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1618 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

sessão parlamentar, de apreciar o problema financeiro e a situação economia do paiz, porque o orçamento geral do estado para o exercicio de 1885-1886 não chegaria a ser discutido este anno, pela mesma rasão por que não foi discutido o orçamento do anno passado.
A ser assim, como creio, entendi que era dever meu de consciencia, e dever que me foi imposto pelos 33:000 eleitores que me conferiram o mandato, não deixar passar esta occasião, sem dizer á camara e ao paiz, que não me conformo com o systema financeiro do governo, que reputo melindroso o estado da fazenda publica, que são muito precarias as nossas condições economicas, que mal vae ao governo, se não muda de expedientes, e que mal vae ao paiz, se não muda de governo. (Apoiados.)
E formulando estas affirmações, sr. presidente, eu não pergunto a mim mesmo pelos precedentes da minha competencia financeira, nem pela auctoridade das minhas opiniões, porque eu não ambicioso para mim senão aquella auctoridade que me deram os factos que vou expor á camara.
Hoje com as nossas educfações encyclapedicas não há questão nenhuma que nos seja vedada, nem assumpto que não possamos discutir, uma vez que o estudemos. O essencial é que o estudemos. (Apoiados.) Exprimo assim a minha convicção, sem me prender em falsos orgulhos e sem me enredar em falsas modestias.
Já lá vae o tempo em que a seiencia das finanças, conhecida entre nós pelo nome picaresco e moderno de orçamentologia, era uma gnose mysteriosa e sybillina, vedada a muitos e privilegio de poucos, similhante á linguagem theurgica e caballistica das velhas religiões orientaes. Esse preconceito passou desde que Mirabeau reduziu aquella sciencia ao conhecimento das quatro operações. (Riso.) Hoje, apesar das difficuldades orçamentologicas inventadas para esconder a verdade ao paiz e aos ignorantes, até aquelles que não professam a especialidade das cifras orçamentaes comprehendem que sendo a despeza do estado superior a 40.000:000$000 réis, e a receita de cerca de 31.000:000$000 réis, a situação financeira é um perigo e uma terrivel ameaça. (Apoiados.)
E talvez seja por isso que o sr. ministro da fazenda, apesar do seu conhecido optimismo, esta appellando constantemente para a cordura e imparcialidade da opposição.
Effectivamente, sempre que n'esta casa se tem discutido a situação da fazenda publica, ou seja na resposta ao discurso da corôa e na discussão do bill de indemnidade, ou seja no projecto da auctorisação para a reforma dos serviços aduaneiros, sempre s. exa. se têem dirigido a este lado da camara, rogando-nos, supplicando-nos e aconselhando-nos que apreciemos o problema financeiro longe da esphera das paixões partidarias, sem rancores politicos, sem paganismos de escola, serenamente, tranquillamente, imparcialmente, porque «o credito - são palavras de s. exa. - é como a sensitiva; retrahe-se, mal lhe tocam».
Sr. presidente, o appello será patriotico, será sincero; creio bem que é inspirado na suprema gravidade dos interesses publicos, mas tem um defeito - é desautorisado.
Que auctoridade póde ter similhante pedido, quando é feito por um estadista que, sendo deputado nas sessões legislativas de 1880 e 1881, desmentiu e annullou pelo seu procedimento de então os conselhos de cordura e de imparcialidade que nos está dando agora, como ministro!
(Apoiados.)
Quando s. exa. n'esta casa se fazia acho de injustas accusações contra a situação progressista, e não queria comprehender que, prodigios de devoção civica so empenhavam na reorganisação da fazenda, que extraordinarios sacrificios de intelligencia, de vontade e até de popularidade, se estavam empregando para fortalecer o credito e para regularisar os serviços, chegando-se a fazer economias: na importancia de perto de 3.000:000$000 réis, o deputado de então, que é o ministro de hoje, em vez de usar d'aquella cordura e severidade que tanto nos recommenda agora reproduzia no parlamento a colera ficticia das arruaças ensaiadas, e fazendo côro com a atoarda dos sediciosos sem criterio nem responsabilidade moral, entoava com elles o crucifige da população inconsciente e ingrata. (Apoiados.)
Usando do direito de defeza, para não dizer do direito de represalia, o nosso caminho estava indicado pelo anterior procedimento do actual ministro da fazenda. Entretanto, a opposição, por um sentimento de generosidade que é proprio das almas grandes, entendeu que não devia repellir o appello; e eu pela minha parte não serei a nota discordante neste concerto de benevolencias.
Entrarei, pois, na questão vital do paiz, na questão que a todas sobreleva em importancia, sereno, tranquillo, sem azedumes de escola nem de partido, no cumprimento rigoroso do meu dever.
Não quero que a sensitiva do credito se retraia, tocada pelo sopro do meu facciosismo. (Riso.)
Devo, porém, dizer á camara que o credito não se fomenta nem se destroe com expansões patrioticas nem com a rhetorica parlamentar.
Illude se o governo, se imagina que os mercados estrangeiros fazem obra pelos discursos que proferimos aqui. No estrangeiro sabe-se tão bem, como nós o sabemos, quaes são os nossos recursos, quaes são os nossos encargos, qual é a nossa situação.
Os representantes dos differentes paizes, com quem temos relações financeiras, os consules e os agentes diplomaticos residentes em Portugal, não fazem os seus relatorios nem pelas declarações qptimistas do governo, nem pelas phillipicas mais ou menos violentas da opposição.
Não se illuda o governo; não se illuda ninguem com a rhetorica parlamentar. O meio de protestar contra os inimigos do credito nacional é outro.
E para que o sr. ministro da fazenda reconheça auctoridade e sinceridade na exposição desse meio salvador, vou ler á camara as palavras textuaes do Jornal do commercio publicado hontem, folha a todos os respeitbs insuspeita para o governo, porque esse periodico é regenerador antigo.
Escreve aquelle papel:
«Pelos documentos apresentados vê-se que a nossa situação financeira é pouco satisfactoria, e não e com phrases rhetoricas que ella se modifica. Estamos diante de um deficit avultado, tanto proveniente da despeza ordinaria como da extraordinaria, e sem esperanças de o ver desapparecer.»
Quem falla assim, quem perdeu a esperança da morte do deficit, não é a opposição; é um dos periodicos governamentaes mais considerados na grey. Esta circumstancia tem muito valor. (Apoiados.)
Continua o mesmo jornal:
«Já demonstrámos que a classificação das despezas extraordinarias não é exacta, visto que muitos dos encargos chamados extraordinarios se repetirão ainda por muitos annos.
Paremos aqui.
Uma das novidades preciosas do orçamento rectificado d'este anno e effectivamente a classificação das despezas extraordinarias, alem da separação illegal e qpposta ao principio da unidade orçamental, feita entre a receita e despeza ordinaria e a receita e despeza extraordinaria. Assim como se fez esta separação tão contraria aos bons principios da contabilidade, tambem se transportaram para orçamento das despezas extraordinarias muitas verbas de despeza de caracter permanente.
Porque se fez isto?
Por innocencia, não; foi muito de proposito. Eu não sou orçamentologo nem tenho pretenções a Colbert; mas reconheço claramente que houve proposito de illudir o paiz n'este processo de escripturação capciosa. Se as despezas