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Sessão de 11 de agosto de 1868

PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA

Secretarios - os srs.

José Tiberio de Roboredo Sampaio.

José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria.

Chamada — 64 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano de Azevedo, Braamcamp, Alves Carneiro, Villaça, A. B. de Menezes, Gomes Brandão, Ferreira de Mello, Barros e Sá, A. L. de Seabra Junior, Magalhães Aguiar, Faria Barbosa, Costa e Almeida, Araujo Queiroz, Lopes Branco, Torres e Silva, Falcão da Fonseca, Cunha Vianna, B. F. Abranches, B. F. da Costa, Carvalhal Esmeraldo, Custodio Freire, Pereira Brandão, E. Tavares, Fernando de Mello, Silva Mendes, Albuquerque Couto, Gavicho, F. M. da Rocha Peixoto, Silveira Vianna, Van-Zeller, Xavier de Moraes, G. A. Rolla, Guilhermino de Barros, Freitas e Oliveira, Almeida Araujo, Santos e Silva, J. A. Vianna, Matos e Camara, Ayres de Campos, J. M. da Cunha, Fradesso da Silveira, Joaquim Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Gusmão, J. A. Ferreira Galvão, Costa Lemos, Correia de Oliveira, Faria Pinho, Carvalho Falcão, Pereira de Carvalho, Vieira de Sá, J. M. da Costa e Silva, Frazão, Ferraz de Albergaria, José M. de Magalhães, Mesquita da Rosa, José de Moraes, José Paulino, José Tiberio, Motta Veiga, Aralla e Costa, Pereira Dias, Teixeira Marques, P. A. Franco, R. de Mello Gouveia.

Entraram durante a sessão — os srs.: A. de Seabra, Annibal, Costa Simões, Ferreira de Mello, Sá Nogueira, A. Castilho Falcão, Azevedo Lima, A. J. da Rocha, A. José de Seixas, A. J. Teixeira, A. Pinto de Magalhães, Arrobas, Augusto de Faria, M. Montenegro, Barão da Trovisqueira, Garcez, Faustino da Gama, Fortunato Frederico de Mello, Bicudo Correia, Pinto Bessa, Gaspar Pereira, Henrique Cabral, Faria Blanc, I. J. de Sousa, Homem e Vasconcellos, Judice, Assis Pereira de Mello, João de Deus, Gaivão, Cortez, Calça e Pina, J. T. Lobo d'Avila, J. Xavier Pinto, Bandeira de Mello, J. Klerk, Mardel, Sette, Dias Ferreira Teixeira Marques, J. M. Rodrigues de Carvalho, Batalhoz, J. R. Coelho do Amaral, Mendes Leal, Camara Leme, M. B. da Rocha Peixoto, Penha Fortuna, Limpo de Lacerda, Mathias de Carvalho, P. M. Gonçalves de Freitas, Sabino Galrão, Sebastião do Canto, Theotonio de Ornellas, Deslandes, Teixeira Pinto, Visconde dos Olivaes.

Não compareceram — os srs.: Fevereiro, A. de Ornellas, Rocha París, A. de Azevedo, Correia Caldeira, Sousa e Cunha, Antas Guerreiro, Falcão e Povoas, Saraiva de Carvalho, Carlos Testa, Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), Eduardo Cabral, Coelho do Amaral, Dias Lima, Francisco Luiz Gomes, Silveira da Motta, Meirelles Guerra, Baima de Bastos, João M. de Magalhães, Aragão Mascarenhas, Pinto de Vasconcellos, Albuquerque Caldeira, Ribeiro da Silva, J. A. Maia, Sousa Monteiro, Lemos e Napoles, Achioli de Barros, J. Maria Lobo d'Avila, Menezes Toste, Silveira e Sousa, J. F. Pinto Basto, Levy, Lourenço de Carvalho, Ferreira Junior, Leite de Vasconcellos, J. Guerra, Lavado de Brito, R. Venancio Rodrigues, Thomás Lobo.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Participações

1.ª Declaro que faltei ás ultimas sessões por incommodado, o que me impediu de cumprir este dever. = F. Gavicho.

2.ª Do sr. deputado por Angra, José de Menezes Toste, participando que tem faltado ás sessões desde o dia 7 até hoje, e que faltará ainda a mais algumas, por se achar gravemente incommodado de saude.

3.ª Declaro que o sr. deputado Carlos Testa não poderá comparecer a esta e a mais algumas sessões, por legitimo impedimento. = Fradesso da Silveira. Inteirada.

Requerimento

Requeiro que seja concedida aos contribuintes do concelho da Guarda uma moratoria até março proximo futuro, para o pagamento dos impostos de 1867-1868, em attenção a terem pago, ha menos de um anno, as contribuições de perto de tres annos. = O deputado, Antonio de Mendonça Falcão e Povoas.

Foi remettido ao governo.

Notas de interpellação

1.ª Requeiro que seja prevenido o ex.mo ministro das obras publicas de que desejo interpellar s. ex.ª sobre a construcção da ponte no rio Douro, em frente da Regua, e sobre a conclusão da estrada marginal do Douro, e da estrada de Amarante a Villa Real pelo Marão. = O deputado por Sabrosa, J. da Cunha Pimentel.

2.ª Desejo interpellar, com urgencia, o sr. ministro das obras publicas ácerca da portaria de 30 de julho ultimo, publicada no Diario de Lisboa, de 7 do corrente, na parte em que manda suspender os trabalhos das estradas da Portella de Sabrosa a Vaccaria, no districto de Villa Real. = José Maria de Magalhães, deputado por Chaves.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

SEGUNDA. LEITURA

Projecto de lei

Senhores. — Sendo conveniente alterar as disposições dos §§ 2.° e 3.º do artigo 2.° da carta de lei de 13 de maio de 1864, que aboliu o monopolio do tabaco, para que a industria, por uma discreta descentralisação, se desenvolva e possa medrar, com proveito do publico e do pessoal que se emprega na manufactura dos charutos, cigarros, etc.. tenho a honra de propor o seguinte projecto de lei, do qual resulta ficar independente da sancção do parlamento o estabelecimento de fabricas nos concelhos que a referida lei não designa, e tambem como consequencia necessaria a revogação do n.° 2.° e seu § unico do artigo 35.°, e o artigo 36.° e seu § unico, do regulamento de 22 de dezembro de 1864, que determinam os depositos de dinheiro ou de titulos de divida fundada, em somma igual á maxima importancia das multas:

Artigo 1.° Os §§ 2.° e 3.° do artigo 2.° da carta, de lei de 13 de maio de 1864 são substituidos pela maneira seguinte: '

§ 2.° O fabrico dos tabacos no continente do reino só é permittido nos concelhos de Lisboa, Olivaes, Belem, Porto, Villa Nova de Gaia, e nos outros que o governo designar.

§ 3.° Nenhuma fabrica poderá ser estabelecida sem licença da auctoridade publica.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario. = Fradesso da Silveira.

Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Leu-se na mesa o seguinte

Parecer

Senhores. — A vossa commissão de verificação de poderes, a quem foi presente o officio de 30 de julho passado, dirigido pelo nobre presidente do conselho de ministros, marquez de Sá da Bandeira, á presidencia d'esta camara, participando que Sua Magestade El-Rei, por decreto de 22 do mesmo mez, houve por bem nomear ministro e secretario d'estado dos negocios da fazenda e interinamente dos estrangeiros o sr. deputado pelo circulo n.° 58 (Macieira de Cambra), Carlos Bento da Silva, e ministro e secretario d'estado dos negocios ecclesiasticos e de justiça o sr. deputado pelo circulo n.° 123 (Sardoal), Antonio Pequito Seixas de Andrade;

Considerando, em vista d'esta participação official e do que dispõe o artigo 2.° do acto addicional á carta, e o artigo 17.° do decreto com força de lei de 30 de setembro de 1852, § 1.°, que aquelles senhores perderam os seus logares de deputados, é a vossa commissão de parecer que se julguem vagos os citados circulos n.ºs 58 e 123, e que se mande proceder a novas eleições.

Sala da commissão, 10 de agosto de 1868. = Antonio Cabral de Sá Nogueira = Ignacio Francisco Silveira da Motta = José Carlos Mardel Ferreira = F. de Albuquerque Couto = Antonio Alves Carneiro.

Dispensada a impressão, foi logo approvado sem discussão.

Leu-se na mesa e entrou em discussão a seguinte

Proposta

Proponho que se suspenda a resolução da camara, tomada na sessão de ácerca do subsidio dos srs. deputados, até que por uma medida regular se determinem os subsidios tanto diarios como para viagens, e de fórma que possa comprehender todos os membros da camara, como é de justiça. = Fernando de Mello.

O sr. Fernando de Mello: — Como auctor da proposta vou explicar em poucas palavras o sentido em que a formulei, não fazendo grandes considerações sobre o assumpto, mesmo porque elle é pouco sympathico.

Quando se votou aqui na camara um certo desconto tanto nos subsidios diarios dos srs. deputados como nas ajudas de custo para as suas viagens, eu, que não estava presente, aceitei depois a resolução da camara como um donativo voluntario, como uma especie de subscripção para as necessidades do estado, mas não como um imposto obrigatorio. N'este sentido aceitei a resolução da camara, e conformei-me com ella, recebendo tambem o meu subsidio com desconto.

Tive porém occasião de saber que a mesa tomou a resolução da camara como obrigatoria, e que sendo assim considerada para a thesouraria da camara, não é da mesma fórma n'alguma das repartições por onde recebem os srs. deputados que são empregados publicos, e que optarem pelos seus ordenados. N'estas repartições não aceitaram por não ser legalmente obrigatoria a deliberação da camara, e prestando-se alguns dos ditos srs. deputados a entregar voluntariamente o desconto equivalente áquelle que a camara tinha determinado, não encontraram thesoureiro para lh'o receber. Parece-me necessario para evitar tudo isto que a camara explique a sua deliberação no sentido em que a tomou, não como obrigatoria, não como um imposto, não como diminuição legal com o caracter de irrefutavel no subsidio dos deputados, mas sim como uma subscripção ou donativo voluntario, porque todos sabemos que os subsidios são determinados por uma lei e que essa lei só póde ser alterada e tornar-se obrigatoria sendo votada uma legislatura para vigorar na legislatura seguinte. Não é por uma proposta feita por aquella fórma que tudo isto póde ser mudado. O saco da beneficencia correu por todos nós, e cada um lançou n'elle porque quiz, e póde se quizer, continuar a faze-lo, uma parte dos seus vencimentos. Tenha um certo merecimento a offerta, e não lh'o queiram tirar com a obrigação, porque a não ha. E sendo assim, pouco importa se todos concorrem; mas se é imposto hão de pagar igualmente todos os membros de que se compõe a camara tenham ou não optado pelos subsidios. Para mim é fóra de duvida que a resolução da camara não póde ser obrigatoria, e por isso proponho que se suspenda por inutil. Para ceder ao estado qualquer donativo todos estão auctorisados.

É necessario que nos convençamos de que não Aludimos o paiz com estas pequenas economias. Cada um dê o que quizer, ceda todo o seu subsidio ou parte d'elle para o thesouro publico ou para algum estabelecimento de beneficencia, mas não julgue por isso que está salva a patria. A questão deve vir de mais alto; verdadeira economia que se póde fazer n'esta casa é reduzir o numero de deputados; nós somos aqui de mais, façamos o sacrificio das nossas candidaturas, se pelo augmento dos circulos as sacrificâmos. Destes sacrificios é que o paiz carece. Encarada a questão por esta fórma, póde dar resultados economicos para o thesouro e beneficio para a administração publica.

Se nós, em logar de sermos cento e setenta e nove deputados, ficarmos reduzidos a cem, já são setenta e nove subsidios que se economisam, e faz-se o mesmo serviço senão melhor.

Demais eu muita vez tenho declarado, e por isso arrostado com a impopularidade que não voto pela reducção dos ordenados dos empregados publicos, mas sim pela reducção do seu numero, (apoiados). No nosso paiz, os empregados publicos, com rarissimas excepções, não têem ordenados excessivos (apoiados). Ha excepções, lamento-as; mas a regra geral é que os ordenados dos empregados publicos estão muito longe das necessidades da nossa epocha. Isto que tenho dito em relação aos empregados publicos póde-se dizer com relação aos membros d'esta casa.

Querem acabar com os subsidios? Vamos a ver se isso é conveniente; mas emquanto elles existirem, entendo que devem corresponder ao fim para que foram estabelecidos. Quanto ás ajudas de custo para viagem, eu sei que ellas foram calculadas n'outras condições que não são as de hoje, e que devem ser reformadas, mas não reduzidas a metade, porque emquanto uma parte dos srs. deputados recebem ainda uma ajuda de custo superior ás suas despezas de viagem ha muitos que recebem menos do que gastam.

Parece-me que esta desigualdade não deve continuar.

Estamos proximos de grandes reformas, devemos chamar a attenção do governo para este assumpto, e pedir-lhe a regularisação dos subsidios diarios e das ajudas de custo para as viagens, mas primeiro do que tudo a reducção do numero.

Encaremos a questão por este lado.

Entendo que o desconto votado pela camara não é obrigatorio, e que a approvação da minha proposta não tira a qualquer sr. deputado o direito de dar parte ou todo do seu subsidio para as despezas do estado.

Se não se tivessem suscitado duvidas sobre a interpretação d'aquella resolução eu não teria levantado esta questão; mas desde o momento em que ella foi interpretada como obrigatoria, e não se estendeu a todos, entendo que o meio de entrarmos no verdadeiro caminho é suspendermos essa resolução e recommendar ao governo, que nas suas reformas, se lhe forem auctorisadas, attenda tambem para as despezas d'esta camara, regularisando-as como for mais conveniente.

O sr. Secretario (José Tiberio): — Peço licença para declarar á camara que quando a mesa processou as folhas para o pagamento dos subsidios, alguns srs. deputados reclamaram, dizendo que = queriam receber o subsidio por inteiro =; a mesa porém não resolveu affirmativamente essa reclamação, porque era obrigada a manter as resoluções da camara, não a devia alterar sem que a camara o determinasse.

O sr. José de Moraes: — Entendo que a camara deve manter a sua resolução (apoiados).

Não tratâmos de indagar se os empregados publicos soffrem ou não desconto.

Como disse o illustre deputado que me precedeu, esta questão não se póde resolver pela votação de uma proposta, porque altera um artigo da carta constitucional.

Mas devo declarar á camara, pelo que respeita aos deputados que são funccionarios, que alguns ha que se receberem os seus ordenados como empregados, ficam tendo menos do que se recebessem o subsidio de deputados.

(Interrupção de um sr. deputado.)

Respondo ao illustre deputado que me interrompeu que está enganado, e eu lhe vou citar desde já um exemplo.

O illustre deputado o sr. Testa recebe menos do que receberia se optasse pelo subsidio. S. ex.ª recebe sómente o seu soldo que é de 50$000 ou 54$000 réis mensaes; por-

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tanto aqui está provado que ha deputados que recebendo o ordenado recebem menos que o subsidio. A este respeito não direi mais nada.

Agora aproveito a occasião para responder a um artigo publicado n'um jornal que se publica n'esta capital.

Diz assim: «Dizem-nos que o sr. José de Moraes Pinto de Almeida, deputado pela Figueira, foi um dos que não tendo saído de Lisboa no espaço que decorreu de 15 a 29 de julho, recebeu comtudo a ajuda de custo da viagem!!! Será isto verdade? Não podemos cre-lo da parte de quem está sempre na brecha a gritar contra tudo e contra todos. Mas o boato circula».

Eu costumo sempre responder pelos meus actos, porque felizmente para mim não tenho acto algum na minha vida particular ou publica que me deshonre (apoiados). Responderei pois ao auctor do artigo que se quiz occupar da minha humilde pessoa, que recebi a ajuda de custo de jornada, assim como receberam muitos dos meus collegas, com pleno direito (apoiados). E de mais a mais devo dizer a este Catão da imprensa que ainda fizemos um grande favor em receber só a ajuda de custo da jornada com o abatimento de 50 por cento; porque os precedentes d'esta casa, os de 1865 e outros annos, são no sentido de se contar aos deputados o subsidio durante algum tempo em que as camaras estão fechadas.

Eu estive em Lisboa; não fui para a provincia, como não foram muitos dos srs. deputados, e não fomos porque os srs. ministros nos pediram que ficassemos em Lisboa, porquanto o parlamento devia ser convocado extraordinariamente.

Direi mais, sem comtudo querer dar satisfação ao Catão da imprensa, ao escrevinhador, que achou esta pequena borbulhinha para fallar de mim, que se eu conhecesse a pessoa que escreveu o artigo talvez tivesse occasião de lhe chegar a espada da justiça; mas como não teve a coragem de assignar o seu nome, não lhe respondo como desejava; entretanto, fique sabendo que eu procedi com toda a regularidade n'este negocio, porquanto fui ter com o sr. secretario José Tiberio, e lhe disse que estava em duvida de receber a ajuda de custo da jornada (O sr. José Tiberio: — É verdade.); mas, tendo-me s. ex.ª mostrado quaes eram os precedentes da casa, eu fiquei com a consciencia tranquilla e certo de que me assistia bom direito para receber a importancia da referida ajuda de custo.

Aqui está explicado o motivo por que a recebi e dada a resposta ao auctor do artigo que, se é empregado publico, talvez seja dos que não cumprem com os seus deveres.

O sr. Freitas e Oliveira: — As reconsiderações parece estarem em moda, mas eu pela minha parte opponho-me a ellas.

O parecer da commissão de fazenda, apresentado a esta camara por iniciativa do actual sr. ministro da fazenda, e que estabelecia um desconto no subsidio dos deputados, foi unanimemente approvado.

Hoje a camara póde reconsiderar, mas não me parece que isto produza grande effeito lá fóra (apoiados).

Disse o illustre deputado o sr. Fernando de Mello, que aquella decisão collocava n'uma grande desigualdade os deputados que não eram funccionarios publicos e aquelles que o eram, por isso que os deputados funccionarios publicos, que recebiam n'esta qualidade, não soffriam esse desconto nos seus vencimentos.

Peço perdão para dizer ao illustre deputado que está mal informado. A desigualdade, quando a houvesse, segundo o alvitre apresentado por s. ex.ª, era para os deputados que são funccionarios publicos, porque esses tinham o desconto nos seus vencimentos durante todo o anno, ao passo que os que não são empregados publicos tinham apenas o desconto no tempo em que as côrtes estão abertas.

(Interrupções de differentes srs. deputados.)

Eu não trato d'isso aqui, porque, não se declarando na decisão da camara a maneira como se havia de fazer esse desconto, a desigualdade era para os empregados publicos.

Mas eu pedi a palavra sómente para dizer ao illustre deputado o sr. Fernando de Mello que, qualquer que fosse a resolução da camara, eu, que não recebo como funccionario publico, mas sim como deputado, tenho tido esse desconto e continuo a querer que o meu subsidio seja descontado como até hoje, na fórma da resolução da camara. Vozes: — Muito bem.

O sr. Costa e Almeida: — Eu sinto discordar da opinião do illustre deputado o sr. Fernando de Mello. A sua proposta é para que fique suspensa a resolução da camara relativamente ao desconto nos subsidios dos deputados e nas ajudas de custo para jornadas, até que por uma proposta de lei se procure regularisar esta materia, distribuindo este sacrificio com maior igualdade. Parece-me que apesar das desigualdades, que na verdade existem pelo arbitrio, que foi tomado pela decisão da camara, esta decisão deve subsistir (apoiados). Creio que o caminho legal não será suspendermos essa resolução até que essa medida seja approvada, mas que pelo contrario o desconto continue a subsistir até que essa medida seja approvada.

Parece-me que isto seria o mais curial, mesmo para mostrarmos que nos não importa qualquer sacrificio, na occasião em que tratâmos de impor sacrificios a todas as classes de funccionarios publicos.

Não tenho mais nada a dizer.

O sr. Fernando de Mello: — Eu creio que não fui bem comprehendido quando expliquei a minha proposta.

A minha proposta era uma necessidade para bem se entender qual o sentido com que a camara tinha votado aquelle desconto no subsidio dos deputados. Eu não proponho nem requeiro reconsiderações. O que desejo é que a camara resolva definitivamente se a resolução que tomou era facultativa ou obrigatoria. Para mim a resolução da camara foi apenas uma subscripção voluntaria para acudir ás necessidades do thesouro; não a votação de um imposto. Se a camara e se s. ex.ª entendessem as cousas assim, a minha proposta não era necessaria. Mas desde o momento em que a mesa tomou como obrigação para a camara esse desconto, e essa obrigação não é reconhecida por outras repartições por onde recebem outros srs. deputados, entendo que a minha proposta é uma necessidade.

Posta a questão n'estes termos, peço que se mantenha a resolução da camara no sentido em que por ella foi tomada que não póde ser senão facultativa e não obrigatoria.

A camara conhece as prescripções da lei, conhece os seus principios e não póde querer por uma simples proposta revogar uma lei que todos nos respeitámos e devemos respeitar (apoiados).

Mantida a resolução da camara no sentido que a faz facultativa, V. ex.ª manda processar as folhas, pondo á margem o competente desconto, e cada sr. deputado recebe o subsidio com esse desconto ou sem elle, como quizer... (Interrupção que se não percebeu.)

O estado póde receber tudo, mas o que não quero é que se obrigue a um imposto sem ser pelas formalidades legaes. Todavia não ha inconveniente algum em que o estado receba todo o subsidio ou metade ou um decimo d'esse mesmo subsidio. V. ex.ª, repito, manda processar as folhas indicando o desconto, cada sr. deputado aceita ou não esse desconto, ficando todavia o sr. thesoureiro auctorisado a receber as reducções que os srs. deputados indicarem. Se a resolução da camara foi tomada n'este sentido e a mesa a aceita debaixo d'este ponto de vista, a minha proposta é desnecessaria; mas se porventura não foi, a minha proposta deve-se discutir (apoiados).

O sr. Secretario (José Tiberio): — Tenho a declarar por parte da mesa que emquanto a resolução que foi tomada não for alterada, a mesa que é fiel executora das resoluções da camara, está no firme proposito de mandar processar as folhas com a competente deducção (apoiados). E se a camara tomar posteriormente alguma resolução em contrario, a mesa ha de observa-la igualmente com a mesma fidelidade (apoiados).

Tenho tambem a declarar á camara que a mesa fez a devida communicação para todos os ministerios, declarando o que se havia resolvido, porém ignoro o que se fez por parte do governo, porque a mesa não teve conhecimento d'isso.

O sr. Costa e Almeida: — Pedi a palavra unicamente para dizer ao meu illustre amigo e collega, o sr. Fernando de Mello, que com effeito todos estamos de accordo na intelligencia que se deve dar á resolução que a camara tomou, porque não é uma lei, mas para nós tem a mesma força, pois que é completamente obrigatoria (apoiados). Não entendo que haja um unico collega nosso que, tendo-se tomado por unanimidade essa resolução, vá agora desfazer o que se deliberou (muitos apoiados). Entretanto tambem reconheço que uma proposta não póde revogar uma lei, porque para isso é preciso um projecto de lei.

Portanto a proposta do sr. Fernando de Mello parece-me completamente inutil, porque uma vez que todos estamos de accordo em que a camara tomou essa resolução no sentido obrigatorio, a votação sobre ella torna-se desnecessaria (apoiados).

Nós estamos todos concordes em que deve começar por nós o sacrificio em favor do paiz, e por isso não ha necessidade de um projecto de lei para cedermos uma parte do subsidio para as urgencias do estado (muitos apoiados).

O sr. Fernando de Mello: — Mando para a mesa uma nova proposta em substituição á que já mandei, que me parece acaba completamente a questão.

Leu-se e é a seguinte

Proposta

A camara declara que a sua resolução tomada na sessão de 25 de junho do corrente anno, ácerca de subsidios, foi facultativa, e não obrigatoria, para cada um dos srs. deputados. = Fernando de Mello.

Foi admittida, e retirada a primeira proposta.

O sr. Pereira Dias: — E com alguma repugnancia que entro n'este debate, entretanto creio que da parte da camara haverá todo o bom senso, e ao mesmo tempo toda as cordura, para que, levantada uma questão d'esta ordem, não lhe dê um corpo, um vulto, um não sei que, que lá fóra seja mal apreciado e se julgue que a questão foi aqui apresentada com um intuito que na realidade não existe.

Quando votei a proposta, foi no sentido de que ella era voluntaria, mas desde logo me convenci de que toda a camara se sujeitaria ao sacrificio que ella estabelecia (apoiados).

Votei tambem a proposta como prenuncio de outras propostas que desgraçadamente não vi apresentar n'esta casa (apoiados).

É necessario que se saiba, que as circumstancias em que votámos aquella proposta, indicavam a todos que em breve se apresentariam ao parlamento propostas de outra ordem, para resolver as quaes era conveniente que a camara dos deputados se anticipasse a dar o exemplo de reduzir o subsidio dos seus membros; e como em virtude da carta constitucional, não se podia estabelecer isso por uma lei, seguiu-se aquelle alvitre em virtude do qual nós, senão legal, ao menos moralmente, estamos sujeitos a segui-lo.

Declaro porém á camara com toda a franqueza, que desde o momento em que eu soube que nem todos os deputados se sujeitam áquelle sacrificio, e principalmente aquelles que pela sua posição n'esta casa deviam ser os primeiros a sujeitar-se, senti logo em mim o desejo de não me sujeitar tambem. E é necessario que se comprehenda que este sentimento da minha parte não é egoismo, não é um sentimento mesquinho, um sentimento pequeno; é um não sei que, ou antes sei o que é, mas dispense-me a camara de exprimir, porque entendo que as minhas palavras não seriam convenientes se fossem proferidas n'este logar. (Uma voz: — Todos comprehendem.) Entendo por consequencia que o debate suscitado n'este momento, é inconveniente debaixo do ponto de vista das minhas idéas (apoiados), ou a camara' quer sujeitar-se ou não áquella resolução. Se a camara entende, como parecem indicar os apoiados que partem de todos os lados, que aquella resolução obriga como se fosse uma lei, então sujeitem-se a ella todos os deputados quaesquer que elles sejam, quaesquer que sejam as fontes d'onde percebem os seus subsidios (apoiados).

É n'este sentido que tomei a palavra n'este debate, pondo de parte todas as circumstancias, porventura pequenas, que possam acompanhar esta questão.

O sr. Costa e Almeida: — Mando para a mesa a seguinte:

Proposta

A camara mantem a sua resolução, tomada na sessão de 25 de junho do corrente anno, a respeito da deducção nos subsidios e ajudas de custo para viagens, e passa á ordem do dia. = Costa e Almeida.

Foi admittida.

O sr. Moraes Pinto: — Requeiro que se consulte a camara sobre se julga este incidente sufficientemente discutido, e se quer que sobre a proposta do sr. Fernando de Mello ou Costa e Almeida haja votação nominal.

Consultada a camara resolveu que a materia se achava sufficientemente discutida, e que houvesse votação nominal.

O sr. Fernando de Mello: — Peço á mesa que declare se existem reclamações ácerca do desconto do subsidio, e que se leiam os nomes dos srs. deputados que fizeram essas reclamações.

O sr. Secretario (José Tiberio): — Existem effectivamente sobre a mesa algumas reclamações, e se a camara quer, direi os nomes dos srs. deputados que as fizeram (apoiados).

Leram-se na mesa os seguintes documentos:

Os deputados, abaixo assignados, considerando que votaram na sessão de 25 de junho passado a proposta apresentada pela commissão de fazenda para a deducção de 10 por cento nos seus vencimentos, e de 50 por cento na ajuda de custo para a jornada, na persuasão e esperança de que se fizesse uma proporcional deducção nos ordenados de todos os servidores do estado, o que até agora se não effectuou;

Considerando que os seus collegas deputados, que são empregados publicos, não aceitaram a deducção votada, antes exigiram o pagamento por inteiro dos ultimos quinze dias da sessão passada;

Considerando que a resolução tomada n'aquella sessão não tem caracter legal obrigatorio, e apenas facultativo, porque o subsidio dos deputados está estabelecido por lei, que só por outra lei póde alterada ser;

Considerando finalmente que não é justo que os abaixo assignados soffram deducção em seus subsidios e ajudas de custo, emquanto outros seus collegas e mais servidores do estado não seguem voluntaria ou forçadamente o seu exemplo, que de per si só é insufficiente para salvar e equilibrar as finanças do estado:

Por estas rasões declaram e requerem que se lhes paguem os seus subsidios e ajudas de custo na fórma que determina a lei de 26 de julho de 1856, e que n'este sentido se lhes processem as respectivas folhas emquanto o exemplo que deram não for geral. = Antonio do Rego de Faria Barbosa = João Carlos de Assis Pereira de Mello = José Maria Leite Ferraz de Albergaria = Fernando de Mello = João Manuel da Cunha = João Maria de Magalhães = José Galvão = Antonio Pinto de Magalhães Aguiar = Francisco de Albuquerque Couto (não assisti á votação) = Custodio Joaquim Freire = José Freire de Carvalho Falcão = Manuel Pereira Dias = Antonio Roberto de Araujo Queiroz.

Declarâmos, os abaixo assignados, que queremos as folhas dos subsidios sem desconto, por se não ter feito aos que optam por ordenado. = A. A. Ferreira de Mello = José Galvão = A. Pinto de Magalhães Aguiar = Montenegro = Manuel Pereira Dias = Costa Lemos = João Maria de Magalhães = João Carlos de Assis Pereira de Mello = Custodio Joaquim Freire = Por o motivo acima allegado, e porque achei a deducção insignificante, e não ter assistido á sessão em que se tomou tal decisão, Antonio de Mendonça Falcão e Povoas.

O sr. Araujo Queiroz: — Pela minha parte desisto do objecto da reclamação.

O sr. Presidente: — Vae proceder-se á votação nominal.

O sr. José Maria de Magalhães: — V. ex.ª não me dá a palavra, tendo eu sido, quasi dos primeiros a pedi-la?!

O sr. Presidente: — É preciso que a camara resolva.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Tem a palavra.

O sr. José Maria de Magalhães: — Pedi a palavra para declarar ao sr. Fernando de Mello que estava equivocado quando disse que nas repartições publicas não se tinham feito as deducções. Declaro a s. ex.ª que, tendo eu a honra de gerir a pasta do ministerio da guerra, quando a camara tomou essa resolução recebi uma communicação da mesa em que me participava a resolução tomada por esta camara, e n'essa conformidade, pelo que diz respeito aos militares que optaram pelos seus soldos, fez-se-lhes a deducção e deixaram de receber a quota correspondente ao que devia ser descontado aos deputados que recebem subsidio.

O sr. Presidente: — Vae votar-se.

O sr. Costa e Almeida: — Parece-me mais conveniente, para illustração da camara, que se mande ler a proposta do sr. Fernando de Mello, e em seguida a minha.

O sr. Gavicho: — A proposta do sr. Costa e Almeida

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deve votar-se primeiro, porque conclue por se passar á ardem do dia.

O sr. Pereira Dias: — Desejo pedir a v. ex.ª um esclarecimento. A proposta que vae votar-se primeiro é a do sr. Costa e Almeida, em que se diz que se mantenha a resolução tomada pela camara? Declaro a v. ex.ª que vou votar a favor d'essa proposta, convencido de que todos os meus collegas se sujeitam á resolução tomada pela camara; mas desde o momento em que eu vir que nem todos se sujeitam a essa resolução, declaro muito terminantemente desde já, que hei de vir aqui levantar a questão, e dizer que não me sujeito a ella emquanto todos se não sujeitarem.

O sr. Fernando de Mello: — Como v. ex.ª sabe, a minha proposta não é para invalidar a resolução da camara; é uma proposta explicativa, e pedia a v. ex.ª a bondade de a mandar pôr á votação, porque não prejudica a do sr. Costa e Almeida.

O sr. Secretario (José Tiberio): — Parece-me que o requerimento foi para votação nominal sobre a proposta do sr. Fernando de Mello.

Vozes: — Não foi, não foi.

O sr. Fernando de Mello: — Peço a v. ex.ª que, depois da votação da proposta do sr. Costa e Almeida, se vote a minha, porque não fica prejudicada (apoiados).

O sr. Costa e Almeida: — Desejava ver se terminava este incidente, com o qual não vale a pena tomar tanto tempo. Creio que o sr. Fernando de Mello não terá duvida em retirar a sua proposta, por isso que a minha não significa senão um compromisso moral:

As palavras que o sr. Fernando de Mello emprega na sua proposta, equivale a eu dizer na minha que a camara mantem a resolução moral de sustentar o que já votou. É claro que isto não é lei, não obriga ninguem senão moralmente.

Vozes: — Votos, votos.

O sr. Presidente: — Peço licença para dizer ao illustre deputado que a resolução da camara obrigou a mesa a proceder como procedeu.

O sr. Secretario (José Tiberio): — Entendo que a questão fica resolvida só quando se votar a proposta do sr. Fernando de Mello, pois que depois de votada a proposta do sr. Costa e Almeida ainda subsiste a duvida. Resolva porém a camara o que entender.

Feita a chamada para a votação sobre a proposta do sr. Costa e Almeida

Disseram approvo — os srs.: Adriano de Azevedo, Alvaro Seabra, Annibal, Braamcamp, Alves Carneiro, Ferreira de Mello, Villaça, A. B. de Menezes, Sá Nogueira, Castilho Falcão, Brandão, Ferreira Pontes, Seabra Junior, Arrobas, Magalhães Aguiar, Costa e Almeida, Araujo Queiroz, Torres e Silva, Falcão da Fonseca, Barão da Trovisqueira, Cunha Vianna, B. F. Abranches, B. F. da Costa, Velloso de Carvalhal, Eduardo Tavares, F. F. do Mello, Silva Mendes, Gavicho, Bicudo Correia, F. M. da Rocha Peixoto, Pinto Bessa, Silveira Vianna, Van-Zeller, Xavier de Moraes, Gaspar Pereira, Guilhermino de Barros, Henrique Cabral, I. J. de Sousa, Freitas e Oliveira, Almeida Araujo, Judice, Santos e Silva, J. A. Vianna, Ayres de Campos, Gaivão, Cortez, Calça e Pina, Fradesso da Silveira, J. Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Gusmão, Galvão, Bandeira de Mello, Sette, Correia de Oliveira, Dias Ferreira, Faria Pinho, Teixeira Marques, Pereira de Carvalho, Costa e Silva, Frazão, José Maria de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, Rosa, José de Moraes, José Paulino, Batalhoz, J. R. Coelho do Amaral, José Tiberio, M. B. da Rocha Peixoto, Motta Veiga, Penha Fortuna, Aralla e Costa, Pereira Dias, Mathias de Carvalho, Pedro Franco, P. M. Gonçalves de Freitas, R. de Mello Gouveia, Galrão, Sebastião do Canto e Vicente Carlos.

E disseram rejeito — os srs.: Faria Barbosa, Custodio Freire, Pereira Brandão, Fernando de Mello, Rolla, Assis Pereira de Mello, J. M. da Cunha, Freire Falcão e Ferraz de Albergaria.

O sr. Fernando de Mello: — Requeiro a v. ex.ª que ponha á votação a minha proposta, por isso que ella é a explicação da do sr. Costa e Almeida.

O sr. Secretario (José Tiberio): — É necessario que a camara declare se esta resolução é ou não obrigatoria para a mesa, ou se é facultativa para os srs. deputados que quizerem poderem reclamar.

O sr. Fernando de Mello: — Peço a v. ex.ª tenha a bondade de consultar a camara, sobre se quer ou não votar a minha proposta. A camara decida como entender.

O sr. Secretario (José Tiberio): — A mesa, repito, vê-se embaraçada sem uma resolução definitiva da camara, e pede á camara que a tome.

O sr. Calça e Pina: — Sinto muito que esta questão se levantasse, mas a proposta do sr. Fernando de Mello está prejudicada, e portanto entendo que subsiste a resolução tomada por parte da camara.

A camara resolveu que se deduzissem do subsidio 10 por cento, e 50 por cento da ajuda de custo para jornadas. Suscitou-se agora novamente a questão, e a camara confirmou a sua resolução, e portanto não ha mais que dizer sobre isto (apoiados). Lamento que a questão se levantasse, porque me parece demasiadamente mesquinha para o parlamento (muitos apoiados).

Foi rejeitada a proposta do sr. Fernando de Mello, depois de se consultar a camara sobre ella.

O sr. Santos e Silva: — Mando para a mesa dois pareceres da commissão de fazenda.

ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vae entrar em discussão o projecto n.° 7.

É o seguinte:

Projecto de lei n.º 7

Senhores. — A commissão especial encarregada de dar o seu parecer sobre a proposta de lei do governo, para ser auctorisado a decretar, até á proxima sessão legislativa, as reducções compativeis com a boa organisação dos serviços, considerou este grave assumpto com a circumspecção que elle reclama, e depois de ouvir o governo, para apreciar o alcance do seu pensamento, obedecendo unicamente ás conveniencias do bem publico e aos dictames da sua consciencia, resolveu opinar em favor da auctorisação.

Não ha duvida de que em these melhor é, e mais constitucional, que o parlamento exerça todas as suas attribuições do que delegue algumas dellas, posto que temporariamente; mas não é menos exacto que rasões superiores de conveniencia publica, e circumstancias extraordinarias, podem justificar uma excepção a esta regra. Escusado é citar, por muitos conhecidos, os exemplos d'estas excepções que se encontram na nossa historia parlamentar.

Se em circumstancias normaes as côrtes têem julgado opportuno e conveniente delegar no governo a auctoridade de fazer certas reformas nos serviços publicos, sem por isso se reputar menosprezada a sua dignidade e a sua competencia, nem desacreditado o systema constitucional, por se entender que o governo está mais no caso de conhecer praticamente as necessidades e o mechanismo d'esses serviços, e de prover á sua melhor organisação, como hão de querer as côrtes agora incorrer na responsabilidade de negar uma auctorisação para reduzir os quadros e simplificar o serviço, com o fim de se realisarem as economias que o paiz reclama? Como hão de negar essa auctorisação quando a pressão da opinião publica é justificada pelas difficuldades financeiras que nos opprimem, e que não consentem adiamento, quando é indispensavel attenuar um deficit pela reducção da despeza e habilitar os poderes publicos a votarem o augmento da contribuição para conjurar a crise que nos ameaça? O ministerio transacto reconheceu tanto a urgencia d'esta auctorisação para reduzir os quadros e simplificar os serviços, que a pediu ampla, por um anno, no artigo 9.° da proposta de lei de despeza do orçamento de 1868-1869.

O que é indispensavel é que n'essas reducções e simplificações se não prejudique a boa organisação dos serviços, se não sacrifique o nosso progresso, e se não deixem de attender devidamente os direitos legitimamente adquiridos dos funccionarios publicos. N'estes principios declarou estar o governo, e de accordo com elles vae consignado um additamento ao artigo 3.° da proposta de lei, para tornar bem claro o seu pensamento, dar mais uma garantia aos empregados e assegurar a interferencia parlamentar na importante questão de regular os vencimentos.

Seria talvez para desejar que se fixassem outras bases para limitar a auctorisação; mas abrangendo ella todos os serviços dependentes dos diversos ministerios, já se vê que ou as bases teriam de ser por extremo numerosas, ou então seriam deficientes e perderiam a sua significação e alcance. Demais, estando no fim da sessão legislativa, que pelas circumstancias de todos conhecidas será muito difficil prorogar-se, não cabia agora na estreiteza do tempo formular essas bases, e muito menos discuti-las, ao que aliás seria talvez preferivel discutir os projectos das reducções e reformas. Em todo o caso, a auctorisação é por tempo muito limitado, e a camara na sua proxima reunião tomará couta ao governo do uso que d'ella tiver feito.

Não é necessario expor-vos todas as idéas que o governo manifestou no centro da commissão, para tornar bem patente o pensamento com que pediu ao parlamento a auctorisação de que se trata; os srs. ministros de certo as communicarão á camara e esse será o melhor relatorio que lhe póde ser presente para a habilitar a tomar uma resolução.

A vossa commissão pareceu que as palavras dos srs. ministros revelavam as melhores intenções e o mais dedicado patriotismo, e faz sinceros votos para que os seus actos correspondam aos nobres sentimentos que os animam e para que os seus hombros não verguem debaixo da pesada responsabilidade que elles tomam com uma confiança digna de boa sorte.

Fundada nas resumidas considerações que acaba de expor-vos, é a vossa commissão de parecer que a proposta do governo seja convertida no seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a decretar no pessoal e no material dos serviços publicos dependentes de todos os ministerios as reducções compativeis com os mesmos serviços.

Art. 2.° Com os empregados excedentes, depois de fixados os novos quadros, se irão preenchendo as vacaturas que occorrerem, sendo collocados, quanto possivel, nos empregos analogos áquelles que exerciam na mesma ou em differente repartição.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes, na proxima sessão legislativa, do uso que tiver feito d'esta auctorisação, e apresentará a proposta de lei para regular os vencimentos dos empregados que temporariamente ficarem fóra dos quadros sem servir.

Sala da commissão, em 7 de agosto de 1868. = Belchior José Garcez = Anselmo José Braamcamp = Antonio Cabral de Sá Nogueira = José Maria Rodrigues de Carvalho = Joaquim Thomás Lobo d'Avila, relator.

Senhores. — Não é sem justo fundamento que a opinião pede actualmente consideraveis reducções nos diversos ramos do serviço publico.

Sem perturbar a sua regularidade e boa ordem, antes assegurando o seu melhoramento por uma racional simplificação, é possivel reorganisar e reduzir os quadros do pessoal e diminuir os encargos do thesouro no material dos differentes serviços da nação.

Por este meio se alcança desde logo uma importante e effectiva limitação das despezas ordinarias, ainda que nem todas as reformas effectuadas signifiquem a immediata economia de todas as verbas, cuja extincção se haja de decretar.

O governo, aceitando a responsabilidade que lhe impõem as difficuldades com que luta, e os votos do paiz, é obrigado a dispor e adoptar desde já as providencias que lhe facilitem o apresentar em breve praso ao parlamento uma serie de medidas consagradas a conjurar os embaraços da presente situação.

Com este fim vem o governo pedir-vos uma auctorisação para que não fiquem demoradas até á proxima reunião das côrtes as resoluções que para reduzir as despezas publicas e attenuar o desequilibrio do orçamento, é urgente adoptar immediatamente, para satisfazer ás imperiosas exigencias da necessidade, confirmadas pelas reclamações da opinião.

Sem renunciar aos melhoramentos indispensaveis para que se não arrisque nem immobilise a nossa progressiva civilisação, dentro dos limites assignalados pela estreiteza dos nossos recursos actuaes; sem desorganisar nenhum genero de administração ou de serviço, que se deva não só manter, mas ainda aperfeiçoar, pede o governo ser auctorisado a fazer nas despezas publicas todas as reducções que sejam conciliaveis com o bom serviço, expungindo do orçamento todas as verbas que, sem damno dos nossos progressos sociaes e administrativos, se possam e devam eliminar.

O paiz exige, de feito, que se torne menos custoso o preço da sua administração. E a este voto do paiz é possivel responder em parte desde já. Não são de certo unicamente as exequiveis reducções nos encargos do serviço que nos hão de ministrar a completa solução de um problema de si naturalmente complexo, qual o da boa organisação da fazenda publica. Minorar porém quanto é possivel as despezas, é habilitar o governo a pedir á nação os sacrificios necessarios para melhorar efficazmente a situação financeira do paiz. Protrahi-la por successivos adiantamentos fôra sem duvida o maior e o mais lastimavel desperdicio, fóra aggrava-la de dia em dia, tornando menos facil o remedio.

Requer a gravidade das nossas circumstancias que o governo emprehenda sem demora o que lhe é dado fazer na presente conjunctura, para acudir ás primeiras e mais instantes exigencias do paiz, e para que possa, n'um proximo futuro, completar e desenvolver por uma serie de medidas o seu pensamento governativo.

Firmado n'estas ponderações, o governo tem a honra de submetter ao vosso esclarecido exame e deliberação a seguinte proposta de lei:

Artigo 1.° É o governo auctorisado a decretar no pessoal e no material dos serviços publicos dependentes de todos os ministerios as reducções compativeis com os mesmos serviços.

Art. 2.° Com os empregados excedentes, depois de fixados os novos quadros, se irão preenchendo as vacaturas que occorrerem, sendo collocados quanto possivel nos empregos analogos áquelles que exerciam na mesma ou em. differente repartição.

Art. 3.° O governo dará conta ás côrtes na proxima sessão legislativa do uso que tiver feito d'esta auctorisação.

Secretaria d'estado dos negocios da guerra, 3 de agosto de 1868. = Sá da Bandeira = Antonio, Bispo de Vizeu = Carlos Bento da Silva = José Maria Latino Coelho = Sebastião Lopes de Calheiros e Menezes.

O sr. Pinto de Magalhães (Joaquim): — O artigo 17.° do regimento d'esta casa diz que = todo e qualquer deputado, quando se tratar de uma questão em qualquer estado do debate póde apresentar outra questão como preliminar, quando veja que esta prejudica a questão que se discute, e na ordem da discussão e da votação, esta questão considera-se como a principal, visto que prejudica a outra que está em discussão =.

Eu quando pedi a palavra para uma questão prévia não quiz prejudicar todos os meus collegas quando a tinham pedido sobre a ordem e sobre a materia, mas sim porque a natureza da minha proposta é daquellas que o regimenta diz ir prejudicar a questão primaria.

A camara pela leitura d'ella verá que está nos termos do regimento.

A minha proposta é a seguinte:

«Como questão preliminar proponho que a camara resolva, se a proposta do governo, que está em discussão, na fórma ampla e absoluta, como está concebida, offende ou não os §§ 6.º e 14.° do art. 15.° da carta constitucional. O art. 144.° da mesma carta, e o art. 15.° §§ 1.° e 2.° do acto addicional.»

Ha aqui duas alternativas no julgamento d'esta questão. A proposta do governo offende ou não offende a carta? Eu como membro da camara, discutindo e votando, tenho de collocar-me n'uma das alternativas.

A minha opinião é que offende, que o projecto é inconstitucional, é isto que me encarrego de demonstrar á camara.

A carta estabeleceu os poderes politicos e deu jurisdicção propria e atribuições a cada um d'elles.

O poder legislativo tem a jurisdição de fazer, interpretar e revogar leis. A delegação d'esta jurisdicção não a póde fazer, porque a sua missão é toda especial, exclusivamente sua, que lhe dá o diploma eleitoral exercido conforme as regras da carta. Não póde haver interferencia de outros poderes, porque essa interferencia trazia a morte do systema representativo, porque a camara sabe que o systema constitucional é um systema de publicidade, formulas e garantias, e não se respeitando isto, ha desordem e confusão,

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porque os poderes politicos não podem girar dentro da arbitração que estabelece a carta. Toda a vez que um poder prejudique o outro, ha uma anarchia e soffre a sociedade.

O direito de legislar pertence só ás côrtes, é privativo dellas, e não o podem delegar, porque é indeclinavel.

Conceder essa delegação, seria a morte do poder legislativo que é a alma e a vida do systema constitucional. Fazer essa alienação seria aniquila-lo, enfraquece-lo e desprestigia-lo, mas felizmente a carta e os principios oppõem-se a essas delegações e representação do poder legislativo, porquanto quer outro poder politico.

Não é só o § 6.° do artigo 15.° da carta constitucional offendido pela proposta do governo, é tambem o § 14.°, onde se diz que é da attribuição das côrtes o crear empregos e determinar os respectivos ordenados, e, em todos os cento e quarenta e sete artigos da carta, não apparece a delegação d'esta funcção no poder executivo, porque esta funcção é toda especial do poder legislativo, e não póde ser representado por outro poder, porque o direito de representação é impossivel, e só se poderia admittir no caso de dictadura; mas n'este caso ha outros deveres e outras responsabilidades a cumprir, de que tratarei logo.

Por consequencia á vista dos §§ 6.° e 14.° do artigo 15.° da carta não se póde fazer a delegação que se pede, porque isto quer dizer que o poder legislativo não faz nada, não cumpre a sua missão e entrega o seu mandato a outro poder, o que é opprobrioso, altamente opprobrioso.

O artigo 144.º da carta tambem é violado pela proposta do governo. Este artigo diz que é constitucional tudo o que diz respeito ás attribuições dos poderes politicos, direitos e garantias dos cidadãos. Ora querendo o governo tornar-se legislador de uma maneira tão ampla e absoluta, como se vê da sua proposta, invade e aggride a constitucionalidade da carta; pede aquillo que esta não consente, e que pertence exclusivamente a outro poder; pede o aniquilamento do systema parlamentar, aonde esta a alma, e a vida de todos os governos que se regem por instituições livres. Abatido o poder legislativo, a liberdade de um povo está em retirada. A proposta do governo tambem offende o acto addicional.

Todos sabem quanto tempo duraram as nossas guerras civis de 1834 para cá. Queriam uns a carta, outros a constituição de 1820 e outros a constituição de 1838; reputando-se estes dois ultimos codigos como mais liberaes por terem uma origem verdadeiramente constitucional, verdadeiramente democratica, qualidade que se não dava na carta, porque não tinha sido obra dos representantes da nação reunidos em côrtes, mas tinha sido dadiva de um principe, que foi um grande soldado, e o primeiro auctor da liberdade d'este paiz, e de quem temos recordações muito affectuosas. Esta divergencia de opiniões deu logar a guerras interminaveis entre nós, invocando-se sempre n'essas guerras os principios politicos.

O acto addicional veiu finalmente pôr termo a esse estado de cousas, e ainda bem, porque desde então temos sido mais felizes, porque essas distincções politicas acabaram, porque terminaram esses odios, e veiu uma epocha de tolerancia e de paz.

Os legisladores que fizeram o acto addicional, tendo notado que o poder executivo, em differentes epochas, tinha invadido as attribuições do legislativo, marcaram, como excepção filha da experiencia, os casos em que o executivo podia legislar, dizendo no artigo 15.°, §§ 1.º e 2.°:

«§ 1.° Não estando reunidas as côrtes, o governo, ouvidas e consultadas as estações competentes, poderá decretar em conselho as providencias legislativas que forem julgadas urgentes.

«§ 2.° Os governadores geraes das provincias ultramarinas poderão tomar as providencias indispensaveis para acudir a alguma necessidade tão urgente que não possa esperar pela decisão das côrtes ou do governo.»

O § 1.º delega no governo a attribuição de legislar só na ausencia das côrtes, e quando necessidades urgentes o exigirem, sendo ouvidas as estações competentes, e a mesma attribuição é concedida no § 2.° aos governadores geraes do ultramar. Ha portanto duas limitações constitucionaes ao direito de legislar que se delega; só para estes dois casos é que se estabelece a delegação; no mais, o direito de legislar é inalienável, e não podemos declina-lo em outro corpo politico. Não podêmos portanto approvar o que se pede na proposta que foi submettida á nossa consideração, e que esta servindo de thema ao debate.

Mas até mesmo no caso do § 2.º os governadores geraes das provincias ultramarinas não podem fazer uso do direito de legislar tão amplamente como ahi se estabelece, porque se fez a lei de 14 de agosto de 1856 que lh'o limitou, declarando quaes as circumstancias de urgente necessidade e graves em que podiam usar d'elle.

Notem mais os illustres ministros e todos os meus collegas que a carta constitucional e o acto addicional em nenhum dos seus artigos e paragraphos contém disposição alguma por onde se possa entender que o poder legislativo póde delegar as suas funcções, funcções as mais importantes de todas no poder executivo, fóra das excepções constitucionaes que citei.

A nossa missão é portanto indeclinavel, indelegavel, não póde ser desempenhada por nenhum outro corpo politico; não podêmos dar um poder que não é nosso, que nos vem do mandato que recebemos, o qual não nos auctorisa a delega-lo; não o podêmos fazer, e por consequencia a proposta do governo é uma proposta inconstitucional que offende e prejudica o nosso mandato e a lei fundamental do estado.

Mas não ha só a offensa da carta constitucional e do acto addicional na proposta do governo, ha offendidos tambem os precedentes d'esta casa, como eu vou mostrar á camara e ao proprio sr. ministro da fazenda, que já foi meu complice aqui n'uma questão em que eu tive de me separar dos meus amigos politicos.

S. ex.ª lembra-se de certo dos assassinatos de Loanda em 1862; s. ex.ª veiu aqui com um projecto propondo certas providencias extraordinarias, porque alguns pretos assassinavam já os brancos; as auctoridades estavam aterradas e sem força, os processos regulares eram muito morosos, e julgava-se necessario dar força á auctoridade, e alterar a fórma dos processos, a fim de os tornar mais rapidos, e serem punidos os assassinos; e independentemente da intervenção do governo da metropole s. ex.ª queria que lhe votasse auctorisação para alterar a fórma dos processos, porque assim o demandavam as circumstancias especiaes em que se achava a provincia de Angola.

O sr. Fontes Pereira de Mello, meu nobre amigo, que sinto muito e muito não ver n'esta casa, apresentou uma questão previa no sentido em que eu apresento hoje esta; isto é, propondo que a camara decidisse se era ou não inconstitucional a proposta apresentada pelo sr. Carlos Bento, então ministro da marinha, que aquelle deputado julgava offender o artigo 74.º § 7.° da carta constitucional, que permitte ao rei o perdoar ou minorar as penas aos réus condemnados pelos tribunaes. A camara discutiu esta proposta preliminar, e a final decidiu que ella offendia a constituição do estado.

Ora, se nós em 1862, ou se a camara dos deputados em 1862 decidiu que se não podia defender nem admittir a proposta do sr. ministro da marinha, porque era inconstitucional, porque offendia as attribuições de um dos poderes do estado, porque não ha de esta camara dizer hoje o mesmo, quando manifestamente, em vista das considerações que tenho apresentado, se não póde deixar de reconhecer que a proposta era discussão offende as prerogativas e attribuições do poder legislativo? Como podemos nós, corpo legislativo, abdicar da nossa missão, concedendo ao podér executivo uma auctorisação d'esta magnitude, quando o governo nos não apresenta base alguma por onde se possa conhecer quaes são as suas vistas, quando nos não diz ao menos como quer proceder? Como podemos dar ao governo um voto de confiança tão amplo quando sabemos a priori que o governo não tem sequer pensamento politico? Pois não sabemos todos como se formou esta administração? Ignorâmos porventura que se andaram a convidar uns e outros para aceitar as pastas...

Uma voz: — Foram agarrados a cordel.

O Orador: — Não digo que foram agarrados a cordel como se faz ás vezes com os recrutas para o exercito, nem quero dizer que o ministerio formado pela maneira por que foi não seja composto de cavalheiros de muita intelligencia e dignos de toda a consideração; eu só sustento os principios, não trato de pessoas.

Além d'isto que conveniencia póde resultar d'esta auctorisação que o governo nos pede, quando elle tenciona em novembro, como por ahi se assegura, abrir novamente as camaras? Que ha de o governo fazer n'este pequeno intervallo de tempo? Quer decidir um assumpto da grandeza d'aquelle para que pede a auctorisação n'este pequeno espaço? E se d'esta pressa, se d'este vehemente desejo de reformar o governo nos apresentar em novembro conta dos seus actos e do uso que fez, d'esta proposta, e elle não for perfeito, se for defeituoso? É então que os havemos de remediar? Pense a camara bem, que é muito serio, o veja os grandes e enormes perigos que podem resultar d'uma tal auctorisação.

Mas não fica aqui; eu vou apresentar á camara outro aresto em que esta compromettido o sr. presidente do conselho de ministros, o sr. marquez de Sá da Bandeira.

Em 1857, differentes cidadãos de Lisboa quizeram constituir-se em sociedade agricola commercial, de colonisação e mineração da provincia de Moçambique; queriam que o governo portuguez lhes desse a soberania da provincia, e a faculdade de nomear e demittir empregados, fazer propostas de lei, etc...; n'uma palavra, queriam substituir-se ao estado. Pois o sr. visconde de Sá, presidente do conselho ultramarino, onde foi essa pretensão, disse que tal se não podia fazer, que ninguem podia substituir-se ao estado e que aquella concessão offendia o artigo 146.° da carta constitucional, que marca os direitos politicos dos cidadãos. Julgou-se n'aquelle tribunal que aquella medida era inconstitucional, com o que concordou o governo, assim como eu julgo que o projecto em discussão é tambem inconstitucional.

Mas, diz o governo, nós havemos de dar conta ás côrtes. Ora, pergunto eu, com toda a sinceridade e sem espirito algum offensivo para o governo: porque não se constitue o governo em dictadura? Para que nos ha de sujeitar á confissão da nossa incompetencia? Constitua-se em dictadura, porque ao menos assim tem responsabilidade. Faça todas as reformas que entender convenientes a bem do paiz, e se ellas forem boas, o paiz o applaudirá e a camara depois lhe dará um bill de indemnidade.

Mas é exactamente a esta responsabilidade que o governo se quer eximir, e para este fim não duvida de vir á camara pretender. arrancar-lhe uma lei que nos é odiosa, e que mostra que nós não sabemos cumprir a nossa missão. Estamos reunidos ha tres mezes; não podémos fazer cousa alguma por culpa do governo, e a final querem que o auctorisemos a fazer aquillo que nós deviamos ter feito.

Bem sei que o governo póde dizer que esta concessão se tem feito muitas vezes; mas a isso respondo eu que é verdade que algumas vezes se tem dado estas auctorisações, mas sempre assentes sobre bases claras e definitivas, de modo que a camara quando as vota, já sabe de antemão o que quer que se faça. Reformas d'este modo comprehendem-se, porque se respeitam os principios constitucionaes.

Por exemplo, o sr. Ferreri pediu era 1859 auctorisação para reformar a secretaria de marinha e ultramar; foi-lhe concedida pela lei de 3 de agosto de 1859, mas essa lei dizia que o governo ficava auctorisado a fazer aquella reforma em conformidade da lei de 2 junho de 1857, que marcava as bases que se deviam seguir em todo este assumpto, tanto sobre nomeação de empregados, como sobre organisação de serviço.

Auctorisações assim são permittidas, porque não offendem a carta constitucional; são verdadeiras delegações que não offendem os corpos legislativos; mas o que nunca se póde votar é uma auctorisação que nas mãos do governo póde dar-lhe direito a fazer grandes injustiças, a violar as leis e a fazer perder direitos adquiridos e respeitaveis.

Mas ha mais uma rasão, para mim muito forte, e que me obriga a não votar esta auctorisação. Quem vae agora fallar por mim é o sr. ministro da fazenda; são as propostas que nós votámos hontem e ante hontem. E de passagem direi que dos outros srs. ministros ainda espero alguma cousa, porque não conheço ainda os seus actos; mas do sr. ministro da fazenda estou já em plena desconfiança com relação aos seus planos.

S. ex.ª, quando opposição, é um rouxinol que nos deleita; mas quando governo as suas propostas ficam muito áquem das dos seus antecessores; são mais perigosas, mais infelizes.

Peço licença á camara para fazer uma ligeira analyse das propostas de s. ex.ª para me servir de argumento para a questão principal, mostrando a rasão que se apresenta ao meu espirito para me convencer ainda mais de que devo votar contra esta proposta de lei que estamos debatendo.

O sr. ministro da fazenda pediu duas auctorisações. Analyse-as bem a camara, e verá que estas auctorisações são muito inferiores em resultados ás dos antecessores de s. ex.ª, mutatis mutandis.

Eu vou ferir bem as propostas para que s. ex.ª fique convencido d'isto. Eu pelo menos já o estou, e s. ex.ª, se quizer, tambem se ha de convencer.

Quando se discutiram as leis de desamortisações em 1861 e 1866, leis que serviram de base á proposta que o sr. ministro da fazenda apresentou a este respeito, sustentam-se sempre n'esta casa pondo de parte o argumento principal, que era — a liberdade da terra; que a desamortisação era uma questão economica, e o motivo era dar a desamortisação logar a uma grande procura de titulos de divida publica no mercado.

Dizia-se então: «Como os remidores ou compradores se hão de ver obrigados a comprar no mercado as inscripções para remirem ou comprarem os bens desamortisados, esta procura de titulos dar-lhes-ha uma alta muito grande no preço, o habilitará por consequencia o governo, se tiver necessidade de recorrer ao credito, a fazer melhores operações.»

Isto é o que diziam os ministros e os cavalheiros que apresentavam as propostas naquellas epochas, e diziam isto fundados nos principios economicos. O proprio sr. Carlos Bento creio que não desconhece o principio da alta do preço dos titulos em consequencia da grande procura dos mesmos pela desamortisação, ao passo que, sendo a offerta maior que a procura, esses titulos hão de necessariamente tender para a baixa.

Então havia maior procura, mas agora o que ha maior é a offerta, porque o governo é que vende os titulos. Os titulos agora não são comprados no mercado; o governo 6 que estabelece uma especie de casa do cambio, onde os ha do ir vendendo pouco a pouco.

Então compravam-se os titulos na praça; tornava-se portanto a procura maior, e o resultado era a alta do preço d'esses titulos; mas agora torna-se maior a offerta, porque são offerecidos pelo mercado e pelo governo. São dois os concorrentes; a baixa será infallivel.

Pergunto portanto agora a s. ex.ª, sem animo algum de offensa, porque somos amigos e collegas ha quatorze annos — se não acha a sua proposta muito inferior em resultado dos beneficios ás propostas dos outros cavalheiros que o precederam?

(Interrupção que não se ouviu.)

Eu não quero que s. ex.ª diga que sim; procuro convencer-me ácerca dos resultados que ha de ter a proposta que aqui se discutiu. Não quero que s. ex.ª diga que sim, mas elle conhece muito bem os principios que indiquei, principios que não falham em occasião alguma, e que elle sustentou brilhantemente, quando não era ministro, e que agora faz o contrario desprezando-os.

A proposta já esta approvada e por consequencia de passagem é que estou a fallar n'ella, mas fallo porque parece que os homens, quando vão a ministros, se esquecem do que disseram durante dois ou tres annos, e sempre, antes de serem ministros.

A camara de certo se lembra bem que o sr. ministro da fazenda clamava aqui que era impossivel continuar aquelle deficit medonho, que elle sempre nos apresentava; deficit que nos devorava, que nos esmagava, que faria caír o paiz n'um cataclysmo e que tornava o nosso futuro impossivel. Pois s. ex.ª vae alimentar esse deficit com a auctorisação de 3.500:000$000 réis.

S. ex.ª tem auctorisação para um emprestimo de réis 3.500:000$000, que ha de importar em mais do réis 8.000:000$000 de inscripções, e não os dota convenientemente. Por consequencia ha de procurar essa dotação na receita corrente, e o deficit do nosso orçamento, que era de seis mil e tantos contos, vae agora ser elevado.

S. ex.ª apresentava regras, argumentos tão perspicazes o tão rasoaveis, quando opposição, que parecia o illustre deputado um rouxinol; aquella era a verdade que nos deleitava tanto. Agora tudo é o contrario, e s. ex.ª cava muito mais baixo e muito mais superficialmente do que cavaram

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todos os seus antecessores; todas as suas regras fugiram, o deficit não o mata s. ex.ª, alimenta-o, engordando-o.

Mas, sr. presidente, ha de haver uma idéa, uma causa, um motivo forte, que está pairando sobre nós, e que nos aterra d'esta maneira, que faz com que os srs. ministros não tratem de dotar estes emprestimos, e as inscripções que servem para a desamortisação; porque eu não posso acreditar que homens respeitabilissimos, como são aquelles que se sentam naquellas cadeiras (as dos ministros), e eram aquelles que as deixaram, se assustem tanto com o estado melindroso da nossa fazenda publica, e procurem só expedientes perigosos e que aggravam cada vez mais a mesma fazenda.

Ha de haver um motivo, pelo qual não querem pôr o barco do estado em navigabilidade com o rumo direito e conveniente, dando-lhe, ao contrario, um rumo tão cheio de perigos, e lutando com difficuldades immensas, que aterram o futuro?

Ha de haver tambem uma rasão forte, para que muitos homens publicos e competentes não queiram já ser ministros. Ha homens que começam a descrer da sorte do nosso paiz. Isto é um mal moral que nos vae atormentando, e ha de ter alguma rasão de ser.

Parece-me que a desenho e descubro-a, porque sou discipulo do sr. Carlos Bento, e s. ex.ª o tem dito muitas vezes; é o medonho deficit a causa de todos estes tormentos e inquietações. Deficit que ninguem quer atacar; todos tratam de o ladear por meios improprios e caminhos que não fazem senão alimenta-lo cada vez mais, e torna-lo de futuro insolúvel, terrivel, e medonho e que póde trazer uma crise qualquer dia, porque as crises apparecem sem se esperarem.

Se os homens publicos começam a descrer, mal vae á causa do nosso paiz. Porque não tratâmos de atacar o mal? Mas como se ataca elle? Sabe v. ex.ª o segredo? É pelo imposto. Quando digo isto tomo a responsabilidade que me compete, porque sou membro d'esta casa, votei muitos impostos aos ministerios que apoiei, que sinto não ver ali para continuar a apoiar, porque a politica d'elles com os impostos, afigura-se-me que é a unica que póde salvar o paiz. Os impostos é o unico elixir para matar o deficit e regularisar as finanças do estado.

É necessario que o paiz pague mais impostos, é necessario fazer economias ao mesmo tempo.

Eu estou aqui ha quatorze annos, fallo francamente á camara; a primeira vez que tomei assento n'esta casa foi naquella terceira bancada junto do sr. barão de Almeirim, cavalheiro respeitavel, e que bradava constantemente contra o deficit e pedia economias nos serviços publicos, era a sua divisa. Desde essa occasião eu tenho visto pedir, em todas as sessões legislativas, auctorisações para o governo contrahir emprestimos para gerir os negocios do estado, fugindo dos impostos.

Parece-me que já era tempo de entrar no caminho direito que a bussola nos ensina, para onde o horisonte é mais claro, e unico que nos póde salvar, que é navegarmos sobre os impostos, e já, porque a demora póde ser fatal e de grandes e terriveis responsabilidades para todos nós, governo e camara.

Diz-se — vamos ao exercito fazer economias.

Eu não duvido que se possam fazer algumas economias no exercito, que se possam reduzir algumas divisões militares, que se possam reduzir a menos os estados maiores, mas todas as economias que no exercito se fizerem n'este sentido hão de ser empregadas depois no armamento, equipamento e na disciplina do mesmo exercito. Nós não podemos deixar de ter exercito, porque é a elle que nós devemos em parte a nossa liberdade e a ordem publica. Quando em janeiro o paiz se alterou, o nosso exercito fez grandes serviços, e a elle é que devemos a ordem publica (apoiados). Repito, se algumas economias se podem fazer no exercito, hão de por outro lado ser applicadas ao mesmo exercito. Então como havemos de ir pedir ao exercito o que elle nos não póde dar? Feliz será o paiz, se a somma que está votada for sufficiente para a sua instrucção, armamento e equipamento. O exercito não nos póde dar nada, o exercito precisa de mais.

Ouvi tambem dizer que os empregados publicos são muitos. Já o sr. barão de Almeirim, ha quatorze annos dizia o mesmo; dizia que os empregados publicos eram muitos e que a despeza publica era grande.

Tenho aprendido com os homens que tratam d'esta materia, e tenho visto nos livros, que por onde se conhece a civilisação de um paiz é pelos seus empregados. Os empregados publicos são aquelles que se dedicam pelo seu estudo á magistratura, ao exercito, á administração e ao ensino; e vão-se preparando desde creanças para os serviços publicos, e são elles que por estes e outros motivos fazem conhecer o estado de civilisação de uma nação.

E é isto o que se observa na França, na Inglaterra e na Allemanha e outros paizes, onde o seu funccionalismo é muito habilitado, mas muito caro. Para ser bem servido é necessario pagar bem.

E temos um exemplo, quando se queira contrariar isto; vamos a Roma, entremos por Civitta Vecchia e dirigimo-nos ao Vaticano: todos tremerão de ver o quadro dos empregados publicos. E isto deu logar a que um grande escriptor, o sr. Lamenais, dissesse: «Ah! Roma, Roma, quanto mais me approximo de ti, mais me separo de ti». Por conseguinte querer fazer grandes economias nos empregados publicos é uma illusão. Quem tal fizer porá em risco a justiça, a administração, a fiscalisação e a politica do paiz.

Ha muitos empregados publicos, diz a opinião publica. Vamos ás reducções, vamos á organisação. Poderemos reduzir, poderemos economisar, poderemos demittir, poderemos simplificar; mas demittindo, organisando e simplificando ha de se procurar homens competentes e habilitados a quem se dará uma remuneração maior que levará as economias. Por consequencia a experiencia tem mostrado constantemente que quando a embarcação anda com a proa sobre este horisonte de economias pouco se tem conseguido. Esta idéa falsa, resultado de uma falsa opinião que este governo e todos os outros têem querido lisonjear, é que tem perdido a todos; é a grande alimentadora do deficit, que nos faz comprometter as nossas finanças e porque nos approxima da má posição que todos queremos evitar, e que por uma grande fatalidade não evitâmos. Os homens do governo querem as pastas e não curam do futuro.

Devemos dizer ao paiz que pague mais, porque paga pouco.

É necessario pôr termo aos nossos desacertos. É necessario que se entenda que este nosso mau estado de cousas está pairando sobre nós como um milhafre que parece querer devorar-nos. É necessario ter coragem e prudencia. É necessario que se pague mais. Um paiz que paga réis 1.639:000$000 de decima, segundo o ultimo orçamento, quando o governo ha vinte annos lhe tem lançado para obras publicas mais de 40.000:000$000 réis, quando lhe tem dado caminhos de ferro e estradas, é impossivel deixar de lhe impor mais quando a materia collectavel tem crescido excessivamente! Se combinarmos esta receita com outras, como por exemplo, a do tabaco, vê-se que o tabaco paga de direitos 2.000:000$000 réis, e com a materia prima que se fuma outros 2.000:000$000 réis, temos 4.000:000$000 réis. Ora, um paiz que paga de fumo para deitar ao ar 4.000:000$000 réis, ha de pagar pela sua riqueza e producção 1.639:000$000 réis? Gasta de fumo para ter um prazer ou alimentar um vicio 4.000:000$000 réis, e paga só 1.639:000$000 réis por toda a producção agricola da monarchia continental? Isto é impossivel. É preciso pagar mais. Não se podem reorganisar as finanças por estes expedientes de que usa o sr. ministro da fazenda. Isto é provavelmente o que ainda farão outros, mas tudo tem um termo, e continuando n'este caminho estamos proximos da nossa ruina.

Eu termino aqui, mesmo porque estou já fatigado, e então limito-me a votar contra a proposta do governo em consequencia da latitude em que ella está escripta, e porque a julgo inconstitucional. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Como questão preliminar proponho que a camara resolva se a proposta do governo que está em discussão na fórma ampla e absoluta como está concebida, offende ou não os §§ 6.° e 14.° do artigo 15.° da carta constitucional, o artigo 14.° da mesma carta e os §§ 1.° e 2.° do artigo 15.° do acto addicional. = Pinto de Magalhães.

O sr. Presidente: — Está admittida á discussão.

Esta proposta é da natureza daquellas que o regimento manda discutir em separado.

Está pois em discussão separadamente.

Varios srs. deputados pediram a palavra.

O sr. Pereira Dias (para um requerimento): — Requeiro que se consulte a camara sobre se quer, ou não, dispensar o regimento para se discutir esta questão conjunctamente com o projecto de lei de que se trata.

O sr. Presidente: — Consulto a camara.

Assim se resolveu.

O sr. Presidente: — Então não tem logar a inscripção especial que eu tinha aberto, e vou dar a palavra aos srs. que a tinham pedido sobre a materia o sobre a ordem.

Tem a palavra o sr. Abranches.

O sr. B. F. Abranches (sobre a ordem): — Tendo pedido a palavra sobre a ordem, vou, na conformidade do regimento, ler as duas propostas que tenho de mandar para a mesa.

A primeira proposta é um additamento ao artigo 1.°: «Proponho que, depois das palavras = com os mesmos serviços = se diga = ficando em pleno vigor as auctorisações concedidas ao governo pela lei de 27 de junho de 1867, que extinguiu os juizes ordinarios e mandou crear mais comarcas até ao numero fixado n'aquella lei =. » E a segunda proposta é um additamento ao artigo 3.°: § unico ao artigo 3.° «Os empregados que ficarem fóra dos quadros continuarão a receber os vencimentos que actualmente lhes compete, até que seja approvada a proposta de lei alludida n'este artigo.»

O governo na proposta de lei que apresentou á camara, e que, aceita pela commissão, foi convertida no projecto de lei que está em discussão, pede, a meu ver, uma auctorisação amplissima para poder decretar no pessoal e no material dos serviços publicos, dependentes de todos os ministerios, as reducções compativeis com os mesmos serviços, e não trata de fixar as bases dentro das quaes devem ter logar as reformas que pretendo fazer.

Emquanto se não apresentarem estas bases, ou emquanto o governo e especialmente os srs. ministros aos quaes vou dirigir algumas perguntas não responderem aos quesitos que vou formular, eu não posso, em consciencia, conceder esta auctorisação.

Pelo artigo 1.° do projecto de lei estabelece-se o principio de se reduzir o serviço publico. E, como ha pouco tempo n'esta casa foi votada uma lei para se crearem mais comarcas, porque assim se entendeu necessario, já se vê que não posso approvar este artigo emquanto os srs. ministros me não declararem se tencionam ou não reduzir o numero das comarcas. No caso affirmativo fica revogada a lei que citei, de 27 de junho de 1867, o que me parece ser inconveniente; e, no caso negativo, não terei duvida em approvar o artigo 1.°

Tambem entendo que pela disposição dos artigos 2.° e 3.° do projecto de lei se póde entrar em duvida, se os empregados que ficarem fóra do quadro ficarão ou não percebendo alguns vencimentos até que o governo apresente a esta casa a lei para regular os vencimentos de taes empregados. E como não acho justo nem moral que os individuos que até hoje têem estado nas differentes repartições, por ficarem fóra dos quadros fiquem sem vencimento, e entendo mesmo que não póde ser esta a idéa do governo nem da commissão, e entendo-o assim porque pelo relatorio parece que se quiz garantir o direito d'estes empregados, o que comtudo não vejo positivamente consignado nos artigos 2.° e 3.° do projecto que está em discussão, por isso desejo que claramente fique consignado o principio que estabeleci na minha proposta, isto é, que se diga positivamente que os empregados que ficarem fóra dos quadros tenham os seus vencimentos até que seja convertida em lei a proposta que o governo apresentar para regular os vencimentos que devem ter taes empregados.

Apresentadas estas considerações para fundamentar as duas propostas que acabei de ler, devo declarar que entendo que se podem fazer reducções no pessoal de muitas das nossas repartições publicas, porém a respeito de outras é necessario que elle se augmente, como, por exemplo, nas repartições da fiscalisação, onde talvez não haja o pessoal necessario para se cumprir esse serviço. Por consequencia, se a reducção se estender a todas as repartições publicas, parece-me que, com relação a algumas, o serviço ha de ficar prejudicado e é isso o que eu não quero. Entendo que esta reducção só se deve fazer sem prejuizo do nosso progresso e do serviço. Entendo tambem que, a respeito de cousas de justiça, é um bom principio de administração que as comarcas tenham uma pequena area de extensão, e por consequencia que, em logar de se reduzir o numero das comarcas, se deve augmentar e cumprir-se a lei que citei de 27 de junho de 1867.

Sinto não ver presente o sr. ministro interino da justiça, mas na falta de s. ex.ª espero que os seus collegas se dignem tomar notas, ou para me responderem, ou para depois darem conhecimento das minhas perguntas a s. ex.ª, a fim de dar as respostas de que careço para me poder convencer se devo ou não approvar o projecto que está em discussão.

A primeira pergunta que desejo fazer ao governo, com relação ao ministerio da justiça, é se tenciona ou não reduzir o numero das comarcas, ou cumprir a lei de 27 de junho de 1867, que extinguiu os juizes ordinarios e mandou crear mais comarcas até ao numero de 25?

A outra pergunta é se o governo está ou não resolvido a extinguir a relação de Angola.

Com relação á primeira pergunta não faço considerações, limitando-me a pedir ao governo que cumpra a citada lei de 27 de junho de 1867.

Emquanto á necessidade de se extinguir a relação de Angola, direi poucas palavras.

Aquella relação, como todos sabem, foi creada no anno de 1852; alguns annos depois é que póde funccionar, porque até então o governo não póde completar o numero de tres juizes que ahi devia haver, e ignorâmos hoje completamente quaes são as rasões de conveniencia para continuar a existir aquelle tribunal.

Por varias vezes, nas outras legislaturas, pedi relações ou mappas dos processos que eram distribuidos n'aquelle tribunal, e ainda n'esta sessão fiz o mesmo pedido, e supponho que o ministerio da marinha e ultramar não tem elementos para poder satisfazer a esta minha requisição; como o sr. ministro da marinha está presente, s. ex.ª dirá, visto não ter sido satisfeito o meu pedido, qual é o numero de processos que n'estes tres ultimos annos têem sido distribuidos e julgados n'aquella relação. A camara, pelas explicações que s. ex.ª der, Se convencerá de que o movimento dos processos não é grande, e por isso necessariamente ha de reconhecer a necessidade de acabar com aquelle tribunal, tanto mais que hoje ha vias regulares de communicação entre as provincias ultramarinas e a metropole que não havia em 1852, e por consequencia podem as partes com mais facilidade e economia recorrer para a relação de Lisboa do que para a de Loanda, aonde alem disso não ha muitos advogados habilitados, o que causa muito transtorno principalmente aos habitantes das ilhas de S. Thomé e Principe.

A outra pergunta que desejo fazer ao governo é, se o governo está ou não resolvido a regular os despachos dos juizes de 1.ª e 2.ª instancia, de maneira que seja observado o principio da antiguidade combinado com o merito, e que sómente sejam considerados candidatos legaes á magistratura judicial os delegados e subdelegados, e não os conservadores e administradores de concelho?

Todos sabem que a classe da magistratura do ministerio publico, é aquella que menos garantias tem, porque nem se lhes garante a permanencia nos seus logares, porque podem ser transferidos á vontade do governo, nem se lhes garante a promoção, que tambem depende sómente da vontade do governo.

É contra esta irregularidade que me tenho revoltado sempre e agora me revolto com mais rasão, quando o governo vae fazer uma revolução completa em todas as repartições do estado dependentes dos differentes ministerios, sem ao menos nos declararem no seu projecto, quaes as bases que tenciona adoptar na organisação dos quadros.

São candidatos legaes da magistratura judicial não só os delegados e subdelegados, mas tambem pela lei de 29 de maio de 1843 e ultimamente pela lei hypothecaria, os administradores dos concelhos, sendo bachareis, e os conservadores.

Ora comquanto até hoje se não tenha despachado para juiz conservador algum, e se tenham despachado poucos administradores de concelho, comtudo a lei existe e póde o go-

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verno de hoje em diante não despachar delegados e subdelegados, sendo bachareis, para os logares de juiz, e póde despachar os conservadores e administradores de concelho, sendo tambem bachareis, em prejuizo daquelles funccionarios, aos quaes se não póde negar o direito e preferencia de serem despachados juizes, revogando-se as disposições que consideram os conservadores e administradores candidatos á magistratura judicial.

Os delegados dos procuradores regios não têem garantias nem de poderem permanecer nos mesmos logares, muito embora façam bom serviço, nem têem a garantia de pelo tempo do serviço, ainda que seja bom e de muitos annos, de esperar serem despachados juizes, porque não ha lei que regule estes despachos; e é isso que eu desejava que isto se regulasse, estabelecendo-se para os despachos dos delegados e sub-delegados, o principio da antiguidade combinado com o merito estabelecido na lei do 21 de julho de 1855, muito embora fosse o ministerio da justiça, e não o supremo tribunal de justiça que devesse confeccionar a lista dos delegados e sub-delegados que estivessem nas circumstancias de serem despachados juizes de 3.ª classe ou auditores, quando devessem ter logar taes despachos. Desejava tambem que a transferencia dos delegados fosse regulada por uma lei, salvo quando ella fosse requerida pelos interessados, e desejo isto para evitar o arbitrio e vexame que póde haver com taes transferencias, que a meu ver não podem ter fundamento, nem na justiça, nem na moralidade, nem mesmo na conveniencia do serviço. Desejo pois saber se o governo quer ou não regular os despachos dos delegados e subdelegados para os logares de juizes.

Pergunto mais ao governo se está ou não resolvido a alterar convenientemente a lei de 4 de junho de 1859, que considera os auditores do exercito e da marinha juizes de 3.ª classe, aceitando o principio de que para os despachos de taes auditores se deva pedir ao ministerio da justiça uma lista dos delegados que o respectivo ministro despacharia juizes.

Em 1859, pelos motivos que então foram presentes, approvou a camara o projecto que deu em resultado a carta de lei de 4 de junho de 1859.

Por essa lei foram os auditores, que então serviam, considerados juizes de 3.ª classe, porém não se tratou de obviar a um inconveniente que desde aquella data em diante devia apparecer, qual era o poder o ministro da guerra despachar juizes de 3.ª classe os individuos que o ministro da justiça não julgasse nas circumstancias de o ser.

Convem pois que se tome uma resolução para se evitar esse mal.

Tome-a agora o governo com a auctorisação que talvez lhe seja concedida. Attenda a este pedido que faço e obviará aos inconvenientes que acabei de apresentar.

Cumpre estabelecer o principio de que o ministro da guerra não possa despachar auditor algum senão pedindo ao ministro da justiça uma lista de tres nomes, por exemplo, quando queira despachar um auditor, porque então o ministro da justiça, segundo as regras que tenho em vista e segundo os principios já por mim expendidos, de se adoptar o principio da antiguidade combinada com o merito, manda-lhe a lista de tres nomes, e o ministro da guerra escolhe, um.

É indispensavel que assim se faça, não só para se não preterir os direitos adquiridos dos delegados, mas tambem para, até certo ponto, acabarmos com o patronato que póde ter um ou outro delegado em prejuizo dos seus collegas,

Um delegado que não póde ser despachado juiz pelo ministro da justiça, é-o pelo ministro da guerra, e a final entra na classe da magistratura um individuo incompetente, ou que só mais tarde o poderia conseguir.

A outra pergunta é esta. Está ou não o governo resolvido a reformar o systema da substituição dos juizes de direito, consignado no artigo 87.° da novissima reforma judiciaria e na lei de 18 de julho de 1855?

É uma necessidade que por uma vez se acabe com o systema das substituições dos juizes de direito da maneira como está estabelecida na reforma e na carta de lei de 18 de julho de 1855.

Não querendo a lei que ninguem seja juiz na sua propria terra, e determinando a lei que um juiz de direito, no fim de certo tempo e serviço, depois de seis annos, seja transferido de uma comarca para outra, como é que se póde sustentar a conveniencia de que os substitutos possam servir nas suas naturalidades, e por um tempo indefinido, visto poderem ser reconduzidos ou novamente nomeados todos os annos?

E porque é que a lei estabeleceu estes dois principios? E porque a lei não quiz que os individuos que julgam podessem ser influenciados pelos seus parentes e amigos, sendo da mesma localidade, ou que podessem ser influenciados pelos amigos, quando permanecessem por muito tempo na mesma localidade; e no entanto estes principios ficam postergados, consentindo-se que os juizes substitutos, que exercem a mesma jurisdicção e têem as mesmas prerogativas, sejam filhos da mesma localidade ou possam indefinidamente exercer as suas funcções.

A lei de 18 de julho de 1855 veiu dividir as attribuições dos juizes substitutos, mas o mal existe da mesma maneira.

Para se harmonisar o principio que a lei teve em vista, querendo que ninguem possa ser juiz na terra da sua naturalidade, é que eu quero que este systema das substituições seja alterado, de maneira que sejam nomeados substitutos individuos que forem bachareis, e que o exercicio d'estes logares seja um accesso para a magistratura judicial, sendo para elles despachados os delegados e os sub-delegados.

A outra pergunta que tenho a fazer é esta:

Está ou não o governo resolvido a acabar com a distincção entre a magistratura judicial do reino e a do ultramar?

Para não cansar a camara não apresento agora as rasões que podia apresentar para mostrar a necessidade que ha de se acabar com a distincção entre a magistratura do reino, e a do ultramar.

Se eu quizesse ler á camara o relatorio de um projecto que apresentei na sessão de 1862, e que se acha publicado no Diario n.° 15, a camara poderia ver as rasões que tive em vista para sustentar então que se devia acabar com esta distincção como ainda sustento hoje, mas sempre digo á camara que é indispensavel que se aceite o principio que estabeleci, porque de contrario, o principio de antiguidade combinado com o merito estabelecido na lei de 21 de julho de 1855, ficará postergado, porque os juizes no fim de 6 annos na primeira instancia e de 9 na segunda, passam os primeiros para a 3.ª classe, e os segundos para a relação. Os que passam para a 3.ª classe soffrem uma injustiça relativa, porque se não attende nem á sua antiguidade, nem ao seu merito, e aquelles que passam para a relação têem a vantagem de se lhes attender sómente á sua antiguidade, sem se avaliar o seu merito.

Era melhor que se encurtasse o tempo aos bachareis que vão para o ultramar, e depois voltando para o continente, se lhes contasse nas respectivas classes o tempo em dobro ou 18 mezes em cada anno conforme a localidade onde tivessem servido, porque assim tinhamos a certeza de ter juizes habeis, sendo os juizes despachados pelo ministerio da justiça, considerando-se as comarcas do ultramar como de 3.ª classe e sendo despachados para os logares das relações do ultramar, os juizes do continente da 1.ª classe com as mesmas vantagens que já indiquei para os juizes de primeira instancia do ultramar.

A outra pergunta é a seguinte:

«Está ou não o governo resolvido a mandar classificar como juizes de 1.ª instancia, e segundo as regras estabelecidas na lei de 21 de julho de 1855, os ajudantes do juiz relator do supremo conselho de justiça militar, creados pelo decreto de 9 de dezembro de 1836, que ainda o não foram, os quaes só podem ser considerados como juizes de 3.ª classe?»

A meu ver esteve em completo esquecimento a lei de 4 de junho de 1859 para o effeito de ser applicada aos ajudantes do juiz relator do supremo conselho de justiça militar. Esses individuos não entraram na classificação geral de juizes, como aliás deviam ter entrado. O resultado d'isso é que ha juizes, que deviam ser considerados como de 3.ª classe, e que podem estar de um dia para outro com as honras de juizes do supremo tribunal de justiça militar e para todos os effeitos considerados como juizes de 2.ª instancia, como já succedeu.

Pela lei de 9 de dezembro de 1836 os juizes relatores do supremo tribunal de justiça militar só podiam ser nomeados de entre a classe dos juizes de 2.ª instancia; mas isto não se fez no ultimo despacho e por isso entendo que todos aquelles ajudantes, que porventura não foram classificados em 1859 como juizes de 3.ª classe o devem ser agora para o effeito de tomarem na magistratura judicial de 1.ª instancia o logar, que lhes compete, e se porventura estão n'uma classe superior, é preciso que voltem aos seus logares.

A outra pergunta é a seguinte:

«Está ou não o governo resolvido a estabelecer por lei o accesso dos escrivães de direito de comarcas de inferior para as de superior classe, e das da 1.ª classe para as das relações, a requerimento dos interessados e por concursos entre aquelles empregados, attendendo-se ás informações dos juizes e dos delegados?»

É indispensavel que se dêem todas as garantias, não só aos membros do podér judicial, mas tambem aos mais empregados subalternos, e eu não vejo garantia alguma dada aos escrivães de direito senão aquella, que ultimamente foi estabelecida, de poderem nomear os seus ajudantes. Fóra d'isso não vejo garantia nenhuma, e o meio de nós os incitarmos a que cumpram os seus deveres (porque, se muitos os cumprem, outros os não cumprem) é garantindo-se-lhes o accesso e a transferencia de uma para outra comarca quando elles o requeiram. Para evitar porém patronatos e o arbitrio n'estes despachos quereria que o sr. ministro da justiça pedisse annualmente informações dos escrivães aos juizes e aos delegados, e quando essas informações fossem contra taes empregados deviam vir documentadas. Os juizes ou delegados diziam por exemplo que o escrivão era mau, mas deviam dizer logo os motivos por que diziam isso, e juntar os documentos com que provassem a sua asserção. Era pois com estas bases e com estas informações de bom ou mau serviço que eu queria que se lhes garantisse o accesso de uma para outra comarca.

A outra pergunta vem a ser:

«Está ou não o governo resolvido a dar algumas garantias e vantagens aos empregados das secretarias do supremo tribunal de justiça, das relações, da procuradoria geral da corôa, e das procuradorias regias?»

Quem tem frequentado as secretarias d'estes tribunaes sabe perfeitamente qual é a miseria que ali se acha, tanto no pessoal, como no material. No pessoal, porque é mal retribuido, e no material porque parece que se entra n'um pobre escriptorio de um particular, e não n'uma repartição do estado.

Posso dizer que ha empregados em todas estas repartições muito habeis, mas que alem de serem mal retribuidos não têem as garantias que podem ter; e não acho rasão para que considerando-se os empregados das secretarias das duas camaras para todos os effeitos, como empregados das secretarias do estado, se não dêem tambem as mesmas vantagens aos empregados das secretarias do supremo tribunal de justiça, das relações da procuradoria geral da corôa, e das procuradorias regias? São estas as vantagens que quero que se dêem a estes empregados, para haver um estimulo para a continuação do bom serviço que aliás prestam. A outra pergunta é:

«Está ou não o governo resolvido a regular o serviço na relação dos Açores de maneira que nenhum juiz possa servir no Porto ou em Lisboa sem primeiro ter servido nos Açores, sendo-lhe garantida a transferencia para o continente logo na primeira vacatura?»

Emquanto por lei se não estabelecer a obrigação, do juiz ir servir nos Açores e depois em Lisboa e Porto, veremos o que temos visto até hoje, que é os protegidos ficarem em Lisboa e Porto, e os não protegidos irem para os Açores; e o peior não é isto, o peior é que ficam ali completamente esquecidos, servindo por muitos annos sem passarem para o reino.

Agora dirijo-me a todos os srs. ministros. Desejava saber se o governo está ou não resolvido a acabar com a accumulação de commissões retribuidas, de maneira que o mesmo empregado não tenha differentes gratificações, sendo-lhe apenas garantido o ordenado e a gratificação a que tiver direito no quadro a que pertencer? Emquanto estiver no arbitrio do governo o nomear para as differentes commissões os individuos que bem lhes parecer, teremos que uns receberam, a titulo de gratificação 3:000$000, 4:000$000 e 5:000$000 réis, quando aliás não é possivel que o mesmo individuo possa prestar o serviço correspondente ás gratificações que recebe, porque a intelligencia humana tem limites, e as forças esgotam-se, e não é possivel que um homem possa servir bem em tres, quatro, cinco e seis commissões, recebendo por todas ellas gratificações, e ficando por consequencia o serviço prejudicado. Desejava por isso que se estabelecesse como principio economico que o individuo que exercesse mais de uma commissão não podesse ter mais do que o ordenado e a gratificação do quadro a que pertencesse.

Finalmente vou concluir as minhas observações, fazendo mais uma pergunta: desejo saber qual é a base que o governo tenciona ter em vista na collocação dos empregados nos novos quadros; se adopta isoladamente o principio da antiguidade, das habilitações litterarias, ou do merito no desempenho do serviço que tiverem prestado, ou se adopta conjunctamente todas estas circumstancias?

Se os srs. ministros satisfizerem a estas perguntas que acabei de formular, não terei duvida em lhes dar a auctorisação pedida, do contrario não lh'a posso conceder; porém não terei duvida em approvar o projecto na sua generalidade, não obstante o que disse o illustre deputado o sr. Pinto de Magalhães, porque me não parece ser inconstitucional o conceder-se auctorisações ao governo, tendo este de submetter depois ao parlamento a apreciação das reformas que effectuar e n'esta conformidade já s. ex.ª approvou as auctorisações que deram origem ás reformas effectuadas em 1859.

Por consequencia já se vê que muito embora fosse mais constitucional e mais regular que o governo apresentasse á camara uma proposta para a reforma que pretende effectuar, e é isso o que eu desejava; comtudo não é inconstitucional que para ella peça uma auctorisação se apresentar as bases ou explicar o seu pensamento ácerca do que tenciona fazer, ou se, satisfactoriamente responder ás perguntas que lhe possam ser feitas pelos diversos membros d'esta camara; só d'este modo é que entendo que sem inconveniente se poderá approvar a auctorisação.

Mas se o governo se não dignar responder ás perguntas que lhe forem feitas ou não apresentar as bases em que assenta, a fim de podermos votar com consciencia, entendo que devemos rejeitar essa auctorisação; porque ou o governo já tem estudado o plano de organisação que pretende fazer, ou não; se já o tem estudado, pouco lhe custará explicar as suas idéas ou o seu pensamento, e se o não tem, n'esse caso é melhor, é mais conveniente adiar-se a discussão até que tenha estudado melhor a questão, tratando-se então d'ella em janeiro, ou quando extraordinariamente entender que deve convocar o parlamento.

Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Additamento ao artigo 1.°:

Proponho que, depois das palavras = com os mesmos serviços = se diga = ficando em pleno vigor as auctorisações concedidas ao governo pela lei de 27 de junho de 1867, que extinguiu os juizes ordinarios e mandou crear mais comarcas, até ao numero fixado n'aquella lei. = O deputado pela ilha de S. Thomé, Bernardo Francisco de Abranches.

Additamento ao artigo 3.°, § unico:

Os empregados que ficarem fóra dos quadros continuarão a receber os vencimentos que actualmente lhes competem, até que seja approvada a proposta de lei alludida n'este artigo. = O deputado pela ilha de S. Thomé, Bernardo Francisco de Abranches.

Foram admittidas.

O sr. Arrobas: — Conforme com o que já aqui declarei, sou ministerial, e até mais ministerial do que o governo, com relação á auctorisação que se discute.

Serei muito breve, porque a favor de um projecto do governo não será preciso dizer muito para que elle seja approvado.

Uma voz: — A brevidade agrada sempre.

O Orador: — É verdade, mas ás vezes são tantos os argumentos que ha contra uma proposta do governo, que pouco é todo o tempo de uma sessão para os enunciar.

Contra o projecto que substituiu o da desamortisação, por exemplo, que é o mais detestavel e improductivo expediente que nunca um governo apresentou, não disse eu metade do que tinha a dizer, apesar de ter occupado a tribuna mais tempo que desejava.

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Entrando na materia em discussão, eu, sr. presidente, entendo que no estado em que se acha o paiz é uma necessidade imperiosa para a camara a approvação da auctorisação pedida.

Além da economia real que póde resultar da diminuição dos quadros do serviço publico, ha uma necessidade mais importante a satisfazer, que é de moralidade e politica.

É preciso preparar a opinião publica, pelo decretamento de uma grande reducção nas despezas publicas, para receber sem resistencia o augmento do imposto, a fim de que de uma vez se regularise a nossa fazenda (apoiados).

Mas por isso mesmo, sr. presidente, é que me parece insufficiente para a occasião a proposta que se discute, nos termos em que ella está concebida.

Diminuir o pessoal dos quadros do serviço publico sem primeiramente reorganisar os mesmos serviços, sem tocar nas leis que regulam esses serviços, é não fazer nada de importante no sentido da economia, ou fazer muito no sentido de pôr tudo em confusão.

O serviço em todos os ramos está muito complicado e centralisado, ha muita papelada e muito expediente legal para qualquer cousa; ora, emquanto isso não acabar por uma grande alteração de simplificação, não será possivel, sem que tudo fique em desordem e confusão, reduzir consideravelmente os quadros.

Este inconveniente é o que resulta da proposta do governo, como ella está, isto é, ou a economia ha de ser miseravel, e se ha de limitar a fazer alguma victima improductivamente, ou então irá desorganisar tudo.

E alem da economia pecuniaria para o estado que póde resultar, se a proposta que vou mandar para a mesa for approvada, ha ainda a grande economia de tempo a obter, e que pela proposta do governo se não podia conseguir.

A resolução dos negocios é morosissima nas repartições publicas entre nós, e é indispensavel que essa morosidade acabe pela simplificação do expediente; e isso só se obtém quando se altere a legislação que organisou os differentes serviços.

Vou pois mandar para a mesa a minha proposta, que vou ler (leu).

O governo pede uma auctorisação mesquinha para o fim a que se propõe, e que a situação difficil do paiz reclama, e eu voto-lhe mais do que elle pede.

Eu quero n'este ponto não pôr peias ao governo, quero que elle tenha a maior força possivel para ser enorme a sua responsabilidade, se não usar d'ella convenientemente, e para bem do meu paiz, se o governo fizer o seu dever, e comprehender a sua missão.

Eu não concordo com a accusação de inconstitucionalidade e do perigo d'esta auctorisação.

Entendo que em casos ordinarios ella seria muito inconveniente, parecendo que o parlamento abdicava das suas attribuições por se julgar incapaz de as exercer; agora porém que é urgentissima a maxima reducção nas despezas publicas, agora que a primeira necessidade é ganhar o espirito publico para o lançamento de novos impostos, sem o que vamos correndo para um abysmo; agora que a estação está tão avançada, que difficilmente a camara se póde conservar aberta por mais tempo, eu, sr. presidente, creio que é de absoluta necessidade para a causa publica esta delegação de attribuições do poder legislativo, que o meu nobre amigo, o sr. Pinto de Magalhães, rejeita por inconstitucional.

Esta camara esteve ahi mezes a discutir as reformas propostas pelo governo transacto, e vimos a final o que resultou; a simples lei das aposentações e dos terços, depois de tanta discussão não chegou a passar.

O paiz não tem agora tempo para delongas, é preciso organisar de prompto a fazenda, e para isso é essencial começar pelas reducções nas despezas, por isso voto a auctorisação pedida, e ainda a desejo alargar mais, para ser completamente productiva, como o paiz tem direito a exigir.

O governo não deve nem póde deixar de aceitar a alteração que eu proponho, e se a não aceitar fica o paiz sabendo ou que não está preparado para fazer reformas radicaes ou que não as quer fazer, e tem só em vista armar á popularidade, com uma ficção miseravel e inconveniente.

Como ha de o governo, por exemplo, fazer uma grande reducção no pessoal administrativo sem descentralisar a administração publica e alargar a area dos governos civis e dos concelhos; como ha do supprimir a relação dos Açores e a de Angola, e o tribunal commercial de 2.ª instancia sem tocar na legislação organica d'esses serviços; como diminuir a despeza do pessoal do serviço fiscal sem estabelecer em outras bases o mesmo serviço. Póde o governo com esta auctorisação diminuir no pessoal um ou alguns dos. membros dos tribunaes e das diversas repartições, mas a reducção será mesquinha e porventura desorganisadora o prejudicial.

Eu bem sei que a restricção da auctorisação é um bello meio para o governo se escudar contra a responsabilidade que lhe ha de resultar se for mesquinho, porque dirá que não fez mais por não estar auctorisado para isso; mas o paiz é que perde, e portanto eu entendo que esta camara deve dar ao governo mais do que elle pede, tornando assim a iniciativa mais rasgada do que elle em negocio em que o paiz tanto interessa.

Eu, sr. presidente, estou certo que cada um dos actuaes srs. ministros têem desejos de acertar; mas suppondo mesmo que nas reformas escape um ou outro pequeno erro ou inconveniente, eu, sr. presidente, desde já me comprometto a approvar todas as reformas em globo, e depois iremos desbastando e melhorando o que preciso for com o tempo.

A primeira necessidade agora, sr. presidente, é apagar o pavoroso incendio em que arde o paiz, depois reedificaremos. Simplifique o governo bem os serviços e faça depois larguissimos córtes na despeza publica, e conte com o meu voto e com o apoio do paiz para a reorganisação da fazenda, que é a nossa primeira necessidade.

E quanto á camara, sr. presidente, ella deve ir adiante do governo, no caminho das economias, porque é ella que representa o paiz, e o paiz assim o quer, e a rasão o reclama.

Eu bem sei, sr. presidente, que o melhor principio de administração seria que em vez de dizer-se na auctorisação que se fizesse reducção de despeza no material dos serviços, pelo contrario se fizesse mais despeza, porque o material como está é pessimo e não desempenha bem as funcções a que é destinado.

Para convencer d'isto a camara basta notar a crueldade com que os nossos soldados estão mal armados no ultramar; lá está em Moçambique o nosso soldado em guerra com o gentio feroz e poderoso, e não está melhor armado do que esse gentio.

Tem assim o soldado portuguez ali a soffrer as consequencias do clima, da sua retribuição, da falta de conforto, e no fim de tudo do mau armamento.

Se assim não fosse não teria a nossa força retirado diante das trincheiras do gentio.

Não tinhamos artilheria propria nem armamento moderno para obter um resultado como os inglezes obtiveram na Abyssinia, onde fizeram 500 mortos em pouco tempo ao inimigo, sem que o exercito inglez tivesse perdas, e isto devido á differença de armamento.

Na distancia a que estavam as duas forças inimigas alcançavam as armas inglezas e não as dos abexins.

Não temos marinha, nem em geral está regular o nosso material de guerra; mas acima de tudo está a immediata reorganisação da fazenda publica e a indispensavel necessidade de preparar por meio de rasgadas economias a opinião publica para o sacrificio que tem de se pedir á nação.

Eu, sr. presidente, sou sempre coherente, e não espero por isso ser nunca apanhado em contradicção.

O governo presidido pelo sr. conde d'Avila pediu á camara esta mesma auctorisação, mas concebida nos termos latos em que eu agora a quero, e eu que a votava a esse governo, tambem agora a voto a este, porque, sr. presidente, é para o paiz e não para os srs. ministros que eu a voto; para mim, n'este caso, não importa a mudança de ministerio.

O paiz quer economias e tem direito a ellas; façam-se pois, seja quem for que as decrete, mas façam-se profundas e com toda a urgencia.

Tambem eu fui já ministerial em outra questão que aqui se tratou hontem.

Eu tinha-me opposto com todas as minhas forças a que a camara votasse a creação e venda de inscripções em logar da desamortisação dos passaes e terrenos baldios; mas desde que a camara, por grande maioria, votou a venda de inscripções, entendi que nada mais havia a fazer desde que o governo se tinha compromettido a trazer ao parlamento na primeira sessão as suas propostas para a reorganisação da fazenda publica.

Ora, este governo entrou ha poucos dias para o poder e por isso não me parece que devamos ser tão excepcionalmente rigorosos para exigir já d'elle uma cousa que até hoje nenhum governo fez.

Eu realmente, com tão enorme deficit no orçamento, não dou grande importancia ao fim a que tendia a proposta do sr. Fradesso.

E como eu votei ao governo transacto auctorisação para as inscripções que haviam de servir de penhor á divida fluctuante, e a camara não exigiu n'essa occasião a creação de receita nova; e como votei e a camara votou áquelle governo a proposta da desamortisação, com auctorisação para crear grande quantidade de inscripções, nas mesmas circumstancias, esperando tudo regularisar por occasião de tratar das propostas que aquelle governo se comprometteu a apresentar na proxima sessão, tambem agora voto o mesmo a este governo, e aguardo para novembro exigir receita nova, não só para estas inscripções, como para todas as que estão em circulação nas mesmas circumstancias, e que exigem essa providencia.

Até então lá fica o governo auctorisado a dotar a junta do credito publico, com os fundos necessarios para o pagamento dos juros.

Eu hei de ser sempre assim: voto ao governo tudo aquillo que entender que é rasoavel e justo, e nego-lhe e combato quanto o governo apresentar de mau e inconveniente, como fiz com os 3.500:000$000 réis, a levantar pela venda de inscripções, e com a sombra vã a que o sr. ministro se soccorreu para levantar fundos sobre os bens a desamortisar pelas leis de 1861 e 1866, e que lhe não ha de produzir' nem um real, tal é a inhabilidade com que está concebida aquella providencia, que tira á operação a maxima parte dos bens a desamortisar, e que não offerece praso fixo o de pagamento do capital nem garantia material do pontual pagamento dos juros respectivos.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Substituição ao artigo 1.°:

É o governo auctorisado a reorganisar os serviços publicos dependentes de todos os ministerios, resultando economia no pessoal e no material dos mesmos serviços. = Antonio Maria Barreiros Arrobas.

Foi admittida.

O sr. Santos e Silva: — O meu illustre collega o sr. Arrobas prometteu ser breve, porque era a favor do projecto; pois eu prometto ser brevissimo pelo facto de ser contra. Aqui tem V. ex.ª como por dois caminhos differentes se chega ao mesmo fim: o de dizermos o que sentimos em poucas palavras.

Tenho serios escrupulos em conceder esta auctorisação, porque é lata, latissima, vaga, indefinida...

O sr. Presidente: — Se v. ex.ª me dá licença, eu faço uma observação. Eu commetti uma injustiça inadvertidamente: dei a palavra a v. ex.ª, quando pertencia ao sr. Freitas e Oliveira.

O sr. Freitas e Oliveira: — Como não quero que se commetta outra injustiça, permitta v. ex.ª que o sr. Santos e Silva continue.

O Orador: — Tem sido uso no parlamento portuguez, quando se pedem auctorisações, assentarem os pedidos sobre certas bases, que esclarecera a materia. Cada um fica então collocado nas circumstancias de saber até onde vão as suas concessões e até onde vae a sua responsabilidade.

Tem sido esta a pratica constante.

Não quero citar muitos exemplos; limito-me a recordar a auctorisação que o parlamento deu em 1864, creio eu, ao sr. ministro da fazenda de então, para reformar as alfandegas sobre umas certas e determinadas bases, onde estava até indicado o quanto se devia despender n'essa reforma.

Nas propostas e pedidos de auctorisação do governo passado, a que este succedeu, indicavam-se bases, sabia-se já qual era o destino dos empregados que ficassem fóra dos quadros, e até se calculava a economia resultante das reformas propostas. Quem votava taes auctorisações, sabia o que votava. Nada d'isto apparece n'este tão vago, tão escuro e tão extraordinario pedido de auctorisação.

Creio que não ha exemplo de vir governo algum ao parlamento pedir um voto de auctorisação tão largo, como este que se exige n'esta proposta (apoiados).

É caso novo entre nós (apoiados).

Não levarei a questão para o campo constitucional. Acaba ahi de ser tratada, e muito bem, por um illustre orador e meu amigo, o sr. Pinto de Magalhães.

Não posso, ainda que quizesse, ser longo. Em primeiro logar, porque a hora está adiantada, e não desejo levar a palavra para casa. Em segundo logar, porque já me comprometti a ser breve. Em terceiro logar, porque as disposições do meu espirito não se prestam actualmente a fazer largas dissertações sobre materia alguma.

Acho exhorbitante, illimitado, indefinido e muito vago este projecto de lei; e apesar da restricção, com que a illustre commissão especial o modificou, não encontro n'elle sufficiente garantia que me habilite e colloque nas circumstancias de dar ao governo do meu paiz uma auctorisação, que excede todas as praticas, e vae muito alem do que na minha opinião um parlamento póde ceder ao poder executivo (apoiados).

Eu preferiria, não aconselho, preferiria ver um governo, inspirado na sua missão salvadora, assumir com franqueza e desassombro a dictadura, e carregar com toda a responsabilidade dos seus actos, a assistir impassivel á exauctorisação de um parlamento que ajoelha perante o poder executivo, que lhe lança aos pés todas as insignias do seu poder, que abdica ás cegas a sua alta prerogativa de legislar, e consente que lhe rasguem o diploma, que o voto nacional lhe outorgou (apoiados).

As difficuldades que eu sinto em dar um voto de auctorisação tão amplo ao governo, como aquelle que se pede no projecto n.° 7, não significam falta de confiança no governo; porque desde já declaro que não ponho aqui uma questão politica.

Este meu proceder é filho das minhas antigas convicções, e está em harmonia com os meus precedentes parlamentares; porque quando o ministerio que foi exonerado o mez passado, e ao qual eu apoiei sempre, e sem tergiversações, até o seu ultimo dia, chegou á camara, no começo da sua difficil gerencia, em janeiro, e pediu um voto de auctorisação para reformar a lei de administração civil, eu, como membro da commissão de administração publica, não lhe pude dar o meu voto amplo.

Concedia-lhe uma auctorisação restricta; dava-lhe o meu voto até o ponto que fosse necessario alterar, supprimir, ou modificar alguns dos artigos da lei, para tornar exequivel a abolição da divisão territorial, que eu entendia dever ser decretada em presença das circumstancias e das justas exigencias dos povos. Limitei-me a essa auctorisação, não obstante estarmos em circumstancias muito extraordinarias, excepcionalissimas, porque estavamos debaixo de uma pressão grande, e a braços com a melindrosa questão de ordem publica (apoiados); apesar d'isso não hesitei em negar ao governo um voto amplo; só lh'o dava para uma hypothese clara e definida para reformar os artigos precisos n'essa lei.

Disse ao governo: «Muito bem, é necessario, e desde já, abolir ou suspender os effeitos da divisão territorial. Alterae pois a lei naquelles pontos que for necessario alterar, para que a vossa medida possa surtir o effeito desejado. Não toqueis no corpo das doutrinas. Se a lei de administração civil é má, trazei ao parlamento as vossas reformas; depois confrontaremos e discutiremos.» Foi assim que procedi como membro de uma commissão e como deputado.

Sr. presidente, n'esta auctorisação, fallemos com franqueza, tudo é mysterioso como o futuro (apoiados); tudo é cego como o acaso; tudo é vago, como parecem ser vagas as aspirações dos srs. ministros; tudo é incerto, como parece incerto o seu programma; tudo é desconnexo, como parecem desconnexas as suas idéas de governar, porque, se por um lado se proclama a necessidade de fazer economias e reducções, por outro lado insinua-se que é necessario obter meios á larga, par enterrar no immortal campo de instrucção e manobras.

Não será facil conciliar idéas tão oppostas.

Se o governo tem tenção de reabrir o parlamento dentro de dois ou tres mezes, porque não applica este intervallo

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parlamentar a meditar com seriedade e circumspecção sobre a cousa publica, e a formular as suas propostas, para as apresentar ao parlamento na proxima sessão legislativa? Uma de duas; ou o governo tem o seu plano formado, definidas as suas idéas, e assentes as suas bases; ou não. No primeiro caso, apresente-nos o seu plano, indique-nos as suas bases. Digam os srs. ministros quaes são os topicos principaes para eu saber o que querem, até onde vae a minha responsabilidade, até onde alcança o meu voto, como representante da nação (apoiados). Se o governo não pensou ainda, não formulou as suas idéas, nem assentou em base alguma, não posso tambem dar-lhe a auctorisação que pede, porque elle, brioso como é, reconhecendo a obrigação que lhe assiste de se desempenhar de tão grave compromisso, é provavel que seja arrastado a reformar ás cegas, com uma certa leviandade ou precipitação. Isto ha de acarretar grandes prejuizos para o serviço publico, e para os funccionarios do paiz. Ou o governo já organisou o seu systema, ou não. Se o organisou, diga qual elle é, para nós sabermos o que votámos, e qual a responsabilidade que contrahimos. Se ainda o não organisou, organise-o, e apresente d'aqui a dois mezes as respectivas propostas ao parlamento, porque eu não annuo a reformas feitas com leviandade ou precipitação.

Parece-me ser este o verdadeiro ponto da questão (apoiados).

Preparem os srs. ministros as suas propostas, tragam-as em outubro ou novembro a esta casa, porque ninguem acha exagerada esta demora; e não me diga ninguem que no parlamento se não faz nada, porque isto é uma blasphemia constitucional; é decretar a morte do parlamentarismo, acabando com a representação nacional (apoiados). Se as delongas da discussão hão de agora servir de argumento para serem concedidas ao poder executivo auctorisações cegas, se se invoca a suprema rasão dó tempo e da despeza, é melhor ser claro e sincero, e dizer «guerra contra o parlamentarismo! Abaixo a representação nacional! Viva a omnipotencia do poder executivo!» Isto é mais corajoso o mais leal. Não venham, por Deus, com o argumento das delongas, porque a demora na discussão, quando é rasoavel, é indispensavel; é a melhor garantia de que d'esta casa as leis hão de saír tão perfeitas, quanto podem saír perfeitas as obras das mãos dos homens (apoiados).

Em conclusão, se o governo já assentou em algumas bases, peço-lhe que as apresente, ou indique, porque póde muito bem ser que eu e muitos collegas modifiquemos as nossas opiniões á vista das rasões produzidas pelos srs. ministros. Em logar de dar um voto contra a auctorisação, succederá talvez, se as rasões forem valiosas, que eu o dê a favor. Por ora, e emquanto não vir produzir argumentos que destruam as observações curtas, que offereço á camara, não posso deixar de declarar francamente que não estou habilitado para dar o meu voto á latissima auctorisação pedida pelo governo.

Fico por aqui.

O sr. Costa e Almeida: — Pedi a palavra sobre a ordem para mandar para mesa uma substituição ou emenda ao artigo 1.° do projecto em discussão.

É a seguinte (leu).

Direi a v. ex.ª e á camara em breves palavras quaes são as rasões por que supponho indispensavel modificar a redacção do artigo 1.° do projecto do governo. N'este ponto o meu illustre collega o sr. Arrobas encontra-se commigo quasi nas mesmas idéas.

Attribuo ao artigo 1.° do projecto em discussão um alcance muito limitado. Na verdade pela simples letra do artigo 1.° do projecto manifesta-se que o governo não fica por elle auctorisado senão a decretar as economias que possam effectuar-se no pessoal e material dos serviços publicos já existentes e não a alterar os serviços publicos na sua organisação, admittindo os principios da descentralisação do serviço e da sua simplificação, questão da qual dependem as diminuições do pessoal e material (apoiados).

Sr. presidente, se o nobre ministro do reino ou algum dos seus illustres collegas tivessem apresentado já algumas idéas relativamente ao modo como entendem interpretar a doutrina d'este artigo e a auctorisação que pedem n'este projecto, talvez eu me eximisse de fazer algumas considerações a este respeito; espero porém que o ministerio dará explicações satisfactorias, sobre este ponto, satisfazendo tambem por essa parte aos desejos que acaba de exprimir o meu illustre collega e amigo o sr. Santos e Silva.

Esta auctorisação pedida pelo governo vem satisfazer até certo ponto a uma necessidade urgentemente reclamada pelas exigencias da opinião publica do paiz. Ha muito tempo que se clama pelas reformas do serviço publico, e ao mesmo tempo clamou-se pela descentralisação do serviço, pela organisação do pessoal e pela simplificação no modo de satisfazer a essas necessidades, e effectivamente essas reformas dariam em resultado não só uma commodidade consideravel para os povos, mas uma economia importante para o thesouro (apoiados). Na maneira como está redigido o projecto em discussão não encontro a auctorisação como desejava que o governo a pedisse.

Por este projecto que se discute, o governo apenas fica auctorisado a decretar até á proxima sessão do corpo legislativo as reducções no pessoal e material dos serviços publicos já existentes, mas não lhe' fica a liberdade de poder organisar o serviço publico de uma maneira mais economica, de uma maneira descentralisadora, de uma maneira simples, barata, efficaz e productiva, e que satisfaça ás exigencias que tem esse serviço de desempenhar. Portanto preferiria que ao governo se concedesse uma auctorisação mais radical (apoiados).

Desejo conferir ao governo uma auctorisação em bases mais largas, desejo que elle fique auctorisado a reorganisar

os diversos serviços em harmonia com as indicações geraes da opinião publica, que se reduzem simplesmente a exigir a descentralisação da administração publica, a descentralisação dos serviços e a simplificação nos processos, condições, das quaes ha de depender no futuro a fixação dos quadros, do pessoal e a sua retribuição condigna; sem isto, não me parece que possa ser valiosa a economia que o governo tem em vista com a auctorisação que pede. Com relação a este ponto o meu illustre collega o sr. Arrobas, disse a meu ver a verdade. E n'esta parte como disse, estou de accordo com o illustre deputado, com o qual muitas vezes me tenho encontrado em completa desharmonia, estimo estar de accordo com o illustre deputado que fez notar na verdade, a largueza, só apparente, da auctorisação, ao menos pela letra do artigo, mas que pelo seu espirito litteral não póde ter a latitude e as larguezas que a camara suppõe.

O governo não póde se não reduzir o pessoal em relação ao serviço já existente, não póde organisar serviços, que deviam continuar a existir de uma maneira mais productiva para o paiz, para o proprio serviço e, ao mesmo tempo, mais economico para o thesouro.

Não seria necessario descer aos exemplos a que desceu o sr. Arrobas, para mostrar que este projecto não comporta similhante auctorisação. Assim se o governo quizer reformar a instrucção publica, cortando pelas suas superfluidades e exageros que se não póde deixar de reconhecer que existem na instrucção superior á custa do desenvolvimento da instrucção primaria (apoiados), o ministerio fica completamente inhibido d'essa liberdade.

Trata-se dos corpos consultivos juntos a differentes ministerios para lhe dar parecer sobre várias questões que esse ministerio tem de resolver? O ministerio não póde organisar esses corpos consultivos de maneira diversa daquella por que estão agora organisados. Não póde fazer organisação alguma senão em relação ao pessoal e ao material. Póde o governo diminuir a verba de despeza do expediente, diminuir dois ou tres empregados, que não é economia valiosa e importante. Para mim a reducção do pessoal e material ha de depender necessariamente da maneira como o serviço for organisado.

Não se pense que eu n'esta parte faço um desserviço ao governo, pelo contrario faço-lhe um serviço. Mas seja serviço ou desserviço, o que é certo é que eu estou aqui para servir o meu paiz, e concorrer com a minha fraca intelligencia e poucos meios para tudo que lhe possa ser util e vantajoso (apoiados).

Submetto á consideração da camara e do governo a emenda que vou mandar para a mesa, que talvez não seja necessaria se as explicações ou desenvolvimento que o ministerio apresentar ácerca d'este projecto quando fallar, derem uma significação e um alcance ao artigo 1.° differente d'aquelle que eu suppunha.

Agora direi duas palavras relativamente á questão previa apresentada pelo sr. Pinto de Magalhães. Mais uma vez, como quasi sempre, estou infelizmente em desaccordo com o illustre deputado, quando diz que não póde deixar de considerar inconstitucional o pedido de auctorisação que o governo fez. Inconstitucional em que? Disse o illustre deputado que a camara abdica uma das suas mais importantes prerogativas, e que a vae rojar aos pés do executivo, acrescentou o sr. Santos e Silva.

Ora, tudo isto teria logar se acaso effectivamente se tratasse de dar uma auctorisação ao governo, cujo uso a camara não fosse depois a primeira a julgar. O governo ha de dar conta ás córtes na proxima sessão legislativa das medidas que tiver decretado em virtude d'esta auctorisação. E até a este respeito diz a commissão no seu relatorio o seguinte: «Em todo o caso a auctorisação é por tempo muito limitado, e a camara na sua proxima reunião tomará conta ao governo do uso que d'ella tiver feito».

Está quasi a dar a hora, e eu preciso dizer mais duas palavras. Eu voto esta auctorisação ampla ao ministerio, porque não desejo diminuir em cousa alguma a responsabilidade immensa que pésa sobre seus hombros pela aceitação de encargo; quero, pelo contrario, dar-lhe toda a latitude, toda a amplidão á actividade ministerial, para que eu possa depois, com a camara e com o paiz, exigir contas ao ministerio do uso que fizer d'esta auctorisação, no sentido em que elle a propõe.

Deu a hora, ámanhã concluirei.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a continuação da que vinha para hoje, e mais o projecto de lei n.° 2 que se refere á convenção postal entre Portugal e a Belgica.

Está levantada a sessão.

Eram pouco mais das quatro horas da tarde.

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