DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1574-L
terem reduzido ao silencio a voz do Sr. Navarro, que trovejava nas Novidades, antes da publicação d'elles, não podiam considerar-se a ultima palavra sobre o assumpto, por que não assentavam no estudo do projecto do sr. Hersent, que, n'aquelle tempo, era ainda desconhecido e cujo exame derramou toda a luz sobre este desgraçado assumpto. (Apoiados.) Os illustres oradores governamentaes ficaram desapontados com o rumo do discurso do sr. Pedro Victor. Esperavam o ataque n'um terreno e surgiu-lhes n'outro. Traziam a papa feita, para responderem a certos ataques, e perderam o tempo e o feitio. (Riso.) Foi pena que perdessem o seu precioso trabalho. Preparem outras armas para o combate.
Careço agora de dizer duas palavras sobre os orçamentos com sobras. Declara-se no projecto Matos que as obras do porto de Lisboa custavam a verba de 10.211:095$190 réis, ficando ainda 427:884$000 réis para as obras complementares e 234:806$735 réis para os casos imprevistos. Mas a verba de 427:884$000 réis estava errada em 40:664$000 réis. Por outro lado, examinando o proprio orçamento, vê-se que n'esta mesma pagina ha um erro typographico de réis 80:000$000. Resulta d'aqui uma diminuição de 120:000$000 réis. Ora, esta verba de 120:000$000 réis não representa despeza imprevista, porque entrava no calculo de uma parcella. Tambem se não podem considerar verbas correspondentes ás despezas de administração, porque estas despesas eram fixadas pela certidão de bom comportamento em 352:000$000 réis. Que significam então? A que despezas correspondem ? A cousa nenhuma. Como classifical as convenientemente ? Saiu alguma cousa que ficava no orçamento depois de computadas todas as despezas. O sr. Pedro Victor chamou-lhe muito apropriadamente sobras, visto como não apparecia verba orçamental a que correspondessem. (Apoiados.)
Vou agora responder ao sr. Villaça. O illustre orador, apesar da sua seriedade scientifica, enganou-se um pouco nos seus calculos. E refiro-me muito seriamente á seriedade d'este distincto orador da maioria, que se não prestou á exhibição de uma certa ordem de argumentos que se têem pretendido impor á consideração da minoria. Bem se manifesta que o sr. Villaça se esforça por salvar a posição desgraçada em que vê collocado o seu ministro e amigo intimo. O procedimento do illustre orador abona o seu bello caracter.
Disse o sr. Villaça, estribando-se n'um argumento, que foi a pedra angular da sua defeza: "Se compararmos o orçamento Matos com os restantes que o precederam, alcançaremos a convicção de que o orçamento Matos representa trabalho maior e preço menor".
O sr. Villaça tratou de indicar os preços da alvenaria relativamente aos muros de Anvers. Mas o illustre deputado, prevendo a objecção dos seus adversarios, logo se apressou a sangrar-se em saude, como usa dizer-se.
Disse s. exa.:
"Eu bem sei que podem objectar-me que o projecto Matos era um projecto de favor para o empreiteiro. Ora, eu não estou aqui para defender os interesses de nenhum empreiteiro. Declaro simplesmente que me causará sempre prazer infinito a apresentação de um projecto que represente a accumulação de trabalho que apresenta o projecto do sr. Matos."
Isto disse o sr. Villaça.
Mas, se os preços do projecto Matos eram excessivamente baixos, a consequencia é mais desairosa para o governo, porque só tornava possivel a concorrencia do sr. Hersent, que estava senhor da manobra. (Apoiados.) Não podiam concorrer nem o sr. Reeves nem o sr. Schiapa Monteiro nem o grupo nacional, porque a media dos preços repellia-os inevitavelmente. (Apoiados.) Só o sr. Hersent estava senhor da chave do segredo; só elle sabia que se abaixavam os preços para atemorisar os outros concorrentes. Depois de cerrado o concurso, as obras eram-lhe adjudicadas; e, depois da adjudicação, effectuaram se modificações que diminuiam os encargos do sr. Hersent sem diminuirem proporcionalmente os encargos do estado. Pois bem: deixo á consciencia do paiz o decidir se a opposição parlamentar não zela melhor os interesses nacionaes, combatendo a fórma da adjudicação das obras do porto de Lisboa. (Apoiados.) Diga o paiz inteiro se o governo attendeu mais aos interesses do sr. Hersent do que ás conveniencias geraes do estado. (Apoiados.) Desgraçado do paiz, se todos os ministros seguissem as normas administrativas do sr. Emygdio Navarro. (Apoiados.)
Volto ás respostas que dá o sr. Espregueira sobre os diversos detalhes das obras, apresentadas pelo sr. Hersent.
Não desejo frizar a duplicidade do orçamento do sr. engenheiro Matos. Respondo já ao negocio das cantarias, calçadas, alvenarias, acima e abaixo do zero hydrographico, e tambem aos enrocamentos. Respondo brevissimamente ao sr. Espregueira.
Tinha dito o sr. Pedro Victor que por tres modos podia fazer-se subir o preço dos muros, ou avolumando a obra ou acrescendo nos preços ou augmentado cumulativamente a quantidade e preços do trabalho. Tambem observou o sr. Pedro Victor que havia tres especies de calçada, de 400, 900 e l$OOO réis.
O sr. Matos contava no seu projecto, como fazendo parte integrante dos muros, a porção de calcada que fazia parte do seu coroamento, destinando para as outras calçadas a verba especial de 64:000$000 réis. Que vae responder a isto o sr. Espregueira? Começa por demonstrar que havia varias especies de calçadas. A camara comprehende que era de todo o ponto escusada tal demonstração. Concluiu por dizer que o empreiteiro tinha obrigação de construir calçadas de 10 metros de largura em torno dos muros exteriores, e, por consequencia, que o sr. Pedro Victor não contara com esse trabalho. Mas, em primeiro logar, o sr. Pedro Victor destinou para essas calçadas 64:000$000 réis, e em segundo logar nunca elles podiam entrar no calculo dos muros, por que estão fora do seu coroamento.
Passemos ás cantarias.
Disse o sr. Pedro Victor que, segundo o projecto Matos, devia ser apparelhada a cantaria empregada, e que o sr. Hersent obtivera auctorisação para a substituir por revestimentos rusticados. Confrontando o projecto Matos com o projecto Hersent, vê-se que todos os muros do projecto Matos tinham revestimento completo de cantaria até um metro abaixo do zero hydrographico, emquanto que, no projecto Hersent, a cantaria chega só até esse zero. D'aqui resulta uma differença de cantarias de 5799m3 e attendendo á differença de preço 150:774$000 réis para o bolso do sr. Hersent.
O sr. Espregueira assumiu ares de Mentor, indicando a maneira de tratar estes assumptos. N'estas materias, disse s. exa, argumenta-se com a regua e compasso sobre o projecto, e corrige-se o erro descoberto. E acrescentou que é, sobretudo, perciso executar fielmente o decreto de 22 de dezembro, porque este decreto garante a integridade do caderno dos encargos, e este caderno estabelece para o sr. Hersent a obrigação de revestir os muros de cantaria até l metro abaixo do zero hydrographico.
Pois, sr. presidente, a memoria descriptiva, que acompanha o projecto do sr. Hersent, declara que a cantaria só revestirá os muros até o zero hydrographico.
O mesmo verifiquei quando confrontei o orçamento com o desenho. A mesma memoria que acompanha o projecto diz claramente que as cantarias serão apenas desbastadas. Ora, a portaria de 6 de agosto approvou o projecto definitivo do sr. Hersent, que só reveste os muros de cantaria até zero hydrographico. (Apoiados.)
Logo, o sr. Espregueira mostrou apenas atrazo na leitura dos documentos do inquerito. Só leu até o dia 22 de dezembro de 1886.
Passemos ás alvenarias. Tinha calculado o sr. Pedro