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N.° 84
SESSÃO DE 8 DE JUNHO DE 1900
Presidencia do exmo. sr. Luiz Fisher Berquó Poças Falcão
Secretarios - os exmos. srs.
Joaquim Paes de Abranches
Antonio Rodrigues Nogueira
SUMMARIO
Approvada a acta e lido o expediente, o sr. Rodrigues dos Santos apresenta representações a favor do projecto da caça, assignadas pelos quarenta maiores contribuintes dos concelhos do districto e Castello Branco. - O sr. Francisco José Machado expõe considerações relativamente ao procedimento dos guardas fiscaes com respeito á herva santa, e á contribuição que indevidamente se lança sobre os lavradores que compram uvas para a unificação dos typos de vinhos. Responde-lhe o sr. ministro das obras publicas (Elvino de Brito). - Apresentam representações os srs. João Franco, visconde de Guilhomil e Lacerda Ravasco; o sr. Lopes Navarro um aviso previo ao sr. ministro do reino. O sr. Affonso Costa requer documentos. - O sr. Sande e Castro pede providencias a proposito da apprehensão de vinhos hespanhoes com a marca de nacionaes.
Na ordem do dia continua a discussão do projecto de lei n.º 49 (expropriação dos predios encravados), usando da palavra os srs. Henrique de Mendia e Alexandre Cabral (relator). - O sr. ministro dos negocios estrangeiros (Beirão) apresenta uma proposta de pauta minima. - O sr. presidente marca a proximo sessão para o dia seguinte, do manhã
Primeira chamada - Ás duas horas da tarde.
Presentes - 7 srs. deputados.
Segunda chamada - As tres horas.
Abertura da sessão - Ás tres horas e um quarto.
Presentes - 55 srs. deputados.
São os seguintes: - Adolpho Ferreira Loureiro, Alexandre Ferreira Cabral Paes do Amaral, Alfredo Baptista Coelho, Alfredo Carlos Le-Cocq, Antonio Ferreira Cabral Paes do Amaral, Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti, Antonio de Menezes e Vasconcellos, Antonio Rodrigues Nogueira, Antonio Simões dos Reis, Antonio Tavares Festas, Antonio Vellado da Fonseca, Arthur Pinto de Miranda Montenegro, Augusto Cesar da Silveira Proença, Augusto José da Cunha, Carlos de Almeida Pessanha, Domingos Tarrozo, Duarte Gustavo de Roboredo Sampaio e Mello, Eusebio David Nunes da Silva, Francisco Joaquim Fernandes, Francisco José Machado, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco, Francisco Xavier Correia Mendes, João Augusto Pereira, João Catanho de Menezes, João José Sinel de Cordes, João Monteiro Vieira de Castro, João Pinto Rodrigues dos Santos, João de Sousa Bandeira, Joaquim Heliodoro da Veiga, Joaquim Paes de Abranches, Joaquim Simões Ferreira, José Alberto da Costa Fortuna Rosado, José Antonio de Almada, José Augusto Lemos Peixoto, José de Azevedo Castello Branco, José Capello Franco Frazão, José Christovão do Patrocinio de S. Francisco Xavier Pinto, José Gonçalves da Costa Ventura, José Maria de Alpoim de Cerqueira Borges Cabral, José Maria de Oliveira Mattos, José Mathias Nunes, José Paulo Monteiro Cancella, José Pimentel Homem de Noronha, Lourenço Caldeira da Gama Lobo Cayolla, Luiz Fisher Berquó Poças Falcão, Manuel Homem de Mello da Camara, Manuel Paes de Sande e Castro, Manuel Telles de Vasconcellos, Martinho Augusto da Cruz Tenreiro, Miguel Pereira Coutinho (D.), Ovidio Alpoim Cerqueira Borges Cabral, Paulo de Barros Pinto Osorio, Salvador Augusto Gamito de Oliveira, Victorino de Avellar Froes e Visconde de Guilhomil.
Entraram durante a sessão os srs.: - Abel Pereira de Andrade, Affonso Augusto da Costa, Alvaro de Castel, Antonio Augusto de Sousa e Silva, Antonio Eduardo Villaça, Antonio José Lopes Navarro, Antonio Osorio Sarmento de Figueiredo, Antonio Ribeiro dos Santos Viegas, Antonio Teixeira de Sousa, Arthur Aloerto de Campos Henriques, Arthur de Sousa Tavares Perdigão, Augusto Fuschini, Emygdio Julio Navarro, Francisco Antonio da Veiga Beirão, Francisco José de Medeiros, Francisco Xavier Cabral de Oliveira Moncada, Guilherme Augusto Pereira de Carvalho e Abreu, Henrique Carlos de Carvalho Kendall, Henrique da Cunha Mattos de Mendia, João Ferreira Franco Pinto Castello Branco, João Marcellino Arroyo, João Pereira Teixeira de Vasconcellos, Joaquim Augusto Ferreira da Fonseca, Joaquim José Fernandes Arez, Joaquim da Ponte, José Adolpho de Mello e Sousa, José Dias Ferreira, José Gonçalves Pereira dos Santos, José Malheiro Reymão, Julio Ernesto de Lima Duque, Luciano Affonso da Silva Monteiro, Luiz José Dias, Manuel Antonio Moreira Junior, Manuel Augusto Pereira e Cunha, Manuel Francisco Vargas, Matheus Teixeira de Azevedo, Miguel Dantas Gonçalves Pereira, Paulo José Falcão, Pedro Mousinho de Mascarenhas Gaivão, Sebastião de Sousa Dantas Baracho e Visconde de S. Sebastião.
Não compareceram a sessão os srs.: - Abilio Augusto de Madureira Beça, Adolpho Alves de Oliveira Guimarães, Adriano Anthero de Sousa Pinto, Alberto Affonso Silva Monteiro, Albino de Abranches Freire de Figueiredo, Antonio Caetano de Abreu Freire Egas Moniz, Antonio Faustino dos Santos Crespo, Antonio Lopes Guimarães Pedroza, Augusto Guilherme Botelho de Sousa, Conde de Burnay, Conde de Caria (Bernardo), Conde de Idanha a Nova (Joaquim), Conde de Paçô Vieira, Francisco Barbosa do Couto Cunha Sotto Maior, Francisco Felisberto Dias Costa, Francisco Pessanha Vilhegas do Casal, Francisco Xavier Esteves, Frederico Alexandrino Garcia Ramirez, Frederico Ressano Garcia, Gaspar de Queiroz Ribeiro de Almeida e Vasconcellos, Ignacio José Franco, Jacinto Candido da Silva, João Lobo de Santiago Gouveia, Joaquim Rojão, Joaquim Saraiva de Oliveira Baptista, José Alves Pimenta de Avellar Machado, José Bento Ferreira de Almeida, José Braamcamp de Mattos, José Eduardo Simões Baião, José Estevão de Moraes Sarmento, José da Fonseca Abreu Castello Branco, José Gregorio de Figueiredo Mascarenhas, José Joaquim da Silva Amado, José Maria Barbosa de Magalhães, José Mendes Veiga de Albuquerque Calheiros, José Osorio da Gama e Castro, José Teixeira Gomes, Libanio Antonio Fialho Gomes, Luiz Cypriano Coelho de Magalhães, Luiz Pereira da Costa, Manuel Affonso de Espregueira, Ma-
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2 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
rianno Cyrillo de Carvalho, Polycarpo Pecquet Ferreira dos Anjos, Visconde de Mangualde, Visconde da Ribeira Brava e Visconde da Torre.
Acta - Approvada.
EXPEDIENTE
Officios
Do ministerio do reino, participando, em satisfação do requerimento do sr. deputado Affonso Costa, que n'este ministerio nada consta ácerca da condemnação o destino dos réus incursos nas disposições penaes da carta do lei de 13 de fevereiro de 1896, por ter assumpto alheio á competencia d'esta secretaria d'estado.
Á secretaria.
Do mesmo ministerio, participando, em satisfação ao requerimento do sr. Affonso Costa, que n'este ministerio não deram entrada os relatorios sobre a prohibição do comicio que na cidade do Porto devia ter-se realisado em 31 de maio ultimo, e sobre os factos Decorridos no recolhimento chamado do Bom Pastor.
Á secretaria.
Do tribunal de verificação de poderes, remettendo nota da retribuição arbitrada aos juizes da relação do Porto pelo serviço prestado n'este tribunal.
Á secretaria.
Projecto de lei
Senhores. - Muitas leis têem consignado o justo principio de o estado soccorrer as familias dos homens que heroicamente se distinguiram na defeza da sua patuá, e prestaram relevantes serviços, expondo por ella a sua vida. Este principio torna-se um dever moral, quando a pobreza n a doença chegam a inutilisar, conduzindo á desgraça os legitimos descendentes de um nome illustre, a quem o paiz deve considerar.
Ora, na petição de documentos, que hoje tenho a honra de enviar para a mesa, em que baseio o presente projecto mostra-se:
Que D. Anna Rosa Ferreira Brandão é filha do fallecido capitão do 2.° batalhão movei nacional do Lisboa, Ezequiel Antonio Ferreira Brandão.
Que este official foi agraciado por D. Luiz I com o grau de cavalleiro da Torre Espada pela intrepidez com que procedeu n'um combate, dispersando o inimigo e conservando-se constantemente no commando da sua companhia apeaar do gravemente ferido.
Que por este feito heroico lhe foi concedida a reforma com o soldo por inteiro.
Que sua filha D. Anna Rosa Ferreira Brandão é pobre o está quasi cega, não podendo por isso grangear os meios de sustento de que carece.
Todos estes factos me parecem attendiveis e dignos de merecerem a consideração da camara. Portanto, á similhança do que em identicas circumstancias se tem praticado julgo estar justificado o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° É concedida a D. Anna Rosa Ferreira Brandão filha do fallecido capitão Ezequiel Antonio Ferreira .Brandão, gravemente fendo em combate, uma pensão mensal de 12$000 réis.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da sessões da camara dos senhores deputados, aos 4 de junho de 1900. = O deputado pelo circulo de Ceia, Joaquim Augusto Ferreira, da Fonseca.
Foi admittido e enviado ás commissões de guerra e de fazenda.
O sr. João Augusto Pereira: - Sr. presidente, pedi a palavra para mandar para a mesa a seguinte
Proposta
Proponho que seja eleita uma commissão parlamentar de sete membros, que poderá funccionar no intervallo das sessões, e ficará encarregada do estudar os meios de colonisar os terrenos incultos da nossa provincia do Alemtejo, devendo apresentar ás cortes um projecto de lei para o alludido fim. = João Augusto Parara,.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta minha proposta seja considerada como urgente
Consultada a camara, resolveu affirmativamente; em seguida foi posta em discussão a proposta e votada sem discussão.
O sr. João Pinto Rodrigues dos Santos: - Mando para a mesa uma representação dos 40 maiores contribuintes de todos os concelhos do districto de Castello Branco, pedindo que seja approvado o projecto de lei da caça, apresentado pelo sr. deputado Paulo Cancella, e peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que seja publicado no Diario do governo.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Francisco José Machado: - Sr presidente, eu desejaria muito usar da palavra estando presente o sr. ministro da fazenda, mas como s. exa. não está na sua cadeira, não deixarei por isso de fazer as considerações que me propunha fazer á camara e espero que o illustre ministro das obras publicas as transmittirá a s. exa.
Na carta de lei de 13 de março de 1864 e no regulamento de 22 de dezembro do mesmo anno, que trata do fabrico e cultura do tabaco, vem uma disposição que me parece de todo o ponto necessario ser esclarecida, para evitar os vexamos a que tem dado origem.
O artigo 4.° da citada lei de 186,4, para o qual chamo a attenção da camara, o logo direi porque, diz o seguinte:
"A cultura do tabaco (herva santa) e a conservação da sua producção espontanea ficam expressamente prohibidas no continente do reino."
Está certo, está correcto, mas o que não está correcto é a applicação que os empregados fiscaes têem dado a estas palavras, - e a conservação da sua producção espontanea. Eu direi em breve á camara o abuso que se tem feito d'estas palavras.
Sr. presidente, o regulamento á lei a que me acabei de referir, no seu artigo 94." diz o seguinte:
"Aquelle que no continente do reino cultivar tabaco (herva santa), ou conservar a sua producção espontanea, será punido com a multa de 2$000 a 200$000 réis e com prisão do tres dias a seis mezes, na conformidade do artigo 32.° da lei de 13 de maio de 1864.
"§ 1.° A reincidencia será punida com o dobro da multa e dobrado tempo de prisão, fixado n'este artigo.
"§ 2.° As plantas serão arrancadas e queimadas pela auctoridade publica. A despeza d'este serviço será paga pelos infractores."
Agora vou expor á camara os vexames a que tem dado logar a má interpertação d'esta lei e os grandissimos inconvenientes para os proprietarios que não conhecem a chama herva santa.
A lei diz o seguinte:
"Á cultura do tabaco (herva santa) e a conservação da sua producção espontanea ficam expressamente prohibidas no continente do reino."
Conservar! Como é que um individuo conserva uma cousa se não tem conhecimento d'ella?
Parece que esta palavra indica que é necessario que o individuo tenha conhecimento da existencia da herva santa e propositadamente a conserva para fazer uso d'ella.
Sendo assim, está bem todo o rigor que se exerça, para quem propositadamente conserva uma planta absolu-
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tamente prohibida; porem, tem-se feito um largo abuso e victimado quem não conhece a planta e nem ao menos suspeitava da sua existencia.
Toda a gente sabe que a herva santa tem uma propagação enorme e por mais deligencia que se faça para a sua extincção, reproduz-se de uma maneira extraordinaria. Os empregados do fisco chegam a vexar os proprietarios, obrigando-os a pagar umas multas exorbitantes, arrastando-os a prisão, tendo a mais completa certeza de que elles ignoravam a sua existencia e desconheciam por absoluto a planta.
Todos sabem, como já disse, que a herva santa reproduz-se de uma maneira extraordinaria e que póde ser levada pelo vento, nos bicos das aves, etc., etc.; reproduz-se nos troncos das arvores e nas paredes velhas, nas pedras, nos terrenos mais safaros e até nas charnecas onde não houve nunca cultura. Será justo que o proprietario de um terreno onde apparecem alguns pés d'esta herva, soffra os rigores de tão dura lei, quando se prove á evidencia que não tinha conhecimento da sua existencia?
Necessariamente o legislador não quiz que a lei se applicasse tão duramente. Posso affirmar a v. exa. que tenho visto praticar pelos guardas fiscaes verdadeiros abusos, em casos em que o proprietario não tinha conhecimento da existencia nos seus terrenos de similhante planta. Ha tempo estava eu n'uma terra da provincia o vi um velho do setenta e tantos annos, um padre respeitavel, entrevado, que ia preso por terem sido encontradas pelos guardas fiscaes e apprehendidas no seu quintal inculto, junto de um muro arruinado, cinco plantas de herva santa que elle não conhecia, que nunca tinha visto e não sabia da sua existencia.
Estas cinco plantasinhas de herva santa, que eu vi pela primeira vez e que se as tornar a ver não as conheço, tinham apparecido arrumadas a um muro velho de um quintal inculto.
Esta planta tinha as dimensões e a configuração da planta de couve quando se tira do viveiro para ser disposta nos canteiros das hortas. Era absolutamente evidente que elle não conservava no seu quintal cinco pés de herva santa e não tinha conhecimento da sua existencia, pois não lhe valeu nada d'isto para soffrer todos os rigores da lei.
Este padre tinha estado entrevado todo o inverno, havia muitos mezes não ia ao seu quintal, que nem sequer estava amanhado, era um padre morigeradissimo nos seus costumes, a honra do clero portuguez, não póde evitar de ser preso pela guarda fiscal, soffrendo vexames extraordinarios e foi precisa a intervenção de todos, para não ir para a cadeia, mas não se póde evitar de pagar a multa. Chamei a attenção do commandante da guarda fiscal para este facto e elle respondeu-me: a lei manda-me proceder d'esta forma e não posso evitar todas as consequencias que d'ella derivam.
A muito custo se póde conseguir que o padre não fosse para a cadeia, pagando apenas a multa.
Este grande delinquente era o padre José de Amorim, da villa de Obidos, ha muito impossibilitado de fazer serviço, pela sua idade e pela suas enfermidades. Nada lhe valeu, para que o levassem proso para Peniche, a 4 leguas de distancia da sua terra, afiançado por todos, como um modelo do bom cidadão, que nunca tinha sido preso na sua vida. De Peniche estava destinado a marchar immediatamente para a cadeia das Caldas, a 6 leguas distante d'aquella villa pelo grande crime praticado e que não podia merecer perdão.
O que se deu com este homem, tem-se dado com muitos outros, de que eu tenho conhecimento e vou tambem referir á camara.
Apesar do attestado de todos as pessoas de consideração, de que o padre Amorim era incapaz de conservar no quintal a herva santa, se tivesse conhecimento d'ella, nada lhe serviu. Entendeu-se que elle era um grande criminoso, para o qual não podia haver perdão.
Sr. presidente, dizia-nos o empregado encarregado de applicar esta multa e de fazer cumprir esta penalidade: eu não podia fazer o contrario, porque parte da multa é Dará os guardas e elles, se isto se não fizer, ficam prejudicados! Devo dizer que o official a que me refiro, era um official distincto e cumpridor dos seus deveres, mas entendeu que não estava nas suas faculdades proceder de outro modo.
Oh! sr. presidente, isto é uma atrocidade!
Póde a gente ser castigado por um delicto que não commetteu?
Realmente, quem applicar a pena, deve ter o criterio sufficiente para não levar as cousas a este extremo. Conheço um cavalheiro de uma alta respeitabilidade, tão grande que não póde ser excedida, que está preoccupadiasimo com estes casos que se têem dado e foi elle que me pediu que chamasse a attenção dos poderes publicos, a fim do evitar que pessoas de respeitabilidade e verdadeiros innocentes soffram um vexame como o que acabo de expor. Tem elle uma propriedade, onde de quando em quando apparece a herva santa sem se saber como lá foi parar.
Tem empregado todos os meios para a exterminar por completo e, não obstante isso, todos os annos se reproduz e lá apparece, umas vezes nos muros de uma casa velha, outras por entre as pedras, etc., etc.
Tem mandado picar as paredes, rebocal-as e não ha meio de se ver livre da herva. Prova á evidencia que tem empregado todos os meios, ao seu alcance, para fazer desapparecer esta planta, mas não tem podido conseguir. Mal ella apparece, manda logo destruil-a.
Póde um individuo, n'estas condições, estar sujeito aos vexames de tão dura lei, applicada sem criterio de guardas fiscaes, que a nada attendem senão á parte que lhes póde pertencer da multa applicada? Appcllo para a consciencia da camara.
Parece-me que, sem prejuizo nem para o estado, nem para a companhia dos tabacos, se póde remediar este estado de cousas de maneira a evitar que os innocentes soffram vexames d'esta natureza.
Sr. presidente, vou ainda referir um outro caso, de que tive conhecimento, analogo ao que acabei de expor.
Haverá dois ou tres annos, na estrada publica que vae dar á villa de Obidos, proximo da povoação da Delgada, onde um pobre homem tem uma pequena casa, passaram os guardas fiscaes, e vendo umas pequenas plantas de herva santa, perguntaram pelo referido dono e responderam-lhe os vizinhos que estava na eira, no seu serviço de debulha.
Mandaram-n'o logo chamar. Veiu immediatamente e os guardas disseram-lhe: você tem aqui herva santa e esta herva é prohibida.
Mas eu não a conheço e ali atrás da casa, para o lado da estrada, ainda tenho mais alguns pés d'essa herva, que eu não sei como se chama e de que nenhum caso tenho feito.
Pois saiba que esta herva é para fazer tabaco, e está preso.
Levaram-n'o logo para Peniche, sem elle ter culpa alguma, e ficando espantado pelo que lhe succedia, assim como os vizinhos que tal presenciaram.
Os seus vizinhos e amigos acompanharam-o e declararam que elle nenhuma culpa tinha, e que, se appareceu essa herva e não a tinha logo destruido, era porque não a conhecia.
Pois nada d'isso lhe valeu e foi preso, como disse, para Peniche, a 4 leguas de distancia de sua casa.
Depois de muitas peripecias, foi enviado para as Caldas, sede da comarca, onde se póde afiançar. N'isto levou dois ou tres dias, em que a familia e os amigos estiveram.
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na maior anciedade. Foi depois julgado e absolvido, mas ficou-lhe a brincadeira em mais de 40$000 reis!
Este homem chama-se João Amaro e reside na Delgada, do concelho de Óbidos.
Como estes dois factos por mim presenciados, ha muitos outros que têem chegado ao meu conhecimento, e portanto me parece que se deve, quanto antes, evitar que se repitam.
Sr. presidente, é necessario, por todos os meios, que ao povo, já sobrecarregado por tantas impostos, não vá cair ainda em cima o abuso da lei, e, para o evitar, parece-me que haverá um meio, sem prejudicar os interesses do thesouro e da companhia dos tabacos, o qual é o seguinte additamento ao artigo 94.° do regulamento a que me tenho referido:
O additamento seria o seguinte: "Quando, porem, se prove que o possuidor da propriedade, em que for- encontrada a herva santa, ou quem a administrar, ou d'ella tomar conta, ignorava a sua existencia, ou diligenciou extinguir a sua producção expontanea, ficará unicamente sujeito á despeza a que se refere o § 2.° d'este artigo."
Parece-me que com esta pequena aclaração, deixarão da se repetir os vexames que já tem havido, á sombra de uma lei mal interpretada, e que traz receosas muitas pessoas serias e da maior respeitabilidade, que não estão livres de alguma vez, sem rasão absolutamente nenhuma, passarem pelo desgosto de serem presas por existir nas suas propriedades, sem o saberem, essa herva santa.
Para estes factos chamo a attenção do sr. ministro da fazenda, e declaro a v. exa. e á camara, que não é por minha iniciativa que trato d'este assumpto, mas sim porque muitas pessoas importantes e homens da maior respeitabilidade me pediram que fizesse esta aclaração e solicitasse do sr. ministro da fazenda as providencias devidas para que taes abusos se não repitam.
Peço, portanto, ao sr. ministro das obras publicas a fineza de transmittir ao seu collega da fazenda as considerações que acabo de fazer, e com as quaes toda a camara concordará.
Sr. presidente, aproveito a oceasião de estar com a palavra, a fim de chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas para um assumpto que corre directamente pela sua pasta.
S. exa., como todos sabem, com a sua notavel actividade e intelligencia, tem procurado, por todos os meios ao seu alcance, beneficiar a agricultura. (Apoiados.)
Este facto é reconhecido e attestado por todos, dentro e fora d'esta casa. Bastantes manifestações de apreço tem s. exa. recebido, attesiando o que acabo de afirmar. Mas tambem é um facto que algumas das providencias tomadas por s. exa. a bem da agricultura, e cuja execução depende dos seus collegas, não têem sido cumpridas. S. exa. não tem culpa d'isto, mas o facto que vou citar, mostra a necessidade de se empregarem esforços para que as leis votadas no parlamento sejam compridas, a fim de se tirar proveito d'ellas. (Apoiados.)
Quando vier á discussão o projecto vinicola, hei de mostrar á camara quanto serão inuteis os esforços de s. exa., emquanto a agricultura estiver sobrecarregada com innumeras contribuições, que todos os annos se aggravam mais e mais. (Apoiados.) Agora corre a lenda de que a agricultura é que ha de pagar, tudo, porque ella está rica, prospera e desafogada. Eu mostrarei que ha um manifesto e verdadeiro engano.
O sr. ministro quer alliviar a agricultura por um lado, e por outro lado esta é sobrecarregada com enormes encargos. É necessario que as medidas de s. exa., com o intuito bem louvavel de beneficiar a agricultura, tenham plena execução. (Apoiadas.)
Quero chamar a attenção de s. exa. para a lei de 26 de julho de 1899 que foi votada n'esta e na outra casa do parlamento. Esta lei diz o seguinte, na sua base 6.ª: "A fim de facilitar a unificação dos typos dos vinhos nas respectivas regiões, será modificado o regulamento vigente por fórma que o viticultor possa recolher ou adquirir qualquer porção de uva, mosto ou vinho proveniente do proprio concelho, sem que por isso fique sujeito a ser considerado especulador ou negociante, comtanto que não venda directamente o vinho para consumo".
Ora, ninguem póde deixar de reconhecer a vantagem extraordinaria que o emprego d'esta medida traria para a beneficiação dos diversos typos de vinhos, porque muitas vezes os vinhos com que os lavradores ficam da sua producção não chegam para as beneficiações, nem para atestar os toneis.
Pois, se os lavradores comprarem vinhos, são logo considerados como negociantes, ficando sujeitos a todos os encargos que sobrecarregam esta classe. Este facto é gravissimo, e melhor seria que se declarasse que a lei não se cumpria, porque evitava que os lavradores fizessem as. des-pezas, fiando-se no cumprimento d'ella. (Apoiados.)
A base 8.ª diz ainda o seguinte: "Serão isentos do imposto de licença e contribuição industrial as fabricas e fabricantes de aguardente de vinho, borras de vinho, bagaço de uva e agua-pé".
E desnecessario dizer que esta disposição era salutar e vinha trazer immensas vantagens aos lavradores, por isso que permittia que fabricassem aguardente de vinho, bagaço e agua-pé com isenção das respectivas contribuições.
Pois, sr. presidente, não se cumpre tambem esta disposição da lei que é expressa, o que é um gravissimo inconveniente para os lavradoros. (Apoiados.) Para que serve então estarmos a discutir aqui propostas de lei, votal-as, se não hão de ter execução?
E já que me refiro a assumptos agricolas, tambem chamo a attenção do sr. ministro da fazenda para um facto que diz respeito ao circulo que tenho a honra de representar em cortes. Devo declarar, para ser franco, que particularmente fallei já com o sr. ministro da fazenda e que s. exa. mostrou a melhor boa vontade em satisfazer o pedido que lhe fiz.
Vou expol-o á camara. No concelho de Terras Novas ha uma quantidade immensa de alambiques e a lei de 1885 obriga que estes alambiques - que em geral não passam de 700 litros de capacidade - sejam aferidos todos os annos.
Estes alambiques são destinados a distillação do figo que abunda n'aquella região e é como o vinho, um producto da nossa industria agricola.
Ora v. exa. comprehende bem a despeza e incommodos que acarreta para o proprietario do alambique, o soffrer todos os annos uma aferição, como se fosse uma medida de capacidade. Não é só o preço da aferição, mas o transtorno e incommodo que essa aferição póde causar, porque succede que muitas vezes o aferidor quer ir n'um dia certo, e n'esse dia o dono do alambique tem que fazer, e outras vezes, o dono qutr que o aferidor vá n'um certo dia, e elle não póde ir.
Parecia-me pois conveniente, que os alambiques de 700 litros de capacidade, fossem aferidos uma só vez, porque não resultando d'aqui diminuição de receita para o estado, nem com a aferição resulta beneficio nenhum para o thesouro, visto que este nada recebe.
A camara municipal de Torres Novas já representou n'este sentido ao sr. ministro da fazenda e eu espero que s. exa. dê as devidas providencias para a attender.
Consta-me que a repartição por onde corre este assumpto, diz que os alambiques são medidas de capacidade, e portanto têem como estas de ser aferidas todos os annos; mas na minha opinião, parece-me que não ha paridade entre os alambiqvies que, são fixos, assentes em massame
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de alvenaria e as medidas de capacidade, sempre faceis de ser substituidas e deterioradas.
As medidas de capacidade em geral são pequenas, e podem facilmente ser trocadas e alteradas, mas um (alambique, que é fixo, não póde ser facilmente alterado, e substituido, não podendo portanto ser considerado esse apparelho como propriamente tuna medida do capacidade.
Quando se reconhecer, todavia, que o proprietario de um alambique o alterou, fixe-se então uma muita, que lhe tire a vontade de fazer estas alterações sem dar o devido conhecimento á auctoridade competente, para lhe ser applicada a contribuição correspondente.
Parece-me que o sr. ministro tem vontade de providenciar a este respeito, o que deveras estimarei.
Permitta-me v. exa., sr. presidente, que eu, que tenho fallado pouco este anno a ponto de já quasi estar desacostumado de fallar, aproveite a occasião de estar com a palavra para contar um caso verdadeiramente extraordinario de que eu tive conhecimento, quando fui governador civil do districto de Santarem.
Chegou ao meu conhecimento, poucos dias depois de ter assumido a administração do districto, um facto que julguei extraordinario e que me pareceu inverosimil. Uns individuos que possuiam alambiques em Torres Novas, foram na epocha competente tirar a respectiva licença á repartição de fazenda, mas foi-lhes dito pelo escrivão que não podia passar as referidas licenças, porque tinha vindo ordem da estação competente dizendo que essas licenças tinham de ser tiradas em modelos novos, e que esses modelos ainda não tinham chegado.
Passado algum tempo os proprietarios voltaram á repartição de fazenda, pois que lhe era indispensavel & licença para começarem a distilar o figo que estava já em estado de fermentação e se o não distilassem immediatamente estragar-se-ia.
Na repartição disseram-lhes que ainda não tinham chegado os modelos, e o escrivão de fazenda alvitrou que pagassem o imposto, sendo-lhes passado um recibo provisorio, e que mais tarde, quando chegassem os modelos, se passaria o documento definitivo.
Os proprietarios foram á recebedoria, pagaram o imposto respectivo, e foi-lhes passado o recibo provisorio.
Parecia que tudo estava reahsado e que nenhum receio podiam ter.
Estavam a distilar quando appareceu o fiscal do sêllo.
- Deixe ver a sua licença?
- Nós não temos documento legal da licença, mas já a pagámos.
Contaram como as cousas se tinham passado; pois apesar d'isso foram multados n'uma multa extraordinaria e tiveram de pagar sem tugir nem mugir.
Achei este facto tão extraordinario que não o acreditei.
Porem, como insistissem na sua veracidade, mandei officiar a todas as auctoridades, delegado do thesouro, administrador do concelho, escrivão de fazenda, etc., e todos me confirmaram este extraordinario caso de multa lançada sobre os proprietarios dos alambiques, que tinham pago a sua licença, mas que não possuiam documento legal, não por culpa d'elles, mas por não terem chegado os novos modelos a tempo.
Officiei para Lisboa, dando parte d'este extraordinario abuso e verdadeira extorsão, pedindo para se restituir o que abusivamente tinha sido tirado aos proprietarios.
O que é facto é que elles não receberam, e os empregados respectivos abotoaram-se com o producto de uma multa indevida.
Sr. presidente, o povo já está tão sobrecarregado de impostos, que o governo lhe exige para satisfazer as despezas do paiz e alem d'isso as auctoridades a praticarem d'estas violencias, que a meu ver constituem verdadeiros crimes que não são punidos. (Apoiados.)
Sr. presidente, eão extraordinarios os abusos que se praticam lá fora e é necessario que o povo tenha paciencia levada ao extremo para soffrer tudo isto.
Não obstante ter o povo de pagar o que as leis exigem, é mal tratado, quasi sempre, quando vae ás repartições publicas pedir esclarecimentos.
Mal se imagina o que o povo soffre.
Paga tudo quanto lho exigem e é mal tratado.
Será por estes processos que se protege a agricultura?
Ninguem o dirá.
Sr. prssidonte, como disse, o illustre ministro das obras publicas tem as melhores intenções, ninguem o duvida, tem publicado providencias salutarissimas, relativamente á agricultura, mas tambem com franqueza o digo, que nem todas são proficuas, não por vontade de s. exa., mas porque os lavradores não têem conhecimento d'ellas.
Eu vou dizer a v. exa. a rasão d'isto.
A maior parto da gente das aldeias não têem conhecimento de que existe o Diario do Governo e muitas pessoas que sabem que elle existe não o lêem.
Como ha de o lavrador, que trabalha nos campos durante o dia e que chegando á noite a casa não pensa mais sendo em descançar, para no outro dia se levantar e continuar no seu labor quotidiano, como ha de, repito, saber que existem estas providencias salutares, se não lê o Diario do Governo, se não tem conhecimento do que elle existe?
Póde s. exa. ter a certeza que a maior parte do paiz não tem conhecimento das suas providencias.
V. exa. publicou umas medidas salutares, que eram de um grande alcance para a agricultura, mas que são, por assim dizer, inefficazes, porque quasi toda a gente as desconhece.
Refiro-me á providencia que v. exa. publicou, para que o proprietario possa requisitar o agrónomo, sem nada gastar, para lhe dizer qual a planta que ha do adaptar a um certo terreno que quer encher de vinha, porque effectivamente s. exa. sabe que muitas das vinhas têem sido perdidas por não se escolher a casta do bacello apropriado ao terreno e que não só adaptaram áquelle solo.
Posso garantir a s. exa. que muitos dos nossos collegas não sabiam d'esta salutar medida do sr ministro das obras publicas.
Veiu ella tarde, porque os proprietarios plantaram bacellos que não se adaptaram aos seus terrenos.
Se nós, que somos deputados da nação e recebemos todos os dias o Diario do Governo, não sabemos estas cousas, como querem que os lavradores as saibam?
S. exa. está a trabalhar em pura perda.
É necessario que s. exa. faça mais alguma cousa do que já tem feito.
Sei que s. exa. não precisa dos meus conselhos, mas o que s. exa. devia fazer, a meu ver, era estabelecer os cursos práticos ambulantes, como se faz na Italia, na Hungria e n'outros paizes, e mandar os agrónomos pelas aldeias ensinar praticamente aos lavradores como haviam de preparar as suas terras como as deviam adubar, seleccionar as sementes, quaes as mais proprias para o seu terreno, epocha em que deviam fazer as sementeiras, qual o regimen florestal mais apropriado á sua zona, etc., etc., difundir, emfim, pelos agricultores a sciencia pratica de fazer produzir a terra, para que ella possa dar o melhor e o mais abundante fructo.
O sr. ministro das obras publicas devia ainda mandar imprimir em folhetos as suas providencias e distribuil-os gratis pelos lavradores.
Se estes folhetos, que podiam custar muito pouco, bastava para isso aproveitar a composição do Diario do Governo, fossem espalhados por todo o paiz, ficava-se sabendo que havia um ministro que ensinava e pugnava pelos interesses da agricultura.
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Do contrario, exceptuando os homens mais intelligentss o talvez os maiores proprietarios que têem conhecimento das providencias salutares e de extraordinario alcance que s. exa. tem publicado, o resto do paiz não terá nunca conhecimento d'essas providencias, porque a muitas partes do paiz ainda não chegam os jornaes diarios e a maior parte do povo das aldeias não lê, a não ser o padre. (Apoiados.)
A agricultura é a nossa principal riqueza e é necessario olhar para ella com a mais desvelada attenção.
Estamos ainda muito atrazados, não obstante o muito que se tem trabalhado.
Por isso, parecia-me conveniente, como complemento dos trabalhos do sr. ministro, que s. exa. mandasse agrónomos, que só apparecem nas localidades quando são chamados, fazer cursos ambulantes, práticos, á altura de todos.
E alem d'isto, como complemento das publicações que v. exa. faz no Diario do Governo, mandasse fazer uns folhetos baratos, espalhando-os pelo paiz. (Apoiados.)
Não é uma despeza com que o paiz não possa, porque ella ha de ser muito reduzida, se se fizer como eu indico, aproveitando a composição do Diario do Governo.
Parece-me que estas duas providencias deviam de ser de grande utilidade para a agricultura. (Apoiados.)
Como não desejo tirar mais tempo á camara, embora tivesse de tratar de outros assumptos, que ficam para outra occasião, termino, pedindo desculpa ao illustre ministro das obras publicas da minha ousadia em vir fazer advertencias de que s. exa. com certeza não precisa.
Tenho dito.
O sr. Ministro das Obras Publicas (Elvino de Brito): - Começa, agradecendo algumas palavras benévolas que o sr. deputado lhe dirigiu.
Com relação á interpretação dada á lei de 13 de março de 1864, deve declarar que, effectivamente, o assumpto é muito importante, e elle, orador, não discorda, por completo, das observações de s. exa.
Os inconvenientes apontados pelo illustre deputado, e que resultam da interpretação dada áquella lei, estão evidenciados em repetidos factos. Um d'elles, por exemplo, deu-se, sendo ministro das obras publicas o sr. Campos Henriques. O agrónomo director da quinta districtal de Evora, funccionario distinctissimo, foi victima da severidade do fisco por causa da herva santa que appareceu n'aquella quinta. Officiou-se então para o ministerio da fazenda, no intuito de se conseguir que aquelle empregado não sofresse vexames; e todavia nada se conseguiu.
N'este e n'outros casos, o que é incontestavel é que os ministros têem empregado esforços para que se suavisem os rigores da lei, e está certo de que o sr. ministro da fazenda não deixará tambem de chamar a attenção dos empregados respectivos para que se attenue, quanto possivel, a severidade que costumam empregar.
Pelo que toca ao alvitre apresentado pelo sr. deputado, de ser admissivel a prova de boa fé, entende que ainda n'este caso, as dificuldades continuariam as mesmas.
A seu ver, pois, o que se deve fazer é suavisar, quanto possivel, a execução da lei, dando-lhe uma interpretação mais conforme com o seu espirito.
Em referencia & isenção de impostos sobre a uva comprada para unificação de typos de vinhos e sobre a fabricação de aguardente de bagaço e de agua-pé, tem a observar que a execução da lei depende da publicação de regulamentos, cuja redacção foi incumbida a corporações competentes, mas que ainda os não apresentaram. Pela sua parte já tem instado pela conclusão d'esses trabalhos, e está disposto a empenhar todos os seus esforços para que elles se ultimem.
Pelo que diz respeito aos alambiques, está de accordo com o illustre deputado, e crê que o sr. ministro da fazenda não deixará de providenciar para que evitem aos lavradores incommodos desnecessarios.
Por ultimo, o orador, referindo-se aos alvitres, apresentados pelo sr. deputado, para se tornarem conhecidas as providencias do ministerio das obras publicas, diz que este serviço é feito, em outras nações, pelos syndicatos agricolas, e assim comprehende-se que se colha o resultado desejado. Entre nós, porem, só agora, o principio associativo se vae desenvolvendo, e este, na sua opinião, póde fazer mais do que o governo, no que respeita aos interesses locaes.
Quanto á distribuição dos boletins, de que fallou o illustre deputado, lembra a s. exa. que nas aldeias sertanejas só o padre lê, e é certo que alguns d'elles têem prestado bons serviços, indicando aos seus parochianos as providencias governativas; mas não é só isto; para que os boletins chegassem a todos, seria necessario distribuir uma enorme quantidade d'elles, tendo ao mesmo tempo de ser grande o numero dos agentes.
Por ultimo, o com relação ás conferencias dos agrónomos, diz o orador que ellas já existem; mas, infelizmente, quando se annunciam, aquelles fnnccionarios encontram nas salas apenas as cadeiras.
(O discurso será publicado na integra quando s. exa. o restituir.)
O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa uma representação dos fabricantes de costumes estabelecidos na cidade e concelho de Guimarães, contra a proposta de lei n.° 21-F, apresentada pelo governo, que elles julgam prejudicial ao trabalho nacional. Supponho que ainda não ha parecer sobre essa proposta e parece-me que a representação ainda vem a tempo.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que ella seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Sande e Castro: - Sr. presidente, pedi a palavra para, como representante de um circulo que é um dos principaes centros de producção vinicola, me associar ás palavras proferidas, n'uma das sessões passadas, pelo meu illustre collega o sr. Antonio Cabral, quando pediu ao sr. ministro da fazenda que prestasse toda a sua attenção ao assumpto da falsificação, que se dizia existir nas marcas de vinhos em transito para o Brazil.
É este assumpto dos de mais capital importancia no momento actual e dos mais dignos de occuparem a attenção do parlamento. (Apoiados.)
A questão dos vinhos é hoje d'aquellas com que de preferencia nos devemos preoccupar, áquella a cuja resolução o governo deve primordialmente dedicar todos os esforços.
Pois, sr. presidente, n'esta occasião em que por todas as formas nos empenhamos em descobrir mercados novos para os nossos vinhos, n'esta occasião em que está prestes a discutir-se n'esta casa do parlamento uma proposta apresentada pelo sr. ministro das obras publicas, sempre incansavel na sua muita dedicação pelo desenvolvimento da agricultura, (Apoiados.) e que tão largo horisonte póde abrir ao nosso commercio de vinhos, quando nas associações, nos centros vinicolas, em toda a parte se pede ao governo que tome urgentes providencias, não só para desenvolver os mercados antigos, como para procurar outros novos, é triste ver que ha ainda n'este paiz quem procure não só entravar estas diligencias, mas até fazer com que os nossos vinhos fiquem desacreditados nas praças estrangeiras e principalmente no Brazil, (Apoiados.) que é o nosso principal mercado. (Apoiados.)
O sr. ministro da fazenda prometteu estudar detidamente o assumpto da falsificação do marcas nos barris de vinho que eram enviados para o Brazil, vindos de Hespanha.
Como aqui se disse, entre os barris d'esse vinho que
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vinha em transito, encontraram-se dez com marcas evidentemente falsificadas. (Apoiados.)
Contra essa falsificação encontram-se nas nossas leis disposições penaes (Apoiados.) e que o sr. ministro da fazenda deve applicar sem contemplações, com toda a força que a lei lhe der. (Apoiados.)
E se s. exa. vir que as penas comminadas na lei não são bastantes severas, não deve hesitar em trazer ao parlamento uma proposta para que estas penas sejam aggravadas e rigorosamente castigados os prevaricadores (Apoiados.)
Parece não haver duvidas que no artigo 5.°, § 2.° da lei de 4 de junho de 1883 que regula sobre o assumpto, está incluida a hypothese que se deu agora.
Assim, diz:
(Leu.)
Estes vinhos procediam de Hespanha em transito para o Brazil e foram pedidos aqui a despacho de reexportação, tendo-se encontrado alguns barris com a marca -Collares - procedencia garantida.
Parece-me que é clara a falsificação, segundo a lei. (Apoiados.)
As penas applicaveis, vem expressas na lei, que diz o seguinte:
(Leu.)
O numero 2.° e o numero 4.° dizem o seguinte:
(Leu.)
Creio que se citam quintas que nunca existiram em Portugal, e muito menos em Collares.
Sr. presidente, é absolutamente necessario pôr um termo a esta especie de contrabando que se se deixar medrar, póde causar incalculaveis desastres ao nosso commercio licito e á nossa agricultura.
Agora appareceram estes barris com a falsificação da marca do vinho de Collares, e ámanhã apparecerá a falsificação do vinho- do Porto, da Madeira e de todos os outros.
Toda a gente sabe que lá fora, na America, em França e na Allemanha, não é raro verem-se estabelecimentos em que se vendem falsificados os nossos melhores vinhos e até já houve um em Pana, creio eu, em cuja taboleta se lia, em letras enormes: "Aqui se fabrica o verdadeiro vinho do Porto!"
N'estas circumstancias, todas as penas que se imponham aos contrafactores, são pequenas, e não é demais pedir aos poderes publicos que usem dos rigores mais excessivos contra factos d'esta ordem, que, no estado em que a nossa agricultura se encontra, constitue um verdadeiro crime.
O sr. Presidente: - Previno o illustre deputado que faltam apenas cinco minutos para se entrar na ordem do dia.
O Orador: - Vou terminar já as minhas considerações.
Eu fallo tanto mais á vontade, quanto é certo que não sei, nem quero saber, quem foram os auctores da falsificação.
Sei só que A fizeram, e peço que todos os rigores da lei lhes sejam applicados.
De certo esses falsificadores são estrangeiros, porque ninguem póde acreditar que um portuguez praticasse similhante fraude, em detrimento dos interesses do seu paiz; mas, apesar d'isso, ha de haver na lei meio de lhe poder ser applicado um castigo severo.
Concluo, porque não quero cançar mais a attenção da camara, dizendo ainda que é muito para louvar a iniciativa tomada pelo illustre deputado e meu amigo, sr. Antonio Cabral, (Apoiados.) que procura sempre zelar com verdadeira dedicação os legitimos interesses, do paiz; e tenho a certeza que todos os meus collegas que representam circulos onde o commercio dos vinhos é dos mais importantes, hão de unir-se a s. exa. para pedir ao sr. ministro da fazenda que castigue severamente os contraventores da lei ou que a esclareça se ella d'isso carecer, por forma que do uma vez se acabo com tal vergonha.
O sr. Antonio Cabral: - Parece-me que a lei é bem clara e que o artigo 30.º do decreto citado por v. exa. permiite a apprehensão tal como ella se fez.
O Orador: - Tambem é esse o meu parecer e o artigo 8.° do tratado com a Hespanha confirma esta opinião.
Por isso, repito, não só o governo deve proceder energicamente, mas tambem nós não devemos deixar passar nem um dia sem fallamos a este respeito, e podemos, ao menos aqui, fazel-o com todo o desassombro, porque ainda não chegou a esta camara o processo que se segue para a imprensa: os nossos discursos não podem ser querellados.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
O sr. Francisco Ravasco: - Mando para a mesa uma representação da camara municipal de Serpa, em que pede que não seja approvado o projecto de lei sobre o fundo destinado á assistencia nacional aos tuberculosos. Esse fundo é de 30 contos de réis, e esta camara tem muito poucos rendimentos e por isso pede que não lhe seja desviada essa quantia.
Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.
Foi auctorisada a publicação.
O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.
Os srs. deputados que tiverem papeis a mandar para a mesa, podem fazel-º
O sr. Visconde de Guilhomil: - Mando para a mesa representações das camaras municipaes dos concelhos de Castello Branco e Villa Velha de Ródão, pedindo que seja approvado o projecto do lei sobre a caça, apresentado pelo sr. Paulo Cancella.
Foram enviadas á commissão de administração publica.
O sr. Lopes Navarro: - Mando para a mesa o seguinte
Aviso previo
Careço de interrogar o exmo. ministro do reino sobre a eleição de deputado pelo circulo n.° 24 (Torre de Moncorvo); sobre as eleições municipaes dos concelhos de Moncorvo o Villa Flor; e sobre o procedimento abusivo da auctoridado administrativa do concelho de Moncorvo. = O deputado, Lopes Navarro.
Mandou se expedir.
O sr. Affonso Costa: - Mando para a mesa os seguintes
Requerimentos
Requeiro pelo ministerio da fazenda, administração das alfandegas, com toda a urgencia:
Copia dos processos que foram instaurados contra o actual inspector do sêllo e director geral interino das contribuições directas, Jeronymo de Vasconcellos, por abusos por elle praticados no exercicio das suas funcções quando occupou os logares de chefe da fiscalisação externa e inspector aduaneiro.
E pelo mesmo ministerio, direcção geral das contribuições directas, com a maior urgencia:
a) Nota do numero do passes permanentes em caminhos de ferro, com indicação dos funccionarios do ministerio e direcção das contribuições directas que os tem aproveitado e sua importancia annual;
b) Nota das gratificações concedidas pelo serviço de liquidação de contas de direitos de mercê, emolumentos e sêllo, desde setembro de 1898 até hoje, com a indicação dos nomes dos empregados que as tem recebido;
c) Nota da despeza feita com a syndicancia a Alcácer do Sal por causa dos tumultos provocados por um inspe-
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ctor do sêllo, com a competente especificação dos dias gastos, pessoas que fizeram a syndicancia, natureza das despegas, etc.;
d) Nota designando a data em que entrou nos cofres do estado a malta applicada no districto de Aveiro, pela venda de passaportes falsos, com indicação da importancia total da mesma multa;
e) Nota da despeza mensal, desde o anno de 1898, com aluguer de carruagens para o serviço de empregados do ministerio e especialmente da repartição central das contribuições directas ou da fiscalisação do sêllo. = O deputado, Affonso Costa.
Requeiro pelo ministerio da marinha, com toda a urgencia:
Copia dos officios dirigidos ao ministerio da fazenda pelo da marinha, exigindo o pagamento da despeza feita com o frete do vapor que conduziu a Alcacer do Sal o inspector do sêllo, Jeronymo de Vasconcellos, e outros empregados, força armada, etc., quando ali se deram tumultos em virtude do abusos praticados por outro inspector do sêllo. = O deputado, Affonso Costa.
Requeiro pelo ministerio da guerra, com toda a urgencia:
Copia da baixa do cabo de cavallaria n.° 4, Jeronymo de Vasconcellos, e bem assim nota completa das culpas e castigos do referido militar. = O deputado, Affonso Costa.
Requeiro pelo ministerio da justiça, com toda a urgencia, o seguinte:
Que me seja remettida copia, ou facultado exame, do processo que na comarca de Oliveira do Hospital foi ha annos instaurado contra o empregado publico Jeronymo de Vasconcellos, actual funccionario superior do ministerio da fazenda, requisitando-se para isso, pelas vias legaes, a remessa urgente do mesmo processo, que está findo ou archivado, da comarca referida para o ministerio da justiça. = O deputado, Affonso Costa.
Mandaram-se expedir.
ORDEM DO DIA
Continuação da discussão do artigo 1.º do projecto de lei n.° 48, que tem por fim auotorisar o governo a fixar, mediante os neoessarios regulamentos, as condições em que deve ser exigida a expropriação dos terrenos e a reunião das glebas dispersas.
O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Henrique de Mendia.
O sr. Henrique de Mendia: - Não tem a veleidade de esclarecer ou convencer .a camara. Toma a palavra, porque lhe corre o dever de justificar o seu voto, visto que, sondo membro da commissão de agricultura, não assignou o projecto.
Os vicios da nossa agricultura não podem ser postos em duvida, o ainda hontem o sr. ministro das obras publicas o demonstrou.
Quantos problemas a resolver pelo que toca á remodelação dos impostos do consumo, á falta de equilibrio e estabilidade nos mercados, á ausencia de um codigo rural, á falta de estatistica regional e concelhia mesmo, d'onde resultam as maiores anomalias nas transacções! Quantos problemas se offerecem á consideração de qualquer ministro das obras publicas, e principalmente para o actual, que, ao subir ao poder, declarou que a sua primeira preoccupação era levantar a agricultura!
S. exa. tem-se mostrado effectivamente enthusiasmado pelos progressos da industria agricola, mas entre as suas palavras e os seus actos ha completo, discordancia, porque no longo periodo de cinco mezes de sessão, não trouxe á discussão nenhum projecto de verdadeiro interesse agricola.
É este o primeiro.
Allude o orador ás rasões que determinaram a discussão d'este projecto de preferencia a outros, e, depois de varias considerações sobre este ponto, entra na analyse das bases annexas.
Quanto aos §§ 1.°, 2.° e 3.º da base 1.ª, a sua opinião é que se deve estabelecer igualdade de direito para os donos dos predios envolventes e dos predios encravados.
Entende tambem que podem ser muito difierentes as condições dos terrenos encravados, bem como que póde não ser sufficiente o preço que se estabelece para a indemnisação.
O § 4.° é mais um flagrante attentado ao direito de propriedade. Isto desvalorisa completamente a propriedade no paiz; no praso de vinte annos ella póde ser envolvida e oncorporada.
Não é melhor a disposição do § 5.°, que permitto a expropriação do albergue do predio, pertencente ao pobre, que muitas vezos é todo o seu património!
Em nome do que sentimentos?
Esta é uma disposição unicamente para desapossar o pobre e não chega ao rico!...
A doutrina do § 6.° não é mais justa do que a do § 7.°, que estabelece um principio que á primeira vista parece justo, mas que é sol de pouca dura, porque vem logo um adminiculo que diz "que desde o momento em que não haja registo d'esse arrendamento ou titulo authentico, não é só expropriado o proprietario; o arrendatario é tambem expropriado" Isto é uma iniquidade.
A base 2.ª ainda torna mais aggravanlos as indicações do projecto, pois o proprietario não só póde expropriar o terreno encravado, mas passa para elle, livre de todos os onus!
As bases 3.ª e 4.ª são a consequencia dos principios que acaba de indicar; e a base 5.ª é injusta, porque admittindo-se o principio da reciprocidade para a expropriação, não se admitte para o caso de venda!
Á base 6.ª trata da venda de terrenos contiguos, e foi ampliada pela commissão; mas deve notar, que esta opção é um impedimento constante a todas as transacções. Este principio representa uma depreciação da propriedade.
Tem assim analysado, embora muito brevemente, a primeira parte do projecto.
A segunda parte diz respeito á troca e reunião de glebas, e começa na base 7.ª
Esto principio está longe de ser novo.
Em França apparecen, em principio, o se bem se lembra, na lei de 19 de dezembro do 1799, lei que em 1834 foi revogada, e na legislação franceza não existiu mais até 1870, em que se reauscitaram essas peias, mas ficou sem effeito até 1884, sendo d'esta data a lei vigente em França com relação ao assumpto. Foi á lei franceza que se encostou o sr. ministro das obras publicas para redigir esta proposta; mas s. exa. só fallou no marquez do Pombal! Afãs o facto é que a lei franceza não tem dado resultado algum aproveitavel.
Por isso se modificaram as leis ingleza e allemã, sendo necessario que a maioria dos proprietarios esteja de accordo para se fazer a divisão territorial, e por este facto resultou alguma cousa no reino de Saxo.
A divisão da propriedade em glebas dispersas é menos devida á igualdade de partilhas, por herança, do que a divisão das proprias culturas; o principio é inconveniente, sobretudo em relação ás parcellas do vinha; a produccão, os lucros e alem d'isso a acção das doenças parasitarias, não se estendo, em grande area, com a mesma intensidade. As parcellas são uma garantia para o proprietario.
Domais, a historia das classes ruraes em Portugal, caracterisa-se principalmente por este desejo ardente de conquista e de igualdade, em relação á propriedade.
Se a Inglaterra é grande pelas suas culturas, e tem ca-
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pital sufficiente para cultivar esses grandes tratos de terreno, nós somos pequenos o pobres.
Não conhece nada mais efficaz para cultivar as faldas das montanhas do que entregal-as ás mãos dos pequenos cultivadores.
E esta pobre classe, a dos pequenos proprietarios, tão bem dotada moral e physicamente, que se substituo ás forças do estado e que no nosso exercito tem desempenhado o mais brilhante papel.
Visto que decorreu a hora regimental, termina, declarando, como synthese do seu pensamento, que é preciso respeitarem-se os principios da justiça e os preceitos da equidade.
(O discurso será publicado na integra guando s. exa. o restituir.)
O sr. Alexandre Cabral (relator): - Sr. presidente, tendo sido encarregado pelas commissões de agricultura e de legislação civil de relatar este projecto, tomo a palavra para dizer os motivos por que aquellas commissões transformaram n'elle a proposta da iniciativa do illustre ministro das obras publicas; e aproveitarei a occasião para responder ao brilhante discurso que o sr. Henrique de Mendia acaba de proferir.
Confesso a v, exa. que me sinto verdadeiramente embaraçado, porque, sendo leigo na materia, tenho de responder a um agrónomo tão distincto, como é o illustre deputado.
Na sessão de hontem, o nobre ministro das obras publicas, que confessou ser tambem leigo em questões juridicas, respondeu a um distincto jurisconsulto e estadista, o sr. José Dias Ferreira; mas que differença, sr. presidente ! O illustre ministro versou a questão tão bem, tratou-a por uma forma tão proficiente, que eu estou absolutamente convencido de que nenhum dos jurisconsultos d'este lado da camara, e ha aqui muitos e muito notaveis, deixaria de ter talvez inveja do modo como s. exa. versou a questão. Em mim, porem, ao contrario do que succede com s. exa., reune-se a qualidade de leigo á ignorancia completa do assumpto, (Vozes: - Não apoiado.) porque, sendo eu um modesto proprietario rural, nunca me dediquei senão ao pequeno estudo pratico das questões agricolas; e, alem d'isso, faltam-me o talento e os variadissimos conhecimentos que tanto abundam no sr. ministro das obras publicas. A differença, portanto, entre mim e s. exa. ha de ser enorme, e desde já tenho a certeza de que não só não poderei responder cabalmente ao illustre deputado, como, nem ao menos soffrivelmente; mas, em todo ocaso, desempenharei a minha missão como poder e souber. Devo notar, antes de mais nada, a v. exa., que estranhei que este projecto fosse tão combatido, e, sobretudo, pelo sr. Henrique de Mendia, que d'elle discordou em todas as suas bases.
S. exa. parece que teve o proposito de não encontrar n'este projecto absolutamente nada bom, e apenas esteve quasi tentado a dizer que os paragraphos 7.° e 8.° da base 1.ª eram o que n'elle havia de melhor. Pois eu confesso a v. exa. que, na minha opinião, é isso precisamente o que o projecto tem de peor, o tanto que estive para apresentar uma proposta para que esses paragraphos fossem supprimidos; e a rasão d'isso logo a direi á camara.
Este projecto, disse s. exa., é a primeira das medidas do sr. ministro das obras publicas que apparecia na discussão parlamentar; que era insignificante; e que s. exa., podendo dedicar a sua actividade a assumptos momentosos, escolheu este, que era minimo, que para nada prestava e a nenhuma necessidade vinha accudir, pois, pelo contrario, vinha transtornar completamente- o regimen da nossa propriedade.
Eu creio bem que o illustre deputado se não lembrou de que o nobre ministro das obras publicas já no anno passado apresentou estas medidas, conglobadas na sua proposta geral de fomento agricola. N'este anno renovou a iniciativa de todos os seus capitulos, formando cada um uma proposta de lei. Já apresentou tambem n'este anno as propostas do regimen florestal e do regimen vinicola. Não se tem, pois, limitado a trabalhos de portarias e circulares: tem apresentado a esta camara, muito a tempo de serem discutidas, propostas de importancia capital. (Apoiados.) Se este projecto veiu primeiro á discussão, dependeu isso de v. exa., sr. presidente, porque foi este o primeiro que poz em ordem do dia.
De alguns dos projectos a que me referi já foram distribuidos os respectivos pareceres; e, se ainda não foram todos apresentados, ignoro o motivo d'isso. Talvez seja porque os srs. relatores não trabalharam tão activamente como eu; mas asseguro á camara que a minha actividade não foi instigada pelo sr. ministro, que põe igual empenho em todas as suas propostas.
Entende o sr. Henrique de Mendia que este projecto não era necessario, nem tem importancia alguma; mas é certo que a sua necessidade é reclamada ha muito tempo.
Lembro-me perfeitamente de que na sessão da camara de 24 de março de 1896 foi apresentado um projecto, sobre expropriação de terrenos encravados, pelo sr. Manuel Pedro Guedes, então deputado da nação, membro distinctissimo do partido regenerador, que era incontestavelmente um fidalgo de sangue e de caracter. (Apoiados.)
O sr. Manuel Pedro Guedes era incapaz de apresentar sobre este assumpto um projecto que tivesse por fim servir interesses que não fossem os interesses superiores da agricultura. (Apoiados.)
Se o sr. Manuel Pedro Guedes tem a saudade de todos os membros d'aquelle lado da camara, (Apoiados da esquerda.) tem tambem o nosso inteiro respeito. (Apoiados geraes.) Não posso por isso convencer-me do que aquelle cavalheiro tomasse a iniciativa de uma medida que não fosse baseada em principios inteiramente sãos e inteiramente justos. O sr. Manuel Pedro Guedes, quando apresentou o seu projecto de lei, não póde comparecer á sessão. Sabe v. exa. quem, em nome d'elle, o apresentou? Foi o sr. Henrique de Mendia!
Uma voz: - É curioso!
O Orador: - Foi s. exa. quem apresentou o projecto sobre expropriação de terrenos encravados; e, se a camara m'o permitte, eu lerei apenas um ou dois periodos do pequeno discurso com que acompanhou a apresentação do projecto.
No Diario doe sessdes de 24 de março de 1896 lê-se o seguinte:
a O sr. Henrique de Mendia: - Mando para a mesa dois projectos de lei da iniciativa do illustre deputado o sr. Manuel Pedro Guedes, que, não tendo podido comparecer ultimamente ás sessões da camara por incommodo de saude, quiz dar-me a subida honra de me encarregar da sua apresentação.
"É constituido o primeiro d'estes projectos de lei por um conjuncto de disposições tendentes a regular a questão dos predios encravados, e no relatorio que o precede expõe o illustre deputado, com a maior lucidez, as rasões altamente plausiveis que fundamentam a sua iniciativa e justificam ao mesmo tempo a necessidade de uma providencia legislativa sobre o assumpto."
Eu fiquei surprehendido quando, ha momentos, mandando vir da bibliotheca da camara este Diario das sessões para ler o projecto do sr. Manuel Pedro Guedes, notei que tinha sido o sr. Henrique de Mendia quem o apresentara, e mais surprehendido fiquei quando vi que s. exa. não se tinha limitado a mandal-o para a mesa, mas que tinha proferido algumas palavras de justificação, que foram tão justas e tão verdadeiras. (Vozes: - Muito bem.)
Não foi, pois, simplesmente pela penna do sr. Manuel Pedro Guedes, mas tambem pela voz do sr. Henrique de Mendia, que só manifestou em 1896 a necessidade de uma
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providencia sobre a expropriação de terrenos encravados. (Apoiados.)
Eu escrevi no meu relatorio - e isto serviu para o illustre deputado fazer notar que houve interesses a satisfazer, - escrevi que houve instantes reclamações perante governo, de proprietarios e agricultores de todo o paiz, para que fossem convertidas em lei as propostas do fomento agricola. É certo que o nobre ministro das obras publicas as recebeu, assim como as recebeu tambem o sr. Queiroz Ribeiro, que era, na legislatura passada, o relator
feral do projecto; e eu tambem recebi instantes podidos e agricultores conhecidos e desconhecidos, para que este projecto vingasse. E talvez n'isso esteja a explicação do motivo por que elle veiu primeiro á discussão. (Apoiados. Mas o que se vê d'aqui? Vê-se que ha uma necessidade a attender, que esta medida é reclamada, e por isso mesmo que é reclamada, é que é preciso ser estudada e discutida. (Apoiados.)
Diz o sr. Mendia, que havia interesses a satisfazer. Ha effectivamente; mas esses interesses não são interesses particulares, que a esses não attendeu o sr. ministro das obras publicas, nem attenderia eu: (Apoiados,) o que ha a satisfazer são os interesses geraes da agricultura. Para esses é que nós olhamos; (Apoiados.) e é a esses que devemos prestar attenção. (Apoiados.)
Ora quando uma medida é tão instantemente reclamada quando ha tanto interesse, - e repito a palavra, porque é a verdade, - em que ella seja apresentada, é porque essa providencia é necessaria e é util. (Apoiados.)
E quaes são os fins especiaes que o projecto tem em vista satisfazer? Os fins são principalmente dois: libertar a propriedade de encargos, e fazer parar, por assim dizer, a extrema pulverisação da propriedade, que se está dando. (Apoiados.)
Para isso estabelecem-se no projecto duas providencias principaes: a expropriação dos terrenos encravados, e a reunião das glebas dispersas. Ambas ellas visam ao mesmo fim, e ambas darão a esto respeito os resultados necessarios. (Apoiados.)
Eu com certeza cansaria a camara, se estivesse fazendo agora a historia do modo como a propriedade se foi dividindo, subdividindo e pulverisando. Á camara, que é muito illustrada, sabe que em Portugal isto seguiu quasi o mesmo caminho que em França.
Entre nós, no principio da monarchia, a população estava reduzida a meio milhão de habitantes, os terrenos quasi todos incultos, porque estavam despovoados; e, em vista d'isso, os réis da primeira dynastia tiveram em vista povoar o territorio e cultivar a terra.
Em França, no seculo XII, os réis, os grandes senhores e o alto clero possuiam vastos dominios incultos a que attrahiam colonos, homens livres a quem faziam concessões de terrenos, para que os cultivassem mediante o pagamento de um censo. Estas concessões tinham caracter de perpetuidade emquanto os terrenos fossem cultivados.
Em Portugal, da mesma forma, os primeiros réis colonisiaram, fazendo doação de terras a nacionaes e a estrangeiros. Depois os donatarios estabeleceram a emphyteuse; e, assim, a propriedade se foi subdividindo.
Em França, nos seculos XIII, XIV e XV, os frades arrotearam florestas e fundaram povoações, entregando as terras aos camponezes, mediante os dizimos e primicias. Generalisou-se então a emphyteuse. Os contratos eram feitos a praso longo, mediante um censo animal. Os emphyteutas tinham interesso em melhorar as terras e augmentar-lhes o rendimento, porque apenas pagavam o foro fixo. Assim accrescentavam os seus haveres, enriqueciam, e, com os lucros que auferiam, iam adquirindo terras, tornando-se proprietarios.
Em Portugal, no decorrer d'esse largo periodo, succedia quaui o mesmo; e a propriedade cada vez soffria mais larga divisão.
Do seculo XVI em diante, em França, os senhores donatarios e os fidalgos abandonavam os seus dominios, que trocavam pela vida luxuosa da corte. Para sustentarem condignamente a sua posição iam vendendo as terras aos que enriqueciam no commercio. Entre nós, pelo mesmo motivo, e tambem pelas guerras de alem-mar e pelas luctas com a Hespanha, succedia o mesmo facto da alienação e subsequente divisão das terras.
Veiu depois a revolução franceza, e os principios que ella estabeleceu da igualdade das partilhas e da livre disposição da propriedade territorial, inaugurados pela declaração de 9 de outubro de 1791, deram o maior impulso á fragmentação da propriedade. É, porem, certo que ella era enorme desde o principio do seculo XVIII, e já em 1760, se bem me recordo, escrevia Turgot que era tal a divisão das heranças, que o que era bastante para uma familia, dividia-se por cinco ou seis filhos, e já não chegaria para dar a cada um d'elles com que se sustentassem, e teriam, para viver, de lançar mão de outros recursos.
É certo tambem que Dombasle, nos Annales de Roville, nota que já no principio do seculo XVIII se encontravam, a respeito de algumas propriedades, varios titulos representativos da acquisioão de pequenas parcellas que se tivessem englobado. Esse mesmo facto tenho eu observado em propriedades minhas, que hoje são relativamente grandes, e a respeito das quaes ha vinte, trinta e mais titulos de diversas compras. Vem, pois, de trás a extrema divisão da propriedade, tanto em França como ontre nós; mas é certo que os principios estabelecidos na revolução franceza, da igualdade das partilhas, mais aggravaram esse mal, e por uma tal forma que isso começou a assustar os economistas e os estadistas.
Em Portugal reconheceu-se a necessidade de pôr termo a essa divisão. Foi então que o marquez de Pombal - e o sr. Dias Ferreira já hontem alludiu a este facto -procurou pôr cobro a esta pulverisação continuada, e, para isso, estabeleceu os preceitos contidos na lei de 9 de julho de 1773, a que não me refiro agora, não só porque o illustre deputado sr. Mendia a ella se não referiu, mas porque a tal respeito já o nobre ministro das obras publicas disse hontem o que era preciso dizer. Entretanto, de passagem, notarei que o illustre deputado sr. Dias Ferreira, que julgo já não está presente, disse hontem que no tempo do marquez de Pombal estava a propriedade muito dividida, por isso que as partilhas se faziam ficando todos os co-herdeiros com um quinhão em cada predio, e que, portanto, era precisa aquella medida, que já não é necessaria hoje, visto que, com as licitações, os predios se não dividem tanto. Mas, depois d'isso, aboliram-se os vinculos, e as propriedades, que os constituiam e se conservavam unidas, foram depois parcelladas, e com o decorrer de cinco gerações que já passaram, quantas vezes mais ellas foram divididas?!
Alem d'isso, em todos os casaes se deram evidentemente partilhas successivas, e o que é provavel é que com estas partilhas se vá fragmentando a propriedade.
Desde então houve muitas perdas de titulos que tornaram livre propriedade, que, por ser vinculada ou emphyteutica, era indivisivel. No mesmo sentido a prescripção tem exercido lentamente os seus effeitos. A extincção das ordens religiosas trouxe uma massa enorme de propriedade para as transacções, que a subdividiram; o a remissão de muitos emprazamentos, ou o simples accordo do senhorio directo, permittindo a divisão da propriedade emphyteutica, concorreram igualmente para a fragmentação do terreno.
Portanto, as licitações não obstam muitas vezes a que a propriedade se subdivida. Nem sempre.
Oliveira Martins, no relatorio do seu Projecto de fomento rural, aponta aquelle caso, de que nos póde bem informar o nosso collega o sr. Vieira de Castro, de uma povoação da freguezia de Moreira de Rey, no concelho de Fafe...
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O sr. Vieira de Castro: - É Marinhão.
O Orador: - Exactamente... em que a propriedade está por tal forma dividida, por virtude de successivas partilhas, que quasi não serve de nada, porque as leiras ás vezes não excedem 0m,80 de largura; e aquelle gente está inteiramente pobre, a agricultura nada lhe dá, e tem de lançar mão de pobrissimas industrias subsidiarias.
Não sei se o facto é igual, mas lembro-me de ter chamado a minha attenção, passando na região de Traz-os-Montes para Villa Real o Pedras Salgadas, aquella pequena bacia da Veiga, que está encravada entre montanhas cobertas de vinhedos, infelizmente phylloxerados, no concelho de Santa Martha de Penaguião.
O terreno está tão repartido, e separadas por paredes quadrangulares as leiras, tão iguaes e tão pequenas, que parecem um taboleiro de xadrez, imagem de que hontem se serviu o illustre ministro das obras publicas.
Tal é, sr. presidente, o estado a que chegou a pulverisação de grande parte da propriedade territorial no paiz.
Não sei - nem quero tratar do problema - se é vantajosa a pequena ou a grande propriedade.
O illustre deputado referiu-se ha pouco á Inglaterra, e disse-nos que ali havia a grande propriedade, e que esta tinha grandes vantagens, mas que nós não nos podemos comparar a esse paiz. É certo que lá existe a grande propriedade, e se ella tem algumas vantagens para a perfeição das culturas, para o emprego dos differentes processos agricolas, para fazer rodar n'aquellas extensas campinas as grandes machinas da industria ingleza, tambem tem enormes inconvenientes.
O sr. Henrique de Mendia, que é muito illustrado, sabe perfeitamente que outr'ora havia em Inglaterra uma profusão enorme de pequenos proprietarios, a quem chamam Tomen. No tempo dos Stuarts estes elevavam-se a 160:000, tendo, em media, 60 libras esterlinas de renda. Pois essa gente está completamente arruinada, e teve de abandonar o fabrico das terras para fugir para o commercio e para as industrias. A pequena propriedade foi toda absorvida pela grande.
Se em Inglaterra a propriedade é muito bem fabricada e agricultada, é porque o proprietario é o proprio cultivador, dirige a exploração da terra e trabalha pró domo sua.
Mas não vale a pena entrar n'essa questão, que me levaria longe. Os costumes são diversos, e a raça ingleza é tão especial que não podemos ir buscar para nós exemplos á Inglaterra. Lá fabricam a terra muitissimo bem, é certo; mas, em todo, o caso, ha o grande inconveniente na propriedade grande, que é a ruina do pequeno proprietario.
Como já disse, não quero agora occupar-me do problema da conveniencia ou desvantagem da grande propriedade. O que digo é que, qualquer que seja a extensão territorial, os predios encravados e as glebas dispersas são sempre inconvenientes. (Apoiados.)
Escuso de dizer quaes são todos esses inconvenientes: são os que s. exa. já apontou, referindo-se ao meu relatorio, e ainda mais alguns de que se esqueceu. Por exemplo, muitas vezes o dono ou cultivador do predio encravado, que, para ir para lá e no regresso, tem de atravessar o predio envolvente, cujo dono tem de lhe dar passagem, lança mão de um cacho de uvas, de uma espiga de milho ou de outros productos agricolas. Alem d'isso, ainda que não tenha proposito de causar prejuizos, se vae para lá apascentar gado - e eu creio que tambem não cito este facto no relatorio - os animaes devastam as colheitas e o dono do encravado pouco se importa com isso.
Eu sei que o illustre deputado póde dizer-me que, contra estes estragos causados pelo gado, póde o proprietario envolvente reclamar perante os tribunaes e recorrer á auctoridade civil para exigir a indemnisação de perdas e damnos; mas lembra-me, para responder a essa algum facto, de que tenho perfeito conhecimento. Creio que foi n'uma sessão celebre, muito tumultuosa, de ha tres annos, que eu tive a honra de mandar para a mesa uma representação da camara municipal de um concelho do meu circulo acêrca dos estragos produzidos pelas cabras em terrenos cultivados. Quer v. exa. saber o que succedeu? É que essa camara municipal estabeleceu uma postura, prohibindo-o apascentamento de gado caprino em alguns pontos do concelho e estabelecendo multas pelos prejuizos cansados pelas cabras.
 postura foi approvada pela commissão districtal. Mas o juiz de direito não julgava os infractores, com o fundamento de que a camara municipal não tinha competencia para fazer aquella postura, visto que o codigo civil estabelece a indemnisação de perdas e damnos para taes casos.
É certo que os proprietarios podiam promover a indemnisação por perdas e damnos, mas para não lançarem mão do meios tão dispendiosos, em relação a casos muitas vezes pequenos, mas vexatorios pela sua frequencia, preferem deixar destruir as suas colheitas, visto que não é facil outro remedio. (Apoiados.)
Muitas vezes os donos de predios encravados deterioram tambem por simples capricho; e eu cito um exemplo, que é frisante. N'uma das freguezias do meu circulo ha um pequeno lavrador que tem apenas um rasoavel campo, que costuma semear do milho. Ha na terra um abastado proprietario que possue no centro d'esse campo uma leira de terra, talvez do tamanho do estrado sobre que está collocada a cadeira que v. exa. tão dignamente occupa. Ali o pobre é o envolvente e o rico é o encravado; e, a proposito, direi que é um erro julgar-se que o encravado é sempre o pobre e que o rico é sempre o envolvente: póde muitas vezes succeder o contrario, e até isso é frequentissimo, apesar de o sr. Henrique de Mendia figurar sempre e dous do terreno envolvente como um argentano oppressor.
N'este caso, o pobre é que é o envolvente; e digo pobre, porque o campo, que é quanto possue, pouco mais valerá de 200$000 réis; e certamente que uma terra n'estas condições não representa uma riqueza para o seu proprietario. O possuidor do campo tratava com todo o esmero da sua cultura, e o dono da gleba encravada trazia o seu pequeno pedaço de terra bastante desprezado, e, se o conservava, era porque entendia que ficava mal á sua prosápia de homem rico alienar uma parcella dos seus dominios.
O dono do encravado era ou procurava ser influente eleitoral; e n'uma occasião pediu o voto ao seu envolvente. Este, coitado, que estava compromettido e queria honrar a sua palavra, não lhe deu o voto.
Sabe v. exa. o que o outro fez, não no dia seguinte ao da eleição, porque ella não se fez em outubro, mez em que se diz que pega tudo, mas quando esse tempo chegou?
Mandou plantar na pequena geira de terra eucalyptos!
O sr. Tavares Festas: - Eu conheço o caso de um pinhal.
O Orador: - Este preferiu os eucalyptus, porque crescem mais depressa e tornam-se mais frondosos, para o pobre eleitor envolvente se sentar á sombra d'elles, nas tardes de verão, pensando nas tristes consequencias de se não dar o voto aos possuidores de terrenos encravados.
Estes caprichos tambem devem ser levados em linha de conta na apreciação do parecer. (Apoiados.)
Com relação aos inconvenientes das glebas dispersas aliarei quando me referir por miudo ás observações que fez o illustre deputado á base 7.ª e ás seguintes do projecto.
Vamos agora acompanhar o illustre deputado nas considerações com que tão minuciosamente combateu o projecto que se discute.
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O sr. Henrique de Mendia, como fiz notar no principio das minhas singelas considerações, entendeu que tudo aqui era mau.
Antes da entrar na apreciação do projecto, censurou o sr. ministro das obras publicas por ter iniciado por esta a discussão das suas propostas. Não toco n'este assumpto, porque já de passagem me referi a elle; e, por isso, vamos ás bases.
Pergunta s. exa. por que se havia de permittir que o dono do predio envolvente expropriasse o predio encravado, e não fosse permittido o contrario, tanto mais que, em relação á opção em caso de venda, preceito da base 5.ª, que foi estabelecido pela commissão de agricultura no anno passado, se formulam as duas hypotheses.
Nada prova o argumento de analogia, porque são casos perfeitamente diversos.
E certo que o projecto determina que, sendo vendido o terreno encravado ou o envolvente, o dono do outro tenha respectivamente o direito de preferir. Mas, n'esta hypothese, a alienação é voluntaria; o, quando se dá a expropriação, ella é sempre forcada.
No caso das bases 5.ª e 6.ª ha sempre uma venda, a venda de um dos predios; e, portanto, desde que um dos proprietarios expontanea e voluntariamente delibera alienal-o, justo é que o outro possa optar.
No caso da base 1.ª não ha venda, ha a coacção para o proprietario do terreno encravado largar mão d'elle, e dá-se o direito de expropriar só ao dono do predio envolvente, porque é muito mais natural que a elle pertença. Não póde conceder-se o direito de expropriar ao dono do terreno encravado. Isso não seria justo nem pratico. Se o envolvente e o envolvido quizessem realisar a expropriação, e ambos tivessem igual direito, qual d'elles usaria d'elle?
E como haviam de pôr-se os grandes predios na contingencia de ser expropriados por quem, no meio d'elles tivesse uma insignificante gleba?
Não póde ser; e parece-me isto tão claro que é escusado explanar mais largamente estas rasões.
O illustre deputado referiu-se tambem á disposição da base 1.ª que manda tomar como limite 1 hectare para a area dos terrenos expropriaveis, e, fazendo a este respeito brilhantes dissertações, disse que o terreno com 1 hectare de superficie póde ter um valor muito variavel consoante estiver cultivado de cereal, de vinha ou de castanhal, porque são as diversidades da cultura que dão o valor ao terreno, e que, portanto, a base de 1 hectare era inconveniente, e tanto mais que d'ahi resultava o absurdo de a gleba que tivesse 1 hectare e 1 metro já não podia ser expriada. Se s. exa. me permitte, eu direi que esta rasão colhe sempre, seja qual for o limite que se fixe, porque quer seja l, quer sejam 2, quer sejam 3, ou mesmo mais, desde que tenham mais 1 metro ou meio metro já ultrapassara o limito, e do mesmo modo não poderiam ser expropriados.
Era necessario fixar um limite e escolheu-se o de 1 hectare, porque é uma media rasoavel, attendendo principalmente á qualidade do terreno e ás circunstancias da agricultura no norte e no sul do paiz.
O illustre ministro das obras publicas não quiz estabelecer medidas diversas conforme se tratasse dos districtos do norte ou do sul, nem mesmo o podia fazer, porque, como s. exa. muito bem sabe, ha diversidades de terreno na mesma provincia e até na mesma região.
O marquez de Pombal, na lei de 9 de julho de 1773, estabeleceu diversos preceitos para as differentes provincias, mas se o illustre deputado ler esse notavel diploma, reconhecerá que a generalidade dos principios é applicavel a todo o paiz.
Nas serranias do Gerez, por exemplo, que ficam na provincia do Minho ha tamanha extensão de montados incultos como na região alemtejana; e, todavia, no Minho a propriedade está muito dividida e no Alemtejo muito accumulada.
Isto prova que na mesma provincia, no mesmo districto, no mesmo concelho e até na mesma freguezia ha uma variedade enorme de culturas e de qualidades de terreno, e, portanto, não podia estabelecer-se senão um preceito geral para todas as provincias.
Tambem s. exa. referiu, e é verdade, que o sr. ministro das obras publicas pretende com uma das suas propostas favorecer o desenvolvimento da cultura dos nossos arvoredos, e entende que a expropriação de terrenos encravados póde contrariar aquelles intuitos, visto que o envolvente que adquira uma gleba encravada plantada de castanhal, por exemplo, póde cortar as arvores para substituir a cultura. Não é muito provavel que isso aconteça, mas, embora assim seja, póde tambem dar-se o caso contrario de um individuo expropriar um terreno despovoado e semear arvoredo. Por consequencia este argumento de nada vale. (Apoiados.)
O illustre deputado, baseando a sua argumentação em factos da pratica, trouxe como exemplo uma charneca com a superficie de 1 hectare situada dentro de uma vinha enorme. Parece-me que 1 hectare de terreno inculto dentro de uma vinha nunca se póde chamar charneca, será talvez uma bouça, como dizem os lavradores da minha terra, mas charneca parece-me que não é. (Apoiados.)
Com relação ao § 3.° da base 1.ª s. exa. achou que estão mal estabelecidos os 25 por cento do valor, o que lhe parece pouco, e fez varias considerações a este respeito, entendendo que muito mais do que isso podem ter custado as servidões estabelecidas. Eu, porem, digo o mesmo que disse ha pouco: haviamos de tomar uma base, e, portanto, tomamos 25 por couto como compensação do desgosto, que se causa ao expropriado fazendo-lhe largar mão, muitas vezes contra sua vontade, do terreno que possue. (Apoiados.) Avalia-se o predio pelo rendimento e como está determinado no codigo do processo civil: não se póde attender ás despezas feitas n'outro tempo, quando se adquiriram as servidões, porque estas só valem na occasião pela commodidade que dão ao predio. Não temos que apreciar se custaram muito ou se custaram pouco, se foram adquiridas pelo expropriado, se por seus antecessores: attende-se apenas ao justo valor actual do predio, e paga-se essa importancia e mais 25 por cento, como premio de consola.
E agora me lembro de que o sr. Dias Ferreira se referiu hontem tambem a este ponto das avaliações, e disse que isto não dá garantia alguma. Mas quantas cousas vemos nós feitas por este processo! E as partilhas como são feitas ? (Apoiados.) São pela mesma forma: pela avaliação. (Apoiados.) É certo que esta póde ter um pequeno erro n'um predio de 1 hectare; mas não póde elle ser muito maior n'um casal, que vale centenas de contos de réis e se avalia para a divisão por uns poucos de co-herdeiros? Desde que esta avaliação não seja bem feita, póde haver prejuizos muito superiores ao valor total de 1 hectare de terreno encravado. (Apoiados.)
E todavia, para as partilhas, usa-se d'este processo o ninguem se queixa nem se lembra de apresentar um remedio, nem de pedir que isso seja modificado.
Nas expropriações por utilidade publica, como agora d'ali me lembra o meu amigo sr. Francisco de Medeiros, succede tambem o mesmo. Eu creio que não podemos escolher outro meio senão a avaliação.
O sr. Dias Ferreira disso que a avaliação era feita por arbitradores judiciaes, que estes são nomeados pelo governo, e deu a perceber que para essas nomeações podiam influir perante o governo os que s. exa. chamou os capitães-mores, que depois podem dominar os arbitradores. Ora, se assim fosse, eu perguntaria quem é que nos diz se o capitão-mor vae influir em favor do envolvente, que
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vae expropriar, e não influe em favor do expropriado Eu não sei qual dos dois tem a protecção do capitão-mor e, portanto, o argumento tanto serve para um como para outro.
O sr. Henrique de Mendia tambem não achou bom o § 4.° da base 1.ª Ha muito quem o não applauda, mas por outros motivos; e no proprio seio da commissão se levantou grande discussão a este respeito. Muitos dos seus membros queriam que este praso do vinte annos fosse reduzido a dez. Póde acaso comprehender-se que um proprietario esteja propositadamente durante vinte annos comprar um terreno aqui, outro alem, para vir, n'um futuro remotissimo, expropriar uma gleba de terra? O que a gente tem de mais certo, passados vinte annos, é não ser já d'este mundo,
O sr. João Franco: - Longe vá a prophecia de v. exa.
O Orador: - Eu de certo que nem dez viverei, e digo-o sem desejo de ser propheta.
O § 5.° tambem não agradou ao illustre deputado; mas creio que o achou mau, porque não o leu todo. S. exa. entende, e muito bem, que não deve ser expropriado o terreno onde haja o tal albergue do pobre. Perfeitamente de accordo, se elle o habita, e isto está resalvado na ultima parte do paragrapho. Ora, se o pobre tem um casebre deshabitado, que para nada serve, o que está a estorvar que ali se estabeleça um predio em condições rasoaveis, porque não se ha de expropriar? O que perde com isso o pobre?
Relativamente ao § 7.° disse o sr. Mendia que é duro que o arrendatario perca as bemfeitorias que tenha feito no predio expropriado; e creio que n'este paragrapho e nos dois seguintes só encontrou este defeito.
Está enganado; não perde, e senão leia-o com attenção. No final do paragrapho, diz-se "nos termos da lei commum. Ora o codigo civil garante essas bemfeitorias quando sejam feitas em certas e determinadas condições. Alem d'isso, como as palavras do § 9.°, "não haverá indemnisação alguma", ainda podassem dar logar a duvidas, eu hontem mandei para a mesa uma proposta, no que s. exa. de certo não reparou, em que propunha que ellas se eliminassem.
Redigido o paragrapho n'estes termos, não póde o arrendatario perder as bemfeitorias. Tendo ha pouco dito que o sr. Mendia só acha soffriveis estes paragraphos o que são os que eu acho peores, direi agora o motivo por que fiz essa asseveração. Eu receei mandar para a mesa uma proposta de eliminação a este respeito, por ser um ponto importante do projecto f e não ter ouvido os meus collegas das commissões sobre o assumpto; mas o meu pensamento pessoal seria que esses paragraphos não estivessem no projecto.
Quando se faz a expropriação por utilidade publica de um predio arrendado, nos termos do codigo civil o arrendamento termina e indemnisa se previamente o arrendatario das despezas que tenha feito com o predio. Como nós queremos estabelecer aqui um direito de expropriação que é por verdadeira utilidade publica, no interesse geral da agricultura, eu queria que o arendamento terminasse tambem.
Veja agora v. exa. a seguinte hypothese. Um individuo faz um arrendamento, e, como este pelo codigo civil não está sugeito a praso, fal-o, por exemplo, por quarenta annos. Depois de feito o arrendamento, regista-se e satisfazem-se todos os preceitos da lei. O predio é expropriado, mas durante quarenta annos o dono do predio envolvente fica sujeito a que o arrendatorio do predio envolvido continue a manter-se na posse d'esse predio, embora o expropriante, que o adquiriu, precisasse de lhe destruir os limites e conglobal-o na cultura do seu grande predio. Por isso eu, segundo a minha opinião pessoal, faria o mesmo que dispõe-o codigo sobre os terrenos expropriados por utilidade publica, isto é, que o arrendamento cessasse.
Relativamente á base 2.ª o illustre deputado notou, com o seu proposito do achar defeitos em todas, que ella estabelecia tambem largos beneficios para o envolvente, determinando que o terreno encravado passe para o expropriante livre de quaesquer encargos, ónus reaes e condições de propriedade resoluvel, exceptuadas as servidões.
Mas queria s. exa. que se fizesse uma medida d'estas para o terreno expropriado continuar como estava? Não podia ser.
Quando ha uma expropriação por utilidade publica tudo isto termina tambem, e o estado ou a entidade expropriante vão apropriar-se de propriedades em que todos os encargos terminam; e nem podia deixar de ser, porque, com o novo destino que os terrenos recebem, já não poderiam garantir os ónus que lá estejam estabelecidos. Aqui dá-se o mesmo em beneficio da agricultura: o expropriante precisa de tomar conta da propriedade, livre de todos os encargos, para que a intenção que presidiu a este projecto possa dar resultado proficuo. (Apoiados.)
Não me detenho nas objecções que o illustre deputado fez aos preceitos das bases 5.ª e 6.ª do projecto, porque julgo tel-as já destruido quando as comparei com o § 1.° da base 1.ª S. exa. disse, creio eu, que não via no § 1.° da base a mesma reciprocidade que se estabelece para o caso de opção nas bases 5.ª e 6.ª Eu já expliquei o motivo d'isso.
Chegamos agora á base 7.ª, segunda parte do projecto, onde se trata dos meios de facilitar e promover a reunião de glebas dispersas. O illustre deputado disse que podiam sophismar-se as trocas, fazendo-se vendas, com isenção da contribuição de registo.
Não póde, porque o projecto diz que, para o goso d'essa isenção, é preciso que os proprietarios que fazem as trocas tenham propriedade que fique contigua ás glebas que adquiram, e, portanto, ha de ser feita sempre a troca e nunca a venda, de modo que se beneficie a propriedade de ambos, angmentando-a, cortando servidões, permittindo que se estabeleça a cultura em grande escala, e offerecendo emfim todas as outras vantagens oppostas aos inconvenientes a que s. exa. se referiu e realmente existem na propriedade dessiminada. (Apoiados.)
A este respeito citou o sr. Henrique de Mendia a legislação franceza e o que n'aquelle paiz se tem passado, e disse que tinha simplesmente conhecimento de um facto citado por Neufchatean, de n'uma communa se ter feito a reunião das glebas dispersas de toda a communa, por meio de trocas.
Eu affirmo a s. exa. que está enganado, pois não foi simplesmente n'uma communa que isso se fez: foi em varias, e vou citar os factos. Em Rouvres, perto de Dijon, em 1701, por meio de accordo entre todos os proprietarios, que eram 300, 4:000 glebas que havia n'essa communa ficaram reduzidas de 400 a 500. Isto é eloquente. E, antes de passar adiante, não quero deixar passar em julgado, contra a vantagem da reunião das glebas dispersas, a asseveração que fez o illustre deputado de que é melhor a dispersão dos terrenos, para que cada proprietario tenha uma gleba de monte, outra de encosta e outra de varzea, porque d'esta forma a cultura completa-se mais com os productos de umas e outra.
No caso de cada proprietario só possuir as tres glebas, loderia o sr. Mendia ter rasão. Mas imagine a hypothese de um individuo tor, na mesma freguezia ou em freguezias contiguas, 20 glebas de encosta, 30 de varzea, 40 alem, ou acolá.
Não seria melhor que elle tivesse a mesma extensão do terreno, mas apenas 1 ou 2 glebas de encosta, 1 ou 2 de varzea, 1 ou 2 de monte?
Não poderia, com certeza, agricultal-as assim melhor? Não lucraria, assim, o tempo que perde a transportar-se si, os agricultores e os gados para essas differentes parcellas de terreno? Isto não será poupar muito tempo e trabalho? E não o poupará tambem depois da cultura, na
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colheita? Não se aproveitarão tambem para o cultivo os espaços obstruidos por servidões o paredes divisorias? Não poderão lambem assim empregar-se melhores o mais aperfeiçoados processos agricolas?
S. exa. tem até certo ponto rasão quando diz que é melhor cada proprietario ter um bocadinho de tudo; mas isso é 1 gleba e não 30 ou 40 glebas do cada qualidade.
Voltando aos exemplos da França, de que o illustre deputado disse ter conhecimento apenas de um, dir-lhe-hei que não foi só na communa de Kouvres que se fez a reunião das glebas dispersas. O mesmo se fez em 1771 em Nouville e Roville, e de 1774 a 1800 repetiu-se em varias communas das cercanias do Dijon. No seculo passado varias só fizeram tambem em diversas communas da Borgonha e da Lorena.
Isto deu tão bons resultados que, em 1808, as commissões departamentaes de Dijon, Nancy, Besençon, Colmar e Limoges, quando se tratava do projecto do codigo rural, pronunciaram-se no sentido de que o principio das trocas forcadas fosse introduzido no codigo, segundo o exemplo da Allemanha.
Alfred de Roville, no seu livro Lê morcellement, diz que, se a reunião de lobas dispersas por meio de trocas obrigatorias se estabelecesse em França, os funccionarios encarregados de fazer casa remodelação communal seriam recebidos a tiro. Ainda assim houve algumas commissões departamentaes que a pediram, por se haver reconhecido na pratica que, o que se tinha feito n'este caminho, tinha dado o melhor resultado. Eu não cito á camara a legislação franceza sobre o assumpto, porque o illustre deputado já a citou e proficientemente.
Não sei se s. exa. se referiu a todas as leis existentes, parece-me que sim; mas em todo o caso direi que a lei de 16 de junho de 1824, que esteve em vigor durante dez annos, pois foi revogada pela lei orçamental do 24 de maio do 1834, facilitando as trocas por meio de uma contribuição de registo modica, que era de 1 franco qualquer que fosse o valor do terreno, logo que fosso contiguo a propriedade do permutador, dou o seguinte resultado:
Fizeram-se 363:000 contratos do trocas, entre 35:000 e 45:000 por anno, e a perda annual do thesouro, em contribuição de registo nunca excedeu 400:000 francos. Já vê o illustre deputado que não tinha que insurgir-se contra o sr. Espregueira por dar o seu consentimento a estas bases. O prejuizo que o estado soffrerá com a isenção da contribuição do registo o ainda da contribuição predial durante tres aunos, no caso especial da base 8.ª, é relativamente pequeno.
Em França, como disse, foi simplesmente de 400:000 francos nos 363:000 contratos de troca, que tantos foram os que se fizeram na vigencia da lei do 16 de junho do 1824. Mas em compensação, que beneficio enorme para a agricultura e para o proprio thesouro pelo augmento futuro do rendimento collectavel!
Mas não ha simplesmente o exemplo da França.
Em 1591, na Suissa, procedeu-se no cantão de Berne á reunião das glebas dispersos, e successivamente nos outros cantões; e esse processo deu magnificos resultados.
Em 1695, na Escocia, votou o parlamento um bill, auctorisando que um só proprietario, note v. exa., de uma communa, podesse citar todos os outros para se obter nova divisão da propriedade, mais adequada á sua exploração agricola.
Na Dinamarca, em 1758, uma lei ordenou a divisão geral do solo, de modo que cada proprietario ficasse só com uma globa de terreno propria para a cultura de cada natureza.
Na Suecia, em 1765, foi promulgada uma lei que permittiu, aos proprietarios de terrenos encravados ou que tivessem irregularidades pedir partilha que restabelecesse a symetria.
A lei austriaca de 7 do junho de 1883 determina que para se proceder a nova divisão das terras de uma região, feita pela auctoridade especial, basta que o requeiram metade e mais um dos proprietarios da mesma região, comtanto que o rendimento dos predios dos requerentes represente dois terços do rendimento total.
Ha mais ainda.
Na Allemanha estas trocas são obrigatorias, e diz do Foville que os funccionarios do estado, quando vão fazer esse serviço de remodelação da propriedade e reunião das glebas dispersas, são recebidos á pedrada; mas os resultados são bons, e, por isso, quando voltam, passados annos, a uma communa proximo, com o mesmo fim, já os recebem bem.
Quero citar á camara um exemplo que li no livro de Foville, a que já me referi, e que tambem é citado por Oliveira Martins no seu relatorio sobre o projecto de fomento rural, relativo á communa de Hohenhaida, perto do Leipzig.
Esta pequena communa tem 589 hectares, que estavam divididos em mais de 774 glebas, com a media de 76 ares cada uma, e pertenciam a 35 proprietarios. Em virtude da lei allemã de 1861 reuniram-se as glebas e fez-se a divisão novamente.
Em vez de 774 parcellas ficaram apenas 60 com a media de 9 hectares e 82 ares cada uma.
O processo de divisão durou um anno e custou apenas 3:126 francos.
Mais do que isso valiam os terrenos occupados por servidões e paredes, e o augmento de producção foi tal, que todos os proprietarios tiveram de augmentar os celeiros, casas do colheita e estábulos.
Já vê o illustre deputado e vê a camara que não faltam muitos o bons exemplos que animassem o illustre ministro das obras publicas á sua louvavel iniciativa de promover a reunião das glebas dispersas. Não adotou o systema allemão das trocas forcadas.
Proferiu o faneca de auxiliar a reunião voluntaria das glebas com o incentivo da isenção de contribuições.
É mais equitativo e mais justo. (Apoiados.)
Estavamos, sr. presidente, creio eu, no base 8.ª Sobre as seguintes nada disse o sr. Mendia de importancia, e creio que nem mesmo se referiu a ellas. Portanto, nada direi tambem, e, como a hora vae adiantada e tenho fatigado muito mais do que devia a attenção da camara, (Vozes: - Não apoiado.) vou terminar.
Ao fazel-o, direi ainda que oxalá o sr. ministro das obras publicas apresente muitas medidas tão proveitosas como esta.
Ouvi ainda agora dizer d'esse lado da camara que esto projecto estava "encravado".
S. exa. fizeram espirito com a palavra; mas creiam que esto projecto é dos mais viaveis que têem eido apresentados ao parlamento. (Apoiados)
Tanto pelo que respeita á expropriação dos terrenos encravados, como á reunião das globas dispersas, não faltam rasões que o justifiquem; mas, se todas as que apresentei não bastam, termino, abonando-me com a opinião do sr. Henrique do Mendia... em 1896. Vozes: - Muito bom, Muito bem.
(O orador foi comprimentado por todos os ministros presentes e por muitos srs. deputados de ambos os lados da camara.)
O sr. Ministro dos Negocios Estrangeiros (Veiga Beirão): - Mando para a mesa uma proposta de lei estabelecendo a pauta minima.
Vae publicada na integra no fim da sessão.
O sr. Presidente: - Vou dar a palavra ao sr. Teixeira de Vasconcellos. Não sei be s. exa. quer começar hoje o seu discurso.
O sr. Teixeira de Vasconcellos: - É melhor começar ámanhã, para não cortar o fio das minhas conside-
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rações, visto faltarem muito poucos minutos para se encerrar a sessão.
O sr. Presidente: - Ámanhã a sessão é de manhã fazendo-se a primeira chamada ás onze horas e meia e i segunda ás onze. A ordem do dia é a mesma e mais os projectos n.ºs 57 e 58.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas e vinte minutos da tarde.
Documentos mandados para a mesa n'esta sessão
Proposta de lei apresentada pelo sr. ministro dos negocios estrangeiros
Proposta de lei n.° 63-B
Senhores. - Para ficar munido da faculdade de concluir, e immediatamente executar, accordos commerciaes com alguns paizes, solicita o governo a necessaria auctorisação do parlamento, apresentando-vos, e submettendo ao vosso exame, a proposta de lei adjunta, tendo em mim principalmente diligenciar que, n'um praso breve, possam os productos da exportação portuguesa entrar nos principaes mercados consumidores em condições de concorrencia franca, sem os estorvos que a esta se offerecem actualmente em rasão das taxas differenciaes que lhes são applicadas nos portos de destino.
N'esta proposta de lei estão indicadas as bases essenciaes em que devem assentar os actos internacionaes a celebrar, e por um modo bastante explicito e restricto no tocante ás vantagens que o governo poderá offerecer, não só para ficarem claramente definidas as faculdades concedidas ao governo pelo parlamento, mas tambem para melhor se poder apreciar o alcance que terão os accordos celebrados n'essa conformidade.
As reducções de direitos indicadas na pauta junta representam o voto da commissão revisora das pautas das alfandegas, perante a qual se fizeram ouvir todos os interesses industriaes; apenas, por excepção o em limitado numero de artigos, propõe o governo, por iniciativa propria, taxas diversas das que tinham sido indicadas por aquella corporação. Ao parlamento será facil, na sua illustrada apreciação, indicar as modificações que tiver por convenientes.
Taes reducções podem produzir nas receitas alfandegarias algum desfalque, mas crê o governo que não será preciso esgotar as concessões constantes da pauta dos direitos reduzidos; e, por outro lado, é de esperar que, angmentado naturalmente o valor das importações por effeito da diminuição das taxas, seja por esse modo muito attenuado o snpposto desfalque. Tambem se deve ter em lembrança que a modificação de algumas taxas, feita na previsão de um accordo com o Brazil, terá effeito limitado, por não se tornar extensiva essa modificação a productos similares originarios de outros paizes; e, em todo o caso, escusado é demonstrar que, sem algum sacrificio, não é possivel alcançar de outros paizes as vantagens de que estão ahi desprovidos, em absoluto, os mais importantes productos da exportação de Portugal.
Bem desejaria o governo deixar indicados, de um modo mais preciso e definido, os favores que se propõe alcançar dos paizes contratantes, mas não póde prever o resultado das suas diligencias, e não seria facil formular as reducções ou vantagens que devêssemos solicitar, pois umas e outras, em relação ás circunstancias especiaes de cada paiz, têem de ser diversas, e subordinadas a contingencias de momento, impossiveis de prever.
As reservas contidas na alinea b) do artigo 1.° d'esta proposta não carecem de explicação, porqne se consideram de unanime consenso do paiz; apenas se fará preciso explicar, para quem não tiver de memoria o tratado vigente de Portugal com a republica da Africa do Sul, que, existindo ahi uma clausula, como em outros antigos tratados, referente á navegação, e que praticamente é inapplicavel á mesma republica, não convirá que Portugal sem taes reservas conceda o tratamento de nação mais favorecida, que aliás corresponderia ao tratamento nacional.
A menção, que na proposta se faz, de productos das colonias portuguezas reexportados do continente do reino, tem por effeito evitar que elles sejam onerados com taxas differenciaes, pois bem sabeis que as alfandegas de varios paizes tributam de uma forma os productos ultramarinos,, que vem directamente do logar da producção, e de forma diversa aquelles que são procedentes dos entrepostos da Europa.
É de crer que o governo se não encontre na necessidade de usar da anctorisação constante do artigo 4 ° da proposta, mas não se poderá negar a justiça que assistiria ao paiz de se defender de direitos alfandegarios exorbitantes que continuassem a onerar os seus productos por maneira a excluil-os de toda a concorrencia, depois de manifestados por nossa parte os bons desejos de manter relações commerciaes n'um pé de possivel igualdade.
Para obviar á anomalia de vigorarem, pela pauta geral, (n.ºs 9, 57, ex-81, 93, ex-349, 359, 365) direitos inferiores aos convencionados com Hespanha, no tratado vigente, se propõe a auctorisação constante do artigo 5.°
Não descemos a explicações mais minuciosas sobre os outros artigos, por parecer que não ha d'ellas necessidade. Como quer que seja, o vosso exame e saber supprirão as deficiencias que possaes encontrar na proposta, que submettemos ao vosso exame.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 8 de junho de 1900. = Manuel Affonso de Espergueira = Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Proposta de lei
Artigo 1.° É auctorisado o governo a conceder, no todo ou em parte, até 30 de junho de 1902, no continente do reino e ilhas adjacentes, as reducções de direitos especificadas na pauta, que faz parte da presente lei, ás mercadorias originarias ou procedentes dos paizes que derem reducção de direitos ou o tratamento da nação mais favorecida aos productos de Portugal (pelo menos vinhos, conservas alimenticias, cortiça em obra e fructas), assim como aos productos das provincias portuguezas do ultramar reexportados das alfandegas da metropole, podendo por parte de Portugal conceder-se tambem a troco das vantagens recebidas:
a) Vinculação das taxas vigentes da pauta geral das alfandefas;
b) Tratamento da nação mais favorecida em materia de commercio, navegação, impostos, acceitação de consules e attribuições consulares, feita a reserva de favores especiaes e incommunicaveis já dados á Hespanha e á republica Sul-Africana ou que áquelle primeiro paiz, bem como ao Brazil, se possam conceder de futuro;
c) Tratamento não diferencial aos productos coloniaes naturaes dos paizes contratantes, quando esses productos sejam procedentes das respectivas metropoles.
§ 1.° Dos paizes que acceitarem de Portugal o tratamento da nação mais favorecida com as restricções da alinea b), poderá acceitar-se igual tratamento com identicas restricções, sendo estas referidas a commercio de fronteiras ou a um regimen excepcional preexistente.
§ 2.° Os vinhos do Portugal importados nos paizes contratantes serão exclusivamente tratados como taes, quando a sua força alcoolica não exceda 22 graus centesimaes.
§ 3.° Os productos das provincias portuguezas1 do ultramar, reexportados da metropole, não serão tributados
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nos paizes destinatarios com taxas mais elevadas do que as applicadas a productos similares que procedam directamente do qualquer colonia estrangeira.
Art. 2.° As concessões feitas nos termos do artigo antecedente, sob a forma de tratados, declarações ou accordos commerciaes, devem ter a clausula de vigorarem inicialmente o maximo praso de dez annos; porem, a duração inicial de taes actos com paizes de que não recebermos vinculação de direitos, ou aos quaes Portugal conceder vinculação de taxas da pauta geral sobre productos não comprehendidos na pauta annexa á presente lei, não será superior a tres annos.
Art. 3.º É auctorisado tambem o governo a decretar a applicação de um direito addicional, sobre as taxas vigentes da pauta das alfandegas, aos tecidos de qualquer filamento e aos metaes em obra, procedentes de paizes em que os vinhos portuguezes sejam tratados com taxas differenciaes, sendo o referido addicional equivalente, em percentagem, a essas taxas differenciaes.
Art. 4.° É finalmente, auctorisado o governo a elevar, na pauta geral, ás taxas fixadas na tabella C do tratado de commercio com a Hespanha de 27 de março de 1893, os direitos que n'esta foram fixados em quantia superior á dos actuaes da mesma pauta geral.
Art. 5.° Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 8 de junho de 1900. = Manuel Affonso as Espregueira = Francisco Antonio da Veiga Beirão.
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Pauta de direitos reduzidos para regimen convencional, a que se refere a proposta de lei de 8 de junho de 1900
[Ver tabela na imagem]
(a, b, c, d, e, f) Concessões privativas
(b) Oleos mineraes leves proprios para illuminação; densidade de 0,780 até 0,820; ponto de ignição de 37.º a 49.º
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[Ver tabela na imagem]
(a) Entende-se por setim de lã o tecido para forros com trama de lã e urdidura de algodão, que tenha o ponto de setim 5
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[Ver tabela na imagem]
(i, j, k) Concessões privativas
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[Ver tabela na imagem]
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[Ver tabela na imagem]
Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros em 8 de junho de 1900. = Manuel Affonso de Espregueira = Francisco Antonio da Veiga Beirão.
Foi enviada ás commissões de negocios estrangeiros e internacionaes e de fazenda.
Representações
Das camaras municipaes dos concelhos de Castello Branco e de Villa Velha de Ródão, pedindo que seja approvado o projecto de lei sobre caça, apresentado pelo sr. deputado Paulo Cancella.
Apresentadas pelo sr. deputado visconde de Guilhomil e enviadas á commissão de administração publica.
Dos quarenta maiores contribuintes de todos os concelhos do districto de Castello Branco, fazendo igual pedido.
Apresentada pelo sr. deputado Rodrigues dos Santos, enviada á commissão de administração publica e mandada publicar no Diario do governo.
Dos proprietarios de fabricas de cortimenta e apparelhos de pelles na cidade e concelho de Guimarães, pedindo que não seja approvada a proposta de lei n.° 21-E, que concede a importação, livre de direitos, a todos os objectos destinados ao equipamento do exercito.
Apresentada pelo sr. deputado João Franco, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.
O redactor = Sergio de Castro.