade e na especialidade.

sr. Oliveira Valle: - Mando para a mesa o parecer da commissão de verificação de poderes sobre a eleição do primeiro circulo de S. Paulo de Loanda.
Como o processo correu regularmente, e não houve protesto ou reclamação alguma, peço a v. exa. se digne consultar a camara sobre se consente que elle entre desde já em discussão.
Leu-se na mesa o seguinte:

PARECER

Senhores.- Á vossa commissão de verificação de poderes foi presente o processo eleitoral do circulo uninominal n.° 1 de S. Paulo da Assumpção de Loanda, da provincia de Angola.
Examinando com a devida attenção o processo eleitoral, verificou-se que o numero de votantes foi de 2:640.
Houve listas brancas, 3.
Inutilisadas, 1.
Obtiveram votos os cidadãos: :
Joaquim Alfredo da Silva Ribeiro.... 2:141
Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.... 41
Antonio Pio do Amaral Gurgel.... 66
Hermenegildo Augusto de Brito capello.... 4
Manuel Luiz Rochete de Andrade.... 3
José de Jesus Ramalho.... 3
José de Jesus Ramalho Claudicari.... 1
D. Maria Pereira Vaudunem Vasconcellos.... 2
Francisco Pereira dos Santos Vaudunem Segundo.... 1
João Gualberto Esteves de Carvalho.... 1
Dr. Alexandre Meirelles de Tavora de Canto e Castro.... 1
Joaquim de Almeida da Cunha.... 2

Na assembéa do Cazengo tiveram os cidadãos:

Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.... 75
Joaquim Alfredo da Silva Ribeiro... 18

E portanto teve este ultimo cidadão 2658 votos.
N'uma assembéa deixou de se apurar um voto, o que não influe no resultado final da eleição.
Correu o acto eleitoral com regularidade e não houve protestos.
Obteve maioria legal o cidadão Joaquim Alfredo da Silva Ribeiro, que apresentou o seu diploma na devida fórma.
A vossa commissão é, pois, de parecer que seja proclamado deputado pelo circulo n.° 1 da provinda de Angola o referido cidadão Joaquim Alfredo da Silva Ribeiro.
Sala das sessões da commissão de verificação do poderes, em 15 do julho de 1887.= José Maria de Andrade = A. L. Tavares Crespo = Pereira dos Santos = Baptista de Sousa = Alfredo Pereira = Oliveira Valle.

O sr. Presidente : - O sr. Oliveira Valle pede que se dispense o regimento a fim de poder entrar desde já em discussão o parecer que acaba de ser lido. Consulto a camara a este respeito.
Dispensou-se o regimento, e lido de novo o parecer} foi em seguida approvado sem discussão.
O sr. Presidente:--Proclamo deputado da nação o sr. Joaquim Alfredo da Silva Ribeiro, eleito pelo primeiro circulo de Loanda.
Vae ler-se outro projecto para ser discutido.

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1774 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Leu-se o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 151

Senhores.-A vossa commissão de legislação civil examinou o projecto de lei n.° 254-B, da sessão de 25 de maio de 1880, cuja iniciativa foi renovada na presente sessão pelo sr. deputado Francisco José Fernandes Vaz.
Pareceu á vossa commissão que são justas as reclamações dos habitantes da freguezia de Cótimos, a qual fica mais perto de Trancoso que de Pinhel, sendo a ribeira de Maçoeime, muito caudalosa na estação das chuvas, um obstáculo grave às communicações entre Cótimos e Pinhel com prejuizo da commodidade dos povos e da regularidade dos serviços publicos e particulares.
Acresce que as relações agricolas e industriaes são todas com a comarca e villa de Trancoso, para onde ha facilidade de communicações, e que ha a máxima conveniencia publica em que a divisão judicial se harmonise quanto possivel com a divisão administrativa.
Por estas breves considerações, a vossa commissão, ouvido o governo, que não se oppoz, tem a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A freguezia de Cótimos, -que pela divisão administrativa faz parte do concelho de Trancoso, e pela divisão judicial faz parte da comarca de Pinhel - fica pertencendo para todos os effeitos judiciaes á comarca de Trancoso.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão, em 2 de julho de 1887. = Joaquim de Almeida Correia Leal = J. A. da Silva Cordeiro=Francisco de Castro Matoso = F. de Medeiros= E. J. Coelho = Luiz Emilio Vieira Lisboa = Antonio Simões dos Reis= Antonio Lucio Tavares Crespo.

N.° 87-D

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 254-B de 1880, apresentado na sessão de 26 de maio, que tem por fim determinar que seja annexada á comarca de Trancoso a freguezia de Cótimos, pertencente á de Pinhel.
Sala deis sessões dos deputados, em 28 de abril de 1887.= A. Carrilho = Francisco José Fernandes Vaz, deputado pelo circulo de Trancoso.

N.º 264-C

Senhores.-A freguezia de Cótimos pertenceu sempre á comarca e concelho de Trancoso, como era de justiça e de conveniencia para os seus moradores, cujas relações de toda a ordem são com a villa de Trancoso e com as demais povoações, que ficam ao poente da grande ribeira, denominada do Maçoeime.
Pela ultima reforma comarca, porém, adjudicou-se aquella freguezia á comarca de Pinhel, sem se attender a que não só esta cidade lhe não fica mais perto do que Trancoso, mas ainda lhe era prejudicialissima tal mudança por terem os moradores de Cótimos de atravessar com frequencia a ribeira de Maçoeime, cuja passagem é sempre perigosa e muitas vezes impossivel no inverno, e porque nenhumas relações tem esta povoação com Pinhel, ao passo que as tem quotidianas e para todas as necessidades da vida com Trancoso, onde aliás continua a pertencer administrativa e politicamente.
Contra esta annexação a Pinhel reclamaram immediatamente todos os moradores da freguezia de Cótimos, e as suas justas queixas e representações para voltarem para Trancoso têem sido repetidas vezes dirigidas aos poderes publicos.
Os justissimos fundamentos de taes representações acham-se abonados e confirmados pelas informações officiaes das auctoridades administrativa e judicial do concelho e comarca de Trancoso, e do governador civil do districto da Guarda, as quaes foram enviadas á secretaria de justiça em cumprimento da portaria de...
É, pois, de inteira justiça attender taes representações que, sem prejuizo para ninguém, se dirigem a alliviar os moradores da freguezia de Cótimos dos pesados encargos, despezas, perigos e vexames que lhes resultam de terem de ir a Pinhel só para tratarem dos seus negocios judiciaes, quando todas as outras suas relações commerciaes, agricolas, administrativas, fiscaes e politicas são e sempre foram com Trancoso.
É por estes fundamentos que eu tenho a honra de propor á vossa sabia approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A freguezia de Cótimos, que actualmente pertence á comarca de Pinhel, fica pertencendo para todos os effeitos judiciaes á comarca de Trancoso.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 25 de maio de 1880. = O deputado pelo circulo n.° 59, J. Paes de Abranches.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.
O sr. Avellar Machado : - É de suppor que o sr. ministro da justiça tenha sido ouvido ácerca d'este projecto.
A minha voz é impotente para levantar um protesto sufficientemente energico, que possa fazer com que a camara o não approve; limito-me, por isso, em meu nome e em nome de alguns amigos meus que condemnam tambem este systema de fazer a divisão judicial a retalho, (Apoiados) a consignar aqui o meu protesto, deixando completa a responsabilidade d'este procedimento ao governo e á sua maioria.
O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Peço a v. exa., sr. presidente, a bondade de dizer se no relatorio se declara que o governo foi ou não ouvido ácerca d'este projecto.
Leu-se na mesa a parte do relatorio do projecto, em que se diz o seguinte:
"Por estas breves considerações, a vossa commissão, ouvido o governo, que não se oppoz, tem a honra de submetter ao vosso esclarecido exame o seguinte projecto de lei."
O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - O illustre deputado o sr. Avellar Machado tem a resposta á sua duvida na parte do relatório do projecto que acaba de ser lida. Ali se diz que foi ouvido o governo.
S. exa. disse que se estava fazendo uma divisão judicial a retalho; mas a verdade é que eu estou occupando esta pasta ha mais de um anno, e ainda nenhum projecto d'esta ordem foi votado.
O sr. Avellar Machado:-Eu queria referir-me aos julgados municipaes.
O Orador: - Para os julgados municipaes conservou-se a divisão que existia.
Alem de que este projecto não tem nada com os julgados municipaes, e a opposição não disse ainda uma palavra, na discussão do bill, a respeito do ponto a que se referiu o illustre deputado.
O sr. Avellar Machado: - O sr. Julio de Vilhena occupou-se dos julgados municipaes.
O Orador: - Peço licença para repetir que o sr. Julio de Vilhena não disse uma palavra sobre este ponto.
(S. exa. não reviu.)
Não havendo quem mais pedisse a palavra, foi o projecto posto á votação e approvado.
O sr. Silva Cordeiro: - Mando para a mesa a seguinte

Participação

Participo que a commissão do regimento acaba de se constituir, nomeando para seu presidente o sr. deputado Antonio Lucio Tavares Crespo, e a mim, participante, para secretario. = J. A. da Silva Cordeiro.
Para a acta.

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SESSÃO NOCTURNA DE 15 DE JULHO DE 1887 1775

ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do projecto de lei n.° 138 relativo ao "bill"

O sr. Presidente:-Vae ler-se a moção que na sessão diurna foi mandada para a mesa pelo sr. Consiglieri Pedroso.
Leu-se a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que as successivas dictaduras, assumidas pelos differentes ministerios n'estes ultimos tempos accusam um vicio radical e profundo na constituição politica do estado, passa á ordem do dia. = Consiglieri Pedroso.
Foi admittida.

O sr. Santos Moreira (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia suficientemente discutida.
Foi julgada discutida.
O sr. Ruivo Godinho (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que mande ler os nomes dos srs. deputados que estavam ainda inscriptos para fallarem sobre a generalidade do projecto.
O sr. Presidente: - Estavam inscriptos contra o projecto os srs. Pedro Victor, João Pinto, Jacinto Candido, João Arroyo, Pereira dos Santos, Avellar Machado, Pinheiro Chagas, Ruivo Godinho, Firmino João Lopes e Franco Castello Branco; e a favor os srs.: Antonio de Azevedo Castello Branco, Silva Cordeiro, visconde de Monsaraz, Pedro Monteiro e Eduardo de Abreu.
O sr. Ruivo Godinho:-Mundo para a seguinte:

Moção de ordem

Tendo a commissão especial do bill reconhecido e confessado que só motivos gravissimos podem relevar o poder executivo de ter exercitado faculdades que pertencem a outro poder do estado;
Não tendo a mesma commissão exposto os motivos que levaram o governo a exercer a dictadura, e não bastando simples referencias para poderem ser bem apreciados pela camara;
Tendo a commissão reconhecido que as providencias dictatoriaes carecem de emendas e substituições que ainda começou a fazer;
Não podendo ser approvadas na integra medidas que carecem de emendas e substituições:
Proponho que o projecto volte á commissão para que exponha claramente os motivos gravissimos que levaram o governo a assumir a dictadura e o poder relevar de ter infligido a constituição do estado, e as emendas e substituições que se devem fazer às providencias dictatoriaes. = Ruivo Godinho.
Foi admittida.

O sr. Presidente:-Vão ler-se, para serem votadas as propostas e moções de ordem que têem sido mandadas para a mesa durante a discussão na generalidade do projecto.
Leu-se a seguinte:

Proposta

Considerando que os decretos dictatoriaes carecem de revisão, conforme a illustre commissão o declarou no seu parecer, proponho que o projecto volte á mesma commissão, a fim de ser convenientemente modificado. = Julio de Vilhena.
Posta a votação, foi rejeitada.
Leu-se a seguinte:

Moção de ordem

A camara, considerando que a dictadura representa a não observancia das promessas feitas pelo governo ao parlamento, a contradição dos principios sustentados e defendidos pelo partido progressista e cerceamento dos principios liberaes escriptos na nossa legislação, e uma desorganisação completa dos serviços publicos, com augmento de despeza, passa á ordem do dia. = José Novaes. Foi rejeitada.

Foi tambem lida na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, sentindo que as providencias de natureza legislativa, promulgadas pelo ministerio das obras publicas, commercio o industria, não tivessem resolvido, ou pelo menos procurado attenuar a crise por que está passando a agricultura, e considerando que algumas d'essas medidas tendem ainda a aggravar mais a referida crise, passa á ordem do dia. = Arouca.
Foi rejeitada.

Leu-se mais a seguinte :

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que as providencias a que se refere o parecer, alem de offenderem a constituição do estado, prejudicam as garantias liberaes e a organisação da fazenda publica, continua na ordem do dia. = Dias Ferreira.
Foi rejeitada.

Leu-se a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que as successivas dictaduras, assumidas pelos differentes ministerios n'estes ultimos tempos accusam um vicio radical e profundo na constituição politica do estado, passa á ordem do dia. = Consiglieri Pedroso.
Foi rejeitada.

Leu finalmente a seguinte:

Proposta

Tendo a commissão especial do bill reconhecido e confessado que só motivos gravissimos podem relevar o poder executivo de ter executado faculdades que pertencem a outro poder do estado;
Não tendo a mesma commissão exposto os motivos que levaram o governo a exercer a dictadura e não bastando simples referencias para poderem ser bem apreciados pela camara;
Tendo a commissão reconhecido que as providencias dictatoriaes carecem de emendas e substituições que ainda começou a fazer;
Não podendo ser approvadas na integra medidas que carecem de emendas e substituições:
Proponho que o projecto volte á commissão para que exponha claramente os motivos gravissimos que levaram o governo a assumir a dictadura e o poder relevar de ter infligido a constituição do estado, e as emendas e substituições que se devem fazer às providencias dictatoriaes. = Ruivo Godinho.
Foi rejeitada.

O sr. Presidente : -Vae ler-se agora o projecto para ser votado na generalidade. (Leu-se.)
É o seguinte:

Artigo 1.° E relevado o governo da responsabilidade em que incorreu, assumindo o exercicio de funcções legislativas.

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1776 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Art. 2.° São confirmadas, para terem força de lei, as providencias promulgadas pelo governo desde 17 de julho de 1886 até 17 de março de 1887.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Foi approvado na generalidade.

O sr. Presidente:- Passa-se á discussão da especialidade.
Leu-se o artigo 1.°
O sr. Pedro Victor (sobre a ordem): - Sr. presidente, as considerações que eu tenho a fazer deviam...
O sr. D. José de Saldanha :- Sr. presidente, eu tinha pedido a palavra para uma questão prévia.
O sr. Presidente :-Eu não ouvi o sr. deputado pedir a palavra para uma questão previa, e por isso a concedi ao sr. Pedro Victor.
Agora só poderei conceder a palavra ao sr. D. José de Saldanha, se o sr. Pedro Victor concordar.
O sr. Pedro Victor:-Estou de accordo; mesmo porque, tendo de expor considerações exclusivamente, ácerca de um decreto promulgado pelo ministerio das obras publicas, e achando mais correcto fazel-as na presença do sr. ministro da respectiva pasta, que está ausente, eu tencionava pedir a v. exa. que interrompesse a sessão até s. exa. chegar.
O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - O meu collega das obras publicas declarou-me esta tarde que não lhe era possivel comparecer á sessão nocturna, pelo menos no principio. Não sei se s. exa. poderá vir mais tarde-; mas é certo que me pediu para eu comparecer e tomar nota das observações que se fizessem com respeito a assumptos concernentes ao ministerio a seu cargo, a fim de lh'as transmittir.
Devia esta explicação ao illustre deputado.
O sr. Presidente:-Uma vez que o sr. Pedro Victor concorda, tem a palavra o sr. D. José de Saldanha para uma questão prévia.
O sr. D. José de Saldanha (para uma questão prévia):- Pedi a palavra, sr. presidente, para uma questão prévia, e vou pôl-a em muito poucas palavras.
Póde succeder que alguns srs. deputados, tanto da maioria, como da opposição, desejem inscrever-se na discussão dos tres artigos do projecto de lei n.º 138 (bill de indemnidade), mas tambem poderá acontecer que a um ou mais dos srs. deputados inscriptos não caiba a palavra, e que tanto a esses, como a alguns que não peçam a palavra, corra o dever de mandar para a mesa uma ou outra emenda ou proposta.
Parece que a commissão e o governo estão de accordo em que sejam admittidas, para ser discutidas aqui, ou no seio da commissão, todas e quaesquer modificações, que sejam enviadas para a mesa.
É isto o que logicamente se conclua da leitura do parecer de que é relator o illustre orador o sr. Antonio Candido, porque nesse parecer está expresso que "a commissão julgou, a final, que seria mais conveniente deixar á iniciativa do governo e da camara quaesquer modificações a fazer n'aquelles decretos, pela fórma que á sua sabedoria parecesse melhor ou mais regular".
Em harmonia com esta declaração, que é terminante, positiva, peço a v. exa., sr. presidente, que se digne de perguntar, em nome da camara e francamente, ao illustre relator se está de acordo em que, não tendo usado da palavra, ou ainda não a tendo pedido, qualquer dos nossos collegas, que deseje apresentar quaesquer emendas ou propostas sobre o projecto em discussão, essas emendas ou propostas sejam recebidas na mesa e mandadas para a commissão, a fim de serem tidas na consideração, que merecerem.
Uma voz:-É do regimento.
O Orador: -É do regimento e não é do regimento. A gente aprende com a pratica, e por isso mantenho a minha pergunta ou proposta.
O sr. Antonio Candido (relator): - Pedi a palavra unicamente para declarar a v. exa. e á camara que a commissão de que tenho a honra de ser relator, acceitará, para as. estudar, todas as emendas que lhe forem mandadas e opportunamente apresentará, a respeito d'ellas, o seu parecer no menor praso de tempo possivel.
O sr. D. José de Saldanha:-Sr. presidente, pela declaração ou resposta do illustre relator da commissão, comprehendo que fica combinado entre nós todos, que a qualquer deputado, que tenha ou não pedido a palavra, fica garantido o direito de mandar para a mesa quaesquer propostas ou emendas, e que todas serão enviadas á commissão. (Apoiados.)
O sr. Presidente: - Se a camara assim o quizer resolver está no seu direito; mas o regimento diz que só podem mandar propostas para a mesa os srs. deputados que, estando inscriptos, não cheguem a usar da palavra.
O sr. Pedro Victor Sequeira:- Tendo o illustre ministro da justiça declarado que, a pedido do seu collega das obras publicas, se encarregava de tomar as necessarias notas para lhe transmitir o que eu, de minha justiça, tenha de expor á camara, vou começar o meu discurso.
É difficil a minha posição.
Na sessão da tarde ouviu esta camara o mais brilhante discurso e a replica mais extraordinariamente feliz que n'esta sessão se têem pronunciado no parlamento. (Apoiados.) O discurso era do notável orador o sr. Antonio Candido, a replica do illustre deputado o sr. Consiglieri Pedroso.
Depois d'este verdadeiro acontecimento parlamentar a minha palavra de certo não póde prender a attenção da camara.
Eu começo a discutir a especialidade do projecto sem que tenha por obediencia a qualquer praxe parlamentar a obrigação restricta de ligar o meu discurso com as orações dos dois distinctos deputados que por ultimo fallaram na generalidade; mas por essa força irresistivel da gravitação universal, que a todos prende e arrasta, sinto-me impellido, embora a minha pequenez seja muita, a approximar-me dos dois brilhantes parlamentares e a ligar o que tenho a dizer, aos extraordinarios discursos dos dois illustres oradores. E por uma circunstancia curiosa, vou mesmo tentar responder ao sr. Consiglieri Pedroso.
Não acceito as suas opiniões, estou ao lado do sr. Antonio Candido. É elle que tem rasão, é elle que me parece, que interpretou bem qual era o seu dever, qual a missão que tinha a cumprir. Refiro me, apenas, á parte do discurso dos dois oradores, em que um defendeu a commissão do bill e em que o outro a atacou.
Eu, verdadeiramente, não concordo nem com um nem com o outro, mas descordo mais das opiniões do sr. Consiglieri Pedroso.
Nós vimos a vehemencia, verdadeiramente notável, com que este orador censurou e estigmatisou o proceder da commissão parlamentar que apresentou n'esta camara o seu parecer sobro o bill, pois descordo completamente da opinião do sr. Consiglieri Pedroso. Tenho pena que s. exa. não esteja presente, mas como não me referirei ao illustre deputado, de maneira que lhe seja desagradavel, posso á vontade exprimir o meu pensamento.
A commissão procedeu bem, a commissão cumpriu o seu dever. No parecer representam-se, genuinamente, o pensamento da maioria da camara e as suas idéas.
Discordo é certo da maneira como o sr. Antonio Candido defendeu o seu proceder e não concordo ainda com alguns detalhes de redacção, mas no fundo esse parecer é o que naturalmente devia ser.
Todos lembram, está bem fresco na memoria de todos, o estygma violento que o Br. Antonio Candido lançou sobre quem tinha por habito argumentar com os precedentes.

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SESSÃO NOCTURNA DE 15 DE JULHO DE 1887 1777

Disse s. exa. que não era seu systema nem costume servir-se d'esse argumento em occasião alguma, e comtudo, creio que todos são concurdes em testemunhar, que as unicas rasões que s. exa. invocou para defender a redacção do parecer e o seu procedimento foram os precedentes. (Apoiados.)
(Interrupção do tr. Antonio Candido.)
Mas em todo o caso foi o argumento unico e exclusivo que s. exa. empregou. E como v. exa. mesmo disse, esse argumento não tem valor. Sendo assim sou eu que vou defender a commissão dando o verdadeiro argumento; vou expol-o, e veremos se a camara concorda ou não commigo. Parece á primeira vista um pouco estranho que venha um deputado da opposição tomar sobre si tal encargo, mas pensando bem nada tem de extraordinario.
A questão é com o sr. Consiglieri Pedroso, que, sendo republicano, é naturalmente um inimigo commum, embora actualmente meu aluado latente; depois isto de se poder estar bem com Deus e com o diabo, ainda que seja por pouco tempo, nunca fez mau cabello a ninguem, sobretudo quando se não contrariam as nossas convicções.
Explicada assim a minha attitude vamos á demonstração.
Tenho aqui presente o compendio das leis que o ministerio fez sem o concurso do parlamento; são estas e muitas outras que faltam n'este grande livro.
Estavam feitas as leis, e todos sabem que depois se fizeram as eleições. E como se fizeram as eleições?!
Como é que se fizeram as eleições? Como é que os senhores vieram á camara? Com as suas influencias proprias, com a influencia do partido e com a influencia do governo, contando já se sabe a influencia do governo como o elemento mais preponderante e muitas vezes unico.
É claro, e indiscutivel.
E quem deu a influencia ao governo? Foi evidentemente e principalmente o compendio. Mesmo por que elle não se fabricou senão para fazer as eleições. (Apoiados.)
De quem, pois, são os senhores filhos ? Da influencia do governo, que vem em linha direitinha da dictadura. Logo os senhores são genuinos filhos ou netos do compendio.
Ora se os senhores são filhos destas leis, se quando foram eleitos, ellas já estavam feitas, já então tinham a consciencia de que não vinham aqui para as fabricar. Logo, quando Be apresentasse aqui qualquer proposta sobre o bill, era unica e exclusivamente para ser votada e não para ser discutida, porque os senhores estavam, pelas relações de parentesco, inhibidos de entrar na discussão. (Apoiados.)
Diz a fabula que "Saturno devorara os proprios filhos."
Mas nem no Olympo ha noticia que uns filhos quaesquer tratem de engulir o proprio pae. (Riso.)
O que representa a commissão do bill? Representa uma delegação da maioria que tem obrigação de synthetisar p seu pensamento. E qual é o pensamento da maioria? É votar o bill sem discutir. (Apoiados.) Logo o parecer devia dizer apenas - Meus senhores votem isto e vão para suas casas; mais nada. (Riso.)
O que eu sinceramente penso é que o parecer é extenso de mais. Pois se os senhores deputados da maioria não querem discussão sobre este ponto, se não precisam de ser esclarecidos, se é essa a sua opinião, a commissão andou perfeitamente bem fazendo um parecer liliputiano. (Riso.) A sua missão é unicamente interpretar o pensamento da maioria.
O defeito que lhe achei foi ser ainda grande de mais. Este é que é o verdadeiro argumento. Foi tambem a commissão vehementemente censurada porque veiu dizer que alguns dos seus membros quizeram fazer emendas. Não acho nada censuravel esta confissão; pelo contrario, quizeram alguns dos seus membros fazer essas emendas, mas depois arrependeram-se porque viram que não se representava assim o genuino pensar da maioria. (Apoiados.) Não é até para admirar virem aqui dizer com uma ingenuidade, coitadinhos! que se tinham lembrado das emendas, mas que depois se arrependeram; que não as queriam fazer porque só o governo é que as devia propor. (Apoiados.) Então isto não é logico? Não é harmonico? Ha n'esta nobre abnegação algum motivo para atacar a commissão? Nenhum. Eu francamente, não comprehendo como o sr. Consiglieri Pedroso não reuniu e não approximou estes diversos factos para ver que a commissão cumpriu bem o seu dever, perfeitamente bem, representando na sua pureza o pensamento da maioria. (Apoiados.)
Mas ha mais, se a commissão representou de uma maneira verdadeiramente genuina o pensamento da maioria, o sr. Antonio Candido foi superiormente feliz, quando no seu brilhante discurso nos fez ver que o que eu acabei de dizer é perfeitamente exacto.
Quando o sr. Antonio Candido fallava, parecia-me estar a ouvir a descripção brilhante de uma noite de luar, em que o céu estivesse recamado das mais brilhantes e fulgurantes constellações ; um primor, um idyllio, um verdadeiro poema; mas argumentos, a discussão terra a terra, a discussão do assumpto, a resposta aos oradores da opposição, nada, absolutamente nada... (Apoiados.}
Era evidentemente o que a maioria desejava, porque ella não queria discutir. (Apoiados.) Era a realisação do seu pensamento; quando muito, para salvar as apparencias, prestava-se a ouvir recitar uma poesia cheia de sentimento. Mas discussão, que horror! Rasões, nenhumas! Para que? Apenas o sr. Antonio Candido apresentou uma, e essa foi aquella que foi tão brilhantemente e de uma maneira tão extraordinaria contradictada pelo sr. Consiglieri Pedroso. (Apoiados.)
Disse o sr. Antonio Candido, e foi esse o thema que s. exa. disse que nos deixava para a discussão proseguir, que a nossa raça tinha uma epilepsia hereditaria que nos impulsionava a fazer dictaduras contra nossa vontade, que era um atavismo, que nos legaram os godos ou os visigodos, e de que não nos podiamos libertar.
É extraordinario como se vem apresentar esta rasão para desculpar a dictadura que o governo acaba de fazer. (Apoiados.)
Isto é uma divagação romantica que não se póde mesmo discutir a serio. Eu não me espanto que o partido progressista venha fazer esta declaração poetica, pela bôca do seu leader.
Não a acho mesmo nada desharmonica.
O partido progressista, salvo alguns poucos homens praticos, de negocios, e da finança, é um partido com assomos romanticos, (Apoiados.-Riso.) começando mesmo polo sr. José Luciano.
O sr. presidente do conselho e todos os deputados que gravitam em roda d'elle, cultivam com dedicação a poesia. (Riso.)
O sr. José Luciano de Castro, quando se manifestou ao mundo, escreveu logo aquellas paginas sentidas no boletim de Torreira, que o tornaram conhecido em todo o paiz, e se nós o acompanharmos na sua vida, vemol-o no principio chorando lagrimas a punhos nas praias da Torreira, (Riso.) para depois, mais tarde, sempre triste, sempre choroso, sempre meditabundo, o encontrarmos curvado sobre o seu programma da Granja, sobre os seus decretos, sobre os seus artigos, sobre as suas leis e em cima dos seus códigos, lembrando-se sempre com saudade das suas queridas opiniões de deputado da opposição. Sempre assim. Ora, lamentando um passado que já não volta, ora aspirando a um futuro que nunca se realisa.
Toda a parte do partido progressista que sustenta o sr. José Luciano de Castro está tomada do mesmo tão conhecido e tão prejudicial lyrismo coimbrão.
Eu tinha pouco mais de um anno, quando a Maria da Fonte saiu para a rua; (Riso.) e fui educado em meio muito mais pratico, muito mais positivo.
É por isso, sr. presidente, que não assisti nem á vinda

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1778 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

nem á evolução dos nossos derradeiros trovadores. Não tenho por isso muito geito para discutir com elles.
Por este motivo, resolvendo entrar na discussão do bill de indemnidade, pensei em me dirigir, em chamar para o combate o ministro menos poetico, mais sanguineo, mais energico, mais audaz, mais dictador, o primeiro dictador de todos os membros do governo, o pujante Achilles do ministerio. (Riso.)
E quando eu digo: o pujante Achilles do ministerio, toda a camara percebe que me refiro ao sr. Emygdio Navarro, ao illustre ministro das obras publicas.
S. exa. não está presente, mas está o sr. Beirão, ministro da justiça, que é o mesmo, visto que s. exa. se encarrega de tomar os necessários apontamentos para communicar ao seu collega.
Vamos a isto. Vamos á discussão do compendio.
Em guarda sr. ministro.
Eu vou cumprir o meu dever; estimarei que s. exa. possa e saiba cumprir o seu.
Feito este pequeno e inoffensivo nariz de cera, (Hilaridade) é assim que mais vulgarmente lhe chamam, vou ler a minha moção de ordem.
(Leu.)
É o mais radical que póde ser.
Sr. presidente, esta questão tenho eu de a apresentar á camara, como uma questão technica, e como uma questão politica. É technica, porque o objecto a discutir, a organisação dos serviços technicos do ministerio das obras publicas, assim o indica. É politica pelos motivos que vou expor á camara.
No dia exactamente em que entrou para o ministerio o sr. Emygdio Navarro, começava a pôr-se em execução uma reforma do pessoal technico assignada pelo sr. Fontes Pereira de Mello.
O partido regenerador, pela assiguatura do seu illustre chefe, tinha ligado áquella reforma todas as suas responsabilidades. (Apoiados.)
O sr. Emygdio Navarro entendeu que ella não podia durar, que ella não podia ser posta em execução, nem um só dia! Grandes defeitos, graves erros devia ter essa reforma! Só assim se explicaria um acto d'estes.
Nem houve a cortezia, esta cortezia que é habitual, que é mesmo das praxes entre adversarios, tudo se esqueceu... não se podia esperar, era preciso calcar a lei, as formulas, os habitos, as conveniencias, e determinar a suspensão de uma reforma, sem que se soubesse quaes os seus defeitos, quaes os erros que na pratica poderiam advir. (Apoiados.)
Esse facto extraordinario só póde explicar-se plausivelmente ou porque a reforma, assignada por Fontes Pereira de Mello, tinha defeitos de tal ordem, tão notaveis, que era preciso tomar uma resolução enérgica e não lhe consentir nem um dia de existencia; ou então é porque se pretendia lançar a luva ao partido regenerador, e com o desafio um insulto. Pois bem, se assim é, eu, apesar das minhas poucas forças, apanho a luva, e vamos a ver quem tem rasão, vamos a ver de que lado está a justiça. (Apoiados.)
É esta a questão politica.
Sr. presidente, a reforma dos serviços technicos do ministerio das obras publicas tem precedentes parlamentares. Eu vou resumidamente expor quaes são esses precedentes parlamentares, e tirar as legitimas, as logicas consequencias, que d'elles só deduzem.
Na sessão de 22 de fevereiro de 1886 entrou o sr. Emygdio Navarro pela primeira vez n'esta casa, como ministro ; e interpellado pelo sr. Franco Castello Branco, o illustre ministro declarou que tinha suspendido a reforma do ministerio das obras publicas, porque a isso o obrigavam os principios economicos do partido a que pertencia. Poucos dias depois, em 26 de fevereiro, interpellado pelo sr. Sousa e Silva, respondeu lho s. exa., pouco mais ou menos, com as mesmas palavras, e disse-lhe mais que precisara suspender áquella reforma para attender às reclamações, que de toda a parte appareciam e de todos os pontos se levantavam contra a classificação e contra as bases da classificação da mesma organisação. Foram estas approximadamente as expressões de que se serviu o illustre ministro, e eu parece-me que traduzo fielmente o pensamento contido nas palavras que então proferiu.
Vejamos agora quaes foram os actos subsequentes, qual foi a maneira como o illustre ministro deu cumprimento às palavras que pronunciou perante a camara.
Em 24 de julho de 1886 publicou-se o decreto dictatorial, que reorganisou os serviços technicos do ministerio das obras publicas; e esse decreto representa approximadamente um augmento de despeza no periodo provisorio de 113:000$000 réis, e no periodo definitivo de 64:000$000 réis O sr. Emygdio Navarro disse á camara no dia 22 de fevereiro que tinha suspendido a reforma, que praticara aquelle acto illegal, porque as idéas economicas do seu partido a isso o obrigaram ; e entretanto a suspensão dá como resultado, que pela nova reforma se augmentam as despezas no periodo definitivo em 64:000$000 réis, e no periodo provisorio em 113:000$000 réis.
O sr. Emygdio Navarro disse na sessão de 26 de fevereiro que suspendera a reforma para examinar as reclamações, que se tinham apresentado; e na commissão, que nomeou, e de que eu fiz parte e o sr. Espergueira, sob a presidencia do illustre ministro, nunca se pensou n'isso.
Appareceram cento e vinte tres requerimentos dos principaes engenheiros do ministerio das obras publicas pedindo a conservação da reforma do sr. Fontes, mais cento e vinte oito requerimentos de conductores pedindo tambem a conservação da mesma reforma, uns dezesete ou dezoito requerimentos de engenheiros reclamando contra a classificação, tres ou quatro contra as bases d'essa classificação, mas nunca foram examinados pela commissão esses documentos, e portanto o sr. ministro não foi exacto e não foi correcto quando disse n'esta camara que suspendêra a reforma para examinar as reclamações, pois que nunca as examinou. (Apoiados.)
Para completo esclarecimento da camara apresento-lhe a lista dos cento e vinte três engenheiros que requereram a favor da organisação do sr. Fontes, para que se possa bem apreciar qual a opinião da grande maioria d'aquella corporação em relação á organisação do illustre chefe do partido regenerador.
Esta nota foi feita pela ordem da apresentação dos requerimentos no ministerio respectivo.

1 Bento Fortunato de Moura Coutinho de Almeida d'Eça.
2 Vicente de Moura Coutinho de Almeida d'Eça.
3 João Guedes Quinhones da Silveira Matos Cabral.
4 Augusto Cesar Paes de Faria.
5 João Augusto de Abreu e Sousa.
6 Frederico de Albuquerque de Orey.
7 Augusto Ferreira.
8 Pedro Roberto da Cunha e Silva.
9 André José de Proença Vieira.
10 João Maria de Abreu e Mota.
11 Cazimiro de Ascensão de Sousa Menezes.
12 José Guedes Correia de Queiroz.
13 Antonio Franco Frazão.
14 Alberto Affonso da Silva Monteiro.
15 Alexandre Simões de Conceição.
16 João Anastacio do Carvalho.
17 Henrique da Cunha Matos de Mendia.
18 Joaquim Pires de Sousa Gomes.
19 João da Costa Couraça.
20 Antonio José Antunes Navarro.
21 João Gadanho Serra Junior.
22 Joaquim da Silva Carvalho.
23 João Honorato da Fonseca Regalla.
24 Julio Maria Vianna.
25 Severiano Augusto da Fonseca Monteiro.

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26 Jayme Larcher.
27 Antonio Ferreira de Araujo e Silva.
28 Egberto do Magalhães Mesquita.
29 Frederico Augusto Pimentel.
30 Lourenço Antonio de Carvalho.
31 Adriano Augusto da Silva Monteiro.
32 Arthur Kopke de Calheiros Lobo.
33 Joaquim Botelho de Lucena.
34 João Teixeira de Magalhães.
35 Thomás Pereira Dias Malheiro.
36 João de Fontes Pereira de Mello Ferreira de Mesquita
37 Luiz Victor Lecocq.
38 Antonio Vasco da Gama Braga.
39 Augusto Victor da Costa Sequeira.
40 Filippe Gonçalves Pelouro.
41 Alipio Coelho de Amaral.
42 Arthur Carlos Machado Guimarães.
43 Frederico Pinto Pereira de Vasconcellos.
44 Luiz Merens de Tavora.
45 José Victor da Costa Sequeira.
46 Manuel Marques de Lima Figueiredo.
47 João Maria de Magalhães.
48 Joaquim Faustino Poças Leitão.
49 José de Macedo de Araujo Junior.
50 João Verissimo Mendes Guerreiro.
51 Adolpho Ferreira do Loureiro.
52 Antonio Lourenço da Silveira.
53 Joaquim Filippe Nery da Encarnação Delgado.
54 D. Antonio de Almeida.
55 Francisco Ferreira Roquete.
56 José Augusto César das Neves Cabral.
57 Manuel Raymundo Valladas.
58 Nuno Bento de Brito Taborda.
59 Henrique Guilherme Thomás Branco.
60 Alfredo Soares.
61 Augusto Luciano Simões de Carvalho.
62 João Gualberto Povoas.
63 Augusto César Justino Teixeira.
64 João Carlos de Almeida Machado.
65 Alberto Alvares Ribeiro.
66 José Augusto Ribeiro de Sampaio.
68 João Henrique von Hafe.
69 Antonio José de Sá.
70 Affonso Joaquim Nogueira Soares.
71 João Diogo de Barros.
72 Affonso do Valle Coelho Cabral.
73 João Nepomuceno de Macedo de Lacerda.
74 Manuel Paulo de Sousa.
75 Visconde de Villarinho de S. Romão.
76 Antonio Guedes Infante Junior.
77 Caetano Xavier de Almeida da Camara Manuel.
78 Antonio Maria Kopke de Carvalho.
79 Manuel Francisco de Vargas.
80 Rodrigo Mendes Norton.
81 Eduardo Marciano Vieira.
82 Arthur Alberto Falcão Rodrigues.
83 José Joaquim de Paiva Cabral Couceiro.
84 João Thomás da Costa.
85 Antonio Teixeira Judice.
86 Augusto Poppe.
87 Lourenço Augusto Pereira Malheiro.
88 Antonio José de Albuquerque do Amaral Cardoso.
89 João Rodrigues Pinto Brandão.
90 Henrique Barbosa Gonçalves Moreira.
91 Luiz Xavier Barbosa.
92 Carlos Augusto de Abreu.
93 Jayme Augusto da Silva.
94 Antonio Augusto de Sousa e Silva.
95 Frederico Augusto Borges do Sousa.
96 Sebastião José Lopes.
97 Carlos H. Abiers.
98 João Francisco Ramos.
99 Henrique de Lima e Cunha.
100 Ernesto Julio Goes Pinto.
101 José Estevão Affonso.
102 Alvaro Allão Pacheco.
103 Alvaro Kopke de Barbosa Ayalla.
104 Carlos de Pezarat.
105 Francisco da Silva Ribeiro.
106 João de Mendonça Pacheco e Mello.
107 José Venancio da Costa.
108 Miguel Carlos Correia Paes.
109 Francisco Maria de Sousa Brandão.
110 Antonio José Arroyo.
111 Bernardo de Aguilar Teixeira Cardoso.
112 Augusto Pinto de Miranda Montenegro.
113 Marquez das Minas.
114 José Cecilio da Costa.
115 Henrique Carlos Freire de Andrade.
116 Henrique Carvalho de Assumpção.
117 Candido Celestino Xavier Cordeiro.
118 Humberto Ferreira Borges de Castro.
119 João Pedro Tavares Trigueiros.
120 Jacinto Heliodoro da Veiga.
121 Pedro Ignacio Lopes.
122 Antonio Xavier de Almeida Pinheiro.
123 Annibal Gomes Ferreira Cabral.

Quaes são, pois, as consequencias logicas dos dois factos que acabo de apontar?
Eu não quero por fórma alguma proferir qualquer expressão que possa melindrar o nobre ministro das obras publicas; mas o facto é que no primeiro dia em que s. exa. entrou n'esta camara pronunciou palavras que, confrontadas com os actos subsequentes, não eram exactas; enganou o parlamento, o paiz e o seu partido; esta é a primeira e logica conclusão. A segunda vou eu tiral-a e fal-o-hei com todo o desassombro.
Quando um ministro pratica um acto tão extraordinario, quando um ministro suspende uma lei que estava em execução, quando o governo a que elle pertence consente que se faça este desacato, quando a corôa com o seu silencio não se oppõe, quando o partido applaude e quando o paiz elege uma camara para sanccionar actos d'estes, o partido que está na opposição que recurso tem? Um unico, e é bom dizer qual é.
No primeiro dia era que um ministro regenerador entrar as portas do ministerio das obras publicas, e no primeiro quarto de papel que encontrar com o carimbo d'aquelle ministerio, tem o direito indiscutivel de suspender todos os decretos que o seu antecessor publicou, porque é assim que se responde a uma prepotencia d'esta ordem. (Apoiados.)
Disse o sr. presidente do conselho que esta dictadura não tinha precedentes, nem podia de futuro ser invocada como precedente.
Pois s. exa. enganou-se; o partido regenerador tem obrigação restricta de tomar como precedente um facto d'esta ordem, e de tomar o desforço necessario de um abuso como o que praticou o sr. ministro das obras publicas.(Apoiados.)
Resta-me ainda lembrar á camara que o sr. ministro das obras publicas, na memoravel sessão de 22 de fevereiro de 1886, só esforçou e insistiu em fazer ver que não era sua intenção aggravar ou offender os seus antecessores quando ordenara a suspensão do decreto de 18 de novembro de 1885.
Quando penso n'esta parte do discurso do sr. Emygdio Navarro lembro-me, sempre, tambem d'aquellas palavras, admiravelmente ditas pelo sr. Antonio Candido na sessão, em que n'esta camara se fez a commemoração d'aquelle inolvidavel estadista.
"Que saudade... que pena...", dizia o sr. Antonio Can-

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dido e repito eu, quando me lembro que aquella nobre e altiva cabeça já se não levanta n'aquelle logar aonde por tantos annos permaneceu sem rival. (Apoiados.)
Que saudade.. . e que pena eu tenho que elle não esteja vivo para responder ao sr. Emygdio Navarro...
Aggravar o sr. Fontes!...
Aggravados foram os bons creditos de s. exa., foi a reputação de que s. exa. gosava como jornalista distincto ou como parlamentar notavel; como eu em breve lhe demonstrarei. (Apoiados.)
Aggravado foi v. exa., sr. ministro.
Aggravado foi o aggravante.
Porque o sr. Fontes, nem como comprimento parlamentar podia, neste caso, receber aggravo de s. exa. (Apoiados.)
Posto isto, feito este exame dos antecedentes parlamentares da questão e expostas estas considerações sobre os seus merecimentos, vamos examinar o que se lê no compendio.
Antes do projecto de lei é preciso estudar o relatorio apresentado pelo sr. ministro a El-Rei e trazido pelo ministerio á camara a fim de apreciar as rasões que determinaram a publicação do decreto de 24 de julho de 1886 e a suspensão do decreto de 18 de novembro de 1885.
N'esse relatorio está escripto o conselho dado a Sua Magestade e as rasões que induziram o governo a levar á assignatura real o decreto.
Vamos por conseguinte, analysar essas rasões apresentadas no relatorio.
São quatro grupos, ou de quatro espécies os motivos allegados pelo illustre ministro.
Primeiro grupo de rasões. O illustre ministro diz que tendo o sr. Fontes reunido no mesmo quadro o pessoal de engenheria de obras publicas, de minas e de florestas, não era conveniente, não era regular para o bom desempenho d'estes serviços similhante organisação, e tornava-se preciso separar para formarem quadros distinctos, não só os mineiros, mas tambem os engenheiros florestaes.
O illustre ministro destacou os argumentos em relação aos engenheiros de minas dos que se referem aos silvicultores e defendeu as suas idéas pela seguinte fórma.
A primeira rasão que o sr. ministro apresentou para que os engenheiros de minas não podessem pertencer ao mesmo quadro dos engenheiros de obras publicas foi porque as conveniencias do serviço assim o exigiam.
V. exas. sabem muito bem que, quando se quer transferir um empregado e se não sabem os motivos por que essa transferencia se ha de fazer, costuma dizer-se- foi transferido por conveniencia de serviço. Pois estas palavras foram applicadas exactamente no mesmo sentido - conveniencia de serviço.
Quer dizer, o sr. ministro não sabe explicar a rasão por que os engenheiros de minas não podem pertencer ao mesmo quadro dos engenheiros de obras publicas.
E como não sabia o que havia de escrever, tomou a resolução energica de declarar, foi por conveniencias de serviços.
Mas vamos a examinar o que é de facto essa conveniencia de serviço.
O serviço de minas demanda engenheiros de tres qualidades; engenheiros inspectores, chefes e subalternos.
Esse serviço sendo interno, na secretaria, tem logar na junta consultiva, na repartição, no laboratorio ou em commissões especiaes, e claramente se reconhece como póde e deve ser desempenhado por aquellas tres categorias de engenheiros:
1 inspector para a junta;
1 engenheiro chefe para dirigir a repartição;
1 engenheiro subalterno para chefe de secção da repartição ;
1 engenheiro subalterno para dirigir o laboratorio.
O serviço externo que comprehehde o trabalho de inspecção, fiscalisacão e administração das minas e aguas mineraes, os estudos e levantamento da carta geológica e mineral, a fiscalisação da geradores a vapor dos estabelecimentos da industria mineira e annexos, e varias outras commissões, tambem se regula convenientemente quando se destinem para o desempenhar:
1 inspector para dirigir os trabalhos geologicos;
2 ou 3 engenheiros chefes para a direcção dos districtos mineiros;
3 engenheiros subalternos para dirigirem as secções de geologia, mineralogia e paleontologia nos trabalhos da carta geologica do reino;
3 ou 4 engenheiros subalternos para coadjuvarem os engenheiros chefes dos districtos mineiros.
Ao todo, 2 inspectores, 3 ou 4 engenheiros chefes e 8 ou 9 engenheiros subalternos.
Logo, com este pessoal superior satisfazem-se as conveniencias do serviço mineiro official do paiz e a organisação que assim o tenha disposto terá regulado convenientemente este ramo da administração.
Mas o que fez o sr. Fontes?
Creou no corpo de engenheiros uma secção de minas, perfeitamente distincta da de obras publicas, e deu-lhe uma organisação completamente em harmonia com o que acabo de expor e que tão bem se coaduna com as exigencias d'aquelle serviço.
Porque se havia de substituir essa organisação em nome das conveniencias do serviço?
Que conveniencias?
Que serviço?
Que fez o illustre ministro?
Creou em vez de uma secção um quadro que se compõe exactamente de inspectores, chefes e subalternos, como não podia deixar de ser.
Logo, n'esta parte, isto é, emquanto á idéa geral sobre a organisação da secção ou do quadro dos mineiros, não fez o sr. ministro mais do que reproduzir por outras palavras o que o sr. Fontes tinha estabelecido.
Na organisação do sr. Fontes havia apenas para os mineiros a vantagem equitativa de terem os seus vencimentos e promoções parallelas às dos engenheiros de obras publicas, no que o sr. ministro houve por bem não concordar, embora affirme no seu relatorio que todas as rasões aconselham a equiparar estas duas classes de funccionarios technicos.
Uma outra rasão apresenta o sr. ministro para demonstrar que os engenheiros de minas devem estar separados dos engenheiros de obras publicas, e, portanto, que a reforma do sr. Fontes devia ser substituida. Essa rasão é que o quadro de engenheiros de minas era notavelmente luzido.
A camara talvez se fatigue com os detalhes com que eu vou seguindo; mas, como este relatório foi presente a Sua Magestade e determinou no poder moderador a resolução de assignar o decreto, é preciso que este poder conheça e aprecie bem qual é a maneira e o processo usado pelos ministros progressistas para fabricarem relatorios e darem conselhos politicos, a fim de obterem a assignatura de um decreto como este. É preciso que a camara tambem conheça bem e aprecie a maneira como se fazem affirmações que verdadeiramente não podem ser sustentadas, nem servir de base a decretos referendados por um ministro. (Apoiados.)
O segundo ponto, com relação aos mineiros, é o seguinte: o sr. ministro diz que o quadro organisado pelo sr. Fontes, em relação a minas, era extremamente luzido; e para sustentar a sua opinião, apresenta n'esta parte do relatorio só metade do seu argumento.
Diz s. exa. que no nosso paiz o governo tem estradas e caminhos do ferro, tem portos, tem até florestas, mas não explora minas por sua conta.
Logo, continua o nobre ministro, o serviço de minas é

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apenas um serviço de inspecção e de fiscalisação, e por isso o quadro deve ser muito reduzido; mas, como é claro, este raciocinio está em meio.
O que era preciso demonstrar era que pela reforma feita pelo sr. Fontes se creou pessoal a mais do que o necessario para o serviço tal qual elle é, e só depois de feito isso é que o sr. ministro tinha demonstrado no seu relatorio que a reforma do sr. Fontes precisava ser substituida, e que o seu quadro era muito luzido.
Mas parou no meio do argumento e não demonstrou, nem podia demonstrar, o que pretendia; porque a reforma do sr. Fontes tinha 14 engenheiros de minas e 14 conductores destinados aos seguintes serviços: 1 engenheiro de minas para a junta consultiva de obras publicas, 1 engenheiro de minas para dirigir os trabalhos geologicos do reino, 1 engenheiro de minas para chefe de repartição, 1 engenheiro subalterno, chefe de secção, para o substituir, 1 engenheiro para dirigir o laboratorio, 3 engenheiros chefes para as tres circumscripções em que deve dividir-se o paiz, 3 a 4 subalternos para auxiliar os chefes das mesmas circumscripções e 3 engenheiros subalternos para dirigirem as secções de mineralogia, paleonthologia e geologia da commissão geologica do reino; sendo os conductores distribuidos para auxiliarem os engenheiros como melhor conviesse ao serviço e ordinariamente da seguinte maneira:
2 para a repartição e laboratorio, 3 para a commissão geologica e 9 para o serviço mineiro externo, sendo 3 para cada circumscripção.
Aqui tem a camara como estava distribuido e perfeitamente organisado o serviço de minas, e com o pessoal restrictamente necessario na reformado sr. Fontes. (Apoiados.)
O sr. conselheiro Emygdio Navarro reduziu este pessoal de minas de 14 engenheiros e conductores a 10, com prejuizo do serviço publico, e tanto assim é que depois o reconheceu o proprio ministro, pois que já foi admittido um engenheiro e foi forçado a nomear um inspector addido.
O sr. ministro sabe muito bem que o quadro do sr. Fontes não tinha nada de luzido.
Os serviços internos da junta, repartição e laboratorio não se podem fazer sem 4 engenheiros e 2 conductores.
Os trabalhos da secção geologica serão limitadissimos quando desempenhados por um director 3 chefes de secção e 3 conductores.
Para o serviço das minas, carta mineral, aguas mineraes, e commissões diversas, fica apenas para todo o paiz, 6 engenheiros e 9 conductores; ora dividindo Portugal em 3 districtos mineiros com 2 engenheiros e 3 conductores, sendo os dias uteis de viagem 8 a 10 por mez e as visitas só às minas a fazer em media 260 por districto mineiro, afora o trabalho de impostos, da carta mineral etc. Etc., claro é que ninguém, conhecendo bem o assumpto, poderia taxar de exagerada e de luxuosa a organisação do serviço mineiro feita pelo sr. Fontes,
Vamos agora aos engenheiros florestaes.
Sei que o sr. Emygdio Navarro empregou todos os esforços, empregou todo o cuidado na sua argumentação para demonstrar que os engenheiros florestaes não deviam entrar de maneira nenhuma com os engenheiros de minas e de obras publicas na mesma organisação.
O partido progressista fazia ao sr. Fontes, neste ponto, graves accusações, e não se poupou mesmo a produzir insinuações pouco delicadas.
Vejamos pois esse negro caso, e como o sr. ministro salvou o paiz e organisou o serviço florestal.
O primeiro argumento produzido pelo sr. Navarro é que os engenheiros florestaes têem um curso muito inferior ao curso dos engenheiros de obras publicas ou dos engenheiros de minas, e por consequencia a funccionarios com cursos tão differentes e de categoria tão diversa não podiam conferir-se as mesmas ou similhantes vantagens. É este o primeiro raciocinio. Mas o sr. Navarro encarregou-se de no mesmo relatorio, demonstrar e apreciar, d'uma maneira
bem clara, quanto este argumento é pouco valioso. Logo adiante, em relação a um outro assumpto, mas n'este mesmo relatorio diz o illustre ministro que nunca ninguem se lembrou pelo facto dos bachareis formados em direito poderem concorrer aos logares de magistratura judicial, aos cargos administrativos, poderem ser conservadores e poderem ser empregados nas secretarias d'estado; nunca ninguem se lembrou de estabelecer a perequação de vencimentos para todos esses individuos, que tinham um curso igual, que vinham e tinham as habilitações da mesma universidade".
Ora, sendo exacto o que o sr. ministro affirma, tambem a preposição inversa é perfeitamente incontestavel.
No nosso paiz, e em todos, é evidente, que a cursos differentes póde corresponder a igualdade nos proventos, assim como ao mesmo curso, tomado como habilitação, raras vezes corresponde a mesma remuneração, e senão vejamos.
Quaes são os cursos dos empregados da alfandega? A regular-nos pelos cursos que têem, havia a mais extraordinária desproporção entre os honorarios dos empregados de fazenda e os que exercem diversas profissões nos outros ministérios. (Apoiados.) Ainda ninguem pensou em regular os vencimentos dos funccionarios em harmonia com os cursos e habilitações que cada um tem, nem ninguem se lembrou de estabelecer, que individuos que tenham cursos differentes não possam ter os mesmos vencimentos. O que se toma em conta são os serviços que o funccionario tem a desempenhar e avaliam-se os vencimentos em relação ao valor d'esses serviços e não era relação ao curso que podem ter ou às habilitações que se lhes póde exigir.
Mas vejamos sempre qual é o curso dos engenheiros florestaes, tal qual deve ser; e teremos occasião de nos convencermos que é um curso muitissimo approximado de um curso de engenheiro.
Eu tenho aqui o programma da escola de Nancy, no qual se vê que o curso do engenheiro florestal comprehende, afora o curso ordinario dos lyceus e o curso preparatorio de escola polytechnica, que dura tres annos, o curso de applicação onde se estuda como mathematicas applicadas, um curso completo de estradas e pontes, um curso de construcções e applicação especial às construcções ruraes, topographia e geodesia, um curso completo de agricultura, de economia florestal e de direito, tem geologia, mineralogia, botanica e zoologia, applicada às florestas, um curso muito detalhado para estudo e montagem dos machinismos applicados especialmente nos estabelecimentos industriaes que se estabelecem junto das florestas, como são serrações de madeiras, etc.; tem um curso especial e muito desenvolvido para o estudo do aproveitamento e fixação das dunas, revestimento e enrelvamento das montanhas, e para o estudo tambem detalhado e completo sobre os meios de evitar os effeitos destruidores das aguas torrenciaes.
Quantos engenheiros no nosso paiz passam a sua vida a fazer estradas? Quantos estão no serviço dos telegraphos? Quantos estão no serviço de pesos e medidas? Pois estes serviços são mais importantes do que os serviços que podem desempenhar os engenheiros florestaes? (Apoiados.)
Pois os engenheiros florestaes não estão habilitados a fazer estradas, construcções e trabalhos topographicos e geodésicos? Estão, porque o curso dos engenheiros florestaes é muito approximado, senão superior em valor scientifico, aos cursos dos engenheiros de obras publicas, por exemplo, das nossas escolas de Lisboa e do Porto. O curso de engenheiros florestaes de Nancy, tem mesmo uma duração superior, mais um anno, que o curso da nossa escola do Porto.
Esta idéa de reunir no mesmo quadro os engenheiros de minas, os engenheiros florestaes e os de obras publicas não é do sr. Fontes, é de um engenheiro que deve merecer absoluto e inteiro credito e ter auctoridade indiscutivel, para o partido progressista, é do sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa.

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Foi elle quem introduziu pela primeira vez esta idéa na legislação de 1864, que o sr. Fontes aperfeiçoou e tornou mais pratica e mais bem adequada às necessidades do serviço na sua lei de 18 de novembro de 1885.
Foi um pensamento economico e justo, e o sr. Emygdio Navarro não póde, ainda que a sua intelligencia seja grande, luctar com a experiencia e talento dos dois distinctos engenheiros, Fontes e Abreu e Sousa.
Mas dizia eu que dos serviços que desempenham os diversos funccionarios é que se devia deduzir a importancia dos seus honorários e a maneira como elles devem ser remunerados.
E o sr. ministro, apesar de apresentar primeiro o argumento de diversidade de cursos que pouco prova, logo em seguida expõe e defende a theoria que acabo de defender.
E visto que nos achamos de accordo n'este ponto vejamos se os serviços dos engenheiros florestaes são de importancia e categoria inferiores aos dos engenheiros de obras publicas, porque, se assim fosse, eu seria o primeiro a dizer que se faça então um quadro á parte e se dê uma remuneração differente a estes funccionarios.
Mas quaes são os serviços dos engenheiros florestaes?
Todo o inundo dirá que são destinados a resolver os problemas de engenheria florestal. Tratam tambem do aproveitamento das dunas, do revestimento e enrelvamento das - montanhas, de evitar os effeitos nocivos das aguas torrenciaes, de resolver todos os problemas da engenheria agricola etc. etc.
É o que elles fazem em todos os paizes cultos.

as veja a camara os n.ºs 7.° e 8.° do artigo 2.° do decreto dictatorial, que discutimos aonde se trata das attribuições dos engenheiros de obras publicas:
"N.° 7.° Trabalhos de engenheria agrícola e florestal.
"N.° 8.° Fixação e aproveitamento de dunas irrigações, drenagem etc., etc. e regulação do regimen das aguas torrenciaes.
Mas estes são os serviços que todo o mundo destina para os engenheiros florestaes; logo os engenheiros de obras publicas e florestaes fazem serviços identicos certamente; logo o que é extraordinario é que os tenham separado; o que é extraordinario é que não estejam no mesmo quadro. Pois se é este o serviço que elles têem de fazer é incomprehensivel que o sr. ministro tenha declarado que o sr. Fontes fez muito mal em não pôr a engenheria florestal separada da das obras publicas. Isto podo parecer um sophisma, porque o sr. ministro das obras publicas podia ter tido a idéa peregrina de tirar aos engenheiros florestaes os seus serviços proprios para os dar aos engenheiros de obras publicas; podia o sr. ministro com o seu espirito de inovação, espirito perfeitamente destacado do vulgar, extraordinariamente inventivo, pensarem tirar aos engenheiros florestaes os serviços que são proprios d'aquelles funccionarios para os ir distribuir aos engenheiros das obras publicas; mas não senhor; não é isso; aqui estão portarias as mais terminantes e claras que demonstram o contrario.
Aqui estão as portarias para o sr. director geral de agricultura de 26 de outubro de 1886, que dizem assim:
"Sendo de todo o ponto urgente fixar regras e preceitos para o revestimento florestal das vastissimas massas arenosas que, pelo extenso litoral do paiz, se vão internando e invadindo, continua e progressivamente, enormes tratos de terreno, inutilisando-os para a agricultura pela formação dos medões ou dunas que, com serem inúteis pela sua completa aridez, se tornam prejudiciaes, porque contribuem para a esterilisação dos campos adjacentes, e, entulhando as fozes dos rios, promovem, pelo reprezamcnto das aguas, inundações que tornam as localidades insalubres;
"Considerando que é excessivamente grande a área occupada pelas duna, talvez não inferior a 60:000 hectares, podendo calcular-se a sua linha de invasão, estendendo-se ao longo da costa, em um comprimento de 300 kilometros
approximadamente, e que, por falta de estudos ácerca da sua marcha annual e das circumstancias que mais contribuem para a celeridade da sua velocidade, se não tem podido ao certo determinar qual a massa de areias que todos os annos despenha sobre o solo e sepulta terrenos aproveitáveis para a cultura e outras necessidades agricolas;
"Considerando que do confronto dos trabalhos e indagações realisadas no principio d'este seculo com as dimensões accusadas nas respectivas cartas chorographicas resulta o convencimento de que no paiz as dunas, de então para cá, têem avançado muito, attingindo o maximo da sua marcha 20 ou mais metros por anno, o que excede, em velocidade, a marcha que se observara nas dunas da Gascunha, as quaes tanto preoccuparam o governo francez, e estão actualmente de todo fixadas por meio de uma arborisação methodica, levada a cabo pelo respectivo corpo florestal;
"Attendendo a que por vezes têem os agentes florestaes iniciado em Portugal estudos destinados a transformar em floresta algumas regiões da costa maritima, existindo na repartição respectiva projectos de trabalhos que, por haverem sido feitos isoladamente e sem obedecerem a um plano geral, só poderam ser executados, sem methodo e imperfeitamente, em pontos afastados;
"Convindo, por isso, que se reunam todos esses elementos e se proceda com urgencia a um estudo completo que, estendendo-se a toda a costa marítima, esclareça não só sobre a tendencia progressiva da formação e internação das dunas no paiz, senão tambem sobre os meios mechanicos e florestaes de contrariar a sua marcha e de as revestir pelos processos de plantações e sementeiras mais adequados a cada uma das regiões do nosso vasto litoral:
"Ha por bem Sua Magestade El-Rei determinar que, pela direcção geral de agricultura, se expeçam ordens e instrucções aos silvicultores, chefes das circumscripções florestaes do reino, a fim de que, cada um na área da respectiva circumscripção, estude as dunas do litoral n'ella comprehendidas, devendo esse estudo abranger a extensão que actualmente ellas occupam, seu movimento, modo mais pratico e economico de as fixar por meio de arborisação, pontos do litoral em que convenha urgentemente dar começo a estes trabalhos, e indicação das plantas arenosas a empregar como meio de fixação mais adequada a cada região; cumprindo-lhes, outrosim, apresentar o plano geral de trabalhos, dividido em secções por maneira a poderem começar n'aquellas que mais prompto remedio exijam, para o que enviarão á mesma direcção geral, alem do relatorio abrangendo a totalidade do plano com o respectivo orçamento, projectos e orçamentos especiaes, classificados pela ordem da sua importancia e urgencia.
"Paço, em 26 de outubro de 1886. = Emygdio Julio Navarro.
"Para o conselheiro director geral de agricultura.
"Convindo ter reunidos e methodicamente classificados os grandes tratos de terreno que, pela legislação vigente, hajam de ser distribuidos pelas circumscripções florestaes, creadas pelo decreto com força de lei de 28 de julho do corrente anno, e que, abrangendo as areias moveis do litoral e respectiva zona de abrigo, as cumiadas das montanhas e os grandes tratos de charneca, áridos, incultos e despovoados, tão de perto se relacionam, sob o ponto de vista do regimen das aguas, com os serviços relativos a terrenos marginaes, que hajam tambem de requerer revestimento florestal, embora de natureza especial e restricta, os quaes constituem competencia das circumscripções hydraulicas, decretadas ultimamente em harmonia com os preceitos estabelecidos na carta de lei de 6 de março de 1884: ha por bem Sua Magestade El-Rei determinar que a direcção geral de agricultura expeça ordens urgentes aos silvicultores, chefes das circumscripções florestaes, que poderão ser coadjuvados pelos agronomos ao ser-

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viço do governo, para que, com a urgencia possivel, procedam ao arrolamento e classificação dos terrenos que devam, pela sua natureza, constituir as zonas propriamente florestaes da dependencia da referida direcção geral, nos termos do § 2.° do artigo 3.° é do artigo 48.° do mencionado decreto com força de lei.
"Paço, em 26 de outubro de 1886.= Emygdio Julio Navarro.
"Para o conselheiro director geral de agricultura.
Aqui está o sr. ministro das obras publicas a fazer amenda honerable do que diz no seu relatorio, a reconhecer a importancia do serviço florestal que tanto rebaixava ali e a mandar executar o serviço das dunas, e outros não menos importantes pelos engenheiros florestaes; e isto porque são os serviços proprios d'elles, para que têem especial competencia, e não pertencem exclusivamente aos engenheiros de obras publicas, nem podia ser mas se os dois grupos de engenheiros fazem o mesmo serviço, devem ter a mesma remuneração e de estar no mesmo quadro... Isto é lógico, é mesmo indiscutivel.
Ha ainda mais: uma outra portaria que aqui está; chamada, lá no ministerio das obras publicas, a portaria de reconciliação entre o director geral das publicas e o da agricultura, portaria de 6 de novembro de 1886, na qual se deixa ver claramente que os engenheiros das circumscripções hydraulicas são obrigados a ir fazer serviço às ordens dos silvicultores. Ainda bem! A engenheria florestal está elevada á maior altura a que podia aspirar; altura em que nunca esteve no tempo do sr. Fontes!
O sr. ministro de certo se arrependeu da má vontade que lhe manifestou ao entrar para o ministerio. Mais vale tarde que nunca.
Vou agora ler a portaria de reconciliação:
"Havendo Sua Magestade El-Rei ordenado, em portaria de 26 de outubro findo, que, pela direcção geral de agricultura d'este ministerio, se expedissem ordens e instrucções aos silvicultores, chefes das circumscripções florestaes, a fim de que cada um na área da respectiva circumscripção, estude as dunas do litoral n'ella comprehendidas, devendo esse estudo subordinar-se a preceitos que, em parte, só podem ser cabalmente executados pela cooperação do pessoal technico das obras publicas, ao qual, pelo n.º 7.° do artigo 2.° do decreto com força de lei de 24 de julho do corrente anno, compete tambem o serviço relativo á engenheria agricola e flo restal; e
"Considerando que o assumpto a que a mencionada portaria se refere é por tal maneira importante e requer, a par de investigações propriamente florestaes, trabalhos de outra ordem que aquelle pessoal, sem prejuizo de outros serviços que lhe sejam incumbidos, póde desde já prestar em concorrencia com o pessoal das circumscripções florestaes do reino:
"Ha por bem o mesmo augusto senhor determinar que, pela direcção geral de obras publicas e minas, se expeçam ordens aos directores de obras publicas nos districtos do continente com orla maritima, auctorisando-os a satisfazer às solicitações do silvicultor chefe da respectiva circumscripção florestal, no que respeita aos estudos de que careça para o melhor e mais prompto cumprimento d'aquella portaria, devendo os mesmos directores communicar superiormente as rasões do serviço, que obstam á satisfação d'aquellas solicitações, quando a ellas não possam acceder sem demora sensivel.
"Paço, em 6 de novembro de 1886. =Emygdio Julio Navarro.
"Para o conselheiro director geral de obras publicas e minas.
Ora, francamente, quando a final se pensa assim, quando na pratica se expedem estas portarias, é melhor não se dizer nos relatorios que os serviços dos engenheiros florestaes são de natureza e categoria muito inferior aos que desempenham os engenheiros de obras publicas.
Com franqueza, para contradizer em portarias tudo o que se escreveu no tal relatorio, valia a pena não ter o illustre ministro tido o incommodo de o fabricar.
Com relação aos florestaes apparece outro argumento, o mesmo que em relação aos mineiros, o do quadro luzido, isto é, o sr. Fontes tinha feito um quadro excessivamente luxuoso de engenheiros florestaes, e era preciso sempre, por causa das idéas economicas do partido, reduzir às justas proporções o pessoal destinado aquelle serviço.
O pessoal que estava destinado pela organisação do sr. Fontes Pereira de Mello a desempenhar os serviços florestaes era composto de 9 couductores e 9 engenheiros.
A despeza media annual com este pessoal era de réis 16:613$000. Podia ser um pouco mais, ou podia ser um pouco menos, mas a media deve calcular-se n'esta verba.
Pela lei do sr. Emygdio Navarro gastam-se apparentemente 14:064$000 réis; mas, se attendermos a que não está aqui incluido um inspector florestal, que accumula o serviço de inspector florestal com o de inspector de agricultura, e que, pelo menos, devemos suppor empregado metade do anno no serviço de inspecção de florestas, temos a acrescentar a esta verba 580$000 réis que se gastam com este inspector.
Mas o serviço das florestas, ao mesmo tempo que está encarregado a este pessoal, está incumbido tambem aos engenheiros de obras publicas. Logo, eu conto para estes trabalhos, pelo menos, 1 engenheiro de 4.ª classe em cada uma das quatro circumscripções hydraulicas, e este calculo é feito muito por baixo. Temos, pois, 3:920$000 réis a acrescentar.
Como na reforma apresentada pelo sr. Fontes Pereira de Mello se supprimiam os mestres, que na organisação de 25 de novembro de 1880 se conservam, temos a acrescentar a despeza com 8 mestres, seja 1:440$000 réis. Sommando todas estas verbas, concluo se que, pela reforma feita pelo sr. Emygdio Navarro gastam-se 20:040$000 réis, ao passo que com a do sr. Fontes despendiam-se 16 064$000 réis, isto é, uma differença de quasi 4:000$000 réis para menos.
Se isto é o que se chama um quadro desluzido, francamente não sei já o que brilha nem o que reluz...
Passo agora a estudar a segunda ordem de rasões apresentada pelo sr. ministro das obras publicas. O illustre ministro declara que se tornava inadiavel a necessidade de supprimir a engenheria districtal e de fazer com que os engenheiros districtaes passassem para o ministerio, e bem assim os serviços a cargo d'aquelle pessoal.
Eu concordo plenamente com esta idéa do sr. ministro das obras publicas, e acho perfeitamente rasoavel e justo que o partido progressista, dentro do qual está o grupo reformista, venha hoje á camara fazer penitencia pelos seus erros passados. (Apoiados.)
É uma nobre acção esta, é um pensamento e uma resolução louvavel; mas que precisão tinha o sr. ministro das obras publicas de pôr em pratica a sua idéa em dictadura, de decretar no dia 24 de julho de 1886, esta providencia?
A rasão mais instante que havia de alterar o serviço das obras publicas districtaes, de certo nascia da necessidade reconhecida no relatorio de transferir sem demora para o ministerio das obras publicas o pessoal da engenheria districtal.
Mas, na propria lei de engenheria districtal decreto segundo, com força de lei, de 30 de outubro de 1868, havia uma disposição que permittia fazer essa transferencia sem haver precisão de publicar decretos dictatoriaes; bastava ler o artigo 7.° e applical-o.
Esse artigo é do teor seguinte:
"O governo continuará a auxiliar a viação municipal e districtal com o seu pessoal technico, empregado no serviço geral do estado; e poderá dispor da engenheria districtal, sem prejuizo do serviço a que é destinada para

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qualquer occupação de conveniencia publica, mediante o pagamento da competente ajuda de custo.
Pois não diz este artigo 7.° d'aquelle decreto que o governo póde dispor de toda a engenheria districtal?
O que tinha o governo a fazer se logica e naturalmente pensava em trazer para o ministerio das obras publicas os serviços e o pessoal de engenheria districtal? Era utilisar-se do disposto no artigo 7.°; primeiramente, chamava assim e desde logo os engenheiros districtaes e pessoal technico, depois esperava que a camara se reunisse e trazia aqui um projecto de lei, que propozesse a transferencia dos serviços todos para o ministerio das obras publicas.
E visto que ficavam debaixo da sua fiscalisação directa e immediata, a continuação de todas as obras, de todas as estradas e de todos os trabalhos, estava assim sanada a principal causa de perturbação e podia bem esperar-se pela abertura do parlamento sem necessidade de decreto dictatorial, pois que na legislação vigente se encontravam os elementos necessarios, para evitar e remediar os inconvenientes de se prolongar por alguns mezes o statu quo.
É, pois, claro e evidente que não havia rasões nenhumas, embora o pensamento do sr. ministro seja bom, não havia motivo nem necessidade de publicar o decreto dictatorial para obviar às perturbações originadas pelo serviço das obras publicas districtaes.
Entremos agora na terceira ordem de rasões exposta pelo sr. ministro das obras publicas.
O sr. ministro declara que com a publicação d'esta providencia legislativa faz uma economia de 41:000$000 réis sem contar a diminuição de despeza com a nova organisação de engenheria de minas e de florestas.
Isto é positivamente inexacto. (Apoiados.) Vou facilmente demonstral-o.
Trago aqui as minhas tabellas que hão de ser publicadas no Diario da camara. O sr. ministro, ou a pessoa que me responder, publicará as suas e o paiz e a camara apreciará quem tem rasão. (Apoiados.)
É claro que aqui não é possivel estar a detalhar, a ler numero por numero e a explicar minuciosamente estas tabellas, o que seria verdadeiramente fatigante.
Os meus números dizem que o sr. ministro no periodo definitivo em vez da economia superior a 41:000$000 réis, deve realisar um excesso de despeza com a sua reforma de 64:369$400 réis, entrando já em consideração com o pessoal de minas e de florestas.
N'este calculo está feito o desconto procedente de na reforma apresentada pelo sr. Fontes se contarem só oito dias de ajuda de custo por mez, a cada funccionario technico, e na do sr. Navarro se calcularem dez dias.
Foi tambem definido um elemento vago que era indispensavel precisar.
O sr. Emygdio Navarro elaborou uma reforma com 120 engenheiros civis, 00 engenheiros militares, ao maximo e 15 engenheiros conductores. Para estes 180 engenheiros o sr. conselheiro Emygdio Navarro, creou um quadro apenas de 120 conductores!
Não ha organisação alguma no mundo culto, onde se encontre uma desproporção similhante, e mais engenheiros do que conductores.
Que fim teria o sr. ministro em vista, adoptando tão inacceitavel disposição?
Foi para no orçamento não figurar claramente toda a despeza a que esta reforma obriga, visto haver um artigo em que se diz que o sr. ministro das obras publicas fica auctorisado a nomear todos os conductores auxiliares que forem necessarios para o serviço de obras publicas, os quaes serão pagos pelas obras. (Apoiados.) Mas para se fazer a comparação de uma reforma com outra e preciso saber como só ha de estabelecer essa comparação; isto é, determinar bem quaes as garantias de bom serviço que nos podem dar as reformas feitas quer pelo sr. Fontes quer pelo sr. Navarro.
Na primeira havia 117 engenheiros de obras publicas, comprehendidos os engenheiros militares, para 157 conductores. Esta proporção, que representa de certo uma determinada garantia de bom e economico serviço, era de 1 engenheiro para 1,34 conductores.
É ainda uma proporção diminutissima, porque na organisação italiana, e eu vou referir-me a ella, porque é onde o sr. Emygdio Navarro, o actual ministro das obras publicas, foi beber algumas das suas idéas, que tão mal trasladou para esta lei; na reforma italiana a proporção de engenheiros para conductores é de 630: 1000,ou 1 : 1,74. Nos outros paizes, na França, Belgica, etc., esta proporção varia e não desce de 1/1.50, de modo que deve considerar-se como proporção diminuta a adoptada pelo sr. Fontes. (Apoiados.)
Portanto, para que as duas reformas estejam sob este ponto de vista em igualdade de condições de bom serviço, é necessario que a proporção entre os conductores e os engenheiros seja pelo menos na organisação do sr. Navarro, de 1 engenheiro para 1,34 conductores.
Para não exagerar, ou já quero considerar os engenheiros conductores como conductores.
Sendo assim temos 170 engenheiros para 120 conductores do quadro, mais 15 engenheiros conductores, para 130; e para obter a relação de 1/1.34 é indispensavel conservar ao serviço 93 conductores auxiliares, o que dá 170 engenheiros para 228 conductores.
Na pratica este numero de 93 conductores auxiliares que eu calculei por este processo ha de ser muito excedido, visto como o governo fica com a ampla liberdade de nomear conductores auxiliares, pagos pelas obras, mas eu limito-me a suppor que este numero não será augmentado, e calcular as tabellas n'esta hypothese.
Como prova evidente do que acabo de dizer, bastaria lembrar que quando o sr. Navarro entrou para o ministerio, encontrou classificados 197 conductores de obras publicas (mais 47 que os do quadro definitivo do sr. Fontes), pois tendo chamado para as obras publicas 21 conductores districtaes, ainda classificou mais 48 novos, e o que é mais ainda, existem officialmente reconhecidos 25 antigos conductores districtaes auxiliares, ao todo 291, e alem d'estes varios outros, não poucos, pagos pelas obras.
Posto isto e dadas estas explicações, póde a camara examinar as seguintes tabellas, aonde se acham feitas na casa das observações, as explicações necessarias para a sua completa apreciação:

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Quadros comparativos da despeza maxima a fazer com os engenheiros, architectos, conductores e desenhadores de obras publicas no "periodo definitivo", nos termos dos decretos de 18 de novembro de 1885 e de 24 de julho de 1886

Quadro n.º 1 - Organisaçao do sr. Fontes

[Ver tabela na imagem]

Observações

(a) Calcula-se em 60$000 réis annuaes ou 5$000 réis mensaes o subsidio de marcha.
(b) Abatendo de 183:014$000 réis a despeza media com os engenheiros de minas (18:310$000 réis) e com os florestaes (10:890$000 réis) resta para os de obras publicas (réis 153:814$000).
(e) Abatendo de 106:128$000 a despeza media com os conductores de minas (8:903$000 réis) e com os florestaes (5:723$000 réis) resta para os de obras publicas (réis 91:502$000).
(d) A acrescentar a despeza maxima que se fazia com o pessoal technico legal da engonheria districtal, nos termos do decreto 2.° de 30 de outubro de 1868.
(e) Suppõe-se que os desenhadores não mudam de residencia.
(f) Admittindo a organisação do sr. Navarro, o abono de dez dias de ajuda de custo mensaes, a da engenharia districtal de quinze dias e a do sr. Fontes de oito dias para estabelecer a comparação equitativa e visto que, em geral, a despeza media nunca excede o abono de oito dias, a ajuda de custo por individuo, por isso deve reduzir-se o abono ao menor, para o que tem de se subtrahir a verba de 4:233$600 réis.
(g) A acrescentar a despeza orçada tal que se fazia com os desenhadores em 24 de julho de 1886.
h) Differença a menos no periodo definitivo para esta organisação.

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Quadro n.º 2 - Organisação do sr. Navarro

[Ver tabela na imagem]

Observações

(a) Calcula-se em 5$000 réis mensaes o subsidio de marcha.
(b) Suppõe-se que são dispensados do serviço da guerra na proporção do quadro da arma de engenheria.
(c) Este numero é variavel. Adoptâmol-o para estabelecer a mesma relação entre os engenheiros e conductores nas duas reformas. - Contando os engenheiros-conductores como conductores, com effeito 1/1,34 e proximamente igual a 117/157 e a120+50/120+15+93 - 170/228. Em Italia 1/1,74.
(d) Suppõe-se que os desenhadores não mudam de residencia senão extraordinariamente e que o abono sáe das sobras das despezas variaveis.
(e) Admittindo a organisação do sr. Navarro o abono de dez dias de ajuda de custo mensaes, a da engenheria districtal quinze dias e a do sr. Fontes oito dias, para estabelecer a comparação equitativa, e visto que, em geral, a despeza media nunca excede o abono de oito dias de ajuda de custo por individuo, por isso deve reduzir-se todo o abono ao menor, para o que tem de se subtrahir a verba de 15:715$000 réis.
(f) Não considero o ajudante do chefe de serviço do Bussaco por ser illegal a nomeação d'este empregado.

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PERIODO PROVISORIO NA EPOCHA PRESENTE

Quadros comparativos da despeza maxima a fazer com os engenheiros de obras publicas, architectos, conductores e desenhadores nos termos dos decretos de 18 de novembro de 188o e de 24 de julho de 1886

Quadro n.º 3. - Organisação do sr. Fontes

[Ver tabela na imagem]

(a) Calcula-se a ajuda de custo em harmonia com a classificação obtida no ministerio das obras publicas.- (b) Menos um admittido posteriormente.- (c) Menos 3, idem.- (d)Menos 5, idem.- (e) Menos 22, idem.- (f) Menos 31, idem, sendo 15 districtaes e 16 novos.- (g) Menos 2 admittidos posteriormente. - (h) Menos 7, idem. - (i) Menos 60, idem.- (j) Menos 69, sendo 21 districtaes e 48 novos.

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[Ver tabela na imagem]

Observações ~

a) Suppõe-se que os desenhadores só mudam de residencia extraordinariamente e que para esse caso eventual a ajuda de custo sáe das sobras das verbas para esse fim destinadas.- (b) A abater para reduzir a oito dias maximo o abono da ajuda de custo.-(c) Differença a mais na reforma do sr. Navarro.

Quadro n.º 4. - Organisação do sr. Navarro

[Ver tabela na imagem]

Observações

(a) Calculam-se as ajudas de custo e subsidio de marcha em harmonia com a classificação obtida nas obras publicas. Calcula-se que o numero de generaes não excede o actual.- (b) Tomaram-se as gratificações medias da classe para organisar o calculo.

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[Ver tabela na imagem]

Observações

(a) Gratificação mínima.-(b) Não contando os outros auxiliares pagos pelas obras.-(c) Suppõe-se que os desenhadores não mudam ordinariamente de residencia, e que para esse caso eventual a ajuda de custo sáe das sobras da verba para isso destinada. - (d) Não contando dois alunnos que em breve prazo têem direito a serem admittidos como addidos na importancia de 2:040$000 réis.- (e) Não contando o inspector que vence 1:160$000 réis.- (f) Não auctorisado na reforma.- (g) Não contando oito mestres que tinham sido eliminados na reforma do sr. Fontes e introduzidos n'esta com a verba de 1:440$000 réis.- (h) A abater para reduzir a oito dias o abono da ajuda de custo mensal.

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Quadro comparativo (n.º5) entre a despeza actual, a que se fazia antes de publicado o decreto de 24 de julho de 1886, e a que se faria se estivesse em execução o decreto de 18 de novembro de 1885

[Ver tabela na imagem]

Resumo

Periodo provisorio.- Despeza segundo o decreto de 18 de novembro de 1885 .... 4 0:172$800
Despeza a mais.... 86:887$400

Periodo definitivo. - Despeza segundo o mesmo decreto de 1885.... 343:665$400
Despeza a menos.... 19:620$000

Periodo provisorio. - Despeza segundo o decreto de 24 de julho de 1886.... 563:980$200
Despeza a mais .... 200:694$800

Periodo definitivo. - Despeza segundo o mesmo decreto de 1886 ... 408:034$800
Despeza a mais.... 44:749$400

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SESSÃO NOCTURNA DE 15 DE JULHO DE 1887 1791

Com relação ao periodo provisorio, sabe v. exa. e sabe a camara qual é o augmento de despeza 113:807$400 réis.
Estas é que são as economias do partido progressista (Apoiados.)
Isto é a differença sobre a reforma do sr. Fontes, não é a differença sobre a despeza anterior, é o que o sr. ministro gasta a mais, do que se gastaria, se tivéssemos unicamente em vigor a organisação do sr. Fontes. E preciso notar bem esta circumstancia.
E com relação a essa despeza anterior aqui temos o bouquet final. A reforma do sr. Navarro em relação ao que d'antes havia, augmentou a despeza, na importancia de 200:694$800 réis!
Estes é que são os principios economicos do partido progressista e nós os regeneradores é que esbanjámos os dinheiros publicos!!
Veja a camara com attenção essas duas tabellas ambas relativas ao periodo provisorio, uma estabelecendo a comparação com a organisação do sr. Fontes e a outra com o periodo anterior em que vigorava o decreto do sr. Calheiros.
Examinem os srs. deputados esse quadro e o seu resumo final e chegarão às seguintes exactas e veridicas conclusões:
1.ª Que a organisação do sr. Fontes trazia um augmento de despeza provisoria de 87:000$000 réis approximadamente, que tendia gradualmente a diminuir até se transformar em uma economia definitiva de 20:000$000 pouco mais ou menos.
2.ª Que a reforma do sr. Navarro começa por augmentar os gastos em 200:000$000 réis para no periodo definitivo trazer sempre um encargo approximado de 45:000$000 réis.
Sob o ponto de vista financeiro o conselho dado á corôa e as rasões apresentadas á camara não podem ter uma eloquência mais realmente negativa.
Continuemos a aualysar o terceiro grupo de rasões.
O sr. ministro declara, que na sua opinião, o quadro dos engenheiros de obras publicas devia ser apenas de 90 engenheiros e de alguns militares, que tivessem de vir do ministerio da guerra, não muitos, porque com este pessoal superior fazia-se perfeitamente todo o serviço do ministerio; isto está aqui escripto.
Mas por equidade, por benevolencia especial, o sr. ministro, resolveu, embora repito, entendesse que o quadro devia ser de 90 engenheiros, que elle se alargasse a 120 engenheiros! Para obsequiar os engenheiros de obras publicas, por sua espontanea generosidade já se vê.
Francamente, este modo de proceder é perfeitamente incorrecto. (Apoiados.)
Pois se o sr. ministro entendia que o quadro devia ser de 90 engenheiros, para que resolveu que fosse de 120? Foi para obsequiar a classe dos engenheiros civis? S. exa. não está nesse logar para fazer favores, está ahi para propor e executar leis justas e sabias.
Mas o que tem mais graça é que ainda assim, é que apesar da opinião do sr. ministro, não são só 120, são mais; porque temos os 120 engenheiros de obras publicas civis, temos 50 militares ao máximo, e alem desses, mais 15 engenheiros conductores, perfazendo ao todo, o numero de 185!!
Ora aqui está como o sr. ministro faz as reformas. E é extraordinario como se apresenta um relatorio d'estes ao chefe do estado e á camara e se lhe diga: aqui está, o serviço do ministerio das obras publicas faz-se perfeitamente com 90 engenheiros civis e alguns poucos militares, sejam 117 engenheiros como dizia o sr. Fontes, e depois no decreto, na lei, substitue-se este pensamento e estabelece-se a creação de um quadro de 185 funccionarios!!
Para isto é melhor não escrever relatorios, nem expor á vista de todos tão flagrantes contradicções.
Pois se o serviço se faz com 117 engenheiros, 90 civis e mais alguns, poucos, militares, porque se suspendeu e substituiu o decreto de 18 de novembro de 1885? (Apoiados.)
É inacreditavel!
Mas ainda ha mais do que isto!
Quando o sr. ministro entrou para o governo havia 168 engenheiros classificados pelo sr. Fontes; pois o sr. ministro, afora os 15 engenheiros districtaes chamados para o serviço do ministerio, ainda admittiu mais 16 engenheiros, e por ora 8 engenheiros conductores, ao todo 207, com boas esperanças de chegarmos a 214! ...
Está s. exa. convencido de que 90 engenheiros são os necessarios para desempenhar todo o serviço; por favor e por graça especial faz um quadro de 120, na lei arranja as cousas de modo que esse quadro eleva-se a 185, no ministerio encontra 168, e admitte depois mais 39! ... (Apoiados.)
Os 16 engenheiros que entraram na nova classificação são os srs. Pinheiro Borges, Bandeira Coelho, Garçao, e varias pessoas muito distinctas, excellentes cavalheiros e engenheiros muito conhecidos, mas são mais 15. (Apoiados.)
O sr. Goes Pinto: - Parecia-me mais conveniente que v. exa. continuasse a ler a relação.
O Orador: - Se v. exa. quer, eu leio. Eu não a li toda para não estar a causar a camara.

Admissões

Engenheiros:

1 Domingos Pinheiro Borges, coronel de engenheiros.
2 José Bandeira Coelho de Mello, tenente coronel de engenheiros.
3 José de Oliveira Garção, major de engenheiros.
4 Fernando Pereira Mousinho de Albuquerque, major de engenheiros.
5 José Augusto Correia de Barros, engenheiro civil.
6 Augusto Cesar de Abreu Nunes, capitão de engenheiros.
7 Antonio Eduardo Villaça, tenente de engenheiros.
8 Eduardo Augusto Xavier da Cunha, tenente de engenheiros.
9 Antonio L. G. B. de Moraes Sarmento, capitão de infanteria.
10 Manuel Francisco da Costa Serrão, capitão de engenheiros.
11 Antonio Maria de Avellar, engenheiro civil.
12 Antonio da Conceição Parreira, tenente de engenheiros.
13 Eduardo Olympio de Magalhães Braga, engenheiro civil.
14 Luiz de Albuquerque d'Orey, engenheiro civil.
15 Rodrigo Roberto Mendes, capitão de engenheiros.
16 Francisco de Figueiredo Avila, tenente de engenheiros.
Engenheiros districtaes:
1 Fortunato Augusto Freire Themudo, primeiro engenheiro - Coimbra.
2 Antonio Placido de Vasconcellos Peixoto, primeiro engenheiro - Braga.
3 Antonio Augusto da Silva Guimarães, primeiro engenheiro - Lisboa.
4 João Emygdio da Silva Dias, primeiro engenheiro - Portalegre.
5 Paulo de Barros Pinto Osorio, primeiro engenheiro - Villa Real.
6 Henrique Pereira Pinto Bravo, primeiro engenheiro - Vianna.
7 José Joaquim Dias, primeiro engenheiro - Guarda.
8 José Maria Charters Henriques de Azevedo, primeiro engenheiro - Leiria.
9 Augusto Julio Bandeira Neiva, primeiro engenheiro - Aveiro.

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1792 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

10 João Theophilo da Costa Goes, segundo engenheiro - Coimbra.
11 Saturnino de Barros Leal, segundo engenheiro - Aveiro.
12 João José Lourenço de Azevedo, segundo engenheiro - Porto.
13 Manuel Maria Lopes Monteiro, segundo engenheiro - Bragança.
14 José Maria Pinto Carvalho, primeiro engenheiro - Beja.
15 José Maria de Mello Matos, primeiro engenheiro - Castello Branco.

O illustre deputado ha de notar que eu não tive a minima malicia, nem a minima idéa reservada quando li apenas os primeiros nomes d'esta grande lista.
O que eu quero fazer bem sentir á camara é a enorme distancia que separa o numero 90 do relatorio do numero 207 a que chegâmos na pratica.
É por estas e por outras que eu disse que o sr. Navarro era o pujante Achilles do ministerio!!
Em seguida o sr. ministro das obras publicas neste terceiro grupo de rasões preconisa as disposições por elle adoptadas com relação á promoção por merito, aos vencimentos tambem por merito, e em relação às providencias que tomou para que a contabilidade externa do ministerio fosse feita nos termos que s. exa. entende mais regulares e mais proveitosos.
Eu, quando discutir a lei, apreciarei detalhadamente estes tres pontos; e, por agora, passo a examinar a quarta ordem de rasões apresentadas por s. exa.
É n'este capitulo do seu relatorio que o espirito magnanimo do sr. Emygdio Navarro se compraz em divagações para nos declarar que conseguiu dirimir a velha pendencia que existe entre a engenheria militar e a engenheria civil, e s. exa. com uma boa fé admiravel chegou a acreditar que com o seu decreto tinha acabado para sempre esta antiga e desgraçada questão.
A falta de modestia do illustre ministro iguala n'este ponto a sua ingenuidade technica.
Eu sobre este assumpto tenho apenas a dizer o seguinte. Desde que se abriram as cortes, tanto n'esta como na outra camara, apparecem todos os dias requerimentos de engenheiros militares a reclamarem contra a reforma. (Apoiados.)
Francamente não ha triumpho maior. (Apoiados.) O sr. Emygdio Navarro deve estar satisfeito.
(Interrupção do sr. Avellar Machado.)
O sr. Avellar Machado diz-me que são noventa e dois os requerimentos, eu apenas contei setenta e sete; mas s. exa. diz-me que são noventa e dois, e portanto é o corpo todo de engenheria a requerer justiça. (Apoiados.)
Eu leio á camara os nomes dos engenheiros a que acabo de me referir e que requereram á camara contra a reforma do illustre ministro.
"6 coroneis: - Srs. Latino Coelho, Craveiro, Miceno, Aboim, Carvalho da Silva, e Cunha.
"10 tenentes-coroneis: - Srs. Brito Limpo, Thomás de Aquino, Godinho, Lumiar, Osório, Alvares Pereira, Couto, Moraes de Almeida, Alegro e Gorjão.
"6 majores: - Srs. Supico, Castello Branco, Brito, Sampaio, Araujo e Rodrigues.
"21 capitães: - Srs. Castro, Vianna, Tudella, Sousa, Thovar, Jusino, Parreira, Lobo, Abreu Nunes, Monteiro de Lima, Soeiro, Silverio, Costa Freire, Menezes, Bello, Xavier, Matos, Pindella, Baptista, Mendes, e Costa Lima.
"20 tenentes: - Srs. Xavier Teixeira, Valdez, Trindade, Cascaes, Gandra, Garção, Moreira e Sousa, Severino de Carvalho, Cunha, Esteves, Beja, Vaz da Silva, Gomes Teixeira, Azeredo, Hermano, Vasconcellos, Aguiar, Loroto, Veiga, e Granger.
"14 alferes: - Srs. Queiroz, Theriaga, Pereira, Sá, Lima, Machado, Roma, Ferrugento, Peres, Bobella, Bastos, Cardoso, Diniz, Roma Machado.
Os engenheiros militares que entram na primeira classificação ficam em condições inteiramente differentes dos que ficaram de fora; os vencimentos dos segundos são differentes dos que já lá estavam; uma completa disparidade de condições entre os officiaes do mesmo corpo em relação a garantias, a vencimentos, a serviços, etc., etc., e se a outra reforma não era bem acceite, esta é detestável, e detestada pelos engenheiros militares.
O sr. Navarro produziu o effeito exactamente opposto áquelle que pretendia obter.
Até o sr. Latino Coelho que, creio eu, nunca requereu contra organisação nenhuma, até s. exa. veiu reclamar!!
Não se póde ser mais infeliz do que foi o illustre ministro nas previsões lisonjeiras com que fez, perante os engenheiros militares o reclame da sua reforma!
Não ha mais completo desengano!
Temos, pois, demonstrada a primeira parte da nossa moção, em que diziamos que nenhuma rasão attendivel ou digna de consideração podia explicar de uma maneira plausível que o sr. ministro das obras publicas tivesse publicado este decreto.
Vamos agora examinar o decreto em si, na sua contextura e na sua materia, e desde já declaro á camara que tudo quanto ali está, que não for copiado, representa apenas uma serie de erros ou de defeitos, quer na forma, quer na essencia.
É tudo tão extraordinario, tão anormal que até o titulo da lei começa por estar errado.
"Organisação dos serviços technicos de obras publicas no ministerio das obras publicas, commercio e industria. Esta lei tem 117 artigos; 97 tratam da organisação do pessoal, 20 tratam da organisação dos serviços. Esta lei ainda podia chamar-se de organisação do pessoal, embora haja alguns artigos que tratam da organisação de serviços, mas o que nunca póde ter é esta ultima designação por que só nas disposições geraes se trata este assumpto.
Portanto, este bello normando que aqui se vê na cabeça do decreto está errado.
É de mau agouro começar logo assim. Mas vamos seguindo.
Titulo 1.°
Capitulo 1.° "Composição e attribuições do corpo de engenheiros.
Só dois artigos é que tratam d'este assumpto, e o capitulo tem 10 artigos.
Ha um artigo sobre as "attribuições dos engenheiros", um sobre "composição do corpo", quatro sobre "accesso", um sobre "penas", um sobre "disposições geraes", e ha o primeiro artigo da lei que devia formar um titulo em separado.
Os assumptos todos misturados e confundidos.
Aqui está como está feito e está redigido este decreto.
É tudo pelo mesmo teor. Vejamos os capitulos seguintes:

Capitulo II- Vencimentos - Comprehende:
1/2 de um artigo sobre - disposições transitorias.
9 1/2 artigos sobre - vencimentos.
3 artigos, deslocados, sobre - vencimentos.
1 artigo sobre - organisação de serviços.
1 artigo sobre - aposentações.
Total 15 artigos.

Os tres artigos sobre vencimentos que eu considero deslocados referem-se aos honorarios dos engenheiros nas diversas situações de serviço, pois que em todas as organisações methodicamente feitas, o capitulo dos vencimentos vem depois do capitulo das situações para não apresentarem este defeito.

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SESSÃO NOCTURNA DE 15 DE JULHO DE 1887 1793

Seguindo temos:

Capitulo III - Situações de serviço:
1/4 de um artigo, mais 2/6 de outro, sobre - disposições transitorias.
5 artigos+-3/4 de outro, mais 4/6 de outro, sobre-disposições transitorias.
1 artigo sobre - accesso.
Total, 8 artigos.

Capitulo IV - Penas.
4+4/5 artigos sobre - Penas.
1/5 de um artigo sobre-disposições transitorias.
Total, 5 artigos.

Examinemos agora o titulo II. Temos:

[Ver tabela na imagem]

Todos estes artigos misturados, sem nexo nem ordem nos mesmos capitulos.

Titulo III.

Capitulo I. Disposições geraes.- Contem:
18 artigos+ 1/4 e um+1/2 de outro, sobre-disposições geraes.
1/2 de um+1/2 de outro, sobre - disposições transitorias.
1 artigo sobre-attribuições.
1 artigo sobre -organisação do corpo.
1 artigo sobre - organisação do quadro.
Total, 24 artigos.

Capitulo II - Disposições transitorias:
1/2 de um artigo sobre - admissão de engenheiros.
17 1/2 artigos sobre - disposições transitorias.

Um verdadeiro embroglio!
Aqui tem a camara como está feita esta lei.
Não ha nenhum capitulo cujo titulo corresponda á materia de que se trata no mesmo capitulo.
Os assumptos estão todos misturados. Parece que estes artigos estavam todos mettidos em um cesto, e que o sr. ministro os foi tirando e encaixando na lei á medida que do cesto iam saindo. (Riso.)
Assim é que foi fabricado este decreto. Quem o examinar vê logo que os artigos não correspondem aos titulos dos capitulos, vê immediatamente que ha uma completa desconnexão, uma precipitação irreflectida na organisação d'este trabalho.
É esta, sr. presidente, a apreciação franca e imparcial que eu posso e devo fazer sobre a contextura do decreto dictatorial, que substituiu a reforma de 18 de novembro de 1885.
Agora vamos a examinar a essencia, vamos a estudar a lei pelo que ella póde trazer de util e proveitoso, pelo que ella diz, em relação á materia que contém.
Parte da lei é copiada de outras reformas, o que é natural, e eu por forma nenhuma censuro. D'essa parte não me occuparei. O sr. Emygdio Navarro foi procurar a outras leis ou projectos o que entendeu que era justo, o que julgou que era melhor, e a esse respeito nada tenho a dizer.
Analysarei apenas as innovações, as invenções introduzidas pelo illustre ministro, o sr. Emygdio Navarro, no seu decreto.
A primeira innovacão consiste em encarregar os engenheiros de obras publicas de desempenharem os serviços dos silvicultores.
A este respeito nada tenho a acrescentar ao que já disse.
O sr. ministro já mudou de opinião e já publicou as convenientes portarias, mandando que os silvicultores fossem desempenhar os serviços para que naturalmente estavam habilitados e que os engenheiros de obras publicas não poderiam desempenhar tão cabalmente. Já s. exa. fez amende honorable do seu erro de modo que, pelo menos, moralmente aquella culpa está redimida.
A segunda innovacão parece tambem ser da lavra especial do sr. Emygdio Navarro.
Dividiu s. exa. o corpo de engenheiros em quatro classes, e organisou as classe de maneira que o corpo de engenheiros é distribuido por treze sub-classes.
Esta innovacão é de facto curiosa!
O que era natural era organisar o corpo de engenheiros, fazendo-se as divisões desse corpo em harmonia com os serviços que os mesmos engenheiros têem a desempenhar.
Os serviços que os engenheiros têem a desempenhar ou são na secretaria do ministerio das obras publicas ou são fora da secretaria, e ambos esses serviços ou são ordinarios ou especiaes.
Na secretaria do ministerio temos os trabalhos ordinarios na junta consultiva de obras publicas, na direcção geral, nas repartições, e nas secções d'essas repartições, e como serviços especiaes temos as diversas commissões desempenhadas pelos engenheiros junto á secretaria do ministerio.
Para estes serviços que pessoal é preciso?
Engenheiros subalternos para chefes de secção, engenheiros chefes para chefes de repartição, engenheiros de categoria superior a que chamaremos inspectores para a direcção geral, e para a junta consultiva de obras publicas.
Para as commissões especiaes os engenheiros de qualquer ou de todas estas categorias, satisfazem perfeitamente a esses encargos.
Logo o exame dos serviços internos do ministerio das obras publicas determinava e indicava a necessidade do crear só tres categorias de engenheiros.
Para quem conhece a maneira porque deve fazer se, e se faz o serviço externo ordinário ou especial no ministerio das obras publicas, comprehende immediatamente, que são precisas unica e exclusivamente aquellas mesmas tres categorias de engenheiros, para desempenharem cabalmente o referido serviço.
A primeira categoria, é a dos engenheiros subalternos, chefes de secção, encarregados das obras em pequenas circumscripções territoriaes ou de uma parte das obras especiaes.
A segunda é a dos engenheiros chefes, encarregados da direcção das obras nas grandes circumscripções, ou incumbidos de dirigirem as obras especiaes, e a terceira categoria, é a dos engenheiros inspectores encarregados da inspecção de todos os trabalhos quer ordinarios quer especiaes.
Com estas tres categorias desempenham-se pois todos os serviços do ministerio das obras publicas.
Por consequencia, o que é natural, o que é lógico, o que se tem feito em todos os paizes, que ultimamente organisaram o seu pessoal de obras publicas, o que se faz na França e na Italia, é constituir o quadro do pessoal technico superior com estas tres categorias de engenheiros: engenheiros inspectores, engenheiros chefes e engenheiros subalternos. (Apoiados.)

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1794 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Por economia têem-se dividido estas categorias era duas ou tres classes a que correspondem vencimentos progressivos, mas conservando-se sempre a distincção fundamental das tres categorias correspondentes aos serviços distinctos verdadeiramente, que competem aos engenheiros desempenhar.
O sr. ministro das obras publicas fez porém quatro categorias. Dividiu estas quatro categorias em treze sub-classes, sem que estas disposições tenham a mínima ligação, a mínima relação com os serviços que os engenheiros tenham de desempenhar, sem haver uma idéa, um pensamento só, que estabeleça a união entre esta maneira de organisar o quadro e as conveniencias do serviço, que os engenheiros são chamados a cumprir!
Mas o que determinou o sr. ministro das obras publicas a fazer esta divisão verdadeiramente extraordinaria, e novissima na sua forma?
Que pensamento era o de s. exa. ao introduzir essa invenção na sua reforma? O fim do illustre ministro foi fazer uma cotação intellectual do trabalho, segundo a sua phantasia e combinar essa cotação com uma maxima muito conhecida, que á primeira vista parece muito verdadeira, mas que, como eu vou demonstrar, na pratica e no caso sujeito dá os resultados mais extravagantes o menos acceitaveis que é possivel imaginar. Disse s. exa.: Quero pagar mais a quem mais e melhor trabalhar. E depois tratou s. exa., que não é engenheiro, que nunca se dedicou a estes estudos especiaes, tratou de fazer a tabella intellectual do trabalho dos engenheiros, e depois de se entregar a este improbo trabalho, resolveu cousas engraçadissimas! Por exemplo. Os engenheiros, que servem na exploração dos caminhos de ferro, ganham menos do que os engenheiros que estão rios estudos de construcção! Porque? Porque s. exa., o sr. ministro das obras publicas, assim o entende!
Não ha outra rasão.
Que rasão technica determina este facto? Nenhuma.
Porque s. exa. o ministro tem estas idéas; porque s. exa. pensa assim!
Chega a ser comico!
Mas eu vou explicar á camara, em detalhe, a classificação e cotação que o sr. ministro fez dos serviços diversos de obras publicas.
Comecemos pelos serviços de inspecção.
A cotação dada a este serviço traduz-se na tabella seguinte:
Inspecções geraes. - Para engenheiros de 1.ª classe.- Vencimentos extraordinarios.
Inspector regional das ilhas. - Para engenheiros de 1.ª classe. -Vencimento medio.
Inspectores regionaes do continente. - Para engenheiros de 2.ª classe. -Vencimentos maximos.
Inspectores especiaes.- Para engenheiros de 3.ª classe.- Vencimentos maximos.
D'esta tabella se conclue naturalmente que o serviço de inspecção é tanto mais bem cotado quanto maior for a área em que elle se exerce; se o inspector é para o paiz inteiro, se em geral está empregado no serviço da junta e inspecciona pouco, e extraordinariamente cotado! Mas se a inspecção é feita apenas em dois ou mais districtos, a cotação é logo abaixo, em segunda classe, com gratificação máxima; se, porém, os districtos da inspecção são nas ilhas, é serviço para engenheiro de 1.ª classe, com gratificação media.
Estas distincções são curiosissimas!! Emfim, se se trata de inspecção de obra especial, temos engenheiros de 3.ª classe, com gratificação maxima a desempenhar o trabalho.

camara, com um exemplo, vae comprehender já o absurdo d'estas disposições. Trata-se, por exemplo, de inspeccionar as obras do porto de Lisboa, o trabalho mais importante de todo o paiz; fica estabelecido que esse serviço é ou póde ser para um engenheiro de 3.ª classe. Podem grandes inspectores regionaes percorrer todo o paiz sem encontrar uma obra para inspeccionar mais importante do que esta, mas isso nada importa. A inspecção de obras especiaes ha de ser feita por um engenheiro de 3.ª classe, assim o entendeu o sr. ministro; é verdade que, em geral, esse engenheiros têem poucos annos de serviço, e parecia que um serviço desta ordem devia pertencer a um homem que, pela sua idade, pelos seus trabalhos, pelos seus largos conhecimentos especiaes e technicos, estivesse no caso de bem o desempenhar, offerecendo garantias ao estado e ao paiz, que de certo em geral não póde dar um engenheiro no principio da sua carreira. Mas o illustre ministro assim o entendeu, e ainda que se convença do contrario, ha de teimar na sustentação da sua curiosa cotação. Isto é uma amostra dos resultados a que se chega com essa tal divisão dos engenheiros em quatro classes e com o trabalho de classificação dos serviços, feita pelo sr. ministro das obras publicas.
Depois do serviço de inspecção vem logo o trabalho em caminhos de ferro.
Com relação a caminhos de ferro, o trabalho é cotado de diversa forma, segundo os engenheiros estão nos estudos, na construcção, na exploração ou na fiscalisação, e ainda conforme a Unha é grande ou pequena, ou é um troço ou secção de linha. Isto dá a confusão mais completa que se póde imaginar! E eu admiro como o sr. Emygdio Navarro abarcou na sua imaginação toda esta curiosa e complicada manobra.
Se o engenheiro é de primeira classe e é director tem gratificação maxima, se está nos estudos ou na construcção, se serve na exploração, tem gratificação media; mas se está na fiscalisação, tem gratificação minima.
Os defeitos d'estas distincções saltam á primeira vista.
Supponhamos, por exemplo, um engenheiro a fiscalisar a construcção e outro a dirigir a coustrucção de linhas ferreas. O que é dirigir a construcção? Dirigir a construcção, em geral, é justamente fiscalisar o serviço das empreitadas maiores ou menores em que é dividido o trabalho da construcção de um caminho de ferro; emquanto que o outro, que está fiscalisando a construcção, ordinariamente feita por uma companhia, fiscalisa do mesmo modo a execução dos trabalhos feitos em toda a linha.
São duas commissões em que os dois engenheiros podem ter exactamente os mesmos trabalhos, podem encontrar as mesmas difficuldades e os mesmos embaraços.
Pois o engenheiro que está na construcção e o que está na fiscalisação têem uma remuneração diversa, existe uma cotação differente para o seu trabalho!
Se um engenheiro estiver em uma divisão de linha, esse engenheiro é de 2.ª classe, e quer esteja na fiscalisação, nos estudos ou na exploração ganha sempre o mesmo. Veja a camara que harmonia n'estas disposições.
A exploração directa é cotada abaixo dos estudos e da construção!
Mas onde foi o sr. ministro buscar estas noções, estas bitolas, estas craveiras para aferir, pesar e regular estes diversos assumptos, que nenhum engenheiro de obras publicas do seu ministerio é capaz de perfilhar e conscienciosamente defender ?!
Foi o prurido da innovação, da novidade de fazer um trabalho differente de todos os outros?
Pois não o felicito.
Resumido em uma tabella o que na reforma do illustre ministro se encontra sobre a cotação dos serviços em caminhos de ferro, temos:

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SESSÃO NOCTURNA DE 10 DE JULHO DE 1887 1795

[Ver tabela na imagem]

(a) Ainda não estão cotados.

Com relação às obras hydraulicas se o engenheiro é director tem uma cotação igual á dos engenheiros que estão nos estudos ou construcção dos caminhos de ferro; mas se é chefe de secção tem uma cotação media e portanto inferior, aos seus collegas que estão nos caminhos de ferro.
Qual é o principio que regula esta desigualdade?
Chega a não ter defeza possivel este trabalho do illustre ministro.
Ha porém um caso engraçado e é que ao director geral de obras publicas e minas, que é o empregado technico, que mais respeitabilidade deve ter, que desempenha o serviço mais importante do ministerio, porque tem de examinar os trabalhos technicos de todos os engenheiros e apresentar ao ministro a sua opinião sobre elles, pois o sr. ministro considera a sua commissão como sedentaria e arbitra-lhe na 1.ª classe uma gratificação media! De maneira que os engenheiros que estão nos estudos dos caminhos de ferro e os que dirigem obras hydraulicas têem uma cotação superior á do director geral de obras publicas e minas!
A junta consultiva é tambem considerada como commissão sedentaria e ficou então com cotação minima. O sr. ministro tem a idéa que o engenheiro, sem estar em movimento, não produz nada que se veja.
Tambem o sr. ministro assim como faz a seu gosto distincção entre grandes e pequenas linhas ferreas para o effeito da cotação dos serviços de engenheiros, tambem devido vagamente ás obras especiaes em muito importantes e pouco importantes.
Nas importantes destina para o director na 1.ª classe gratificação media, e para os chefes de secção na 3.ª classe gratificação maxima!
Nos serviços ordinarios dos districtos podem ser collocados como directores engenheiros de 1.ª, 2.ª e 3.ª classe pela seguinte forma:
Lisboa, engenheiros de 1.ª classe, gratificação mínima.
Districtos de 1.º ordem, engenheiros de 2.ª classe, gratificação media.
Districtos de 2.ª ordem, engenheiros de 3.ª classe, gratificação máxima.
Districtos de 3.ª ordem, engenheiros de 3.ª classe, gratificação media.
Tudo isto é feito ao acaso, sem explicação plausível, sem se poder saber ou adivinhar a rasão determinativa destas variantes, d'estas nuances, que não se define nem pela importancia dos serviços, nem pela sua quantidade, nem pela sua natureza especial, nem por circumstancia nenhuma conhecida.
Emfim por cada serviço, por cada cargo uma cotação; por cada trabalho novo um decreto ou uma portaria para declarar a que classe dos engenheiros pertence o seu desempenho e na classe que gratificação lhe compete!!
Mas no meio d'esta extraordinaria confusão não teria o sr. ministro um pensamento pratico, definido, que se aproveite?
Talvez.
Esse pensamento seria naturalmente collocar todos os engenheiros de obras publicas na constante e continua dependencia do livre arbitrio do ministro.
Esse pensamento foi tornar dependente da vontade do ministro a importancia dos vencimentos que o engenheiro tem direito a perceber; e ainda fiamar mais solidamente essa dependencia pois que por esta reforma a promoção fica subordinada ao valor e cotação das commissões desempenhadas, que são todas distribuidas e classificadas como o ministro melhor entender.
Aqui está, me parece, a unica e plausivel explicação d'esta segunda innovação introduzida no decreto do sr. Emygdio Navarro.
Terceira novidade.- A admissão para o serviço é feita, á vontade do sr. ministro, por concurso, artigo 4.°, ou sem concurso, § unico do artigo 105.°
Em um decreto aonde se estabelece a promoção por merito e que só se paga a quem mais e melhor trabalhe de certo destoa notavelmente a admissão, sem concurso, á vontade do ministro.
A variedade tambem deleita!
Quarta innovação. - A quarta innovação é a promoção por merito. O sr. ministro entendeu que devia introduzir pela primeira vez na nossa legislação a idéa da promoção por merito. Francamente, nenhum homem que seja engenheiro póde deixar de apoiar esta idéa e eu approvo-a plenamente. Estou inteiramente de accordo com este modo de ver. S. exa. foi á lei italiana e procurou transplantar para o nosso paiz esse principio, que é perfeitamente acceitavel e rasoavel.
Mas vejamos como s. exa. poz em pratica a sua idéa.
Os engenheiros directores de obras publicas os membros da junta consultiva, e emfim os diversos engenheiros directores de quaesquer serviços são obrigados de seis em seis mezes a mandarem ao director geral uma nota circumstanciada dos serviços desempenhados pelos engenheiros seus subordinados e bem assim todas as indicações, informação e noticias necessárias para se poder redigir um cadastro, que tem de ser organisado no ministerio das obras publicas e que é secreto.
Organisado esse cadastro, quando ha necessidade de se fazer uma promoção, o director geral dá a uma commissão as notas, tiradas d'esse cadastro, e em vista d'essas notas a commissão propõe e o governo depois despacha livremente o individuo que entende dever ser o primeiro a promover.
Nós temos um processo parecido com este na constituição dos nossos bispados, para a distribuição dos beneficios pelos padres chamados encommendados.
Effectivamente o sr. ministro das obras publicas, que quiz n'esta parte dar á lei uma feição perfeitamente italiana, ou latina, foi buscar a idéa da promoção por merito ao Querinal, á lei civil e foi buscar a maneira de a pôr em pratica ao Vaticano, ao direito canonico e às constituições dos nossos bispados.
O engenheiro é ou deixa de ser promovido por merito sem saber como e porque. É exactamente o mesmo processo que se emprega para tirar um padre de uma freguezia para outra, quando não está collado. O padre vae para servir como encommendado,
depois é suspenso ou transferido sem ter direito a pedir satisfações a pessoa alguma ex informata consciencia. Os engenheiros começam tam-

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1796 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

bem d'aqui para o futuro a serem promovidos pelo sr. ministro das obras publicas ex informata consciencia. (Riso.)
O sr. Elvino de Brito: - V. exa. labora num equivoco, quando affirma perante o parlamento, que é esse o pensamento do decreto, pois que o artigo 9.° manda ouvir os engenheiros.
O Orador: - O artigo 9.° diz: que quando o engenheiro praticar um acto de tal ordem irregular, que o possa prejudicar, ou de que lhe possa resultar ser castigado, n'esse caso só se lhe dá conhecimento da nota do cadastro, para apresentar a sua defeza, mas, na generalidade dos casos, o engenheiro é absolutamente privado d'essa regalia!
É propriamente um processo como o outro que até hoje tem dado tão excellente resultado na constituição dos nossos bispados. O defeito que eu lhe acho é apenas não o considerar justo, e não me anima nenhum espirito de intransigencia. V. exa. vae ver mesmo como eu immediatamente vou fazer justiça ao sr. ministro das obras publicas.
O sr. ministro das obras publicas publicou um outro decreto, em que trata da organisação da engenheria de minas e tambem manda promover os engenheiros subalternos a engenheiros chefes, por merito.
Mas como? Por concurso.
Assim entende-se. Todos dão as mesmas provas na mesma occasião e este methodo é perfeitamente regular e acceitavel.
Mas sendo o illustre ministro quem classifica e distribue as commissões de serviço, e sendo essas commissões cotadas tambem por s. exa. pelo seu valor intellectual, é claro que o sr. ministro é que faz a seu gosto o cadrasto, é o sr. ministro quem promove ou quem dá as boas notas para o cadrastro, e por isso fica na sua mão e com apparencias de justiça promover sempre os individuos que quizer!
Por concurso, de accordo.
Não é preciso ir muito longe, este documento que aqui tenho prova bem a verdade do que tenho dito e o sr. ministro das obras publicas já demonstrou o resultado que se póde esperar da tal promoção por merito, porque já fez a primeira classificação do pessoal do ministerio das obras publicas applicando esse principio.
Aqui temos a classificação feita por merito!
Vou expor á camara o seguinte: a classificação feita em relação á reforma do sr. Fontes foi elaborada sob consulta de uma commissão, a que pertenci; e n'essa organisação do sr. Fontes estava incluida num artigo a idéa de que a primeira classificação se podia fazer por merito.
Pois bem. Consultei pessoalmente os engenheiros mais antigos do ministerio, alguns dos quaes faziam parte d'esta commissão, consultei o actual sr. director geral, o sr. Matos, e varios outros engenheiros dos mais antigos e mais sabedores, perguntei-lhes qual era a maneira de fazer uma classificação por merito, e todos elles me disseram que não sabiam fazel-a, porque era impossivel.
Pois o sr. ministro das obras publicas, que não é engenheiro, que não tinha cadastro organisado, não hesitou e fez uma classificação por merito!! (Apoiados.)
É de um arrojo tão admiravel, quanto foi injusta e mal engendrada essa classificação.
Eu não analyso em detalhe esse documento porque não quero ser agradavel a uns collegas meus e desagradavel a outros, mas o que sei dizer é que na classificação do sr. Fontes o que se resolveu, como único alvitre acceitavel, foi seguir o principio da pura antiguidade, invariavelmente. (Apoiados,)
Na classificação do sr. Fontes os engenheiros que havia a mais do quadro ficaram addidos á ultima classe, na do sr. Navarro foram addidos às quatro classes e especialmente á primeira, para nem sempre se ir de harmonia com os principios economicos do partido.
Não desejo passar adiante sem recordar uma discussão que se travou na imprensa a proposito d'esta classificação.
Um jornal regenerador atacava esta reforma e a classificação, citando nomes e antecedentes curiosos, quando a folha progressista mais affecta ao sr. Emygdio Navarro fez a extraordinaria declaração que um dos engenheiros mal classificados devia attribuir este facto aos abusos e prevaricações por elle commettidas.
Mas se o engenheiro abusou, porque não está entregue aos tribunaes?
Se abusou, se prevaricou, com que direito foi classificado?
Chegou o momento em que se torna indispensavel que o sr. ministro declare o nome d'esse engenheiro para que não fique infamada uma classe inteira, em que é preciso desmentir esse jornal, e dizer-se bem claramente no parlamento que v. exa. seria o primeiro que recusaria dar a um engenheiro menos digno uma classificação boa ou má, baixa ou elevada.
Ha defensores que, depois de perderem a causa que defendem, ainda concorrem para ser aggravada a pena ao seu cliente.
N'este caso e em relação a esta questão está o papel tão dedicado ao illustre ministro.
Quinta innovação.- Quero referir-me á posição destinada aos engenheiros militares que de futuro venham servir para as obras publicas.
Esses officiaes ficam em condições inteiramente differentes em relação a vencimentos, vantagens, regalias e condições de serviço d'aquellas em que se acham os seus collegas pertencentes ao mesmo corpo e que já estavam ao serviço do ministerio.
Não se explica logicamente esta distincção, a menos que o illustre ministro não tivesse a preoccupação de dar a todas as suas innovações um tom harmonico tornando-as notaveis pela sua pouca acceitação e absoluta falta de conveniencia.
Cumpre aqui notar que o sr. ministro publicou um decreto de dictadura surda, relativo aos engenheiros militares e outros officiaes em serviço na commissão geodesica, decreto perfeitamente em opposição com o disposto no artigo 78.° da sua reforma e com o que perceitua a ultima reforma do exercito no seu artigo 169.°
Este decreto é datado de 28 de outubro de 1886 e é similhante ao que foi publicado pelo ministerio da fazenda, em relação aos officiaes da guarda fiscal.
Por esta providencia avoca a si o sr. ministro dos obras publicas o direito de revogar o disposto ou reforma do exercito, e bem assim confere postos e graduações militares aos engenheiros em serviço na commissão geodesica.
Como este decreto não é assignado pelo sr. ministro da guerra, parece-me que o seu valor é nullo, e eu apenas recordo á camara este facto para lhe fazer ver a facilidade com que o sr. ministro das obras publicas destroe ou pretende destruir o disposto no artigo 78.° do seu decreto dictatorial, dias depois de o entregar á publicidade. (Apoiados.)
Examinemos agora a sexta e ultima innovação do sr. ministro das obras publicas, que não é menos curiosa do que aquellas que eu tenho apresentado á camara.
Refiro-me á contabilidade e aos celebres logares de contadores, que s. exa. creou.
Eu vou explicar o que são os taes contadores. O sr. ministro das obras publicas entendeu por bem extinguir os antigos pagadores, e determinou que os pagamentos seriam feitos daqui em diante pelas diversas recebedorias. Era vez destes pagadores, s. exa. inventou uns logares de contadores.
O contador é uma especie de amanuense, um empregado dependente da direcção de obras publicas, onde está servindo, e que nas horas vagas desempenha o serviço de escripturario, ou outro qualquer que lhe mandem fazer; mas

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SESSÃO NOCTURNA DE 15 DE JULHO DE 1887 1797

ao mesmo tempo tem o encargo de se corresponder directamente com o ministerio e de fazer o exame e a analyse de todos os assumptos que se referem a materia de contabilidade que passam pela direcção.
Por exemplo, o director faz a sua folha de ajuda de custo, e esta folha tem de ser examinada pelo contador, que é empregado seu subordinado, isto é, o contador faz as vezes de uma especie de espião, que existe nas direcções das obras publicas para examinar se os engenheiros são descuidados, se são menos cautelosos, menos amigos de cumprir os seus deveres como era natural, e, emfim, se são menos exactos nas suas contas.
Ora, collocar um homem, como uma especie de espião, em cada direcção de obras publicas, não lembra a ninguem; (Apoiados.) e tanto não lembra a ninguem, que o sr. ministro não se atreveu ainda a nomear os taes contadores, e são os pagadores extinctos que continuam a servir e a desempenhar as mesmas funcções como até aqui.
Como a camara vê, demonstrei que esta lei é muito inferior em merecimento á do sr. Fontes; demonstrei que não tem valor nenhum, nem examinando-a na sua forma, nem apreciando-a na sua essencia, e que as rasões apresentadas pelo illustre ministro não justificam a suspensão e substituição do decreto de 18 de novembro de 1885 pelo de 24 de julho de 1886.
Antes de terminar, sempre desejo dizer á camara, muito á puridade, qual foi o verdadeiro motivo por que este decreto se publicou; esse verdadeiro motivo foi o seguinte: era preciso, apesar dos muitos engenheiros, conductores e desenhadores de obras publicas que já havia, era preciso metter, alem do pessoal districtal, mais 16 engenheiros, mais 48 conductores e 41 desenhadores. (Apoiados.)
Esta é que é a chave do enigma. (Apoiados.)
Eu já disse no principio do meu discurso que os illustres deputados eram filhos deste compendio. Aqui têem a rasão porque eu concluo, affirmando novamente que o meu dito é verdadeiro.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que os motivos e rasões allegadas pelo illustre ministro das obras publicas, commercio e industria para suspender a execução, e substituir o decreto com força de lei de 18 de novembro de 1880 não são procedentes nem acceitaveis;
E considerando que o decreto dictatorial de 24 de julho de 1886 não está elaborado convenientemente, nem satisfaz às aspirações do paiz, e exigencias de serviço technico de obras publicas:
Por isso, abstendo-se de relevar a responsabilidade em que incorreu o illustre ministro e o governo, publicando o referido decreto dictatorial, passa á ordem do dia. = Pedro Victor da Costa Sequeira.
Foi admittida.

O sr. Albano de Mello: - Mando para a mesa dois pareceres da commissão de administração publica, um relativo a um projecto do sr. deputado Bacellar, para que a camara municipal de Fornos de Algodres possa desviar uma somma do cofre da viação para melhoramentos do concelho, e outro sobre um projecto do sr. Oliveira Martins, fazendo igual pedido com relação á camara municipal de Goes.
A imprimir.
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho): - Mando para a mesa uma proposta de lei para a renovação de bonds que se inutilisaram.
Leu-se na mesa. É a seguinte:

N.° 182-A

Senhores. - Em junho de 1881 deram entrada no ministerio a meu cargo varios documentos com os quaes o subdito inglez Alfred Robert Pearce pretende provar a queima de 3 bonds de divida externa portugueza de £ 100 cada um da emissão de 1853, sendo 1 da série A, n.º 280:683, e 2 da série B, n.ºs 102:027 e 108:491.
Ouvidas as estações competentes e examinados os documentos na procuradoria geral da corôa e fazenda, é esta de parecer que são suficientes para se solicitar do parlamento a auctorisação necessaria para a substituição da referidos bonds nos mesmos termos em que outras leis a têem auctorisado em casos analogos.
Em vista do exposto tenho a honra de submetter á vossa apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° É o governo auctorisado a mandar emittir pela junta do credito publico inscripções de assentamento a favor de Alfred Robert Pearce, subdito inglez, com vencimento de juros do primeiro semestre de 1881 inclusive, em diante, e com a clausula de intransmissiveis durante trinta annos, contados do 1.° de janeiro de 1881, pela importancia correspondente ao cambio de 54 dinheiros por 1$000 réis, a 3 bonds extraviados de £ 100 cada um, do fundo de 1853 com os n.º 280:633 da série A e n.ºs 102:027 e 108:491 da série B.
Art. 2.° Os juros das ditas inscripções só poderão ser pagos cinco annos depois de findo o semestre a que respeitarem, isto é, depois de prescriptos os juros dos titulos que se reputam destruidos.
Art. 3.° Se durante o praso indicado no artigo 1.° forem apresentados a pagamento os coupons dos bonds, que desappareceram, proceder-se-ha á amortisação das inscripções creadas por esta lei, sem que o interessado Alfred Robert Pearce tenha direito a indemnisação alguma da parte do estado.
§ unico. O interessado, dada a hypothese do presente artigo, será obrigado a restituir ao estado os juros que houver recebido das inscripções creadas por esta lei.
Art. 4.° Decorrido o praso marcado para a prescripção dos creditos representados nos bonds, será annullada a clausula de instransmissibilidade exarada nos novos titulos, e estes ficarão livres para todos os effeitos.
Art. 5.° Reciprocamente, se depois do praso da prescripção reapparecerem os bonds, serão estes considerados de nenhum valor e fora das garantias que as leis da respectiva creação lhes conferiram.
Art. 6.° Annullada a clausula de intransmissibilidade a que se referem os artigos 1.° e 4.°, poderão ser pagos os juros vencidos e não satisfeitos em virtude do disposto no artigo 2.°
7.° Fica revogada a legislação em contrario.
Ministerio da fazenda, 15 de julho de 18S1 .= Marianno Cyrillo de Carvalho.
A publicar no Diario do governo e enviada á commissão de fazenda.

O sr. Visconde de Monsaraz (sobre a ordem): - Sr. presidente, começo por declarar a v. exa. e á camara, que em todas as poucas palavras que pronunciar em resposta ao sr. Pedro Victor, não levo a menor intenção de lhe molestar os brios que são altos, nem tão pouco de lhe deslustrar a educação que é primorosa. (Apoiados.)

. exa. é um talento notavel, possue uma consciencia immaculada e usa nos seus hábitos e maneiras de uma fina cortezia, que muito o caracterisa e distingue.
Mas s. exa., por um inexplicavel capricho da sua phantasia, desejou entrar n'este debate, de modo que ninguem o reconhecesse.
E o que fez o sr. Pedro Victor?
Ergueu-se com serenidade, collocou na sua aliás sympathica e intelligente phisionomia isso a que s. exa. chamou o seu nariz de cera, e com o ar mais inofensivamente carnavalesco, aguçando a voz num deploravel falsete de espirito, fingiu alguns argumentos e deixou cair algumas

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phrases, as quaes eu, deputado da maioria, seguindo-me immediatamente a s. exa. no uso da palavra, não posso deixar de levantar. (Vozes: - Muito bem.)
O illustre deputado começou por declarar que a maioria d'esta casa do parlamento saiu da dictadura.
Sr. presidente, eu registei sinceramente maguado esta phrase imprudentissima. Nós, governo e opposição, derivamos todos da mesma origem, porque saimos da eleição. É isto o que está escripto nos nossos diplomas; e se algum ha firmado pela dictadura, que só desenrole diante dos nossos olhos, porque será energicamente despedaçado e sacudido para fora d'esta sala, onde só têem logar os eleitos pelo povo, os que foram honrados pela confiança do paiz. (Muitos apoiados.)
S. exa., faço-lhe essa justiça, deve estar n'este momento contrariado e inquieto perante a sua propria consciencia, porque offendeu no parlamento a nação inteira, que nos elegeu a todos liberal e desassombradamente. (Apoiados.)
E será bom, sr. presidente, que nunca se alterem ao calor das discussões, as melhores praxes de delicadeza parlamentar, dirigindo-nos reciprocamente invectivas d'esta ordem, que, sem aproveitarem ao que as perfilha, incommodam os que as escutam, viciando o ambiente moral em que devemos respirar e viver. (Apoiados.)
Nós estamos aqui perfeitamente eleitos; e se a duvida entrar em qualquer espirito que não saia dos labios de ninguem, porque se arriscará a ser envolvido na velha e emaranhada discussão dos processos eleitoraes, que é sempre impertinente e perigosa. (Apoiados.)
Mas, sr. presidente, desta affirmativa do, sr. Pedro Victor derivou uma outra que é consequentemente injusta e que eu tambem lastimo que fosse formulada pelo illustre deputado.
S. exa. disse que a maioria não veiu aqui para discutir, mas simplesmente para votar! Ora isto é uma flagrante injustiça. (Apoiados.)
S. exa., que tem comparecido a quasi todas as sessões com uma assuidade de todo o ponto louvavel, deve estar certo de que nunca a opposição levantou uma duvida ou produziu um argumento, que deixasse de ser respondido pela maioria cabal e condignamente. (Apoiados.)
A tela das discussões parlamentares tem sido igual e profusamente illuminada pelas altas luzes intellecfuaes que jorram de todos os lados da camara. (Apoiados.)
Sr. presidente, o illustre deputado verberou com energia os poetas revoltando-se, tomado da mais apoplectica indignação, contra os que pretendeu flagellar com esse nome.
O sr. José Luciano, os srs. ministros, o sr. relator da commissão, que horror! são todos poetas! E s. exa. acha isto uma cousa medonha! (Riso.)
Ora, sr. presidente, eu deploro do fundo da minha alma a infelicidade do illustre deputado. s. exa. está hoje n'um azar tão digno de compaixão, que até viu levantar-se para responder á eloquencia da sua palavra um homem que não é propriamente um poeta, visto como a sua pequena e insignificante obra litteraria o não auctorisa a honrar-se com este nome, mas que, emfim, é o mais modesto e imperfeito versificador destes reinos. (Vozes: - Não apoiado.)
Mas tenha paciencia, resigne-se o sr. Pedro Victor e queixe-se do acaso da inscripção, que faz ar, vezes d'estas pirraças. (Riso.) Mas o melhor foi o illustre deputado voltar-se para o sr. Antonio Candido e dizer-lhe, no tom alto e superior de uma benevola censura, que o seu discurso não passou de uma verdadeira poesia!
Ora, sr. presidente, se fosse possivel pôr-se á votação a prosa scientifica do sr. Pedro Victor e a poesia scientifica do sr. Antonio Candido, eu não sei, mas parece-me poder affirmar convictamente que o escrutinio seria desfavoravel ao sr. Pedro Victor. (Riso.)
O sr. Pedro Victor: - Eu votava pelo sr. Antonio Candido a olhos fechados. (Riso.)
O Orador: - Peço perdão a s. exa., mas as palavras de benevola ironia que dirigiu ao sr. Antonio Candido, inda estão protestando contra essa declaração de voto; alem d'isso, s. exa., como sabe, não podia votar numa questão pessoal.
Mas dizia eu, sr. presidente, que a votação seria prejudicial ao sr. Pedro Victor, porque a maioria de certo votava por convicção e devoção no sr. Antonio Candido e pelo que respeita á minoria, apesar de todas as devoções, do elevado talento e grande competencia do illustre deputado opposicionista, em presença da prosa do seu discurso e da poesia prodigiosa do meu amigo Antonio Candido eu não sei, sr. presidente, mas parece-me que estaria reservada ao sr. Pedro Victor uma surpreza extraordinaria e dolorosa ao ver-se isolado n'esse lado da camara. (Riso.)
O sr. Pedro Victor: - Eu compromettia-me a que todo o meu partido votasse no sr. Antonio Candido.
O Orador: - Também eu me compromettia. (Riso.)
O sr. Pedro Victor: - Eu já não tenho mais nada que dizer.
O Orador: - Mas tenho eu. Se s. exa. nada mais tem a dizer aconselho-lhe um unico expediente: é calar-se. Eu, que ainda tenho que dizer alguma cousa, continuo.
Mas s. exa. talvez não ficasse completamente só n'este debate ácerca de poetas e engenheiros. É possivel que ainda lhe restassem alguns companheiros na desgraça e, ao inverso da scena do Calvario, nós o podessemos contemplar como um ladrão, no bom sentido da palavra, entre dois Christos: o sr. Avellar Machado e o sr. Elias Garcia. (Riso.)
Mas, sr. presidente, como o sr. Pedro Victor é injusto com os poetas!
Eu recordo-me n'este momento de que s. exa. acompanhou com os seus enthusiasmos as festas do tricentenario de Camões e ou s. exa. é contradictorio comsigo mesmo, ou então convenceu-se do que Camões foi engenheiro, o que é mau para o grande epico, mas muito peior para s. exa. (Riso.)
Mas não, o espirito de s. exa. é muito illustrado para se deixar escurecer por similhantes illusões.
E derretido á alta temperatura d'esta sala o nariz de cera do sr. Pedro Victor, s. exa. fica diante de nós com a sua physionomia natural, que é muito sympathica e intelligente, e eu passo a ler a minha moção, se v. exa. e a camara m'o permittem. (Vozes: - Muito bem.)
(Leu.)
Sr. presidente, quando pedi a palavra não medi as responsabilidades de usar d'ella num debate, em que os mais dextros e brilhantes parlamentares, firmes e intemeratos no posto de honra das suas convicções politicas ou dos seus interesses partidarios, têem esgrimido por forma a convencer-me de que se porventura a força da dialectica e as inspirações do talento se manifestam de parte a parte, a justiça está apenas do nosso lado.
E é por isso, sr. presidente, por eu saber que a justiça de uma causa póde alargar e encher de luz os horisontes do mais acanhado espirito, que este momento solemnissimo, o primeiro em que me levanto para fallar diante do meu paiz, não castiga na minha consciencia os arrojos de uma petulancia mal cabida, mas permeia no meu coração, que se desopprime e tranquillisa, a intenção honrada de cumprir o meu dever, de dizer a verdade conforme a sinto, embora vá envolvida nas pobrezas da minha palavra despretigiosa e humilde.
Sr. presidente, eu sou muito novo na vida parlamentar; a politica nunca constituiu a mais cara predilecção do meu espirito e todos sabem que os assumptos litterarios têem sido e são os adoptivos da minha vontade, rebelde por impulsos do temperamento ao tumulto das paixões irritadas. (Apoiados.)
Isto não quer dizer, sr. presidente, que eu tenha cruzado os braços, na indifferença peccaminosa dos commo-

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distas, perante os factos que assignalam o valimento dos homens e dos partidos na sua passagem pelas culminações do poder.
Dei sempre o meu apoio franco e leal ao partido progressista, embora a minha filiação temporaria no grupo constituinte me indicasse, pelo menos uma vez, que eu não estive do lado do meu chefe nem dos meus correligionarios; mas o sr. Dias Ferreira, que sinto não ver presente, poderia explicar a v. exa. e á camara melhor do que ninguem e se isso valesse a pena, o modo como eu, permanecendo fiel á sua bandeira que tremulava nos arraiaes contrarios, apoiei lealmente o partido progressista, sem que esse facto deslustrasse nem de leve o meu caracter e antes robustecendo na minha conducta o sentimento de alliança partidaria, esse laço apertado e forte, que une e deve unir em todas as collectividades os soldados em relação ao chefe. (Apoiados.)
Quando esse partido se desmembrou, sr. presidente, eu fui um dos ultimos que se julgou desopprimido de responsabilidades e compromissos.
E porque não hei de declaral-o a v. exa. e á camara?
Senti, ao deixar essa aggremiação de intelligencias que tanto admirava e de intenções em que tanto cria, a tristeza amarga de um desilludido.
A minha situação faz-me lembrar a d'aquelle modestissimo frade da novella, que, depois de haver assistido piedosamente ao enterro do seu ultimo companheiro, saiu levando a chave do convento e pensando, ao descer a encosta, com a cabeça inclinada sobre o peito e illuminado pelos ultimos raios de um sol agonisante, nas mortas esperanças do seu passado, nas illudidas promessas do seu futuro. (Vozes:- Muito bem.)
D'esse partido resta apenas n'esta casa e talvez no paiz inteiro, uma das mais largas intelligencias que têem illuminado os annaes da jurisprudencia portugueza: espirito alevantado e forte, palavra firme e correcta, sciencia certa e proficua, que são a um tempo uma honra e uma gloria da tribuna parlamentar. Refiro-me ao sr. Dias Ferreira. (Apoiados.)
Sr. presidente, motivos imperiosos de melindre pessoal impunham-me o dever de dar a v. exa. e á camara estas rapidas explicações ácerca da minha curta e insignificante vida politica.
Bem sei que tudo isto em nada aproveita ao debate em que me encontro, não ignoro que a perda de alguns minutos, distrahindo a attenção da camara dos graves problemas que a preoccupam para a contemplação da minha modestissima individualidade, poderá parecer a olhos menos benevolos um assomo de vaidade que não tenho, que nunca poderei ter n'esta casa, perante cujas tradições de eloquencia a minha palavra hesita e empallidece. (Vozes: - Muito bem.)
Mas, sr. presidente, ao homem novo, que conta apenas alguns dias de passado politico e que escreve hoje, com a mão tremula e o espirito perturbado as primeiras palavras na pagina ainda em branco das suas responsabilidades parlamentares, deve ser relevado este melindre, este receio de que pelo espirito de alguem possa passar qualquer duvida ácerca da coherencia com que sempre procedeu, em harmonia com a dignidade que muito preza, embora a veja desacompanhada do talento que lhe falta.
E, para que este abuso não assuma proporções indesculpaveis, sr. presidente, vou entrar desde já nas considerações que me proponho apresentar a v. exa. e á camara ácerca do que tão acaloradamente se discute.
Antes, porém, de entrar no desenvolvimento da minha moção, permitta-me v. exa. que eu não falte á praxe muito agradavel e, sobretudo, muitissimo justa n'esta occasião, de render o culto das minhas homenagens cordealissimas aos oradores que me procederam.
A situação em que me encontro n'este debate, se me envaidece e lisonjeia por me defrontar com alguns dos mais notaveis ornamentos da politica portugueza, tambem é certo que me perturba e embaraça perante a vigorosa contextura da sua argumentação.
S. exas.; cujos espiritos educados nos modernos processos da sciencia, percorrem todo o espaço dos largos problemas no voo aquilino da mais brilhante dialetica, não podem ser acompanhados pelas azas inexperientes que pairam á superficie dos assumptos, e que debalde tentam erguer-se às regiões tranquillas dos grandes e profundos pensamentos. (Vozes: - Muito bem.)
Mas, apesar disso, procurarei ha justiça da causa que defendo, na captivante benevolencia com que estou sendo escutado pela camara, é que é tanto maior quanto menos a mereço, procurarei, digo, retemperar-me das proprias fraquezas, para o que peço venia aos meus illustres antagonistas.
Sr. presidente, perguntava-me ha tempos um dos mais valentes e talentosos membros da opposição parlamentar, que é tambem um dos meus mais queridos e provados amigos, e dirigia-me a pergunta no tom inoffensivo da sua delicada e sempre espirituosa ironia politica, em que tenebrosa medida do governo eu faria a minha estreia n'esta casa.
Mal pensava elle, sr. presidente, mal pensava elle, por cujo vasto espirito em que brilham constellações de idéas, eu vi passar n'esse momento uma nuvem carregada d'esse facciosismo estranho, que tantas vezes se converte em raio ha sua palavra fulminante; mal pensava eu, que só respiro a plenos pulmões no ambiente de todas as liberdades, que a minha estreia parlamentar seria feita na defeza de uma dictadura.
Em todo o caso, sr. presidente, eu sinto-me bem com a minha consciencia, que não protesta, que não reage.
Eu disse que defendo uma dictadura, mas nunca poderei dizer que defendo a dictadura; e necessito de frisar muito escrupulosamente a differença que resalta d'estas duas expressões.
Nunca poderei defender a dictadura, creado como tenho sido ao ar puro dos campos, na convivencia singella e despretenciosa do povo a que pertenço tanto pelos acasos do nascimento, como pelas sympathias do coração.
Nunca poderei defender a dictadura, que é sempre uma invasão da auctoridade na liberdade, da auctoridade que foi o desespero, a tortura, o flagelo do passado, na liberdade que é hoje como ha de ser amanhã o refrigério con-solador da grande alma social, neste fim de século, em que a democracia se vae erguendo magestosa e triumphante de entre os escombros do preconceito da rotina. (Vozes: - Muito bem.)
Nunca poderei levantar a dictadura, porque nunca, poderei rebaixar o parlamento, o parlamento em que florescem e fructificam as mais legitimas aspirações do talento e do coração, mas onde tambem são batidas e quebradas ao vento impetuoso e livre das discussões, todas as plantas damninhas da ambição desordenada e da tyrannia criminosa. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu sou partidario convicto do regimen parlamentar, não pertenço á escola theorica de Royer-Collard que o atacou em 1815 com quasi todo o partido constitucional francez; mas tambem entendo que é indispensavel que o parlamento tenha um nivel levantado de dignidade e de saber, que os partidos politicos se não desequilibrem, tendo um sentimento commum: o amor civico e um ideal definido: os interesses do paiz, para que o constitucionalismo seja a melhor forma da governação, transformando as guerras accintosas dos partidos em simples luctas leaes e pacificas, das quaes ha de necessariamente resultar a apotheose do direito e da verdade. (Apoiados.)
Mas se não defendo a dictadura nos seus principios perniciosos e condemnaveis, defendo, em pleno desassombro da minha consciencia e sem o mais leve impulso de facciosismo politico, as rasões de força maior que levaram o

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governo a decretar as medidas de caracter legislativo, que n'este momento demandam a sancção parlamentar.
O sr. presidente do conselho, no seu memoravel discurso pronunciado n'esta casa em principio do mez de maio, discurso que eu considero, sem o mais pequeno vislumbre de lisonja, um verdadeiro modelo de oratoria parlamentar, disse bem alto em resposta ao Lopo Vaz quaes as rasões de interesse publico que o levaram a assumir a dictadura. Na exposição franca, conscienciosa e eloquente d'essas rasões, eu admirei por igual no sr. presidente do conselho a altura e nitidez do seu provado talento e a inflexivel austeridade do seu grande caracter que são (e ninguem o contesta) (Apoiados.) uma dupla garantia do partido a que s. exa. preside e do paiz que governa com tanto acerto. (Apoiados.)
O sr. Lopo Vaz, que sinto não ver presente, e cujas brilhantes qualidades de espirito se impõem a todos os que escutam a sua palavra auctorisadissima, o sr. Lopo Vaz deve sentir ainda o effeito que por certo lhe causaram as palavras do nobre presidente do conselho, as quaes evidenciaram mais uma vez que é sempre do peor aviso atirar pedradas ao telhado do vizinho, quando o nosso é de uma transparencia indiscreta e de uma fragilidade perigosa.
As rasões apresentadas com tanta lealdade pelo sr. José Luciano são, se a memoria me não falha, o conflicto entre Braga e Guimarães e a renovação da parte electiva da camara dos pares.
Sr. presidente, eu não tinha a honra de ser deputado nessa epocha; mas pelo que li e ouvi comprehendo as difficuldades singularissimas em que o partido progressista subiu ao poder e a sua attitude nos primeiros dias de governo perante o grave problema de uma apparencia insoluvel, que demais a mais era aggravado pelas impaciencias nervosas do parlamento e pela espectativa anciosa do paiz inteiro, especialmente do norte em que o germen das revoluções, consoante a historia nos adverte, é da mais facil fecundação. (Apoiados.)
Está a dar a hora, sr. presidente, e a camara certamente está cansada de me escutar... (Vozes: - Falle, falle.) Mas empregarei todos os esforços para reduzir as minhas considerações, para as concluir no menor espaço de tempo, porque realmente seria uma tortura e tambem uma inconveniencia o ficar com a palavra reservada na primeira vez que tenho a honra de a fazer ouvir n'esta casa. (Vozes:- Falle, falle.)
Agradeço o favor da camara e continuo.
Sr. presidente, ninguem ponha em duvida que o prolongado conflicto entre as duas cidades minhotas valeu uma rasão de força sufficiente para justificar esta dictadura. Ninguem d'aquelle lado da camara procure convencer o paiz, de que o problema se poderia ter resolvido com o parlamento aberto.
É muito mais honroso para s. exa. o confessarem lealmente que esse conflicto foi de uma alta e significativa importancia, e podia ter-se desdobrado em consequencias desastrosas para a vida normal da nação; porque se o não foi, a queda do gabinete regenerador teve evidentemente uma causal irrisoria e mediocre, no que eu não acredito, porque acima de tudo presto a homenagem que a justiça me aconselha às altas intelligencias e legitimo orgulho dos homens que o constituiram. (Apoiados.)
O sr. Fontes, o grande e honrado estadista, cuja vida por tantos modos illustre se impõe á nossa admiração, como a sua morte brusca e inesperada tão dolorosamente arrancou as mais sinceras lamentações á nossa tristeza e as mais enternecidas condolencias á nossa piedade; o sr. Fontes, que tinha a consciencia da sua grandeza, a altivez aprumada da sua posição e do seu poder, não iria de certo, ao cabo de uma longa e trabalhada carreira ministerial, declarar como declarou na camara dos dignos pares que a queda do gabinete fora determinada pelo conflicto entre Braga e Guimarães, se porventura esse conflicto houvesse sido cousa de pequena monta. (Vozes: - Muito bem.)
Façamos justiça ao illustre morto.
Ora, sr. presidente, se o facto foi de uma importancia capaz de fazer cair um gabinete forte e de obrigar a taes declarações um estadista eminente, quem póde ter direito de pôr em duvida que o governo progressista teve necessidade, para resolver um tão grave e complicado problema, de se emancipar de qualquer influencia estranha que podesse tolher-lhe a liberdade de acção, transtornando com perigo imminente para o socego do paiz o bem urdido, o verdadeiramente glorioso plano de treguas, que satisfez o orgulho irritado das duas cidades, com os applausos da nação, embora com o silencio menos sympathico e menos generoso da opposição regeneradora n'esta e na outra casa do parlamento. (Apoiados.)
E pois claro, sr. presidente, que a camara aberta, exaltada na refrega das paixões partidarias, teria sido um factor hostil á solução d'aquella crise anormal e perigosa.
Com respeito á renovação da parte electiva da camara dos pares, é obvia e perfeitamente justificada a necessidade que o governo teve para assumir a dictadura. Todos sabem como eram constituidas as corporações administrativas pelo codigo de 1878 e qual a sua natureza caracteristicamente politica. (Apoiados.)
Os pares do reino eleitos por aquellas corporações, viriam á camara como representantes do partido regenerador, oppor todas as mais insuderaveis difficuldades á marcha do governo, á realisação do seu vasto plano de reformas.
O governo, portanto, não poderia viver em tão impossiveis e apertadas circumstancias. E se tivesse a ingenuidade deploravel de seguir um rumo diverso, fiando-se na maioria contraria da outra casa do parlamento, ha muito que essa maioria lhe teria entoado o de profundis das derradeiras despedidas, na voz cavernosa das mais falsas e rhetoricas indignações. (Apoiados.)
A renovação da parte electiva da camara dos pares foi, portanto, sr. presidente, uma necessidade impreterivel e inadiavel, não só para garantir a vida regular d'este governo, mas tambem para restabelecer a rotação constitucional dos partidos monarchicos, em harmonia com os interesses do paiz e com o respeito pelas instituições.
Sr. presidente, quando um partido politico absorve nas energias da sua prolongada acção governativa as forças vivas de uma nação; quando teceu nas altas regiões do poder uma rede apertada de difficuldades, em que necessariamente se ha de debater e extenuar o partido que lhe succeder, torna-se indispensavel muitas vezes recorrer a meios extraordinarios, tendo para isso de antepor aos principios e crenças pessoaes os interesses legitimos do paiz. (Apoiados.)
Ninguem acredita de certo que o sr. presidente do conselho e os seus collegas no governo, homens educados na liberdade e disciplinados nas luctas brilhantes do pensamento e da palavra, ninguem acredita que s. exas. sejam por temperamento uns Neros sanguinarios e terriveis.
Não fizeram dictadura por vontade, fizeram-na por necessidade, porque de outro modo não poderiam fazer triumphar as suas medidas, tão indispensaveis como urgentes, para bem se desempenharem da espinhosa missão que o paiz lhe confiou. (Apoiados.)
Depois este, sr. presidente, não é um facto singular na evolução constitucional da politica portugueza. Isto mesmo ainda hoje na sessão diurna aqui foi dito pela eloquencia palpitante e arrebatadora do meu querido amigo Antonio Candido, d'esse poeta extraordinario, que vive no cerebro e no coração do maior orador do meu paiz e que tem sempre ao serviço da sua palavra prestigiosa e dominadora todas as tintas da inspiração e todas as harmonias do sentimento. (Vozes: - Muito bem.)
Quantos homens illustres, que já dormem o somno immobilisado de que se não acorda á sombra dos cyprestes,

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ançaram mão da dictadura para se desembaraçarem das difficuldades que os enleiavam na gerencia dos negocios publicos. (Apoiados.)
Alguns, sr. presidente, respiraram o ambiente carregado e perturbador das refregas e dos combates pela liberdade, e quem ha que os possa invectivar de tyrannos hoje, que as paixões da politica se apagaram e a justiça da historia se accendeu diante da memoria d'elles! (Apoiados.)
E todos pediram absolvição para infracções mais ou menos prolongadas do regimen constitucional; todos pediram ao parlamento que lhes considerasse as dictaduras nos seus effeitos, apreciando-as nas suas medidas, nas quaes muitas vezes o acrescentamento das liberdades publicas lhes garantiu a honradez das intenções, contra os obsecados que apaixonadamente pretendiam macular lh'a.
Sr. presidente, não é minha intenção á hora adiantada da noite em que estou fallando e perante a paciencia inexcedivel da camara que me escuta, entrar detalhadamente na analyse das medidas dictatoriaes. Eu tinha dado ao meu trabalho um caracter accentuadamente pratico, desfibrando com minucia todas as muitas vantagens que para o paiz resultam das leis da dictadura.
Mas, n'este momento, reconheço alem de tudo a ridicula immodestia que se reflectiria nas minhas palavras, se porventura pretendesse dar um largo desenvolvimento ao meu discurso, depois que os illustres ministros e o não menos illustre relator esgotaram com a logica inflexivel da sua palavra todos os elementos de defeza.
Procurarei portanto, sr. presidente, resumir, as minhas considerações, tocando muito ao de leve os pontos que mais disputaram o meu interesse e que melhor captivaram as minhas attenções.
Sr. presidente, quem percorrer com attenção e bom criterio a obra da dictadura nas suas variadas manifestações, não póde deixar de admirar o verdadeiro milagre de exforço e de talento, que se operou nos differentes ramos da actividade social. (Muitos apoiados.)
Ha quasi uma remodelação completa nas funcções do serviço publico e se uma ou outra vez as mais sympathicas e adoptadas theorias, que a final estão escriptas na consciencia de todo o homem moderno, tiveram de ser modificadas e restringidas pelas exigencias imperiosas da pratica, isso mesmo demonstra, sr. presidente, a observação bem dirigida, o criterio nitido e consciencioso, o estudo aturado e proficuo, que no organismo social exerceram os homens que estão á testa dos destinos do paiz. (Apoiados.- Vozes: - Muito bem.)
Basta percorrer rapidamente os tópicos da verdadeira reorganisação emprehendida pelo governo, para se lhe não regatearem os elogios que merece e a que tem incontestavel direito.
Assim, por exemplo, a reforma administrativa, introduzindo nas corporações dirigentes o elemento benefico da representação das minorias, ao passo que effectivou uma das mais sympathicas aspirações da consciencia moderna, garantiu por modo seguro os interesses dos povos pelo recurso dos vencidos para os tribunaes administrativos, cuja installação representa tambem um progresso de ha muito reclamado. (Muitos apoiados.)
A restricção da faculdade de tributar, o codigo de 1878 baseiado n'uma exagerada descentralisação, tinha feito das camaras municipaes uns arrogantes potentados que ameaçavam, para lisonjear a vaidade das suas gerencias, corroer toda a materia collectavel; era portanto indispensavel e urgente que se lhes restringisse a faculdade de tributar e o governo não duvidou, para proteger os interesses do paiz, arcar com as responsabilidades de pôr um dique á torrente caudalosa dos abusos e dos desperdicios. (Apoiados.)
A classificação dos municipios, sr. presidente, traduz tambem um dos principios mais salutares da reforma administrativa. São manifestas as desigualdades dos povos e, portanto, a igualdade absoluta perante a lei representaria na administração publica uma injustiça flagrante, fertil em inconvenientes de todo o ponto inevitaveis e perigosos.
Depois na reforma dos estudos secundarios a uniformidade e igualdade dos lyceus, a prohibição do ensino livre aos respectivos professores; a reorganisação do supremo tribunal administrativo, dando-lhe attribuições consultivas que não tinha e restringindo-lhe o pessoal que era exagerado e tantas outras prescripções de incontestavel interesse publico, desdobram-se n'um conjuncto de beneficios, que honram o espirito superior e o caracter benemerito do illustre homem d'estado que lhes deu paternidade. (Apoiados.)
O decreto sobre a aposentação dos empregados civis, que mereceu ao extraordinario talento do sr. Franco Castello Branco o maximo elogio que podia florir de entre as asperezas da sua eloquente irritabilidade partidária; a organisação dos serviços da fazenda, exigindo determinadas condições para a nomeação dos empregados, aos quaes se garante estabilidade e futuro, são passos gigantescos para a melhor cobrança dos redditos do estado.
São tambem verdadeiras glorias dictatoriaes a reforma do tribunal de contas, a reorganisação do contencioso fiscal, a abolição do imposto do sal, tão vexatorio quanto improductivo, e que é um dos documentos publicos da coherencia, tantas vezes injustamente discutida, do sr. ministro da fazenda, cujo talento collossal, verdadeiramente assombroso, faz o desespero dos adversarios e admiração do paiz inteiro. (Muitos apoiados.)
O sr. ministro da justiça evidenciou o seu grande e sympathico talento em providencias acertadissimas, de entre as quaes resalta a creação dos julgados municipaes, que tanto favorecem es interesses e as commodidades dos povos, sobretudo do Alemtejo, onde a densidade da população é pequena em relação á área da provincia. (Apoiados.)
Nas obras publicas a reforma da engenheria, classificando em differentes quadros consoante as suas aptidões especiaes os diversos funccionarios; a centralisação no ministerio das obras publicas dos serviços de engenheria districtal; a reforma dos correios e telegraphos, embora o meu espirito profano em similhantes assumptos não veja demasiadamente claro no seu profundo e vasto pensamento, em todo o caso afiguram-se-me uma alta expressão de justiça, de equidade e bom senso, que são predicados incontestáveis do notavel talento e reconhecida competencia do sr. Emygdio Navarro. (Apoiados.)
Todas estas reformas, sr. presidente, e tantas outras que, na gerencia das differentes pastas, muito alevantam na consideração publica os homens que as firmam com os seus nomes respeitáveis e gloriosos, seriam o bastante para absolver e acatar os resultados práticos da dictadura, tão fertil em esforços abençoados, cuja utilidade se ha de ir accentuando na rasão directa do tempo e da experiencia e na rasão inversa do facciosismo que as combate. (Apoiados.)
Pois bem, sr. presidente, apreciemos tambem os effeitos da dictadura de 1886, mas apreciemol-os serenamente, desapaixonadamente, na acção livre e sincera da nossa critica, sem odios preconcebidos nem animadversões irritadas, e chegaremos á conclusão de que poucas vezes as responsabilidades dictatoriaes dos governos mereceram tanto ser relevadas pelos votos do parlamento.
Vozes:-Muito bem.
(O orador foi muito cumprimentado pelos srs. deputados pares do reino e ministros que se achavam na sala.)
Leu-se na mesa a moção de ordem.
O sr. Presidente : - A ordem do dia para amanhã, é a continuação da que estava dada, sendo a primeira parte a discussão dos projectos n.ºs 147, 107, 161, 162 e 149, e na segunda parte a continuação da discussão do bill de indemnidade.
Está levantada a sessão.
Era mais de meia noite.

Redactor = S. Rego.

Página 1802

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