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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
Traduzindo mais em portuguez a minha idéa, que não sei se será barbara, quero dizer que, com o armamento aperfeiçoado, é fornecido a todos o cartuxame já preparado e devidamente graduado, que deve dar o resultado que das respectivas armas se espera, e não póde de fórma nenhuma entregar-se á industria particular que não conhece, nem está habilitada para apropriar á qualidade especial de cada armamento aperfeiçoado a fabricação do cartuxame, a qualidade da polvora e a quantidade em que ella deve ser empregada nos respectivos tiros; pois o arbitrio em relação á fabricação do cartuxame inutilisaria completamente, ou em grande parte, o resultado assegurado pelo armamento aperfeiçoado.
Não sei, e é possivel que n'estes assumptos guerreiros eu empregue uma palavra que não seja essencialmente propria, e eu peço desculpa, se não se entende por cartuxame aquillo que se usa lá na minha terra. Eu me explico devidamente, para que os illustres deputados da maioria não possam allegar que votaram por não entenderem a minha idéa; eu, quando me refiro ao cartuxame, refiro-me ás cargas que vem já preparadas e promptas em relação a cada arma; a carga, devidamente apropriada á arma, traz polvora, traz tudo, na proporção fixada para o bom resultado do tiro. Deixe-me v. ex.ª mostrar tambem aos meus collegas quanto conheço a arte da guerra. (Biso.)
Nunca combati com nenhum exercito, nem com nenhum individuo da especie humana; mas possuo uma arma de guerra, e creio que a mais perfeita que existe n'este paiz, com a qual em alguns annos, e por diversas vezes, tenho andado nas serras do Gerez em lucta com javalis e com veados.
Esta arma, que dá um excellente resultado, dispara-se com cartuxame, ou com cargas que eu compro completamente promptas, e que vem perfeitamente acabadas da Belgica aonde a arma foi fabricada.
Se, por acaso, eu quizer applicar a esta arma a polvora mais aperfeiçoada da fabrica de Barcarena, a carga, ou cartuxame mais aperfeiçoado pela industria portugueza, quer seja do arsenal do exercito, quer das oíficinas particulares, estou muito convencido de que a arma ha de dar resultados completamente diversos d'aquelles que tem dado até hoje.
Não sei se o meu illustre collega, o sr. José Guilherme Pacheco, ficou, depois d'esta breve explicação, a conhecer completamente qual era a minha idéa.
O sr. José Guilherme: — Já estava conhecida.
O Orador: — Então era desnecessario; fazer qualquer observação sobre a escolha de um termo. Amanhã eu consultarei um diccionario de guerra para saber se effectivamente empregava palavra propria, ou se estava fallando no parlamento portuguez com a mesma liberdade e ao mesmo tempo com a mesma certeza de ser entendido como se estivesse fallando lá na terra em que tive a felicidade de nascer, e posso dizer mesmo, entre parenthese, terra que eu não trocaria, se fosse da minha escolha, por nenhuma outra d'aquellas que conheço.
Esclarecido este ponto, seria para desejar que a camara, e não os illustres deputados, se encarregassem de perguntar ao nobre presidente do conselho se a fabrica de que se ha de fornecer o exercito e a marinha será a fabrica de Barcarena ou terão de ser as fabricas estrangeiras.
Vejo pela exposição rapida, lucida e completa, acabada de fazer pelo nobre presidente do conselho, que s. ex.ª, na sua ultima viagem, alem da instrucçâo propria, póde obter esclarecimentos de grande utilidade para este paiz.
Não posso, porém, esperar que s. ex.ª, tendo gasto por proposta sua, em resultado das suas informações e dos seus estudos, 80:000$000 réis na fabrica de Barcarena, vá hoje introduzir lá, como é indispensavel, um bosque, para evitar os perigos da explosão, um caminho de ferro para a facilidade dos transportes, e o Tejo como um modesto canal (Riso.) o que seria util, ou talvez indispensavel, para
que aquella fabrica correspondesse aos nossos desejos o aos desejos do governo.'
Creio que essas aspirações são absolutamente irrealisaveis, o nós teremos de ficar com a fabrica de Barcarena, para a qual já se votaram 80:000$000 réis, muito embora se despendessem só 51:000$000 réis, sem bosque, sem canal o sem caminho de ferro. (Riso.) Poderá aquella infeliz, que não tem bosque, que não tem Tejo, o que não tem caminho de ferro, corresponder na perfeição dos seus productos á fabrica franceza, felizmente visitada pelo nobre presidente do conselho, quando simples viajante, deixando n'este paiz o governo? E isto é uma expressão que eu tenho de levantar, ainda que creia que foi um simples lapso do nobre presidente do conselho.
Poderá a fabrica de Barcarena competir com a fabrica franceza, visitada na viagem do nobre presidente do conselho?
É evidente que, não tendo bosque, não tendo canal, o não tendo caminho do ferro, não póde competir sem que resolvamos fazer bosque, canal e caminho de ferro; (Riso.) creio que seria muito mais vantajoso para o exercito e para a marinha importar os productos da fabrica franceza, do que esperar a producção da fabrica de Barcarena, depois de devidamente transformada.
N'estas condições o que se não explica facilmente, para quem sabe que, desde que se fabrica a polvora, o bosque ora tão indispensavel no principio como é hoje, para evitar os perigos e as explosões; para quem não ignora que, para facilitar os transportes e as communicações, os caminhos de ferro eram tão importantes no principio do fabrico da polvora como hoje; para quem avalia que o canal era igualmente tão indispensavel no principio como agora; para quem sabe tudo isto, o que não se explica facilmente é como ha quatro annos o nobre presidente do conselho não tendo nem caminho de ferro, nem canal, nem bosque em Barcarena, veiu declarar que seria esta a primeira fabrica do mundo, logo que se gastassem 80:000000 réis; e hoje vem declarar que as fabricas estrangeiras são muito melhores, porque têem bosque, canal e caminho de ferro, (Riso. — Apoiados.) que Barcarena não tem nem póde ter.
As viagens são, em geral, instructivas, e o nobre presidente do conselho de certo adquiriu na sua ultima viagem instrucçâo e recreio, não só em relação a este ponto, mas a muitos outros. Talvez o paiz. tenha só a lamentar sinceramente, que essa viagem se não fizesse antes de se gastarem os 80:000$000 réis com a fabrica de Barcarena. Mas isto já não se póde remediar, é uma calamidade realisada, é um facto consummado.
Será talvez occasião de perguntar aos representantes do paiz se por acaso pela ultima viagem a instrucçâo do sr. presidente do conselho está perfeita, completa e acabada, ou se será necessario que s. ex.ª viage quanto mais cedo melhor para dotar este paiz com reformas e melhoramentos que são indispensaveis aos assumptos dependentes do ministerio da guerra?
O que eu supponho praticamente, porque me parece que o nobre presidente do conselho argumentou com suprema habilidade, mas não como homem pratico, segundo a feliz expressão do seu collega, o sr. Antonio de Serpa, é que a fabrica do Barcarena era muito boa para ha tres annos se gastarem 80:000$000 réis, e hoje é muito inferior, para que se decreto a liberdade da polvora, depois da despeza feita, porque já não póde corresponder ao fim, nem prestar o resultado que o paiz havia de esperar dos calculos e das promessas do actual governo.
Assim vao tudo, e vao bem.
O sr. José Guilherme: — Roqueiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga esta materia sufficientemente discutida.
Constatada a camara, decidiu afirmativamente por 61 votos, e em seguida foi approvada a generalidade do projecto.