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SESSÃO DE 18 DE MAIO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios- os exmos. srs.

Francisco Augusto Florido de Mouta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Um officio do terceiro districto criminal de Lisboa.- Segunda leitura e admissão de tres projectos de lei. - Duas representações, sendo uma apresentada pelo sr. Moraes Machado e outra pelo sr. Santos Viegas. - Dois requerimentos de interesse publico, sendo um do sr. Ferreira de Almeida, e outro do sr. A. J. d'Avila por parte da commissão de guerra. - Um requerimento de interesse particular apresentado pelo sr. Santos Viegas. - Justificações de faltas dos srs. Garcia de Lima, Almeida Pinheiro e Alves Matheus. - Requer licença o sr. Henrique Mendia para se ausentar do reino. - Os srs. José de Novaes e A. J. d'Avila mandam para a mesa pareceres de commissões. - O sr. Santos Viegas requer, em nome do sr. Rocha Peixoto licença para este sr. deputado estar ausente de Lisboa, e associa-se as considerações feitas pelo sr. Bernardino Machado em referenda ao facto das commissões não darem pareceres sobre os projectos que lhes são submettidos. - Respondem-lhe os srs. Pereira Carrilho e Luiz de Lencastre. - O sr. J. A. Teixeira faz diversas considerações em referenda a situação desfavoravel em que se acha a ilha da Madeira. - Continua o incidente, levantado na sessão anterior, sobre a pesca do atum no Algarve, e tomam parte n'elle os srs. Figueiredo Mascarenhas e Marçal Pacheco, reservando-se o sr. ministro da marinha, a pedido do sr. presidente, e de accordo cem o sr. Marçal Pacheco, para responder na proxima sessão, visto ter de se passar a ordem do dia. - Concedem-se as licenças pedidas pelos srs. Henrique de Mendia e Rocha Peixoto.
Na ordem do dia combate o artigo 2.° do projecto de lei n.° 34 (orçamento rectificado) o sr. Simões Dias, respondendo-lhe o sr. Pereira Carrilho, relator.- A requerimento do sr. Ribeiro Cabral, proroga-se a sessão até se votar o artigo em discussão. - Apresenta um parecer da commissão de obras publicas o sr. Avellar Machado. - Usa da palavra, discorrendo largamente em referencia ao orçamento rectificado, na parte respeitante as despezas com a armada real, o sr. Ferreira de Almeida. - A requerimento do sr. Baracho, julga-se a materia discutida. - É approvado o artigo 2.° do projecto.

Abertura - Ás duas horas da tarde.

Presentes á chamada- 36 srs. deputados.

São os seguintes: - Lopes Vieira, Garcia de Lima, A. J. d'Avila, Pereira Borges, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Augusto Poppe, Pereira Leite, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Sanches de Castro, E. Coelho, Vieira das Neves, Francisco de Campos, Matos de Mendia, Augusto Teixeira, J. C. Valente, Teixeira de Vasconcellos, Ribeiro dos Santos, Ponces de Carvalho, J. J. Alves, Coelho de Carvalho, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Marçal Pacheco, Miguel Tudella, Sebastião Centeno, Dantas Baracho, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Agostinho Lucio, Moraes Carvalho, Alfredo Barjona de Freitas, Garcia Lobo, A. J. da Fonseca, Lopes Navarro, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Moraes Machado, Carrilho, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Ferreira de Mesquita, Carlos Roma du Bocage, Conde da Praia da Victoria, Conde de Thomar, Conde de Villa Real, Ribeiro Cabral, Sousa Pinto Basto, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Castro Mattoso, Mártens Ferrão, Wanzeller, Frederico Arouca, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Barros Gomes, Sant'Anna e Vasconcellos, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, João Arroyo, J. Alves Matheus, Joaquim de Sequeira, Simões Ferreira, Teixeira Sampaio; Avellar Machado, Azevedo Castello Branco, José Borges, Elias Garcia, Laranjo, José Frederico, Lobo Lamare, José Luciano, Oliveira Peixoto, Pinto de Mascarenhas, Reis Torgal, Luiz Osorio, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Martinho Montenegro, Pedro de Carvalho, Rodrigo Pequito, Pereira Bastos, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde das Laranjeiras, Visconde de Reguengos e Visconde do Rio Sado.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Agostinho Fevereiro, Albino Montenegro, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Silva Cardoso, Sousa e Silva, Antonio Candido, Pereira Côrte Real, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Jalles, Pinto de Magalhães, Augusto Barjona de Freitas, Fuschini, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Lobo d'Avila, Cypriano Jardim, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Estevão de Oliveira, Filippe de Carvalho, Silveira da Motta, Costa Pinto, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Melicio, Ferrão de Castello Branco, Sousa Machado. J. A. Neves, Correia de Barros, Dias Ferreira, J. M. dos Santos, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, Manuel d'Assumpção, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Guimarães Camões, Miguel Dantas, Pedro Correia, Pedro Franco, Santos Diniz, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Visconde de Ariz e Visconde de Balsemão.

Acta - Approvada sem reclamação.

EXPEDIENTE

Officio

Do juizo do 3.° districto criminal de Lisboa, pedindo licença para comparecer n'este juizo, no dia 20 do corrente pelas doze horas da manhã, João Gualdino Ferreira Mesquita, amanuense, a fim de depor como testemunha.
Á secretaria para satisfazer.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A circumstancia de não poderem ser admittidos no monte pio official os que exercem emprego publico por nomeação de portaria prejudica consideravelmente um grande numero de funccionarios;
Considerando que, facultando-se a admissão no citado monte pio a estes empregados, inscrever-se-ha um grande numero de individuos de trinta a quarenta annos de idade, a maior parte fora do gremio pela desharmonia que ha na formula das suas nomeações;
Considerando que é da mais alta justiça que se estenda a vantagem do futuro a todos os funccionarios publicos, nomeados por portaria, que vençam soldo ou ordenado não interior a 300$000 réis, comtanto que não tenham mais de sessenta annos de idade;
Por todas estas rasões, tenho a honra de submetter á vossa consideração o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° São admittidos no monte pio official todos os funccionarios de diversas repartições do estado, que tiverem mais de quarenta annos de idade, sujeitando-se ao pagamento da quota mensal, augmentando a com tantos por

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cento, alem da joia que lhes for arbitrada, conforme a idade que tiverem no acto da admissão.
Art. 2.° São igualmente admittidos no monte pio official todos os funccionarios publicos, nomeados por decreto ou portaria, que vençam soldo ou ordenado não inferior a réis 300$000, comtanto que não tenham mais de sessenta annos de idade.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 16 de maio de 1885. = Joaquim José Alves.
Foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei
Senhores. - Há em Vianna do Castello um estabelecimento de beneficencia, a congregação e hospital de velhos e entrevados de Nossa Senhora da Caridade, estabelecimento tão modesto quanto digno da sympathia publica, cujo piedoso e humanitario fim é, como diz o nome, recolher e manter os invalidos e entrevados de ambos os sexos, que, no ultimo quartel da vida, nõa podem sequer mendigar o pão de cada dia.
Nos fins do seculo passado um prestante filho de Vianna, José Pimenta Jarro, congregou lguns amigos pessoaes que com elle tomaram a seu cargo solicitar esmolas e obter donativos, e, comprando com o seu producto uma pequena casa terrea, fizeram ali a installação do primeiro asylo.
Esta piedosa instituição foi alargando successivamente os seus beneficios; á humilde casa terrea foram-se juntando outras, contiguas, e hoje albergam-se n'ellas quarenta e quatro velhos de ambos os sexos, cercados do indispensavel, conforto ,e tratados com os cuidados e disvellos que a caridade inspira e as condições economicas da instituição permittem.
A casa, porém, tal qual está, e insufficiente, e as zelosas administrações, que têem presidido aquelle estabelecimento, já de ha muito cuidam em crear um fundo especial para a construcção de um edificio apropriado; mas, infelizmente, só tarde poderá esse fundo attingir a somma necessaria.
N'estes termos, nem pode uma tão salutar instituigno estender os seus beneficios a maior numero de asylados, como seria para desejar, e como o está reclamando instantemente muita desgraça sem amparo, nem tão pouco póde ella tão cedo melhorar as condições de installação.
Existe n'aquella cidade um edificio nacional que, pelas circumstancias em que se acha, pode satisfazer as necessidades que deixo apontadas.
É o convento de Santa Anna, onde existe ainda uma religiosa professa.
Concedido que seja esse convento, depois do fallecimento da ultima, freira, podem as administrações d'aquelle sympathico albergue não só dispor de um edificio, que os indispensaveis melhoramentos tornarão em breve apropriado ao fim a que se destina, mas tambem, o que e ainda mais importante, consagrar o rendimento de todos os seus fundos á manutenção de asylados, augmentando-lhes o numero como o reclamam bastantes desgragados a quem, por falta de recursos, é hoje impossivel attender.
Pelo que fica exposto, e de harmonia com o artigo 11.º da lei 4 de abril de 1861, temos a honra de submetter á vossa approvação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É concedido á congregação e hospital de velhos e entrevados de Nossa Senhora da Caridade, de Vianna do Castello, o convento de Santa Anna, da mesma cidade, com a igreja e suas alfaias, casa do capellão, e a parte da cerca adjacente ao convento com toda a agua que ao mesmo pertence.
Art. 2.º A congregação só poderá de tudo tomar posse quando deixe de existir no convento a ultima das religiosas professas que ali residem actualmente.
Art. 3.º Ficará sem effeito esta concessão, revertendo tudo á posse do estado, quando a referida congregação deixe de satisfazer aos fins da sua instituição ou de empregador nelles tudo o que pela presente lei lhe é concedido.
Art. 4.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 16 de maio de 1885. = Os deputados, João Ribeiro dos Santos, Ernesto Julio Goes Pinto.
Foi admittido e enveado á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

Projecto de lei

Pela lei de 5 de junho de 1882 foi auctorisado o governo a conceder á camara municipal de Bragança o edificio e cerca do extincto convento das freiras de Santa Clara da mesma cidade, para no respectivo local ser construido um mercado municipal, com a clausula de que, não se effectuando a referida construcção no praso de dois annos, voltaria á posse da fazenda nacional.
O governo fez a pretendida concessão por decreto de 26 de julho de 1883 que foi publicado no diario do governo n.º 197 de 1 de setembro do mesmo anno, e porque ainda não se acha construido o dito mercado, a camara municipal representa agora, para que lhe seja prorogado o praso que está proximo a expirar.
As difficuldades com que tem luctado a camara de Bragança para regularisar a cobrança das suas dividas activas e fazer face a todas as despezas com que foi sobrecarregada em virtude da descentralisação decretada no codigo administrativo vigente e outras que se oppozeram á realisação de um emprestimo indispensavel para levar a effeito alguns melhoramentos vantajosos para a hygiene, aformoseamento, fiscalisação dos impostos e policia da cidade, retardaram a construcção do mercado, sendo todavia certo, que a camara já tem feito algumas despezas preparatorias, que seriam inteiramente perdidas, não se lhe fazendo nova concessão.
Não basta, porém, a construcção de um mercado; e não é menos importante para a cidade de Bragança o alargamento de uma rua estreita, tortuosa e immunda, que existe junto á cerca do convento, e a abertura de outra que dê amplo e facil accesso ao novo mercado e suas dependencias, que não é só para a população da cidade, mas tambem para a de todo o concelho, que ali concorre diariamente com cereaes e outros generos de consumo, e nas feiras quinzenaes com gados de varias especies.
O edificio, attenendo á sua antiguidade e estado de ruina, é de insignificante valor, e de pouca fertilidade o terreno da cerca, mas para o fim a que se destinem estão nas melhores condições, e a sua transformação será de grande vantagem para uma cidade, que mais do que qualquer outra carece de protecção para saír do atrazo e estacionamento em que ainda se encontra, e que é principalmente devido á sua posição topographica e falta de recursos.
É por tão ponderosas rasões que temos a honra de propôr o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É prorogado por dois annos o praso por que no decreto de 26 de julho de 1883 foi concedido á camara municipal do concelho da cidade de Bragança o edificio do extincto convento e cerca das freiras de Santa Clara na mesma cidade, para ali construir um mercado municipal, suas dependencias, alargar uma rua e abrir outra de novo.
§ único. O edificio e cerca reverterão para a fazenda nacional logo que decorra o referido praso, sem que esteja construido o mercado e mais obras para que são destinados, ou deixem de ter a applicação designada na presente lei.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da camara dos senhores deputados, em 16 de maio de 1885. = Antonio Maria de Moraes Machado = Firmino João Lopes.
Foi admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvido a de fazenda.

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REPRESENTAÇÕES

1.ª Da camara municipal da cidade de Bragança, pedindo para ser prorogado o praso por que no decreto de 26 de julho de 1883 foi concedido a esta camara o edificio do extincto convento e cerca das freiras de Santa Clara da mesma cidade, para ali construir um mercado municipal.
Apresentada pelo sr. deputado Moraes Machado e enviada á commissão de administração publica, ouvida a de fazenda.

2.º Da irmandade do Santissimo Sacramento da sé patriarchal de Lisboa, contra a proposta de lei n.° 34-A, na parte que tributa as irmandades para a beneficencia e instrucção publica.
Apresentada pelo sr. deputado Santos Viegas e enviada as commissões de fazenda e de administração publica.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que seja enviado o certificado do estado da ao municipal do concelho de Villa Real de Santo Antonio, que mando para a mesa, a commissão parlamentar a que se acha affecto o projecto de lei que apresentei em sessão de 11 de março, permittindo a camara municipal do citado concelho distrahir 2:000$000 réis do fundo de viação municipal para dois cemiterios do concelho. - J. B. Ferreira de Almeida, deputado pelo circulo n.° 92.
Foi enviado.

2.° Requeiro que sejam enviados ao governo, pelo ministerio da guerra, os requerimentos do general de brigada reformado, José Maria Tristão, e do segundo sargento de infanteria n.° 24, Esequiel Augusto Roque de Carvalho Machado, a fim de que se sirva informar a camara ácerca d'esta pretensão. = Antonio José d'Avila.
Mandou-se expedir.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PARTICULAR

De Manuel Coelho Lobão, pedindo melhoria de reforma.
Apresentado pelo sr. deputado Santos Viegas e enviado ás commissões de fazenda e das obras publicas.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Estou encarregado de declarar a v. exa. e a camara que as ultimas sessões tem faltado, por motive do doença, o sr. deputado Pedro Roberto Dias da Silva, e que provavelmente a mais algumas faltara por igual motivo. - Barão do Ramalho.

2.ª Declaro que, por motivo justificado, não compareci ás duas ultimas sessões.
= Garcia de Lima.

3.ª Declaro a v. exa. que o meu illustre collega e amigo, visconde de Ariz, não pode comparecer as ultimas sessões da camara, nem comparecerá a mais algumas, por motivo justificado. = Teixeira de Vasconcellos.

4.ª Declaro que, por incommodo de saude, deixei de comparecer nas ultimas cinco sessões. = Almeida Pinheiro.

5.ª Participo a v. exa. e á camara que o sr. deputado, barão de Viamonte, não pôde, por motivo de doença, comparecer ás ultimas sessões, e, pelo mesmo motivo, não póde comparecer a mais algumas. = O deputado, J. Alves Matheus.
Para a acta.
O sr. Henrique de Mendia: - Mando para a mesa um requerimento, e peço a v. exa. consulte a camara sobre se permitte que me seja concedida licença para saír do reino.
O requerimento ficou para ser votado quando houvesse numero.
O sr. José Novaes: - Por parte da commissão de administração publica, mando para a mesa umparecer, concordando com o da commissão de obras publicas, sobre o projecto que tem por fim auctorisar a camara municipal da Certã a despender do fundo especial de viação a quantia annual de 365$732 réis até 1898 inclusive, para pagamento do juro e amortisação de um emprestimo contrahido na companhia de credito predial e destinado a differentes obras de necessidade publica.
A imprimir.
O sr. Santos Viegas: - Fui incumbido pelo nosso collega o sr. Alfredo da Rocha Peixoto, de pedir a v. exa. que se dignasse consultar a camara sobre se permitte que se retire de Lisboa por oito dias, por isso que não pode comparecer durante este tempo as sessões desta camara, visto como precisa estar junto de pessoa de sua familia, que se acha doente.
E aproveitando o ensejo de estar com a palavra mando para a mesa uma representação da irmandade do Santissimo da se patriarchal de Lisboa, em que se manifesta claramente contra uma disposição contida no projecto do lei ácerca do novo municipio de Lisboa, e que especialmente respeita ao onus com que sobrecarrega as irmandades, obrigando-as a contribuir para os cofres municipaes com exageradas quantias a fim de que se forme um fundo pecuniario, que sirva para beneficencia e iustrucção publica.
É, porém, certo, que tanto esta respeitavel irmandade como algumas outras, que conheço, e entre estas a da igreja de Nossa Senhora dos Martyres, exercem a beneficencia sem ostentação, e satisfazem a instrucção por forma que, cumprindo a caridade evangelica, remedeiam sem vaidade muitas miserias, e dão luz a muitas intelligencias, instruindo-as nos preceitos e doutrina, que são a base da ordem e da tranquillidade publica.
Eu, sr. presidente, não só acceito de boa vontade as rasões que esta representação enuncia e aponta, como tambem apresentarei novamente a camara outras representações contra o mesmo paragrapho do artigo do projecto, e n'essa occasião fundamentarei essas mesmas representações, e porei em relevo que é de todo o ponto injusta a medida tomada contra essas irmandades.
Eu não quero nem desejo a caridade official.
Desejo e quero a caridade como o Evangelho a recommenda, e esta e a que as irmandades exercem.
Mando para a mesa esta represcntação, e mandarei todas as outras que igualmente apparecerem contra este parecer, e cuja honra de aprosentação me seja conferida.
N'esta occasião tambem me cabe a vez de acompanhar o meu amigo, o dr. Bernardino Machado, n'umas considerações que aqui expoz ácerca da soberania das commissões.
Consta-me extra-officialmente que a illustre commissão do fazenda, com cujos membros mantenho as melhores relações, tendo mesmo com alguns intimidade, consta-me, digo, que esta commissão poz de banda muitos projectos de lei, que lhe haviam sido enviados para ella dar o seu parecer, e entendeu que só certos e determinados deviam merecer a sua attenção e exame.
Contra este procedimento cabe-me tambem a vez de levantar a minha voz, porque não reconheço na commissão de fazenda, como não reconheço em qualquer outra commissão, e n'isto sou insuspeito, porque tambem faço parte de algumas, não reconheço, repito, direito algum de soberania nas commissões, soberania que só reside na camra que as elege.
As commissões têem rigorosa obrigação de dar o seu parecer, favoravel ou desfavoravel, a todos os assumptos que são submettidos ao seu exame. E note a camara que este

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procedimento não é novo. Antigamente quando se comprehendiam melhor os deveres dos membros d'esta camara, as commissões davam conta ao parlamento do procedimento que haviam tido ácerca dos differentes projectos, que eram submettidos ao seu juizo e criterio.
V. exa., de certo, porque é já um parlamentar antigo, conhece perfeitamente que esta era a marcha ordinaria.
Vejo entrar um dos mais distinctos membros da commissão de fazenda, e meu particular amigo, o sr. Carrilho; a elle me dirijo, portanto, e espero que s. exa. me diga se effectivemente a commissão entendeu não dever dar parecer sobre todos os prohjectos de lei que forem submettidos á sua apreciação, e só sobre alguns. Dois foram os que tive a honra de enviar á commissão; se por ventura s. exa. entender que não deve dar parecer sobre elles, eu peço a s. exa., e peço á illustre commissão que tão dignamente vejo representada na pessoa do sr. Carrilho, que me sejam entregues todos os documentos e projectos de lei que enviei para aquella commissão.
Um d'elles é o de Manuel Coelho Lobão, com cujo requerimento me conformo. Se á commissão parece que não deve ser attendido, não dando de tal procedimento os motivos, ao menos peço que os documentos justificativos do pedido me sejam entregues. É umb triste expediente este, que aponto, mas não quero que o pó do archivo da commissão seja augmentado, conservando-se ali os documentos e requerimentos de um cidadão d'este paiz que pede condigna remuneração dos serviços que lhe prestou.
O futuro julgará a commissão, a cujo exame elles foram submetidos.
Envio para a mesa a representação e o requerimento, e espero que v. exa. se dignará mandar dar-lhes o devido destino.
As representações tiveram o destino indicado a pag. 1612.
O requerimento ficou para ser votado quando houvesse numero.
O sr. Antonio José d'Avila: - Mando para a mesa, por parte da commissão de guerra, um requerimento e um parecer.
O requerimento vae publicado na secção competente e o parecer no fim d'esta sessão.
O sr. Pereira Carrilho: - referindo-me ao que há pouco disse o meu amigo e collega, o sr. Santos Viegas, devo informar a s. exa. e a camara, que a commissão de fazenda, na ultima reunião não resolveu adiar sem mais exame este ou aquelle projecto ou todos, pelo facto de importarem augmento de despeza, ou por ser de interesse particular qualquer d'elles.
N'essa reunião resolveram-se muitos e variados negocios, como a camara conhece pelos pareceres apresentados, e como a hora já estivesse muito adiantada e não havia meio de prosseguir, n'esta occasião, nos trabalhos, a commissão resolveu continuar em outra sessão, o exame dos projectos pendentes. Foi o que se resolveu se a memoria me não falha.
A commissão, repito, não resolveu adiar determinadamente nenhum negocio que era de interesse particular ou geral, apenas xoncordou que n'aquella occasião não havia meio de resolver mais assumptos.
O sr. Luiz de Lencastre: - Eu ouvi as considerações que acaba de fazer o illustre deputado e meu amigo o sr. Santos Viegas, e das palavras de s. exa. póde talvez tirar-se illação ou uma accusação para todas as commissões.
Eu tenho a honra de pertencer a algumas commissões d'esta camara, e por parte d'essas commissões devo declarar á camra e ao publico, porque o publico tambem nos ouve, que as commissões d'esta camara cumprem os seus deveres como sabem e como podem. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu tenho ouvido aqui mais de uma vez accusar as commissões d'esta casa, até já ouvi appellar para v. exa. e como que tornal-o responsavel pelos trabalhos das commissões.
Ora eu, sr. presidente, nem julgo que as accusações procedam, nem tenho por correcta a appellação para v. exa.
V. exa. sabe a consideração que eu tenho pela pessoa e pelo logar que occupa.
Estou sempre disposto a considerar essa pessoa e esse logar.
Mas ao que não estou disposto é a acompanhar aquelles que querem que v. exa. tenha uma intervenção extra-legal.
Emquanto ao que disse o meu amigo o sr. Santos Viegas, referindo se a commissões d'outro tempo, tenho eu a dizer, que as commissões de hoje cumprem o seu dever como sabem, como podem, e como o exige a importancia dos assumptos que lhes são commettidos; e com a experiencia da minha já longa vida parlamentar devo dizer, que as commissões de hoje trabalham como as commissões de outro tempo.
Não se póde exigir das commissões mais do que ellas possam fazer.
O sr. Santos Viegas: - Faço notar a v. exa. que não accusei nenhuma das commissões.
Pedi apenas que prestassem a sua attenção aos negocios submettidos á sua apreciação. Julgo por isso que não fiz arguições. Lembrei o cumprimento de um dever.
Accusando-as, accusava-me a mim proprio, visto que faço parte de algumas commissões, e não me serria agradavel lavrar termo de accusação contra mim.
O Orador: - Eu, quando pedi a palavra, não foi simplesmente para responder a s. exa., mas sim como um pretexto para responder ao que aquise tem dito mais dias a respeito das commissões; e como pertenço a algumas d'ellas, entendi que devia vir tambem defendel-as das accusações que se lhes têem feito.
O sr. J. Augusto Teixeira: - Sr. presidente, nas sessões de Quarta e Sexta feira da semana passada, sessões a que, por motivo justificado, me não foi possivel comparecer, os meus illustres collegas, os srs. Gonçalves de Freitas e Sant'Anna e Vasconcellos, deputados pela Madeira, chamaram a attenção do governo para as necessidades do districto que, com s. exas., tenho a honra de representar n'este parlamento. Como, depois d'essas sessões, é esta a primeira a que compareço, entendo do meu dever dar-me pressa em associar-me a s. exas. n'esse empenho; e faço-o com tanto melhor vontade, quanto é certo que se trata de uma causa, a meu ver, de toda a justiça, e para a qual nunca de mais se chama a attenção d'aquelles que têem a seu cargo a gerencia dos negocios publicos.
Dizia-me, não há muito tempo, um illustre deputado, que me está ouvindo, que os deputados pela Madeira sempre n'esta casa se tinham distinguido tanto pela sua solicitude em promover os interesses d'aquella ilha que quasi se tinham tornado de uma exigencia, para não dizer de uma impertinencia, proverbial; tambem não há muito tempo que por muitas vezes se repetiu n'esta camara que uma arte do povo da Madeira, desesperado pelo descontentamento, assumira uma attitude politica cujas consequencias tinham chamado a attenção do paiz.
Estes factos, sr. presidente, são premissas de que me parece que se póde logicamente concluir, ou que têem sido excessivamente exageradas, e por isso inexequiveis, as pretensões e as exigencias d'aquelle povo, aqui advogadas pelos seus representantes, ou que não ao exagero d'essas pretensões e d'essas exigencias, mas sim á inexorabilidade dos governos, é devido o descontentamento, e, por consequencia, a actual situação moral e politica da Madeira.
Não me parece que, de boa fé, possa pessoa alguma abraçar a primeira conclusão. Quem conhecer a Madeira; quem tiver consciencia di muito que ella vale e do pouco em que tem sido tida; do muito que ella dá, e do pouco, para não dizer do nada, que recebe; das tão modestas

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como legitimas supplicas que, pela bôca dos seus representantes, ella tem enviado a este parlamento; quem conhecer quão pouco se tem feito n'ella sentir a acção protectora dos governos na satisfa9ao das suas mais instantes necessidades quem souber de tudo isto, sr. presidente, reprovara talvez o modo por que uma parte dos madeirenses tem procurado desabafar o seu descontentamento para com es governos, descontentamento. (Apoiados.)
E, portanto, a meu ver, e parece-me que inquestionavelmente, ao remisso procedimento dos governos, com relação as cousas da Madeira, que e principalmente devida a situação moral e política que, ha tempos a esta parte, infelizmente reina n'aquella desgraçada ilha. (Apoiados.)
Eu não quero, sr. presidente, ou antes não desejo, com o meu procedimento, confirmar, fama (que aliás nada tem de aviltante) de que n'esta casa os deputados pela Madeira, são impertinentemente exigentes; mas não posso, sem trahir os mais sagrados deveres que me impõe o mandato que me abriu as portas d'este parlamento, deixar de levantar um brado em prol dos legitimos interesses e direitos da minha terra natal, atá hoje tão cruelmente preteridos. (Apoiados.) Ainda bem que me anima a esperança de que a minha voz não será a vox clamantis in deserto; ou que não serei uma cassandra, a cujas palavras ninguem ligará credito algum. Tenho, felizmente, na actual situação a sufficiente confiança para me convencer de que os interesses da Madeira, hão de ser por ella attendidos, e são-me disso garantia algumas providencias que já por ella têem sido adoptadas.
Sr. presidente, uma grande falta, para não dizer um grande erro, me parece a mim que têem commettido todos os governos, no que diz respeito a Madeira; nunca terem considerado aquella ilha a altura da sua verdadeira, da sua real importancia. E a esta menos attenção da parte dos governos corresponde o quasi desdem com que, cá pelo continente, em geral, se significam pela expressão vaga - a ilha - talvez os tres importantissimos archipelagos dos Açores, Madeira e Cabo Verde, como a indicar-se que esses rochedos espalhados pelo Oceano não merecem a consideração de um estudo distinctivo, nem de uma especialisação de nominalidades. (Apoiados.) No entanto, sr. presidente, quanto se enganam!
Se pensassem em que a Madeira, pela amenidade do seu clima, e visitada pelo que ha de melhor nas grandes capitaes do mundo civilisado, com muitas das quaes esta em relações quasi diarias; se pensassem em que a Madeira, pela sua posição geographica, e porto de escala de importantissimas carreiras de paquetes que todos os dias lhe levam as noticias dos progressos que incessantemente se realisam nos grandes focos da civilisação; se pensassem em que a Madeira é a invejada das mais poderosas nações; se attentassem em que muitos estrangeiros só pela Madeira conhecem e apreciam de Portugal; se attentassem em que a essa perola, a esse jardim do Oceano, e talvez do mundo, das que nós provámos a primeira, como disse Camões, como elle tambem disse, se não avantajam quantas Venus ama; se attentassem em que n'aquella ilha vivem cento e tantos mil portuguezes que annualmente concorrem com uma absoluta e relativamente importantissima somma para as despezas geraes do estado; sa attentassem em que esses portuguezes a toda a hora os magoa o contraste da opulencia e do poderio das outras nações, com que estão diariamente em contacto, com o abandono a que os têem votado os governos; se pensassem e attentassem em tudo isto, sr. presidente, talvez se dignassem de orgulhar-se por pertencer a corôa portugueza aquella joia de que outros teriam feito o paraizo do mundo, de prestar-lhe toda a consideração a que lhe dão incontestavel direito os excepcionalissimos titulos que a recommendam.
Mas e, talvez, porque se não pensa nem attentam nada d'isto, que o Funchal, incontestavelmente a terceira cidade do reino, ainda não tem um caes de desembarque; é, talvez, por isso que o Funchal ainda não tem um porto de abrigo; e, talvez, por isso que, na Madeira, estão a correr para o mar, completamente perdidos, copiosos mananciaes, em que saudosa e avidamente se reflecte e se mura a aridez de campos estereis; é, talvez, por isso que são impraticaveis muitas das estradas da Madeira, por algumas das quaes só com imminente risco de vida se transita; é, talvez, por isso, finalmente, sr. presidente, que, tambem com relação a Madeira, mais de uma vez nos tem o estrangeiro cuspido a face o pungente sarcasmo da fabula da pedra preciosa encontrada pelo gallinaceo no monturo!
Eu não quero, sr. presidente, fazer um longo discurso sobre as necessidades da Madeira, que realmente bem se prestam a isso; e não quero, não só porque, sobre o assumpto, já bastante disseram os meus collegas, e eu não devo abusar da attenção da camara, como principalmente, porque por experiencia sei que os longos discursos, e tão longos e tão eloquentes como eu não sou capaz do fazer, não têem provado efficazmente para a causa d'aquella ilha.
Se tivessem, não estaria eu agora a pedir com censura o que antes quizera agradecer com louvor. Limitar-me-hei por isso a expor a minha humilde opinião sobre qual me parece dever ser o immediato procedimento do governo com relação a'quella ilha.
São incontestavelmente justas todas as reclamações que os meus illustres collegas fizeram em prol dos interesses da Madeira, e irrefutaveis as considerações em que as fundamentaram.
Faço minhas umas e outras, que eu não poderia com mais competencia e lucidez, pedindo instantemente ao governo que as não perca de vista, porque, do correspondem as mais instantes necessidades d'aquella, porem, duas para que chamo muito attenção do governo, por me parecerem exigir urgente e immediata, urgente e inadiavel satisfação.
Diz uma d'ellas respeito ao ministerio das obras publicas, a outra ao ministerio da fazenda.
Ao sr. ministro da fazenda, se estivesse presente, poderia licença para encarecer a s. exa. a necessidade de providenciar desde já em ordem a que, pelo menos seja prorogada a lei proteccionista do assucar fabricado na Madeira, e d'ella exportado para os portos do continente do reino e dos Açores, lei cujo praso está pestes a expirar.
Esta medida legislativa affecta um dos mais vitaes interesses da Madeira, porque diz respeito á hoje mais importante cultura d'ella, a da canna do assucar, sobre que já sensivelmente pesam dois grandes males: a molestia e a falta de concorrencia de compradores, com todas as suas funestas, mas legitimas consequencias. A suspensão d'aquella lei seria para esta cultura um golpe fatal e, por consequencia, uma fatalidade para a vida economica da ilha da Madeira, já não pouco compromettida pelos accidentes que n'estes ultimos tempos a têem trabalhado.
Ao sr. ministro das obras publicas tambem faria sentir a necessidade de dar o maximo desenvolvimento e do promover a conclusão, no mais curto praso possivel, aos trabalhos de tiragem do levadas de irrigação. Posso assegurar a s. exa. que não ha nada, absolutamente nada, com que o governo possa mais de prompto penhorar os habitantes da Madeira, do que com a tiragem do levadas. Quasi que me atrevo a dizer a s. exa., em nome d'aquelle povo que aqui tenho a honra de representar: - Irrigae-nos os nossos campos e tornar-vos-heis credores de toda a nossa gratidão.
N'esta minha declaração, veja s. exa. a avidez com que os habitantes da Madeira reclamam esta medida e a necessidade que têem de que ella seja posta em pratica.
Refiro-me tão sómente a estas duas medidas, não porque me pareçam sobrelevar em importancia as outras reclamadas pelos meus illustres collegas, e que eu reclamo

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também, mas pelo carácter de immediata, urgente e inadiável realisação, que as especialisa na actual conjunctura.
Em todo o caso, sr. presidente, mais vale pedir pouco, para que se faça alguma cousa, do que pedir muito, para que se não faça nada.
Mas, sr. presidente, no archipelago da Madeira ha ainda uma ilha, em que também vibem portuguezes, pequena, humilde, modesta e despretenciosa; sempre esquecida, e sempre resignada no abandono do seu esquecimento; pontualíssima no cumprimento dos deus deveres para com o estado, e tão pouco exigente e zelosa no que diz respeito aos seus direitos, que parece nem ter consciência d'elles.
Refiro-me á pequena ilha de Porto Santo.
Ha dias, tive a honra de renovar neste parlamento a iniciativa de um projecto de lei para a annexação do julgado d'aquella ilha á comarca do Funchal. São tão rasoaveis as considerações em que se fundamenta esse projecto, que espero que elle merecerá a approvação desta camara.
Corre tambem pelas estações competentes um requerimento dirigido ao governo de Sua Magestade pelos habitantes desta ilha, pedindo que, da verba annual votada para obras publicas no districto do Funchal, seja concedida a quantia de 1:000$000 reis para obras publicas nesta mesma ilha.
Sr. presidente, não ha pedido mais modesto nem mais justo. Na ilha de Porto Santo, que tambem concorre annualmente com uma somma relativamente importante para as despezas geraes do estado, não ha um unico melhoramento que atteste a acção protectora dos governos. O vinho e os cereaes constituem as suas unicas culturas; e v. exa. sabe quanto são contingentes as respectivas colheitas nas localidades aonde, como acontece n'aquella ilha, muitas vezes escasseiam as chuvas do inverno. É por isso que a ilha de Porto Santo é frequentemente provada por crises terriveis que obrigam a muitos dos seus habitantes á emigração para a Madeira, cujos filhos nunca deixam de, na medida dos seus recursos, estender mão caridosa áquelles seus infelizes irmãos sempre que os assaltam a fome e a miseria.
É n'estas occasiões criticas, e quasi que só n'ellas, que da direcção das obras publicas do Funchal se manda para o Porto Santo alguma insignificante quantia, uma especie de esmola official, que se procura cohonestar mandando a despender em trabalhos publicos.
Pois eu estou intimamente convencido, sr. presidente, de que a modica quantia de 1:000$000 reis, annualmente applicada em obras publicas, principalmente em aproveitamento de aguas, n'aquella ilha, poderá concorrer muito para melhorar as condições em que ella se encontra e para conjurar, até certo ponto, estas crises que periodicamente a accommettem.
Sr. presidente, ainda hoje é tradição n'aquella ilha, que, em tempo, ali vivera um homem de aspecto rude e sombrio como o do homem do mar; que, por causa desse homem, ali aportavam numerosas embarcações, para se munirem dos mappas e cartas geographicas que elle magistralmente construia; que esse homem era muitas vezes
visto a divagar sosinho pela formosa e solitaria praia d'aquella ilha, ora contemplando absorto, como o sabio de Syracusa quando surprehendido pelo soldado romano, figuras que, com uma vara, tragava na areia alisada pelo mar, ora colhendo cuidadosamente pedaços de vegetaes desconhecidos, indicios de novos mundos tambem desconhecidos, que o mar arrojava áquella praia, ora fitando
extatico o horisonte, onde parecia sorrir-lhe grata visão que o desvelava; que esse homem casára com uma filha de um illustre donatario daquella ilha, experimentado navegante, de quem houvera preciosos documentos, fructo de largos
annos de longas viagens, que o pozeram no caminho de um dos maiores commettimentos que constam da historia da humanidade. Esta tradição, confirma-a a historia escripta.
Esse homem, sr. presidente, era Christovão Cvolombo; o grande commettimento foi a descoberta da América.
Por aquella ilha se prende, portanto, com o nome portuguez a gloria d'essa grande decoberta.
Em nome, pois, sr. presidente, d'esta gloriosa tradição, em nome das instantes necessidades, em nome dos legitimos interesses; numa palavra, em nome dos direitos d'aquella ilha; peço, e peço encarecidamente que lhe seja concedida. essa infinitissima migalha da mesa do orçamento, que para o estado é nada, mas que para ella será effectivamente muito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Presidente: - Visto estar presente o sr. ministro da marinha, continua o incidente começado na ultima sessão ácerca das emprezas das pescarias no Algarve.
Está inscripto o sr. Marçal Pacheco; mas como o sr. Figueiredo Mascarenhas, depois de ter fallado o sr. ministro da marinha, tambem se inscreveu, e s. exa. está de tal modo incommodado que, por conselho de alguuns dos nossos collegas que são facultativos, carece de se retirar para casa; por isso e porque o illustre deputado foi quem primeiro se dirigiu sobre o assumpto ao sr. ministro cedo-lhe em primeiro logar a palavra.
O sr. Figueiredo Mascarenhas:- Agradeço ao sr. ministro da marinha as explicações, que se dignou dar-me na ultima sessão, ácerca dos motivos por que não foi permittido á armação da Pedra da Galé o lançamento do quartel de fora.
Faço completa justiça as boas intenções do nobre ministro que resolveu estas questões com equidade, e faço igual justiça a imparcialidade com que procede o chefe do departamento do sul.
Termino, porque o meu estado de saude não me permitte alongar-me em mais considerações.
O sr. Marçal Pacheco: - Aproveito a occasião de estar com a palavra para perguntar, em primeiro logar a v. exa. se já vieram os esclarecimentos que pedi na sessão de 4 de maio, pelo ministerio das obras de não terem ainda vindo peço a v. exa. que inste pela remessa desses esclarecimentos.
O sr. Secretario (Ferreira de Mesquita): - Os esclarecimentos pedidos pelo sr. deputado ainda não vieram.
O Orador: - N'esse caso peço a v. exa. que inste de novo para que elles me sejam remettidos com urgencia.
Como não está presente, nem o sr. ministro das obras publicas, nem o sr. ministro da guerra, ambos reunidos hoje na mesma pessoa, peço ao sr. ministro da marinha que vejo presente, a fineza de transmittir ao seu collega palavras que vou dizer.
Como v. exa. sabe, o caminho de ferro do Algarve está em construcção, havendo já algumas secções construídas. Desejava saber se o sr. ministro das obras publicas menciona ir abrindo á exploração as secções construidas, ou se entende que as deve abrir á exploração só depois do caminho todo construido. Parece-me que era melhor adoptar-se o primeiro systema que facilitaria o percurso entre a capital e o Algarve e vice-versa.
Desejo tambem saber se s. exa. está no proposito de renunciar a mandar para Faro um destacamento de artilheria, como foi promettido na ordem do exercito que se publicou logo em seguida a reforma do mesmo exercito. Se está no proposito de não renunciar, mal se comprehende que tenham decorrido oito mezes sem se ter levado a effeito a promessa do sr. ministro, cujo cumprimento é de grande utilidade para os povos que eu, conjunctamente com outros collegas, tenho a honra de representar nesta casa.
Posto isto, vou agora tratar propriamente da questão que me obrigou a tomar a palavra.
Começo por declarar que entro n'esta questão unicamente porque ella diz respeito ao circulo que tenho a honra de

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representar n'esta casa, e affecta graves e importantissimos interesses dos meus constituintes.
Em uma das sessões passadas o illustre deputado, o sr. Carlos Lobo d'Avila, disse, em paraphrase coneeituosa, que a amizade dos srs. ministros pelos seus amigos não devia ir ate ao ponto de sacrificar-lhes a bolsa do contribuinte.
Eu digo, em paraphrase igualmente conceituosa, que a minha amizade pelos srs. ministros não vae até ao ponto de sacrificar lhes os legitimos direitos e interesses dos que me elegeram. Digo-o e sinto-o.
Ora, apesar d'esses legitimos interesses terem sido gravemente lesados pelos despachos contradictorios do ministerio da marinha, eu não levantaria a questão n'esta casa, não me occuparia d'ella, se não a encontrasse já levantada por um illustre deputado, a quem respeito muito, mas que representa n'esta casa as queixas d'aquelles a favor dos quaes têem sido proferidos esses despachos contradictorios e impossiveis.
E sabe v. exa. porque?
Porque eu creio que isso pouco aproveitaria a causa dos queixosos.
Mas, como a questão foi levantada por um collega meu e não por mim, eu entro n'ella, só com o intuito de a expor como ella é, e assim desaggravar aquelles que têem sido e estão sendo victimas d'aquelles despachos.
Bem sei que vale pouco o desaggravo perante a importancia dos interesses de quem, inutilmente, tem requerido da sua justiça; mas mal pareceria que eu ficasse silencioso quando represento nesta casa os que estão verdadeiramente esbulhados dos seus direitos, apesar de eu ter empregado todas as diligencias junto do sr. ministro da marinha para que justiça lhes fosse feita.
Não terá sido por falta de boa vontade da parte do s. exa., quero crel-o, mas certo e que todas as minhas diligencias têem sido infructiferas.
Disse eu, sr. presidente, que são contradictorios e impossiveis os despachos que têem sido proferidos pela secretaria da marinha, e disse muito intencionalmente pela secretaria da marinha, porque, verdade, verdade, imagino que o sr. ministro da marinha tem andado nesta questão da pesca do atum como uma especie de Pilatos no credo. (Riso.)
Eu sei que s. exa. me vae logo responder com a responsabilidade legal, mas eu sou d'aquelles homens que entendem que as responsabilidades legaes devem sempre ceder o passo as responsabilidades reaes.
Não venho accusar nenhuma estação official, porque nenhuma tem responsabilidade parlamentar; mas, se a não venho accusar, tambem não lhe venho fazer elogios nem tecer-lhe dithirambos para a dispôr em meu beneficio. Nem uma nem outra cousa farei. Não censuro as estações officiaes, porque não cabe a censura na minha alçada; tambem não quero pelos meus louvores merecer-lhes as boas graças.
Quero e devo unicamente expôr á camara o estado da questão, que e importante, que e grave, porque affecta uma das industrias mais importantes do paiz, implica com valiosissimos capitaes e póde contender com o pão e subsistencia de centenares de familias.
A questão das pescarias d'atum, no Algarve, como v. exa. sabe, e antiga, mas nos ultimos dez annos tem tomado um caracter mais serio e complicado.
A sua importancia tem subido extraordinariamente de ponto, em vista da enorme procura que tem tido o atum nos mercados estrangeiros, e por virtude dos processes de prepare que as fabricas de conservas italianas têem vindo estabelecer no paiz.
Era este um assumpto que devia ter chamado a attenção dos governos, mas bem se importam os governos com as industrias do paiz!
A medida mais notavel que o poder central publicou a este respeito foi a celebre portaria do sr. Mello Gouveia 1882, em virtude da qual se riscaram com um traço de penna todos os direitos adquiridos aos pescadores do atum e a todas as emprezas de pescarias.
Lembro-me perfeitamente que, quando se publicou aquella portaria, eu fui expor ao sr. Mello Gouveia a grave injustiça e os inconvenientes crueis da sua doutrina. A todas as ponderações que eu fazia s. exa. limitava-se a dizer-me: que o que estava feito, estava feito. Depois de largas considerações, s. exa. concluiu que em vista do modo como eu argumentava lhe parecia que eu era um jurisconsulto, mas que elle não mudava, porque era um...casmurro (Riso.)
E ficámos n'isto.
Não ha nenhuma disposição de lei ácerca de licenças ou concessões de pescarias no Algarve.
É claro que o mar e do dominio publico e todo o cidadão tem o direito do pescar nas suas aguas; mas ao governo, como administrador das cousas publicas, incumbe fazer os regulamentos necessarios para que o exercicio do direito d'uns não prejudique o exercicio do direito dos outros.
Mas nem isso mesmo se tem feito. Nem leis nem regulamentos
Por junto, algumas portarias, que são outros tantos despachos sobre casos correntes.
Muitas vezes uns despachos vão do encontro a outros, e nem isso admira, porque o ministerio da marinha e um verdadeiro pandemonio do negocios. É quasi impossivel que um ministro tenha competencia para cuidar e saber de todos os assumptos especiaes de todas as repartições.
E n'este assumpto especial, como nem ha lei nem jurisprudencia assentada, resulta que as pretensões succedem-se umas s outras, accumulando se uns sobre outros os despachos que as resolvem, despachos muitas vezes contradictorios e muitas vezes proferidos com prejuizo dos requerentes.
N'esta questão de pescarias é preciso contar-se com a situação topographica dos sitios onde se faz a pesca, e com a natureza especial d'esta. Todos sabem que a costa do Algarve corre na direcção do rumo noroeste, e que e uma linha sinuosa com saliencias e reintrancias.
O atum vem dos mares do norte, e no percurso da sua emigração, por motivos que não sei explicar, segue invariavelmente, depois de dobrar o cabo de S. Vicente, na direcção da costa do Algarve, a internar-se no Mediteraneo, d'onde volta passados poucos mezes. Ou porque a alimentação no Mediterraneo seja mais adequada n'esta epocha do anno, eu porque a temperatura das aguas mediterraneas seja mais propicia á desova, seja porque motivo for, certo é que invariavelmente o peixe segue este caminho. De maneira que ha duas especies de pesca: a de direito, e a de revez, e, correspondentemente, duas especies de armações com os mesmos nomes.
Chamam-se armações de direito, porque as armações collocadas nas costas do Algarve para colher o peixe no seu caminho para o Mediterraneo têem de lançar as suas guias ou quarteis de fóra para a direita. Dizem-se de revez as outras destinadas a colher o peixe quando volta do Mediterraneo, e que por isso têem de lançar em sentido opposto.
Eu faço estas explicações, porque o sr. ministro da marinha, no anno passado, chamou a Pedra da Galé uma armação de revez. É de direito mas não admira que s. exa. não tenha completo conhecimento deste assumpto.
Mas, posto isto, é claro e comprehende-se deseja, que nas armações de direito nunca a que esteja a este pode prejudicar a que estiver a oeste, e, pelo contrario, a que ficar a oeste pode sempre prejudicar as que ficarem a este.
Dada esta explicação ácerca do rumo da costa, do curso do peixe e da natureza das armações, é obvio que a armação da Pedra da Galé que esta a oeste das da Oira, Forte e Vallongo, nunca póde, em caso algum, ser prejudicada por estas e sim estas por aquella.

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Vejamos agora os factos e os despachos contradictorios e injustos.
Depois de feitas pelo ministerio da marinha as concessões dos locaes para as armações do Forte, Vallongo e Oira, foi pedida uma concessão de local na Pedra da Galé, em 1882. O ministerio da marinha deferiu ao pedido, mas os concessionarios, encontrando no local pedido o fundo do mar muito pedregoso e, por isso, improprio, pediram e obtiveram que lhes fosse permittido lançar a sua armação noutro local mais a oeste, e effectivamente ahi lançaram na temporada de 1883. Removida assim para oeste a armação da Pedra da Galé, o concessionario da armação da Oira, que tambem se julgava mal no ponto era que estivera em annos anteriores, pediu e igualmente obteve lançar a sua armação noutro ponto igualmente mais avançado a oeste. Chega a occasião proxima da pesca, março de 1884, e o concessionario do local a oeste da Oira pede para voltar para traz e lançar no ponto primitivo e pedregoso da Pedra da Galé, quando a esse tempo, pelo novo local concedido a Oira, já entre esta e a Pedra da Galé não havia espaço sufficiente para existirem com rasoavel rea de pesca as duas armações. Por despachos suecessivos, qual d'elles mais embrulhado, do ministerio da marinha, chega-se por fim a deferir a este tão injusto pedido, todo em prejuizo dos direitos adquiridos do concessionario da Oira.
Como succede agora, esses despachos foram quasi todos proferidos á ultima hora, de sorte que, reclamando logo contra elles o concessionario da Oira, nada lhe aproveitaria a reclamação, ainda mesmo, quando obtivesse despacho favoravel, pois que antes de vir o despacho teria passado a epocha da pesca! A reclamação, com effeito, deu entrada no ministerio da marinha em 6 de junho de 1884. Pois sabe v. exa. e a camara quando recaiu despacho sobre ella? Em 13 de março de 1885! Já é andar depressa! Mas não antecipemos. Como pela celebrada portaria do sr. José de Mello Gouveia todas as concessões são provisorias e sujeitas a renovação annual, o concessionario da Oira veiu este anno pedir ao ministerio da marinha aquella renovação, que lhe foi concedida. De harmonia com este despacho do ministerio da marinha, o chefe do departamento maritimo do sul, em Faro, mandou proceder a demarcação e orientação do local da Oira para a temporada da pesca do anno corrente, e de tudo se lavrou termo na intendencia. Isto passou-se em fevereiro. Já se vê que, dados estes factos, o concessionario teve a ingenuidade de acreditar na seriedade dos despachos do ministerio da marinha e, por tanto, procedeu na convicção de que era no local assim concedido, demarcado e orientado, que havia de lançar este anno, e que nenhuma outra concessão seria feita a oeste da sua, prejudicando a e inutilisando-a. Teve a ingenuidade de acreditar isto! Ora, vamos ver o que succedeu, que é verdadeiramente extraordinario. O sr. ministro da marinha, perdao, a secretaria da marinha, tomando conheci mento da reclamação feita em 1884 pelo concessionario da Oira, e vendo que, realmente, a situação da Pedra da Gallé não deixava a esta aberta a sua area de pesca nem respeitava a distancia de 3 milhas, o que fez?
Todos os que conhecem o assumpto diriam que foi mandada desviar para oeste, para o local de 1883, a Pedra da Gallé.
Pois não foi!
Seria essa a unica solução justa e talvez, por isso mesmo, não foi tomada.
O que se fez então?
Foi mandada fazer uma medição de Vallongo á Oira e marcado o logar da Pedra da Gallé no ponto em que a contar da Oira, para oeste, se medissem 3 milhas ficando a Oira a igual distancia do Vallongo, com a clausula, porém, de que no caso de haver pedra no fundo do mar no local assim destinado para a Pedra da Gallé, esta caminhasse para oeste ate achar limpo.
Podia e devia fazer-se similhante cousa?
O sr. ministro da marinha deve concordar, e de certo concorda, em que o ministerio da marinha não podia fazer isto. Pois então vem um requerente, pede uma concessão; o sr. ministro da marinha dá-lhe essa concessão; em nome do respeito que o concessionario cuida ingenuamente que deve prestar ao acto do governo, faz os seus preparativos, faz as suas despezas, despendo 20:000$000 ou 30:000$000 réis, e alguns dias depois, o sr. ministro da marinha, o sr. ministro da marinha não, a secretaria da marinha, diz-lhe «o dito por não dito, a concessão já não deve existir ahi; ande mais para traz!»
Isto é serio?
E se o concessionario dissesse «não ando porque não quero, estou no logar em que o sr. ministro me deu direito para lançar a minha armação, o despacho não póde ser revogado senão pelos tribunaes competentes, como é que o sr. ministro se de desembaraçava d'esta situação? Mas os concessionarios cheios de equidade e desejo de não crearem embaraços, nem a si proprios nem á situação do sr. ministro da marinha, que, a final, é sempre o unico responsavel legal, sujeitaram se a ser deslocados do sitio onde é sr. ministro da marinha já lhes tinha concedido que lançassem as suas armações, e fez-se uma nova medição. E o que aconteceu? Foi retribuir-se-lhes com a mais revoltante injustiça, como a camara vae ver.
Ha uma portaria de 1867, com que se tem conformado o sr. ministro da marinha e todos os seus antecessores, portaria que aliás é um despacho do ministro, e que só obriga os individuos a quem ella interessa, a qual marca a distancia minima em que devem lançar-se as armações, que e de 3 milhas.
É claro, porém, que tudo está na maneira de medir as 3 milhas.
Se, porventura, as 3 milhas se medirem na linha parallela á costa, póde, em certos casos e em certos logares, ser essa a medição regular e equitativa. N'outros, porém, a medição feita assim seria um absurdo monstruoso. Em regra, o rumo da medição tem de variar segundo a topographia do local e o fundo do mar. A unica norma absoluta e invariavel, o unico principio dominante n'este assumpto, e o de fazer as concessões por forma que as posteriores não prejudiquem as anteriores, e que quaesquer despachos não impeçam a coexistencia do exercicio dos direitos concedidos aos armadores e emprezas estabelecidas. Ora, como e que se fez a medição das 3 milhas ordenada no despacho de 13 de março? Fez-se por forma que a armação da Pedra da Gallé tapa inteiramente a area de pesca á Oira e porventura á Vallongo e outras armações a éste! O rumo que se tomou foi quasi parallelo á costa, e como a Pedra da Galé está adiante de uma saliencia que avança rapidamente para o mar, a conclusão é que ella fecha e tapa completamente a abertura de pesca ás armações que lhe ficam a este, e, portanto, com mais prejuizo a que immediatamente esta proxima, que e a Oira. Seguindo o peixe, pouco mais ou menos, n'aquellas paragens, o rumo noroeste...
O sr. Coelho de Carvalho: - Isso não segue.
O Orador: - Não vem? Eu desejava que o illustre deputado me desse explicações a este respeito e me dissesse de onde e que vem então...
O sr. Coelho de Carvalho: - Eu não desejo entrar na questão, mas parece me que o peixe vem do norte e segue na costa do Algarve o rumo sudoeste.
O sr. Presidente: - Eu lembro ao illustre deputado que foi destinada a sessão de hoje para se tratar deste assumpto sem prejuizo da ordem do dia; portanto pedia a v. exa. que terminasse este incidente o mais depressa que fosse possivel, a fim de se entrar na ordem do dia.
O Orador: - Eu vou fazer as diligencias para resumir as minhas considerações e vou já terminar. Mas dizia eu que nas paragens da Pedra da Galé, Oira e proximas armações, o

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peixe segue o rumo noroeste pouco mais ou menos, o que não quer dizer que n'outros pontos não siga o sudoeste. Já se vê que ao dobrar o cabo de S. Vicente ha de seguir este ultimo rumo. Ora, desde que assim é, torna-se evidente que, estando a orientação da Pedra da Galé, pela ultima medição, no rumo oeste magnetico, quasi sueste, fica quasi perpendicular ás armações proximas, o que é absolutamente absurdo e iniquo.
A isto acresce a permissão para a remoção dos corpos da armação, o que torna a injustiça mais flagrante e odiosa. Eu já sei o que o sr. ministro da marinha vae dizer. S. exa. vae dizer-me que a remoção do corpo das armações no sentido dos quarteis de fóra está estabelecida por uma portaria. Peço perdão para dizer a s. exa. que a allegação não colhe para o caso, porque a renovação deve fazer-se sempre em obediencia aos princípios de equidade e de justiça, á falta de lei. Nunca se deve fazer concessão a qualquer armação, nem permittir-se que ella faça aquillo que vae prejudicar o direito das anteriores.
Pois porque é que a secretaria de marinha mandou fazer uma nova medição este anno, sujeitando-se ao grave inconveniente de se poder dizer que ella faz e desfaz despachos.
Foi exactamente porque entendeu que, effectivamente, a concessão, feita á Pedra da Galé em 1884, de remover o corpo da armação no sentido dos quarteis de fóra, prejudicava a Oira. Logo a secretaria da marinha não podia este anno defender-se com a allegação de que o corpo das armações no sentido dos quarteis de fóra é direito permittido n'essa portaria, porque, se a allegação fosse, procedente, tel-a-ía deduzido como resposta á reclamação, visto que quando deu essa resposta já existia, essa portaria.
Não quero alongar-me mais, porque v. ex.a está com manifesta vontade de passar á ordem do dia.
Mas não posso concluir sem dizer que depois de ter largamente discutido este assumpto com o sr. ministro da marinha, que me fez sempre o obsequio de me ouvir com a maxima attenção, mostrando o maior desejo de acertar, o que não pôde conseguir por difficuldades superiores á sua vontade, eu propouz a s. exa. um modo pratico de resolver a questão.
O chefe do departamento marítimo do sul, em Faro que é quem superintendo n'estas questões, como delegado local da secretaria de marinha, ouviria os concessionarios de outras armações, e se porventura elles dissessem que a armação da Galé não prejudicava a de Oira, deixava-a ficar, e, no caso contrario, mandava-a levantar ou modificar o seu lançamento. O sr. ministro da marinha acceitou este alvitre. Posso citar os nomes de alguns cavalheiros que foram ouvidos. Elles são conhecidos de varios membros d'esta casa e a sua respeitabilidade não se póde pôr em duvida. São os srs. João da Fonseca, de Olhão, Aragão, Padinha e Centeno, de Tavira. As suas declarações constam d'estes documentos que estão reconhecidos por tabellião. Diz o primeiro, que a armação da Galé, pela sua posição muito ao mar, prejudica não só a Oira, mas até Vallongo, Forte e Ramalhete.
E quer v. exa. ver o que dizem os tres ultimos?
Que a armação da Pedra da Galé lança n'aquelle logar por capricho... Esta armação podia caminhar para oeste. Mas não quer. E a secretaria da marinha consente que ella não queira. O que ella quer é caminhar para sul, pelo mar dentro. E porque não faz a Oira o mesmo? Porque não pode; porque na situação, em que está, já lança n'um fundo de 17 metros! Sabe isto o sr. ministro?
A camara faz melhor idéa, vendo este mappa.
(O orador mostra uma carta hydrographica da costa do Algarve, em que estão marcados os pontos em que ficam as differentes armalções.)
(Apontando.) Estas são as armações de Oira, Vallongo e Forte, que estão todas na mesma linha. Onde é que está a Pedra da Gallé? N'esta saliencia. D'onde vem o peixe? Por este lado. (Indicando na carta.) O peixe, batendo na rede, segue uma parte esta direcção e a outra parte retrocede. A diagonal que descreve, quando avança de novo, salva todas estas armações! A camara comprehende, por esta simples inspecção, a situação em que ficam as armações a este. Ficam sem área de pesca.
Eu sei, que não consigo nada a bem da justiça dos meus constituintes com esta exposição, porque a secretaria da marinha não se move com isso. Tenho uns poucos de annos de parlamento e sei o lucro que, no sentido da justiça, os pretendentes tiram de vir expôr as suas rasões ao parlamento.
O sr. ministro da marinha sanccionou o que disse a secretaria da marinha, porque estava convencido d'isso; seguramente, a secretaria entendeu o assim na sua inteira liberdade de acção e em conformidade com a intelligencia dos funccionarios que a compões e com o conhecimento que têem do assumpto. Não ha nada mais que ver...
O sr. Presidente: - Torno a lembrar ao illustre deputado que a hora vae muito adintada e que se concordou em que este incidente ficasse para hoje, sem prejuizo da ordem do dia.
O Orador: - Bem sei; mas quis expor esta questão á camara para que dos registos parlamentares conste a maneira como se fez justiça, e a significação que tem o pedido ou antes as queixas por parte dos beneficiados com os despachos contradictorios e injustos da secretaria da marinha. De novo volçtarei ao assumpto.
O sr. Presidente: - O sr. ministro da marinha tinha pedido a palavra sobre este incidente, mas eu lembraria a s. exa. a conveniencia de usar da palavra n'outra occasião a fim de se passar desde já á ordem do dia.
O sr. Ministro da Marinha (Pinheiro Chagas): - Se o sr. Marçal Pacheco está de accordo, eu não tenho duvida em reservar a minha resposta para a sessão de ámanhã, annuindo assim ao desejo de v. exa.
O sr. Marçal Pacheco: - Não tenho duvida n'isso, e peço desde já a v. exa. que me inscreva para depois de ter fallado o sr. ministro da marinha.
O sr. Presidente: - O sr. Henrique Mendia pede, no requerimento que vae ler-se, licença á camara para se ausentar do reino.
Leu-se o seguinte

Requerimento

Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se me concede licença a fim de poder sair do reino. = Henrique da Cunha Mattos de Mendia.
Consultada a camara, foi concedida a licença.

O sr. Presidente: - Tambem o sr. Alfredo da Rocha Peixoto pediu, por intervenção do sr. Santos Viegas, licença para estar ausente por mais de oito dias.
Consulto igualmente a camara sobre este pedido.
Foi concedida a licença.

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão cio projecto de lei n.° 34 (orçamento rectificado)

O sr. Simões Dias: - Sr. presidente, usando da palavra na especialidade do orçamento rectificado, o meu proposito não é por impedimentos ao debate, que tão longo vae; nem demover a maioria da tenção, cm que está, de approvar hoje o artigo 2.° do projecto de lei que se discute.
Sem o pretencioso e immodesto intuito de esclarecer a discussão, tão brilhantemente sustentada, especialmente por este lado da camara, o meu fim é expor á assembléa os motivos que tenho para negar o meu voto a este projecto. É uma explicação de voto, e nada mais.
No decurso dos debates ouvi dizer, por mais de uma vez, que não mais tornariamos a ter ensejo, durante esta

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sessão parlamentar, de apreciar o problema financeiro e a situação economia do paiz, porque o orçamento geral do estado para o exercicio de 1885-1886 não chegaria a ser discutido este anno, pela mesma rasão por que não foi discutido o orçamento do anno passado.
A ser assim, como creio, entendi que era dever meu de consciencia, e dever que me foi imposto pelos 33:000 eleitores que me conferiram o mandato, não deixar passar esta occasião, sem dizer á camara e ao paiz, que não me conformo com o systema financeiro do governo, que reputo melindroso o estado da fazenda publica, que são muito precarias as nossas condições economicas, que mal vae ao governo, se não muda de expedientes, e que mal vae ao paiz, se não muda de governo. (Apoiados.)
E formulando estas affirmações, sr. presidente, eu não pergunto a mim mesmo pelos precedentes da minha competencia financeira, nem pela auctoridade das minhas opiniões, porque eu não ambicioso para mim senão aquella auctoridade que me deram os factos que vou expor á camara.
Hoje com as nossas educfações encyclapedicas não há questão nenhuma que nos seja vedada, nem assumpto que não possamos discutir, uma vez que o estudemos. O essencial é que o estudemos. (Apoiados.) Exprimo assim a minha convicção, sem me prender em falsos orgulhos e sem me enredar em falsas modestias.
Já lá vae o tempo em que a seiencia das finanças, conhecida entre nós pelo nome picaresco e moderno de orçamentologia, era uma gnose mysteriosa e sybillina, vedada a muitos e privilegio de poucos, similhante á linguagem theurgica e caballistica das velhas religiões orientaes. Esse preconceito passou desde que Mirabeau reduziu aquella sciencia ao conhecimento das quatro operações. (Riso.) Hoje, apesar das difficuldades orçamentologicas inventadas para esconder a verdade ao paiz e aos ignorantes, até aquelles que não professam a especialidade das cifras orçamentaes comprehendem que sendo a despeza do estado superior a 40.000:000$000 réis, e a receita de cerca de 31.000:000$000 réis, a situação financeira é um perigo e uma terrivel ameaça. (Apoiados.)
E talvez seja por isso que o sr. ministro da fazenda, apesar do seu conhecido optimismo, esta appellando constantemente para a cordura e imparcialidade da opposição.
Effectivamente, sempre que n'esta casa se tem discutido a situação da fazenda publica, ou seja na resposta ao discurso da corôa e na discussão do bill de indemnidade, ou seja no projecto da auctorisação para a reforma dos serviços aduaneiros, sempre s. exa. se têem dirigido a este lado da camara, rogando-nos, supplicando-nos e aconselhando-nos que apreciemos o problema financeiro longe da esphera das paixões partidarias, sem rancores politicos, sem paganismos de escola, serenamente, tranquillamente, imparcialmente, porque «o credito - são palavras de s. exa. - é como a sensitiva; retrahe-se, mal lhe tocam».
Sr. presidente, o appello será patriotico, será sincero; creio bem que é inspirado na suprema gravidade dos interesses publicos, mas tem um defeito - é desautorisado.
Que auctoridade póde ter similhante pedido, quando é feito por um estadista que, sendo deputado nas sessões legislativas de 1880 e 1881, desmentiu e annullou pelo seu procedimento de então os conselhos de cordura e de imparcialidade que nos está dando agora, como ministro!
(Apoiados.)
Quando s. exa. n'esta casa se fazia acho de injustas accusações contra a situação progressista, e não queria comprehender que, prodigios de devoção civica so empenhavam na reorganisação da fazenda, que extraordinarios sacrificios de intelligencia, de vontade e até de popularidade, se estavam empregando para fortalecer o credito e para regularisar os serviços, chegando-se a fazer economias: na importancia de perto de 3.000:000$000 réis, o deputado de então, que é o ministro de hoje, em vez de usar d'aquella cordura e severidade que tanto nos recommenda agora reproduzia no parlamento a colera ficticia das arruaças ensaiadas, e fazendo côro com a atoarda dos sediciosos sem criterio nem responsabilidade moral, entoava com elles o crucifige da população inconsciente e ingrata. (Apoiados.)
Usando do direito de defeza, para não dizer do direito de represalia, o nosso caminho estava indicado pelo anterior procedimento do actual ministro da fazenda. Entretanto, a opposição, por um sentimento de generosidade que é proprio das almas grandes, entendeu que não devia repellir o appello; e eu pela minha parte não serei a nota discordante neste concerto de benevolencias.
Entrarei, pois, na questão vital do paiz, na questão que a todas sobreleva em importancia, sereno, tranquillo, sem azedumes de escola nem de partido, no cumprimento rigoroso do meu dever.
Não quero que a sensitiva do credito se retraia, tocada pelo sopro do meu facciosismo. (Riso.)
Devo, porém, dizer á camara que o credito não se fomenta nem se destroe com expansões patrioticas nem com a rhetorica parlamentar.
Illude se o governo, se imagina que os mercados estrangeiros fazem obra pelos discursos que proferimos aqui. No estrangeiro sabe-se tão bem, como nós o sabemos, quaes são os nossos recursos, quaes são os nossos encargos, qual é a nossa situação.
Os representantes dos differentes paizes, com quem temos relações financeiras, os consules e os agentes diplomaticos residentes em Portugal, não fazem os seus relatorios nem pelas declarações qptimistas do governo, nem pelas phillipicas mais ou menos violentas da opposição.
Não se illuda o governo; não se illuda ninguem com a rhetorica parlamentar. O meio de protestar contra os inimigos do credito nacional é outro.
E para que o sr. ministro da fazenda reconheça auctoridade e sinceridade na exposição desse meio salvador, vou ler á camara as palavras textuaes do Jornal do commercio publicado hontem, folha a todos os respeitbs insuspeita para o governo, porque esse periodico é regenerador antigo.
Escreve aquelle papel:
«Pelos documentos apresentados vê-se que a nossa situação financeira é pouco satisfactoria, e não e com phrases rhetoricas que ella se modifica. Estamos diante de um deficit avultado, tanto proveniente da despeza ordinaria como da extraordinaria, e sem esperanças de o ver desapparecer.»
Quem falla assim, quem perdeu a esperança da morte do deficit, não é a opposição; é um dos periodicos governamentaes mais considerados na grey. Esta circumstancia tem muito valor. (Apoiados.)
Continua o mesmo jornal:
«Já demonstrámos que a classificação das despezas extraordinarias não é exacta, visto que muitos dos encargos chamados extraordinarios se repetirão ainda por muitos annos.
Paremos aqui.
Uma das novidades preciosas do orçamento rectificado d'este anno e effectivamente a classificação das despezas extraordinarias, alem da separação illegal e qpposta ao principio da unidade orçamental, feita entre a receita e despeza ordinaria e a receita e despeza extraordinaria. Assim como se fez esta separação tão contraria aos bons principios da contabilidade, tambem se transportaram para orçamento das despezas extraordinarias muitas verbas de despeza de caracter permanente.
Porque se fez isto?
Por innocencia, não; foi muito de proposito. Eu não sou orçamentologo nem tenho pretenções a Colbert; mas reconheço claramente que houve proposito de illudir o paiz n'este processo de escripturação capciosa. Se as despezas

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SESSÃO DE 18 DE MAIO DE 1885 1619

ordinarias são computadas para o actual exercicio em réis 36.000:000$000, por exemplo, é bem de ver que transferindo-se 3.000:000$000 réis para o orçamento das despezas extraordinarias, aquellas descem a 33.000:000$000 réis, e approximando-se assim das receitas, fazem diminuir o desequilibrio orçamental, cuja expressão é o deficit.
Tirada a mascara, fica isto! (Apoiados.)
Deste modo, o deficit ordinario desapparece, quando quizermos, á custa do extraordinario que augmenta. Mas como as despezas extraordinarias, hão de desapparecer, na hypothese do governo e da commissão do orçamento, resulta que dentro de curto periodo não teremos deficit de qualidade nenhuma! É a conclusão dos principios postos, principios evidentemente falsos.
O paiz não entende taes orçamentologias nem quer saber da morte do deficit no papel. O que elle deseja é que não o illudam, que lhe fallem claramente e com sincetidade, e que não o embalem com esperanças quotidianamente desmentidas pela miseria geral. (Apoiados.)
Dizer-se que as despezas ordinarias são apenas na importancia de 33.039:034$202 réis, somma aliás avultada, e que as despezas extraordinarias fixadas em 6.956:386$719 réis, por serem de caracter transitorio, não devem sobresaltar a opinião, é o requinte de optimismo. (Apoiados.) E qual é a verba das despezas ordinarias irregularmente incorporadas no orçamento da despeza extraordinaria? (Apoiados.)
Mas não antecipemos.
«Teremos - continua a folha governamental -, mesmo se conseguirmos equilibrar a receita com a despeza chamada ordinaria, de recorrer de novo ao credito.
«Poderemos realisar em boas condições novas operações de emprestimo nos mercados estrangeiros? Duvidamos.
«Uma operação de credito realisada em más condições para o thesouro não affecta só o presente, mas tambem o passado, porque faz baixar os fundos do estado já existentes.»
Este «faz baixar os fundos do estado», e esta «operação de credito realisada em más condições», é a nota critica do ultimo grande emptrestimo de 18.000:000$000 réis, e um cartão de felicitações mandado pelo papel regenerador ao actual ministro da fazenda. (Apoiados.)
Adiante.
«Esta doutrina é tão elementar, que nem carece de provas, e o bom senso devia indicar que o unico caminho a seguir é o de stricta economia, evitando tudo que possa aggravar mais a situação já melindrosa do thesouro.»
Não sei se o governo ouviu ou quiz ouvir o conselho do seu correligionario. O meio unico de fortalecer o credito é a stricta economia, evitando tudo que possa aggravar mais a situação melindrosa do thesouro. É um jornal do governo que, pondo-se em contradicção com as theorias do ministro, lhe declara que a situação e melindrosa, e lhe recommenda economias.
O mesmo jornal se revolta contra a rega de libras aconselhada ultimamente n'esta camara pela maioria, e escreve sobre este assumpto:
«Nem todos pensam assim, e ainda ha partidarios da rega de libras!
«Seriamos tambem partidarios d'essa rega, se as libras fossem nossas, e se não as devessemos pedir emprestadas ao estrangeiro.
«Dizemos ao estrangeiro, porque os emprestimos puramente nacionaes iriam ainda complicar mais as nossas difficuldades, em logar de as fazer diminuir.
«A nossa divida externa absorve pouco mais ou menos 1.500:000 libras sterlinas por anno, e durante os ultimos annos estes juros foram pagos na maior parte por meio da divida fluctuante contrahida no estrangeiro, consolidada depois por um emprestimo igualmente externo.
«Repetimos, não e a rhetorica que equilibrará as nossas finanças, e a economia em todas as suas fórmas, é a abstenção de obras custosas, embora uteis. Os perigos que pintamos não são exagerados, mas bem verdadeiros, e o exemplo da Hespanha e do Brazil o demonstra.»
Sr. presidente, não tenho commentarios a acrescentar a esta exposição. N'ella se envolvem os conselhos que eu não poderia sanccionar com igual auctoridade. É um amigo do governo que o aconselha a parar no caminho em que que vae; são os de casa que lhe aconselham pareimonia nos gastos publicos; é um correligionario quem solta o grito de álerta. Não sou eu, não é o meu partido: é uma auctoridade insuspeita que se revolta contra os desmandos da regeneração. (Apoiados.)
Mas não é este o único. Ainda há bem pouco, um publicista, igualmente regenarador, escrevia o seguinte curioso trecho de boa doutrina:
«A melhor resposta ás accusações contra as nossas finanças, e ao mesmo tempo o meio mais seguro de inspirar a confiança, do qual depende o nosso credito, e conseguintemente a elevação dos nossos fundos, será (note a camara) a adopção de medidas de severa economia combinadas com o retrahimento temporario de todas as despezas que não forem de stricta e absoluta necessidade; só por este modo se conseguirá a extincção do deficit, e se evitará o appello continuo ao credito.»
Não ha nada mais claro.
Quer agora a camara saber como o governo tem seguido á risca estes salutares conselhos domesticos? Vae ver. Basta recorrer aos registos parlamentares da presente sessão.
Que tem feito o parlamento desde 15 de dezembro de 1884 até hoje?
Quanto a economias, realisou as seguintes:
Approvou o decreto da reforma dictatorial do exercito, que deixou os serviços militares era estado lastimoso. Augmento consideravel de despeza!
Legalisou as contas liquidadas e por liquidar das medidas sanitarias na importancia de quatrocentos e tantos contos. Augmento de despeza no orçamento!
Deu auctorisação ao governo para reformar os serviços aduaneiros e fiscaes em condições tão amplas, que dentro d'ellas cabem o maximo arbitrio e o maximo esbanjamento. Não póde calcular-se hoje qual será a enormidade do onus que tal auctorisação importa; mas deve ser conta graúda!
Approvou o monstruoso contrato provisorio para o lançamento do cabo submarino, que ha do ligar a metropole com as nossas possessões da Africa occidental, contrato feito sem concurso e em beneficio do um concessionario ditoso. Encargo orçamental não insignificante!
Creou cinco cadeiras na academia polytechnica do Porto. Creio que esta medida não foi adoptada para alliviar o thesouro!
Augmentou o ordenado dos professores da escola medico-cirurgica do Funchal. Não combato este augmento; mas affirmo que não foi feito em beneficio do thesouro. (Apoiados.)
Isto pelo que respeita a projectos votados.
Agora, projectos já distribuidos, que em breve serão lei do paiz, graças á benevolencia da maioria para com todas as medidas de interesse particular tendentes a difficultar os graves embaraços da situação financeira. É um rosario incompleto, porque não posso recordar-me de todos. Eis a indicação de alguns:
Annullação da reforma de um general dado por incapaz de serviço pela junta de saude.
Reforma de um sargento em major! É uma historia que a seu tempo se fará.
Compra por conta do estado de 500 exemplares de uma obra cara! É a biographia de Garrett feita por um escriptor conhecido.
Gratificação de 1:000$000 réis a um maestro feliz que deseja fazer viagem de instrucção e recreio.

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readmissão de um official, que foi expulso das fileiras em virtude de uma sentença judicial.
N'este momento acabo de receber mais projectos do mesmo genero para glorificação dos srs. Deputados que os votarem e para allivio da bolsa dos contribuintes.
Que mais querem? Bem se vê que não há governo mais generoso, á custa dos outros. (Apoiados.)
Aos impertinentes que ousam recommendar-lhe o retrahimento de despezas que não forem de absoluta necessidade, responde o governo com o seguinte estendal: Melhoramentos no porto de Lisboa, orçados em réis 15.000:000$000;
Construcção dos portos de Leix5es e do Funchal;
Caminhos de ferro da Beira Baixa, Mirandella e Vizeu, Torres e Cintra;
Caminhos de ferro de Ambaca e de Lourenço Marques;
Occupação do Zaire;
Fortificações de Lisboa, que são um sorvedouro voraz de centenas de contos de réis por anno!
É de mais, sr. presidente; é de mais, sr. ministro das finanças! (Apoiados.) O paiz não póde; o paiz succumbe esmagado sob taes encargos! (Apoiados.)
Suppõe o governo que transbordam já as arcas do thesouro, que estão chegados os tempos de Saturno e que a generosa Astreia está despejando sobre as nossas cabeças a cornucopia de todas as prosperidades! É um engano; o paiz não póde nem deve pagar mais. (Apoiados.)
Phantasiando venturas que não existem, cuida o governo que illude os capitaes estrangeiros e faz obra patriotica.
Engana se redondamente. A unica escola patriotica é a da verdade. É a escola do bispo de Vizeu quando em 1868 expoz ao paiz a situação do thesouro; e a escola do ministro italiano que n'aquella epocha ameaçava o parlamento com a banca rota se lhe não votassem a vexatorio imposto da moagem; é a escola do ministro das finanças de Hespanha, que respondendo em março ao deputado que o interpellava e censurava por não ter equilibrado a receita com a despeza, confessava lealmente que não podia fazer milagres, porque a situação era delicada e difficil. Esta é a melhor escola; é a minha; deve ser a de todos os que se interessam pela prosperidade da nação. (Apoiados.)
É tão prejudicial o pessimismo que debucha com as mais sombrias cores a pobreza do paiz e o desespero a que somos levados pela fatalidade das circumstancias em que vivemos, como o optimismo que todos os dias está cobrindo de flores o tumulo que espera o credito portuguez. Nem os pavorosos quadros de Rembrandt nem as paizagens idyllicas de Teniers. Nem Dante nem Delille. A verdade, e só a verdade. (Apoiados.)
É com a verdade da nossa situação e ao mesmo tempo com o proposito de mudarmos de systema, que podemos responder triumphantemente ás cartas infamantes de Dixon, ás diatribes insolentes de Jacob Brigth e ao pamphleto calamnioso de Anvers.
Responder aos tiros dos nossos inimigos, dos inimigos do nosso credito, com as farfalhas da rhetorica parlamentar, é o mesmo que intentar a defeza da independencia nacional com as fanfarras e foguetes do 1.º de dezembro.
(Vozes: - Muito bem.)
Mas não o entende assim o governo que se compraz em pintar côr de rosa o nosso estado financeiro.
Vejâmos.
A opinião do sr. ministro da fazenda está n'este periodo do relatorio que precede as chamadas propostas financeiras:
«Sem hesitar, e na inteira sinceridade da minha convicção, o digo a situação da fazenda publica longe está de dever inspirar receios.»
O sr. ministro está tão convencido de que nadamos em mar de rosas, deseja tanto que todos saibam qual é a sua opinião a tal respeito, que deu a este periodo um tom arcadico e gongorico, um sabor tão conceptualista e archaico, um construção syntactica, que faria a gloria de Ledesma e de Marini, mas muito de proposito, muito intencionalmente, para que a sua idéa ficasse exposta com o maximo relevo, e no espirito do leitor não pairasse uma sombra de duvida ácerca da situação do thesouro.
Veja a camara isto: o ministro não lhe diz que a situação da fazenda publica está longe de inspirar receios; assim toda a gente escreveria. Elle como bom discipulo de Gongora e sufficientemente saturado das leituras dos Vahias e dos Filinthos, diz o mesmo pensamento, mas de um modo mais vivo, mais original e mais precioso: «longe está de dever inspirar receios». (Apoiados.) Um marinista puro!
Mas qual é o argumento em que s. exa. se estriba para não ter receios de nenhuma especie?
Elle o diz no mesmo relatorio.
«Quando nos lembramos de que as nossas receitas se inscreviam por 10.362:271$043 réis no orçamento de 1851-1852, e de que no orçamento de 1885-1886 se inscreve por 31.378:490$000 réis, temos o direito de perguntar, se a esta notavel elevação de receita não corresponde uma sensivel melhoria nas circumstancias economicas do paiz, e se tão estereis são os sacrificios que nos temos imposto, que nos não dêem a fundada esperança de lhes vermos succeder um periodo de mais rasgada prosperidade.»
O argumento do sr. ministro da fazenda desenha-se assim: a situação da fazenda não inspira receios, porque desde 1851 têem crescido as receitas publicas.
Ora, sr. presidente, nunca nenhum estadista procurou unicamente no crescimento das receitas o criterio para avaliar a riqueza do um povo. Crescidas eram as receitas do Egypto e da Turquia, e uma crise temerosa arrainou aquelles paizes. Ao mesmo tempo a Belgica, um paiz que tem, comparada com a nossa, uma população de cerca de 1.000:000 de habitantes a mais do que nós, elevou as suas receitas a 45.000:000$000 réis.
Qual é a causa do phenomeno? Muito simples. A riqueza do Egypto e da Turquia era artificial, a receita era uma extorção violenta que esmagava o contribuinte; ao passo que as receitas belgas representavam a expansão natural do movimento economico, e eram, como são producto da riqueza nacional.
As nossas receitas têem crescido, não há duvida; mas como têem crescido? Exprimindo o aggravamento do imposto e não o desenvolvimento natural das fontes da riqueza publica.
Esta é que é a questão. O estado está effectivamente mais rico, mas o contribuinte está mais pobre, porque deu tudo quanto podia dar. E nada mais se lhe póde exigir. (Apoiados.)
Alem de que, não póde affirmar-se de um modo absoluto, sem restricções nem reservas, que as receitas tenham crescido pela fórma como geralmente se diz.
Desde 1881 o augmento da receita deve-se aos impostos unicamente, e ainda assim a alguns impostos, e não a todos. Desde o exercicio de 1881-1882, que é o anno dos expedientes financeiros do sr. Fontes, decresceu o rendimento de alguma imposições tributarias, apesar da elevação das respectivas taxas e porventura por effeito d'essa elevação.
Assim: o imposto do sêllo baixou de 1.1.286:000$000 réis.
O imposto de registo desceu de réis 2.113:000$000 a 1.858:000$000.
O imposto de transito veiu de réis 108:000$000 para 106:000$000.
O rendimento do imposto sobre o vinho exportado decresceu de 220:000$000 para 202:000$000 réis.
O imposto das exportações diminuiu de 238:000$000 para 231:000$000 réis.

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SESSÃO DE 18 DE MAIO DE 1885 1621

O das importações, que rendia 8.592:000$000, deceu a 6.992:000$000 réis.
A venda do tabaco reduziu-se de 2:025 milhões de kilogrammas a 1:711 milhões.
E o imposto sobre o bacalhau desceu de 660:000$000 a 603:000$000 réis, dando-se o phenomeno, aliás de facil previsão, de baixarem os impostos mais aggravados por taxas iniquas, o que está demonstrando que a elasticidade do imposto é já um factor nullo. (Apoiados.)
Mas supponhamos que tudo isto é uma illusão minha, que as receitas crescem naturalmente e sem esforço, como um desdobramento de vida economica; acreditemos por hypothese que nenhuma imposição tributaria tem diminuido, nem tende a diminuir, e acceitemos o argumento no sentido em que. o sr. ministro da fazenda o formulou; pergunto n'este caso - a despeza tem acompanhado ou excedido o crescimento das receitas? Este é o ponto vital da questão. (Apoiados.)
Entendamo-nos bem: se o augmento da despeza e parallelamente acompanhado pelo augmento da receita, o equilibrio orçamental é a garantia da nossa prosperidade; mas se as despezas excedem as receitas em desproporção assustadora a prosperidade, que se esperava, converte-se em ruina. Se eu tiver vinte e gastar até vinte, a minha situação e desafogada; mas se eu tiver quarenta e gastar cincoenta, a minha ultima situação, apesar do maior rendimento, é desgraçada. Eis a situação do paiz. (Apoiados.)
Não basta dizer-se, sr. presidente, que em 1851 apenas possuiamos de rendimento 10.000:000$000 réis e hoje 31.000:000$000 réis; é preciso acrescentar que, a par dos hypotheticos 31.000:000$000 réis da receita, temos uma verba de despezas superior a 40 000:000$000 réis, segundo o orçamento geral para 1885-1886. (Interrupção do sr. Carrilho.)
Bem sei que o orçamento d'esse exercicio não está ainda em discussão nem provavelmente virá a ser discutido, e que a commissão do orçamento rectificado diminuiu em cerca de 200:000$000 réis a despeza calculada na proposta
do governo. Mas isso não destroe o que eu disse, e vem a ser que ha uma differença consideravel entre a situação financeira de 1851 e a de hoje.
Em 1851-1852 a receita do estado, na opinião do sr. ministro da fazenda, era de 10.362:271$043 réis, e hoje computa-se em 31.378:490$000 réis.
Mas a despeza?
Em 1851-1852 era apenas de 12.519:000$000 réis, e hoje e de 40.000:000$000 réis, numeros redondos! Quer dizer que n'um periodo de trinta annos quadruplicou a despeza, ao passo que a receita apenas triplicou.
Em 1851-1852, era apenas de 2.000:000$000 réis, e hoje ascende a cifra confessada de 8.000:000$000 réis; o que quer dizer que quadruplicou.
E note a camara, que a despeza e o deficit de 1851 representam o ultimo capitulo de uma larga Odyssea de trinta annos de luctas civis, de turbações economicas, de crises financeiras, de desastres de toda a ordem, porque desde 1834 a 1851 vivemos em pleno regimen de banca-rota e em plena guerra fratricida. N'essa epocha as crises financeiras foram assignaladas pelo desconto dos ordenados, pelas capitalisações e conversões forçadas, pela fome e pela ruina, pelas despezas da guerra que se succedia em curtos intervallos, pela desconfiança e retrahimento dos capitaes, collocando os governos em circumstancias desesperadas.
As crises de 1838, de 1841, de 1844 e 1851 foram terriveis.
A lucta dos partidos, que disputavam as vantagens do regimen liberal e conquistavam o poder com as armas na mão, mal deixava ocios para a remodelação das finanças. E comtudo o nosso deficit não excedia em 1851 a verba de 2.000:000$000 réis! E hoje, sr. presidente, ha de exceder muito a cifra de 8.000:000$000 réis!
A situação mudou em trinta annos de paz octaviana e de regimen de credito, mas para peior! As bancarotas até 1851 não produziram os desastres do regimen do credito desde essa epocha até hoje! (Apoiados.)
Mas continuemos com o parallelo.
O nominal da nossa divida consolidada em 1851 era de 90.000:000$000 réis, e hoje approxima-se de réis 500.000:000$000, ou 108 milhões de libras sterlinas, com encargos annuaes de 16.650:381$139 réis.
Os encargos da junta de credito publico em 1851 estavam calculados em 3.540:000$000 réis, e os de hoje são de atérrar os mais fortes.
Não admira, porque temos uma divida amortisavel de 30.000:000$000 réis; temos vivido de emprestimos que nos absorvem entre 20 e 30 por cento das receitas; contrahimos nos ultimos dezoito annos divida na importancia de 229.000:000$000 réis, desde o grande emprestimo de réis 25.000:000$000 em 1867 até ao de 18.000:000$000 réis contrahido peio actual ministro da fazenda em 1834; e já não conhecemos outro meio de viver, senão a custa do credito! (Apoiados.)
Contrahimos divida fluctuante, que em periodos de dois, annos consolidámos; contrahimos essas dividas de todos os dias, não como antecipação de receita, como succede na Inglatérra e nos Estados Unidos, mas como encargo que ha de ficar permanente, e não nos lembramos que todas. as dividas se pagam, tarde ou cedo, e que o contribuinte já não pode mais; digo-o bem alto, já não pode mais! (Apoiados.)
Pagâmos para juros de divida 3$345 réis por cabeça, emquanto que a percentagem por cabeça em Hespanha é de 2$900 réis e na Italia de 3$300 réis.
A quota tributaria pessoal entre nós, alem de impostos locaes, e de 6$733 réis! Não e uma insignificancia. (Apoiados.)
E ainda se diz n'um documento official que o estado da situação financeira longe esta de dever inspirar receios!
Oh! sr. presidente, a quem é que o sr. ministro pretende illudir?
Estamos ricos, porque temos dois milhões de contos no paiz; mas não querem ver que gememos sob o peso de uma rede tributaria verdadeiramente oppressora e tyrannica! (Apoiados.)
(Interrupções.)
Bem sei que todos os impostos, pelo facto de o serem, são vexatorios, segundo affirma o sr. relator da commissão do orçamento; mas sempre se entendeu por impostos vexatorios aquellas imposições iniquas que revestem o caracter de uma extorsão. Então neste caso as taxas que oneram o bacalhau, o sal e o trigo.
O imposto do bacalbau rendia, em 1882, 660:000$000 réis, e hoje apenas produz 603:000$000 réis.
D'onde procede a differença?
Da falta de elasticidade do imposto e do exagero da taxa.
Effectivamente, póde alguem comprehender, como justa, uma taxa de 40 por cento sobre o valor real do genero?
Pois saiba a camara que o bacalhau é onerado com 40 por cento do seu valor real!
É uma iniquidade, porque a pobreza é extraordinaria, e tal imposto pesa especialmente sobre o contribuinte pobre de um modo implacavel!
Alem do contrabando a que dá logar o exagero da pauta aduaueira, e preciso sempre contar com o menor consumo, quando se dão phenomenos como aquelle que estou citando.
A prova está no imposto do sal. Quando o sr. Fontes o tributou com 8 réis por litro era 1882, calculou o rendimento de 400:000$000 réis, e depois não cobrou mais de 30:00$0000 réis! Reduzido o, imposto a 2 réis pelo sr.

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1622 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Hintze Ribeiro, rendeu no continente nos sete mezes cobrados no actual exercicio 111:452$438 réis e nas ilhas em seis mezes 10:644$866 réis.
Mas o imposto do sal é uma extorsão, é um imposto de guerra, é uma iniquidade, porque matou a industria da salga e da pesca e elevou o moio de 13$500 a 31$000 réis.
Outra iniquidade e o addicional de 6 por cento; é uma addicção facil de lançar, é um expediente que não abona a sciencia do financeiro que o inventou, mas rende bastante. E o principal e que renda!
O governo não se importa com os inconvenientes do imposto, uma vez que elle seja productivo.
Pouco importa que o povo fique sem camisa, uma vez que dê o que lhe pedem!
Este imposto deve render cerca de 900:000$000 réis, por quanto no primeiro semestre d'este exercicio, segundo affirmam os mappas annexos ao relatorio de fazenda, produziu 429:475$127 réis; mas vae ferir desigualmente o contribuinte, porque incide sobre bases viciosas e desiguaes, tão viciosas como as da contribuição predial que a revisão das matrizes está corrigindo. (Apoiados.)
Mas onde o vexame e maior, e no imposto sobre o trigo importado. Este genero paga por 100 kilogrammas a taxa de 1$220 réis, isto e, cada alqueire de trigo, comprado pelo prego médio de 495 réis, e tributado em 130 réis. É uma verdadeira monstruosidade!
(Interrupção do sr. Carrilho.)
Estimo que o illustre deputado seja da minha opinião, e não estranho que ainda haja quem ache pequena a taxa.
O que lhe posso affirmar é que ninguem come o pão mais caro do que nós. Por cada pão que consumimos, pagâmos para o estado 6 réis.
Segundo vejo, n'uma memoria que tenho presente, a taxa tributaria dos direitos sobre o trigo, foi de 10 réis por kilogramma; successivos addicionaes sobre essa taxa aggravaram-na até 12$150 réis por cada partida de 1:000 kilogrammas de trigo estrangeiro.
Portanto, o tributo pago pelos 4.500:000 habitantes em cada pão que come, é de 6 réis.
O consumo está calculado em 452:500 moios, approximadamente 27.150:000 alqueires. Ora, sendo 130 réis o imposto por alqueire, temos portanto 3.529:000$000 réis, que tanto e o que pagamos por essa contribuição annualmente!
Sendo o consumo do pão de trigo, continua a memoria, só applicavel a dois terços dos habitantes, a quota da contribuição por habitante consumidor eleva-se a 11$176 réis por anno!
Ao passo que a taxa média, por alqueire consumido, é de 11 réis nos paizes importadores da Europa, em Portugal como vimos é de 130 réis!
A relação da taxa de imposto entre Portugal e outros paizes europeus, é a seguinte, relativamente ao alqueire de trigo importado:

Suissa ....
Noruega ....
Franga ....
Servia ....
Allemanha ....
Austria ....
Italia ....
Turquia ....
Grecia ....
Russia ....
Hespanha ....
Portugal ....

O mais curioso, sr. presidente, é que, sendo a taxa elevadissima, ainda ha quem pega augmento de direitos em beneficio dos trigos nacionaes!
As reclamações não procedem só dos agricultores do continente, mas até chegam das ilhas.
Em 23 de fevereiro d'este anno dirigiram os povos da ilha Terceira uma representação ao parlamento, pedindo augmento de direitos sobre os trigos estrangeiros, e n'esse documento leio os seguintes periodos:
«E sobre tudo para vós, senhores, perante quem reclamâmos, uma rasão suprema existe, que deve determinar-vos a attender ao pedido que vamos formular n'esta petição. Esta rasão resulta da impossibilidade a que ficará reduzido o povo terceirense de satisfazer os encargos tributarios com que tem de concorrer para as despezas do estado.
«Estes encargos têem crescido de anno para anno, e têem de ser satisfeitos em boa moeda corrente, porque já longe vão os tempos em que elles apenas se limitavam ao dizimo dos productos agricolas cobrado em genero. Ora se o mercado de Lisboa se fecha para os nossos cereaes, se novas industrias nos são vedadas, onde pode ir o povo d'esta ilha procurar dinheiro para pagar nos cofres do estado assuas contribuições?
«Fica, pois, bem patente a vossa intelligencia o mal que nos afflige. E ponderae bem, senhores, por amor de nós e por amor da patria, cujos dignos representantes sois, que esta nossa reclamação não procede de um mal que se receia, mas de um mal que já se sente.»
A camara comprehende a gravidade da situação. Se elevamos os direitos sobre os cereaes, condemnamos á fome as classes pobres; se não os elevamos, matamos a industria agricola do paiz, porque os trigos nacionaes não podem affrontar a concorrencia dos trigos americanos segundo asseveram os reclamantes.
Aqui está a triste collisão a que nos reduziram os erros dos governos que, em vez de melhorar as nossas condições economicas, apenas tem pensado em caminhos de ferro e estradas, a custa do credito. (Apoiados.)
Dizem que somos um paiz essencialmente agricola, e comtudo importámos desde 1879 a 1884 21.011:000$000 réis de trigo, 4.569:000$000 réis de milho e 3.118:000$000 réis de arroz!
Tambem somos um paiz colonial; e apesar d'isso temos um deficit das provincias ultramarinas na importancia confessada de 530:000$000 réis; apenas Macau e Timor tem saldo positivo; Cabo Verde não paga os adiantamentos que lhe faz o ministerio da marinha; e todas as mais possessões vivem á custa da metropole.
Somos um paiz colonial, porque temos grandes possessões em alem-mar, possessões que não aproveitâmos; somos da mesma forma um paiz agricola, porque temos excellentes terrenos culturaes, mas terrenos que não sabe-mos ou não queremos agricultar. (Apoiados.)
Assim e que somos tudo na rhetorica das palavras, e muito pouco ou quasi nada na realidade dos factos uteis. (Apoiados.)
Temos ahi á nossa disposição 9.000:000 de hectares de terreno continental, dos quaes duas terças partes se prestam excellentemente a todo o genero de cultura, e são sufficientes para alimentar não só os nossos 4.500:000 compatriotas, mas uma população de 7.000:000 a 8.000:000 habitantes; e comtudo, vergonha e dizel-o! por falta de pão emigram annualmente 13:000 cidadãos portuguezes!
De 1872 a 1884 emigraram de Portugal 133:300 pessoas.
Da ilha de S. Miguel saíram para a America, nos mezes de fevereiro e março d'este anno, 1:200. Da Horta emigram, por anno, 900 a 1:000 pessoas. De Angra do
Heroismo 500 a 600
Aqui tem a camara, na eloquente expressão das estatisticas, as consequencias da decadencia agricola e da elevação dos impostos. (Apoiados.)
Não sou pessimista, oxalá que eu o fosse sem rasão; sou apenas um critico que procura a verdade e não deseja

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SESSÃO DE 18 DE MAIO DE 1885 1623

encobrir a ninguem as suas apprehensões. Não sou eu que fallo, são os numeros que se impõem.
Onde estão as nossas industrias agricolas? Nas garras da agiotagem. (Apoiados.) Da agiotagem, repito.
E n'este ponto ha de fallar por mim o ultimo relatorio da companhia geral de credito predial portuguez.
Desde a fundação da companhia até 1834 realisaram-se n'aquelle estabelecimento emprestimos em numero de 5:022, na importancia de 22.230:720$000 réis. Ainda hoje subsistem 3:208, representando um capital de 15.642:953$685 réis, classificados assim:

[Ver Tabela na Imagem].

2:767 prediaes ....
174 municipaes ....
67 districtaes ....

No anno de 1884 realisaram-se os seguintes emprestimos:

[Ver Tabela na Imagem].

272 prediaes ....
29 municipaes ....
13 districtaes ....

Sem fallarmos dos encargos que oneram as camaras e as juntas geraes nas suas relações com o credito predial para não repetirmos agora o que já esta dito por um illustre deputado opposieionista, notaremos comtudo que a divida dos particulares registada unicamente em cincoenta e quatro comarcas ascende a 48.000:000$000 réis.
Devemos notar mais que similhante divida, segundo o registo de 1861, era apenas de 35.500:000$000 réis; quasi que duplicou!
Mas o assombro cresce, se nos recordarmos de que os 35.500:0005000 réis da divida hypothecaria representam os encargos particulares das 160 comarcas em 1861, e de que os 48.000:000$000 réis de 1884 representam sómente uma terça parte dos encargos particulares, porque 54 6 pouco mais da terça parte de 160.
Só o districto da Horta devia, ha poucos annos, réis 6.000:000$000.
O concelho de Barcellos deve 1.795:000$000 réis.
Braga deve 4.239:000$000 réis.
Famalicão, 2.768:000$000 réis.
Villa Verde, 1.432:000$000 réis.
Povoa de Lanhoso, 1.796:000$000 réis.
Peso da Regua, 2.688:000$000 réis.
Villa Real, 2.651:000$000 réis.
Beja, 1.204:000$000 réis.
Setubal, 1.743:000$000 réis.
Funchal, 3.088:000$000 réis.
Basta para amostra, mas não esqueça ao governo uma circumstancia, e vem a ser que essas dividas pagam juro de 10 a 20 por cento, e que não foram contrahidas para beneficiar e comprar propriedades, porque a propriedade entre nos não rende mais de 2 a 3 por cento.
Aqui têem os apologistas da riqueza nacional um commentario triste para acrescentar as suas apologias. (Apoiados.)
O estado das outras industrias não e mais prospero.
«A nossa industria fabril, escreve um professor do paiz, representada ha sete annos por uns modestos 1.670:000$000 réis, nem sequer se elevava então ao valor de 360 réis por anno e por cabeça de productos enviados por este paiz aos mercados internacionaes.
Muito tarde principiou a nossa aprendizagem. Quando em 1835 ainda gotejava, através das ligaduras, o sangue dos feridos recebidos na Asseiceira, após uma guerra fratricida desesperada, entrava em Portugal a primeira machina a vapor. A França possuia n'essa epocha 200 e a Inglaterra mais de 5:000 machinas.
Pois, sr. presidente, ao cabo de quarenta e seis annos, quando se procedeu em 1881 ao inquerito industrial ordenado pelo chorado estadista e meu inolvidavel amigo, Saraiva de Carvalho, em Portugal não se encontravam mais que 328 machinas a vapor.
Hoje calculo que o numero desses instrumentos de trabalho não excederá a 600, incluindo neste numero as locomotivas, as machinas fluviaes, maritimas, mineiras, etc.
Na memoria sobre cousas portuguezas, recentemente publicada pelo distincto professor a que me estou referindo, vem um mappa curioso da despeza a fazer com uma patente de invenção nos differentes estados da Europa, no acto da concessão de privilegio.
D'esse documento se vê que, depois da Finlandia e da Russia, Portugal e o paiz que menos favorece a industria pela concessão dos privilegios de invento.
Assim: emquanto que a concessão de um privilegio na Austria, com a duração de um a quinze annos, custa réis 8$700, na Belgica 1$800 réis, no Luxemburgo 1$800 réis, na Hespanha 1$800 réis, em Portugal custa, quanto imaginam? 75$000 réis!
É por esta fórma que em Portugal se auxilia e incita a iniciativa particular! (Apoiados.) E ainda fallam em industrias e se queixam de que não temos industrias! (Apoiados.)
E por isto, é por tudo isto, que em Portugal só existe e só medra uma industria, a agiotagem! (Apoiados.)
Empenha se a administração da casa real; empenham-se os governos; empenham-se os districtos: empenham-se os municipios; empenham-se as parochias; empenham-se as corporações; empenham-se os particulares! (Apoiados.)
Os melhores terrenos das nossas colonias estão hypothecados ao banco ultramarino, e o monte pio geral é o estabelecimento de mais largas e productivas operações. No seu relatorio de 1884, que tenho presente, vejo que esta casa emprestou no anno passado sobre novos penhores o fabuloso algarismo de 7.435:000$000 réis! O que representa a cifra de 2.297:000$000 réis a mais que no anno anterior!
Por onde se vê que a situação do contribuinte, especialmente em Lisboa, e quasi desesperada. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Carrilho.)
Estimo que o illustre deputado esteja n'esta parte plenamente de accordo commigo.
Estamos, pois, em pessimas condições economicas; mas temos para nos consolar... muitas estradas e muitos caminhos de ferro! Já esperava que a maioria e o governo appellassem para esse logar commum, que é a nota predominante dos discursos do sr. Fontes.
Não desconheço que em 1852 apenas tinhamos 200 kilometros de estradas e hoje possuimos approximadamente:
9:000 kilometros de estradas.
1:500 kilometres de linhas ferreas.
5:000 kilometros do linhas telegraphicas.
Sei perfeitamente que a receita dos correios em 1852 era de 219:000$000 réis e actualmente e superior a réis 600:000$000; que o movimento commercial da alfandega em 1853 rendia 4.000:000$000 réis e agora produz réis 9.000:000$000. Mas terão os melhoramentos materiaes dado grande impulso ao movimento economico?
Tomemos o periodo de 1867 a 1884. A importação no primeiro anno do periodo foi de 26.410:000$000 réis e no segundo de 35.342:000$000 réis; isto é, apenas augmentou 30 por cento, o que e pouco.
A exportação no primeiro anno foi de 17:873$000 réis e no segundo de 21:863$000 réis; isto é, apenas augmeutou 25 por cento, o que e menos.
Logo, os melhoramentos materiaes não têem compensado os sacrificios que nos custaram (apoiados.) Logo, é tempo de descançar.

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1624 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Ainda hoje tem opportunidade o conceito que em 1869 escreveu o sr. Rodrigo de Moraes Soares. «Deve de ser de ferro o coração do portuguez que pedir mais caminhos do ferro.»
Eu, sr. presidente, não sou nem podia ser inimigo dos melhoramentos materiaes; não desconheço as commodidades e beneficios que elles nos prestam; seria o primeiro a pedir a arborisação das nossas encostas, a canalisação das nossas rios, a colonisação do nosso Alemtejo, a illuminação das nossas costas maritimas, o melhoramento dos nossos portos, linhas ferreas e telegraphicas cortando todo o paiz do norte a sul e de oeste a leste, e pondo em communicação umas com outras, todas as cidades e aldeias; mas onde está o dinheiro para realisar esse formoso ideal? (Apoiados.)
Bem sei que podemos levantar emprestimos em Paris e Londres; mas por que preço e em que condições? E como havemos de pagar, honrando a nossa firma como temos feito até hoje? Será possivel que n'esta loucura não chegue o momento supremo dos devedores insoluveis?
Sr. presidente, lembro-me agora de uma historia comica que tem applicação para o caso e opportunidade bastante.
Havia em Braga um deão da sé nos principios d'este seculo, homem que vivia magnificentemente como um principe. Verdade seja que trazia os seus rendimentos antecipados e devia a toda a gente. Quando se celebrou a paz geral em 1815, o deão bracarense lembrou se de mandar erigir, em commemoração do successo, um vistoso arco triumphal dispendioso e rico, que foi o pasmo e a admiração da cidade dos arcebispos. Alta noite, quando as luminarias principiavam a apagar-se, um juvenal anonymo aproximou-se do arco e fixou n'elle o seguinte pasquim allusivo ao deão:
«Fazes o que deves
«Deves o que fazes.»
Quem sabe se, continuando nós a fazer despezas com que podemos, não virá tempo em que nos chamem o Deão de Braga? (Apoiados.)
Hoje, sr. presidente, não existe senão uma despeza urgente, e a do ensino publico a do derramamento em largas doses da instrucção profissional, de artes e officios, por essas cidades e aldeias.
Deixámos quebrar a tradição das industruias nacionaes; urge reatal-a
Deixámos desapparecer o pensamento do marquez de Pombal, quando no seculo passado instituiu em Mafra uma escola pratica de artes e officios; importa desenterrar e dar vida a esse pensamento. (Apoiados.)
O sr. Antonio Augusto de Aguiar, quando ministro das obras publicas, chamou a attenção do paiz para esse estranho problema de salvação publica; congreguemo-nos em volta d'essa difficuldade e vengamol-a. (Apoiados.)
Mas que! Preciso de confessar á camara que não me seduz a esperança da ver tão cedo no meu paiz essa reforma que salvou a França, que enriqueceu a Belgica, que opulentou a Allemanha, que engrandeeeu a Inglaterra e está fazendo a gloria e a grandeza dos Estados Unidos.

A nossa instrucgao ptiblica absorve as seguintes verbas:

A fuperior. ......................... 221:()60$000

A especial.......................... 34:000$000

A secundaria........................ 176:000$000

primaria (estado)................... 163:000$000

A primaria (districtos e camaras). ....... 512:000^000

1:106:000$000

A commissao entencle que estes numeros representam uma dotayao muito elevada, e não trepidou por isso em applicar as chamadas sobras or9amentaes, sabem em que?

Em 31 de junho de 1874 appareceu uma divida no hospital de S. Jose, na importancia de 31:672^844 réis, segundo as contas da respectiva administragao. Não se sabe bem como se fez essa divida, nem como se tern ag-gravado a despeza naquelle estabeleeimento em propor-goes nr.º cogitadas (palavras do parecer que se discute); mas não impoita. O govcrno quer pagar essa divida do 31:600^000 réis? Prornpt-j!- responde logo a comraissao, ahi tern 31:700^000 réis da instrucQao primaria!

Quer mais? 6 pedir por boca (Eiso.)

K como as sobras sao grandes e o governo não pede mais, a commissao, afflieta por não saber em que ha de gastar o dinheiro, lembra-se logo de adquirir alguns hos-pitaes-barracas. Sao procisos 30:000?>000 réis. Não im-porta, pague a instruccao publica mais esses 30:000^000

Mas novas liquidacocs de dcspezas em tempo ordena-das (e textual) reclamam approximadamcnte a quantia de

. ., *- , * VAClO^^-l/^-A.Li».4Cll.JlV^*wlC*.liJ CiAi-L C* \J [* * *-*» 1 J-AAC*

naria8.pnncipiavainaapagar-8C,umjuvenalanonymoapro- 9;00b;>000 réis. NSo se *abe bem o que isto e, mas não xiiiiou-BC do arco e fixou nelle o seguinte pasquim allusivo | importa . a instruccao primaria e secundaria p6do morrer ao c.cao : ^ indigestao, e para que não morra de tal morte, saiam **azes o que devcs d>aii niais egscs 9-ocO^OOO réis (juo sao prccisos para ccr-

« T)eves o qnc fazes.º

tas liquidacoes (Riso.)

Quer a camara saber qual e a despcza por habitante, nalguns povos civilisados, relativamentc a instrucyao primaria? Aqui tern:

America.............................. 2^100 r6is

Belgica............................... ?5828 »

Allemanha............................

Noruega.............................. £435

Suecia ...............................

Inglaterra............................. $417

.......................... $378

Austria .

Dinamarca............................ $404

Suisst

^347

Franga............................... $333

Hespanha.............................. ?>315

Oeixdmos desapparecer o pensamento do marquoz de j Hollanda ............................. $720

Pombal, quando no seculo passado instituiu em Mafra uma oscola pratica de artes e officios; importa desenterrar e dar vida a esse pensamento. (Apoiadot.)

Nem o ministro da fazenda, nem a commissão do orçamento pensam na questão do ensino. Até a verba da instrucção publica a cargo do ministerio do reino, até essa mesquinha verba de 868:279$305 réis, foi reduzida no orçamento rectificado a 787:410$330 réis.
A commissão tirou da verba da instrucção secundaria 40:000$000 réis, e deduziu da verba da instrucção primaria 4:700$000 réis! Ao todo 70:700$000 réis!
Achou que os nossos professores impavam de fartos, e reduziu-lhes a dotação!
Entende o governo que é tão exagerada a dotação, que não só chega para pagar o ordenado aos professores, mas ainda p6de dar sobras de 71:000$000 réis para outros serviços!
Analysemos.
A nossa instrucção publica absorve as seguintes verbas:

[Ver Tabela na Imagem].

A superior ....
A especial ....
A secundaria ....
A primaria (estado) ....
A primaria (districtos e camaras) ....

A commissão entende que estes numeros representam uma dotação muito elevada, e não trepidou por isso em applicar as chamadas sobras orçamentaes, sabem em que?
Em 31 de junho de 1874 appareceu uma divida no hospital de S. josé, na importancia de 31:672$844 réis, segundo as contas da respectiva administração. Não se sabe bem como se fez essa divida, nem como se tem aggravado a despeza n'aquelle estabelecimento em proporções não cogitadas (palavras do parecer que se discute); mas não importa. O governo quer pagar essa divida de 31:600$000 réis? Prompto! - responde logo a commissão, ahi tem 31:700$000 réis da instrucção primaria!
Quer mais? É pedir por bôca (Riso)
E como as sobras são grandes e o governo não pede mais, a commissão, afflicta por não saber em que há de gastar o dinheiro, lembra-se logo de adquirir alguns hospitaes-barracas, São precisos 30:000$000 réis. Não importa, pague a instrucção publica mais esses 30:000$000 réis.
Mas novas liquidações de despezas em tempo ordenadas (é textual) reclamam approximadam,ente a quantia de 9.000$000 réis. Não se sabe bem o que isto é, mas não importa; a instrucção primaria e secundaria póde morrer de indigestão, e para que não morra de tal morte, saiam d'ali mais esses 9.000$000 réis que são precisos para certas liquidações (Riso.)
Os incautos imaginarão que o nosso ensino official está tão fartamente remunerado, que não pode gastar a dotação. E todavia que miseria de remunerações!
Quer a camara saber qual é a despeza por habitante, n'alguns povos civilisados, relativamente á instrucção primaria? Aqui tem:

[Ver Tabela na Imagem].

America ....
Belgica ....
Hollanda ....
Allemanha ....
Noruega ....
Suecia ....
Inglaterra ....
Austria ....
Dinamarca ....
Suissa ....
França ....
Hespanha ....
Grecia ....
Italia ....
Portugal ....
Russia ....

Estamos ao lado da Russia!
Sr. presidente, não será uma ironia sangrenta, deixar morrer á fome os professores da instrucção primaria, consentir que elles estendam a mão á caridade publica e ao mesmo tempo declarar num documento official que ainda ha sobras da instrucção primaria? Sobras para o hospital de S. José, sobras para hospitaes-barracas, sobras para liquidações nebulosas! Só não ha sobras, só não ha migalhas orçamentaes para acudir aos servidores obscuros do estado que morrem de fome ao pé do lar sem lume, junto da meza sem pão! (Vozes: - Muito bem, muito bem.)
Que vergonha nacional! Que decadencia de costumes! (Apoiados.)

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SESSÂO DE 18 DE MAIO DE 1885 1625

As escólas cáhem á mingua de reparos, os alumnos, os filhos do povo, albergam-se em antros sem conforto, os professores mendigam, e ha sobras para tudo, menos para adiantar alguns mil réis ás camaras para pagamento de dividas de instrução! (Apoiados.)
Temos ahi 50:000$000 réis que não se gastaram este anno no edificio do lyceu de Lisboa; temos ali 25:000$000 réis, destinados a subsidiar o real theatro de S. Carlos.
Pois bem; paguemos com isso as taes liquidações, e compremos os hospitaes-barracas; mas não desviem a verba do ensino, que e um dinheiro sagrado (Apoiados.)
Metade dos nossos professores de instrucção secundaria são provisorios, ganham nos lyceus nacionaes metade do ordenado, isto é apenas 200$000 réis por anno, porque o estado não permitte que elles comam pão nos mezes feriados de agosto e setembro! Porque é que o governo entende que ha de ter bom serviço por 200$000 réis por anno?
Não seriam melhor applicadas as sobras, gratificando estes infelizes?
São as sobras da sua dotação, não haveria que estranhar (Apoiados.)
Não será uma vergonha que que o paiz tenha professores de instrucção secundaria por tal prego e secretarios de lyceu gratuitos?
(Interrupções.)
Fallara-me dos emolumentos, e eu respondo-lhes que os emolumentos são tão rendosos, que a maior parte dos secretarios se despediram em 1880, quando a lei desse anno lhes tirou a gratiticação que tinham de 50$000 réis por anno!
Voz: - S. exa. era secretario e foi o relator d'essa lei.
O Orador: - É verdade, e porque era secretario não me oppuz ao corte da gratificação, e porque ainda hoje sou secretario, não peço o restabelecimento d'ella. Mas se o não fosse, havia de pedir ao governo que olhasse para esses funccionarios que fazem o serviço do estado gratuitamente (Apoiados.)
Eu não me queixo da exiguidade dos ordenados, porque os mesmos senhores deputados, que dizem que nós temos uma riqueza de 2.000:000$000 réis e devemos regar o paiz com libras, são os primeiros que affirmam a impossibilidade de pagar mais largamente os serviços publicos.
Mas eu não peço augmento de ordenados para a classe a que pertenço, o que me revolta e que um continuo de secretaria, ou um correio de ministro, tenha um ordenado de 500$000 réis e que se de a um professor de lyceu réis 200$000!
Que um professor receba aquella miseria pelo seu serviço, depois de incalculaveis despezas e trabalhos para a sua educação litteraria, e que os recebedores de concelho e os escrivães de fazenda ganhem pelo seu officio em certas localidades 2:000$000 réis e 3:000$000 réis! E da desigualdade que me queixo e penso que tenho rasão. (Apoiados.)
Aos professores exige o governo habilitações litterarias e cursos superiores, emquanto que aos escrivaes e recebedores não lhes pergunta pelo seu exame de instrucção secundaria.
O sr. Carrilho: - Esta enganado.
O Orador: - Estou enganado! Quando eu digo que o ministro pergunta ao candidato pelo memorial plangente e não pelo exame de instrucção primaria, quero significar que a habilitação scientifica é a menos efficaz remuneração para o despacho. (Apoiados.)
Em 1834 fizeram-se nomeações de escrivães que não sabiam escrever o seu nome. Agora não é assim, bom sei; mas não comparemos as habilitações requeridas a um professor e aquellas que são exigidas a um escrivão de direito ou de fazenda.
Mas, voltando ás sobras; o governo não poderia applical-as em gratificar os guardas e os continuos dos lyceus, que recebem 150$000 réis? Na acquisição do gabinetes de physica, que não temos? Em melhorar os edificios dos lyceus, casas que são incapazes e impossiveis?
Podia, mas preferiu fazer o contrario. (Apoiados.)
Que importa ao governo que haja ou deixe de haver escolas? Que os professores tenham ou deixem de ter fome?
Que haja ou deixe de haver instrumentos de ensino? Que os professores sejam effectivos ou provisorios? Que o paiz soffra ou gose? Que o pão seja caro ou barato? (Apoiados.) O que elle quer é conservar-se no poder.
Na dotação do ensino primario e secundario descobriu sobras; mas não as encontrou por certo na verba das reformados...
Destaco do orçamento geral do estado essa nota para que o paiz saiba como se some, como, se derrete nas classes inactivas, o dinheiro do contribuinte.
Aposentados e reformados:

[Ver Tabela na Imagem].

Junta do credito publico ....
Ministerio do reino ....
Ministerio da justiça ....
Ministerio da guerra ....
Ministerio da marinha ....
Ministerio dos negocios estrangeiros ....
Ministerio das obras publicas ....
Ministerio da fazenda ....

Quando o sr. ministro da fazenda fizer uso da auctorisação que lhe foi dada para reformar os serviços aduaneiros e fiscaes, então veremos a que proporções sobe a verba já hoje avultada das aposentações do ministerio da fazenda.
Sr. presidente, e por estas e outras despezas que o orçamento dos encargos ordinarios, segundo os calculos burocraticos, é de 33.039:034$202 réis, e o orçamento das despezas extraordinarias não e inferior a 6.956:386$719 réis, produzindo umas e outras despezas a somma de réis 39.995:420$921.
É por isso que o orçamento de previsão foi excedido em cerca de 3.600:000$000 réis no capitulo da despeza.
É por isso que de novo teremos de recorrer ao credito para consolidar uma divida confessada do mais de réis 7.000:000$000, porque os recursos extraordinarios, não provenientes do credito, a deduzir na despeza, são representados unicamente por 327:167$813 réis.
Devendo notar-se ainda que a cifra de 31.728:892$000 réis representativa das receitas ordinarias foi de proposito calculada exageradamente, como já disse, para atenuar o deficit ordinario; que nas despezas não vem incluidos, nem deviam vir, encargos imminentes de caminhos de ferro o obras que vão ser realisadas e que hão de avolumar o deficit no proximo exercicio; que não foi possivel ainda liquidar as despezas do providencias sanitarias, e outras que não podemos analysar nem discutir por falta de documentos explicativos e comprovativos; e que tudo isto ha de engrossar o capitulo das despezas e produzir um desequilibrio formidavel. (Apoiados.)
Que as receitas orçadas em 31.000:000$000 réis foram calculadas em cifra superior a que devia ser fixada por um calculo mais bem feito, e cousa evidente para quem ler o orçamento com attenção.
Vejamos.
As compensações de despeza, inscriptas na tabella das receitas, não são nem podem ser receita, como toda a gente sabe. Não representam rendimento effectivo. Os juros dos titulos de divida consolidada na posse da fazenda têem de ser escripturados por necessidade de methodo e de regularidade de contas, mas não significam receita liquida. O estado é credor e devedor ao mesmo tempo; dá com uma das mãos e recebe com a outra.
Aqui já temos de deduzir da receita nada menos de réis

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1.073:122$000, que é a importancia total das chamadas compensações de despeza.
Mais.
A contribuição de registo é calculada em 1.925:000$000 réis, quando no orçamento geral de 1885-1886 é calculada em 1.815:300$000 réis. Que rasões tem a commissão do orçamento para suppor que esta contribuição ha de render mais n'este exercicio do que no seguinte? Conta com a elasticidade do imposto? Mas não deve contar, se tomar a media dos tres ultimos exercicios. Deve diminuir réis 100:000$000 em vez de augmentar igual cifra:
Este imposto, segundo a informação official, decresce assim:

[Ver Tabela na Imagem].

Além de que, um dos meus collegas e dos meus amigos já provou que nos primeiros oito mezes d'este exercicio a cobrança diminuiu 46:000$000 réis em relação ao orçamento de 1883-1884, o que dará para menos no fim do anno economico 70:000$000 réis, que sommados com os 100:000$000 réis a mais em que foi calculado o imposto, produzirão uma diminuição de 170:000$000 réis no fim da gerencia.
O imposto do sêllo foi computado pela commissão em 1.323:600$000 réis. Não sei por que processo orçamento logico! De 1881-1882 a 1883-1884 aquella imposição tributaria baixou em rendimento de 1.286:000$000 réis a 1.266:000$000 réis. A tendencia É a diminuição, mas o governo descobre que em 1884-1885 ha de augmentar!
Ninguem mata o deficit com mais primor!
Ainda mais.
Os direitos de importação vem calculados no orçamento rectificado em 7.412:000$000 réis. Porque? Vemol-os descer desde 1881-1882 a 1883-1884 de 8.592:000$000 réis a 6.992:000$000 réis, e o governo calcula-os em réis 7.412:000$000! Oh! maravilha das habilidades !
Vejamos o addicional de 6 por cento, esse elixir maravilhoso, descoberto pelo sr. Fontes em 1882. A receita que este imposto ha de produzir e de 1.057:000$000 réis, na opinião do governo. A camara vae ver o que succede.
No primeiro semestre do exercicio actual este imposto rendeu sómente 429:000$000 réis, segundo os documentos officiaes. Bem sei que a cobrança é mais rendosa no ultimo semestre; mas, apesar d'esta circumstancia, a previsão não póde ir alem de 1.000:000$000 réis. Quanto mais que em 1883-1884 o addicional produziu apenas réis 939:075$372. Em que funda, pois, o governo os seus calculos optimistas?
Provavelmente no desejo de apoucar a estatura collossal do deficit. (Apoiados.) A não ser por isto, não sei explicar o caso.
E os rendimentos não cobrados? Se eu fosse encarregado de redigir o orçamento do estado, nunca perderia de vista as folhas da cobrança das rendas publicas. Dos exercicios1 findos ficaram por cobrar, ate 1880, 6.179:327$103 réis. Em 1881-1882 não se receberam 543:965$121 réis. Em 1882-1883 ficaram em divida ao thesouro réis 1.402:824$576. Sommam estas verbas a cifra de réis 8.126:116$798.
Não haverá, pois, no exercicio corrente, nenhuma folha de cobrança para introduzir como factor no calculo das receitas provaveis? Parece-me que sim, salvo o devido respeito pelas habilidades orçamentologicas de quem rectificou o orçamento. (Riso.)
Feitas estas correcções no orçamento, a quanto ficariam reduzidas as receitas? A uma cifra muito inferior a réis 31.000:000$000. E o deficit que proporções assumiria? 10.000:000$000 réis, pelo menos. E aqui está a triste realidade da situação do paiz.
Não temos agricultura, não temos industrias; a materia collectavel está exhausta: as colonias não rendem para os seus encargos; o povo succumbe ao peso dos impostos; os juros da divida publica absorvem mais de metade das receitas; corporações e particulares debatem-se nas garras da agiotagem; as inscripções, que os progressistas deixaram em 1881 a 54 1/2, oscillam entre 44 e 45, e o credito que desde 1851 tem sido a nossa panaceia, abalado pelo crescimento da nossa divida e pelo desprezo das economias sensatas e necessarias, começa «a retrahir-se como a sensitiva» tocado impudente e imprudentemente pelas calumnias de Anvers, pelos insultos de Brigth, e pelos despeitos de Dixon. (Apoiados.)
É tempo, sr. presidente, de olharmos seriamente pelo desenvolvimento economico do paiz e de parar no louco systema do recurso ao credito. Se o governo continua no caminho em que vae, então - com magua o digo - receio que, dentro em pouco, por ahi appareça algum judeu representante das pragas de Londres e Paris, encarregado de escrever na porta do ministerio das obras publicas o distico picaresco e sangrento, que o Juvenal de Braga afixou no arco triumphal do Deão:

Fazes o que deves,
Deves o que fazes.

Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
O sr. Carrilho: - Disse que as considerações apresentadas pelo sr. deputado foram um tanto deslocadas, por isso que ellas tinham cabimento na discussão da generalidade, e a camara estava discutindo o artigo 2.° do projecto.
Disse que não foi com o intuito de apresentar o deficit menor que se fez a classificação das despezas conforme constava do parecer que se discutia. Fez essa classificação, por isso que a lei lhe determinava que a fizesse por esse modo.
Quanto á despeza com a reforma do exercito devia dizer que, tendo ella sido calculada em 270:000$000 réis, a receita ordinaria proveniente da remissão dos recrutas estava já hoje em 288:000$000 réis, e portanto havia já réis 18:000$000 a mais do que o que se havia calculado.
Queixava-se o sr. deputado das grandes despezas que se faziam com os melhoramentos publicos, mas d'esses melhoramentos tem resultado a prosperidade do paiz, e se o paiz estivesse pobre não pagava os impostos, fossem quaes fossem as exigencias que lhe fizessem.
N'um ponto estava de accordo com o illustre deputado, e era quanto á questão agricola. Tambem entendia que a taxa de imposto sobre o trigo estrangeiro só se justificava pela urgencia do thesouro, porque se não podia admittir que para favorecer uma classe se fosse lançar um tributo pesado que vae recair sobre todos os consumidores. O pão já estava mais que sobejamente onerado, e estimava ver que nesta questão a sua opinião era conforme com a do illustre deputado.
(O discurso do sr. deputado será pulblicado na integra quando s. exa. o restituir.)
(Assumiu, a presidencia o sr. Luiz de Lencastre.)
O sr. Ribeiro Cabral (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulta a camara sobre se quer que se prorogue a sessão até se votar o artigo que se discute.
A camara resolveu affirmativamente.
O sr. Avellar Machado (por parte da commissão de obras publicas): - Mando para a mesa o parecer da commissão de obras publicas sobre o projecto de lei dos srs. conde da Praia da Victoria, Pedro Roberto e barão do Ramalho, auctorisando a camara municipal de Angra do Heroismo a desviar, pelo espaço de seis annos, do cofre da viação a quantia de 2:000$000 réis annuaes para ser applicada a viação da parte urbana d'aquelle concelho.
Á commissão de administração publica.

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SESSÃO DE 18 DE MAIO DE 1885 1627

O sr. Ferreira de Almeida: - Sr. presidente, a analyse do orçamento e justamente considerada uma questão de primeira ordem, e por isso pareceria gracioso entrar na sua critica sem se ser um pouco versado nos assumptos que lhe dizem respeito.
Permitta-me, pois, v. exa. e a camara, que eu apresente os meus precedentes administrativos como justificação desta opinião, procedendo desta forma similhantemente com o que praticou o meu illustre collega o sr. Lobo d'Avila quando apresentou uma sentença de Mirabeau e a de seu jornalista moderno com relação ao estudo e critica dos orçamentos, que, seja dito de passagem, s. exa. fez pela fórma brilhante com que mais uma vez affirmou a alta capacidade e finos dotes oratorios que a camara por vezes tem admirado.
Os precedentes que tenho em administração e que me animam a tomar parte numa questão desta ordem, são o ter sido governador de um districto do ultramar, e, como official de marinha, ter desempenhado commissões que importam por lei a funcção de fiscal da fazenda.
Em qualquer destes logares tive occasião de apreciar o que é a administração, tanto pelo que toca a arrecadação das receitas e valores publicos, como a sua applicação as despezas.
Quando governei um districto no ultramar, as receitas augmentaram não só pelo valor crescente do movimento commercial proveniente dos productos proprios da exploração agricola, em consequencia de fazer observar os regulamentos sobre o trabalho, sua remuneração e regimen, mas ainda as que resultaram da arrecadação de outros impostos, taes como os emolumentos de secretaria, que duplicaram, o que tudo consta de uma conferencia que fiz perante a sociedade de geographia de Lisboa, e que foi publicada, com os respectivos documentos officiaes, sob os auspicios da mesma sociedade.
Como official da armada, na ultima vez que exerci funções de segundo commandante ou immediato, a quem, pelos artigos do regulamento de fazenda de bordo, incumbe o cargo de fiscal de fazenda, deu-se a circumstancia da liquidação das contas mensaes, tanto de caixa, como de generos, se fazer com saldos minimos, o que até ali se não dava, nem depois da minha saida se deu, apesar do pessoal ser o mesmo!
Em cumprimento da lei de fazenda, tratei de fazer observar os artigos do regulamento e em especial os que determinam que os fundos vão para bordo acompanhados do duplicado do documento passado na repartição competente, preceito este que não se seguia, e a que em grande parte se podem attribuir muitos dos alcances de caixa dos encarregados de fazenda da armada, a que já em outra occasião me referi.
Taes são os precedentes de administração publica, quer como governador no ultramar, quer como official de marinha, pelos quaes me julgo um pouco auctorisado a fazer a critica das despezas publicas, que é materia do artigo 2.° do parecer em discussão.
Analysando a despeza ordinaria nota-se que o orçamento de 1884-1885 já vem sobrecarregado com 56:000$000 réis, em relação ao orçamento anterior, e o parecer que se discute augmenta ainda as despezas com mais 107:000$000 réis, de modo que a despeza de 1884-1885 em relação a 1883-1884 orça por mais 163:000$000 réis.
Faltam cinco quartos de hora para terminar o tempo ordinario de cada sessão, e comquanto ella fosse prorogada, resumirei as considerações que tenho a fazer, para não ultrapassar aquelle limite de tempo; n'estes termos, occupar-me-hei, na despeza ordinaria, tão sómente da verba que diz respeito a armada nacional, para a qual no orçamento rectificado se pedem 1.003:000$000 réis, quando no orçamento primitivo se votavam 909:000$000 réis.
Devo dizer que uma das classes que sobrecarrega muito a despeza do orçamento de marinha alem dos addidos, por diversas disposições de lei, é a classe dos supranumerarios que regressando das commissões do ultramar têem de esperar a sua altura para entrarem na escala, com a patente extraordinaria que adquiriram.
Esta disposição de lei e muito antiga, e deve acabar-se com ella, porque, francamente, reputo immoral, que um official de dada patente vá fazer serviço no ultramar a bordo de um navio e outro de patente igual, e por vezes mais moderno de praga esteja, com todos os commodos que lhe da a sua posição especial, o mesmo tempo em terra, ganhando o posto immediato, e depois venha sobrecarregar o orçamento na classe dos supranumerarios, alem de em muitos casos, preterir os officiaes da classe effectiva a que pertence em muitas commissões de serviço, só pela differença de graduação!
Mas se isto é para lastimar que succeda em virtude das disposições da lei a que me referi, peior é que alguns destes funccionarios sobrecarreguem o orçamento illegalmente; é para um d'estes casos, que vou referir, que chamo a attenção da camara, e a responsabilidade o sr. ministro da marinha.
O ex governador de S. Thomé, o sr. Francisco Teixeira da Silva, era capitão de mar e guerra supranumerario, por estar em commissão no ultramar, e passou a effectividade desse posto por antiguidade e vagatura em 25 de Janeiro de 1883; como continuasse na commissão, foi promovido a contra-almirante supranumerario sendo exonerado do cargo de governador a 3 de abril de 1884. Este funccionario chegando a Lisboa devia, por lei, voltar á classe de capitão de mar e guerra e entrar na respectiva escala logo que houvesse vagatura; não succedeu, porem, assim, continuou no posto de contra-almirante, contra a expressa disposição da mesma lei, impondo um onus no orçamento entre a differença que vae do vencimento de capitão de mar e guerra e o de contra-almirante.
Deixo á apreciação da camara e seu julgamento a classificação deste caso extraordinario!
Ha mais neste orçamento rectificado uma circumstancia a notar, e é, que vindo todos os orçamentos acrescidos de anno para anno, em relação ao anterior, o orçamento de 1885-1886, que já foi distribuido ao parlamento, e inferior em 13:000$000 réis ao orçamento rectificado de 1884-1885, que está em discussão, o que nos da uma idéa do que ha de ser o orçamento rectificado do anno que vem. (Apoiados.)
Poderá dizer-se que os orçamentos vem successivamente acrescidos porque as condições da nossa marinha têem tambem augmentado, o que e certo ate um dado ponto de vista.
Fazendo-se um estudo comparativo e retrospectivo em relação ao material e ao numero de navios, temos que em 1862-1863 tinhamos vinte e um navios, e o orçamento era de 1.010:000$000 réis.
Em 1863-1864 para vinte e dois navios tinhamos réis 1.088:000$000 no orçamento naval. Hoje que poderemos suppor que temos trinta e dois navios, incluindo neste numero uma lanchinha que navega no rio Minho, o orçamento rectificado, para os serviços exclusivamente navaes, é de 1.787:000$000 réis. Quer dizer, que para um augmento de onze navios houve o acrescimo de 777:000$000 réis o que e realmente extraordinario, por isso que o pessoal que existia então pouco differe do que existe hoje, e apenas augmentou o material fluctuante adquirido pelas verbas de despeza extraordinaria, e só pesando no orçamento ordinario pelo seu custeamento.
Podia admittir-se a proporção, suppondo que tudo augmentára desde 1862, isto é, que todos os encargos do material vinham acrescidos com os encargos do pessoal correspondente, o que não e assim; estas observações confirmam o que eu já aqui disse, quando fallei sobre o bill de indemnidade, isto e, que os encargos de orçamento do ministerio da marinha não estão em proporção com o que

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nós podemos exigir da despeza que se faz com esse ministerio, comparada com a de muitas outras nações que possuem marinha de guerra. (Apoiados.)
No parecer em discussão, encontra-se no artigo 3.º pedido de um credito supplementar para despezas exercicio de 1883-1884, em que se contem, alem de outras o augmento de despeza com as rações de bordo, que me abstenho agora de apreciar, limittando-me apenas a recommendar ao illustre ministro uma fiscalisação mais severa sobre a maneira por que se fazem as arrematações, e os fornecimentos tanto em Lisboa como fóra.
Há uma verba que vae crescendo de anno para anno, a do combustivel!
Nós vamos perdendo, e digo-o com sentimento, a noção de navegar á véla. Não se navega se não a vapor, e não se observam as instrucções que determinam que se não faça uso do vapor senão nas commissões urgentes.
Uma grande parte das commissões que os navios desempenham nas colonias e por conta dos respectivos governos locaes, que têem de pagar o combustivel, de maneira que não comprehendo bem como a verba correspondente cresce de uma maneira extraordinaria, e por tal fórma, que no credito supplementar de que trata o parecer em discussão se pedem mais 25:000$000 réis, para pagar o combustivel consumido em 1883-1884! Em annos anteriores se tinha-mos menos navios, que já eram a vapor, navegava-se um pouco mais á vela, o que era não só escola para marinhagem, mas para officiaes, fazendo-se portanto o serviço com
mais economia.
Peço licença para notar a v. exa. e á camara o que succedia no tempo em que não dispunhamos de tanto material fluctuante, como agora, sem termos menos urgencias navaes.
Em 1862 foi á Italia uma esquadrilha composta de tres navios a Estephavia a Sá da Bandeira e a Bartholomeu Dias. Em 1863 foi crusar na nossa costa uma esquadrilha commandada pelo contra-almirante João da Costa Carvalho, composta de quatro navios dos quaes um de véla, a corveta Goa. Em 1864 houve uma commissão similhante.
E em 1865 foi ao Rio de Janeiro em viagem á vela uma esquadrilha de tres corvetas a Bartholomeu, a Estephania e a Infante D. João. Se o tempo me permittir contarei á camara o que ali succedeu por essa occasião, e que dá um testemunho edificante e digno de honrosa menção com respeito elevado sentimento patriotico que anima a colonia portugueza no imperio do Brazil.
Nos annos apontados geriu a pasta da marinha o sr. Mendes Leal e successivamente o sr. João Chrysostomo de Abreu e Sousa, duque de Loulé e marquez de Sá, e os orçamentos regularam:

[Ver Tabela na Imagem].

1.010:000$000 réis de 1862-1863 com 21 navios
1:088:000$000 réis de 1863-1864 com 22 navios
1.249:000$000 réis de 1864-1865 com 25 navios
1:283:000$000 réis de 1865-1866 com 26 navios
1.318:000$000 réis de 1866-1867 com 25 navios
1.567:000$000 réis de 1867-1868 com 25 navios

sendo estas duas ultimas gerencias pertencentes a situação regeneradora.
Como v. exa. v~e não há um acrescimo de despeza muito grande durante esse periodo em que foi ao Rio de Janeiro a esquadrilha do commando do sr. Sergio de Sousa, e o paiz não só se fazia ali representar dignamente, mas fazia escola. (Apoiados.) Depois d'isso há só um facto notavel d'esta natureza, é o regresso da India da corveta Estephania, sob o commando do capitão de mar e guerra José Baptista de Andrade, fazendo a viagem á véla até no mar Vermelho!
A marinha portugueza começa a ver desapparecer os seus melhores cabos de mar, uns roubados pela morte, outros desviados para diversas commissões de serviço, e com elles se vae perdendo a escola que tornou illustres os nossos maiores. (Apoiados.)
Continuando ainda da apreciação do orçamento ordinario, direi que não basta sobrecarregar-se esse orçamento com o pessoal indevidamente collocado na classe dos supra-numerarios, mas ainda estarem individuos illegalmente collocados em commissões não auctorisadas ou creadas pelo poder legislativo, e que os desvia dos serviços, que por lei lhes compete.
Quero referir-me á repartição de cartographia que foi creada pelo ministro da marinha o sr. Barbosa du Bocage.
Tinham vindo do ultramar os sr. Serpa Pinto, Capello e Ivens e tratava-se de realisar os trabalhos de gabinete, lançando em carta os estudos e explorações geographicas feitas por estes dignos, habeis e laboriosos exploradores.
Parecia-me que havendo um corpo de engenheiros hydrographos formado de officiaes de marinha creado por decreto de 24 de abril de 1869 e sendo dependencia da commissão geodesica de que aquelle corpo faz parte, os serviços cartographicos, podiam os trabalhos em questão ser ali executados sob a direcção ou superintendencia dos distinctos funccionarios que a compõem, dando se a Capello e Ivens todos os meios precisos para os trabalhos preleminares, que a elles competia executar ou dirigir.
O sr. ministro da marinha Barbosa du Bocage, pareceu-lhe melhor criar mais uma nova sinecura, chamada cartographica, e da qual faziam parte alem de Capello e Ivens um engenheiro chefe da secção de obras publicas do ministerio, e dois individuos estranhos ou quasi estranhos ao ministerio da marinha, pretendendo justificar-se desta fórma, e á sombra de dois nomes respeitaveis, a sua existencia ali! (Apoiados.)
Ora, isto não só traz augmento de despeza pelas, gratificações que recebem os individuos ali collocados, mas tambem o desvio de funccionarios para commissões não decretadas pelos corpos legislativos.
A commissão de cartographia continua existindo; naturalmente á espera que regressem Capello e Ivens para lhes dar alentos e desculpa de existencia. (Apoiados.)
Porque o tempo não permitte alargar-me, passo desde já a appreciar o orçamento extraordinario de despeza rectificada.
A despeza extraordinaria é descripta no mappa n.° 3 a que se refere o artigo 2.° em discussão.
No capitulo 2.° d'este mappa encontra-se acquisição de uma corveta e duas canhoneiras (resto do custo) 250:000$000 réis.
Julgava que no orçamento rectificado vinha o custo real e não o auctorisado. Mas não succede assim. O orçamento rectificado pede apenas a verba auctorisada por lei, emquanto que nos documentos que aqui tenho enviados pelo ministerio da marinha, se nota que a despeza não foi de 250:000$000 réis, mas de 275:000$000 réis.
(Leu.)
Nesta despeza de compra de navios ha tambem o legal e o illegal. Comprehendo que aconteça exceder-se, e com bom fundamento, uma verba votada pela camara para uma obra qualquer. O governo depois apresenta-se ao parlamento pedindo a legalisação dessa despeza, que justificará; mas quando n'essa somma se comprehendem verbas, como a que vou indicar, parece-me que isso importa mais do que pedir a legalisação legitima de uma despeza, que foi excedida por motivos extraordinarios e superiores.
É assim que apparece n'esta conta a verba de 7:659$000 réis dispendida com o pessoal! E no detalhe especial apparecem os individuos encarregados da fiscalisação da construcção com o subsidio de 3 libras por dia, 2 libras por dia, e assim sucessivamente.
O decreto de 30 de dezembro de 1868, na tabella 10, manda que se de o subsidio de 3$600 réis diarios, aos officiaes que assistirem á construcção de e tres libras por dia.

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Aqui está o documento official annotado com as minhas contas em presença destes preceitos da lei, e que pode ser examinado pela camara, d'onde se vê que a despeza com o pessoal devia ter sido apenas de 2:772$000 réis, e não de 7:659$000 réis. For esta fórma exagerou-se a despeza, e sobrecarregou-se o deficit só na verba do pessoal com a quantia de 4:887$000 réis.
Ora, esta despeza com o pessoal vem descripta em columna separada da despeza de construcção como não devendo figurar na despeza com a acquisição de navios. Mas como essa despeza se não faria se os navios se não comprassem, claro está que a despeza de fiscalisação de construcção se deve sommar com as que dizem respeito tão somente ao valor dos navios, como accessorias e complementares.
Naturalmente o illustre ministro dir-me-ha que as gratificações a que me referi têem a saucção do antigo uso, a despeito da lei, e que se acham comprehendidas na famosa collecção de antigos erros accumulados que s. exa. não tem aggravado, mas que não tem podido corrigir, como disse ha dias respondendo ao sr. Elvino de Brito.
Peço licença para mostrar a camara que n'estes erros accumulados tem havido interrupções. É assim que na ultima gerencia progressista de 1880-1881, quando em conformidade com uma actorisação parlamentar se construiam nos estaleiros de Birkenhead as canhoneiras Bengo e Mandovi, o pessoal que assistia a construcção e recebia duas libras de subsidio diario, foi-lhe reduzido esse subsidio por despacho do sr. marquez de Sabugosa, passando a ser de libra e meia por dia.
Mas se o sr. marquez do Sabugosa. por effeito da influencia tradiccional de usos accumulados, alem de outras causas, não teve força para reduzir as gratiticações ao que esta marcado na lei, não e menos certo que as reduziu logo de 25 por cento.
Aquellas gratificações são extraordinarias e illegaes porque ha uma tabella estabelecida por lei que determina o valor que ellas devem ter, e não podendo justificar se nem permittir-se a accumullação de outras gratificações supplementares pelo mesmo serviço. (Apoiados.)
Na acquisição do couraçado Vasco da Gama e de outros navios a despeza com o pessoal foi de mais de 29:000$000 réis quando devia ser segundo a lei apenas de onze contos e quinhentos e tantos mil réis.
Ainda ha uma verba de despeza para a qual não posso deixar de chamar a attenção da camara, e que e caracteristica. É a que diz respeito a acquisição de um apparelho que vem mencionado na conta com o nome inglez de forced draft, que não e nem mais nem menos do que uma ventoinha, e que custou a bagatella de 4:000$000 réis; é com estas e similhantes ventoinhas que se vae derretendo o dinheiro dos contribuintes. (Apoiados.)
Temos ainda outra verba, a da luz electrica.
Sr. presidente, se nós estivessemos em boas condições financeiras eu approvava esse melhoramento introduzido na corveta Affonso de Albuquerque e até em mais navios de igual força, mas diante deste pavoroso deficit, similhantes verbas ainda que pareçam pequenas, não são indifferentes.
Resta saber para que se fez isto. A luz electrica na corveta Affonso de Albuquerque esta estabelecida unicamente como se fosse para espectaculo. Tem uma lanterna central destinada a vigiar todo o espaço em volta do navio; tem tambem pharoes electricos de borda para navegação: até aqui nada ha que dizer desde que se entendeu poder fazer mais aquella despeza com similhante melhoramento; internamente, porem, ha uma bella illuminação de camaras e coberta da marinhagem, mas nos paioes onde se justificava a existencia desta luz, não ha nada, continua o antigo systema da fumosa lanterna de azeite, e isto não só nos paioes geraes, mas ainda no paiol da polvora e dos projectis! onde primeiro que em qualquer outra parte, devia ser applicado um tal systema de illuminação, desde que foi introduzida no navio.
É por esta rasão, sr. presidente, que eu avancei a proposição, que na collocação da luz electrica na corveta Affonso de Albuquerque se tivera mais em vista o apparato, do que o regimen de segurança e boas condições de illuminação, porque as lampadas que se distribuissem pelos paioes eram perdidas para os effeitos scenicos.
Sr. presidente, a luz electrica applicada aos navios tem por fim manter a iliuminação em todas as condições do combate, porque a artilheria pela grande trepidação que produz, alem da grande deslocação das columnas de ar, ou arremessa as lanternas fora do seu logar, ou as apaga; e se nos paioes e porões as luzes d'esta ordem estão mais ao abrigo destes accidentes, nem por isso deixa de justificar-se a applicação da luz electrica a estas partes do navio, não só pela sua segurança mas pelo sen poder illuminante.
A luz electrica, portanto, é mesmo iudispensavel nos navios que dispõem de uma artilheria de grosso calibre para o serviço das baterias, e nos paioes, principalmente nos da polvora e dos projectis.
Pois a corveta Affonso de Albuquerque não tem a bateria nem os paioes illuminados a luz electrica.
Eu não repprovo a adopção da luz electrica nas condições que referi, a bordo dos navios da nossa marinha de guerra, mas applicar esta luz só para effeitos de espectaculo, parece-me triste e lamentavel. (Apoiados.)
Sr. presidente, a idéa ás vezes mal cabida do barato, faz com que o barato saia caro. A corveta Affonso de Albuquerque largou já as chapas do leme, quando tem pouco mais de seis mezes de serviço; tem pois de ser retirada de serviço para concertar, e nos saberemos mais tarde quanto custou esse fabrico.
Mas o que da a medida do merecimento dos novos navios e o rebocador, cuja acquisição a camara auctorisou, e que e uma verdadeira preciosidade !... Chama-se Lidador, mas desmente o nome porque não esta para lides de especie alguma. (Riso.) Cada vez que se mette nas fainas especiaes a que se destina da baixa na doca para concertar! E assim, que não tendo ainda seis mezes de estar ao serviço da marinha de guerra, tinha um concerto avahado em trezentos e tantos mil réis!
Mas a acquisição d'este rebocador, feita n'este anno economico, comquanto pareça ser um assumpto especial de que a camara não deva occupar-se, e a despeza pertença ao orçamento rectiticado do anno anterior, carece comtudo de uma rapida critica que de a medida das condições especiaes em que essa acquisição foi feita.
O governo consulta, como determina a lei, o conselho de trabalhos do arsenal sobre a acquisição de um rebocador enviando-lhe as propostas das casas Denny, Laird, Thames Iron Works e Frederico Burnay. Os preços das tres primeiras propostas excediam a verba dos 30:000$000 réis votados pelo parlamento.
O conselho foi de parecer que o rebocador devia ser de rodas, como são em geral os grandes rebocadores, e como as propostas apresentadas excediam a verba auctorisada, propoz a acquisição do vapor Conductor que existe no Tejo e que o dono vendia por 25:000$000 réis, quantia que o conselho não achava exagerada, achando o barco em boas condições de construcção e conservação, como consta dos documentos que aqui tenho.
Pois o governo, que queria obra em primeira mão e gastar sómente 30:000$000 réis, gastou 32:000$000 réis com o tal rebocador que mandou vir, e a respeito do qual o conselho de trabalhos diz que «não esta nas melhores condições, pois e do duas helices e não de rodas, systema preferivel para o serviço de reboques, por isso que as duas helices têem serios inconvenientes para a manobra das espias» etc., e que em virtude do pouco callado do navio, não podia ter uma unica helice de dimensões convenientes, mas

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duas pequenas o que obrigará as machinas a darem para cima de cem rotações por minuto, quando para os mesmos resultados uma machina de rodas daria apenas trinta, de que resultará um mais rapido estrago para aquellas e mais fabricos, etc.
Como disse, pouco depois de estar ao serviço da marinha, este navio careceu de reparação e a commissão technica decidiu que não era avaria, mas sim defeito de construcção, como consta do documento official que tenho presente e que passo a ler.
Os desarranjos notados nas machinas não devem ser considerados como avarias, porém, sim, consequencias de defeitos de construcção. Os excentricos que estão assentados sobre os eixos das manivellas, e que dão movimento ás bombas de ar, foram alinhados por fôrma, que vão encontrar os supportes das chumaceiras dos eixos das helices» etc.
E já que occupo a attenção da camara com a apreciação das qualidades materiaes do navio, peço licença para ler outros documentos officiaes com respeito ao estado do casco e outras condições do rebocador.
«As chapas que formam a fiada do lume de agua, depois de raspadas, mostram uma apparencia esponjosa, notndo-se o mesmo facto n'alhuns arrebites que ligam as diversas chapas ás cantoneiras.»
Da força do rebocador diz o seguinte documento: «Durante o reboque do couraçado Vasco da Gama o andamento foi de duas com aqgua a favor! etc.
E sobre o que ha a esperar do mesmo navio em condições desfavoraveis diz ainda o mesmo documento official: «com mar de vaga grossa não se deve portar tão bem pelas rasões que acima exponho e sobretudo pela collocação das helices muito á flor de agua que devem trabalhar a maior parte do tempo fóra d'ella.
Estas ultimas observações dão a medida do prestimo e que o barco merece, isto é, que serve apenas reboques de pouca força, só em boas condições e no rio.
Quanto ao estado esponjoso do ferro dá o direito de suppor que elle é velho; deixo estes factos á apreciação da camara e ella que ajuize em consciencia em vista dos factos apontados e documentados, do merecimento d'estas acquisições.
Em conclusão, e em vista dos documentos officiaes, vê-se que a verba votada foi recebida, o que se despenderam sommas umas menos legalmente, outras em cousas se não dispensaveis, mal aproveitadas.
O sr. Lobo Lamare: - Então queria o illustre deputado que se gastasse mais!
O Orador: - Eu não queria que se gastasse mais, mas que a applicar-se a luz electrica a um navio, não devia essa applicação ser espectaculosa, porque se podia, diminuindo o numero de lampadas distribuidas pela coberta e camaras, collocar algumas nos paioes onde é necessaria mais garantia de segurança.
Já s. exa. vê que cáe por terra a censura que julgava fazer-me. (Apoiados.)
Na tabella n.º 3, de que trata o artgo 2.º em discussão, há uma verba curiosa «Reparações no hiate Visconde da Praia Grande de Macau».
Na marinha portugueza não havia este hiate, nem fôra auctorisada a sua compra por carta de lei, como se tem feito com relação a acquisição de outros navios; mas nos documentos mandados a esta camara pelo ministerio da marinha, sobre contratos de valor superior a 500$000 réis, menciona-se um, feito com o sr. Sampaio, proprietario de um estaleiro ao sul do Tejo, para a construcção de um hiate de véla para a corporação dos pilotos por 7:800$000 réis, recebendo o governo em troca o hiate Visconde da Piiaia Grande de Macau, que era do serviço dos pilotos e ficando a seu cargo ainda a divida que tivesse n'essa data ao banco de Portugal a corporação dos pilotos, em resultado construcção d'este barco.
D'esta fórma temos nós uma perfeita compra de um navio por uma verba, que se sabe, que só por uma parte é 7:800$000 réis, sem conhecermos a outras,m que é a divida da corporação dos pilotos ao banco de Portugal, e pela qual o governo ficou responsavel; e ainda o facto é mais curioso, porque esta compra figura no orçamento como uma grande reparação! É notavel!
E depois, note a camara, que um barco que não servia para os pilotos serve para a marinha de guerra!
Isto assim rapidamente dito, nem carece de mais commentarios! (Apoiados.)
Temos, pois, descripta no capitulo 2.º, como grandes reparações, a compra de um navio, mencionando-se apenas a verba de 3:510$000 réis, quando nas contas apresentadas a camara se sabe que elle custoyu 7:800$000 réis e mais a divida ao bancode Portugal, que a corporação dos pilotos tinha n'essa data; quer dizer, o orçamento rectificado não é exacto n'esta verba que se descreve, nem em relação ao objecto em si, nem em relação ás cifras e que deixo á apreciação do parlamento.
Poderá dizer-se que esse contrato foi feito, para ser pago em prestações, e que a prestação correspondente a este anno é de 3:510$000 réis; mas descrevesse se em todo o caso o valor total da acquisição, mencionado-se essa circumstancia.
Passemos a outra verba, é a que diz respeito ao microbio!
O microbio da marinha custou 17:000$000 réis!
E não desejando alongar-me muito porque sei que a camara deseja votar este artigo, direi o seguinte:
Eu estava embarcado na fragata D. Fernando, quando ella já se achava em serviço do microbio, no registo porto. Aproveito a occasião para dizer, que o sr. ministro da marinha acabou com aquelle serviço, e muito bem; era o serviço mais indecoroso que podia haver para a marinha militar, e que consistia em estar um navio de guerra fundeado em frente da torre de Belem, mandando de vez em quando um lanchão fazer um registo, que já tinha sido feito pela saude e pela alfandega!
Quando a fragata retirou para o exercicio ao alvo na Trafaria, ficou substituida pela corveta Duque da Terceira, e na conta do serviço sanitario maritimo figuram os dois navios com gratificações pelo serviço de rondas e quarentenas, que no meu tempo de gerencia não foram auctorisadas.
Aproveito o ensejo para dizer de passagem, que nas contas de despezas extraordinarias de saude, publicadas no Diario do governo n.° 100, onde fervilham as gratificações, que no districto de Faro onde os trabalhos sanitarios foram mais duradouros e aturados, não figuram gratificações algumas e com estes e outros titulos de recomendação, longe de merecer a attenção dos poderes publicos, continua esquecido nas suas mais ardentes aspirações e necessidades, a rapida conclusão do caminho de ferro, era pesquiza de aguas contra as nefastas consequencias das estiagens.
Mas continuando na apreciação, do serviço maritimo, noto, figurando n'estas despezas, as que fizeram a Rio Ave, que esteve no mar de Larache e costa do Algarve 3:700$000 réis, a Bengo fundeada em Setubal, réis 1:700$000; e cruzando a Quanza, a Africa, a Guadiana e a Praia Grande navios da armada, alem dos vapores Caçador, conductor Lusitania e Rio Lima, navios mercantes, afretados para o serviço do cordão sanitario maritimo.
Comprehendo que se descrevesse na despeza extraordinaria a dos vapores mercantes afretados mas a dos navios de guerra, de forma alguma, quando o serviço do cruseiro é o que lhes compete, e quando o seu numero em armamento se comprehende na força naval auctorisada para o exercicio corrente.
Dos navios da marinha de guerra empregados n'este serviço e menos apropriado foi o Africa que de 2:993 to-

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neladas metricas do deslocamento tem um callado de mais de 6 metros.
Este transporte tinha por missão vigiar a costa do norte e barra do Porto e fiscalisar a apanha do mexoalho que se faz em terra nos recifes da costa que a maré descobre!
O commandante entendeu que, com um tal navio, toda a cautella, a respeito da proximidade da terra, era pouca, acontecendo chegar a perder-se a terra nas brumas, de que surgia o phantasma terrivel do naufragio do Duque do Porto ou do Saldanha, na praia da Torreira.
Ora, quando assim se perdia a terra de vista, o que succederia com o microbio! (Riso.)
Os vapores mercantes contratados, andaram com guardas marinhas sem tirocinio, fazendo de capitaes de bandeira; uns bons moços estes guardas marinhas, cheios, por certo, da melhor vontade, mas ainda sem as noções precisas do serviço de navegação de bordo, e o que e mais, do regimen policial de crusador.
Emfim, a ameaça do cholera deu pretexto para variadas contas, e devemos dar-nos por felizes, de que das devastações do microbio fosse apenas victima a fazenda publica. (Riso.)
No capitulo 2.°, artigo 4.°, apparece uma verba de réis 60:000$000 para a compra de artilheria para os navios da armada. Já o anno passado figurava tambem no orçamento rectificado uma verba de 62:000$000 réis com a mesma applicação.
Não peço agora as contas relativa a esta artilheria; mais tarde as pedirei.
Não vejo comprehendida aqui a verba de 19:000$000 réis, dispendida com a compra de 1:000 carabinas, Henry Martini, que foram adquiridas não sei se ouvido o parecer de alguma commissão technica, que eu pedi, se o houvesse, me fosse enviado, e que não tendo recebido com as mesmas contas, concluo que não existe, e se fez por conselho de um ou outro official, porventura instruido e de merecimento, mas que me parece não ter auctoridade bastante, para com ella o sr. ministro da marinha se abalançar a mandar fazer uma compra desta ordem, tanto mais, quanto estava pendente de resolução do ministerio da guerra a acquisição de armamento para o exercito; e de toda a conveniencia, para um paiz como o nosso, que o armamento do exercito e da armada seja, quanto possivel, igual...
De modo que o orçamento rectificado consigna a verba de 60:000$000 réis para artilheria, mas nada diz com respeito aos 19:000^000 réis para armamento, de que tenho o documento official.
E este documento e curioso, como passo a analysar.
Na conta das despezas feitas com a acquisição de uma corveta e duas canhoneiras, encontra-se: armamento réis 4:623$999, sommados com a despeza total feita com a acquisi9ao dos novos navios 5 e, seguidamente, «vide nota da compra do armamento».
Na nota dos 1:000 armamentos adquiridos, em que se menciona a distribuição pelos novos navios, não apparecem abatidos da despeza total de 19:183$388 réis aquelles réis 4:000$000.
De maneira que ha manifestamente descriptos 4:000$000 réis duas vezes.
Em todo o caso, o que e certo e que temos 60:000$000 réis para artilheria, e, naturalmente, o sr. ministro vae dizer-me que, nestes 60:000$000 réis, se comprehendem os taes 19:000$000 réis para armas que se comprarara a capricho, não sei de quem, e sem parecer do qualquer commissão de marinha, que eu conheça; mas, em summa, não fazendo mais reflexões, para não alongar esta exposição, porque são sempre fastidiosas exposições desta ordem, passo já d'este thema para um ponto final d'esta especie.
Esse ponto final são as obras no transporte Africa.
O transporte Africa soffreu avaria quando vinha da China, e carecia de reparações nas caldeiras e na machina, alem de limpeza do fundo.
Uma casa de Lisboa requereu, e o seu requerimento foi publicado nas folhas periodicas, constando-me que esse requerimento foi ás estações competentes, para que fossem postas em arrematação no paiz as repara9oes que o transporte carecia.
Parece-me que requereu com justiça, porque tinha acabado de construir para o estado as caldeiras da Bartholomeu Dias, mais baratas do que se tivessem sido feitas no estrangeiro, e tão bem acabadas como as que d'ali vem.
As caldeiras para a Bartholomeu Dias foram postas era arrematação em Lisboa, e a essa arrematação concorreram fabricantes muito acreditados e estabelecidos fora do paiz; o resultado do concurso foi o seguinte:

[Ver Tabela na Imagem].

Humphrys pedia ....
Penn ....
Mandslay ....
Denny Brothers ....
Castay (estabelecido em Lisboa)....

D'esta fórma o trabalho nacional concorreu por menor preço e construiu por essa quantia, sem que o governo tivesse de fazer despezas de fiscalisação extraordinaria, (Apoiados.) porque o proprio pessoal do arsenal fiscalisava a obra, ao mesmo tempo que tratava dos outros serviço a seu cargo.
De maneira que as caldeiras da Bartholomeu Dias custaram 21:350$000 réis ao estado, custo que e mais barato 9:000$000 réis do que o pedido pela casa que exigia o preço mais elevado, differença que vae diminuindo successivamente em relação as outras casas.
O preço mais barato foi o exigido pela casa estabecida em Portugal, e o governo não só fez uma economia importante na obra, mas teve ainda a seu favor os direitos que foram pagos na alfandega pelo material que teve de vir de fora para este fim, alem de dispensar as despezas de fiscalisação. (Apoiados.)
Parece-me que, em vista de um exemplo desta ordem, o governo, ouvindo as esta9oes competentes, podia abalançar se a mandar fazer no paiz as reparações do Africa.
Deste modo não só ficava no paiz o valor da mão de obra, (Apoiados.) mas ia-se habituando o pessoal da nossa industria a obras desta natureza, e evitavam-se as despezas extraordinarias e illegaes da fiscalisação. (Apoiados.)
Póde o illustre ministro dizer, que precisava que o transporte fosse a Inglaterra, levar o pessoal para os novos navios.
E verdade. Mas voltava para ca, e fazia as obras aqui, assim como voltou depois de fazer as obras naquelle paiz.
De maneira que a despeza de volta não tem que tomar-se em linha de conta, tanto num caso como noutro.
Agora analysemos esta obra rapidamente.
Em primeiro logar não se abriu praça; fez-se um contrato com a casa constructora Thames Iron Works com meia duzia de artigos, em que se estipula, que a obra se fará por 6:000 libras approximadamente, ou 31:000$000 réis, e com este approximadamente gastaram-se.36:061$704 réis, comprehendendo de gratificações extraordinarias réis 1:461$383.
Aqui esta quanto custam os contractos feitos com o aproximadamente, como o contracto diz textualmente «approximately estimated at about 6:000 Ls.»
Analysemos tambem um pouco as despezas: concerto de avaria do lado de estibordo; mão de obra 403 libras, material 70 libras.
Concerto do casco e machina; mão de obra 3:868 libras, material 1:367 libras.
Finalmente, pinturas; mão de obra, 433 libras, material, 200 libras, e note se que a primeira camara, que e a mais importante, não e pintada mas envernizada, e que os camarotes não foram pintados.
Veja, por este resume, a camara quanto perdeu em salarios o trabalho nacional!

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Este transporte, é realmente um dos melhores barcos que temos, apesar de possuir alguns defeitos conhecidos de todos, mas que ninguem se propõe emendar.
Eu peço licença para chamar a attenção do sr. ministro da marinha para este assumpto, que, comquanto não seja a materia em discussão, representa comtudo a apreciação de valores da fazenda nacional.
O navio no alto mar não supporta as vergas de ré, e não sei a rasão porque não lh'as tiram, como de fez ao India, por igual motivo, naturalmente por uma questão de enfeite mal entendido.
O navio tornando-se mais leve com o alongar da viagem, pelo consumo do carvão, afoga-se muito, e isto não é uma cousa para desprezar, não só como questão de segurança, mas como questão de commodidade. Attribuo este defeito a Ter uma quartellada de veio collocada no porão mais de vante, de maneira que no desequilibrio da linha de fluctuação normal, produzido pela vaga, exerce aquelle veio pelo seu enorme peso e collocação no extremo do braço de alavanca, um esforço enorme que se traduz n'uma caturrada mais violenta.
Quando mandei no navio fallei em ser removido este quartel do veio mais para ré, respondeu-se-me que já tinha vindo assim de Inglaterra e assim havia de morrer!! Aquelle navio tem os escovens mal dispostos, de que tem resultado partiu algumas amarrações e já depois de vir de Inglaterra partiu duas ou tres; nada mais natural do que ter remediado o mal por, occasião do ultimo fabrico que fez; não succedeu porém assim, e o commandante a quem coube o encargo de fiscalisar as obras, consignando-se no contrato que alem das estipuladas se fariam as que o mesmo commandante indicasse por escripto, não remediou nem este, nem outros inconvenientes, deixando que o approximadamente 6:000 libras subisse até 7:500 libras recebeu como premio de tanto zêlo, o dobro do subsidio que receberam os demais officiaes! O que é não só revoltante perante a lei, mas perante a justiça. (Apoiados.)
Mas se se entendia que era indispensavel, mais vantajoso, util por qualquer circumstancia, que o navio fabricasse em Inglaterra, porque rasão senão mandou o navio a casa Denny que oconstruiu primitivamente, en vez de o mandar a casa estranha, que teve de fazer moldes de todas as peças da machina, que tiveram de reparar-se, acrescendo d'esta fórma muito a despeza total?
Em tempo o India foi á Escocia, á propria casa que o construiu, fazer os reparos de que carecia; porque rasão senão fez o mesmo como Africa, desde que se julgou mais conveniente, que reparasse fóra do paiz?
Mas sobretudo, o que eu deploro, e tanto mais por ser um acto praticado pelo sr. Pinheiro Chagas, é que este trabalho não fosse dado a industria nacional, quando s. exa. tantas vezes nas suas declamações defendeu as necessidades e a protecção aos nossos operarios.
Realmente, sem querer estar a fazer politica ou armar ao effeito, parece-me que o primeiro dos cuidaddos da administração de um paiz é proteger convenientemente o trabalho nacional. Porque ainda quando as obras que se façam no paiz, nas mesmas condições que se obtem fóra, sejam comtudo um pouco mais caras, o capital ficava no paiz como materia collectavel, e como elemento protector e remunerador do trabalho dos nossos operarios, em logar de os obrigar a andarem constantemente em solicitações ás auctoridades por falta de meios e do trabalho. Alem d'isto o material necessario para essas obras compensará a differença do valor a mais das mesmas obras pelos direitos de alfandega.
(Interrupção que se não percebeu.)
desejando proceder conforme as intenções da camara, que quer votar este artigo hoje, para o que creio até que foi já prorogada a sessão, tenho sido obrigado a analysar rapidamente ad despezas do ministerio da marinha e outros factos que com ellas se ligam.
Não posso entretanto passar em silencio a fórma por que foi contratada, sem concurso, a construcção dos novos navios.
Diz o regulamento geral de contabilidade publica no artigo 65.º, que os fornecimentos para a marinha serão contratados precedendo concurso.
Póde o governo, porem dizer, que a acquisição e reparação de navios carece estar ao abrigo das disposições do § 2.° do artigo 68.°, mas se assim como para as caldeiras, da Bartholomeu Dias, despeza pouco importante, por isso que orçou por 21:000$000 réis, se abriu concurso, a que, concorreram até fabricantes estrangeiros de alta impportancia, como são Penn e Humphrys, para obras muito mais importantes do que esta, como é a construcção de navios, parecia que se devia tambem abrir concurso; restringindo o porém conforme a letra do referido §. 2.° do artigo 68.º as pessoas previamente reconhecidas pelo governo cm os requisitos necessarios para as executarem.
Ora, o governo tinha em Inglaterra, visto que ali recorreu sempre para cousas d'esta ordem, nem mais nem menos do que quarenta e tantas casas constructoras, em sete praças, e destas algumas têem construido navios para Portugal.
Qual é a rasão porque o commissario regio ou como melhor queiram chamar-lhe, que foi encarregado com 13$500 réis por dia, alem do soldo e da gratificação de tratar d'este negocio, não procurou estas casas, não lhes pediu as suas propostas, e não as mandou ao governo para elle resolver a respeito d'ellas, o que julgasse conveniente?
Sairia mais barato ou mais caro? Não sei. Mas emfim era mais conforme com os precedentes usados em cousas de menor valor, e alem d'isso era uma consideração para com os preceitos da lei. (Apoiados.)
Não lerei os nomes de todas essas casas constructoras, que são umas quarenta, dez das quaes, pelo menos, perfeitamente habilitadas para a construcção de navios de guerra.
Bastará citar, por exemplo, em Londres R. H. Green, que já construiu navios para a nossa marinha, Samuda Brothers, Thames Iron Works, etc.
Em Liverpool, Birkenhead, Laird Brothers, etc.
Em Newcastle, Palmer's Ship Building, de que o chefe da casa é membro do parlamento inglez.
Alem de outras localidades e casas.
Passo agora a outra ordem de apreciações.
Diz o parecer que se discute: que a commissão reconhece, que o estado da administração da fazenda nas provincias ultramarinas e a sua contabilidade e insustentavel, e que a ausencia quasi absoluta de contas de como os dinheiros publicos são ali cobrados e applicados, não póde continuar.
Outro tanto sr. presidente, podia a illustre commissão dizer da administração e da contabilidade da marinha.
Para ser breve limitar-me-hei tanto quanto possivel a ler os documentos. O documento que tenho presente e a que já me referi n'outra occasião, accusa vinte e tantos centos de réis de alcances dos exactores da fazenda; e note-se que não se comprehende n'esta contra uma cifra muito maior, porque um grande numero de processos de alcances e extravios já esdtão archivados.
Diz a lei, artigo 263.º do regulamento geral de contabilidade publica:
«Todos os pagadores especiaes dos ministerios, e quaesquer outros gerentes, sejam de que natureza forem que singular ou collectivamente, tiverem a seu cargo aarrecadação, administração applicação dos rendimentos do estado, são justiçaveis perante o tribunal de contas pela sua gerencia annual, sob sua immediata responsabilidade.»
Quer v. exa. saber o que dizem os documentos enviados pela repartição de contabilidade do ministerio da marinha?

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Havia por lei nesta repartição de contabilidade uma repartição fiscal a quem competia tornar as contas administrativamente dos exactores da fazenda naval; pela reforma effectuada em 24 de julho de 1884, transformou-se a repartição fiscal em secção fiscal, sendo as attribuições as mesmas, que estão marcadas no regulamento geral de contabilidade, como já citei.
Os documentos dizem textualmente:
«Até hoje as contas pecuniarias têem sido incluidas na conta de gerencia do pagador de marinha, que annualmente se envia ao tribunal de contas».
Mas a lei no seu artigo 263.° manda que se enviem ao tribunal, as contas de todos os pagadores especiaes, e quaesquer outros gerentes, seja de que natureza for; portanto não se tem observado a lei.
Mas ha mais, as contas pecuniarias têem sido remettidas englobadas na do pagador de marinha, e das contas de gerencia de material, que pelo artigo 296.° e nos termos 313.° do mesmo regulamento, compete ao julgamento e exame do tribunal de contas, nada consta, nada se faz!
Ha mais, sr. presidente, diz ainda outro documento official que em fevereiro deste anno havia cento e setenta sete coutas atrazadas de material por julgar, alem de trinta e duas contas novas, das quaes se julgaram seis que eram de caixa e dez de material.
D'esta forma ha perto de duzentas contas por liquidar, e nenhuma dessas contas tem sido enviadas ao tribunal nos termos da lei, que começou a ter applicação aos annos economicos que principiaram a 1 de julho de 1882. Por aqui vê a camara que e com subida rasão que applico á administração da marinha a mesma apreciação que a commissão fez a administração ultramarina, e porventura sendo mais justa a censura.
Mas não é só a questão de contabilidade, sr. presidente, que se acha no triste estado que acabo de apontar, ha ainda a lastimar o abandono em que tudo anda.
É certo que a mudança de pessoal em alguns ramos do administração publica, tem feito com que muitas cousas se regularisem.
Vou referir-me por exemplo á escola naval.
Na inspecção feita a este estabelecimento, não encontrou o inspector inventario do importante material que ali existe.
A escola naval, com o nome do academia dos guardas marinhas, data de 18 de março de 1757, e a ultima reorganisação de 26 de dezembro de 1868.
Pois em 1883, em que se lhe passou a ultima inspecção diz o relatorio - inventario geral em começo!
Diz mais que não exista livro caixa nem escripturação alguma por onde se podes em examinar as despezas feitas com a escola, e as quaes o director assevera serem feitas com toda a legalidade!
Felizmente, sr. presidente, o actual ministro substituiu o pessoal e tanto bastou, para por termo a estes defeitos e inconvenientes.
Não aconteceu outro tanto com o arsenal da marinha, e foi por isso que me referi a, escola naval, para tornar mais frisante o estado do arsenal de marinha.
A camara sabe, que uma bella madrugada foi surprehendida a população de Lisboa com a vista de um formidavel fogo; no arsenal de marinha ardia um brigue quasi prompto, dois telheiros um com escaleres e galeotas, outro com mastros e vergame, e uma officina mechanica de serração, etc.
Fez-se um inquerito que chegou ás seguintes recommendaveis conclusões.
«Finalmente, o que se chega a saber não é o que se deseja e o que conviria conhecer - a origem e o modo do incendio - mas porém, que o serviço em geral não se cumpria em conformidade do que prescrevem os regulamentos, porque assim o diz a declaração, de que se não rondavam sentinellas e não se exigia a sua attenção activa, não se visitava casas nem os pontos escusos do estabelecimento, não havia o pessoal e material precise disposto, e convenientemente detalhado, para soccorrer em qualquer circumstancia extraordinaria» etc.
E diz-se n'um relatorio que não se chegou a saber de quem era a culpa ou quem era o criminoso directo ou indirecto; e entretanto já esta na mesma carreira uma canhoneira, em risco de igual fim, em presença da impunidade, desleixo e abandono em que tudo anda (Apoiados.)
Sr. presidente, esta critica que faço as cousas da marinha, poderá prejudicar-me em sympathias, mas fica-me a consciencia, de que cumpro agora, como tenho procurado cumprir sempre, o meu dever; o sr. ministro da marinha, vae dizer-me, como disse aqui ao sr. Elvino de Brito, que e defeito velho portuguez deprimir e depreciar tudo quanto e nosso. Não são esses os meus intuitos, mas sim de que se corrijam defeitos e melhorem serviços.
Eu sinto que s. exa. esqueça, que mais do que eu tenho aqui dito e feito, tem feito s. exa. com maior auctoridade.
Eu já aqui mostrei, quando fiz uma referencia aos governadores do ultramar, que s. exa. que e escriptor publico, justamente laureado, tinha dito muito peior e com muita mais auctoridade do que o tem dito a opposição neste parlamento: e quanto a deprimir o que e nosso, do que s. exa. pude porventura censurar-me, como o fez ao sr. Elvino de Brito, devo dizer, que por muito digno, por muito honroso, por muito respeitavel que seja a idéa de aproveitar como escriptor os ocios da vida publica, para occorrer as necessidades da vida particular, não deixa por isso de deverem aproveitar-se esses ocios, antes, em exaltar os actos gloriosos dos servidores do estado, tanto mais quando se occupa um logar official em que melhor se podem apreciar esses actos, do que historial-os só pelo sou lado ridiculo, como s. exa. o fez, e não podendo por este facto lançar-nos censura, quando nos preoccupa apenas o bom desejo do corregir, emendar e melhorar. (Apoiados.)
Parecerá extraordinario que se lastime este facto; o que e devido a ter sido s. exa. o primeiro a censural-o.
Será alem disso extraordinario fazer esta referencia quando s. exa. e o auctor de um artigo, em que se diz, que na sociedade portugueza o que impera e a gargalhada!
«Toda a gente procura rir um bocado á custa dos outros e um poucochinho tambem á custa propria.»
N'esta situação em que tudo se leva a rir, destoa, por certo, muito deste accordo geral o fazer lamentações acerca da má applicação dos dinheiros publicos, da não observancia dos preceitos da lei, e emfim do abandono e do desleixo em que vão os negocios do estado. Desculpe, por isso, a camara se tomei muito tempo com as minhas considerações.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado.)
O sr. Dantas Baracho (para um requerimento): - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.
Foi approvado.
O sr. Presidente (Luiz de Lencastre): - Vae ler se o artigo 2.° do projecto para se votar com o respectivo mappa.
Leu-se.
Posto a rotação foi approvado.
O sr. Elias Garcia: - O que foi que se votou?
O sr. Presidente: - Votou-se o artigo 2.° e o mappa respectivo.
O sr. Elias Garcia: - Peço a v. exa. que tenha a bondade de mandar verificar se ha numero na sala.
Vozes: - Já esta votado. Já se retiraram muitos srs. deputados.
O sr. Mouta e Vasconcellos (secretario): - Havia mais de 60 srs. deputados na sala.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã e a continuação da de hoje e mais os projectos n.ºs 59 e 60.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

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1634 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Parecer n.º 85-D da commissão de guerra apresentado n'esta sessão

N.º 85-D

Senhores. - A vossa Commissão de guerra, tendo examinado de requerimento de D. Henriqueta Carlota Saraiva Esteves Alves da Guerra, é de parecer que deve ser enviado ao governo para resolver a pretenção como for de justiça.
Sala da commissão de guerra, 18 de maio de 1885. = Sanches de Castro = Antonio Joaquim da Fonseca = Alfredo Barjona = Antonio Manuel da Cunha Bellem = Sebastião de Sousa Dantas Baracho = Antonio José d 'Avila = Carlos Roma du Bocage = Tem voto do sr. Joaquim José Coelho de Carvalho.

Redactor = S. Rego.

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