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SESSÃO DE 1l DE MAIO DE 1888 1545
Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho
Secretarios os ex.mo srs.
Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral
SUMMARIO
Leu-se na mesa um officio da presidencia, da camara municipal de Lisboa, rogando á camara dos senhores deputados que se faça representar no Te Deum que aquella corporação manda celebrar no sabbado, 12 do corrente, ao meio dia, na igreja de Santa Justa e Rufina, pelas melhoras de Sua Magestade El Rei. O sr. presidente disso que de certo a camara quereria que se nomeasse uma deputação para assistir á solemnidade mandada realisar pela camara municipal de Lisboa. Esta deputação seria nomeada opportunamente. - Correspondencia: um officio do ministerio da fazenda, remettendo alguns esclarecimentos requeridos pelo sr. Arroyo, relativamente a supprimentos por divida fluctuante no estrangeiro; um officio do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo copia de uma nota do sr. ministro de Hespanha em Lisboa, propondo a troca das publicações de legislação entre a camara dos deputados hespanhola e as camaras Portuguezas - Tiveram segunda leitura: um projecto de lei do sr. Cardoso Valente, determinando que os taberneiros em Villa Nova de Gaia sejam considerados, para os effeitos da lei da contribuição industrial, como pertencendo á 7.ª classe da tabella B, parte I, annexa á lei de 14 de maio de 1872; um projecto de lei do sr. Ferreira de Almeida, determinando que a licença para uma embarcação encalhar na praia, a fim de limpar ou queimar, e em geral para beneficiar o casco, seja valida por um anno desde a data em que for concedida, qualquer que seja o numero de vezes que a embarcação tenha de fazer aquelle serviço. - O sr. João Pinto dos Santos renovou o pedido de esclarecimentos que tinha feito com respeito aos empregados das matrizes. - O sr. Silva Cordeiro refere se a inexactidões que a seu respeito se liam n'um jornal do Porto, com respeito ao que dissera tratando do caminho de ferro do valle do Tamega. - O sr. Abreu Castello Branco apresenta differentes considerações com respeito á beneficencia publica e á instrucção primaria. - O sr. João Pina refere se ao caminho de ferro de Coimbra a Arganil, já contratado, mostrando a conveniencia d'elle ser prolongado até á Covilhã. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - O sr. João Pinto dos Santos allude ao modo violento por que tinha sido feita a nomeação de professoras para a escola normal do sexo feminino. - O sr. José de Azevedo Castello Branco advoga a construcção do caminho de ferro do valle do Corgo, porque a provincia de Traz os Montes era a irmã bastai da das outras provincias. Responde-lhe sr. ministro das obras publicas. - O sr. Arthur Hintze Ribeiro refere-se ao estado da doca de Ponta Delgada depois dos temporaes de dezembro passado, pedindo ao governo que não descurasse a sua reconstrucção. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas. - Nomeia se a deputação que ámanhã, ao meio dia, tem de assistir ao Te Deum mandado celebrar pela camara municipal em acção de graças pelo restabelecimento de Sua Magestade El-Rei.
Na ordem do dia continua a discussão ácerca da execução da lei que auctorisou as obras do porto de Lisboa. - Usa da palavra, contra, respondendo ao sr. Eduardo Villaça, o sr. Franco Castello Branco. Fallou ato ao encerrar da sessão e apresentou uma moção de ordem.
Abertura da Sessão- Ás duas horas e meia da tarde.
Presentes á chamada 45 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Oliveira Pacheco, Guimarães Pedrosa, Moraes Sarmento, Santos Crespo, Lobo d'Avila, Eduardo José Coelho, Feliciano Teixeira, Almeida e Brito, Francisco de Barros, Castro Monteiro, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Franco de Castello Branco, Dias Gallas, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Ferreira Galvão, Barbosa Colen, José Castello Branco, Eça de Azevedo, Abreu Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, José de Napoles, José Maria de Andrade, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Santos Moreira, Julio Graça, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Manuel José Vieira, Martinho Tenreiro, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Miguel Dantas e Estrela Braga.
Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Pereira Borges, Tavares Crespo, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Jalles, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Hintze Ribeiro, Augusto Fuschini, Miranda Montenegro Augusto Ribeiro, Barão de Combarjúa, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Elizeu Serpa, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Freitas Branco, Firmino Lopes, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilhermino de Barros, Candido da Silva, Baima de Bastos, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Vieira de Castro, Alfredo Ribeiro, Alvos Matheus, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Alves de Moura, Avellar Machado, Dias Ferreira, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Alpoim, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Simões Dias, Pinto Mascarenhas, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Manuel Espregueira, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Pedro Monteiro, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Dantas Baracho, Vicente Monteiro e Consiglieri Pedroso.
Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueira, Serpa Pinto, Mendes da Silva, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Gomes Neto, Mazziotti. Barros e Sá, Augusto Pimentel, Victor dos Santos, Conde de Fonte Bella, Eduardo Abreu, Elvino de Brito, Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Francisco Beirão, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco Ravasco, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Sant´Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Menezes Parreira, Sousa Machado, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Amorim Novaes, Pereira de Matos, Ferreira de Almeida, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, Ferreira Freire, Santos Reis, Julio Pires, Mancellos Ferraz, Vieira Lisboa, Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Visconde de Monsaraz, Visconde da Torre, Visconde de Silves e Wenceslau de Lima.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo copia da nota do ministro de Hespanha n'esta côrte, propondo a troca das publicações de legislação entre a camara dos deputados hespanhola e as camaras portuguezas.
Foi auctorisada.
Do ministerio da fazenda, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. deputado João Arroyo, copia do officio do Comptoir d´escompto, accusando a recepção do saldo da primeira conta do supprimento de 12.500:000 francos, vencidos em 30 de março ultimo, e copia das contas enviadas pela agencia financial em Londres, ácerca do pagamento de parte do mesmo supprimento, e da reforma do resto para 30 de junho proximo.
Para a secretaria.
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1546 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Da presidencia da camara municipal de Lisboa, convidando a camara dos senhores deputados, a fazer-se representar no solemne Te Deum em acção de graças pelas melhoras de Sua Magestade El-Rei, que esta camara manda celebrar no dia 12 do corrente, ao meio dia, na igreja de Santa Justa e Rufina.
Para a secretaria.
Segundas leituras
Projecto de lei
Senhores. - A classe maritima é sem duvida, de todas as que, devendo ao trabalho de cada dia, os meios de subsistencia, é menos favorecida nos seus resultados effectivos acrescido de todas as contingencias da sua profissão; para demonstrar a primeira asserção, bastará invocar um estudo estrangeiro, onde se diz que a industria da pesca representa nos seus resultados uma capitação annual de 22 libras emquanto a exploração agricola dá 82. A segunda asserção é por si mesma por tal fórma evidente que seria intempestiva qualquer demonstração.
Antes da ultima reorganisação do serviço das capitanias do porto, effectuada pela lei de 27 de julho de 1882, nenhum imposto pagavam os pequenos barcos quando tiravam licença para encalhar a fim de limpar o fundo ou queimal-o, a nova lei com a sua tabella C a que se refere o artigo 23.° tornou este serviço dependente de licença paga a rasão de 500 réis por cada vez, acrescida do addicional de 6 por cento conforme a carta do lei de 27 de abril do mesmo anno.
As condições especiaes dos pequenos barcos, quer estes se empreguem na pesca, quer nos serviços proprios do porto, é não só precaria nos seus resultados como variavel nas suas condições, com relação aos portos em que navegam, assim é que em muitos portos a pequena differença do nivel de agua sobre o fundo, faz com que a menos de de meia maré, os barcos estejam em secco com todas as desvantagens que resultam, não só da falta de pressão externa para que está feita a sua construcção, mas pelo Contacto com os Iodos putridos sobre que assentam, arruinam-se-lhes as madeiras, se a miudo não forem beneficiadas.
N'outros pontos, como no rio Douro, por exemplo, a sua estreiteza, profundidade e rapidez da corrente, obrigando os pequenos barcos a estarem a miudo encalhados, soffrendo por tanto os damnos já apontados.
O legislador quando estabeleceu que a antiga licença para limpar passasse a ser paga, teve por certo em vista obter por um modo indirecto um imposto sobre a industria dos pequenos barcos; mas assim como a matricula d'esses barcos, na importancia de 300 réis, é annual, mal se comprehende que a licença para limpar o não seja igualmente, tanto mais que o barco que não estiver a nado mais se de teriora pela acção corrosiva dos lodos, e por certo que se menos tempo está a nado, menos explora o serviço a que se destina, resultando d'esta circumstancia que o emolumento da licença para limpar, tendo por fim constituir um imposto indirecto de industria, mais póde vir a pagar o que menos navegue.
Pelas rasões que se acabam de expor, vê-se que se tem em vista mais uma interpretação da lei do que a sua alteração, procurando tornal-a justa e equitativa; e n'estes termos, temos a honra de propor o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° A licença para uma embarcação encalhar na praia para limpar ou queimar, e em geral para beneficiar o casco de que se paga emolumento que constitue receita publica, e vem descripto na tabella C a que se refere o artigo 23.° da lei de 27 de julho de 1882, é valida por um anno desde a data em que foi concedida, qualquer que seja o numero de vezes que a embarcação tenha de fazer
esse serviço.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 2 de maio de 1888. = João Cardoso Valente = João Bento Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.° 92.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.
Projecto de lei
Senhores. - Pelo regulamento da contribuição industrial, approvado por decreto de 28 de agosto de 1872, foram os taberneiros das terras de l.ª, 2.ª e 3.ª ordem incluidos na 6.ª classe, a que se refere o artigo 8.° do mesmo regulamento.
Ficavam, portanto, incluidos n'aquella classe 6.ª os taberneiros do Porto e os de Villa Nova de Gaia.
Posteriormente e por despacho de 15 de dezembro de 1875, foram os taberneiros do Porto transferidos para a 7.ª classe, ficando os de Villa Nova de Gaia, classificados como d'antes, isto é, em classe superior aos do Porto, desigualdade manifesta e que nenhuma rasão justifica. E para accentuar esta injustiça basta saber que emquanto os taberneiros do Porto, terra de 2.ª ordem, pagam a contribuição industrial de 5$600 réis, são os do Villa Nova de Gaia, terra de 3.ª ordem, collectados pelo exercicio da mesma industria em 125$600 réis, desigualdade injusta e vexatoria, que se torna urgente remediar.
Por estas rasões, que de certo merecerão a attenção do poder legislativo, tenho a honra de submetter á vossa apreciação e justiça o seguinte projeto de lei:
Artigo 1.° Os taberneiros em Villa Nova de Gaia serão considerados para os effeitos da lei da contribuição industrial, como pertencendo á 7.ª classe da tabella B, parte primeira, annexa á lei de 14 de maio de 1872.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 9 de maio de 1888. = O deputado por Gaia, João Cardoso Valente.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.
NOTA DE INTERPELLAÇÃO
Desejo interpellar o ex.mo ministro da marinha, ácerca da nomeação do sr. Azevedo Ennes para presidente da relação de Goa. = Sebastião Baracho.
Mandou-se expedir.
JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS
eclaro que faltei ás sessões de terça e quarta feira por falta de saude. = José da Cunha de Eça de Azevedo.
Declaro que faltei á ultima sessão por motivo justificado = José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas.
Declaro á camara que faltei a algumas sessões por motivo de doença. = F. de Almeida e Brito.
Participo a v. exa. que os srs. Fernando Mattoso e Ravasco não comparecem á sessão por estarem em serviço na commissão cerealifera. = Ruivo Godinho.
Declaro que, por motivo attendivel, deixei de comparecer a algumas sessões. = Baracho.
Para a secretaria.
O sr. Presidente: - A camara ouviu o officio que se recebeu da presidencia da camara municipal de Lisboa, e quererá de certo que se nomeie uma deputação para assistir ao Te Deum, que a camara municipal manda celebrar em acção de graças pelas melhoras de Sua Magestade El-Rei. (Muitos apoiados.)
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SESSÃO DE 11 DE MAIO DE 1888 1547
Em vista da manifestação da camara, a deputação será nomeada opportunamente.
O sr. Eça de Azevedo: - Sr. presidente, participo á camara que faltei ás sessões de terça e quarta feira por falta de saude.
O sr. João Pina: - Sr. presidente, eu desejava usar da palavra na presença do sr. ministro das obras publicas; mas como s. exa. não está presente, peço a v. exa. que me reserve a palavra.
O sr. João Pinto: - Sr. presidente, eu pedi ha dias uns documentos, pelo ministerio da fazenda, a proposito dos empregados das matrizes.
Esses documentos são muito faceis de serem remettidos, mas ha oito dias que eu os pedi e elles ainda não vieram.
Eu desejava fazer algumas considerações sobre a ultima nomeação de professores para a escola normal do sexo feminino.
Como não está presente nenhum membro do gabinete, não as posso fazer. Até agora ainda se podia pedir a qualquer sr. ministro que communicasse aos seus collegas as observações dos membros da camara, mas como nenhum está presente, nem isso se póde fazer.
Eu pedia, pois, a v. exa. que se dignasse renovar o meu pedido, para ver se a secretaria respectiva m'os envia.
O sr. Presidente: - Vou dando a palavra aos srs. deputados que não exigirem a presença de algum dos srs. ministros, e depois a darei aos que desejarem usar d'ella quando algum membro do governo estiver presente. Renovar-se-ha o pedido a que se referiu o sr. deputado.
O sr. Silva Cordeiro: - Lendo uma correspondencia que vira n'um jornal do Porto, e em que se faz referencia a algumas observações que apresentára a respeito do caminho de ferro do valle do Tamega, e lendo o extracto da sessão em que se occupára d'aquelle assumpto, fez algumas considerações tendentes a demonstrar que n'aquella correspondencia havia muitas cousas inexactas com relação á sua pessoa.
Tinha dito aquillo que se lia no extracto e não o que aquella correspondencia lhe attribuia.
(O discurso do sr. deputado será publicado em appendice a esta sessão, quando restituir as notas tachygraphicas).
O sr. Figueiredo Mascarenhas: - Mando para a mesa uma justificação de faltas.
O sr. Almeida e Brito: - Mando para a mesa uma declaração, de que tenho faltado a algumas das sessões d'esta camara por motivo justificado.
O sr. José Castello Branco: - Desejava usar da palavra estando presente o sr. ministro das obras publicas, a quem especialmente queria dirigir-me para fazer-lhe umas perguntas sobre a futura rede dos caminhos de ferro.
Como s. exa. não está presente, peço a v. exa. a bondade de inscrever-me para quando s. exa. chegue.
O sr. Abreu Castello Branco: - Desejava fallar na presença do sr. ministro das obras publicas ou do sr. presidente do conselho, mas, ainda que nem um nem outro estejam presentes, nem por isso deixarei de fazer as considerações que tenho a apresentar, por isso que, pelo Diario das nossas sessões, s. exas. verão quaes os assumptos sobre que chamei a sua attenção.
N'uma das sessões passadas, um collega meu n'esta camara, fez varias considerações a respeito da necessidade urgente e inadiavel de se adoptarem algumas providencias por parte do governo ácerca de beneficencia publica.
Não sei, na verdade, qual o motivo porque não se tem tratado até hoje de organisar esse serviço; sei que alguma cousa ha a esse respeito; pelo menos os governos têem a faculdade de' despender umas pequenas verbas em soccorros ,a alguns desvalidos da fortuna, e victimas de lamentaveis desastres; não julgo, porém, isso sufficiente, e desejava que devidamente se organisasse esse serviço.
Por isso é que eu pretendia n'esta occasião dizer algumas palavras mais, com relação á necessidade urgente e inadiavel ide, pelo ministerio das obras publicas, onde não ha beneficencia, se cuidar, quanto antes, senão em acudir ás victimas dos naufragios, ao menos em empregar todos os meios precisos para que elles se evitem ou sejam menos frequentes.
Alem dos naufragios, ainda ha outros casos de grande desolação que muitas vezes sobrevem, por isso, desejava que ao menos a idéa fosse aventada n'esta casa, e; embora não fosse desde já posta em pratica, ao menos desse motivo á apresentação de uma proposta de lei.
Em todo o caso desejava que a idéa ficasse, e, por isso, pedi hoje a palavra para lembrar ao governo, principalmente ao sr. presidente do conselho, a grande conveniencia de providenciar para que, pela repartição de beneficencia, se attenda não só ás victimas de naufragios, incendios, etc., mas especialmente a outras victimas, taes são das paixões, dos crimes e das enfermidades.
N'uma sessão legislativa, creio que de 1881, o sr. presidente do conselho apresentou aqui uma proposta de lei para a creação de uma sociedade, que tinha por fim promover a diffusão de instrucção primaria em todo o paiz, sendo convidada para a presidencia d'essa associação Sua Magestade a Rainha; a proposta teve o parecer da commissão, o qual foi distribuido, mas não chegou a ser discutido.
Ora muito bem.
Eu não quero agora dizer se approvei ou não esse projecto; n'esse tempo entendi que elle carecia pelo menos de algumas modificações; mas parecia-me e ainda hoje me parece que, assim como s. exa. tinha tão louvavelmente tomado a iniciativa de um projecto de lei para a organisação de uma sociedade com um fim realmente humanitario, como é a diffusão da instrucção por todo o paiz até ás classes infimas, prestaria um grande serviço apresentando aqui, e fazendo converter em lei, uma proposta para creação de associações exactamente como aquella que s. exa. tinha ideado, com o fim de soccorrer os indivíduos que saem das cadeias e os que saem dos hospitaes, porque é isso exactamente que está fazendo grande falta.
Eu não contesto a necessidade da diffusão da instrucção publica, mas para instrucção já ha alguma cousa, emquanto que para isto não ha nada.
Este assumpto é importante, muito importante. Um individuo commette um crime qualquer; é condemnado em tres ou quatro mezes de prisão; vae para a cadeia; não direi o que elle aprende n'aquella bonita escola, mas emfim já admitto que elle ali se não perverta, ou se não torne peior do que foi para lá; quando sáe, dizem-lhe: agora está livre, póde retirar-se e tome sentido, veja não torne cá; vá trabalhar, que o trabalho é honra e poder.
Como v. exa. sabe perfeitamente, o homem ouve aquillo, e sáe sem saber para onde ha de ir, pois não tem casa, e se quer trabalhar, desde o momento em que diga que acaba de sair da cadeia já ninguem o quer.
Nos hospitaes acontece o seguinte: vae para ali um desgraçado doente, e depois quando convalesce os facultativos dão-lhe alta e dizem-lhe: tenha muito cuidado comsigo, evite o sol e a humidade, procure alimentos substanciaes e assim ha de ir isso bem.
Dados estes conselhos sáe o enfermo do hospital sem ter nem um tecto sob que possa abrigar-se, e lá vae, á mercê de Deus e da caridade do proximo, em demanda do pão de cada dia.
Eu não me demorarei agora, porque não quero fatigar a attenção da camara, em fazer uma apreciação das consequencias que podiam resultar da assistencia official ao individuo que sáe do hospital, e ao que sáe da cadeia, para os quaes nem temos ainda, como na America, as work-houses, onde elles encontram immediatamente trabalho; e depois, se querem ser transportados para o seu paiz, dão-lhes meios de transporte.
Nós nem isso temos; nada temos; e portanto, desejava
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lembrar ao governo que, assim como tomou a iniciativa da diffusão da instrucção, tome tambem a iniciativa da creação de uma sociedade, que tenha por fim esperar os criminosos ás portas das cadeias, para velar por elles, e tambem para esperar os que saem dos hospitaes, a fim de lhes proporcionar habitação e modo de vida; obstar, emfim, a que os que sáem das cadeias se tornem para o futuro mais criminosos ainda, o obstar tambem a que os que sáem dos hospitaes tenham brevemente de para lá voltar.
Mas, sr. presidente, não está presente o sr. ministro do reino, e eu espero referir-me ao assumpto em outra occasião. Em todo o caso, a idéa ahi fica; aproveite-a quem quizer, e um dia teremos occasião de a discutir.
Tenho dito.
O sr. Alves de Moura: - Mando para a mesa, por parte da commissão de instrucção primaria, o parecer da mesma commissão, sobre, o projecto de iniciativa parlamentar n.º 40-A.
Foi a imprimir.
O sr. João Augusto de Pina: - Sr. presidente, eu desejava usar da palavra quando estivesse presente o sr. ministro fias obras publicas para chamar a attenção de s. exa. sobre o seguinte assumpto:
Sr. presidente, uma empreza particular contratou a construcção do caminho de ferro de via reduzida de Coimbra a Arganil. Pouco tempo depois espalhou-se a noticia de que o dito caminho continuava de Arganil a entroncar no caminho do ferro da Beira Baixa, proximo á Covilhã.
Sr. presidente, tudo leva a crer n'esta idéa, porque, seguindo elle, como deve seguir, as margens do rio Alva, e atravessando este rio no sitio da ponte das Tres Entradas, seguindo a ribeira, de Alvoco, e atravessando a serra nas pedras Lavradas, deve tambem passar perto do Vinhaes da Serpa, terra notavel pelas suas aguas thermaes, Erada, Paul e Tortosendo, vem assim a cortar uma das regiões do paiz mais ricas em agricultura.
Rica em milho, vinho, azeite, batatas, feijão, castanhas e fructas, não poderá tal melhoramento deixar de influir no desenvolvimento da mesma agricultura, que muito ha de lucrar com tal caminho.
Sr. presidente, dizem os entendidos que o commercio e mesmos productos da agricultura da Beira Baixa hão de vir por tal caminho, não só para Coimbra, mas para o Porto, porque ficarão mais baratos do que leval-os pela Guarda.
E tambem por elle que hão de ser transportados os productos das fabricas de lanificios da serra para Coimbra, Lisboa, Porto, Braga, etc., e os productos agricolas das ferteis terras da surra da Estrella.
Sr. presidente, quando se espalhou a noticia do prolongamento de tal caminho, as povoações por onde se dizia que elle passaria ficaram contentissimas, e uma d´ellas foi Covilhã, não obstante passar-lhe ao pé brevemente o caminho de ferro da Beira Baixa; porque era por elle que haviam de ser transportados os productos das suas fabricas, e o seu commercio não só para Coimbra, mas para a Figueira e, talvez, Porto, Braga, etc.
Sr. presidente, á vista do exposto, tudo leva a agourar um bom futuro a tal caminho, e o commercio e a agricultura d'aquella região lucrarão muito com elle; porque sem boas estradas e caminhos não ha agricultura nem commercio florescente, e estes povos têem direito a este melhoramento, porque pagam não pequenas contribuições para o estado.
Mas, sr. presidente, nunca mais se fallou em tal cousa; por isso ou pergunto ao sr. ministro das obras publicas, visto estar presente, se a idéa da continua do caminho de ferro de Arganil a ir entroncar no caminho de ferro da Beira Baixa ao pó da Covilhã, ainda existe ou se morreu.
Disse.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Como o illustre deputado sabe muito bem, está effectivamente concedido o caminho de ferro de Coimbra a Arganil, sem garantia de juro nem encargo algum para o estado.
Consta-me que a companhia mandou fazer os estudos de Arganil para a Covilhã.
Mas, se o caminho de ferro não está feito até Arganil, parece-me extemporaneo tratar do seu prolongamento até á Covilhã.
Só depois de feita a testa da linha é que se póde tratar do seu prolongamento.
Parece-me que o prolongamento do caminho de ferro de Arganil para a Covilhã não póde ser concedido sem auxilio do estado, sem garantia de juro, por exemplo, porque é feito n'um terreno muito aspero, e em todo o caso só se deve tratar d'elle depois de feita a testa da linha.
A companhia, repito, segundo parece, mandou fazer os estudos, e, se a linha for julgada conveniente e alguma medida dever ser apresentada ao parlamento, como me parece necessario, não terei duvida em opportunamente a apresentar.
O sr. João Pina: - Peço a v. exa., sr. presidente, que consulte a camara sobre se permitte que eu use novamente Já palavra.
A camara resolveu affirmativamente.
O sr. João Pina: - Agradeço ao sr. ministro das obras publicas as suas palavras, e faço votos para que a idéa d'esta linha ferrea se leve á pratica.
O sr. João Pinto dos Santos: - Já ha bastante tempo pedi uns documentos, que me não foram enviados, para fazer algumas considerações sobre a ultima nomeação de professores para a escola normal do sexo feminino; e já tenho, por mais de uma vez, pedido a palavra antes da ordem do dia para tratar este assumpto; mas ou o sr. ministro do reino não tem comparecido ou a palavra me mio tem chegado quando s. exa. está presente.
Pedia ao sr. ministro das obras publicas que communicasse ao seu collega o meu desejo de liquidar antes da ordem do dia, ou antes de se encerrar a sessão este assumpto, que é importante, porque me parece que aquellas nomeações foram feitas contra todas as praxes, e por modo tão violento que até obrigou a direcção do estabelecimento a pedir a demissão.
Eu peço portanto ao sr. ministro das obras publicas o favor de communicar ao sr. presidente do conselho estes meus desejos, a fim de ver se proximamente, ou antes da ordem do dia, ou antes de se encerrar a sessão, eu poderia liquidar este assumpto com s. exa.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Communicarei ao sr. ministro do reino os desejos do illustre deputado.
S. exa. tencionava vir hoje á camara, conforme promettera ao sr. deputado Arroyo tendo porem, sido transferida para hoje a assignatura real, não póde satisfazer esse compromisso.
O sr. José Castello Branco: - Sr. presidente, pedi a palavra para me dirigir ao sr. ministro das obras publicas, a fim de saber se s. exa. tem a pachorra para me dizer em que estado está a questão do caminho de ferro ao norte do Mondego.
Interessa-me extraordinariamente este assumpto, e como me recordo de uma vaga promessa de s. exa., de que brevemente viria á camara uma proposta sobre a rede dos caminhos de ferro, o vejo ao mesmo tempo desmentida pelos factos essa promessa, começo a inquietar-me, não por mim, mas pelos povos do norte, com receio de que realmente não se chegue a realisar essa promessa tão fagueira do sr. ministro das obras publicas.
Para Traz os Montes, a questão do caminho de ferro á uma questão vital e essencial para o seu desenvolvimento economico.
Mas aquella região essencialmente agricola está atravessando uma crise importantissima, não só pelo deprecia-
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mento natural da agricultura cerealifera, mas mais ainda pelo depreciamento successivo da industria vinicula, e n'estas condições, só remedio radical, e circumstancias extraordinarias poderão fazer reviver as condições economicas de Traz os Montes.
Claro é que entre os caminhos de ferro projectados, aquelle a que eu ligo maior importancia é o de Valle de Corgo, não só porque é o que atravessa regiões mais importantes, porque atravessa alguns pontos importantissimos como é a capital do districto, Villa Real, Chaves e Villa Pouca de Aguiar; mas alem d'isso, porque segue o caminho natural que ato hoje tem seguido os productos, que convergem a Chaves.
No entanto, dadas as condições da provincia, esto caminho de ferro não se póde fazer serem uma subvenção, uma garantia, um auxilio por parte do governo. Estou certo de que, intelligentes como são os capitaes nacionaes e estrangeiros, aquelle caminho de ferro já estaria feito, e por ventura as condições economicas actuaes d´aquella provincia facultassem que isso se fizesse, sem garantia. Não póde, porem ser, e como a questão está dependente do governo é preciso que por parte d'elle haja desejo de attender ás necessidades d´aquella provincia, que tem sido tratado até hoje como uma irmã bastarda, comquanto, deve dizer-se não seja ella uma das que menos concorrem para a receita do estado e para a defeza do paiz, e que não tem menos condições para ser dotada com um melhoramento d´esta natureza.
Eu sei que, dada a natural largueza de animo do sr. ministro das obras publicas, não pode s. exa. ver sem desgosto que seja servida villa Real, Chaves e Villa pouca, e que Mondim de Basto não tenha um caminho de ferro, assim como Amarante e outras povoações.
Ao espirito generoso do Sr. ministro das obras publicas veiu a idéa de mandar estudar todos os caminhos de ferro ao norte do Mondego, mas esta situação veiu complicar a questão o caminho de ferro do valle do Corgo.
Eu pedia que, a impossibilidade de se realisar todos os caminhos de ferro, se desse preferencia a este, porque os outros, ou são prejudiciaes, ou concorrentes poderosos.
Muito desejaria que o sr. ministro das obras publicas attendesse, estas minhas considerações e que se lembrasse de que a provincia de traz os Montes tem, além dos interesses naturaes, uma promessa formal do sr. ministro, de que não será preferida.
O Sr. Ministro das obras Publicas ( Emygdio Navarro ): - Concordo em geral em as observações do illustre deputado, menos na parte em que pede o caminho de ferro do valle do Corgo de preferencia a qualquer outro.
Na minha responsabilidade, ou vão todos os caminhos de ferro ou nenhum, porque ou todos estão nas mesmas circumstancias ou não, mas a camara resolverá a questão como entender.
Sei que o caminho de ferro do valle do Corgo e util e principalmente considerado como ligação das linhas da Beira baixa alta, mas não menos util e necessaria é a ligação de Braga a Chaves.
Peço licença para acrescentar algumas palavras ao que o illustre deputado disse com respeito ao districto de villa Real. A cidade de Bragança não está em condições mais favoraveis do que villa Real, mas é certo que são as duas unicas cabeças de districto que não têem caminho de ferro, e por essa rasão é que estão á frente de todas as outras.
N´esta parte hei de desempenhar-me do compromisso que tomei com os povos de Villa Real, porque desejo satisfazer aquillo a que me comprometto.
O Sr. José de Azevedo Castello Branco:- O Sr. ministro das obras publicas fez-se a fineza de responder, mantendo o seu compromisso antigo tomado com villa Real m condições especiaes.
Ha cerca de dois annos os povos da capital do districto de villa Real reuniram se em grande meeting para pedir ao governo o caminho de ferro que elles entendem que justamente lhes é devido.
Mas, entendendo justo modificar as condições economicas precarias em que estava, delegou esse meeting uma commissão que veio a Lisboa; essa commissão aggregou aqui alguns cavalheiros, dos quaes eu tive a honra de fazer parte. A promessa que o sr. ministro das obras publicas então fez foi esta: « apresentarei ás côrtes a proposta para o caminho de ferro, caso appareça quem o faça, sem encargo para o estado». Este foi o compromisso do Sr. ministro das obras publicas, do qual não abdica de fórma nenhuma, como acaba de declarar á camara.
Esta promessa foi feita sem restricção, e a obrigação de s. exa. é cumprir esta promessa.
Eu não questiono se Bragança precisa tambem de um caminho de ferro, assim como se outras localidades precisam igualmente; entendo como s. exa. que, se Bragança precisa, deve ser servida.
Mas, sr. presidente, crear dificuldades ao cumprimento de uma promessa do sr. ministro, tão formalmente feita a cavalheiros que vieram aqui, e que não vinham movidos por espirito de partido, em nome das conveniencias de outros povos, parece que é restringir a promessa e não dar testemunho de boa de servir aquelles povos.
Não venho agora discutir aqui se o caminho de ferro do valle do Tamega deve ter prioridade sobre o caminho de ferro do valle do Corgo, se este sobre aquelle; o que desejo é que o sr. ministro declare, se o caminho de ferro do valle do Congo está em condições de poder ser offerecida á camara a sua discussão e ao publico a sua construcção mantendo assim o compromisso que tomou perante a commissão delegada do meeting de villa Real, dizendo que o havia de apresentar ás côrtes no mais breve espaço de tempo.
Lembro a s. exa. que declarou que no anno passado não podia, attendendo ás condições afflictivas do thesouro, apresentar esse caminho de ferro, mas apresental-o ia na futura sessão legislativa, que é a actual, e eu peço a s. exa. que, sem de fórma nenhuma desettender os outros povos, que têem direitos, no entanto attenda á prioridade da sua promessa, para se desobrigar, como sempre faz, do compromisso que tomou com os povos do districto de villa Real.
( Apoiados)
O sr. Ministro das Obras Publicas ( Emygdio Navarro): - É para aclarar um ponto, para que fique accentuado; póde não ser ratificação, mas significa uma explicação. Eu tomei o compromisso de não fazer construir o caminho de ferro do valle do Paiva e do Tamega antes do caminho de ferro do valle do Corgo; mas não tomei o compromisso de fazer construir o caminho de ferro do valle do Corgo primeiro do que caminho de ferro.
O Sr. Dantas Baracho: - Mando para a mesa uma justificação de faltas; mando tambem para a mesa nota de interpellação.
( Leu)
O sr. Hintze Ribeiro: - Pedi a palavra para colher do sr. ministro das obras publicas umas informações a respeito do estado em que foi encontrada pelo engenheiro enviado a ponte Delgada a doca d´aquella localidade.
Como s. exa. sabe, em consequencia dos temporaes de dezembro passado, aquella obra monumental soffreu grandes prejuizos, e tão grandes foram elles, que o engenheiro a quem tinham sido adjudicadas as obras em concurso por empreitada, entendeu não dever tomar conta d´ellas no estado em que as achou, estado que diferia completamente da descripção feita na memoria que serviu de base ao concurso.
O engenheiro veiu a Lisboa reclamar a indemnisação ao governo, para poder depois tomar conta das obras e continual-as.
Sei que por parte do governo foi effectivamente áquella
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ilha um engenheiro distincto, para ver a justiça que havia em tal reclamação, e poder depois informar condignamente o governo, a fim d'elle deliberar como julgasse conveniente á vista dos dados colhidos.
É natural que o sr. ministro das obras publicas, que vejo presente, já tenha informações a este respeito, e é isso que eu desejava saber, pois que, estando paradas aquellas obras, sem se lhe fazerem as devidas reparações, tende necessariamente a arruinar-se cada vez mais, a ponto de em breve poderemos ver perdidos todos os sacrificios e despezas que ali têem sido feitas.
Sendo, pois, este um assumpto que me parece da mais alta gravidade, desejava que o sr. ministro das obras publicas se dignasse dar-me todas as informações que tiver a este respeito.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Emygdio Navarro): - Já n'uma das sessões anteriores me referi incidentemente ao assumpto para o qual chamou a minha attenção, e torno a referir o facto, que já então narrei e posso agora ampliar.
Por uma lei votada no parlamento no anno passado, resolveu-se que a conclusão da doca de Ponta Delgada fosse adjudicada em concurso..
Abriu-se concurso, appareceram concorrentes, fez-se a adjudicação, e entre o periodo da adjudicação e aquelle em que o adjudicatario devia tomar posse, precisamente n'esse periodo critico, houve um grande temporal nos Açores, temporal que arruinou n'uma grande extensão o molhe já construido, abrindo tres fendas, alem d'isso, um grande rombo, e atirando para dentro 80:000 toneladas de pedra.
Já vê s. exa. que os estragos foram grandes e o adjudicatario, que ia para tomar conta do material, recusou-se a isso, porque esse desastre succedeu precisamente na extremidade do molhe onde elle devia começar os seus trabalhos.
Não pôde, portanto, começal-os, visto a extremidade do, molhe estar arruinada. Reclamou, e com rasão, do governo, que pozesse o molhe no estado em que se descrevia na memoria que serviu de base ao concurso, porque, antes d'isso, não podia continuar os seus trabalhos.
Esta situação era para o governo bastante embaraçosa.
Offereci-lhe duas soluções, uma a recisão do contrato, o que me parecia melhor, outra o continuar as obras por sua conta, ou abrir novo concurso, incluindo n'elle a reparação dos estragos; mas o empreiteiro recusou e disse que não queria a rescisão do contrato, mas que queria que este fosse mantido.
Pretendi chegar a um accordo com elle com respeito ao preço das reparações, mas elle pediu-me uma somma que eu achei exagerada. Pedia duzentos e tantos contos para tomar sobre si e encargo da reparação dos estragos feitos na molhe.
Não podendo chegar a um accordo, o empreiteiro reclamou uma indemnisação, porque tinha direito a manter o contrato e não tinha responsabilidade dos estragos anteriores á proposta, e não podia continuar os trabalhos por causas estranhas a elle.
Aqui está o embaraço em que o governo se encontra.
O empreiteiro firma-se n'um contrato, que eu não posso rescindir, e pede uma indemnisação, por que, por factos extranhos á vontade d'elle e do governo, não pôde começar os seus trabalhos.
Eu, porém, para poder resolver com alguma segurança, mandei á ilha o engenheiro Silverio, que tinha sido nomeado anteriormente inspector das obras publicas para as ilhas, para me informar das circumstancias que se davam na doca, e a importancia das reparações, para ver se será mais vantajoso chegar a um accordo com o empreiteiro, a fim d'elle tomar á sua conta a reparação dos estragos.
E digo será mais vantajoso, porque na lei do anno passado ficou incluida a obrigação de entregar ao empreiteiro todo o machinismo e material que existem nas obras; e por consequencia o governo está impossibilitado de fazer por si as reparações, porque pelo contrato tem de passar ás mãos do empreiteiro todo o material, e o empreiteiro tem direito de o pedir.
Portanto, já o illustre deputado vê que é uma situação embaraçosa para o governo, e eu hei de tomar uma resolução sobre ella.
Ainda não sei qual seja. O inspector já em carta particular me mandou informações, orçando os prejuizos em 60:000$000 ou 80:000$000 réis, mas não responde pela exactidão do calculo, e mandaria depois um relatorio official melhor fundamentado.
O relatorio ainda não chegou, e eu não posso dar mais explicações que as que acabo de dar ao illustre deputado.
O sr. Hintze Ribeiro: - Agradeço ao sr. ministro das obras publicas as informações que se dignou dar-me, e peço-lhe que com a brevidade possivel dê a solução compativel com o estado d'aquellas obras, solução que é tão urgentemente reclamada.
Peço portanto a s. exa. que não largue de fórma alguma este negocio, para que elle possa ter a solução devida.
ORDEM DO DIA
Continuação da interpellação dos srs. Dias Ferreira e Pedro Victor, ácerca da execução da lei que auctorisou as obras do porto de Lisboa
O sr. Presidente: - Tem a palavra sobre a ordem o sr. Franco Castello Branco.
O sr. Franco Castello Branco: - É praxe d'esta camara, praxe respeitada e seguida quasi geralmente por todos os deputados, em debates de alguma importancia, o começarem por cumprir um dever de cortezia para com os adversarios a que respondem, dever de cortezia que aliás não impede muitissimas vezes, quasi sempre, de se fazer ao mesmo tempo a justiça devida aos merecimentos e talento de cada um. (Apoiados.)
Não me furtarei eu ao cumprimento d'esse grato dever, muito mais tendo de me referir a um deputado tão sympathico para todos os lados camara, (Muitos apoiados) a um homem tão intelligente e tão geralmente estimado por todos os que o conhecem, (Apoiados) como o sr. Villaça, de quem eu ha muitos annos, desde o tempo da universidade, me honro e ufano de tratar como amigo.
Começarei, pois, por affirmar, e parece-me interpretrar n'este ponto a unanimidade dos sentimentos da camara, que ainda ninguem defendeu o sr. ministro das obras publicas com tanta habilidade, nem com tanta amisade. (Apoiados.)
S. exa. não se revelou no discurso ultimamente proferido, unica e simplesmente um homem de talento, sendo já sobejamente conhecido debaixo d'esse ponto de vista por muitos membros d'esta camara. Revelou-se alem d'isso um homem de coração; viu-se pela paixão e pelo calor, menos traduzido nas suas palavras, porque s. exa. não é um orador caloroso, do que no affinco verdadeiramente teimoso, é este o termo, com que procurou defender o sr. ministro das obras publicas em todos os pontos em que tinha sido accusado e combatido, viu-se perfeitamente, repito, que alem do homem de talento, que põe a sua palavra e os seus vastos recursos intellectuaes ao serviço de uma causa que julga boa, havia o amigo que defende outro amigo, n'um lance arriscado e perigoso para elle. (Apoiados) E com isto não quero de forma alguma tirar o merecimento que realmente poderão ter os discursos e orações proferidos por outros oradores d'esse lado da camara. Accentuo apenas que para mim, pelo menos, ainda nenhum orador conseguiu produzir em defeza do governo a impressão que realmente me produziu o sr. deputado Villaça, (Vozes: - Muito bem.)
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Essa impressão, torno a repetir, foi a de um homem que emprega devotadamente todos os meios, todos os recursos do seu talento e do seu caracter agradecido em defender uma causa que elle vê arriscada, critica e desperada, mas que é decisiva para o homem a quem deveras estima. O terreno era porém de tal fórma escorregadio e a questão, para o governo, independentemente da habilidade e eloquencia dos deputados da opposição, apresenta-se tão escabrosa e difficil, que s. exa. se póde mais uma vez affirmar os seus brilhantes talentos e fazer alarde dos vastos recursos, de que dispõe, não, pôde comtudo convencer a quem tenha acompanhado desapaixonadamente, mas com attenção, esta triste e desoladora questão das obras do porto de Lisboa. (Apoiados.)
A este respeito nenhuma illusão é permittida.
Em toda esta discussão, sobrepujando a todos os discursos, proferidos quer de um quer do outro lado da camara, dominador e altivo como um grande roble, entre moutas enfezadas e urzes rasteiras, fica o discurso de um illustre membro, d'esta camara, de um distinctissimo ornamento do partido regenerador, de quem sou amigo dedicado, discurso, até agora irrespondido, e em minha opinião verdadeiramente irrespondivel. (Apoiados.) Refiro-me ao sr. Pedro Victor.
Esse discurso, não só affirmou para desde logo, no deputado que o pronunciou, um parlamentar de primeira ordem, mas, fez mais do que isso, apontou-o a todo o partido a que s. exa. dá a honra de pertencer, o partido regenerador, (Apoiados.), como um dos homens mais capazes e mais competentes para os altos cargos, em que o talento, o estudo e o caracter são qualidades primordiaes e indispensaveis. (Apoiados.) Esse discurso até este momento não foi ainda respondido cabal e satisfactoriamente, bom nome do governo era indispensavel que (Apoiados.)
Com esse discurso deu-se um facto que é preciso sublinhar pela sua caracteristica significação.
Hão de todos estar lembrados que até ao momento d'aquelle illustre deputado terminar o seu discurso, que aliás se estendeu por tres sessões, as galerias d'esta camara estiveram sempre apinhadas de espectadores, divisando-se em todos elles uma anciedade e uma curiosidade de que não ha memoria. (Apoiados.)
Fallou áquelle illustre deputado, terminou, o seu discurso, e não obstante seguirem-se apoz elle, oradores sempre estimados, como o meu illustre amigo o sr. Julio de Vilhena, e engenheiros distinctissimos, como os srs. Villaça e Pereira dos Santos, homens que bem pôde dizer se representam n'esta casa a fina flor do espirito parlamentar pprtugupz, as galerias nunca mais se encheram, e o anceio de saber não mais se manifestou! (Apoiados.)
Parece que todos aqui tinham entrado com a preoccupação, de que era d'aquelle discurso que se devia esperar a verdade sobre o que tinham sido as obras do porto de Lisboa, e uma vez ouvido, satisfeita a legitima e natural curiosidade do publico em assumpto que tantas attenções prendera, cada um se foi com o seu juizo formado, indifferentes ao resto que ia passar-se, bem certo de que a final se repetiria apenas mais um acto d'esta longa e desmoralisadora comedia parlamentar, em que a maioria termina sempre por cobrir com uma votação unanime toda e qualquer responsabilidade do governo! (Apoiados.)
Similhantes scenas, por mais inexplicaveis que devam parecer, já não excitam o interesse nem a curiosidade de ginguem. (Apoiados.)
E eu, sr. presidente, se vou usar da palavra n'este debate, é porque a isso me julgo parlamentarmente obrigado, não só porque protestei fazel-o logo na primeira sessão d'este anno, quando sé pretendia, em minha opinião, com o pedido do inquerito parlamentar, adiar indefinidamente a discussão das obras do porto de Lisboa, mas tambem porque ao começar a interpellação de que a camara se occupa, pedi a v. exa. para que fosse permittido a qualquer deputado usar da palavra sobre ella. Julgo-me, por isso, obrigado a dizer o que sinto e o que penso a respeito d'esta famosa questão, que despertou no publico a maior curiosidade de que ha memoria n'este paiz, nos ultimos annos pelo menos.
Procurarei, sr. presidente, responder a alguns pontos mais importantes do discurso do illustre deputado e meu amigo o sr. Villaça, apresentando no decorrer varias considerações, que por certo não terão novidade, porque eu sou incapaz de trazer qualquer assumpto novo para uma questão já largamente debatida pôr oradores tão distinctos. Acima de tudo será meu principal empenho fazer comprehender ao governo, e em especial ao sr. ministro das obras publicas, a necessidade que para elle ha de dar uma resposta cabal, a muitos dos pontos escuros que apparecem n'estes documentos, e para responder aos quaes em face, do paiz não bastará uma votação da camara.
O primeiro ponto que n'esta discussão é sempre costume tratar, por onde começou o sr. Villaça, e por onde eu tambem começarei, é o que diz respeito ao projecto definitivo, que segundo a lei de 16 de julho de 1880, deveria servir e base ao concurso. O que se tem dito ácerca d'este ponto, o muito que todos os oradores se teem demorado em o analysar e discutir, demonstra que elle é um dos mais interessantes d'esta questão, e de onde naturalmente se derivam todas as outras irregularidades accusadas. E realmente tem elle uma importancia capital, por ser o ponto de partida das rcsponsabilidades do governo.
Não virei repetir, o que já foi dito por outros oradores, e muito melhor do que eu poderia fazel-o. Responderei, apenas, ao sr. Villaça, que gastou mais de uma hora para nos explicar, o que deveria em verdade entender-se por um projecto definitivo.
Começou s. exa. por nos ensinar, mansa e tranquillamente, com o ar ingenuo e insinuantissimo que o caracterisa (Riso.), que havia projectos, projectos definitivos, projectos definitivos mais completos, projectos definitivos menos completos, e finalmente, tambem projectos de execução. E eu, sr. presidente, quando ouvi a um engenheiro, a um cultor tão distincto das sciencias exactas, como é o sr. Villaça, fazer com um modo na realidade encantador todas estas distincções, que não ficariam mal ao rabula mais fino da Boa Hora, eu, sr. presidente, realmente comecei a convencer me de que não ha nada menos exacto do que as sciencias exactas, pelo menos no que respeita a definições. (Riso.-Apoiados.)
É possivel que nos seus calculos a mathematica consiga realmente merecer melhor o nome de uma sciencia exacta. Mas pelo que respeita a definir é necessario confessar que nas tem exactidão alguma. Veja v. exa. que quantidade de distincções é necessario estabelecer, á laia de permissas, para, segundo o sr. Villaça, se ter um conhecimento exacto de um ponto aliás tão simples e tão concreto. O proprio Larraga teria aqui que admirar!
Depois de ter estabelecido todas estas differentes e engraçadas premissas, o meu illustre amigo o sr. Villaça recorreu a todos os elementos de interpretação que uma imaginação ousada póde conceber para demonstrar, que era um projecto definitivo áquelle que o sr. ministro das obras publicas tinha acceitado para base do concurso. Começou por comparar a proposta do sr. Aguiar com a do sr. Fontes. Na primeira deixava-se absoluta liberdade aos empreiteiros para escolherem o methodo ou systema de construcção. Na segunda pelo contrario dizia-se expressamente, como v. exa. sabe, e até poderá já estar cansado de ouvir repetir, que um projecto definitivo deveria servir de base ao concurso. E pondo em seguida em relevo, que essas duas propostas foram trazidas ao parlamento com o intervallo apenas de quatro ou cinco mezes, e por dois ministros pertencentes á mesma situação politica, quiz s. exa. concluir, que não havia melhor interprete para a proposta do sr. Fon-
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tes do que a outra proposta apresentada pelo sr. Aguiar. E que, deixando-se n'esta a liberdade para o empreiteiro de escolher o processo ou systema de construcção, o mesmo intuito se deveria attribuir ao sr. Fontes, não obstante elle dizer expressamente que serviria de base ao concurso um projecto definitivo.
Ora o illustre deputado é demasiadamente intelligente para não ver que o seu argumento prova exactamente o contrario. S. exa. continuou abusando aqui do seu ar candido e extremamente ingenuo. (Riso.)
Pois não occorre logo perguntar-se, para que esteve o sr. Fontes a formular uma proposta de redacção e contextura inteiramente diversa da do sr. Aguiar, se porventura desejava como elle deixar aos empreiteiros a liberdade na escolha dos processos de construcção? (Apoiadas.)
Se lhe acceitava o pensamento, para que alterar-lhe de todo em todo as palavras? (Apoiados.)
O illustre deputado, tão sympathico e insinuante, não reparou que esse é exactamente um dos mais claros e irrespondiveis argumentos contra a opinião por s. exa. defendida.
A melhor prova de que Fontes não queria deixar aos empreiteiros a escolha do processo de construcção, é que não acceitou n'essa parte a proposta Aguiar em que similhante liberdade estava claramente consignada. (Apoiados.)
O sr. Villaça recorreu depois ao que tem succedido com outras obras de maior ou menor magnitude e alcanço realisadas no paiz, como são caminhos de ferro, estradas, pontes, emfim a tudo aquillo que s. exa. entendeu convir manifesta e claramente aos seus intuitos politicos, e á defeza do sr. Emygdio Navarro. Mas ainda n'isso s. exa. foi pouco feliz.
O que se parecerá mais n'este paiz com as obras do porto de Lisboa? De todos os melhoramentos materiaes que se têem emprehendido entre nós, qual só approximará mais a todos os respeitos do das obras do porto de Lisboa?
Será a ponte de Maria Pia, a ponte de D. Luiz, o caminho de ferro do Douro, o caminho de ferro do Algarve, ou o porto de Lisboa?
Será a ponte de Maria Pia, a ponte de D. Luiz, o caminho de ferro do Douro, o caminho de ferro do Algarve, ou o porto de Leixões?
Não parecerá a todo o mundo, que as obras d'esse porto têem incontestavelmente muito maior analogia a todos os respeitos com as do porto de Lisboa, do que póde ter um caminho de ferro, uma ponte ou uma estrada real ou districtal? (Apoiados.)
Pois não está tudo demonstrando que aquellas obras hydraulicas, de uma notabilissima importancia sob todos os pontos de vista, são no nosso paiz as unicas que podem servir, quer pela sua natureza, quer pelo seu custo, de termo de comparação ás do porto de Lisboa? (Apoiados.)
O sr. Villaça se argumentasse com menos ingenuidade (Riso.) e quizesse por isso recorrer ao que se praticou com as obras do porto de Leixões, veria, que ali não se deixou ao empreiteiro a liberdade do processo de construcção, o que não obsta a que aquelle tire grandes lucros, mas em circumstancias que não incommodaram o ministro que adjudicou as obras, nem deslustram o partido a que esse ministro pertence.
Depois o meu amigo o sr. Villaça procurou ainda outros elementos de interpretação, para explicar o que era um projecto definitivo, e recorreu a uma resposta dada pelo relator da proposta Fontes ao sr. deputado Fuschini, na sessão de 1885.
Esse relator, o nosso illustre collega e meu amigo o sr. Pereira dos Santos, declarara que o empreiteiro a quem fossem adjudicadas as obras do porto de Lisboa, se encontraria, em face do projecto definitivo, base do concurso, nas mesmas condições e circumstancias que os empreiteiros dos caminhos de ferro.
D'aqui pretendeu concluir o sr. Villaça, que assim como aos empreiteiros do caminho de ferro da Beira Baixa e outros se deixou livre o systema de construcção da linha, e ainda outros pontos technicos, era legitimo ao sr. ministro das obras publicas conceder igual liberdade ao empreiteiro das obras do porto de Lisboa.
Esta interpretação desvirtuava por tal fórma as intenções e o pensamento do sr. Pereira dos Santos, que s. exa. interrompeu logo o sr. Villaça, para lhe dizer que evidentemente se referira aos caminhos de ferro construidos por empreitadas geraes, como o do Minho e Douro, e nunca áquelles que eram adjudicados nos termos em que o foram os da Beira Baixa e outros.
E tinha carradas de ratão o sr. Pereira dos Santos.
No programma do concurso para a adjudicação da linha da Beira Baixa, é o adjudicatario obrigado a apresentar o projecto definitivo das obras. Ora, nas do porto de Lisboa, e segundo a lei, o projecto definitivo servia de base ao concurso. Veja, pois, v. exa. se ha aqui alguma paridade! (Apoiados.)
Em seguida, e foi esse o ultimo argumento do meu illustre collega o sr. Villaça, a este respeito, produziu s. exa. outra consideração de effeito seguro, perfeitamente bem calculada pelo illustre deputado, destinada unicamente a colher, como colheu, bastos apoiados da maioria. Disse s. exa:
Muito bem andou o governo, em ter deixado ao empreiteiro a escolha do systema de construcção, porque se o não fizesse, se o obrigasse a construir, segundo um certo e determinado processo de construcção, e ámanhã occorressem avarias, o governo é que as havia de pagar, e não poderiam correr por conta do empreiteiro.
O sr. Villaça alcançou o resultado previsto, sendo applaudido, como já disse, freneticamente pela maioria. Permitta-me, porém, dizer-lhe que esteve scientemente a mangar com os seus collegas.
Um homem tão illustrado como s. exa. engenheiro tão distincto, que não desconhece de certo quaes as condições do programma das obras do porto de Leixões, bem sabia que esta sua affirmação era de todo o ponto falsissima.
S. exa. sabe perfeitamente, e nem preciso de ler-lhe o artigo respectivo, s. exa. sabe tão bem como eu, que com relação ao porto de Leixões, não se deixou ao empreiteiro a escolha do projecto, nem do systema de construcção. Tudo isto foi previamente marcado pelo governo no programma do concurso, e quem a elle veiu sujeitou-se inteiramente a essas prescripções.
Vejamos, pois, o que dizia o programma do concurso para a construcção do porto de Leixões, e se lá encontrarmos alguma cousa com relação a avarias, isso demonstrará que o que se dava alem, se daria aqui, caso o governo tivesse, procedido, em relação ás obras do porto de Lisboa, como o governo regenerador procedeu para a construcção do porto de Leixões. (Apoiados.)
Ora v. exa. quer ver o que se diz no caderno de encargos, a este respeito, para as obras do porto de Leixões?
Vou ler, para v. exa. ver como o illustre deputado e meu amigo o sr. Villaça continuou a abusar d'aquelle seu ar ingenuo e insinuante que nos captivou a todos! (Riso.)
Artigo 29.° do caderno de encargos do programma de concurso para as obras do porto de Leixões. Avarias:
(Leu.)
Nada mais claro nem mais terminante?! (Apoiados.)
No concurso para as obras do porto de Leixões, o governo regenerador obrigou o empreiteiro a acceitar o systema de construcção que lhe indicava, e com relação a avarias disse lhe: tome cautela, porque se as houver correm absolutamente por sua conta e risco. (Apoiados.)
Com relação ao porto de Lisboa outro foi o processo seguido pelo actual governo, como sabemos, não obstante haver já o precedente que deixo esclarecido.
E note v. exa. quanto as obras de Leixões, eram mais sujeitas a riscos e avarias, que as do porto do Lisboa! (Apoiados.)
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Mas, o que poderemos nós concluir de tudo isto?
O sr. Villaça gastou mais de uma hora, tive o cuidado de reparar, só para tratar d'este ponto - projecto definitivo! - Eu procurei responder-lhe, como v. exa. viu; não me posso demorar mais sobre este ponto, porque aliás isso me obrigaria a tomar demasiado tempo á camara, precisando ainda, como preciso, de tratar outros pontos tão importantes como este.
Resumindo agora o muito que por parte do governo e da maioria se tem dito a este respeito, e o mais que consta dos documentos impressos e distribuidos, chego á conclusão de que todas as ponderações feitas, e os argumentos apresentados, se reduzem, como nos mandamentos da lei de Deus, a duas simples mas significativas considerações:
l.ª Que segundo a definição do governo, e pareceres da maioria, projecto definitivo de uma empreitada é aquelle que póde ser alterado e modificado pelo empreiteiro, posteriormente a adjucticação! (Riso - Apoiados.)
Eis-aqui uma definição clara e simples, e como todas as cousas simples de uma applicação extremamente facil, como o futuro nos demonstrará.
V. exa. está farto de saber o que são os precedentes, e a terrivel força que elles adquirem no nosso paiz.
Imagine, pois, v. exa. sr. presidente, com um precedente d'estes, e com um ministro caprichoso, o que nós não teremos ainda que ver e admirar!
Este é o primeiro mandamento; vamos agora ao segundo.
Quem ler a portaria de 6 de agosto de 1887, vê que ella começa pela fórma seguinte. E eu não posso deixar de ler, porque desde o momento em que somos tão difficeis em saber o que é projecto definitivo, é necessario ter toda a cautela com as palavras, citando as, mesmas que são empregadas pelo governo.
Diz essa portaria.
«Sua Magestade El-Rei, a quem foi presente o projecto definitivo das obras do porto de Lisboa, datado de 25 de junho do corrente anno, e apresentado pelo adjudicatario das mesmas obras, Pierre Hersent, etc».
Ora, a commissão de inquerito parlamentar, e com ella muitos distinctos oradores da maioria, e com especialidade o sr. Villaça, sustentam que o projecto do governo, que serviu de base ao concurso, era tambem um projecto definitivo.
Que alem d'este houve um outro projecto definitivo, é evidente, porque o diz o proprio sr. ministro das obras publicas na portaria de 6 de agosto de 1887, e esse apresentado pelo empreiteiro Hersent.
Logo, segundo mandamento: Quantos projectos definitivos houve na empreitada das obras do porto de Lisboa? Dois.
O primeiro feito pelos engenheiros Matos e Loureiro, com approvação do sr. ministro das obras publicas; o segundo feito por Hersent.
O primeiro feito pelo governo para uso de todos os concorrentes. O segundo, feito por Hersent, para uso do proprio Hersent!
Et voilà l'histoire. A moralidade do conto é esta. (Riso.- Muitos apoiados.)
Depois d'isto referir-me-hei ao programma de 22 de dezembro de 1886, organisado pelo sr. ministro das obras publicas, Emygdio Navarro, e que serviu de base a este concurso.
Tambem sobre este ponto se tem travado batalha renhida e campal, podendo dizer-se que os campos se acham hoje de limitados pela seguinte fórma.
Por parte da opposição, accusa-se o sr. ministro das obras publicas de não ter cumprido a lei, o que é uma questão a que s. exa. liga já pouca importancia, porque se ha alguem que faça pouco caso das lei, ainda n'este particular ninguem levou a palma a s. exa.
Mas diz se mais que o sr. Emygdio Navarro em logar: de estabelecer no programma uma unica base de licitação como expressamente lhe prescrevia a lei de 16 de julho de 1885, inventou e preceituou apenas quatro!
Isto pelo nosso lado.
Pelo lado da maioria, o illustre deputado o sr. Laranjo, assim como o meu amigo o sr. Villaça, empregaram os seus melhores esforços para demonstrar, que a final de contas tudo se reduzia a uma simples questão de fórma, pois que as differentes bases de licitação estabelecidas, e contra as quaes a opposição protestava, todas se reduzem na realidade a uma só, que é o preço. Ora quando mesmo assim fosse, nunca se deverá esquecer que, segundo Bridoison - a fórma era tudo.
Mas agora pergunto eu: Então o sr. ministro das obras publicas não tem realmente que fazer? Pois s. exa. faz um programma de concurso, com quatro bases de licitação, unicamente para esconder que a unica base de licitação era o preço?!
De duas uma Ou s. exa. fez isso para sophismar a lei, como a opposição affirma, ou então para matar o tempo divertindo-se com as concorrentes.
Vejamos quem póde ter rasão, e não me demorarei muito n'este ponto, que foi excellentemente tratado pelo sr. Pedro Victor e pelos outros srs. deputados que se lhe seguiram. Para mostrar o que determinava a lei e averiguar o que fez o governo, é conveniente examinar o que dispõe a lei que mandou abrir o concurso para o porto de Leixões. Essa lei, de responsabilidade do governo regenerador, dizia na base quarta que a acompanhava. (Leu.)
A lei de 16 de julho de 1885 dizia, apenas com uma pequena alteração de palavras, exactamente a mesma cousa. Como é que entendeu aquella base da lei de 1883 o ministro regenerador de então? Mandando inscrever no programma do concurso este, unico artigo tão simples, mas tão claro.
(Leu.)
Como é que o sr. Emygdio Navarro, actual ministro das obras publicas, cumpriu a disposição da lei de 1885, igual á de 1883 para o porto de Leixões?
Estabelecendo condições de preferencia absoluta e relativa, liberdade nos systemas de construcção, e em relação ao preço, em vez de copiar a fórma clara e simples do programma de Leixões, de responsabilidade do sr. Hintze Ribeiro, perceituou o seguinte.
(Leu.)
Veja-se quão diverso proceder tiveram os regeneradores e os progressistas n'estas duas questões tão similhantes entre si, porto de Leixões e porto de Lisboa! (Apoiados.)
Estas e não outras é que são as verdadeiras differenças entre os dois programmas, que para lição e ensino do paiz importa pôr bem em relevo.
O illustre deputado, o sr. Eduardo Villaça, quiz afeiar um pouco, por interesse partidario, o procedimento do governo regenerador em 1883, partindo do principio que em uma terra de gente feia, custa menos o ser feio, do que apenas parecel-o no meio de gente bonita, verdade esta que na politica portugueza explica muita cousa, e que é a decifração de muitos enigmas. (Apoiados.)
Procurou, pois, encontrar alguma cousa menos correcta da parte do ministro regenerador com relação ao programma de 1883, e achou digno de censura e reparo, que no programma de 1883 fossem resalvados para o empreiteiro os casos de força maior quanto ao praso das obras, isentando-se alem d'isso do pagamento de direitos de importação muitos materiaes, fraquezas essas que não, commettêra o sr. Navarro.
Effectivamente essas duas condições estão no programma do porto de Leixões, e sabe o illustre deputado a rasão por que? Porque já estavam na lei que mandou abrir concurso para o porto de Leixões, emquanto que agora
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o sr. ministro das obras publicas, só por esquecimento, não metteu isso no seu programam, porque quem tanto e tão largamente usou e abusou da lei de 16 de julho de 1885, podia ter feito mais isso, sem que as suas enormes responsabilidades se tornassem maiores por tão pequenas cousas. (Apoiados.)
Mas então todas as bases de licitação, consignadas no programma do concurso, se reduzem a uma só, que é o preço?
Vejamos pela fórma de exemplos, se isso é assim, e se na pratica os resultados não demonstram exactamente o contrario.
Desde o momento em que se deixava ao empreiteiro a escolha do systema de fundação, vejamos se esse facto não poderia só por si decidir da adjudicação.
Imagine v. exa., sr. presidente, que iam dois empreiteiros ao concurso, pedindo o mesmo dinheiro, 10.700:00$000 réis. Que ambos se obrigavam a fazer as obras do caneiro de Alcantara até Porto Franco, e a mesma obra complementar; mas que um, ao contrario do outro, apresentava um systema de construcção que punha em risco as obras, e era por isso rejeitado pela junta. Pergunto eu então: havendo igualdade no preço proposto por ambos, qual vinha a ser o motivo da preferencia na adjudicação? Era o preço? Não, era o systema de construcção.
Parece-me ter demonstrado isto com toda a clareza. (Apoiados.)
Vamos agora á questão da preferencia relativa.
O sr. ministro das obras publicas, que queria por força, com 10.800:000$000 réis dotar este paiz com todas as obras de que elle precisava, e que achou pequena gloria e merecimento, em fazer unicamente as obras da primeira secção do porto de Lisboa, as unicas aliás auctorisadas pela ler de 16 de julho de 1885, emprehendeu tambem fazer a obra desde o caneiro de Alcantara até ao Porto Franco, e ainda uma obra de reconhecida importancia e merecimento, tudo á sombra dos referidos 10.800:000$000 réis.
Foi a isto que no programma do concurso se chamou preferencia absoluta, e preferencia relativa.
Examinemos as consequencias que d'aqui naturalmente se derivariam.
Imagine v. exa., sr. presidente, e imagine a camara, que appareciam dois empreiteiros pedindo ambos a mesma quantia, isto é, 10.700:000$000 réis, e obrigando-se igualmente a fazer as obras do caneiro de Alcantara a Porto
Franco; mas um propondo, como o sr. Hersent, fazer um caminho de ferro de via reduzida até Belem, com a faculdade de o prolongar até Cascaes; e o outro propondo exactamente a mesma linha, mas com a differença de ser em via larga, e até Cascaes, como queria o sr. Reeves.
Pergunto eu: por quem se havia de decidir o governo? Evidentemente não poderia deixar de se decidir por aquelle que, fazendo todas as obras até Porto Franco pelo mesmo preço, ainda offerecia uma obra que, em importancia, não tinha paridade alguma com a proposta do seu competidor.
E eis-aqui como não seria ainda o preço que determinaria a adjudicação. (Apoiados.)
Mas para que seria que o sr. ministro das obras publicas se deu a todo este trabalho, realmente imaginoso e de uma inteira novidade, pois não me consta que em programma algum de obras, mais ou menos similhantes no paiz, se tenham visto taes e tantas invenções? Realmente o projecto é imaginoso; mas para que seria tudo isto? Pois não seria para s. exa. muito mais commodo copiar n´esta parte o programma do concurso para as obras do porto de Leixões, que está perfeitamente em harmonia com a lei de 16 de julho de 1885, em vez de estar a infringir as leis, e com este trabalho enorme de inventar as taes preferencias absolutas e preferencias relativas e tudo mais que vem referido no engenhoso programma?
Não parece, realmente, que toda esta notavel embrulhada tinha como unico fim deixar ao ministro a liberdade de escolher o empreiteiro, como se deixava a este a liberdade de escolher os processos de construcção? (Apoiados.}
Isto affirmou o sr. Pedro Victor, e até agora ainda não vi produzir absolutamente nada que esteja em contradição com a affirmativa do illustre engenheiro.
Eu repito a mesma cousa, e, alem do que disse já o sr. Pedro Victor, apresentarei mais alguns factos para mostrar que o sr. ministro das obras publicas queria unicamente dar as obras do porto de Lisboa a empreiteiro do seu especial agrado.
Ora, o sr. ministro das obras publicas que, pelo menos agora, mostra conhecer tão bem a philosophia politica, permitta-se-me a phrase, do illustre estadista o sr. Fontes, mestre bem digno de imitar-se, e tanto que lhe ouvimos citar a bem conhecida phrase do fallecido chefe do partido regenerador, de que nunca faria as obras do porto de Lisboa sem concurso, porque conhecia o seu paiz, a primeira cousa que deveria ter feito era pôr-se a cem leguas de toda e qualquer suspeita.
E o que fez s. exa.? Em primeiro logar, torno a dizel-o, sophismou a lei, estabelecendo quatro bases de licitação, para que a comparação dos diversos factos que se relacionavam com ellas deixasse unicamente ao sr. ministro a deliberação sobre o empreiteiro, que melhores vantagens e ganancias apresentava para o estado.
Mas não se contentou com isto. Praticou ainda outros actos, para mim sem explicação plausivel e até agora sem defeza, actos que ou hão de ser satisfactoriamente explicados, do que duvido, ou hão de pesar perpetuamente sobre a memoria de s. exa. com um ponto de interrogação bem incommodo e desagradavel. (Apoiados.)
O sr. Pedro Victor, que tambem é do ministerio das obras publicas e que conhece, portanto, os usos da casa, affirmou e até agora sem contestação de ninguem, que nunca os engenheiros do ministerio, e muito menos aquelles que hajam collaborado em projectos relativos a obras de uma certa importancia, entram em communicação com os empreiteiros para lhes ensinarem a fazer as suas propostas, e que, pelo contrario, são o mais discretos possivel em lhes darem quaesquer explicações, que muito naturalmente poderiam depois servir de pretexto a reclamações sempre incommodas e suspeitosas.
O que fez, porém, o sr. ministro das obras publicas?
O sr. ministro das obras publicas chamou um dos engenheiros mais graduados do seu ministerio, um inspector de engenheria, e encarregou o de ensinar aos empreiteiros a maneira de elaborarem as suas propostas!
Leccionista e explicador lhe chamou o sr. Pedro Victor, e parece que esta classificação está em harmonia com a natureza das funcções de que o sr. ministro das obras publicas o encarregou.
O sr. Reeves, quando viu que apenas se pretendêra dar ao sr. Hersent a empreitada das obras do porto de Lisboa, como a camara já sabe, e como creio que sabia mesmo antes do começar esta discussão, queixou-se e veiu protestar.
Estas queixas e estes protestos foram de tal ordem, que o sr. ministro das obras publicas se viu obrigado a mandar ouvir o sr. Matos, a quem elle conferira as honras de leccionista e explicador dos empreiteiros do porto de Lisboa.
Foi então que o sr. Matos escreveu o seguinte:
(Leu.)
Este plano geral das obras era uma especie de arca santa. Como se vê d'este officio do sr. Matos, tocar-lhe equivalia a cair logo fulminado!
O sr. Reeves quiz fazer-lhe uma simples modificação? Anathema sit; o sr. Matos condemnou-o logo!
Foi isto que não só lhe tirou as obras do porto do Lisboa, mas parece, sr. presidente, que até lhe tirou a rasão, pois me dizem estar doido!
Repito, n'este plano geral ninguem podia tocar sob pena de ficar ipso facto anathematisado. Pois vamos a ver o que
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fez o sr. Hersent, no meio de tantos empreiteiros medrosos, ao famoso plano geral.
E a este respeito tenho aqui um artigo das Novidades, a que me posso referir desta vez, sem receio de contestação seja de quem for, porque o sr. ministro das obras publicas tão verdadeiro o achou que tornou a mandar o reeditar, quando no fim do anno de 1887 se levantou a este respeito na imprensa discussão acre e azeda. E para não deixar a menor duvida, acompanhou-se a publicação da seguinte declaração:
"Não podia ser, nem foi desconhecida-a proveniencia semi-official d'este aviso publico."
Portanto, vê-se que o artigo publicado num jornal, cuja propriedade pertence ao sr. ministro das obras publicas, tres dias antes de se realisar o concurso, é de proveniencia semi-official; e quem escreveu aquella declaração era incapaz de mentir, fosse o sr. Navarro ou qualquer outro redactor das Novidades.
Diz o artigo do sr. ministro das obras publicas o seguinte:
"Em Lisboa estão já alguns engenheiros e empreiteiros belgas, ingleses e hollandezes, que vieram a Portugal para esse fim (o concurso). Para esclarecimento dos interessados devemos dizer que o caso (o pedido de alterações e acclarações ao plano geral e programma) foi previsto, e que a dar-se, não poderia ter esse seguimento. O artigo 14.° do decreto de 22 de dezembro de 1886 declara muito expressamente, que, não será considerada valida qualquer proposta, que proponha ou requeira alterações ou modificações no plano (note-se) e programma do concurso."
Vieram, pois, não das cinco partidas do mundo, mas cá da Europa de quasi todas as nações onde tem havido obras hydraulicas de alguma importancia, engenheiros e empreiteiros desejosos de concorrerem á empreitada do porto de Lisboa.
Pois havendo em Lisboa tantos engenheiros belgas, inglezes e até flamengos, (Riso.) nenhum se atreveu a arcar com o famoso plano geral e respectivo programma!
Só um, mas esse em verdade com um grande saber de experiencias feito, segundo é voz, foi bastante ousado, para romper pelo meio dos sacerdotes do tabernaculo, chamado junta consultiva das obras publicas, (Riso.) dirigir-se intrepidamente á arca santa do plano geral, e bater-lhe em cima tres rijas palmadas! (Riso.)
E, cousa notavel, sr. presidente, o braço não se lhe mirrou, os raios não o fulminaram, e antes se viu prostrarem-se os sacerdotes com a face pela terra, clamando em altas vozes, que aquelle, o sr. Hersent, era o verdadeiro e unico empreiteiro capaz de fazer as grandes obras do porto de Lisboa! (Riso.- Muitos apoiados.)
Foi isto que numa das ultimas sessões todos ainda ouvimos proclamar ao sr. Espregueira, um dos mais conspicuos sacerdotes do tabernaculo; Hersent era a final o unico e verdadeiro! Todos os mais indignos de tão grande empreza.
Veja v. exa. que mais uma vez se realisa o dictado: audaces fortuna juvat!
Mas se, como agora vemos, na propria junta consultiva havia este pensamento intimo, francamente, a unica cousa que eu começo a lamentar é que realmente o sr. ministro das obras publicas se d'esse a tanto trabalho, para a final de contas fazer a vontade á sua corporação technica. Se s. exa. julga que unica e simplesmente com a consulta d'essa corporação, que é o seu grande escudo, a sua grande defeza, pode fazer face a todas as accusações produzidas contra a maneira como executou a lei, e contra a direcção que deu aos trabalhos para o concurso; se entendeu que lhe bastava ter a seu favor a opinião do sr. Espregueira e dos seus collegas da junta, verdade, verdade, escusado era termos esta enorme massada, todo este trabalho, que a final de contas aboutira à rien, excepto para o paiz que paga, e para o ousado e ditoso sr. Hersent, que recebe! (Apoiados.)
Vamos a ver, comtudo, as maldades que o sr. Hersent praticou com relação ao plano geral, á tal arca santa em que não era permittido tocar.
Para não haver duvida em que as alterações que lhe foram concedidas, e que eu vou enunciar, o foram realmente no tal famoso plano geral, começarei por ler o que a este respeito diz a propria junta, os sacerdotes do tabernaculo. (Riso.)
A pag. 343 do volume que foi distribuido aos membros d'esta camara, encontra-se o parecer da junta consultiva de obras publicas sobre o projecto definitivo Hersent, e ahi se lê a seguinte designação.
"Modificações propostas pelo empreiteiro ao plano geral das obras que serviu de base ao concurso."
É a propria junta, a encarregada de guardar a arca, quem confessa que o empreiteiro Hersent, o tal mais experiente e ousado, propoz modificações ao plano geral das obras que serviu de base ao concurso.
Vamos a ver quaes ellas foram, e o que fez a junta. Algumas indeferiu-as, e essas não é preciso referil-as pela rasão muito simples, de que indeferil-as todas era o seu dever. Mas o que fez com relação a outras? Note v. exa. já que com esta consulta do junta concordou o sr. ministro das obras publicas, pela portaria de 6 de agosto de 1887.
Primeira. Arredondamento dos angulos da doca de Santos. Esta doca estava fadada para ser arredondada por qualquer forma pelos empreiteiros. Segundo se lê n'um documento publicado neste volume, parece que era esta a embirração do sr. Reeves, que tambem queria fazer qualquer modificação n'esta doca. Mas a esse o sr. Matos logo lhe disse: "Se toca no plano geral, é uma vez um empreiteiro". E elle tolhido de susto foi-se. Achou melhor ir para Rilhafoles. Veiu, porém, o sr. Hersent e diz: "Quero arredondar os angulos da doca". É ouvido o sr. Mendes Guerreiro, delegado de confiança do sr. ministro das obras publicas, e que está dirigindo as obras do porto de Lisboa; s. exa. declarei que esta modificação é importante.
Pois sabe v. exa. o que diz ajunta, em contrario ao que se tinha declarado ao sr. Reeves? "E muito justo o arredondamento dos angulos". Foi esta a primeira modificação que o sr. Heraent conseguiu no plano geral. Primeira palmada. (Apoiados.)
Segunda. Achou tambem grande de mais a doca do arsenal. N'isto não tinha pensado o sr. Reeves; pelo menos não consta em parte alguma d'este volume, mas pensou o sr. Hersent.
Tratava-se igualmente de uma alteração ou modificação ao plano geral, como lá diz a propria junta. Pois não obstante isso a junta achou que era bem, e escusado é acrescentar que o sr. ministro não discordou do seu parecer! (Apoiados.)
Mas não fica por aqui. Entendeu tambem o sr. Hersent que era necessario modificar a linha exterior dos caes ao norte da doca da alfandega até á ponte dos caminhos de ferro. - Terceira.
Outro ponto do plano geral, como se vê do parecer da junta consultiva de obras publicas. Outra palmada que deu o sr. Hersent na arca, e que a junta achou que tinha sido muito bem. dada. E o sr. ministro das obras publicas concordou com a junta e o artigo das Novidades ficou letra morta. (Apoiados.)
Conheço ainda outra alteração no plano geral relativamente á collocação das escadas nos angulos das docas. - Quarta. Esta não teria grande importancia material. Mas vale moralmente tanto como as outras, pois se declarára e annunciára publicamente que nenhuma alteração ao plano geral seria permittida. (Apoiados.)
Aqui tem v. exa. o que fez o sr. Hersent ao plano ge-
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ral, repito, com e concordancia da junta, da commissão e do sr. ministro das obras publicas.
Quando em obras de 10.800:000§$000 réis, os ministros, em logar de manterem rigidamente as condições dos programmas, e as claras disposições da lei, negam a uns concorrentes o que a outros concedem, e até pela imprensa periodica se publicára como inalteravel, é fatal concluir-se que houve favoritismo o escandaloso arbitrio. (Muitos apoiados.)
Estas modificações não foram, porém, as unicas conseguidas pelo sr. Hersent. Logo pelo despacho que lhe adjudicou a construcção das obras do porto de Lisboa, logo por esse despacho o sr. Hersent conseguiu muitas e valiosas modificações a pretexto do systema do fundações e construcção.
Eu não quero referir-me senão a uma, porque as outras já o sr. Pedro Victor aqui as descreveu com uma firmeza que eu não posso ter a pretensão de igualar, e tudo isso passou á sombra de systema de construcção.
Entre as differentes obras a realisar ha uma grande doca para reparações, e dizia o programma do concurso e o caderno de encargos, que n'essa doca seriam collocadas machinas que a esvasiassem em duas horas e meia.
V. exa. comprehendo as rasões por que se queria que aquella grande doca de reparação fosse despejada no mais breve espaço de tempo.
Veiu depois o sr. Hersent com a sua memoria descriptiva junta á proposta, parece que isto tambem era systema de construcção, e propoz que em logar d'aquelle serviço se fazer em duas horas e meia, como estava no programma, passasse a ser feito em quatro horas!
Ora, v. exa. comprehende o que isto significa: são ou menos machinas, ou machinas de menos força. (Apoiados.)
É em todo o caso menor despeza para o empreiteiro. Pois tambem isso se lhe concedeu!
V. exa. dirá se isto era ou não do plano geral; e se isto de collocar machinas de maior ou menor força é alguma cousa que se relacione com o systema de construcção de muros. (Apoiados.)
Por isso, quer o sr. ministro queira, quer não, a impressão que tudo isto deixa ao espectador imparcial resumo-se d´este modo. Primeiro, o sr. ministro organizou um programma por fórma a só elle saber quem devia ser o feliz empreiteiro das obras do porto de Lisboa; segundo espalhou-se aos quatro ventos, e declarou-se officialmente, porque o sr. Matos fallava em nome do ministro, que no plano geral não eram admittidas modificações. Veiu finalmente o sr. Hersent com a sua proposta, pediu alterações, e aquelle plano, que devia ser inalteravel para todo o mundo, tornou se de borracha nas mãos do sr. Hersent, que o amoldou como muito bem quiz. (Apoiados.}
E v. exa. comprehende que o sr. Hersent não faria estas modificações para ganho da cidade e do porto de Lisboa. (Apoiados.) Eu pelo menos estou convencido, de que o sr. Hersent, mas é possivel que me engane, em todas as modificações que propoz, o que teve em vista foram os lucros que devia auferir d´estas obras. (Apoiados.)
E deixemos o programma, porque outros assumptos mais altos nos reclamam, como costumava dizer-se n'outros tempos.
É preciso agora analysar a proposta Hersent essa sua memoria descriptiva.
E ainda volto a este ponto, comquanto já tenha sido tocado pelo sr. Pedro Victor, porque me parece que nunca parecerá de mais o desenvolvimento a dar ás accusações, que legitimamente se podem fazer ao governo ácerca d'elle. (Apoiados.)
Para mim são de tal ordem as demonstrações e affirmações que se podem fazer ácerca do ponto a que me vou referir, que, só o sr. ministro as não póde explicar categoricamente, deve retirar-se do poder. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu desejo pedir á camara que concentre a sua attenção, se ella entende que effectivamente vale a pena de estudar uma questão d'estas, sobre o que dizem a proposta e a memoria descriptiva do empreiteiro Hersent, relativamente ás obras chamadas complementares desde o caneiro de Alcantara até ao Porto Franco.
Com relação aos muros e outras obras, nada tenho a dizer, porque o sr. Pedro Victor tratou esses pontos com uma clairvoyance surprehendente, e ainda até hoje está sem resposta. (Apoiados.)
Já s. exa. foi accusado de não haver produzido os seus calculos na commissão de inquerito e de os vir apresentar só á camara.
Eu, sem ter procuração para defender aquelle meu illustre amigo, e nem elle precisa d'isso, porque s. exa. tem talento de sobejo para se defender d'esta ou de outras accusações, direi que acho justificado o procedimento do sr. Pedro Victor.
S. exa. pertence aquelle grupo da opposição, que logo na primeira sessão parlamentar d'este anno declarou, que não precisava de inqueritos ácerca do porto de Lisboa, e que o que queria era fazer uma interpellação ao governo. (Apoiados.)
Nós firmámos bem claramente a nossa intenção, o nosso modo de pensar e o caminho que seguiriamos n'esta questão politica e administrativa. (Apoiados.)
O sr. Pedro Victor dias depois assignou com o sr. Dias Ferreira uma nota de interpellação.
O sr. Pedro Victor tinha assim mostrado que era aqui na camara, e não na commissão de inquerito, onde elle fôra só em obediencia á camara que o elegêra, que era na camara que elle se havia de defrontar com o sr. ministro das obras publicas, e chamal-o a terreno para lhe fazel-as accusações vigorosas que ha dias lhe ouvimos.
Alem d'isso os seus calculos serão publicados no Diario das sessões, onde todos poderão aprecial-os, tanto mais que as questões d´esta ordem não morrem dentro das quatro paredes d'esta casa, suffocadas por uma inoffensiva votação politica. (Apoiados.)
Vamos ás obras a jusante do caneiro de Alcantara.
Para mim este é o ponto fundamental das accusações que se devem dirigir ao sr. ministro das obras publicas, e ponto fundamental porque sobre elle se póde fazer uma demonstração completa e fulminante.
Hei de demonstrar, primeiro, que o estado foi prejudicado pelos actos do governo; segundo, que foi beneficiado por um lado Hersent, e por outro a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes; e terceiro que no contrato celebrado com o empreiteiro Hersent, e ao mesmo tempo no alvará das concessões feitas á companhia real, se acha igualmente consignada a obrigação de fazerem estas obras a jusante do caneiro de Alcantara!
Vou desenvolver todos estes pontos, e ainda que tenha de me demorar um pouco, seja-me isso relevado, porque acima de tudo, o que pretendo é ser claro.
É para mim este o ponto fundamental da questão. E se eu demonstrar que o sr. ministro prejudicou em centenas de contos o thesouro e beneficiou escandalosamente o sr. Hersent e a companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, fazendo ainda por cima de tudo um contrato que briga e joga com o alvará, parece me ter demonstrado que o sr. ministro não póde continuar um momento mais n'aquelles logares, porque não está ali para praticar similhantes actos, mas para fazer exactamente o contrario. (Apoiados.)
Entre os papeis que qualquer empreiteiro tinha de apresentar no acto do concurso eram mais indispensaveis e importantes, por um lado, uma proposta redigida conforme o formulario do programma, por outro lado a memoria descriptiva, exigida pelo artigo 8.° do mesmo programma.
O sr. Hersent apresentou uma e outra cousa. Já aqui foi lida a proposta do sr. Hersent, já foi lida tambem
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sua memoria descriptiva, na parte relativa ás obras a jusante do caneiro de Alcantara.
O sr. Hersent sustentou depois do concurso e conseguiu fazer vencer, que não fallando expressamente na sua proposta d'estas obras a jusante do caneiro de Alcantara, embora a ellas se referisse terminantemente por um compromisso solemne na memoria descriptiva, não era obrigado a construil-as. E assim foi decidido pelo governo.
Para se julgar da questão, é preciso conhecer o valor de cada um d'estes dois documentos.
Em primeiro logar o que devia conter a proposta?
Este ponto já foi tratado por outros oradores, mas vejo-me obrigado a repetil-o para clareza da minha exposição
A proposta, diz o artigo 11.°, devia ser escripta em portuguez, nos termos seguintes:
«O abaixo assignado obriga-se a construir as obras para melhoramentos no porto de, Lisboa, segundo as disposições e clausulas do programma de 1886, etc.»
Ao programma seguiam-se, como é sabido, as condições para a execução das obras, o chamado caderno de encargos, que faz, parte do programma, como n'este se declara.
E uma d'essas condições, a 21.ª, inscrevia-se:
Obras complementares entre o caneiro de Alcantara e os armazens de Porto Franco.»
Portanto quem se obrigasse, nos termos do artigo 11.°, a construir as obras para melhoramentos no porto de Lisboa, segando as disposições e clausulas? do programma, ficava implicitamente obrigado a construir todas as que constavam do caderno de encargos.
Ou então houve má fé ao redigir este programma e este caderno de encargos, e queria-se que programma e caderno de encargos se assimilhassem aos palcos dos theatros de magicas, aonde ha alçapões para fazer apparecer e desapparecer as figuras da scena, ficando a servir de contra-regra o sr. ministro das obras publicas.
É que, desde que o empreiteiro vinha dizer: obrigo-me a fazer as obras do porto de Lisboa conforme o que consta das condições e clausulas do programma de 22 de dezembro de 1886 e uma d´essas clausulas, a vigesima primeira, se referia a estas obras, é evidente que elle se obrigava a construil-as, (Apoiadas.) ou então, repito, o que se pretendeu foi arranjar um alçapão por onde ellas podessem surgir ou desaparecer á vontade do ministro. (Apoiados.)
E note v. exa. que, emquanto n'outras partes do programma se falla simplesmente nas obras da primeira sucção, aqui diz-se obras para melhoramentos do porto de Lisboa, o que podia prestar-se ás duas interpretações. (Apoiados.)
Não são as da primeira secção, mas todas as que constam do caderno de encargos. (Apoiados)
Mas não ha só isto.
Na memoria descriptiva ninguem poz em duvida, nem poderia pôr, que o empreiteiro Hersent se referiu claramente a ellas.
Elle disse: nous nous engageons; compromettemo-nos a fazer estas obras.
E quem comparar as obras que elle se compromette a fazer a jusante do caneiro de Alcantara, com as que menciona a clausula vigesima primeira do programma, vê que elle as seguiu na sua memoria descriptiva a par e passo como estavam no caderno de encargos.
Tambem já se poz aqui em evidencia que a proposta é de 25 de março, e a memoria descriptiva é de 26 ao mesmo mez; isto é, do dia seguinte, quando elle podia explicar a proposta, augmentando ou diminuindo, conforme entendesse conveniente.
Mas o que ainda não está discutido quanto á memoria é o valor juridico d'esse documento e as suas relações com a proposta
Que disposição obrigava o empreiteiro a apresentar esta memoria descriptiva?
O artigo 8.° que diz:
Cada proposta será acompanhada de uma memoria descriptiva, em que seja summariamente indicado o systema de construcção, que o proponente pretende adoptar na execução das obras...
Quaes obras, pergunto eu? No Cairo, em Malta, em Nazareth, no Egypto, como diz o vate (Riso.) ou aqui á beira do Tejo? (Apoiados.)
Desde que á memoria descriptiva devia indicar o systema que o proponente pretendia adoptar na execução das obras, o sr. Hersent, a respeito de cujas qualidades como empreiteiro é sobeja prova o que elle tem feito, não podia ter na mente senão as obras a que concorria, e especificando clara, e largamente até, na sua memoria descriptiva as obras a jusante de Alcantara, bem sabia o que fazia e para que o fazia. (Apoiados.)
A não admittir que o sr. Hersent estivesse a divertir-se com o sr. ministro, e que em logar de escrever uma memoria descriptiva para um concurso, estivesse fazendo um romance.
«... e todos os mais esclarecimentos necessarios para a rigorosa apreciação da proposta.»
A memoria descriptiva não é pois um documento á parte da proposta; é um documento subsidiario, que a completa, porque era n'essa memoria descriptiva, que o empreiteiro devia indicar todos os esclarecimentos necessarios para uma rigorosa apreciação da sua proposta. (Apoiados.)
Depois d'isto recapitulemos os factos. Que dizia a lei?
«O empreiteiro escreverá na sua proposta que está prompto a fazer as obras, não as da primeira secção, mas as que constam das condições e clausulas do caderno de encargos.»
Parte d'essas obras são as descriptas no artigo 21.º do caderno de encargos.
E para não ficar duvida alguma no espirito do sr. ministro das obras publicas e da junta consultiva, o sr. Hersent. para esclarecer mais, para facilitar a rigorosa apreciação da sua proposta, diz como construe, qual o methodo ou processo que quer seguir nas obras a jusante do caneiro de Alcantara. Está perfeitamente evidente e claro como agua.
Mas depois de tudo isto o que succedeu?
Que o sr. Hersent não construiu essas obras a jusante, do caneiro de Alcantara!
E não construiu, porque?
Porque assim opinou uma corporação official, dirá talvez o sr. ministro.
Note v. exa. parece-me que todos os que me estão dando a honra de me ouvir concordarão, em que isto não era uma questão technica, nada têem com á engenheria os dois documentos d'esta ordem, de jurisprudencia pura!
Quem pensa que o governo ouviu sobre esta questão de direito?
A junta consultiva de obras publicas! Naturalmente sobre questões technicas ouviria a procuradoria geral da corôa. (Riso.) Ainda que á primeira vista pareça isto um absurdo, não o é, porque o anno passado o sr. ministro das obras publicas, que é formado em direito, interrogado por mim n'uma questão a todos os respeitos importante e grave d´uma variante pedida, e que foi concedida, para o caminho de ferro da Beira Baixa, foi logo dizendo qual era a sua opinião, não obstante tratar-se, de uma variante para a mudança de um tunnel e de um viaducto!
Como se vê, o assumpto era o mais proprio para ser decidido ex cathedra por um bacharel em direito. (Riso. - Apoiados.)
V. exa., sr. presidente, lembra-se necessariamente, porque factos d'essa ordem pela sua singularidade nunca mais esquecem, que o sr. ministro das obras publicas se levantava n'essa occasião e dizia: a junta consultiva ainda não
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deu o seu parecer; mas o meu é este, e se a junta for contraria, salto por cima d'ella.
D'aqui concluo eu que não é absurdo, como parecia á primeira vista, em questões de direito consultar a junta, o em questões de engenheria consultar a procuradoria geral da corôa. (Riso.)
Para a engenheria, o sr. Navarro; para a jurisprudencia, os srs. Matos e Loureiro. (Riso.}
E foi com estas bullas, permitta-se-me o termo, que é muito portuguez e comprehensivel, que o sr. Hersent, alem de tudo o mais que já ficou relatado nas anteriores sessões, conseguiu d'est'arte, servindo-se habil e arteiraramente das diversas condições, tão bem combinadas do programma, metter mais no bolso, como dizia o meu illustre amigo sr. Pedro Victor, 408:000$000 reis, ou, segundo os calculos do sr. Espregueira, 427:000$000 réis, que em tanto estavam orçadas officialmente as obras jusante do caneiro de Alcantara, que o sr. Hersent devia fazer e não fez. (Apoiados.}
Nos tempos que vão correndo, e no parlamento portuguez, custa confessal-o, mas é necessario dizel-o, mostrar á evidencia que um ministro commeteu uma illegalidade, é cousa que já não faz mossa em ninguem, podendo glosar-se o dito de Boileau, que de boas intenções está o inferno cheio, n'est'outro que de illegalidades estão repletos os annaes do parlamento portuguez.
Portanto, não basta, com relação a este ponto, demonstrar apenas que foi illegal, arbitrario e tumultuario o procedimento, tanto do sr. ministro das obras publicas, como da sua junta consultiva; é necessario ver tambem se d´ahi adveiu algum prejuizo para o estado, porque esse lado das questões é que interessa mais ao povo, o qual, desconfiado do modo como se administram os dinheiros publicos, quer ao menos saber que artificios se empregaram para o levar a pagar as quantias, que são dadas de mão beijada ao empreiteiro e á companhia dos caminhos de ferro.
Quanto é que o Sr. Hersent metteu no bolso?
Quanto é que o estado perdeu?
Quaes foram as consequencias financeiras das desgraçadas concessões feitas á companhia real?
Eis o que importa agora esclarecer.
Não se deve esquecer que a lei de 16 de julho de 1885, auctorisára a construcção das obras da primeira secção do porto de Lisboa, isto é as que decorressem do caes dos Soldados ao caneiro de Alcantara, cujo preço nunca poderia ser superior a 10.000$000 réis.
Mas o sr. ministro das obras publicas, incendido em santo amor da patria, disse consigo, que com a somma de 10.800:000$000 réis, se poderiam fazer obras mais vastas do que as da primeira secção, e incluir dentro d'essa verba a construcção das obras a jusante do caneiro de Alcantara. O sr. ministro entendeu que se enchia de gloria, que prestava um grande serviço ao seu paiz, e afinal, força é confessai-o, só conseguiu encher de dinheiro o sr. Hersent!
Segundo o projecto Matos-Loureiro, e respectivo orçamento, que serviam de base ao concurso, todas as obras da primeira secção foram orçadas em 10.371:000$000 réis, e em 427:000$000 réis as que ficavam a jusante do caneiro de Alcantara.
O que é que succederia se o sr. ministro das obras publicas, cumprindo a lei, e deixando-se d'esse amor de gloria que tem deitado tanta gente a perder, incluisse no programma do concurso só as obras de primeira secção do porto de Lisboa? E que a empreitada teria sido posta em praça, não com o preço maximo de 10.800:000$000 réis, mas com e de 10.371:000$000 réis. Isto é evidente e claro. (Apoiados.)
Mas o sr. ministro das obras publicas queria por força gastar os 10.800:000$000 réis completamente.
A lei de 16 de julho de 1885 não impunha a nenhum ministro essa obrigação. O sr. Navarro, porém, preoccupou se com isso, apesar de pertencer ao partido das economias, ao partido progressista.
Arranjaram-se, pois, como vimos, as obras a jusante do caneiro de Alcantara.
Já sabemos por que meios artificiosos o sr. Hersent deixou de fazer essas obras!
Mas o que não deixou, e essa é a final a moralidade do caso, foi de receber os 427:000$000 réis, segundo a commissão, ou 468:000$000 réis segundo o sr. Pedro Victor, orçamento especial de obras que elle não fez, nem fará! (Apoiados.}
Eis o primeiro beneficio que o paiz, quero dizer o sr. Hersent, deve á rasgada iniciativa do sr. Emygdio Navarro. (Apoiados.}
Mas não partimos só aqui, porque, quando se trata de cousas do estado, e se entra n'este caminho, não se pára em 400:000$000 réis, vae-se mais longe! E v. exa. vae ver como os factos confirmam este meu juizo.
Se o sr. Hersent, ou outro qualquer empreiteiro, tem feito as obras a jusante do caneiro de Alcantara, o que resultaria para o estado, alem do que já fica ponderado? Resultaria ainda que os terrenos assim conquistados ao Tejo ficariam pertencendo ao estado e não ao empreiteiro, por isso mesmo que o estado lhe pagava 427:000$000 réis por essa bella acquisição. E deduzidos d'esses terrenos, o que era indispensavel para uso publico, ficariam ainda 7h,20 a que o estado daria a mesma applicação que dá áquelles terrenos, conquistados dentro da l.ª secção, quer dizer, vendel-os-ia, e assim como estão calculados a 10$000 réis, calculando-se estes pelo mesmo preço, o estado deixou de receber 720:000$000 réis, fazendo-se a avaliação a 10$000 réis, ou 300:000$000 réis, se a avaliação fosse a 5$000 réis! Por menos, certamente que se não vendiam, e logo direi a rasão por que. (Apoiados.}
Mas onde irão parar esses terrenos ou o dinheiro que elles valem? Eu vou dizer.
Para isso é necessario ler o alvara de concessão á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.
Foram-lhe adjudicadas, ou por outra, a companhia obrigou-se a construir essas obras a jusante do caneiro de Alcantara até Porto Franco. E uma das pesadas cruzes que aquella companhia, tão benemerita e patriotica, tomou sobre os seus hombros, foi a de ficar com os terrenos conquistados ao Tejo!! (Riso. - Apoiados.}
Dá 2 hectares ao estado e fica com os outros cinco!
Portanto, já v. exa. vê, que os taes 720:000$000 réis, que deviam produzir para o estado esses terrenos, ficam reduzidos unicamente a 200:000$000 réis, indo o resto em direcção de Santa Apolonia, para onde tem, infelizmente, ido tanto dinheiro. (Apoiados.)
Agora, a conta d'estes prejuizos é facil de fazer. Quanto recebeu o empreiteiro Hersent, por esta fórma do governo administrar, e especialmente do sr. ministro das obras publicas? 468:000$000 réis, segundo o sr. Pedro Victor, ou réis 427:000$000 segundo o sr. Villaça.
Quanto perde alem d'isso o estado?
Mais 520:000$000 réis, quer dizer 5,20 hectares de terreno, que em logar de irem para seu dominio, posse e propriedade, foram para o dominio, posse e propriedade da patriotica companhia real dos caminhos de ferro portuguezes. Somma total, 988:000$000 réis. (Muito bem.}
Portanto, sr. presidente, quando por parte de um governo se praticam actos, que auctorisam um empreiteiro, ou o habilitam, a metter no bolso quatrocentos e tantos contos, orçamento especial de uma obra, que elle não fez; quando por outro lado se dão á companhia real dos caminhos de ferro 5,20 hectares de terrenos, por obras que ella não era obrigada a fazer, porque as devia ter feito o empreiteiro Hersent; quando tudo isto está demonstrado bem palpavelmente, e nenhuma explicação se encontra para dar ao paiz, que tem direito a saber como o seu dinheiro é administrado; quando ha um governo, que se encontra em face
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de accusações d'esta ordem, ás quaes não póde nem sabe responder, a sua obrigação é largar o poder, a não se estabelecer a teoria de que para sair do governo, não basta commetter illegalidades e administrar mal, sendo preciso praticarem se outros actos, não deixando o governo o poder, enquanto a opponição d'elles o não accusar.
Mas então, todos os principios constitucionaes ficam invertidos, e de futuro os ministerios, em vez de cairem no parlamento, só cairão na Boa Hora, onde seguramente eu nunca hei de arrastar ninguem. (Apoiados - Muito bem.}
Ha no despacho ministerial, que mandou adjudicar ao empreiteiro Hersent as obras, com as modificações constantes do parecer da junta consultiva de obras publicas e minas, uma palavra que só por si vale um poema.
E a prova cabal da norma e processo de administrar, da parte d'este governo, e do desleixo com que elle não se importa de deixar bem patentes as illegalidades por elle commettidas e a falta de decoro, que devia presidir a todos os actos da sua administração.
Diz-se a Hersent: Vista a desistencia que fez das obras complementares a oeste do caneiro de Alcantara.
Mas quem desiste?
Quem tem obrigações, ou quem tem direitos?
Quem tem obrigações póde ser dispensado de as cumprir; mas só quem tem direitos pôde d'elles desistir.
Então essas obras a jusante do caneiro de Alcantara eram de tal natureza, que em logar de trazerem obrigação para quem as fizesse, e portanto preferencia para quem as tomasse, eram pelo contrario tão beneficiadas, que o tel-as por si era ter um direito, e abandonal-as ao estado, era desistir d'esse direito? (Apoiados.)
Eis aqui, sr. presidente, a verdadeira coroação de todas as monstruosidades praticadas nas obras do porto de Lisboa. Foi pena que não se abusasse até ao fim do papel que o ministro esteve representando; foi pena que o empreiteiro Hersent, em logar de ter desistido unicamente das obras a jusante do caneiro de Alcantara, não desistisse com o mesmo direito de todas as outras para receber 10.800:000$000 réis, e não simplesmente a bagatella de 427:000$000 réis! (Apoiados.)
Tão juridica e legitima seria uma cousa como a outra.
Appello para todos os membros d'esta camara, que têem noções de jurisprudencia, para que me digam se era ou não identica a desistencia para o segundo facto, como para o primeiro, e se era ou não tão legitimo dar os 427:000$000 réis, orçamento das obras ajusante o caneiro de Alcantara, que não se fizeram, como dar os 10.800:000$000 réis, se Hersent não fizesse obra alguma. (Apoiados.)
Poderia ser uma questão de cifras; mas não era por certo uma questão de principios nem de factos.
Mas é sempre difficil, quando se entra n'este caminho, ir até ao fim d'elle sem tropeçar em difficuldade e attrictos, que vão deixando esse caminho semeado de provas de flagrante accusação contra aquelles que delinquiram.
Depois d'esse despacho, em que se chamava desistencia ao facto do empreiteiro não ser obrigado a construir umas certas e determinadas obras, lavrava-se na secretaria do ministerio das obras publicas o contrato com o sr. Hersent, para a construcção das obras do porto de Lisboa.
Esse contrato foi celebrado com todas as solemnidades que é de costume, e indispensaveis em acto de tal importancia. Assistiu o procurador geral da corôa, e assignou esse contrato; assistiu o sr. ministro das obras publicas, que tambem o assignou, e assistiram o secretario geral do ministerio, o sr. Hersent e as testemunhas.
Ninguem dirá que o sr. procurador geral da corôa ou o sr. ministro das obras publicas não sabem redigir e fiscalisar um contrato, principalmente quando têem de o assignar.
Pois sabe v. exa. o que apparece n'esse contrato? Isto é fabuloso, e sobre este ponto o governo precisa dar explicações categoricas, porque o decoro proprio assim lh´o exige.
Esse contrato que vem a paginas 319 d'este volume, e que foi celebrado aos 20 dias do mez de abril de 1887, diz, o seguinte:
E por elle segundo outorgante foi dito, que acceitava.... o mesmo contrato, declarando ambos os outorgantes que se obrigavam, cada um na parte que lhe pertence, a cumprir fielmente as condições n'elle exaradas, e são as seguintes.
Eu peço a attenção da camara, e principalmente do sr. Vicente Monteiro, distincto advogado, e veja s. exa. que illações tiraria de um documento d'esta ordem, se sobre elle fosse consultado como advogado.
«3.ª As condições para a execução das obras de melhoramentos no porto de Lisboa são as constantes dos capitulos e artigos que seguem.»
Ora, no artigo 21.° do capitulo II nota-se o seguinte:
«Obras complementares entre o caneiro de Alcantara e os armazens de Porto Franco; e segue a designação d'essas obras.
Este contrato acha-se assignado pelo sr. Hersent.
Portanto, ficou claramente consignado no contrato, que uma das condições a que o sr. Hersent se obrigava pela sua parte era a construir as obras a jusante do caneiro da Alcantara, e isto em 20 de abril.
Pois quer v. exa. ver a prudencia e a discrição com que se andou, ao assignar se um contrato que representa para o estado um pagamento de 10.790:000$000 réis?
Tres dias antes publicava-se um alvará que encarregava a companhia real dos caminhos de ferro de fazer essas obras, cuja construcção era uma das condições impostas ao sr. Hersent!
Pergunto, se quem procede assim não parece que não está compos sui! (Apoiados.}
Se depois de tudo isto, quando se vê a mesma obrigação imposta a duas pessoas differentes, á companhia dos caminhos de ferro, por alvará, ao empreiteiro Hersent, por contrato, se perguntasse qual a opinião do illustre deputado o sr. Vicente Monteiro, eu aposto que s. exa. diria, que uma e outro eram igualmente obrigadas a fazer as obras. (Apoiados.}
E porque é necessario saber-se era que lei vivemos, e como o governo se julga auctorisado a conservar-se no poder, depois do tumulto, que revelam os actos por elle praticados, eu mando para a mesa a seguinte declaração, que constitue a minha moção de ordem.
(Leu.)
E sobre este ponto, é, preciso que o governo se explique claramente. É necessario saber-se, quem vae a final construir as obras a jusante do caneiro.
Isto é que é importante. Ainda se póde salvar dinheiro para o estado, e é necessario que todo o paiz, saiba se o governo quer ou não salval-o. (Apoiados.)
Repito, é indispensavel saber-se o que pensa o governo a este respeito. É indispensavel saber-se se esta condição, que existe no contrato Hersent, é letra morta, ou se é letra morta a do alvará de concessão á companhia real dos caminhos de ferro. A ser letra morta para um d´elles, sendo esse dispensado de fazer um certo numero de obras pergunto se o estado é de qualquer fórma compensado; ou se pelo contrario qualquer d'elles é generosamente alliviado do encargo e o governo nada mais quer fazer, porque a sua obrigação é dar, e não fiscalisar os dinheiros publicos. (Apoiados.)
Exigem-se explicações terminantes sobre estes factos tão contradictorios e inexplicaveis. (Apoiados.)
E agora, sr. presidente, vou tratar de um outro ponto de administração publica, que tem uma intima connexão com este, e cuja existencia explica em parte, muitas das obscuridades, que se podem notar nas peripecias d'este extraordinario concurso.
É a concessão feita á companhia real dos caminhos de ferro portuguezes, por alvará de 9 de abril de 1887, alvará elaborado e assignado pelo sr. ministro das obras pu-
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blicas onze dias antes de assignar o contrato com o empreiteiro Hersent.
O sr. ministro das obras publicas concedeu á companhia real dos caminhos de ferro a exploração da linha, que o estado mandou construir á sua custa, desde o caes dos Soldados até ao caneiro de Alcantara; mais a construcção de uma linha desde o caneiro do Alcantara até Cascaes; mais uma, ligação subterranea de todas as linhas da companhia, gelo caminho de ferro de cintura, com o centro da cidade; é ainda mais finalmente a rectificação da margem do Tejo desde Alcantara até Belem, com todos os terrenos que fossem conquistados, excepto uma parte minima d'esses terrenos, reservada para o estado, ou para o uso publico.
É como se vê por este simples enunciado um extenso e bello rosario de concessões. (Apoiados.)
Qual foi o fundamento legal a que recorreu o sr. ministro das obras publicas, para fazer esta concessão?
Ao artigo 33.° do contrato com a companhia real dos caminhos de ferro do norte e leste.
Sobre esta questão da legalidade demorar-me-hei muito pouco; apresentarei apenas ligeiras observações, por me parecer que este ponto foi tratado pelo meu illustre amigo o sr. Julio de Vilhena por uma fórma tão lucida, clara, concludente, e scintillante, que não podia deixar de causar impressão mesmo no espirito d'aquelles, que se viram na necessidade de lhe responder, impressão que até agora, nem o sr. Laranjo, nem o sr. Villaça poderam destruir, porque ha cousas a que não se responde, por maior que seja o talento de que se dispõe.
No emtanto, quero ler á camara o artigo 33.°, a que o sr. ministro das obras publicas recorreu, para fazer essa concessão, e depois farei unicamente duas considerações que me parece virem reforçar, se isso é preciso, a argumentação do sr. Julio de Vilhena.
O artigo 33.° do contrato com a companhia real dos caminhos de ferro diz assim:
(Leu.)
Ficou o estado pagando qualquer subsidio á companhia, por virtude das obras concedidas por este alvará?
dmitto que não ficasse.
Mas garante-lhe qualquer beneficio?
Oh! sr. presidente, desde o momento em que se lhe deu a exploração da linha ferrea construida pelo estado, e importantes terrenos na margem do Tejo, seja qual for o valor por metro quadrado d'esses terrenos, seja elle de 10 réis ou de l0$000 réis, o que não se póde sequer duvidar é que se garantiu um beneficio, e eu logo demonstrarei quão importante é esse beneficio. (Apoiados.)
Logo que á companhia real dos caminhos de ferro constou que se effectuára o concurso para as obras do porto de Lisboa e que o empreiteiro Hersent procurando satisfazer ás condições sophisticas, impostas pelo sr. ministro das obras publicas no programma do concurso, offerecêra como obra complementar a construcção do caminho de ferro de Alcantara até Belem, com faculdade de o prolongar até Cascaes, a companhia veiu protestar contra tal concessão, dizendo que isso e a linha até Alcantara eram ramaes das suas linhas, e portanto cabiam no privilegio do seu contrato com o estado. Ora é extraordinario!
No dia 22 de dezembro de 1886, note a camara, publicava-se no Diario do governo o programma para a empreitada das obras do porto de Lisboa, o entre as differentes clausulas d'esse programma vinha incluida a construcção de uma linha ferrea, que ligasse a estação de Santa Apolonia com a estação de Alcantara.
Julgava á companhia que essa linha lhe pertencia como ramal?
N'esse caso, desde que veiu publicado no Diario do governo um documento official em que se determinava, para ficar como propriedade do estado, a construcção de uma linha que a companhia julgava sua, desde logo e no goso pleno dos seus direitos, devia ter reclamado. (Apoiados.} Pois decorreram tres mezes, desde 26 de dezembro a 26 da março, epocha da terminação do concurso, e por parte da companhia não se apresentou reclamado absolutamente alguma!
Mas apenas soube que iam ser adjudicadas as obras do porto de Lisboa, e que havia alguem, isto é, o estado, que ia construir aquella linha, apparecceu em campo e disse: alto lá, isso agora é privilegio meu; construam embora a linha, comtanto que eu a gose!
E o governo, conformando-se com esta novissima jurisprudencia, achando-a muito acceitavel, respondeu: pois seja dado á pobre companhia o goso de um caminho de ferro que ella não construiu, e contida cuja construcção não protestou durante os tres mezes, em que esteve o concurso, aberto por uma portaria publicada no Diario do governo! (Vozs: - Muito bem.)
Eu pergunto á camara se isto é serio! Eu pergunto á camara se ha alguma cousa que possa defender o governo, não só de ter praticado similhante illegalidade, mas tambem de ter praticado um acto tão escandaloso, e mais ainda, um acto escandalosamente beneficiario para terceiros, como logo demonstrarei. (Apoiados.)
Não quero só provar que o governo praticou uma illegalidade; hei de investigar tambem com quanto o estado concorreu para enriquecer a companhia, e portanto, com quanto o Zé povinho tem de contribuir nos orçamentos futuros para satisfazer os valores, que, graças a um simples traço de pena, passaram dos cofres do estado para os cofres da mesma companhia. (Apoiados.)
É isto que hei de procurar demonstrar.
Disse o sr. ministro das obras publicas que não achava resposta quando a si mesmo perguntava: onde está o gato? (Riso.)
E, uma vez que estamos assim tornando parlamentares estas phrases populares, não admirará que eu empregasse a expressão tão caracteristica: Zé povinho.
O sr. ministro das obras publicas pergunta: onde está o gato? E por mais que investigue, declara não o ver!
O que se dava á companhia real? perguntou s. exa.
Á companhia real?! Coitada d'ella!
E isto fazia-me lembrar aquelles versos do nosso illustre collega o grande poeta Guerra Junqueiro:
«Coitado do Cruz Coitinho;
«Coitado do Cruz, coitado!
(Riso. - Apoiados.)
Pobre companhia real, tão dedicada ás cousas publicas, depois, da sua emancipação dos tyrannos francezes, tão patriotica, tão 1.º de dezembro, tão hymno da restauração! (Riso.)
Diz o sr. ministro das obras publicas que a companhia real fica obrigada a construir a linha ferrea de Alcantara até Cascaes, a fazer a rectificação da margem direita do Tejo, desde Alcantara até Belem, o tunnel em Lisboa, a estação central, e não sei que mais.
Quando appareceu a noticia d'estas concessões, dizia o jornal do sr. ministro das obras publicas: Lisboa vae ser remodelada completamente; esta perola do occidente, que tão pouco o parecia até aqui, vae ser facetada de mil modos, vae ser iriada das mais brilhantes côres!
Ligação subterranea de Lisboa com a rede geral das linhas ferreas, rectificação da margem do Tejo, caminho de ferro de Cascaes, podendo o lisboeta nas manhãs de verão ir pela fresca tomar o seu banho!...
E tudo isto é mais do que um ovo por um real, como se costuma dizer, (Riso.) tudo Isto se faz, sem nos custar nada!...
Eu já o anno passado tratei esta questão, que, segundo as opiniões ministeriaes, deixou a companhia real, onde tenho amigos, n'uma situação tão precaria.
Ora eu tinha a convicção de que no nosso paiz mez.
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mo quem souber tratar dos seus interesses, deve ir estudar com a companhia, porque tem lá ainda muito que aprender. (Apoiados.)
A companhia real dos caminhos de ferro queria remodelar tudo, por cousa nenhuma, e, como s. exa. perguntei a mim mesmo: «Onde estará o gato?»
Eu não sou engenheiro para entrar a fundo em questões technicas, e, sem se ser engenheiro, não se póde entrar n'esta discussão metaphysica e casuistica de projectos definitivos, projectos mais ou menos completos, etc., etc.
Nas questões technicas já o sr. ministro das obras publicas disse: que tem por si todas as estações officiaes e escusâmos de estar a pensar em combatel-o, quando s. exa. está defendido por esse reducto inexpugnavel! Tratei, pois, de indagar por outros lados, e comecei a convencer me de que a companhia real dos, caminhos do ferro tinha feito um bello negocio!
O sr. Villaça, meu illustre amigo, e nosso distinctissimo collega, demorou-se tambem na ultima sessão em defender o sr. ministro das obras publicas n'este ponto, e s. exa. tomando então o ar mais ingenuo e insinuante que teve durante todo o seu discurso, (riso) começou por dizer:
«Mas reparem em todas as obras que a companhia real dos caminhos de ferro tomou sobre si o encargo de fazer: linha de Cascaes, 1.100:000$000 réis; linha urbana réis 2.700:000$000; aterro e caneiro, 2.200:000$000; total 6.000:000$000 réis!
Que valores tem a companhia de arrancar ao Tejo para facer face a estes 60.000:000$000 réis!»
Estes numeros não se coadunavam inteiramente com aquelles que eu tinha obtido, e note v. exa., parte d'elles constantes de um documento que é publico, o relatorio do conselho de administração e o parecer do conselho fiscal apresentado em junho de 1887 á assembleia geral da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes.
Mas eu illudido pelo tal ar ingenuo, e mais que nunca insinuante, do sr. Villaça, tomei a liberdade de perguntar tambem ingenuamente a s. exa. d'onde lhe tinham vindo esses numeros? S. exa. a principio quiz recusar-se.
Vi me, pois, obrigado a declarar-lhe, que se esse era o seu segredo, não pretendia ser indiscreto, (Riso) confessando a final o sr. Villaça, um pouco confuso, que lhe tinham vindo da companhia real.
Pois isto (o relatorio) veiu tambem da companhia, mas é uma informação para todos nós, e para o paiz se quizer consultal-o. Ora sabe v. exa. o que se lê n'esse relatorio a pag. 39? E agora peço a attenção da camara porque realmente parece que chegou o momento de se saber aonde está o gato!
Diz-se a pag. 39:
Com os primeiros (Duparchy & Bartissol) conseguiu já o vosso conselho chegar a accordo, contratando toda a empreitada da linha subterranea, estação central, e a parte do ramal de Cascaes acima referida, pela quantia de réis 2.800:000$000.»
Já vê pois, o ar. Villaça que n'um documento official em que seguramente os directores da companhia real dos caminhos de ferro portuguezes não vinham mentir, nem enganar os seus accionistas, se diz, que o empreiteiro Bartissol tomou por 2 800:000$000 réis a construcção da linha de Cascaes, da linha urbana e estação central.
Entre 2.800:000$000 réis como consta d'este documento, e os 3.800:000$000 réis que s. exa. tinha calculado, e este era o seu segredo, ha apenas uma differença de 1.000:000$000 réis. (Apoiados.) Rico deve estar o paiz, em oiro devemos nadar para em calculos feitos por um engenheiro distincto, de um momento para o outro se lhe notar um erro de 1.000:000$000 réis. Não é por certo á leviandade do engenheiro, mas á pouca importancia de similhante erro, que elle deve ser attribuido!
Lembra-me de uma zarzuella que vi ha annos - Robinson- em que um capitão de navios contava que na America os dollars andavam pelo ar; para se ficar rico bastava só abrir e fechar a mão e metter no bolso. (Riso.)
Parece que estamos n'uma situação, similhante. Quando vemos engenheiros distinctissimos enganarem-se nos seus calculos simplesmente em differenças de l.000:000$000, réis, passando de 2.800:000$000 réis para 3.800:000$000 réis, havemos de concordar que o dinheiro está muito depreciado no nosso paiz. Ou então que os engenheiros em se mettendo a calcular são terriveis; porque 1.000:000$000 réis para elles é cousa de pouca monta. (Riso.)
Torno a repetir, este relatorio é um documento official. O que consta d'elle, é que isto custa 2.800:000$000 réis.
(Interrupção.)
Deixe-me v. exa. continuar as minhas considerações e talvez ainda consiga satisfazel-o mais.
Mas para ser exacto devo acrescentar, que as expropriações, e dotação de mobilia e utensilios das estações, ficaram a cargo da companhia.
Mas, segundo as minhas informações, isso pouco avolumara as despezas que vamos calculando.
A respeito das expropriações para o tunnel ninguem recebeu cinco réis. Se a obra é subterranea não se pagam expropriações.
Portanto quaes foram as expropriações que ficaram a cargo da companhia?
Os edificios que adquiriu no largo de Camões para no logar d'elles se construir a estação central, e os terrenos precisos desde Belem até Cascaes. Se v. exa., sr. presidente, já foi a Cascaes, e não, lhe digo que volte lá, porque diz o dictado: a Cascaes uma vez, e nunca mais, (Riso.) mas se já lá foi, provavelmente teve occasião de ver, que as expropriações á beira mar, por onde segue a directriz do caminho de ferro, não me parece que arruinasssm ninguem e muito menos a patriotica companhia real dos caminhos de ferro portuguezes. (Apoiados.) Mas importam em algumas centenas de contos?
Talvez, mas é preciso trazer para aqui uma consideração que não vem n'este relatorio, de que tenho conhecimento, e que me parece não deixa de ter algum peso.
V. exa. comprehende bom que não se faz um tunnel sem se tirar terra. Da tunnel que se está fazendo entre a praça dos Restauradores e os Arcos das Aguas Livres está saindo muita terra. Todos os dias vemos os carros que a conduzem para as obras do porto de Lisboa. Esta terra foi vendida ao sr. Hersent por uma determinada quantia, e está sendo por elle utilisada para se fazerem os diversos aterros necessarios para as rectificações dos caes, etc. Sabe v. exa. quanto a pobre companhia recebe por cada metro cubico d'aquella abençoada terra? 200 réis. Não sei quantos metros cubicos sairão do tunnel; mas como é para duas vias ha de ter as largas dimensões que a sua applicação requer. Qualquer que seja porém, o numero de metros v. exa. concordará em que subirá a alguns milhares.
Uma Voz: - Póde dizer alguns milhões.. (Apoiados.)
O Orador: - Dizem-me que são alguns milhões. Já v. exas. vêem que eu em calculos é sempre para baixo, e isto não faz senão bem ao tom geral do meu discurso.
Mas, se são milhões de metros cubicos de terra vendidos a 200 réis cada um, a pobre companhia real conseguirá a capital necessario para poder pagar as expropriações das casas, que no centro de Lisboa têem de ser derruidas para ella fazer a sua estação. (Apoiados.)
Mas esta parte é para mim um pouco indeterminada, confesso-o; no entanto aquelles l.000:000$000 réis de differença que eu acho noa calculos do sr. Villaça, não póde de fórma alguma ser justificada. (Apoiados.)
Mas onde eu não concordo de fórma alguma como s. exa. nas obras relativas ao aterro e ao caneiro.
Ora, vejâmos se temos tambem alguns elementos officiaes de calculo para rectificar as avaliações do sr. Villaça. Parece-me que temos.
Póde dizer-se que esta parte das obras estava dividida
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em duas secções; uma desde o caneiro de Alcantara até ao Porto Franco, e outra ao Porto Franco até Belem.
Entre Porto Franco e Belem não ha senão um muro continuo, e a rectificação da margem do Tejo, ao passo que entre o caneiro de Alcantara e Porto Franco ha uma grande doca, a cobertura do caneiro, em fim ha um certo numero de obras importantes alem da rectificação da margem do Tejo.
Portanto, parece me que não é cortar pelo largo, antes pelo contrario, imaginar que a segunda secção, desde o Porto Franco até Belem, em que não ha senão a rectificação do rio, sem docas a construir nem cobertura do caneiro, não custará mais caro do que a primeira, onde ha outras obras concomitantes com a rectificação do Tejo. (Apoiados.)
Quanto custavam segundo o orçamento do projecto Matos e Loureiro approvado pelo sr. ministro, e que deve ser a expressão da verdade, a não se ter feito a adjudicação de obras tão importantes como estas sobre um orçamento falso, porque orçamento falso é todo aquelle em que se calcula a mais ou a menos, quanto custavam, repito, essas obras entre o caneiro e Porto Franco? 427:000$000 réis.
Admittindo que as obras desde o Porto Franco até Belem custam o mesmo, e eu já provei que não podem custar mais, aqui está como estas obras custam ao todo 850:000$000 réis; o que para 2.200:000$000 réis, que phantasiosamente calculou o sr. Villaça, porque s. exa. não disse onde foi buscar as bases para os seus calculos, ao contrario do que eu fiz, dá uma differença de 1.400:000$000 réis, com 1.000:000$000 réis vindos de cima, temos 2.400:000$000 réis, com que o trop de zele ministerial do sr. Villaça quiz onerar a pobre companhia real. (Muitos apoiados.)
No discurso aqui proferido pelo sr. Pedro Victor, e a proposito das alterações no processo do construcção dos muros, mostrou-nos s. exa., que a commissão quando não podia augmentar nas obras, se vingava nos preços. O sr. Villaça seguiu n'este ponto processo identico. Era preciso avolumar as despezas da companhia real por uma força, descrever quasi a sua ruina, para de tudo isso poder resultar o triumpho do sr. ministro. (Apoiados.)
Agora o outro lado da questão.
Vejamos quanto póde representar em dinheiro o que se lhe concedeu. V. exa. comprehende que se é difficil, em vista da falta de documentos precisos calcular o que custam á companhia real as differentes obras, que pelo alvará é obrigada a fazer, muito mais difficil será calcular quanto podem render terrenos que ainda não estão de todo conquistados ao Tejo, e um caminho de ferro que ainda não está construido, quanto mais em exploração. Em relação a terrenos tenho, comtudo, uma base segura de calculo, pois já se venderam alguns.
Consta-me que a nova companhia do gaz já comprou á companhia real, ao pé da torre de Belem, 4:000 metros quadrados, pelo preço de 4$500 réis o metro, o que produziu 18:000$000 réis; e que já tem outras propostas para a compra de 10:000 metros a 4$500 réis o metro quadrado, que produzirão 45:000$000 réis. Portanto, quando nós vemos que os terrenos n´um ponto afastado, obtêem este valor, podemos ajuizar que os mais proximos de Lisboa ainda se devem valorisar mais lucrativamente. (Apoiados.)
Se nós tomarmos para base de todo o calculo o preço por que a companhia já vendeu aquelles terrenos, base que não é phantasiosa, nem exagerada, os 54 hectares de terrenos que a companhia vae utilisar por aquella fórma, como nos disse o sr. Pereira dos Santos, representam só por si o valor de 2.500:000$000 réis ou 2.700:000$000 réis, isto é, os taes terrenos que tão pouco valem, e que foram concedidos á companhia real, tomando por base o que já se fez, representam unicamente um valor de 2.500:000$000 réis ou 2.700:000$000 réis (Apoiados.)
Mas alem d´este argumento directo, temos outro indirecto que já o anno passado adduzi, e que me parece conveniente tornar a repetir.
V. exa., como eu, por certo tem ouvido fallar no sr. Ephrussi, um dos banqueiros mais habeis, mais intelligentes de Paris, homem que negoceia largamente, o rei do trigo, hoje em relação a Portugal interessado em differentes operações. Comprehende, pois, v. exa., que o sr. Ephrussi deve saber quando um ovo vale um real e quando não vale nada, porque é chôco. (Riso.) Pois o sr. Ephrussi tem uma opinião differente da do sr. Villaça, da do sr. ministro das obras publicas e de outras pessoas igualmente respeitaveis, com relação ao valor d'estes terrenos. E sabe v. exa. porque? Porque tomou sobre si uma emissão de 100.000 obrigações, ao typo de 4 por cento á companhia real, operação que representa um capital de 9.000:000$000 réis, e quiz estes terrenos para consignação especial d´essas 100:000 obrigações, cuja emissão tomou. Está aqui a paginas 39.
«... pedimos auctorisação da assembléa para emittir cem mil obrigações do typo de 4 por cento, amortisaveis em oitenta annos, sendo o juro e amortisação pagos semestralmente, e consignando-se como garantia especial d'estes titulos os terrenos conquistados ao Tejo, em virtude das mesmas concessões.»
Elles não valerão nada, mas o sr. Ephrussi é que não pensa assim. (Apoiados -(Vozes: - Muito bem.)
Quero pôr em evidencia o prejuizo que vem para o estado ainda d'esta concessão, pelas seguintes circumstancias que o sr. ministro das obras publicas não póde ignorar: os terrenos que foram concedidos á companhia real dos caminhos de ferro, hão de necessariamente vir a fazer concorrencia aos terrenos com que o estado fica da primeira secção; ora v. exas. sabem pela lei da offerta e da procura, que quanto mais terreno houver para vender, tanto mais ha de baratear o seu valor, e por isso é que a companhia real, já fez com o empreiteiro Hersent o seu contrato, para elle rectificar a margem direita do Tejo desde Alcantara até Belem e ter os seus terrenos dentro de dois annos, ao passo que o estado só virá a receber os que lhe pertencem d'aqui a dez annos, o que quer dizer que só oito annos depois da companhia real ter podido vender os seus terrenos, quando a maior parte d'elles já estiver transmittida a particulares e industriaes, é que o estado começara a poder dispor dos seus. (Apoiados.)
O estado, oito annos depois, chegará trop tard como os carabineiros da operetta, a perguntar se ainda ha quem queira mais terrenos alem dos 54 hectares vendidos pela companhia real, e provavelmente terá de os vender por um preço muito inferior. (Apoiados.)
Não calcularei agora quanto renderá o troço da linha concedida a essa companhia, desde o caes dos Soldados até ao caneiro de Alcantara, e a seguir para Cascaes; já disse outro dia, quando aqui se tratou da nova emissão de acções feita pelo banco de Portugal, que para mim o primeiro troço d'essa linha, aliás construida pelo estado, era a mais importante que viria a haver no paiz; não só ha de servir a todo o movimento de transito do novo porto de Lisboa, mas ha de servir ao movimento do proprio commercio que se destino á cidade de Lisboa, e ha de ser um caminho de ferro muito importante tambem para passageiros, pois é por assim dizer uma linha do circumvallação pelo lado do Tejo, que ha de fazer concorrencia aos americanos e outros meios de transporte, que hoje fazem carreiras entre Lisboa e Belem. (Apoiados.)
Bastará lembrar que estes 10.800:000$000 réis não são lançados ao Tejo senão com a esperança, de que o seu movimento commercial ha de augmentar consideravelmente, e póde suppor-se quanto o rendimento d'esse troço de linha será consideravel, quando o porto de Lisboa tiver attingido esse movimento commercial extraordinario, em resultado dos melhoramentos e obras a que Fontes Pereira de Mello e Antonio Augusto de Aguiar dedicaram toda a
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sua actividade, como sendo a obra mais necessaria para a felicidade e prosperidade da capital. (Apoiados.)
Iguaes considerações é preciso fazerem-se em relação ao tunnel. Desde que é a companhia, que reconhece no seu requerimento a necessidade para ella de ligar todas as suas linhas com uma estação principal collocada no centro de Lisboa, esse tunnel, com que se quiz fazer deslumbrar o paiz inteiro, representa apenas mais um grande beneficio para a companhia.
No estado a que chegaram as minhas linhas, diz ella, a estação de Santa Apolonia não chega, preciso ter no centro da cidade um ponto de concentração!
Referir-me-hei tambem a uma disposição que se encontra no alvará relativamente a tarifas, e que póde ser um manancial feracissimo de lucros para a companhia. Sabe v. exa. o que diz a condição 20.ª do alvará? Diz o seguinte:
(Leu.)
Quer dizer, que se a companhia tornar a encontrar um ministro tão cego, como o sr. Emygdio Navarro, no valor das concessões que lhe fez, poderá conseguir as tarifas que quizer para este ramal. Mas quando o accordo se não fizer, quando este ou outro qualquer ministro não continuem a considerar a companhia como uma pobre companhia, applicar-se hão era todo o caso as tarifas que vigoram actualmente para as linhas de norte e leste.
Como se n'uma linha urbana como esta applicar as tarifas, que vigoram para linhas de norte e leste não significasse um gravissimo exagero, que a companhia será a primeira a ter de reconhecer. (Apoiados.)
Para v. exa. ver a enormidade d'este facto, e a falta de calculo que houve da parte de quem fez uma concessão tamanha á companhia, vou citar um exemplo. As tarifas actuaes da linha de norte e leste são de 20 réis por kilometro por passageiro. Imagine v. exa. que ámanhã o governo não chega a um accordo com a companhia, relativamente á fixação do preço das tarifas; o resultado é que terão de se applicar as tarifas das linhas de norte e leste. A distancia do caes dos Soldados até Belem é mais de 7 kilometros, isto é, pelo menos 140 réis. O preço de transporte nos americanos, e outras emprezas de viação, é menor! Não demonstra isto a grandiosidade das tarifas, concedidas á companhia? (Apoiados.) Se quizer luctar com a concorrencia que n'alguns casos lhe poderão fazer outras emprezas, ha de ser ella propria que ha de vir pedir ao governo o abaixamento das tarifas, tão exageradas e extravagantes ellas se mostram! (Apoiados.)
O principal de todos estes inconvenientes poderá ainda ser, que essas tarifas pesarão muito sobre o commercio em transito, e em logar de o chamarem ao porto de Lisboa afastal-o-hão, e as obras grandiosas que se estão fazendo redundarão apenas em vantagem para o sr. Hersent, que irá gosar para a Belgica os seus 2.700:000$000 réis de lucros. (Apoiados.)
Agora umas rapidas considerações para terminar.
O sr. ministro das obras publicas, na unica vez em que tomou a palavra, respondendo ao sr. Dias Ferreira, e a proposito da guerra que se lhe fez na imprensa, n'esta questão, chegou a dizer n'um momento de intemperança d'aquelle genio tão violento que todos lhe conhecemos, que os factos occorridos relativamente ao porto de Lisboa eram um poderoso auxilio para corrente de anti-parlamentarismo, que já começava a existir tambem em Portugal, e que a liberdade de imprensa estava assassinando a verdadeira liberdade!
Sem me alterar, bem levantar mesmo a voz, não posso comtudo deitar de protestar abertamente contra similhantes observações de um espirito, aliás claro, e de um homem demasiadamente preoccupado comsigo proprio para não ver, que é simplesmente um atomo n'este paiz de mais de quatro milhões de habitantes, para de um facto pessoal querer deduzir consequencias tão genericas e por tal fórma importantes. (Apoiados.)
Então só agora é que as accusações contra um ministro da corôa favorecem o anti-parlamentarismo, e que a absoluta liberdade de imprensa assassina a verdadeira liberdade? Mas quando ha bem poucos annos eram accusados, não um ministro da corôa mas todos os ministros e a propria corôa, a liberdade de imprensa não era assassina da liberdade? (Apoiados.)
Pois o sr. ministro das obras publicas imagina, que a sua pessoa é mais respeitavel do que as de tantos seus antecessores, e que as suas immunidades de ministro estão acima das immunidades da propria corôa? (Muitos apoiados.)
A liberdade de imprensa está assassinando a verdadeira liberdade!
E quem diz isto pela vez primeira no parlamento é o sr. Emygdio Navarro, que á imprensa tudo deve, e que como nenhum outro tem usado e abusado d'essa liberdade que á imprensa no nosso paiz se concede. (Apoiados.)
Pois eu declaro á camara que nunca apoiarei partido algum, que pretenda limitar a liberdade das discussões no parlamento ou na imprensa.
Quem já serviu um logar superior na administração do estado, quem já tem despachado com um ministro, teve por certo, como eu, occasião de conhecer, que o parlamento, mesmo esta sombra de, parlamento que ha entre nós, ainda é o travão mais poderoso a muitissimos desvarios e esbanjamentos. (Apoiados.)
O receio do parlamento, o receio das accusações frementes da opposição, era face de um publico numeroso e hostil, apesar dos ministros contarem com votações certas e com o apoio dos seus amigos, ainda hoje mesmo é uma das principaes garantias de todos nós.
E que direi eu da liberdade de imprensa? A não ser na parte relativa ao Rei, por que é irresponsavel, eu hão receio do abuso d'essa liberdade, e não comprehendo que alguem, e muito menos um jornalista vigoroso como o sr. Emygdio Navarro, possa sequer pensar em limitações a essa liberdade. (Apoiados.)
A liberdade de imprensa é o principal desafogo dos descontentamentos e irritações da opinião publica. A faculdade de ír a um jornal verberar a injustiça de que se é victima, ou narrar ao paiz os aggravos que se lhe estão fazendo, é uma das valvulas do segurança mais indispensaveis em um paiz como o nosso, onde os ministerios ficam, mesmo depois de prova dos verdadeiros abusos e illegalidades, como succede n'esta questão das obras do porto de Lisboa.
Não haveria nada melhor; fechar a camara, açaimar a imprensa e depois que governasse o ministerio progressista! (Apoiados.)
Sem parlamento e sem imprensa, imagine v. exa. pelo que já tem ouvido, o que viriam a ser ainda as obras do porto de Lisboa! Todos somos capazes de conceber o que se faria e o que se deixaria fazer! (Apoiados.)
Tambem, não quero deixar de protestar, pela liberdade de imprensa, por um motivo puramente individual, mas que por isso mesmo declaro com toda a franqueza. Se um dia, esta tribuna politica se me fechar, por uma veniaga eleitoral qualquer, quero ter aberta a tribuna da imprensa, como ultimo recurso de um homem livre. Desde que entrei n'estas luctas politicas, só se absolutamente me quebrarem as pernas e os braços é que deixarei de luctar até ao fim, com animo mais ou menos vigoroso, mais ou menos esforçado, conforme as circumstancias e os companheiros com que me encontrar: mas, em todo o caso, combatendo sempre pelo meu paiz conforme poder e souber, conforme tenho feito até hoje n´esta tribuna. Vencido ou vencedor, isso não me desalenta, tenho o sempre declarado; mas o que não quereria por fórma alguma, era deixar os meus direitos individuaes, a liberdade da minha pessoa,
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a propriedade d'aquillo que é meu, unicamente sujeita ao posso, quero e mando do um governo, que nem tivesse parlamento, mesmo como elle é, nem liberdade de imprensa, mesmo como ella se pratica n'este paiz, que póde conter muitissimos abusos, mas que até hoje, em minha opinião, tem sido um dos grandes elementos de fiscalisação governativa, (Apoiados.) e até de fiscalisação parlamentar, que conheço e sei apreciar.( Vozes: - Muito bem.)
E agora, depois de ter feito esta referencia ás palavras do sr. ministro das obras publicas, simplesmente como um protesto contra doutrinas que julgo subversivas, e prejudiciaes para a civilisação e perigosas para o paiz, referir-me-hei ao meu illustre collega e amigo o sr. Frederico Laranjo, começando por lastimar a sua falta de memoria. S. exa. está perdido de memoria! E vou demonstrar-lh'o.
S. exa. o outro dia, defendendo o sr. Emygdio Navarro, dizia que se fosse membro de uma opposição, e se levantasse uma campanha, como se levantou há pouco contra o sr. ministro das obras publicas, s. exa., ainda que membro da opposição, estaria do lado do ministro, contra aquelles que assim o acoutassem.
Disse isto ou não, s. exa.?
O sr. Laranjo: - Sim senhor.
O Orador: - Pois muito bem.
O sr. Frederico Laranjo entrou na politica portugueza, ahi pelo anno de 1878, eleito deputado progressista pelo circulo de Portalegre; tomou assento n'esta camara e fez a sua estreia parlamentar na questão da Zambezia.
V. exa., sr. presidente, sabe o que foi essa questão, porque eu, que sou mais novo, sei perfeitamente o que ella foi!
Nunca como então a diffamação e a calumnia foram armas de arremesso e de combate, empregadas tão largamente e tão sem piedade contra os homens que se sentavam nas cadeiras ministeriaes, e acima, de tudo, contra o seu chefe! Nunca! (Apoiados.)
Por todas as fórmas se tentou fazer acreditar que esse homem, que já então era, como foi até ao fim da sua vida, o maior e o mais importante elemento de ponderação da politica portugueza, como era tambem incontestavelmente o primeiro estadista de Portugal, (Apoiados.) dizia-se que esse homem tinha até palacios em Londres, que de lá tinham vindo milhões de libras, para dividir por elle, pelo sr. Thomás Ribeiro, pelo sr. Andrade Corvo e por todos aquelles que haviam tomado parte n'essa enormissima tratada, como então se lhe chamava, da Zambezia!
Fizeram-se meetings no circo Price, presididos pelos homens mais respeitaveis do partido progressista; nunca por toda a parte a calumnia e a diffamação, com as suas linguas farpadas, se mostraram tão crueis e implacaveis !!!
Pois foi justamente n'essa questão que se estrelou o sr. Frederico Laranjo!
E sabe v. exa. como? Combatendo os ministros que eram victimas d'essa calumnia e d'essa diffamação, fazendo um discurso contra os ministros signatarios da concessão chamada a concessão da Zambezia. (Apoiados.) ...
(Interrupção do sr. Laranjo.)
Mas v. exa. dá-me licença que lhe diga uma cousa?
Se alguem chamasse aqui ladrão a um ministro da corôa, todos nós nos poriamos ao lado do ministro contra quem tal ousasse, sob pena do parlamento chegar ao seu maior grau de aviltamento. (Apoiados.)
Era para desejar, que o sr. Frederico Laranjo houvesse mostrado a mesma generosidade, que hoje alardeia, quando em 1878 s. exa. viu atacado na sua honra um homem, dizendo-se até que tinha palacios em Inglaterra, elle que nunca possuio senão o jazigo pobre e modesto onde hoje repousa. (Apoiados.)
O sr. Laranjo declarou á camara que era um dos mais facciosos membros do partido progressista, e não serei eu que lhe leve isso a mal, porque acredito que o espirito de facção bem entendido é uma virtude politica, mas o illustre
deputado, para provar que como progressista não podia deixar de gostar da aria de D. Bazilio, disse que o lôdo do Tejo em toda esta questão provinha do syndicato. Simplesmente, esquecêra ao sr. Laranjo que tal syndicato nunca existiu! (Apoiados.)
Nunca D. Bazilio cantou a sua aria, não digo sobre um grão de areia, mas sobre um nada, como o sr. Laranjo. (Riso. - Apoiados.)
O sr. deputado Laranjo, sendo interrompido, e aconselhado pelo sr. Marianno de Carvalho, disse então, que, se não era o artigo 7.° que fallava do syndicato, era o artigo 6.° que dizia que as obrigações seriam dadas a 80$000 réis, que provinha todo o mal.
Depois da aria do D. Bazilio, seguiu-se uma scena do Tartufo. (Riso.)
Mas quem é que obrigou o governo actual a dar obrigações a 80$000 réis ao sr. Hersent?
Parece que os srs. ministros, apenas tomaram posse d´essas cadeiras, foram amarrados e conduzidos ao paço, e que ahi alguem, imitando Carlos IX, quando dizia ao cunhado e ao primo «missa, morte ou Bastilha», lhes intimou obrigações a 800$000 réis, penitenciaria ou Limoeiro! (Riso.)
E entre serem martyrisados ou encarcerados, e ir para as cadeiras do poder cheias de espinhos, como é costume dizer-se, preferiram as cadeiras cheias de espinhos, e não se lhes póde querer mal por isso.
Mas vejo agora que primeiramente foram presos; depois é que veiu a imposição «executem a lei de 1885 que o partido progressista combateu», e a respeito da qual o mais seraphico dos progressistas, o mais manso dos oradores da opposição de outr'ora, o sr. Barros Gomes, disse cousas como o sr. Emygdio Navarro ainda não ouviu n'esta discussão, porque chegou a dizer ao sr. Fontes Pereira de Mello, e hoje que elle está morto, e que morto ainda parece maior do que em vida, comprehende-se a enormidade do atrevimento, se esta palavra é permittida na ausencia da pessoa a quem me estou referindo, e a quem por fórma alguma quero melindrar, mas comprehende-se a enormidade da ousadia que s. exa teve para dizer ao sr. fontes que, n'esta questão das obras do porto de Lisboa, o industrialismo se tinha introduzido nos gabinetes dos ministros! (Apoiados.)
V. exa., sr. presidente, comprehende que, no genero de insinuação, ainda n'esta camara não se proferiu nada de mais bem feito!
Mas, sr. presidente, visto que se tratou da emissão das acções a 80$000 réis, é necessario que a camara não ignore um facto, que o sr. Marianno de Carvalho aliás conhece muito bem. Quando o partido regenerador fez aquella lei, os fundos publicos estavam a 45, e dada essa cotação o acceitar o empreiteiro as acções a 80$000 réis, não era ruina nenhuma para o estado, bem pelo contrario. (Apoiados.)
Quando, porém, o actual governo usou de uma auctorisação, que nem era da sua responsabilidade politica, e que até combatêra, as cousas tinham mudado inteiramente, pois que os nossos fundos se cotavam já a mais de 50 por cento, e assim a paridade para o valor d'aquellas obrigações não podia ser já a de 80$000 réis! (Apoiados.)
Quem os obrigou, pois, a usar de similhante faculdade
Nós estabelecemos na lei as condições unicas que era possivel estabelecer, dada a cotação dos fundos, então existente.
E, por isso, dizendo-se o contrario, quiz-se apenas continuar a calumnia que, durante quinze annos, foi a unica arma que o partido progressista empregou contra os seus adversarios. (Muitos apoiados.)
Para em tudo se demonstrar que o partido progressista não perdeu os seus antigos costumes, já se affirmou, que o sr. Fontes queria forçosamente dar a concessão das obras
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do porto de Lisboa ao empreiteiro Hersent, sabendo-se, no entanto, que ha um facto que só por si prova a toda a evidencia, que isso não é verdade. O Sr. Fontes, sem que a lei o obrigasse, e unica e simplesmente por entender cumprir assim melhor as suas obrigações de ministro e o seu dever de vigiar pela boa administração do paiz, mandou abrir concurso para os projectos definitivos; de corrido o praso, sem que apparecesse outro concorrente, alem do Sr. Hersent, o unico que apresentára um projecto, sabe v. exa., Sr. presidente, como o sr. Fontes mostrou que queria forçosamente dar as obras ao empreiteiro Hersent?
Mandando prorogar o phrase do concurso. E o que fez o sr. Hersent? Foi protestar contra essa prorogação, dizendo que lhe era prejudicial. -(Apoiados.)
Vou terminar referindo me ao chamado processo Hersent, que se instaurou na Boa Hora, e que ainda hoje está pendente.
E n'esta parte eu peço licença ao meu illustre amigo o sr. Julio de Vilhena para não concordar inteiramente com s. exa.
Comquanto militemos no mesmo partido, não é para admirar que não concordemos absolutamente em um ou outro ponto, muito limitado de administração, que nada importa para o nosso credo politico.
A divergencia é esta: seu não accuso o governo por ter mandado instaurar esse processo.
Foi a imprensa da opposição, disse o sr. ministro das obras publicas, quem impoz ao governo a sua instauração.
Concordo em parte.
A imprensa da opposição referiu-se de um modo energico á necessidade da instauração d'este processo, quando um jornal publicou o fac-simile de um dos bonds Hersent, pour la reussite de l'affaire, que eram as obras do porto de Lisboa.
D'essa imprensa fizeram parte todos ou quasi todos os jornaes do partido em que milito.
Não renego a responsabilidade partidaria que me possa caber pelo que escreve a imprensa, assim como estou convencido de que ella não póde renegar os nossos actos politicos no parlamento.
Para mim, porém, milita ainda uma consideração pessoal. Eu não escrevi na imprensa, mas em toda a parte onde isso me era permittido tratei de mostrar, que era necessario instaurar-se um processo.
E em parte por uma rasão pessoal, repito. Logo que foi publicado o fac-simile de um dos bonds Hersent, alguém fez notar na imprensa, que a data d'elle era contemporanea da ultima situação regeneradora.
Os que não queriam suspeições nora calumnias, procuraram demonstrar logo que, se tinha havido distribuição de benesses feita pelo sr. Hersent, os ministros regeneradores que propozeram a lei, e os pares e deputados que a approvaram, não ficavam bem collocados.
Eu fui um dos membros d'esta camara que approvaram a lei, e, se visse que o governo não mandava instaurar o processo, havia de lh'o exigir aqui, porque, se por acaso eu podesse ter culpas, queria que a Boa Hora d'ellas investigasse. (Apoiados.)
Se acaso eu podesse ter culpas, preferiria ser julgado por um juiz do que pelos meus adversarios e amigos politicos. (Apoiados.)
Mas foi unicamente a imprensa da opposição que impoz a instauração d'este processo?
Não foi só a imprensa da opposição.
Se o governo tivesse, realmente, esse respeito pela imprensa da opposição, a primeira cousa que tinha feito era deixar de ha muito aquellas cadeiras. (Apoiados.)
Porque não saíu já? Porque tem levado por diante muitos dos seus actos de administração aliás fortemente combatidos?
A imprensa da opposição combate-o, mostra-lhe que não está de accordo cora às suas idéas, nem com os seus processos de governar; e no entanto o governo vae por diante com esses processos e com essas idéas.
É que o governo sabe que não tem de governar com a imprensa de ninguem, mas sim com a opinião publica manifestada dentro e fóra do parlamento.
Todos sabem a rasão por que se instaurou este processo.
Todos sabem que, com rasão ou sem ella, se levantou no paiz uma fortissima corrente de opinião contra o sr. ministro das obras publicas e contra o governo de que s. exa. faz parte, e que foi essa opinião impetuosamente desencadeada que forçou o governo a mandar instaurar o processo. (Apoiados.)
É apenas uma affirmação moral que faço hoje aqui; mas o que eu digo, é que se ouvia em todas ás bôcas n'aquella occasião.
Eu acho que o governo fez bem. No que não fez bem o sr. ministro das obras publicas foi em conservar se no poder. (Apoiados.)
V. exa. sabe muito bem o que a este respeito já aqui ouvimos ao sr. Francisco Beirão. Perguntado pelo meu illustre amigo e valente parlamentar o sr. Arroyo, o sr. Francisco Beirão não occultou que tinha mandado instaurar este processo; não occultou que tinha dado ordens ao seu delegado n'este sentido, acrescentando que, quando o processo viesse a publico, nós teriamos occasião de ver como o governo cumprira o seu dever.
Desde que não podemos ter duvida alguma de que o processo existe, e do que elle foi instaurado por ordem do governo, e segundo as ordens de um collega do sr. ministro das obras publicas, a continuação de s. exa. no governo é absolutamente injustificavel. (Apoiados).
V. exa. comprehende, que póde o sr. ministro das obras publicas ter-se conservado absolutamente desinteressado em toda e qualquer acção governativa com relação a este assumpto, e póde o sr. Francisco Beirão ter unicamente escutado os dictames da sua consciencia. Mas ha uma consideração superior a tudo isso, é a posição de s. exa., é a sua situação pessoal e politica, continuando sentado ao lado do sr. ministro da justiça, que mandou instaurar o processo, e que por intervenção do ministerio publico o póde dirigir, e tem dirigido. (Apoiados.)
Eu, no caso do sr. ministro das obras publicas, saía immediatamente. Eu, no caso do sr. ministro das obras publicas tinha saído immediatamente, para que ninguem podesse pensar, que a minha presença nos conselhos da corôa, ao lado do sr. ministro da justiça e dos outros membros que compõem o ministerio, poderia influir para que elle fosse mais ou menos rigoroso, mais ou menos diligente na organisação do processo. Eu tinha saído, e depois tinha vindo á camara provocar eu proprio uma discussão a este respeito, e seria o primeiro a lançar a luva a quem a quizesse levantar, qualquer que fosse o terreno em que a questão fosse collocada. (Apoiados.)
Dizem, que o processo está dependente de uma rogatoria, que foi para Paris para ser ouvido o sr. Joly!
A maior parte das rogatorias vão e não voltam! É possivel que este processo não dê nada por não haver provas, ou por passar ás kalendas gregas. Mas ainda que do processo nada resulte, ainda que a maioria como é natural que succeda, cubra a responsabilidade do sr. ministro das obras publicas, com a sua consciencia e com o sou voto, o sr. ministro, procedendo como procedeu, ainda ha de ter de appellar para o julgamento de outro tribunal, que é mais prompto em concluir os seus processos do que a Boa Hora, e menos facil em conceder votos de confiança do que o parlamento - é o paiz. (Apoiados.)
E se o sr. ministro das obras publicas não encontrar no paiz a confiança de que precisa, tudo o que se fez será em pura perda, e quer, queira, quer não queira, os melhoramentos do porto de Lisboa ficarão servindo de estalão, por
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onde todos e cada um hão de afferir a moralidade e a economia da administração progressista de 1886. (Muitos apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
( O orador foi cumprimentado por differentes srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte:
Moção de ordem
A camara, considerando que o empreiteiro Pierre H. Hersent, nos termos do seu contrato de 20 de abril de 1887, e em conformidade da condição constante do artigo 21.° inserto no mesmo contrato, ficou obrigado a construir as obras complementares entre o caneiro de Alcantara e os armazens de Porto Franco, passa á ordem do dia. = Franco Castello Branco.
Foi admittida.
O sr. Carrilho: - Mando para a mesa o parecer da commissão sobre o orçamento de 1888-1889; e como está impresso, peço a v. exa. se digne mandal-o distribuir para que possa entrar na ordem do dia, na proxima segunda feira, se v. exa., para boa ordem dos trabalhos, assim o entender.
O sr. Presidente: - A deputação d'esta camara que ámanhã tem de assistir ao Te Deum mandado celebrar pela camara municipal de Lisboa, pelo restabelecimento de Sua Magestade El-Rei, compõe-se dos seguintes srs. deputados: Antonio Carneiro de Oliveira Pacheco, Antonio Maria Jalles, Antonio Simões dos Reis, Carlos Lobo d'Avila, Fidelio de Freitas Branco, Luiz Fisher Berquó de Poças Falcão e Manuel Maria de Brito Fernandes.
A ordem do dia para ámanhã é a mesma que estava dada para hoje.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.
Redactor = Rodrigues Cordeiro.