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SESSÃO DE 29 DE AGOSTO DE 1871

Presidencia do ex.mo sr. Antonio Ayres de Gouveia

Secretarios — os srs.

D. Miguel Pereira Coutinho

Ricardo da Mello Gouveia

Summario

Terceira leitura do projecto de lei do sr. deputado Francisco Mendes, para a reforma da carta constitucional. Não é admittido á discussão em votação nominal. Explicações relativamente á votação. — Ordem do dia: 1.ª parte, annuncia-se que vae entrar em discussão o parecer relativo á eleição do circulo de Macedo de Cavalleiros; e é adiada esta discussão, e igualmente a do circulo de Mirandella, por quinze dias, mandando-se convidar os srs. deputados eleitos a virem á barra defender as suas eleições — 2.ª parte, annuncia-se a continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa; requer-se o adiamento até estar presente o sr. presidente do conselho, o qual consta que assiste á discussão na camara dos dignos pares do reino; e, quando é submettido á votação este requerimento, verifica-se não haver numero na sala.

Chamada — 68 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Osorio de Vasconcellos, Albino Geraldes, Alfredo da Rocha Peixoto, Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, Ayres de Gouveia, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, Barros e Sá, Boavida, A. J. Teixeira, Antonio Julio, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Claudio Nunes, Conde de Villa Real, Vieira das Neves, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Correia de Mendonça, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Guilherme de Abreu, Gomes da Palma, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Jayme Moniz, Franco Frazão, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, Barros e Cunha, J. J. de Alcantara, Ribeiro dos Santos, Vasco Leão, Pinto de Magalhães, J. A. Maia, Bandeira Coelho, Baptista de Andrade, Cardoso Klerk, Dias Ferreira, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Costa e Silva, Moraes Rego, Sá Vargas, Mello Gouveia, Menezes Toste, Nogueira, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Luiz de Campos, Affonseca, Pires de Lima, Manuel da Rocha Peixoto, Alves Passos, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Cunha Monteiro, D. Miguel Coutinho, Pedro Roberto, Placido de Abreu, Ricardo de Mello, Thomás Bastos, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes.

Entraram durante a sessão — os srs.: Braamcamp, Teixeira de Vasconcellos, Cau da Costa, Pinheiro Borges, Eduardo Tavares, Francisco Costa F. M. da Cunha, Van-Zeller, Perdigão, Santos e Silva, Melicio, Lobo d'Avila, Rodrigues de Freitas, José Luciano, J. M. dos Santos, Lourenço de Carvalho, Pinheiro Chagas, Paes Villas Boas, Thomás de Carvalho, Visconde de Moreira de Rey, Visconde de Valmór, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram — os srs.: Camello Lampreia, Silveira Vianna, Mexia Salema, Camara Leme.

Abertura — Á meia hora depois do meio dia.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA

Officios

1.° Do ministerio da justiça, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Dias Ferreira, a certidão contendo os autos do corpo de delicto, relativos aos processos instaurados no juizo de direito da comarca de Macedo de Cavalleiros, contra o administrador do concelho e outros.

Para a secretaria.

2.° Do ministerio dos negocios estrangeiros, remettendo 110 exemplares dos relatorios dos consules de Portugal, ácerca do commercio em geral.

Para a secretaria.

Mandaram-se distribuir os relatorios.

Representação

Da camara municipal do concelho da Lagoa, ácerca da maneira pela qual se estão arrecadando os fóros, censos, pensões e juros da fazenda nacional no districto do Algarve.

Á commissão respectiva.

Notas de interpellação

1.ª Desejo interpellar o sr. ministro da guerra, sobre a não execução do decreto com força do lei de 26 de dezembro de 1868, no qual se determina que aos conselhos administrativos das praças de S. Julião, Peniche, forte de Nossa Senhora da Graça e do asylo dos invalidos, se abone a cada um a quantia annual de 144$000 réis, para pagamento aos presbyteros que nas indicadas localidades se obrigassem a exercer as funcções que eram incumbidas aos extinctos capellães militares.

Sala das sessões da camara, 28 de agosto de 1871. = João José de Alcantara.

2.ª Pretendo interpellar o ex.mo sr. ministro da guerra, sobre os motivos que têem obstado a que não sejam chamados ás armas os contingentes de recrutas dos recrutamentos de 1869 a 1870, e de 1870 a 1871.

Sala das sessões da camara, 28 de agosto de 1871. = José Tiberio de Roboredo Sampaio e Mello.

3.ª Desejo interpellar os srs. ministros do reino e das Obras publicas, ácerca da estrada da Covilhã.

Sala das sessões da camara, 28 de agosto de 1871. = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

4.ª Desejo interpellar o sr. ministro da guerra, ácerca da lei que n'esta casa foi approvada na sessão de 3 de junho, e que estabelece um credito de 300:000$000 réis para as fortificações do reino.

Sala das sessões da camara, 28 de agosto de 1871. = Alberto Osorio de Vasconcellos, deputado por Trancoso.

5.ª Requeiro que me seja permittido tomar parte na interpellação annunciada pelo sr. deputado por Villa Real, ácerca do encerramento das conferencias no casino.

Sala das sessões da camara, 28 de agosto de 1871. = Alberto Osorio de Vasconcellos; deputado por Trancoso.

Mandaram-se fazer as devidas communicações.

SEGUNDAS LEITURAS

Renovações de iniciativa

1.ª Os abaixo assignados, deputados por alguns dos circulos dos districtos de Bragança e Villa Real, renovam a iniciativa do projecto de lei apresentado na sessão de 15 de abril de 1871, e que tem por fim alterar o modo de percepção do imposto predial e pessoal nos dois districtos acima mencionados.

Sala das sessões da camara, 28 de agosto de 1871. = Conde de Villa Real = Antonio Julio Castro Pinto de Magalhães = Antonio José de Barros e Sá = Lourenço de Carvalho = Agostinho da Rocha Peixoto.

2.ª Renovo a iniciativa do projecto n.º 164, de 1864.

Sala das sessões da camara, 28 de agosto de 1871. = O deputado por Elvas, João José de Alcantara.

Foram admittidas, e enviadas com os projectos ás commissões respectivas.

O sr. Presidente: — Vae ler-se pela terceira vez o projecto de reforma da carta constitucional, apresentado pelo sr. Francisco Mendes, e votar-se sobre a sua admissão á discussão.

Leu-se na mesa o seguinte

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Projecto de lei

I

Senhores. — A primeira e a mais sagrada obrigação dos que têem a seu cargo o governo e a inspecção das cousas publicas nos estados regidos por livres instituições é, sem duvida, o velar cuidadosamente para que não haja desharmonia nem conflicto entre as leis constitucionaes de cada povo e o estado da sua opinião e dos seus progressos politicos e sociaes.

É por isso que as instituições não podem ser immutaveis, e como que sacrosantas na sua letra, antes devem acompanhar nos seus aperfeiçoamentos successivos o movimento das sociedades. Cumpre-lhes ser antes a expressão verdadeira e sincera das idéas politicas e das necessidades sociaes de cada epocha do que o preceito á priori estabelecido, ao qual uma nação haja de moldar-se infallivelmente, reprimindo as suas naturaes aspirações, e dissimulando as imperfeições e as lacunas do seu codigo fundamental.

Ha perigos imminentes e gravissimos em manter por largo tempo o desaccordo entre as instituições legaes e os costumes politicos de uma nação, entre a letra, que condemna como attentados os actos de mais ampla e mais desassombrada liberdade, e o espirito liberal, que incita e favorece {as conquistas da moderna democracia.

Por isso as instituições dos povos livres, nas idades antigas e modernas, foram sempre verdadeiros organismos, contendo no seu seio o principio da sua progressiva evolução. Uma instituição que se immobilisa torna-se por esse facto antes um monumento archeologico, do que uma feição da vida social. O poder publico uma vez distribuido tende, por uma lei inevitavel da natureza humana, a concentrar-se exclusivamente nos elementos politicos mais bem quinhoados na partilha. As monarchias temperadas degeneram facilmente em autocracias. As sociedades, onde o governo reside n'um patriciado verdadeiro e n'uma sombra de influencia popular, descaem as mais das vezes em duras e incomportáveis oligarchias.

As instituições têem de acommodar-se ao tempo, aos costumes, aos progressos, ao estado social de cada povo. A constituição de Solon, que foi na antiga Athenas uma conquista valiosa dos direitos populares contra a oligarchia, era já em face das reformas democraticas de Clisthenes uma constituição aristocratica e impopular. Nenhum cidadão inglez, cioso de seus fóros, volveria contente á monarchia dos Tudors e dos Stuarts, nem veria complacente que o governo do seu paiz se inspirasse nos exemplos e dictados de sir Robert Walpole e da era georgiana. As liberdades que parecem grandes e preciosas, quando um povo sáe da oppressão, já com rasão se lhe afiguram estreitas e mesquinhas, quando se habituou a respirar mais desafogado tutellas governativas. Toda a luz é intensa para os que surgem das trevas; toda a praça larga para os que romperam os seus grilhões.

Nenhuma fórma de governo se compadece menos do que a monarchia representativa, com que seja inalteravel a constituição. E são obvias as rasões d'esta verdade, aliás eloquentemente comprovada com a historia de quasi todos os estados europeus, principalmente desde a grande revolução, que nos fins do seculo passado formulou e diffundiu as doutrinas da liberdade e do governo popular.

A monarchia representativa é uma transacção entre a corôa e a liberdade, um mechanismo inventado com o proposito de resolver o mais difficil porventura de todos os problemas sociaes, o de tornar cooperadores na obra commum de reger e encaminhar a sociedade a dois poderes quasi sempre antagonistas — a realeza e a democracia; a realeza, cifrada n'um chefe hereditario, impeccavel, sagrado, irresponsavel, segundo a ficção da lei; e a democracia, representada no povo, que invoca como um direito superior e anterior a todos os imperios e dynastias, o direito de se governar a seu talante, e entender por si ou por seus representantes electivos no concerto e direcção dos negocios publicos.

Antigamente o povo e a realeza affrontaram-se e lutaram, buscando a realeza firmar e engrandecer as que chamava suas inauferiveis prerogativas; lidando o povo por alargar as suas liberdades e franquezas, tirando-lhes o caracter humiliante de uma concessão real, para lhes imprimir o sêllo da verdadeira magestade, d'esta que, com justificado titulo, se podéra appellidar de direito divino, porque se funda na rasão da humanidade.

A monarchia representativa como que legalisou a contenda immemorial entre os poderes exclusivos e os elementos populares, que tendiam mais e mais á democracia. Deu fórma regular e pacifica a este litigio permanente entre o governo de um só e o governo de muitos ou de todos. Repartiu e delimitou melhor os campos, attribuindo ao rei uma parte, a mais avultada e effectiva do poder politico, e reservando ao corpo da nação, antes os instrumentos e as seguranças de censura e de opposição, do que os meios eficazes de participar activamente no governo.

O chefe hereditario da nação está no mais eminente logar, vestido pela carta com todas as armas constitucionaes para estas justas, incessantes e pacificas, em que a democracia prova a cada passo o seu brio e o seu esforço, e em que não raro os representantes do direito popular são vencidos pelo herdeiro da tradição. O rei é, segundo a carta, o magistrado supremo da nação, investido no direito illimitado de nomear e demittir os membros do governo, de convocar os mandatarios populares, e adiar e dissolver as suas assembléas. O segundo ramo da legislatura deve ao rei a sua origem, porque a prerogativa póde com uma simples carta regia converter em um momento o mais obscuro cidadão n'um perpetuo legislador. Alem da sua acção directa nas duas casas do parlamento, o rei constitue a ultima instancia da legislatura, e uma palavra sua, expressão do veto imperativo, basta para annullar o decreto da nação, formulado pelos seus representantes. O rei não julga, mas perdoa e commuta as penas impostas pelos tribunaes, e em certos casos, nas amnistias politicas, antepõe-se á livre acção da justiça, e com o sceptro quebra os grilhões dos encarcerados, ou restitue a patria aos que vagavam exules em terra estranha. A força armada pende do seu arbitrio. Os empregos publicos são por elle conferidos, e em grande numero de casos sem que a lei prescreva as condições da sua collação. As honras e as mercês com que ás vezes se costumam premiar os meritos e os serviços, e não raro se contentam as ambições e se lisonjeiam as vaidades, são discricionariamente repartidas pelo rei, o qual, alem dos meios directos por que exerce a sua auctoridade, tem ainda nos favores da munificencia uma nova origem de influencia e de poder.

A monarchia representativa attribuindo ao rei dois poderes exclusivos — um d'elles em theoria illimitado — o poder moderador e o poder executivo, conferindo lhe pela sancção e pelo veto a mais alta intervenção no poder legislativo, levanta no meio de uma sociedade regida por mais ou menos livres instituições, um arbitro supremo que — em principio — tem prerogativas quasi iguaes ás do imperante na antiga monarchia, e ademais o precioso privilegio com que a lei fundamental o isenta de toda a responsabilidade, o proclama immune de toda a culpa, e o declara a fonte e manancial de todo o bem, e por isso incapaz de fazer ao povo o menor mal.

A corôa, como poder moderador, tem pela dissolução do parlamento o direito de annullar a seu arbitrio a vontade nacional, e de manter á frente dos negocios os homens, que tenham perdido ou não hajam nunca podido conquistar a sympathia e a confiança popular. Como poder executivo, e pela sua vasta e crescente influencia, tem a perigosa faculdade de encaminhar em seu favor a corrente eleitoral, alterando frequentes vezes a genuina expressão do suffragio publico, e dando aos ministerios a apparencia do consenso

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popular nas proprias occasiões em que lhes é mais adversa a opinião.

II

Em frente da corôa, e lutando por contrapesar a larga influencia que lhe dá a lei e a tradição, levanta-se o elemento democratico, nem sempre como um activo collaborador na empreza de reger o estado, senão como um emulo cioso de seus brios e mal soffrido de que o chefe da nação ultrapassa em damno da communidade, os limites do seu poder constitucional.

E quaes são os instrumentos com que o povo póde segurar as suas liberdades contra os abusos tão frequentes do poder? São uns directos; os outros indirectos. Pelos primeiros o povo concorre officialmente ao governo da nação. Pelos segundos exerce como que uma potestade tribunicia, cujo veto não tem sancção reconhecida pelas leis, e que na esphera legal só póde produzir os seus effeitos salutares pelo influxo de uma instituição extra-official e consuetudinaria — a censura politica e a força moral da opinião.

Os instrumentos directos, que a lei fundamental faculta ao povo para equilibrar em certa maneira a omnimoda auctoridade do monarcha, resumem-se todos na eleição dos seus representantes e nas attribuições legislativas da assembléa popular.

As duas causas principaes de influencia para a corôa são: o ter ao seu dispor a força publica e o poder a cada passo levantar pelo tributo os subsidios de que careça para exercer a sua acção. Pelo voto annual do imposto e da despeza e pela fixação da força publica, a representação nacional tem a faculdade, mais apparente que effectiva, de negar os recursos e os exercitos aos governos de que descrê, e de se prevenir e acautelar contra os desmandos e usurpações, que fariam descair em verdadeira tyrannia o governo da nação.

Contra estas armas populares, que são o Aventino e o Monte Sacro da moderna democracia, tem a corôa, porém, o adiamento, o veto, a dissolução, o direito de modificar a seu sabor a segunda camara, e de a separar cada vez mais dos interesses populares, de que a traz quasi sempre divorciada a sua indole essencialmente aristocrática e a sua perpetuidade hereditaria.

Para reforçar o povo na sua perpetua contenção com o poder, que não emana directamente do seu seio, é preciso que a lei fundamental assegure aos cidadãos tres grandes immunidades naturaes, primitivas, incontestaveis, anteriores e superiores a todo o pacto constitucional.

A primeira é a liberdade do pensamento e da sua expressão oral e escripta.

A segunda é o direito de pacifica associação.

A terceira é a faculdade de se reunirem os cidadãos para discutir os assumptos do governo e accordar nos meios pelos quaes possa prevalecer, a vontade da nação.

O combate dos diversos elementos populares com as attribuições legaes ou abusivas do poder, é a monarchia representativa, ou esta fórma de governo, em que a realeza hereditaria cede ao povo uma parcella na gerencia dos interesses sociaes. São varias as alternativas d'este certame politico, em que umas vezes a corôa alcança reprimir as aspirações mais ou menos democraticas, e outras vezes o povo consegue firmar nas instituições ou nos costumes uma nova immunidade, uma nova concessão na partilha do poder.

A historia constitucional da monarchia britannica, porque é a mais dilatada e a mais copiosa de factos parlaraentares, offerece no decurso de muitos seculos os mais notaveis exemplos da luta constitucional, e da successiva evolução, pela qual o povo tem procurado em cada epocha restaurar o equilibrio, amiudadas vezes roto pela audaz preponderancia dos soberanos.

Desde que, sob o influxo do conde de Leicester, o povo apparece pela primeira vez como um elemento essencial no parlamento britannico; desde que, pelo celebre estatuto De tallagio non concedendo, o rei Eduardo I reconheceu solemnemente e consagrou na constituição, que nenhum imposto podia levantar-se sem o livre assentimento das assembléas da nação; desde este primeiro esforço do governo parlamentar até ao reinado do infeliz Carlos I, a constituição britannica, ora com as armas em diuturnas e cruentas guerras civis, ora com os civicos esforços nas lutas da palavra, experimenta uma larga e fecunda transformação. Pela famosa petição dos direitos confirmaram-se e ampliaram-se os antigos fóros populares, tantas vezes ultrajados, principalmente sob o despotismo dos Tudors. A insensata persistencia, com que a casa dos Stuarts intentou depois do seu primeiro desthronamento renovar o direito divino, e a monarchia absoluta segundo James I a havia formulado, justificou a revolução que poz no throno o principe de Orange e com o bill of Rights (o acto sobre os direitos dos cidadãos) enlaçou finalmente a realeza com os fóros imprescriptiveis de nação. Não parou comtudo em 1689 a continua transformação das leis fundamentaes na Iuglaterra liberal. Em 1829 os proprios conservadores expungiram da constituição britannica estas opprobriosas incapacidades, que negavam a plenitude dos direitos de cidadão aos catholicos inglezes e revogando os actos de Test e Corporation, lançaram os fundamentos á liberdade de consciencia. Em 1832 o Reforn Bill firmou em bases mais conformes ás liberdades populares a representação parlamentar. Finalmente irrompeu a democracia pelas novas e largas ampliações introduzidas no direito do suffragio pela recente reforma eleitoral.

É a monarchia representativa, no dizer de um dos mais celebrados escriptores e estadistas da Gran-Bretanha — um systema de forças concorrentes. Da intensidade e direcção da sua resultante depende a efficacia do seu trabalho e a estabilidade do mechanismo em que funccionam.

Para remediar os inevitaveis desequilibrios do systema, restituir ao apparelho constitucional o seu movimento regular, e premunir a nação contra as turbações e discordias civis, não ha outro meio pacifico e legal senão a reforma das instituições, e a correcção dos seus defeitos, quando a experiencia os tem reconhecido o a consciencia publica os tem devidamente condemnado.

As armas, com que a lei apercebeu os cidadãos para resistirem ao poder, em tempos de menos rasgadas aspirações, já hoje são insufficientes para refrear os seus abusos.

A regra dos progressos sociaes na humanidade, é que a democracia avance e conquiste palmo a palmo o seu terreno, e que os poderes tradicionaes vão cerceando mais e mais as suas a principio quasi illimitadas attribuições.

III

As necessidades reaes de cada povo são as que devem determinar as suas reformas politicas e sociaes. Mas é bem que nos exemplos estranhos attentemos seriamente, não para que sejam elles a rasão exclusiva do nosso proceder, senão para que nos allumiem nos passos mais obscuros do caminho com a luz da experiencia alheia. E quando vemos que as monarchias representativas, onde é melhor quinhoada a democracia, são as que mais asseguram com a paz e liberdade o bom governo, não o rasão que nós fiquemos atidos a uma imperfeita constituição, á espera de que a tenção crescente da opinião final se desata em temerosas explosões.

Nenhum povo de origem latina se rege presentemente por uma constituição tão ciosa como a nossa de toda a larga interferencia popular. Não admira que o Brazil obedeça a um codigo politico, em que se canonisa e se respeita a soberania nacional; sempre as colonias, quando emancipadas, souberam dar lições de liberdade ás metropoles, encadeadas á tradição. Na Europa achâmos exemplos concludentes de que a purpura dos réis se póde roçar sem perigo pela toga dos cidadãos. A Belgica, um dos povos mais florescentes e pacificos, associou sem quebra da sua paz e da sua prosperidade, uma dynastia electiva ás formas de uma

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republica: Por que no artigo 25.° da sua constituição se escreveu: «Tous les pouvoirs émanent de la nation»; por que se applicou rigorosamente este axioma á formação electiva das duas camaras; porque no artigo 72.° se limitou ao rei o poder de adiar o parlamento, e pelo artigo 70.° se attribue ás camaras a faculdade de se reunirem de pleno direito, quando não hajam sido convocadas pelo chefe da nação; não adveiu á Belgica senão o mais firme equilibrio dos poderes e o mais solido penhor da ordem constitucional.

A Hespanha, depois de tantos esforços improficuos para tutelar a liberdade, decretou, em congresso soberano da nação, uma nova lei fundamental, em que se deu ao elemento democratico uma larga influencia no governo do paiz. A Italia, nascida ainda ha tão poucos annos para a unidade nacional e para as franquezas populares, não comprehenderia certamente como uma nova nação, nascida da liberdade, poderia vincular os seus destinos a decrepitas instituições.

Ha na carta constituicional da nossa patria principios que, alem da sua flagrante contradicção com a idéa da soberania popular e da igualdade politica dos cidadãos, estão em manifesta hostilidade com os progressos da nossa lei civil. A camara dos pares é um dos mais claros testemunhos d'esta geral affirmação.

Quando em toda a Europa continental a lei civil decretou a desamortisação da terra, que é a fonte da vida material, não se póde conceber como ainda entre nós com um patriciado facticio e inconsistente se conserva em morgado a liberdade, que é a aura fecundíssima da vida espiritual.

E dizemos a liberdade, porque a sua manifestação mais preciosa e mais fecunda, é que seja o povo quem faça representar a sua vontade e soberania em todas as assembléas legislativas. E está fraudada a liberdade, quando dos tres ramos do poder de fazer leis apenas um depende do suffragio popular.

Tem tido Portugal tres constituições depois que na sua primeira revolução proclamou os seus fóros populares. Duas foram escriptas pelos representantes electivos da nação; uma foi outorgada por um soberano. Os codigos populares, o de 1822 e o de 1838, consignavam expressamente que toda a soberania reside era a nação, e que d'ella se deriva todo o poder e auctoridade. A carta dictada pelo Senhor D. Pedro IV pretendeu filiar a liberdade na antiga monarchia, manter a continuidade entre as velhas e as novas instituições, e deixando na penumbra a questão das origens do poder, consagrou tacitamente o direito divino dos imperantes.

A primeira tentativa de firmar o governo do paiz e assegurar as liberdades n'uma realeza circumdada por democraticas instituições, conseguiu anniquila-la o absolutismo, apoz tres annos de regimen liberal. Não fôra porém esteril a empreza gloriosa d'aquelles patrioticos varões que em 1820 tinham promovido e encaminhado a revolução. O absolutismo começou a descrer de que em face dos progressos politicos de toda a Europa fosse estavel e duradoura a sua exclusiva dominação. Os monarchas para conciliar com os votos liberaes dos povos, que regiam, o direito das suas dynastias, consentiram em outorgar, de motu proprio, novos codigos politicos, por maneira que a dependencia dos seus subditos e a tacita negação da soberania nacional ainda fosse consignada nas suas constituições. O Senhor D. Pedro IV em parte pela indole liberal do seu espirito, e principalmente pelas exigencias da occasião, formulou na carta de 1826 os principios da monarchia representativa. A carta porém outorgada por um principe, como a generosa alforria dos seus vassallos, só pôde conquistar passageira auctoridade quando o povo portuguez no heroico plebiscito dos campos de batalha, dos exilios, dos carceres e dos patibulos, a aceitou e defendeu. O baptismo de fogo sanou as maculas da sua origem. Na obra dos réis imprimiu a revolução o sêllo popular. Tão certo é, como o affirma um grande estadista inglez contemporaneo, que é no seio das chammas e na bigorna da agitação que a liberdade recebe a fórma, a tempera e o vigor.

A carta foi uma bandeira, a cuja sombra póde pelejar-se a cruzada gloriosa da liberdade. Era bastante para a conquistar, insufficiente porém para a manter. Dois annos apenas haviam decorrido depois que principiára a funccionar regularmente o regimen representativo, e já as imperfeições d'aquelle codigo influiam nos espiritos a profunda convicção de que nem as liberdades populares tinham nos seus artigos uma incontrastavel segurança, nem o governo democratico, mal esboçado n'essa lei fundamental, tinha força para soffrear e corrigir os abusos do poder. O desequilibrio entre a constituição e as opiniões dos cidadãos levou, como succede quasi sempre, á revolução. Da revolução saíu a constituição liberal e democratica de 1838, a qual, havendo regido este paiz cerca de quatro annos, cedeu o passo á infausta restauração da carta constitucional em 1842. E é digno de reparo, que muitos dos mais eminentes homens publicos, a quem a revolução tivera por contrarios, depois de haverem aceitado o codigo politico de 1838 e com elle vivido e governado, viram com desprazer a intempestiva exhumação da carta constitucional, já lendo no futuro as sanguinolentas contenções que haviam de trazer por largos annos dividido e enlutado o povo portuguez.

IV

Aggravadas pela differença dos tempos e das circumstancias, militam hoje em favor de uma larga reforma constitucional as mesmas rasões que em 1836 traziam descontente o espirito publico e occasionaram a promulgação de novas e mais perfeitas instituições. Os erros de mui longe accumulados, as experiencias mallogradas, o espectaculo frequente da mais flagrante desharmonia entre os poderes do estado, as repetidas e abusivas appellações ao poder moderador, o facto singular e politicamente monstruoso de se conservarem ministerios sem maioria no parlamento, e sem adherentes politicos no paiz, as resistencias tenazmente oppostas por influencias oligarchicas a todo o proposito de larga reducção nas despezas publicas, condição essencial do equilibrio do orçamento, e premissa indispensavel para o facil levantamento de novas imposições, o profundo descontentamento que lavra em todo o reino, o menosprezo em que são tidos habitualmente os recursos legaes, pela convicção da sua inefficacia, — triste symptoma de que já a constituição não é havida por escudo protectorados nossos fóros, nem preciosa garantia de governo popular —, tudo nos está annunciando que é chegada a hora de attentarmos nas enfermidades sociaes e buscar-lhes remedios efficazes.

Em toda a parte as sensatas reformas politicas são a condição de todas as demais reformações. O governo para ser fecundo ha de ser harmonico e comsigo mesmo congruente. Uma gerencia popular da fazenda publica, uma administração civil fundada em principios democraticos, mal podem coexistir com instituições politicas em que não estejam visivelmente accentuadas as feições da democracia. É um erro gravissimo o suppor e declamar que as formas do governo são indifferentes ou inertes na decadencia e na prosperidade nacional, e que todo o problema social está cifrado em balancear á justa a conta corrente das nações. E são frequentes na historia contemporanea as provas d'esta asserção. A França em 1789, para que podesse resolver as suas questões economicas e sociaes, começou por alluir a velha monarchia e assentar a liberdade no throno de S. Luiz, A Hespanha ainda não ha tres annos para dirigir a novo rumo o seu governo pessoal e oppressor, alterou profundamente as suas instituições fundamentaes e levantou ao solio hereditario de Carlos V um filho do suffragio popular. A França, ultimamente cercada de desastres, no meio da sua mal afortunada heroicidade, para que podesse reparar os males de uma larga dictadura militar, exornada com a chlamyde imperial, mudou inteiramente a sua fórma de governo. Tão certo é e verdadeiro que, para corrigir os achaques multiformes de uma nação, se hão de modificar antes

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de tudo as condições dos seus orgãos principaes, de cujas regradas funcções e movimentos pende o concerto e harmonia da vida social.

A liberdade, na sua mais ampla significação, comprehende duas ordens distinctas de direitos e de immunidades. Os direitos individuaes e os direitos collectivos. A primeira cathegoria pertencem os direitos inherentes á personalidade humana, a propriedade, a segurança, a liberdade individual, a liberdade da consciencia e a do pensamento, com os seus complementos naturaes, a liberdade da fé e a da palavra. A segunda cathegoria se referem todos os direitos que cada membro da nação só póde exercer em concorrencia com os seus concidadãos, e no seu exercicio desassombrado de toda a restricção illegal e oppressiva, consiste a acção collectiva e popular no governo do paiz.

A liberdade é ao mesmo tempo o direito da pessoa e o direito de governar. E ao mesmo tempo immunidade e soberania. A ausencia de uma d'estas duas eminentes faculdades quando a outra subsiste, argue um estado imperfeito da sociedade. A sua coexistencia constitue a verdadeira democracia. Uma constituição popular deve, pois, assegurar aos cidadãos não sómente as chamadas garantias individuaes, senão tornar effectivo o governo das maiorias e converter n'uma força verdadeira a opinião.

O povo não póde nos modernos estados, extensos e populosos como são, exercer directamente a soberania, como a cidade hellenica na ecclesia ou convocação universal dos cidadãos. A sua auctoridade principal, a legislativa, deve residir nas assembléas nacionaes. Todo o corpo legislador que não recebe do suffragio popular o seu mandato, ou é uma perigosa oligarchia no seio do estado, ou é apenas um senado obediente ao voto de um poder supremo, que o ameaça a cada instante com uma larga promoção de novos pares. Quanto quis illustrior, tanto magis falsi et festinantes, como do senado romano, em sua extrema decadencia, escreveu Cornelio Tacito.

É preciso, pois, que o poder legislativo resida em assembléas, saídas do voto nacional, porque a nação não póde voluntariamente reconhecer por seus representantes aquelles que ou acharam no berço o seu privilegio de legislar, ou aceitaram da real munificencia o direito de invalidar ou corrigir os decretos dos mandatarios populares.

Uma das mais urgentes reformas a introduzir na carta constitucional é, pois, a de converter n'um senado electivo a actual camara dos pares. Nenhuma rasão politica ou social póde, não diremos confutar, mas sequer escurecer as palpaveis contradicções de um patriciado hereditario com o principio fundamental e sacrosanto da igualdade politica dos cidadãos. Não existe em Portugal um corpo aristocratico, a quem a grande concentração da propriedade e a auctoridade da tradição tornem distincto do estado popular, por algum d'estes decisivos caracteres, que em todas as oligarchias antigas e modernas deram rasão de ser a um patriciado legislativo. Uma camara de pares politica, senão socialmente similhante á de Portugal, não existe hoje, não existiu jámais na Europa continental. Viveu, culminou e principia agora a decair sensivelmente n'uma nação, onde, por um singular paradoxo politico, os costumes e as praticas da moderna liberdade parece que vivera em legitimo consorcio com as ultimas reliquias do feudalismo. Na monarchia britannica os lords actuaes são por uma quasi ininterrupta tradição os successores ou os herdeiros d'aquelles barões altivos e poderosos que na sua luta com o rei João fizeram da Magna charta o primeiro pergaminho das liberdades nacionaes. Ali a nobreza é aristocracia, no genuino significado da palavra. So a timocracia, ou a influencia governativa da propriedade e da opulencia, como a admittiram e praticaram as republicas da Grecia antes de as conquistar a democracia, podesse ser, perante o direito e a rasão, um monopolio de governo, a camara alta na Inglaterra poderia invocar em sua defeza esta origem do poder.

Em Portugal, porém, nenhum fundamento historico ou politico, nem a tradição nem a realidade, nem a riqueza, nem o talento, nem os exemplos do passado, nem as idéas do presente justificam uma igual instituição. A nobreza não é já uma ordem distincta e superior ao estado popular. A lei politica, inconsistente e contradictoria, despojou-a de todas as suas antigas immunidades, deixando-lhe apenas o direito hereditario de legislar. O direito civil completou o nivelamento, imprimindo nas leis successorias, que não padecem excepção, o sêllo da igualdade democratica. A lei penal completou a fusão das antigas classes sociaes. Singular e inexplicavel contradicção! Todas as leis, pelo impulso irresistivel da opinião, consagram a igualdade e a democracia. As reliquias de antigos privilegios, as ultimas desigualdades sociaes, sómente na lei politica encontram hoje ainda o seu refugio extremo, a sua derradeira cidadella.

V

Erigidas igualmente as duas assembléas da nação sobre o fundamento do voto popular, e sujeitas ambas em principio á lei da periodicidade e renovação, não estão ainda asseguradas as liberdades nacionaes, emquanto se não definem claramente os limites do poder exercido pela corôa. A prerogativa do imperante não póde ser illimitada. Nem basta que a indefinida extensão das suas attribuições, tal como a consagra o codigo politico, tenha apenas por correctivo o influxo moral da opinião, as advertencias da imprensa, os conselhos da tribuna, a pacifica agitação dos cidadãos. As leia devem computar, como elemento imprescriptivel das suas combinações, a humana fragilidade e as suas ingenitas paixões. Decretar na carta uma alta magistratura individual, omnipotente, irresponsavel, sagrada, inviolavel, a verdadeira apotheose do poder, fingir um ente politico sobrehumano, senta-lo n'um Olympo ethereo, sob um firmamento transparente, cingir de nuvens o erguido pedestal, sem que a tormenta das lutas sociaes altere a perpetua serenidade d'este vulto quasi divino, e decretar que este soberano jamais póde, fazer mal, é infelizmente uma d'estas sublimes concepções, que nunca poderam irromper das aereas regiões da idealidade até aos mundanos theatros da politica.

Humano é o supremo chefe de um estado, como são tambem humanos os cidadãos, a quem impera, e humanos tambem os interesses que dirige. Tem no animo real o seu logar inevitavel as paixões. Na contenda immemorial entre a corôa o a democracia não é possivel supprimir no espirito do monarcha as imperfeições e os defeitos, assim como não é dado converter a democracia n'uma pura abstracção, desprendida inteiramente de egoismo e de ambições. E se as instituições premunem os estados contra os desregramentos populares em beneficio de um só principe, não se entende a prudencia, a rasão e a justiça com que nas mesmas instituições se deixam tantas vezes os direitos de um povo inteiro á mercê da prerogativa. Antes é justo e necessario, que o braço da balança politica se reparta por tal arte entre as duas forças que o actuam, que o equilibrio se mantenha e não sejam frequentes as perigosas oscillações. Se importa aos réis limitar a democracia, para que transbordando de seu alveo, não seja torrente impetuosa, não menos pertence aos povos balisar o campo da realsza para que não degenere em usurpação. Porque se a demagogia, que é a febre do organismo popular, arrisca a liberdade pelo excesso, o arbitrio, que é a innata propensão dos poderes sobejamente concentrados e principalmente dos que são hereditarios, póde, confiscando a liberdade, provocar a revolução.

Já um escriptor e estadista, que não é suspeito ás monarchias, o sr. Guizot, disse com a lucida intuição do seu talento: «O segredo da liberdade está em dar iguaes a um poder, a que se não póde dar um superior. Este é o principio que deve presidir á organisação do governo central; porque só com esta condição nos podemos precatar contra

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o estabelecimento do despotismo no centro do estado». Demos pois ao rei ao menos um igual — a democracia.

E com a definição do poder moderador, qual se lê na carta constitucional, o arbitrio convizinha de mui perto com o uso legitimo d'aquella soberana faculdade. Na antiga monarchia, em que o rei era ao mesmo tempo patriarcha de uma grande tribu nacional, o supremo proprietario pelo dominio eminente de todo o territorio, exclusivo legislador, juiz universal, eram puramente voluntarias as restricções do seu poder. Determinava-as a consciencia ou a rasâo d'estado; os escrupulos do confessionario ou o aviso do seu conselho. Na actual monarchia representativa, o uso prudente do poder moderador não conhece outro limite mais que o liberalismo do soberano, a rectidão do seu espirito, e a probidade do seu caracter particular. Ponde a carta, com as suas iminensas prerogativas da realeza, nas mãos de um monarcha aventuroso e mal soffrido de coacções populares á sua acção, cingi-lhe o gladio da força material, e o governo estatuido no codigo politico facilmente se ha de converter em pessoal e exclusiva dominação. A historia demonstra com successos numerosos o que n'este ponto à priori podemos inferir das leis invariaveis que regulam as paixões.

Mal vae ao povo, cujos destinos podem n'uma dada conjunctura pender inteiramente do alvedrio de um só homem. E note-se que, para aggravar o mal de um poder moderador illimitado, a pessoa que o exerce recebe nas fachas infantis o direito de reinar. E se nos magistrados que se elegem, por que se pesaram os seus dotes naturaes, seria perigosa a omnipotencia, quanto mais o não será quando a corôa, por um mimo da fortuna, caír na fronte de quem só possue para o arduo officio de reger os menos vantajosos predicados — a descendencia e a herança? Nem a Washington, com ser o mais perfeito modelo de virtudes civicas, investiriam os seus concidadãos na plenitude do poder. E na monarchia representativa (onde as dynastias sómente se podem justificar com rasões de conveniencia) havemos de confiar aos acasos do nascimento uma auctoridade sem fronteiras? A hereditariedade, que é nos organismos uma lei, não se verifica infelizmente na transmissão dos talentos e das virtudes. Se a eleição, acertando com os levantados espiritos e as singulares qualidades do sujeito, encontrou no mestre de Aviz o defensor das liberdades nacionaes, deu o acaso ao seu fraco antecessor o infausto direito de arriscar a independencia do paiz.

Não contemos, pois, demasiado com a indole e a condição do rei constitucional, e façamos da constituição o mais firme antemural contra as debilidades e paixões que podem annuvear a lealdade e o juizo do chefe hereditario da nação.

Nem se pense que seja uma insolita e descommedida pretensão o propor que, n'uma larga reforma constitucional, se circumscrevam e demarquem as attribuições do poder moderador. Segundo a constituição da Belgica (artigo 70.°) o rei não póde obstar a que as camaras estejam reunidas quarenta dias pelo menos em cada anno; o rei finalmente (artigo 71.°), dissolvendo o parlamento, é obrigado a convocar dentro de quarenta dias os collegios eleitoraes; o rei (artigo 72.°) não póde adiar os corpos legisladores por mais de um mez, nem renovar na mesma sessão o adiamento, sem que n'este ultimo caso preceda o assentimento das duas assembléas.

Limites similhantes impoz a constituição hespanhola de 1869 ao chefe da nação. O rei não póde (artigo 71.°) adiar as côrtes mais do que uma vez em cada sessão legislativa sem o consenso da representação nacional; não póde (artigo 43.°) tolher ao parlamento o direito de estar reunido pelo decurso de quatro mezes em cada anno, a contar do momento em que estejam constituidas as duas assembléas; no caso de dissolução, o rei é obrigado a convocar as côrtes dentro de noventa dias. Em ambas as constituições se impõe ao soberano a obrigação de dissolver o parlamento apenas elle haja decretado a necessidade de se prover á reforma da constituição.

É já proverbial n'este paiz o affirmar-se a cada passo que o systema representativo está profundamente viciado, e que as mais das vezes é a sombra do governo parlamentar a que preside aos negocios da nação. E é já hoje manifesto, que as graves anomalias a cada instante reveladas em o nosso mechanismo governativo, arguem e denunciam uma grande imperfeição nas presentes instituições. E de feito a que outra causa havemos de attribuir racionalmente esta quasi permanente exorbitancia e confusão de todos os poderes politicos? A qual outra as numerosas dissoluções do parlamento no decurso de poucos annos? A qual outra a conquista do poder por meios inconstitucionaes ou violentos? A nomeação e a quéda dos gabinetes fóra de toda a acção parlamentar? As dictaduras da necessidade ou da ambição? A inefficacia das assembléas populares para firmar em seguros fundamentos a administração e a fazenda?

Tudo isto provém innegavelmente do arbitrio illimitado do poder moderador e da defeituosa organisação do poder legislativo. A estes dois pontos fundamentaes cumpre attender, segundo principios largamente liberaes, na reforma da nossa constituição.

VI

Não é sómente porém n'estes capitulos que o nosso codigo está hoje antiquado e desconforme ao estado da opinião, aos progressos politicos e sociaes, e aos exemplos das nações, que por laços de communhão e de familia nos são mais similhantes e conjunctas. Se a carta tem apenas esboçadas em lineamentos imperfeitos as fórmas de um governo democratico, não são menos para lastimar as lacunas e imperfeições com que está redigido o mais importante dos seus titulos, aquelle em que se consagram e garantem os direitos dos cidadãos. Cotejando n'esta parte a nossa carta com as outras instituições, que já tivemos, e com as dos povos europeus e americanos, que souberam alliar em mais sincera fraternidade a democracia e a realeza, se põe de manifesto a estreiteza presente das nossas liberdades. Se podemos transpor algumas vezes as raias, que nos marcaa letra da lei fundamental, é aos costumes politicos e ás tendencias altamente liberaes da nossa epocha e do nosso povo que devemos attribuir esta diminuta ampliação dos nossos fóros. Porque, se houvessemos de ater-nos estrictamente á sentença da carta constitucional, apenas gosariamos d'estas poucas e raras liberdades, que a propria monarchia absoluta, mas sensata, já hoje se pejaria de negar ou entorpecer.

O artigo 145.° da carta confere unicamente aos cidadãos: 1.°, o habeas corpus, ainda assim mal definido na sua applicação; 2.°, o direito de propriedade; 3.°, a liberdade na publicação do pensamento, e esta com tão pouco determinada significação, que ainda ha pouco o paiz presenciou o encerramento de umas conferencias litterarias, sem que na sua prohibição se tivesse observado a minima das solemnidades, que podem garantir a liberdade da palavra.

Onde estão, porém, estes fóros, que são por assim dizer immemoriaes na constituição moral de todas as sociedades livres e cultivadas? Onde está na carta reconhecido o direito imprescriptivel de inerme reunião? Onde a faculdade de se associarem livremente os cidadãos? Onde está assegurada, não apenas a tolerancia para com o dissentimento no credo religioso, mas a liberdade da consciencia, a primeira, a intima, a indestructivel liberdade, porque tem por seu forum a alma do cidadão, porque é o templo vivo e immaterial, onde o espirito do homem entra em mystica e estreita communicação com o espirito de Deus? Onde estão estas preciosas liberdades, que por um lado congregam os cidadãos para oppugnarem os arbitrios do imperante, e por outro lado lhes servem de guarida contra os arremeços da intolerancia e as ambições da theocracia?

A carta responde com o silencio a taes interrogações.

Até a ordem e o logar, em que apparecem definidos os direitos dos cidadãos, attestam na lei fundamental d'este paiz, que são elles antes uma graciosa concessão, do que o so-

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lemne reconhecimento de primitivas e naturaes immunidades.

O artigo 145.º é o ultimo da carta constitucional. Observa-se n'este codigo a precedencia dos poderes e dos elementos sociaes na antiga monarchia. No cortejo constitucional desfilam primeiro o poder, o rei, os ministros, o conselho de estado, a força militar, a justiça, os impostos. O povo vem no fim d'esta procissão tradicional.

Attente-se agora em como ao revez nas modernas constituições, mais accommodadas á liberdade que á realeza, o povo com os seus direitos e franquias occupa o logar de honra. E não é por uma simples distincção de precedencia, senão por que são as franquezas populares o, fundamento da sociedade e o alicerce da constituição. O titulo segundo do codigo politico na Belgica tem por inscripção: — Des belges et de leurs droits.

Ainda mais formal é n'este ponto a constituição de Hespanha. O seu titulo primeiro tem por epigraphe: — De los espanoles y sus derechos. — Em ambas as constituições o povo apparece no primeiro plano: vem depois poderes, que são apenas a sua emanação. O artigo 14.° da constituição belga e o 21.° da hespanhola, formulam francamente a liberdade religiosa. Na Belgica o artigo 19.° e na Hespanha o artigo 17.° proclamam o direito de pacifica reunião. Na Belgica o artigo 20.° affirma a liberdade da associação, e na Hespanha o artigo 17.° reconhece a mesma immunidade popular.

E a Belgica governa-se livre e independente ha mais de quarenta annos, sem que da centelha das paixões tenha surgido, como entre nós por tantas vezes, a triste conflagração das guerras civis. E a Hespanha, depois de reivindicar pela ultima revolução os seus fóros ultrajados por uma monarchia reaccionaria, depois de coroar na constituição a magestade popular, sentou n'um throno democratico uma nova dynastia. Tão certo é que no mesmo solio póde haver espaço, para que se consociem em mutua e leal correspondencia, quando a nação o julga necessario, o povo e a realeza, — o perpetuo soberano, e o soberano de occasião.

Não estará perfeita a constituição democratica de Portugal, emquanto a estas reformas, que indicâmos, se não juntar a formal consagração de que o governo local e municipal é um direito valioso e complementar das liberdades politicas da nação. É pois indispensavel escrever na constituição do estado os principios fundamentaes em que deve estribar-se o regimen democratico dos districtos e concelhos, e dar um golpe efficaz n'esta centralisação absorvente e exclusiva, sob cujo influxo pernicioso todas as fórmas do governo degeneram facilmente em oppressão, todas as liberdades populares são apenas promessas illusorias, a uma fica sendo um feudo politico da corôa, a corrupção um systema indestructivel, e a degradação do espirito publico uma lastimosa consequencia da larga preponderancia do poder central.

Todas as modernas constituições liberaes, e em particular os codigos politicos de Hespanha (artigo 99.°) e da Belgica (artigo 108.°) estabelecem, como principio e garantia dos fóros democraticos, a autonomia local.

Importa aos imperantes, ainda mais do que aos cidadãos de um paiz livre, o prover sem commoções á cordata reformação das leis politicas. Quando uma constituição é insufficiente ou viciosa, a acção popular finalmente virá a triumphar na empreza reformadora. «Nenhum concerto equitativo (diz o conde Russell, um dos mais illustres e liberaes estadistas inglezes) é possivel entre um rei, que se nega a limitar a sua prerogativa e um povo que exige a limitação».

Profundamente convencidos de que é urgente cuidar na revisão da carta constitucional, por fórma que fique sendo uma constituição liberal e concordante com os principios da moderna democracia, os abaixo assignados têem a honra de submetter á vossa deliberação o seguinte projecto de lei:

Artigo 1.° A camara dos deputados, que succeder immediatamente á presente legislatura, será eleita com plenos poderes para reformar os artigos constitucionaes, definidos pelo artigo 144.° da carta constitucional, incluidos nos titulos III, IV, V, VI, VII e VIII do codigo politico, e os artigos correspondentes do acto addicional.

Art. 2.° Logo que as actuaes côrtes geraes decretarem a necessidade da reforma, na conformidade do que dispõe o artigo 142.° da carta constitucional, mandar-se-ha proceder immediatamente á convocação da nova camara com plenos poderes para reformar a constituição.

Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

Sala da camara dos deputados, em 16 de agosto de 1871. = Francisco Antonio da Silva Mendes (deputado pelo circulo 49 — Tondella) = Mariano Cyrillo de Carvalho (deputado pelo circulo 79 — Chamusca) = Francisco Pinto Bessa (deputado pelo circulo n.º 14 — Porto) = Luiz de Almeida Coelho e Campos (deputado pelo circulo n.º 51 — Vizeu) = Domingos Pinheiro Borges (deputado pelo circulo n.º 83 — Evora) = Francisco d'Almeida Cardoso d'Albuquerque (deputado pelo circulo n.º 47 — Mangualde) = Antonio Augusto Pereira de Miranda (deputado pelo circulo n.º 66 — Lisboa).

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara sobre se admitte, ou não, este projecto á discussão.

O sr. Francisco Mendes (para um requerimento): — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se quer que seja nominal a votação.

O sr. Barjona de Freitas (para um requerimento): — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se consente que, depois da votação, seja dada a palavra para explicações aos deputados que a pedirem; e, no caso de se resolver affirmativamente, peço a v. ex.ª que me inscreva para explicações.

O sr. Presidente: — Proponho á deliberação da camara o requerimento do sr. Francisco Mendes.

Consultada a camara, resolveu-se que a votação, sobre ser, ou não, admittido á discussão o projecto de lei do sr. Francisco Mendes fosse nominal.

O sr. Presidente: — Vae fazer-se a chamada, para se proceder á votação.

Os srs. deputados que admittem o projecto á discussão dizem approvo; e os srs. deputados que não o admittem á discussão dizem rejeito.

Feita a chamada, disseram approvo os srs. — Osorio de Vasconcellos, Cerqueira Velloso, Pereira de Miranda, A. J. Teixeira, Saraiva de Carvalho, Claudio Nunes, Conde de Villa Real, Pinheiro Borges, Francisco de Albuquerque, Francisco Mendes, Caldas Aulete, Pinto Bessa, Vasco Leão, Bandeira Coelho, Dias Ferreira, Teixeira de Queiroz, José Tiberio, Luiz de Campos, Thomás Lisboa, Mariano de Carvalho, Thomás Bastos, Ayres de Gouveia, e D. Miguel Coutinho.

E disseram rejeito os srs. — Adriano Machado, Agostinho da Rocha, Albino Geraldes, A. Rocha Peixoto, Soares e Lencastre, Correia Caldeira, Barros e Sá, Boavida, Antonio Julio, Arrobas, Rodrigues Sampaio, Telles de Vasconcellos, Barjona de Freitas, Falcão da Fonseca, Barão do Rio Zezere, Carlos Bento, Carlos Ribeiro, Fortunato das Neves, Correia de Mendonça, Guilherme de Carvalho Abreu, Gomes da Palma, Silveira da Mota, Sant'Anna e Vasconcellos, Jayme Moniz, Frazão, Mártens Ferrão, Assis Pereira de Mello, Barros e Cunha, J. J. Alcantara, Ribeiro dos Santos, J. Pereira de Magalhães, J. A. Maia, Baptista de Andrade, Cardozo Klerk, Dias de Oliveira, Figueiredo de Faria, Costa e Silva, Moraes Rego, Sá Vargas, Mello Gouveia, Menezes Toste, Nogueira, Affonseca, Pires de Lima, M. da Rocha Peixoto, Alves Passos, Cunha Monteiro, Pedro Roberto, Placido da Cunha e Abreu, Visconde de Montariol, Visconde dos Olivaes, e Ricardo de Mello.

Não foi portanto admittido o projecto á discussão por 62 votos contra 23.

O sr. Claudio José Nunes (para um requerimento): — Creio que no regimento ha uma disposição, que prohibe que

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seja mandada para a mesa uma declaração de voto por escripto; mas pedia a v. ex.ª que consultasse a camara sobre se consentia que eu mandasse para a mesa a declaração de voto que passo a ter, e se refere ao projecto de lei que acaba de ser posto á votação (leu).

O sr. Presidente: — Opportunamente satisfarei o pedido do sr. deputado.

Agora vae se votar o requerimento do sr. Barjona de Freitas.

Leu-se na mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que se consulte a camara se concede a palavra para explicações immediatamente depois da votação que acaba de ter logar.

Sala das sessões, 29 de agosto de 1871. = Augusto Cesar Barjona de Freitas.

Foi approvado.

Muitos srs. deputados pedem a palavra.

O sr. Presidente: — Vão dar-se as explicações, e depois será submettido á votação o requerimento do sr. Claudio José Nunes.

O sr. Barjona de Freitas: — É claro que eu não posso discutir um projecto que não foi admittido á discussão; mas quando pedi a v. ex.ª que me inscrevesse para explicações, depois da votação que acaba de ter logar, foi por que entendi que, em questões d'esta magnitude,. os partidos não podem ficar silenciosos, e têem rigorosa obrigação de manifestar as suas opiniões diante da camara e do paiz (apoiados).

Cabe a todos uma grande responsabilidade e ninguem se lhe póde nem deve subtrahir.

Eu não sou d'aquelles que ligo menos importancia ás constituições politicas. Creio que ellas fazem um grande serviço convertendo as faculdades em direitos, e cercando esses direitos de garantias.

E nem me é indifferente o seu ponto de partida, sendo que rejeito as que se fundam no direito collectivo para absorver o direito individual.

Creio pelo contrario, com um grande publicista, que das faculdades innatas do homem se podem deduzir os direitos politicos; e assim da liberdade moral a liberdade politica; da igualdade diante de Deus a igualdade perante a lei; da personalidade humana a segurança individual e o direito de propriedade; da natural expansão do pensamento a liberdade de imprensa; da perfectibilidade da especie a perfectibilidade do governo (apoiados).

Eu sei que nem sempre os poves que tem constituições mais liberaes são os que disfructam a maxima liberdade. Ha n'este caso um vicio, uma discordancia entre a letra da constituição e os costumes publicos, ou porque não ha a devida obediencia á lei e respeito ás instituições, ou porque não estão bem arreigados os habitos da liberdade.

Seja porém como for, e salva sempre a correlação e harmonia necessaria entre a lei fundamental e a indole, circumstancias e civilisação do povo a que é destinada, para mim o primeiro criterio na apreciação de uma constituição politica é a maior somma de liberdades e garantias n'ella consignadas (apoiados).

De tudo isto é facil de concluir que nós, (e digo assim porque fallo em nome do partido a que tenho a honra de pertencer n'esta casa), nem suppomos a carta immutavel, nem a considerâmos um codigo perfeito. Bem longe d'isso affirmâmos a necessidade da reforma em alguns dos seus artigos. E todavia não admittimos á discussão o projecto do illustre deputado por Tondella pelos motivos que resumidamente vou expor a camara.

Em primeiro logar o projecto é de tal modo vago e indefinido, que mais tende á substituição do que á reforma da carta.

Sabem todos a differença que ha entre a reforma de uma constituição e a revogação de uma lei ordinaria. Affirmam-n'a as formalidades exigidas para a reforma dos codigos politicos, e a necessidade de alliar o seu aperfeiçoamento successivo com a estabilidade devida ás instituições fundamentaes.

Projectos d'este alcance devem basear se em necessidade geralmente sentida e aceite, designando por isso clara e previamente os artigos que precisam do reformação, e o modo por que devem ser reformados.

Só assim se poderiam julgar todos devidamente habilitados e esclarecidos para votar a reforma em principio o para dar mais tarde um voto definitivo (apoiados).

Por outro lado parece-nos inopportuno o ensejo para projectos d'esta ordem. O paiz exige-nos a organisação da administração e da fazenda publica, como necessidade impreterivel (apoiados).

Em França não é só mr. Thiers, não é só a assembléa de Versailles, pois vejo pelos jornaes politicos e scientificos que todos os homens sensatos entendem que é mister adiar as questões da constituição definitiva do governo até que o paiz se refaça dos seus ultimos desastres e se organise internamente.

Sei bem que a situação actual da França é diversa da nossa; mas não esqueçamos tambem que aquelle paiz dispõe de grandissimos recursos, e não póde ser nunca seriamente ameaçado na sua independencia. Pelo menos o exemplo prova que em nome da opportunidade convem adiar ás vezes as altas questões politicas.

Não é pois no momento em que lavra na Europa uma grande agitação, e em que as questões politicas tendem a converter-se em questões sociaes que ameaçam subverter as bases da sociedade civil, que devemos juntar ás difficuldades actuaes os perigos das lutas politicas com todas as suas consequencias.

Removidos estes inconvenientes queremos a reforma da carta em alguns dos seus artigos. E logo que as circumstancias nos permittam entrar desembaraçada e tranquillamente n'este caminho, não teremos duvida em emprehender, cooperar ou contribuir para a reforma da constituição, mas designando previamente os pontos que devem ser reformados, deixando claramente definido o nosso pensamento, e sempre sob as inspirações da liberdade, e no intuito de alargar as franquias populares (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Silveira da Mota: — Prezo-me de ser soldado humilde, mas firme, leal e dedicado da santa causa da liberdade, da democracia, da civilisação. Estou persuadido, porém, de que a admissão á discussão do projecto de lei apresentado á camara pelo illustre deputado, o sr. Francisco Mendes, produziria um abalo violento e fatal na nossa situação economica e na nossa situação politica. Por isso não tive duvida em a rejeitar.

Encontra-se o nosso paiz em circumstancias difficeis. Somos pobres, fracos, pequenos, e acaso injustamente avaliados no conceito da Europa.

Precizamos equilibrar a renda com a despeza do thesouro, para nos afastarmos d'esse despenhadeiro tremendo em que começa a decadencia de um povo, que, sem ter accrescimo na riqueza publica, se vê comtudo opprimido com insupportavel augmento de encargos, e ainda assim não póde satisfazer ás despezas ordinarias, ás dividas indeclinaveis, aos melhoramentos necessarios. Temos de resolver a questão de fazenda que n'estes ultimos annos tem debalde absorvido o estudo e o cuidado dos ministros, dos legisladores, dos publicistas, e até chamado a attenção dos homens que mais estranhos parecem ás lutas e vicissitudes da vida politica.

Precisamos reformar a nossa administração civil, imitação ridicula da centralisação franceza, que não analysa as forças publicas, que não examina o que deve e póde haver; mas que determina synthetica e systematicamente o que ha de fazer-se, sem attender ás necessidades, aos habitos, aos interesses, ás circumstancias locaes (apoiados). Com o systema de administração, tal qual o temos, im-

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pede-se que se aproveitem deveras os recursos do paiz; que se crie e robusteça a vida local; que se combinem e conciliem o principio da liberdade com o principio da auctoridade, os esforços espontaneos dos povos com a direcção do governo; que se deixe livre o caminho ao poder central para tratar dos grandes comettimentos que interessam sem duvida á nação, sem que interessem particularmente a este ou aquelle districto, a este ou aquelle concelho, a esta ou aquella freguezia.

Com o systema administrativo, tal como o temos, embora se augmente o numero das auctoridades aduaneiras, se apertem as cordas do fisco, se imponham novos sacrificios aos contribuintes e aos funccionarios, estou persuadido que não poderemos nunca resolver o nosso problema financeiro. Precisamos, portanto, reformar o actual systema administrativo, de modo que se alarguem as attribuições e faculdades dos corpos de eleição popular, e ao mesmo tempo se concilie, tanto quanto for possivel, o nosso antigo systema municipal, na verdade rude e incompleto, com as lições da experiencia e o exemplo das nações cultas.

Precisamos ter marinha que possa defender as nossas costas, guardar os nossos portos, e fazer respeitar a nossa bandeira nas possessões que ainda nos restam na Asia e na Africa.

Precisamos ter exercito para que não continuemos á mercê do capricho das outras nações. No estado actual da Europa, esquecido o direito das gentes, perdido totalmente o respeito pelo principio das nacionalidades, triste é o futuro de um povo que não encontra em si elementos sufficientes para garantir a sua existencia (apoiados).

Precisamos reformas importantes e urgentes em todos os ramos do serviço publico, na instrucção, na policia, na penalidade, no processo civil e criminal.

Precisamos sobretudo uma reforma importante, radical, liberrima na lei eleitoral, para que o parlamento possa representar genuinamente, desassombrado da pressão da auctoridade, o voto popular (apoiados).

No meio de todas estas difficuldades, quando ellas nos cercam, nos ameaçam, nos assoberbam, a admissão á discussão da proposta do illustre deputado, o sr. Francisco Mendes, parece-me que iria causar profunda desordem no espirito publico.

(Sussurro.)

Não tive nem leve idéa de dar ás minhas palavras significação differente d'aquella que as antecedentes necessariamente lhes deram.

(Alguns srs. deputados pedem a palavra.)

Não estou discutindo a proposta, não tenho até agora exposto um unico argumento que não seja destinado a impugnar a admissão do projecto á discussão. Entretanto para evitar a impaciencia de alguns dos meus collegas e não abusar da benevolencia da camara vou em breve terminar.

O sr. Francisco Mendes: — Eu imaginava que o projecto não tinha sido admittido á discussão; mas se está em discussão peço a palavra.

O sr. Presidente: — O sr. deputado sabe muito bem que o projecto não foi admittido á discussão, mas tambem sabe que a camara deu a liberdade de explicações e não marcou até onde chegavam essas explicações (apoiados). Ao bom senso de cada um dos srs. deputados que fallam cumpre estabelecer o limite das explicações (apoiados).

O Orador: — Não estou discutindo o projecto. Até agora não pronunciei uma palavra que não se referisse expressamente á opportunidade ou inopportunidade da sua admissão á discussão. Apenas enunciei a idéa de que a admissão do projecto á discussão traria necessariamente profunda perturbação nos espiritos, e ao mesmo tempo iria preferir a solução de assumptos muito importantes, que deveras têem de occupar a attenção de todos os que em maior ou menor escala podem influir nos destinos publicos.; Foram estas as unicas palavras que podem ter relação com o projecto, o qual aliás considero amplissimo e ao mesmo tempo indefinido, e por isso tanto mais perigoso.

Tendo, pois, a convicção de que não excedi os limites convenientes da discussão, mesmo porque se o fizesse o sr. presidente me teria chamado á ordem, termino pedindo á camara me desculpe se acaso abusei da sua benevolencia.

(Vozes: — Muito bem.)

Se a camara me permitte preciso ainda apresentar succintamente uma consideração que julgo importante.

Entendo que a carta constitucional e o acto addicional não correspondem cabal e perfeitamente a todas as justas aspirações da escola liberal moderna; persuado-me que algumas reformas se podem effeituar com grande vantagem publica, taes como a substituição do pariato hereditario pelo simplesmente vitalicio e talvez amissivel, e outras modificações que com solido fundamento são de ha muito reclamadas; mas estou tambem persuadido de que n'essas duas instituições, interpretadas em harmonia com o espirito liberal dos nossos costumes, estão garantidos todos os direitos, firmados os grandes principios da liberdade (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

O sr. Barros e Cunha: — Declaro a v. ex.ª que todas as minhas sympathias estão do lado do projecto que se apresentou n'esta casa, para fazer na constituição do estado as reformas que forem indispensaveis para o maior desenvolvimento e progresso das nossas liberdades politicas e direitos individuaes. O meu voto, porém, foi filho da reflexão do dever e do receio que me inspira tocar no codigo fundamental; intentar n'esta hora uma reforma tão importante, a qual necessariamente lançaria os espiritos no campo apaixonado, na luta em que a nação consumiu a sua actividade desde 1837 a 1851.

Eu não entendo que os srs. deputados, que assignaram o projecto, considerassem que esta reforma se devia fazer como se se tratasse de uma lei ordinaria; pelo contrario acho que elles andaram perfeitissimamente em harmonia com as disposições da carta (apoiados), e da minha parte a rejeição do seu pensamento não significa que eu considere a carta constitucional immutavel e irrevogavel; pelo contrario, eu unicamente rejeitei a opportunidade de se entrar n'essa discussão importante de certo, preterindo a discussão ainda muito mais importante de reformas que são absolutamente indeclinaveis.

Creio que, sem que nós saiamos do estado difficil e afflictivo em que a nação se acha, apesar das declarações em contrario do sr. ministro da fazenda, toda e qualquer discussão apaixonada que venha desviar o espirito publico do dever de occorrer ás gravissimas necessidades da fazenda, é responsabilidade que eu não quero tomar sobre mim; o meu sentimento pela liberdade e pela amplitude de toda e qualquer, fica unicamente subordinado á gravissima questão da conveniencia de momento, e não significa de modo algum desejo de restringir a manifestação do pensamento, que os meus collegas manifestam, que eu respeito, sentindo que a minha cabeça não me permitta ceder ao sentimento e associar-me ás suas generosas aspirações.

O sr. Adriano Machado: — Reconheço que não convem distrahir a attenção do paiz das questões de administração e fazenda, de que tanto dependem os interesses publicos.

Mas esta rasão, que moveu alguns dos que opinaram, como eu, contra a admissão do projecto, não foi a que determinou o meu voto.

As disposições constitucionaes não me parecem indifferentes á resolução d'aquellas questões. Quem pretender formular um systema administrativo sobre bases liberaes, encontrará mais de um obstaculo na carta constitucional.

Desejo, pois, a reforma de alguns artigos da carta, e tanto a desejo, que tencionava, e tenciono, propo-la na sessão seguinte, quando não o possa fazer na que vae correndo.

O motivo por que votei contra a admissão do projecto,

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foi por ser vago e indefinido, contra o espirito da carta e contra os melhores principios do direito publico.

A lealdade pede que, quando se consulta a nação sobre as clausulas do pacto fundamental, os quesitos sejam postos com tal clareza e precisão, que não possa levantar-se duvida sobre a vontade nacional que as côrtes constituintes devem exprimir e interpretar fielmente.

É mister que sobre esses quesitos se concentre a discussão da imprensa e dos eleitores que têem de conferir poderes extraordinarios aos seus representantes. É necessario indicar precisamente os artigos sobre que se pede o suffragio da nação.

Nos paizes democraticos ainda se faz mais. As assembléas legislativas reformam a constituição, e o povo declara depois se quer ou não quer a constituição assim reformada. Isto é o que se pratica nos Estados Unidos e na Suissa, cujos exemplos têem para mim grande auctoridade.

Uma d'estas nações é grande, populosa e rica, a outra pequena e pobre, mas ambas felizes, o que prova que o seu regimen se póde adaptar a povos muito diversos.

Em 1832 nomeou a dieta suissa uma commissão para rever o acto federal. Compunha se esta commissão de homens como Rossi, Pfyffer, Baumgartner e outros. O seu projecto obteve a approvação unanime da dieta, e depois foi rejeitado pelos cantões. Se se tivera pedido vagamente á Suissa que elegesse deputados para a reforma, ella teria provavelmente escolhido aquelles illustres publicistas, e estes ter-lhe-íam dado uma lei contraria aos sentimentos da nação.

Não desejo que succeda o mesmo ás futuras côrtes constituintes, como provavelmente succederia se o plano da reforma só fosse concertado depois d'ellas eleitas.

Tal foi o motivo que me resolveu a votar contra a admissão do projecto.

O sr. Costa e Silva: — Sr. presidente, direi poucas palavras em nome da minha propria individualidade, pela qual respondo unicamente; não vou fallar em nome de partido algum organisado, porque de nenhum d'elles recebo inspirações, nem pertenço a algum dos que preponderam n'esta assembléa, na qual já tem feito saber o seu pensamento collectivo pela voz eloquente dos seus mais distinctos correligionarios, ácerca do grave assumpto de que nos occupâmos.

Sr. presidente, não posso nem careço de fazer um discurso, porque só tenho em vista explicar os motivos que me determinaram a rejeitar a proposta; e esta declaração é, como já ponderei á camara, a manifestação do meu pensamento isolado e da minha intima convicção!

O sr. Mariano de Carvalho: — Então v. ex.ª não tem partido?

O Orador: — Actualmente não estou agremiado em centro algum, dos que mutuamente se disputam o predominio politico; pertenço ao partido da minha consciencia com a mira no bem publico.

Sr. presidente, não sou absolutamente contrario a toda e qualquer reforma da carta, mas opponho-me com as minhas debeis forças e voto a que se intente e emprehenda uma reforma da carta por titulos, o que importaria a sua completa transformação, porque assim o prohibe o artigo 140.° da mesma carta, o qual só a permitte por artigos, e esses não muitos, como denota a phrase algum de seus artigos.

Sr. presidente, não vejo que ao titulo, que estabelece a divisão e independencia dos poderes, se possa fazer alteração alguma para melhor e no sentido mais liberal; e o mesmo digo com respeito aquelle em que se estabelecem e definem as garantias individuaes, que é o mais importante, e que mais póde tornar a lei fundamental bemquista e amada dos povos. E n'esta parte declaro que, de todas as constituições que tenho lido, ainda não achei nenhuma mais liberal e racional que a nossa carta.

Sr. presidente, estamos cansados de ouvir bradar aqui de todos os lados, e de ter nos jornaes de todas as cores,

que o nosso estado financeiro é a questão maxima que reclama a mais séria attenção do parlamento, e que é ao mesmo tempo da mais instante urgencia, e assim o comprehendo na minha limitada intelligencia; e por isso rejeitei tambem a proposta por a considerar inopportuna. Podemos subsistir mais algum tempo, como temos subsistido muitos annos em socego, sem tocar em algum ponto da carta constitucional; mas não podemos manter a nossa independencia e até a nossa liberdade sem finanças e administração. Antepor a estas questões, no estado actual da Europa e do paiz, uma questão de summa gravidade politica, parece-me inconvenientissimo, até porque a discussão não poderia deixar de vir augmentar as excitações partidarias, as quaes influiriam mais funestamente na cordura e seriedade que deve acompanhar as deliberações da camara em todas as questões, principalmente nas de tanto alcance.

Peço desculpa á camara d'esta minha franqueza; e tenho concluido.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Começo por pedir a v. ex.ª, consultada a camara e dispensando-se o regimento, se tanto for necessario, que me seja permittido ainda tomar parte na votação nominal, que acaba de ter logar, visto ter eu chegado um ou dois minutos depois de concluida a votação.

Creio que esta pequenissima demora não deve ser motivo para que eu não vote ainda em relação a este assumpto, principalmente quando elle está ainda quasi pendente emquanto duram as explicações. Proponho tambem que esta mesma garantia se amplie a todos aquelles que, tendo chegado um pouco mais tarde, quizerem ainda votar, comtanto que assim o declarem antes de findas as explicações. Escusado é dizer, tanto a v. ex.ª, como á camara, que estes votos supervenientes não podem com certeza alterar o resultado da votação que teve logar. A decisão fica a mesma, pois é de primeira intuição, tanto pelo numero, como pela natural divergencia dos votos que ainda faltam, que a decisão vencida não soffre modificação.

Eu declaro desde já a v. ex.ª que voto pela admissão á discussão; e como explicação a este respeito direi duas palavras apenas. O meu voto pela admissão á discussão não significa para mim, nem significa para ninguem, segundo creio, a approvação plena, completa e absoluta do projecto que se apresentou (apoiados); significa apenas que certos e determinados partidos, ou um certo e determinado numero de membros d'esta casa, entendem que alguns artigos, mais ou menos, da lei fundamental do estado precisam ser reformados (apoiados). Votando a admissão d'este projecto á discussão, preparava me eu tambam para votar a nomeação de uma commissão especial composta, principalmente, do partido que tomou a iniciativa d'esta proposta; esta camara convidaria essa commissão a definir em bases precisas e claras, propriamente em artigos de lei, quaes eram as disposições que queria substituir ás disposições actuaes. A camara, votando por este systema, admittia a proposta á discussão, e todos os inconvenientes do que agora apparece vago e indefinido desappareciam completamente (apoiados). E n'esta parte, que tanto impressionou o espirito esclarecido do meu amigo, o sr. Barjona de Freitas, deixava de dar-se o menor inconveniente.

Eu quero a reforma da carta, e quero-a prompta e radical em alguns pontos, que não muitos, mas Deus me livre de querer com poderes absolutos, vagos e indefinidos umas côrtes constituintes eleitas com os mesmos abusos e pelo mesmo systema com que têem sido feitas as eleições ordinarias n'este paiz (apoiados); isso seria a maior infelicidade e o maior perigo. Eu desejo umas côrtes constituintes, mas eleitas livremente e deforma que genuinamente representem o paiz. É esta a primeira e indispensavel condição. Quero a reforma da lei fundamental do estado, mas desejo que os pontos que têem de ser reformados sejam previamente definidos com precisão e clareza. Quando se votasse a proposta da reforma, havia de se votar primeiro a lei que devia substituir

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as disposições existentes. Parece-me que é esta, pelo menos na minha opinião, a disposição da carta constitucional, que na letra das disposições escriptas, e no seu espirito principalmente, não permitte a nomeação de umas, côrtes constituintes para, com poderes absolutos, virem reformar como quizerem os artigos constitucionaes; mas apenas consente a convocação de côrtes com poderes extraordinarios sobre pontos anteriormente definidos para virem approvar uma alteração da carta, que nós já tivessemos apreciado e approvado, e que fosse promulgada como lei ordinaria. Reformar a carta pelos meios que a propria carta estabelece para a sua reforma, parece-me, que tem de ser dentro dos limites que eu acabo de referir, porque é, na minha opinião, esta a interpretação que mais se confirma com a propria letra da carta nos, seus artigos 141.° e 142.°, parecendo-me tambem a unica conciliavel com o espirito do legislador.

O artigo 141.° diz o seguinte:

«A proposição será lida por tres vezes, com intervallos de seis dias de uma á outra leitura, e depois da terceira deliberará a camara dos deputados se poderá ser admittida á discussão, seguindo-se tudo o mais que é preciso para a formação de uma lei.»

E o artigo 142.° diz o seguinte:

«Admittida á discussão, e vencida a necessidade de reforma do artigo constitucional, se expedirá a lei, que será sanccionada e promulgada pelo Rei em fórma ordinaria, e na qual se ordenará aos eleitores dos deputados para a seguinte legislatura, que nas procurações lhes confiram especial faculdade para a pretendida alteração ou reforma.»

A carta mesmo exigindo tres leituras para a reforma, com grandes intervallos, de certo está a ensinar a todos que é preciso que a proposta que se apresenta seja uma substituição já definida d'aquellas disposições da carta que se querem reformar (apoiados); aliás seriam completamente desnecessarias e até risiveis as tres leituras, pois para apreciar que um illustre deputado se limita a propor que haja côrtes constituintes para reformar a carta constitucional, sem tratar da reforma a fazer, é escusado ouvir ler tres vezes uma proposição que de si mesma é da primeira vez intuitiva.

O que é necessario é que qualquer projecto que se apresente n'esse sentido encerre definida e positivamente o que se ha de substituir; e esta substituição ha de ser apreciada e discutida, e depois votada, approvada e promulgada como qualquer das outras leis ordinarias que saem d'esta casa.

O projecto não faz isto, mas eu desejava que a camara o fizesse encarregando uma commissão de traduzir em bases precisas e em artigos definidos, as idéas do projecto, ou antes da camara em relação á lei fundamental.

A questão para mim é querer ou não querer a reforma da carta. Eu creio que em relação ao paiz os votos dos partidos e dos membros d'esta casa não têem senão uma significação, sejam quaes forem as explicações ou os fundamentos que se apresentem ácerca de qualquer votação.

De um lado hão de ficar os que querem a reforma da carta com mais ou menos amplitude (apoiados): e de outro lado hão de ficar os que se recusam a essa reforma (apoiados), muito embora digam que só adiam esta questão para occasião mais opportuna. Ha differentes meios de não querer. Um d'elles, já conhecido, é dizer: não quero agora, escolherei para querer occasião mais propria (apoiados); mas se essa occasião nunca chega, ou emquanto não chega, aquelles que dizem que não querem agora para quererem depois, ficam exactamente na mesma posição d'aquelles que absolutamente não querem. O resultado immediato é o mesmo. Individualmente eu creio nas declarações dos meus collegas, mas o paiz exige factos, regula-se pelo que se faz, não se contenta com palavras. Eu tenho para o meu voto estas e outras rasões.

Ha questões que um parlamento por fórma nenhuma póde declinar, e quando as declina, seja qual for o pretexto, lança-as para o paiz e promove assim a discussão illegal pela recusa de a fazer legalmente (apoiados).

As lições da historia são constantes n'este sentido, e prestam um testemunho irrecusavel.

Faço notar esta circumstancia ao meu collega e amigo, o sr. Barjona de Freitas, e a todos os meus collegas que no mesmo sentido se lhe seguirem. Eu quero a discussão legal e a, tempo dos assumptos mais importantes, e voto a admissão, porque receio, recusando-a, dar logar a maiores perturbações do paiz (apoiados),

Eu não admitto, e recuso completamente a comparação d'este paiz com a França no seu estado actual, ou no estado em que ella saíu da guerra com a Prussia. As circumstancias são oppostas, e a comparação é absolutamente impossivel.

Nós precisâmos de tudo quanto disse o sr. Silveira da Mota, de tudo quanto disse o sr. Barjona de Freitas, e precisâmos ainda de muitas cousas mais, mas s. ex.ªs devem lembrar-se, que a maior parte d'essas cousas dependem da previa reforma politica. É essa a minha mais profunda convicção.

Para mim é absolutamente impossivel que um governo obtenha esses resultados, que representam grandes esforços e sacrificios, sem merecer plena confiança ao paiz.

Pela organisação ordinariamente seguida, o maior impossivel, na minha opinião, é formar um governo que mereça a confiança do paiz tão ampla e absolutamente quanto é indispensavel para o levar a consentir nas reformas difficeis de que todos fallam. A solução da questão de fazenda depende da confiança plena do paiz no governo que tentar resolve la.

Eu creio que a admissão da proposta nas circumstancias que expuz, mandando se a uma commissão que visse quaes os titulos ou artigos em que a lei fundamental precisa ser reformada, e apresentasse a substituição em artigos precisos e determinados, que tivessem n'esta casa como as outras leis uma discussão esclarecida e pacifica (apoiados), realisaria simultaneamente duas vantagens: 1.ª, a de mostrar ao paiz que deseja a reforma da lei fundamental do estado, que os poderes legalmente constituidos se occupavam d'essa necessidade reclamada pela opinião publica (apoiados); 2.ª, de trazer para o campo legal a discussão de um objecto importante, que legalmente só aqui póde ser tratado e discutido, porque eu creio que nenhum dos meus collegas, tendo todos confessado a necessidade da reforma da constituição, e divergindo apenas sobre a apportunidade, deixa de querer essa reforma só pelos meios estabelecidos na lei fundamental do estado, e que nenhum deseja lançar para o paiz um encargo que só aos seus representantes incumbe.

É n'estas condições que eu peço a v. ex.ª, que se tome ao lado do meu nome a declaração de que approvo a admissão á discussão do projecto que se trata. O meu voto fica assim devidamente fundamentado.

O sr. Dias Ferreira: — Eu digo francamente que sou apostolo da reforma da carta constitucional; e com relação ao projecto, que não foi admittido á discussão, não podia ter hesitação alguma no voto que dei.

Desde que todos estamos de accordo em que a carta constitucional não corresponde ás aspirações do progresso e que n'ella ha muitas disposições que carecem de ser reformadas e ampliadas, e que o auctor do projecto longe de apresentar bases definidas, apenas consignou esse principio, e deixava á camara o cuidado de o estudar, parece-me que de modo algum podia hesitar em o admittir á discussão. Sem me alargar em considerações a este respeito, quero deixar, ainda que fugitivamente, a minha opinião bem consignada sobre este assumpto.

Eu discrepo completamente de muitos dos meus collegas, que entendem que nós devemos subordinar as questões politicas ás questões de administração e de fazenda (apoiados).

Eu estou persuadido que o maior mal que hoje soffremos

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politicamente, e o maior obstaculo á realisação d'essas gravissimas questões, é esta especie de prostração e indifferentismo em que vivemos (apoiados).

Eu estou persuadido que a opinião publica se não levanta, que os partidos politicos não tem a força necessaria para emprehender as reformas administrativa e financeira de que o paiz carece sem se levantarem as questões politicas que dão vida ao paiz, e aos partidos e que interessam os povos nas reformas que se pretendem fazer. Esta é a minha opinião; respeitando aliás a opinião de todos os cavalheiros que entendem que se devem pôr de parte questões politicas e que se devem só tratar das questões de fazenda e de administração.

Motivos imperiosos me obrigam a saír da capital, e não sei se poderei regressar a tempo de assistir á votação do projecto de resposta ao discurso da corôa, e por isso se v. ex.ª me permitte dar algumas explicações em attenção á parcimonia que eu agora guardei sobre o assumpto que está em discussão, eu vou da-las immediatamente, promettendo ser tão breve como o fui nas que acabei de dar.

Vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — Eu por mim não posso admittir; entretanto se o illustre deputado vê que póde dar essas explicações em breves palavras, sem perturbar as outras explicações que já se estão dando, e visto o assentimento da camara póde continuar, fazendo ao sr. deputado um pouco juiz d'esta pretensão.

O Orador: — Fique v. ex.ª certo que não hei de abusar da benevolencia e generosidade com que me trata, e mesmo estando ausente o sr. presidente do conselho, nas observações que eu fizer na sua ausencia serei o mais resumido e moderado.

Quando no outro dia o sr. presidente do conselho respondeu a algumas observações que eu tinha feito a respeito da eleição de Arganil, referiu-se a factos da minha administração; e a camara comprehende que não posso deixar de dar algumas explicações a esse respeito.

Eu entendo que os homens publicos, mesmo depois de terem saído do poder, estão sujeitos á censura publica, que todos os seus actos podem ser apreciados ou no parlamento ou na imprensa.

O sr. presidente do conselho, na discussão que se levantou a este respeito, referiu-se a uma nomeação illegal que eu tinha feito; e eu não podia prescindir, ainda que quizesse pôr de lado quaesquer outras insinuações quaesquer outras accusações; não podia prescindir, digo, de me referir a esta.

Discutia-se o facto grave de ter sido preso antes da eleição, e solto depois, um cidadão que tinha ido ali para trabalhar em eleições; e quando o sr. presidente do conselho referia os factos que ali se tinham passado, referiu-se tambem á nomeação de um empregado despachado por mim, ou pela administração de que tive a honra de fazer parte; e como v. ex.ª n'essa occasião não tinha dado para ordem do dia a questão da legitimidade da nomeação d'este empregado, eu não estava habilitado para responder, e demais a mais não pensava que para justificar a prisão de um individuo fosse necessario recorrer a factos tão anteriores.

Mas deixo a cargo do sr. presidente do conselho o suspeitar da legitimidade d'essa nomeação, porque tendo eu saído do ministerio em 29 de agosto, o decreto de nomeação d'esse cavalheiro foi expedido em 27 de setembro, e como os decretos não têem vigor emquanto não são expedidos, e a expedição do decreto importa a responsabilidade d'elle, creio que o sr. presidente do conselho não deixaria expedir o decreto com esta nomeação se o não achasse legal.

Ha um outro ponto sobre que desejo dar explicações, e é com relação á comparação da epocha de 1860 com 1871. Eu declaro que tenho de penitenciar-me por me haver queixado de que um certo individuo tivesse sido nomeado para um emprego publico em 1860, visto que hoje pela jurisprudencia ultimamente estabelecida, desde que me queixo da nomeação de um certo individuo, ainda que mais tarde as liberdades publicas sejam offendidas na pessoa d'elle, perdi o direito a desaggrava-lo contra as violencias do poder, e não me é licito levantar a voz em favor dos seus direitos offendidos pela auctoridade publica.

Eu não posso seguir essa jurisprudencia, nunca aceitei mesmo essa opinião. Eu tinha dito em 1860, e preciso que a camara o saiba, que este cidadão não podia ser substituto do juiz de direito de Arganil, porque estavam pronunciados n'aquella comarca réus de que elle era amigo, e que fazia mau effeito o ser despachado para aquella comarca um individuo que era amigo dos réus pronunciados.

Estou convencido que aliás poderia ser hoje empregado publico em qualquer parte, mas entendi que o não devia ser n'aquella occasião.

Não disse por consequencia uma unica palavra contra o seu caracter, nem contra a sua probidade, nem na camara se admittem questões pessoaes.

Isto não póde ser. Quando mais tarde, sendo offendidas as liberdades publicas na pessoa d'este individuo eu preciso reclamar, diz-se-me: «não póde reclamar».

Se porventura na reorganisação partidaria se repetissem as antigas scenas, em virtude das quaes as prisões de faziam, não nos individuos que eram desconhecidos, mas nos importantes homens d'estado; se porventura o sr. presidente do conselho for victima de algum attentado, e n'essa occasião eu vier reclamar pelas liberdades publicas a favor d'elle, espero que o ministro d'essa epocha me não responda, que eu não posso reclamar.

Pareceu-me que o sr. presidente do conselho tinha dito, que eu queria que elle tivesse mandado suspender o jornal Trovão da Beira, porque agredia todas as auctoridades e funccionarios de Arganil.

Não sei bem se foram estas as suas palavras. Mas o que eu digo é em defeza minha e rectificação da verdade, e não póde ser desairoso para aquelle empregado.

Eu não disse que queria aquelle jornal suspenso. Nunca procedi contra a imprensa como homem publico. Entendo que os jornaes se corrigem uns aos outros.

O que eu fiz foi estranhar que uma auctoridade publica estivesse publicando um jornal em que se offendiam todos os individuos, a respeito dos quaes essa auctoridade tinha de informar.

E a minha idéa não era tão cerebrina como se afigurou a alguem. Ha pouco tempo ainda um cavalheiro, que geria a pasta dos negocios da justiça, sabendo que se havia publicado uma carta de um carcereiro offendendo um preso que estava debaixo da sua vigilancia, mandou reprehender severamente o carcereiro, porque d'essa fórma não mantinha a imparcialidade que devia, e adverti-lo de que, se queria contiuuar a ser carcereiro, não devia escrever contra os presos, porque escrevendo contra elles manifestava falta de imparcialidade.

Em relação ás insinuações que se fizeram contra as eleições de 1870, como não está presente o sr. presidente do conselho, apenas direi que s. ex.ª fez grande questão de que a eleição se realisasse a 5 de setembro, e que á opposição que encontrou entre os seus collegas com relação a sua opinião de s. ex.ª se attribue a sua saída do ministerio poucos dias depois de haver entrado para elle. E de certo s. ex.ª não faria tanto empenho, nem propugnaria tanto para que a eleição se fizesse n'esse dia, se não tivesse a convicção de que o paiz estava inteiramente á vontade, e havia accordado livremente nos candidatos que deviam representa-lo.

Respondo, portanto, ao sr. presidente do conselho de hoje com o mesmo sr. presidente do conselho de hontem.

O sr. Ministro da Fazenda (Carlos Bento): — Preciso dizer algumas, poucas, palavras ácerca da nomeação de um individuo para fiscal dos tabacos de Coimbra.

Eu tomo absolutamente a responsabilidade da execução

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do respectivo decreto; porém não tomo de maneira nenhuma a responsabilidade de uma assignatura, que não era minha, n'um decreto que encontrei na secretaria a meu cargo.

O sr. Placido de Abreu: — Vou dizer poucas palavras, e unicamente, para explicar o meu voto contrario á admissão á discussão do projecto apresentado pelo sr. Francisco Mendes.

Eu tenho sido firme soldado da carta desde os primeiros annos do meu ingresso na vida publica.

Combati sempre tendo por pendão Rainha e carta; e nunca me desviei d'estes principios.

Mas, comquanto tenha pugnado para que se não alterasse revolucionariamente a carta, não sustento que ella seja immutavel, pelo contrario, desejo que se reforme pelos meios legaes; entendo até que precisa ser reformada.

O que me parece é que não é opportuno fazer-se agora essa reforma.

Por consequencia, votei contra o principio que se queria estabelecer, por entender que não convem levantar questões politicas agora, quando nós precisâmos ter o animo socegado para tratarmos das questões de administração e de fazenda, que estão pendentes da resolução d'esta casa.

Tenho, pois, a fazer a simples declaração de que, quando for a occasião opportuna de realisar a reforma da carta e se tratar d'ella, se eu estiver em circumstancias de o fazer hei de votar a favor da reforma nos termos que porventura sejam mais convenientes ao paiz.

O sr. Rocha Peixoto: — Depois das considerações apresentadas por muitos e mui illustres deputados, que ouvi com respeitosa attenção, tenho de fazer apenas uma simples declaração, que é sómente minha.

Ha questões, sr. presidente, ha questões cuja importancia é superior a qualquer consideração partidaria. Ha problemas, cuja solução exige do nosso espirito mais attenção do que o interesse de qualquer grupo politico. Ha verdades, que todos devemos acatar, olvidando por ellas os caprichos de facção.

Quando no campo da discussão surge uma questão d'estas, devemos todos seguir a bandeira santa da nossa dignidade e empenhar todas as faculdades e esforços na resolução do problema e no descobrimento da verdade. Quando esse campo é o parlamento, devemos todos esmagar os affectos, os odios da politica, calar a voz da gratidão ou da vingança, e inspirados enthusiasticamente pela justiça, estudar e julgar.

Em lutas tão santas, sr. presidente, não ha tendas do governo, nem da opposição; ha a tribuna da discussão e o banco da escola, que são de todos e para todos.

São assim todas as questões que determinam, mais ou menos, a constituição da sociedade, todos os problemas da verdadeira politica. É uma questão assim, e um problema d'esta natureza aquelle cuja solução nos era pedida no projecto de lei a que uma grande maioria d'esta camara negou hoje discussão.

Eis a rasão por que, depois de haver votado com a maioria, devo declarar a significação que dei ao meu voto.

Não tenho, sr. presidente, confiança absoluta na sciencia dos nossos dias e espero muito do futuro. Aceitei, ha muito já, como um dogma, mas dogma decretado por uma esclarecida observação, o ultimo legado que Laplace deixou ao inundo scientifico nas palavras seguintes, que este homem de genio proferiu com os labios já desbotados pela morte proxima: «Pouco é o que sabemos e immenso o que ignoramos». Não está ainda escripta a ultima palavra da sciencia e creio não ser uma proposição arrojada asseverar que nunca ha de soar a hora em que appareça essa palavra.

Estas simples considerações convencem-me de que a constituição de qualquer estado não é e nunca ha de ser immutavel. Todos os codigos politicos hão de ser reformados pelas necessidades dos povos para que são destinados, pelo adiantamento da sciencia, pelo progresso da instrucção e pelo melhoramento dos costumes.

A nossa carta constitucional não encerra a ultima palavra da lei da liberdade a que todos aspirâmos, e a que havemos todos de ter direito incontestavel, talvez em mui proxima epocha como ardentemente desejo; mas o estudo attento das necessidades do nosso paiz, da instrucção e dos costumes do nosso povo

mostra-me, por uma fórma tão certa como dura, tão evidente como triste, que ainda não está chegada a hora da reforma da nossa lei fundamental.

Para não serem perdidos os nossos esforços em tão ardua tarefa, para que as nossas faculdades não sejam applicadas sem fructo a questão de tão subida importancia, e para o conseguimento certo do fim a que nos dirigem os sentimentos da verdadeira liberdade, é indispensavel segurar as nossas finanças, organisar a nossa administração e diffundir a instrucção por todas as camadas do nosso povo.

A questão financeira e administrativa ha de necessariamente preceder uma reforma proficua do codigo fundamental do nosso paiz. Não posso aceitar as idéas que o illustre deputado por Mangualde apresentou hontem á camara sobre este assumpto. É necessario elevar a nossa situação financeira e administrativa á altura da liberdade que nos confere a carta constitucional, para que depois tudo progrida em harmonia. O resultado da operação contraria parece-me que havia de ser uma monstruosidade politica.

Tão importante como a questão da segurança das nossas finanças e da organisação da nossa administração é a da diffusão da instrucção por todas as familias do povo. É necessaria luz que illumine sem deslumbramento.

O nosso povo, senhores, confesso-o com pezar como seu filho e representante, não possue instrucção que o habilite para o bom uso da liberdade. Tantas vezes tem sido elle o ludibrio de tantos especuladores por não haver sido discipulo de bons mestres! A sciencia, senhores, tem ensinado já grandes verdades, que não podem ser transmittidas aos filhos do povo, a esta crença de seculos, porque o seu espirito não se elevou ainda á altura de comprehende-las.

Não é sómente necessario reformar a lei que dirige a instrucção no nosso paiz. Não basta abrir muitas escolas e ter muitos mestres habeis, bons e independentes. É necessario mais ainda; o povo carece de bons livros. Um bom livro vale bem um mestre excellente.

Os homens que aspiram á gloria de mestres do povo devem começar a sua generosa obra escrevendo livros para elle. Dêem ao povo livros em que elle possa ir conhecendo com as primeiras letras os seus primeiros deveres, a natureza de seu paiz e a propria indole. Os homens verdadeiros amantes do povo devem habilita-lo para a comprehensão das grandes verdades, para o absoluto respeito de si proprio e para a verdadeira liberdade.

São estas as reformas que me parecem mais urgentes e que estão ahi reclamando todas as nossas forças e todo o nosso tempo. Não fatiguemos aquellas, nem percamos este.

Alem d'estas considerações houve uma outra que me impoz o dever de votar como votei.

A reforma da carta constitucional havia ou de restringir ou de ampliar a liberdade que ella nos confere. Rejeito a primeira hypothese por mim, e creio poder e dever rejeita-la por toda a camara, porque faço justiça a todos os srs. deputados. Os signatarios do projecto da reforma mostram até claramente no seu relatorio que desprezam completamente esta hypothese.

Considerando então a segunda hypothese, digo com pezar que o nosso povo não tem ainda direito a mais liberdade do que a que lhe é conferida pela carta constitucional. Infelizmente ha muita gente que nem sabe avaliar a liberdade cujo uso lhe impõe este codigo!

Termino, repellindo por todas estas considerações a accusação de pouco amigo da liberdade que poderia partir de um enthusiasmo cego ou de uma intenção desleal.

O sr. Marianno de Carvalho: —...(O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

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O sr. Arrobas: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. Pereira de Miranda: — Eu fui completamente prevenido pelo meu illustre collega e amigo, o sr. Mariano de Carvalho, nas reflexões que tinha a fazer.

Se os signatarios do projecto, cuja admissão a discussão não foi approvada, tivessem por este facto algum sentimento de pezar, devem estar agora completamente satisfeitos ao ouvir as explicações que têem sido dadas pelos illustres deputados que votaram contra.

De todos os lados da camara ouço a declaração de que a carta constitucional já não corresponde ás necessidades da epocha e da civilisação (apoiados); todos os srs. deputados, sem distincção de partidos, confessam isto, e esta é a maior satisfação que podem ter os auctores do projecto para a reforma da carta. Rejeita-se a admissão do projecto, sobretudo pela inopportunidade. Pensavam os signatarios do projecto que era indispensavel uma reforma nas nossas instituições politicas, e hoje ainda mais arreigada têem no espirito, se isso é possivel, a convicção de que essa é uma das nossas primeiras necessidades, ao ouvirmos os nossos collegas (apoiados).

Nós vindo, em nome de uma necessidade que todos reconhecem e proclamam, pedir ao parlamento que dedicasse a sua attenção para um assumpto de tão subida importancia, cumprimos um dever e mantivemos-nos dentro dos limites da legalidade (apoiados).

Apresentado este projecto pelo partido reformista, composto na sua grande maioria de homens novos, poderia haver receio de que o verdor dos annos prejudicasse a santidade dos desejos. Nem mesmo este receio seria justificado quando á frente d'esses homens novos se encontra o vulto respeitavel e venerando de um dos mais esforçados soldados da liberdade, vulto verdadeiramente homerico, perante o qual se curva reverente a geração actual, e se hão de curvar as gerações futuras (muitos apoiados). Quando o marquez de Sá da Bandeira, typo da lealdade á dynastia, ás instituições e á patria, nos encaminha e dirige, podem todos confiar que, pedindo a reforma constitucional, pelos meios que a propria constituição faculta, só tivemos em vista o bem do paiz e as condições da epocha em que vivemos!

Tenho dito (muitos apoiados).

O sr. Pinheiro Chagas: — Não estava presente quando se votou sobre a admissão á discussão do projecto da reforma da carta constitucional, mas declaro franca o explicitamente que, se estivesse presente, votaria com o partido regenerador, ao qual tenho a honra de pertencer.

Estou intimamente convencido de que é necessario que o mais breve possivel seja posta a carta em harmonia com as largas aspirações do espirito humano no seculo era que vivemos (apoiados).

A minha pouca experiencia na vida politica não me permitte comtudo affirmar com segurança, que seja esta a occasião mais opportuna para discutir as bases de uma reforma da constituição; n'esta duvida, e não querendo carregar a minha consciencia com tamanha responsabilidade, qual a de desde já votar que se procedesse a essa reforma, acompanho o meu partido na resolução que tomou (apoiados — Vozes: — Muito bem); principalmente quando o illustre deputado, o sr. Barjona de Freitas, expoz com tanta lucidez e elevação de pensamento as suas idéas rasgadamente liberaes (apoiados).

Aproveito porém a occasião para consignar, perante a camara e perante o paiz, o meu ardente desejo de que atravessada a crise actual, para cuja resolução principalmente fomos eleitos, se trate immediatamente de fazer entrar no codigo fundamental da monarchia portugueza todas as conquistas do pensamento, para que este codigo fique mais em harmonia com as aspirações da liberdade e as condições actuaes do progresso (apoiados).

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Braamcamp: — Circumstancias estranhas á minha vontade fizeram com que eu não podesse comparecer ao principio da sessão; mas considero como uni dever manifestar, perante a camara e perante o paiz, a minha opinião com respeito á importante proposta de reforma da carta.

Declaro que se estivesse presente teria votado contra a admissão da proposta; acrescentando mais algumas explicações não pretendo desculpar o rau voto, antes aceito toda a responsabilidade.

Declaro francamente que entendo que os srs. deputados que apresentaram esta proposta fizeram um bom serviço, cumpriram um dever (apoiados). Tendo a consciencia de que o pacto fundamental precisava de reformas largas, immediatas, s. ex.ªs apresentaram uma proposta na conformidade da mesma carta, louvo os por isso, e se os não acompanho é principalmente porque entendo que essa discussão hoje seria inopportuna (muitos apoiadas).

Quando entrei n'esta casa fallava o meu amigo o sr. Silveira da Mota; e depois ouvi tambem o meu autigo amigo o sr. Barros e Cunha. Declaro que rae associo completamente ás observações apresentadas por s. ex.ªs, e acrescentarei apenas mais algumas, em muito poucas palavras.

Eu considero que a reforma do pacto fundamental é um assumpto de tal transcendencia, que é necessario que ella corresponda a uma necessidade urgente e muito patente, e que o povo a reclame instantemente (apoiados).

Já tive a honra de me associar á reforma de 1851. O acto addicional foi como uma especie de transacção entre dois partidos que se tinham gladiado por muito tempo. Não quero dizer com isto que o acto addicional seja a expressão ultima das necessidades do paiz n'este assumpto.

As idéas progridem, o mundo caminha, e é preciso que as instituições se transformem. Não ha constituição alguma que seja eterna, e o modo de evitar as revoluções, o modo de dar mais larga vida ás constituições, é ir modificando-as progressivamente conforme as necessidades publicas (apoiados).

Mesmo, para não prejudicar a idéa dos illustres deputados, eu entendi que devia rejeitar a admissão do projecto á discussão. Emquanto o paiz estiver sujeito a uma larga pressão administrativa, emquanto as eleições não forem a manifestação da vontade, popular em toda a sua latitude, não posso crer que se deva aventar uma questão de tal magnitude, seria expor a sua resolução a contingencias gravissimas, e podia o resultado ser contrario aos nossos desejos (apoiados).

Sr. presidente, persuado-me que primeiro cumpre-nos tratar de outros assumptos mais instantes, como são todos os que forem tendentes a reprimir e coarctar a preponderancia excessiva do poder sobra os povos, a dar mais latitude ao voto nacional, e a evitar a repetição dos abusos, dos vexames, das violencias que temos presenciado e de que esta camara tanto se tem occupado n'estes ultimos dias.

Emquanto o voto popular não for a expressão genuina, livre e clara da vontade nacional, parece-me arriscado empenhar-nos em assumptos de tal gravidade.

São estes os motivos principaes que me levaram a votar contra a admissão d'este projecto á discussão.

O sr. deputado por Fafe disse «que a camara n'esta questão fica dividida em dois campos, que em um d'elles estão aquelles que queriam a reforma da carta constitucional, e no outro ficavam aquelles que, qualquer que fosse o modo por que manifestavam o seu voto, ou rejeitando simplesmente, ou declarando que adiavam, deviam ser considerados como contrarios a qualquer reforma n'este sentido.

Sr. presidente, por mim declaro, e parece-me que o posso tambem fazer em nome dos meus amigos, que militam no mesmo partido, que de facto o pacto fundamental carece de reforma, e n'este ponto não devo entrar em pormenores que reverteriam na discussão da proposta. Limito-me pois a esta simples declaração, mas entendo igualmente que de-

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vemos, primeiro que tudo, encaminhar os animos, preparar o terreno, e que os inconvenientes e os males que podiam resultar da execução immediata e precipitada da reforma proposta são muito superiores ás vantagens que podiamos d'ella auferir (apoiados.)

Limito aqui as explicações que desejava dar.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Como um dos auctores do projecto que está em discussão, depois de não ter sido admittido á discussão não podia eu deixar de pedir a palavra para justificar a rasão por que o assignei.

Depois, porém, do que acabaram de dizer os meus illustres collegas e amigos, os srs. Mariano de Carvalho e Pereira de Miranda pouco tenho a dizer, porque faço minhas as suas observações; mas permitta-me v. ex.ª, e permitta-me a camara que eu examine os artigos da carta, com relação á opinião aqui aventada de que era necessario indicar no projecto os artigos que precisam ser reformados e a maneira por que esses artigos devem ser substituidos.

O artigo 14.° diz:

«Se passados quatro annos, depois de jurada a constituição do reino, se conhecer que algum dos seus artigos merece reforma, se fará a proposição por escripto, a qual deve ter origem na camara dos deputados, e ser apoiada pela terça parte d'elles.»

De accordo. Esta formalidade está preenchida.

Mas examinemos o artigo 142.° Diz elle:

«Admtttida á discussão, e vencida a necessidade da reforma do artigo constitucional...» etc.

«Vencida a necessidade da reforma.» Não é a qualidade, é a necessidade. Se acaso nós entendessemos que era a qualidade do reforma, deviamos tambem entender, e n'esta parte afasto-me inteiramente da opinião do sr. visconde de Moreira de Rey, que era um mandato imperativo aquelle de que viriam revestidos os eleitos com poderes especiaes (apoiados).

Ora, esta hypothese não póde dar-se, porquanto o artigo 143.° diz terminantemente:

«Na seguinte legislatura e na primeira sessão será a materia proposta e discutida, e o que se vencer prevalecerá para a mudança», etc.

O que se vencer não póde nunca ser a confirmação obrigatoria das disposições approvadas na camara anterior, mas sim o resultado do convencimento por virtude da discussão que póde ser em um sentido até desconhecido para os auctores da primitiva proposta.

Se pois a camara, com poderes extraordinarios, póde approvar o que julgar melhor, inutil é que se tenha reformado em um dado sentido, basta saber-se e vencer-se que a reforma é necessaria. Como ella ha de ser a futura camara o dirá. Para que, pois, era necessario apresentar já o projecto da reforma determinada e precisa?

Não póde portanto ser este o argumento de que alguns srs. deputados se serviram para votar contra a admissão á discussão.

E de mais a camara sabe bem que a admissão á discussão não importava a sua approvação (apoiados), havia de ser mandado á commissão respectiva para dar parecer, e por occasião da discussão é que eu desejava ver apresentar aos membros d'esta casa os seus projectos ou emendas ou propostas de modificação. Quem não quer a discussão foge da luz, receia a verdade, consequencia d'ella.

É por isto que foi com grande sentimento e magoa que vi que a camara nem sequer admittiu o projecto á discussão!

Sirva-me ao menos de consolação, que todos os oradores que fallaram, uns em nome de partidos, outros exprimindo a sua opinião individual, foram concordes em que a carta precisa de reforma. Sirva-nos de consolação e de justificação. O argumento da opportunidade já está respondido por os meus collegas e amigos, que citei; permitta-me v. ex.ª que eu diga sómente que não vejo no procedimento dos que rejeitaram, pelos motivos que allegam, um meio ardiloso ou maneira airosa de fugir a uma discussão util e proveitosa, que se quiz evitar, furtando-se á responsabilidade de uma rejeição clara e absoluta. Res non verba. O paiz saberá quaes são os verdadeiros amantes da sua prosperidade.

O sr. Lobo d'Avila: — Tendo chegado á camara um pouco mais tarde, e não havendo da minha parte o proposito de deixar de emittir o meu voto em uma questão tão grave, como é a da reforma da constituição, permitta-me v. ex.ª que eu declare qual o meu modo de pensar a este respeito.

Não rejeito a idéa da reforma da carta, pelo contrario abraço-a. Entendo que ha alguns artigos da carta que devem ser alterados para a pôr ao nivel dos progressos da civilisação, para ceder á indicação de certas necessidades publicas, e ás lições da experiencia.

Portanto não sou opposto á idéa fundamental do projecto, e julgo mesmo, se me é permittido interpretar o vota dos srs. deputados que não admittiram o projecto á discussão, que não entrou na mente de ninguem o negar a idéa da reforma de alguns artigos da carta (apoiados), que foi uma questão de opportunidade para uns, e talvez um escrupulo de fórma para outros (apoiados), e que não ha aqui separação de partidos, nem motivo para se inculcar que ficaram de um lado os que queriam a reforma da carta, e do outro os que a não querem (apoiados).

Entendo que de toda a parte se tem reconhecido a necessidade de reformar alguns artigos da carta, que n'este ponto estamos todos de accordo, e que não ha nenhum partido que seja opposto a essa reforma.

Dizendo isto, creio que faça justiça a todos os partidos (apoiados), porque não creio que nenhum seja opposto á idéa da reforma dos artigos da carta, que a experiencia tem mostrado que carecem d'essa reforma (apoiados).

Portanto não se trata de dividir os partidos em presença d'esta questão, trata-se de julgar uma questão de opportunidade e de fórma tambem, porque tem algum valor no systema constitucional uma questão de fórma, no meu modo de entender, e trata-se de avaliar em referencia a esta opportunidade as circumstancias do paiz, e ver qual lhe é mais conveniente e vantajoso, se aguardar por algum tempo a reforma dos artigos da carta, ou faze-la desde já. Parece-me, talvez esteja enganado, que o modo por que está feita a proposta não é o melhor e o mais regular, porque a carta diz, no seu artigo 140.°, que, logo que se reconheça a necessidade da reforma de alguns dos seus artigos, se possa fazer a proposta para essa reforma. Não quero já entender restrictamente que seja um só artigo; mas, ainda mesmo que se julgue que póde ser mais de um artigo, o que se não póde deixar de entender é que, pelo modo como se expressa a carta, a idéa de reforma nunca póde ser a sua demolição e a sua reconstrucção completa (apoiados), senão a reforma dos artigos que a experiencia tiver demostrado carecerem d'ella. Este é que é o espirito, e parece-me que a letra do artigo 140.° da carta.

Não quiz que se fosse revolver toda a carta, para a remodelar toda de novo, quiz dar uma certa estabilidade á lei fundamental, sem tolher o seu aperfeiçoamento. E teve rasão, porque a remodelação completa da constituição de um povo é uma cousa muitissimo grave, e não se deve estar a refundi-la todos os dias (apoiados).

Portanto, a carta o que quiz foi facilitar que se reformassem os artigos que a experiencia tivesse demonstrado carecerem de reforma.

Ainda agora se disse: «Recusar que a reforma seja feita no parlamento pelos meios ordinarios, póde entregar-se o paiz a uma agitação anarchica». Oh! sr. presidente, não se poderá discutir em publico um artigo da carta que carecer de reforma sem haver anarchia? Não será essa discussão legitima, essa agitação constitucional? Não será vantajoso que a reforma seja primeiro discutida pelo paiz, e que a opinião amadureça para depois se traduzir em factos no par-

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lamento? Pois o adiamento d'esta reforma implica a sua condemnação absoluta? Não (apoiados). Não vemos nós n'uma nação, que se toma por modelo n'estes assumptos, quando se tenta qualquer reforma nas suas instituições, que muitas vezes não passa no primeiro anno, volta no segundo e terceiro, e a final triumpha quando está amadurecida na opinião publica? (Apoiados.) Pois o adiamento temporario de uma reforma até que ella amadureça bem na opinião publica, até que se defina positivamente, importa a sua condemnação absoluta? Não creio, nem ninguem o póde acreditar (apoiados).

Portanto, não receio que d'ahi nasça anarchia alguma; e estou persuadido que os homens sinceros e amantes da legalidade e do seu paiz não hão de tirar d'aqui pretexto para essas agitações anarchicas; pelo contrario, hão de recorrer á imprensa, á discussão publica, para esclarecer os diversos pontos da carta que carecerem de reforma (apoiados); e logo que tenham sido conhecidos e bem apreciados quaes são esses pontos que carecem de reforma, e que a opinião publica se tenha manifestado, de certo o parlamento ha de ter muito em conta essa manifestação, e não ha de deixar de a attender. Portanto não vejo aqui esses inconvenientes que a alguem se antolharam.

Não me consta que n'esses programmas dos diversos partidos ou fracções que tenho visto publicados a respeito de reformas politicas, que se tenham mencionado todos esses titulos e artigos da carta que a proposta comprehende. Tem sido mencionado um ou outro ponto, mas restricto, como por exemplo a reforma da camara hereditaria e a extincção do fôro privilegiado para os membros do parlamento; mas não tenho visto tocar em muitos dos outros pontos da carta n'esses programmas, ou agitar-se essa questão nos meetings do povo.

Portanto não se diga que está completamente preparada a opinião publica, e que ao parlamento não resta senão traduzi-la em factos. Em todo o caso, entendo que a remodelação completa da carta constitucional seria altamente inconveniente, e contraria aos principios legaes da sua reforma nos termos em que ella é definida (apoiados). Digo que uma questão d'esta ordem, aceita n'este campo e assim desenvolvida, tem altos inconvenientes, porque se não póde estar discutindo a remodelação completa da constituição de um paiz e ao mesmo tempo occupar se seriamente de outras questões (apoiados).

A remodelação completa da constituição de um paiz é tão grave e tão importante, que naturalmente prejudicaria o estudo de todas as outras leis organicas de que o paiz carece, e paralysaria para outros assumptos urgentes a acção do parlamento e do governo.

Sem pretender de modo algum que se trate exclusivamente da questão financeira e administrativa, é certo todavia que estas são as mais urgentes; porque sem desapparecer o deficit, sem nós termos meios para dotar a instrucção publica, que ha de esclarecer os povos, sem a questão de fazenda estar resolvida, nós difficilmente podemos dar um passo (apoiados).

Bem sei que se diz que a resolução da questão politica pela reforma da carta póde vir influir na questão de fazenda.

Eu não sei se nós devamos attribuir a dessiminação em que estão os partidos, e que tão inconveniente é ao paiz (apoiados), esta especie de anarchia politica que tem enfraquecido todos e que não dá elementos governativos; não sei, digo, se nós devamos attribuir isto aos defeitos da carta, ou do acto addicional, ou ás paixões politicas e á menos boa direcção que têem tido os negocios publicos (apoiados).

Eu não sei; mas o que sei é que, se se fizesse a melhor constituição do mundo para um povo que não tenha juizo, nem habitos para a praticar, ver-se-ía os resultados que ella produziria.

Veja-se que resultado tem produzido a constituição eminentemente democratica das republicas hespanholas da America, ao passo que a constituição eminentemente liberal dos Estados Unidos produz optimos resultados.

Portanto, é de necessidade que os povoa estejam preparados para receber essas constituições; e nem sempre as melhores constituições, theoricamente fallando, produzem os melhores resultados (apoiados).

É necessario que as leis sejam adaptadas ao estado de civilisação e aos costumes dos povoa a quem são destinadas (apoiados).

Entendo pois que seria conveniente a reforma de alguns artigos da carta constitucional, que a experiencia tiver mostrado necessaria: o seu aperfeiçoamento successivo por tarefas parciaes e não a sua reconstrucção por empreitada geral; e por este modo poderiam talvez caminhar parallelamente todas as questões que mais urge resolver, como são as de fazenda e de administração, sem se prejudicarem reciprocamente.

Fundado n'estas considerações, eu teria votado, se estivesse presente, para que se não admittisse á discussão o projecto proposto.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Francisco Mendes: — Sr. presidente, respeitando as deliberações da camara não entro na discussão do projecto que não foi admittido, e manifestarei unicamente o sentimento que me acompanha por tal resolução.

A admissão do projecto á discussão não significava a sua approvação; elle havia de ir á commissão de legislação, ou a uma commissão especial nomeada pela mesa ou eleita pela camara, e sobre o parecer d'essa commissão é que havia de haver discussão e votação, podendo então julgar-se da sua conveniencia, opportunidade, e precisar-se o que havia de ser reformado.

Não entro portanto na discussão e manifesto simplesmente o sentimento que tive, vendo que uma camara composta quasi na sua totalidade de quatro partidos, que todos se dizem progressistas e liberaes, taes são os partidos regenerador, historico, reformista e constituinte, nem ao menos quizesse admittir á discussão o projecto que lhe apresentei. E, sr. presidente, não posso deixar de especialisar o partido rgenerador, apesar das tendencias conservadoras que hoje lhe attribuem.

Este partido, que tem por chefe o sr. Joaquim Antonio de Aguiar, que eu aprendi a respeitar desde creança pelas suas altas virtudes e grandes serviços á liberdade, e que tem por orgão um jornal, que se chama Revolução de setembro, tambem votou contra a admissão do meu projecto!

Não me admirava que quatro ou seis cavalheiros que pertenceram ao partido conservador o rejeitassem, porque a este assusta os sempre qualquer mudança na constituição; mas em relação aos que não estão n'este caso, o seu voto não podia deixar de me surprehender.

Portanto não faço mais que manifestar o sentimento que tive, de que os partidos que se dizem liberaes, nem ao menos dessem ao projecto as honras da discussão.

O sr. Eduardo Tavares: — Tenho por motivo ponderoso faltado a algumas sessões, mas tratando se hoje de um assumpto importante, fiz tenção de estar presente para votar como entendesse. Infelizmente não pude chegar á hora em que a votação teve logar; pedi pois a palavra para declarar o meu voto.

Assim como entendo que ha occasiões em que a abstenção politica póde ser o meio mais pacifico para protestar contra uma certa ordem de cousas que se não reputa vantajosa para o paiz, julgo tambem que, em questões radicaes, não emittir o voto é suprema cobardia.

Não tendo pois, a meu pezar, assistido á votação que ha pouco teve logar, preciso declarar que, se estivesse presente, votaria para que o projecto apresentado pelo illustre deputado, o sr. Francisco Mendes, fosse admittido á discussão. E fa-lo-ía, alem de outras, por duas especiaes rasões. A primeira, porque sou d'aquelles (sem fazer injuria a ninguem), que reputam a discussão o meio mais conducente a

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extremar o bom do mau; e a segunda, porque tendo tido na sessão passada uma luta n'esta casa para fazer admittir á discussão um humilde projecto de lei, desde esse momento impuz me o dever de admittir á discussão todos os assumptos que viessem aqui, qualquer que fosse a sua natureza, uma vez que fossem apresentados em termos de deverem ser discutidos; não podia pois n'esta occasião não faltar a este preceito que a mim mesmo me impuz.

É o que tinha a dizer a v. ex.ª e á camara.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Fui dos que chegaram tarde; por isto não pude dar o meu voto ácerca da reforma da carta.

Declaro a v. ex.ª que se estivesse presente não tinha a menor duvida em admittir á discussão o projecto.

Parece-me que a carta não obrigava os signatarios d'elle a redigirem-no de outro modo; indicaram, como reformandos, uns poucos de titulos; admittido á discussão, a camara poderia altera-lo, restringi-lo, e emfim proceder em relação a elle como é de uso a respeito de qualquer outro (apoiados).

Votando a admissão, não tencionava approva-lo tal qual; queria que sómente se alterassem os artigos, ácerca dos quaes a opinião publica já se tem pronunciado.

Vi com prazer que ninguem fallou contra a necessidade de mais ou menos vasta reforma; até um dos cavalheiros mais illustrados d'esta camara, que não votou a admissão, o meu mestre e amigo, o sr. Adriano Machado, disse que tencionava apresentar á camara uma proposta de reforma da carta, indispensavel para que a reforma administrativa seja largamente descentralisadora.

V. ex.ª viu que a reforma da carta foi, a bem dizer votada pela camara; todos os individuos que faltaram a este respeito, disseram que ella era precisa; concordaram na essencia, discordaram nos accidentes.

Ainda que não pertenço ao partido reformista, é meu dever affirmar que acaba de praticar um acto assás nobre; é elle o primeiro que propõe a reforma da carta pelos meios legaes.

V. ex.ª sabe que todas as reformas da carta têem sido feitas por modo revolucionario e illegal; não quero com isto lançar a menor macula sobre o caracter d'aquelles individuos, que...

O sr. Placido de Abreu: — E o acto addicional?

O Orador: — O acto addicional?! Revolucionario e illegalissimo tambem.

Todas as reformas da carta, eu o repito, foram feitas illegalmente; não quero com taes palavras indicar a menor macula no caracter dos individuos que prestaram seus esforços para a realisação da reforma; estavam entre elles os homens mais notaveis do reino.

A constituição de 1838 não foi senão o resultado da notavel revolução de 1836; a restauração da carta constitucional foi tambem um acto illegal; veiu da revolução do Porto, na qual tomou parte importante um ministro d'essa epocha; é pois, esta a vez primeira que a reforma da carta é legalmente tentada. E devo dizer que não attribuo tal facto sómente ao partido reformista; elle procede tambem de que os costumes publicos se têem aperfeiçoado de tal modo, que todos estão intimamente convencidos de que a revolução é má, e de que os meios legaes são muito melhor systema para conseguir todas as reformas uteis e todas as liberdades.

Sr. presidente, custa-me ouvir dizer, que n'este paiz não ha a instrucção necessaria, para que seja util qualquer reforma; pergunto, se todos que aqui se sentam, e que são representantes do povo portuguez, julgam que os seus constituintes não souberam quem elegiam? Creio que aquellas palavras não foram soltadas n'esta camara como offensa ao reino; eu mesmo sei e declaro que a instrucção popular é tenue; mas não creio que o povo portuguez seja de tão debil intelligencia e cultura, que não possa partilhar nos debates politicos e assás contribuir para seu progresso; a verdade é que ás vezes elle julga melhor que os grandes estadistas, sobre o que é acertado e conveniente para o bem nacional.

Tem-se allegado tambem a inopportunidade da occasião para discutir a reforma da carta; e até se fallou dos desvarios da communa, assim como do que succedeu em França, e do estado actual da Europa.

Mas, sr. presidente, o que é de uso fazer em relação a qualquer lei nossa, senão altera-la segundo as indicações dos outros povos? Portugal procura modificar a legislação geral, segundo o vae aconselhando a experiencia dos mais adiantados reinos; ora a nossa carta (que foi uma dadiva e não uma constituição) não soffre confronto lisonjeiro com as leis fundamentaes das outras nações, portanto o exame da organisação politica da Europa nos aconselha a reforma.

Não se falle da communa por modo que fique olvidada a origem d'ella. Depois das loucuras communistas a França não quer o imperio; quer a descentralisação, quer a republica. Condemnemos os desvarios de París, mas nós não nos esqueçamos dos erros d'quelles que indirectamente os fomentaram; o proprio sr. Julio Favre, n'um documento notavel, indicava como causas de todas as calamidades o imperio e a assombrosa centralisação.

Desejo que tratemos das questões administrativas e financeiras; porém não desprezemos as questões politicas.

A historia de todos os povos nos dá exemplos de que é na occasião do lançamento do imposto que muitas vezes se fazem as maiores conquistas da liberdade (apoiados).

De tudo quanto hei dito se conclue que não podia deixar de admittir á discussão o projecto conforme está redigido, para mais tarde apresentar algumas observações a respeito d'elle.

Felicito á camara por ter dado provas da importancia que liga a esta questão; grande parte dos seus membros entenderam que deviam explicar o seu voto; e dois illustres deputados que este anno o são pela primeira vez, um d'elles escriptor brilhante, o sr. Pinheiro Chagas, e o outro, um moço repetidas vezes laureado na universidade, o sr. Rocha Peixoto, escolheram este dia para a sua estreia; é que a materia é importante, e a occasião solemne.

Sr. presidente, o que acaba de succeder n'esta casa manifesta que as divisões dos partidos não são fundas, como parecem a muitos que as analysam; a grande maioria da camara tem os mesmos intuitos; e unicamente ha divergencias sobre a opportunidade de realisar a reforma.

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Não posso dar os parabens á camara. Não felicito o paiz pelo que se passou hoje n'esta casa, pelo drama que acaba de representar-se.

Sr. presidente, está de luto a liberdade. Por sobre a bandeira da democracia fluctua e ondeia o crepe funerario (muitos apoiados),

Sr. presidente, do seio d'esta assembléa fugiram espavoridas ou á liberdade ou a logica. E talvez que uma e outra fugissem malferidas e ensanguentadas. O que é isto, sr. presidente? Que espectaculo é este? Como se explicam estas contradicções?

Todos querem apresentar-se progressistas; todos querem professar um grande credo; todos pretendem levantar-se no dorso da grande onda popular, que agita as sociedades modernas; todos protestam hastear essa bandeira, esse labaro sacrosanto, em torno do qual tantas victimas hão mordido a poeira no campo dos combates, e nos pleitos nem sempre incruentos da idéa; todos, todos, ainda os mais reaccionarios, se confessam sacerdotes do progresso; mas todos tambem, em nome da opportunidade e da occasião, e das conveniencias do momento, e não sei de que mais, se revoltam contra esse credo que professam, contra a doutrina que evangelisam!

Que logica é esta? Que principios liberaes são estes? E que homens liberaes são estes tambem?

Vejo em tudo isto uma questão de opportunidade, mas não vejo uma questão de principios, uma questão grandiosa, enorme e prodigiosa, que abrange o seu vasto ambito a to-

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dos os corações humanos, a todo o palpitar e a todos os frémitos da humanidade. Quando se trata de uma these grandiosa, vejo restricções. Sim, sr. presidente, vejo estes mariantes de má morte caminhando com a sonda na mão, palpando e tenteando onde estão os recifes e os parceis para os evitar, sem se lembrarem que o oceano popular é assás largo e assás profundo para os trazer a todos n'um dos seus accessos de colera omnipotente (apoiados)!

Aceito cathegoricamente a confissão e protesto feito pelo sr. visconde de Moreira de Rey. Perante esta occasião solemne e sacrosanta, perante esta discussão momentosa, estão definidos os campos, estão os partidos divididos (apoiados).

Ha de hoje em diante em Portugal dois verdadeiros partidos; um que tem grandes e nobres aspirações e caminha á conquista de melhores doutrinas, e o outro está agarrado aos rochedos do passado d'onde se não quer levantar (apoiados).

O sr. Santos e Silva: — Ah! o illustre deputado équem define os partidos?

O Orador: — Digo ao sr. Santos e Silva que não sou eu que defino os partidos: quem define os partidos são os seus actos e os seus feitos no governo e na opposição (apoiados).

Declaro francamente e mais uma vez que os partidos estão divididos: uns alongam os olhos para o futuro; outros olham com a saudade entranhada n'alma, para o que lhes fica no passado!

Sr. presidente, não ponhamos mascara, não nos enverguemos em manto, que não posso dizer de cobardia, ou o da hypocrisia, mas que de certo é o da hesitação e o da fraqueza: Tenhamos todos a coragem das nossas opiniões, das nossas idéas e dos nossos principios, e digamos francamente o que pensamos de nós (apoiados), para que outros o não façam mal e intrepretem injustamente a nossa fé politica (apoiados).

Sr. presidente, desconfiar-se-ha das intenções santas do partido reformista? Engano!

É preciso que todos nos convençamos de que o partido reformista, apresentando, como apresentou, com toda a lealdade este projecto de lei para a reforma da carta constitucional, não veiu em nome de um meneio politico, veiu em nome das suas convicções hastear outra vez os principios que ha muito tempo aqui confessara (apoiados.)

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — É o partido progressista que promulgou uma lei eleitoral em dictadura!

O Orador: — Ah! Sr. presidente! Que triste accusação, á qual já por vezes aqui respondi, e á qual hei de ainda responder por uma vez!

Apresenta-se agora esta questão de opportunidade como a bandeira de salvação da patria; mas o partido reformista, que apresentou agora esse projecto, julga que chegou a occasião opportuna para faze-lo, por isso mesmo que por toda a Europa se alastra a onda enorme d'estes grandes principios (apoiados).

E para responder á questão de opportunidade invocada pelos srs. deputados, nós apresentâmos o bom senso de toda a Europa (muitos apoiados).

Os partidos que estão aqui representados dizem que têem medo de levantar uma questão social; e acrescentam logo — está levantada! Está com effeito levantada a questão social. Não vêdes a Hespanha? A França? A Italia? Aos clamores da sociedade moderna, pedindo e invocando esta grande revolução, tão pacifica como fecunda, os partidos cruzam os braços, allegando a inopportunidade! Quereis antes a revolução armada? Quereis a anarchia? O que quereis pois (apoiados)?

Não sei o que quereis! Mas sei o que queremos e o que quer o meu partido. Quer a democracia pacifica e eu quero-a tanto ou mais do que ninguem! (Apoiados.)

Como homem, que na sua vida publica, posto que estreita e bastante limitada, não deu ainda um unico motivo para que qualquer individuo lhe possa arrojar ás faces um insulto merecido (apoiados), faço esta declaração em nome do meu partido e em meu nome (apoiados).

Faço esta confissão appellando para a universalidade dos nossos principios. E não desprestigio os outros partidos. Respeito-os, mas lastimo-os.

Os partidos invocam a opportunidade; nós tambem a invocamos.

Os partidos dizem que não é agora occasião opportuna de tratar d'esta grande questão; nós dizemos que o é. Os partidos apontam para si; nós apontâmos para a Europa inteira.

Tenho dito (apoiados).

Vazes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Lourenço de Carvalho: — Como, quando entrei n'esta sala, já a camara tinha pronunciado o seu voto sobre a questão da admissão do projecto apresentado pelo illustre deputado o sr. Francisco Mendes, não posso deixar de dizer que, se estivesse presente, tambem votaria contra a admissão.

Tenho ouvido expor largamente as rasões em que os diversos illustres deputados, que têem fallado, firmaram o seu voto a favor ou contra a admissão, e creio que facilmente me poderia abster de qualquer explicação para justificar o meu voto, como tambem me podia dispensar de qualquer protesto de liberalismo, profissão de fé ou asseveração de progressista.

Não desejo por fórma alguma tomar tempo á camara; não posso porém deixar de declarar, por isso que sou homem novo em politica, e tenho uma vida publica ainda curta, que sou liberal de convicção por principio, por educação; e invoco mesmo o principio de hereditariedade; sou liberal por herança de meu pae, cuja convicção politica durante toda a sua vida nunca ninguem duvidou (apoiados). Entendo que os illustres deputados que apresentam o projecto não podem por fórma alguma querer arrogar a si o principio de liberalismo.

Estranho mesmo que fosse esta a occasião em que s. ex.ªs o fizessem, porque me parece que lhes ficaria muito bem que no momento, em que recorriam á uma para esta determinar a escolha dos representantes da nação, s. ex.ªs então apresentassem as idéas que hoje apresentam em termos bem claros e bem definidos.

As idéas de reforma do nosso codigo politico estão no espirito de todos.

Trata-se apenas de saber se esta é a occasião opportuna para nos occuparmos de tal questão.

Eu estou convencido de que aquelles, que suppõem já opportunidade para tratar d'esta questão, não desconhecem a gravidade do objecto. Estou convencido tambem de que, se fosse possivel que todas essas modificações apparecessem na carta constitucional introduzidas por uma mão mysteriosa, a maior parte d'aquelles que hoje votaram contra a admissão do projecto á discussão se dariam por felizes por verem consignado na carta o que todos nós queremos, sem se ter occupado o espirito publico com uma larga discussão, não digo inutil, mas que nos faria perder o tempo tão precioso para tratar de outras questões não menos importantes.

De certo que os illustres deputados, que querem ver consignadas no nosso codigo politico as modificações indicadas no projecto, não são os unicos que têem a convicção da sua necessidade; mas o que eu entendo é que, como disse ha pouco o sr. Lobo d'Avila, se deve aproveitar o ensejo para tratar de questões, que julgo mais importantes e urgentes, não digo pelo seu valor, porque a questão de liberdade é a primeira para todos os homens que se prezam, mas que não têem somenos importancia, se attendermos ás circumstancias difficeis em que se vê esta nação.

Não quero alongar mais estas considerações. Sei que é este um campo vastissimo para que qualquer homem que tenha convicções possa apresentar n'esta assembléa, ou em outra qualquer parte, o desenvolvimento das suas idéas; e

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sei tambem que n'este ponto os sentimentos da camara são unanimes.

Eu não creio que a geração moderna possa ter outros sentimentos; nem a geração que pertence ao passado, geração que eu respeito, porque foi ella que nos conquistou a liberdade. Felizes mareantes, cujo elogio eu farei em toda a parte, porque o sinto no coração, felizes mareantes que souberam guiar o baixel por entre os escolhos, sem nunca irem de encontro ao rochedo, sem nunca naufragarem.

Acredite v. ex.ª que eu não faço allusão nenhuma, nem tenho o menor sentimento malevolo para com qualquer dos partidos representados n'esta casa. O que entendo é que não ha partido nenhum que possa invocar, como credo seu exclusivo, o credo sacrosanto da liberdade (apoiados).

Não tenho mais nada a dizer, e peço á camara que acredite que, votando contra a admissão do projecto á discussão, não porque não deseje, como desejo, algumas modificações na carta, imperou em mim apenas a questão da opportunidade.

Vozes: — Muito bem.

(O orador não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Pinheiro Borges: — Sou um dos signatarios do projecto para a reforma da carta, e apesar de não ter sido admittido á discussão, congratulo-me por ter concorrido para que esse projecto fosse apresentado, porque essa apresentação conduziu á conclusão de que todos os partidos representados na camara são concordes em que a carta constitucional precisa ser reformada (apoiados). Ao partido reformista pertence pois a gloria da iniciativa, tendo por este modo concorrido para que se aceitasse esta verdade, e o partido reformista não podia deixar de apresentar o projecto como o apresentou, porque com relação ás suas idéas estão ellas claramente desenvolvidas no relatorio que precede o projecto, e pela generalidade da proposta quiz deixar a todos os partidos a faculdade de marcar o limite até onde cada um queria chegar, e da discussão devia resultar a verdade (apoiados). Com relação á opportunidade já os srs. Pereira de Miranda, Mariano de Carvalho, Rodrigues de Freitas e outros cavalheiros que têem fallado têem dito bastante para a comprovar: eu acompanho-os e faço meus aquelles argumentos, e ainda acrescento, que julgo muito opportuno que se trate da reforma da carta, porque eu não receio o cataclysmo que póde resultar de uma reforma reflectida e legal, e eu só receio os abusos do poder, porque são elles que quasi sempre têem trazido a anarchia, as revoluções e as commoções violentas que põem em perigo os reinos e as dynastias (apoiados). Eu julgo ser occasião opportuna para reformar a carta, porque é sempre opportuno destruir o deficit da moralidade que talvez nos assoberbe mais que o deficit do orçamento (apoiados), e o deficit da moralidade não se póde extinguir emquanto se não fizerem modificações profundas na constituição do estado (apoiados), porque n'ella existem anachronismos (apoiados), que é necessario fazer desapparecer (apoiados); entendo que era occasião opportuna de reformar a constituição do estado, porque já é tempo de entrarmos nas boas praticas do systema representativo (apoiados). E não diga o illustre deputado que me precedeu, que se perde tempo em estudar estas questões, quando o espirito publico está agitado; porque o não está (apoiados) por este motivo; e talvez a reforma proposta fosse o meio de o socegar (apoiados). O espirito publico, se está agitado, é porque tem graves apprehensões ácerca da governação publica, está agitado pelo facto de haver sete dissoluções de camara em dois annos (apoiados), está agitado por presenciar o modo por que as eleições se fazem (apoiados), está agitado por conhecer as tendencias que ha para estabelecer o absolutismo do poder executivo que é mais insupportavel do que o absolutismo que vem do direito divino (apoiados). Estou portanto convencido e muito convencido que o partido reiormista fez muito bem em apresentar o projecto, que lhe deu a fórma mais conveniente, e que o apresentou na occasião mais opportuna para o submetter á discussão (apoiados).

Vozes: — Muito bem.

O sr. Luciano de Castro: — Eu pedi a palavra porque, como não estava presente quando se votou sobre a admissão á discussão do projecto para a reforma da carta, quero por isso agora manifestar do modo mais claro a minha opinião e o meu voto sobre este assumpto.

Declaro que se estivesse presente votaria contra a admissão á discussão do projecto apresentado pelo illustre deputado o sr. Francisco Mendes.

Se o projecto do illustre deputado estivesse limitado a algum ou a alguns artigos da carta, e não abrangesse a reforma completa de todos os artigos constitucionaes comprehendidos em seis titulos da mesma carta, seguramente o meu voto seria pela sua admissão á discussão.

Eu não me opponho á idéa da reforma da carta. Tenho a convicção de que as nossas liberdades se podem alcançar por uma leve reforma da constituição politica do estado e pela promulgação de boas e sensatas leis organicas que desenvolvam o pensamento contido na carta constitucional.

Ainda mais. Estou convencido de que nós carecemos menos de leis novas do que da leal execução das que temos. Com a liberdade de imprensa, com as garantias individuaes asseguradas a todos os cidadãos, com o direito de reunião e de livre manifestação de pensamento por palavras ou por escripto, com a liberdade eleitoral, e a prohibição da directa intervenção do governo nas eleições, e com a livre discussão no parlamento e a liberrima critica dos actos do governo na imprensa, persuado-me que poderemos alcançar o nosso desideratum em assumptos de liberdade, e de progresso constitucional.

Uma reforma ampla, completa, geral de uma constituição politica, comprehendo eu, que se realise no dia immediato áquelle em que uma grande revolução, sacudindo violentamente os alicerces em que assentava a sociedade e alluindo os fundamentos em que se firmava o edificio do passado, dicta e escreve sobre as ruinas das instituições derrocadas o evangelho e o codigo das novas liberdades.

Eu comprehendo que se escreva então a carta de alforria de uma sociedade nova que se levanta, em nome dos seus direitos e das suas liberdades, depois de uma larga transformação, apoz uma grande luta de idéas; mas n'um governo pacifico e normal, sem excitações revolucionarias, sem exigencias da opinião, sem reclamações da imprensa, não entendo como se possa emprehender uma revolução total, completa, indefinida, illimitada e incircumseripta de todo o codigo politico, porque outra cousa não é a revisão dos artigos constitucionaes, comprehendidos em seis titulos da carta constitucional.

Foi isto o que me assustou. Não se póde sujeitar á discussão todo o nosso codigo politico. Fôra lançar no meio de uma sociedade tranquilla, socegada, toda devotada á tarefa immensa dos seus melhoramentos moraes e materiaes, o germen de debates violentos, perigosos, e porventura funestos á propria liberdade.

Se o illustre deputado, o sr. Francisco Mendes, viesse propor á camara, por exemplo, a reforma da camara dos pares, eu não podia oppor-me a essa idéa; mas sem estar completamente esclarecido sobre á necessidade de uma reforma geral, não provocada por exigencias da opinião illustrada, que mostrem a necessidade de que o parlamento decrete a reforma quasi completa de toda a carta constitucional, eu reputo funestissimo e perigoso que se abra discussão sobre um projecto com tal largueza, tão indefinido, tão illimitado, tão incircumscripto. Foi isto o que principalmente me persuadiu a declarar o meu voto contrario á admissão da discussão do projecto do sr. Francisco Mendes.

Li com a devida attenção o relatorio que precede este projecto, e não achei n'elle rasões que me convencessem da necessidade de uma reforma tão completa, tão vasta, tão ampla, como aquella que se propõe.

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É convicção minha, é convicção de muitos homens illustrados, que o nosso actual regimen politico deve ser aperfeiçoado, mas que póde subsistir ainda durante muitos annos com leves alterações, e sobretudo com o desenvolvimento dos principios de liberdade que contém o pacto fundamantal (apoiados).

Eis aqui a rasão por que não votei pela admissão do projecto á discussão. Mas francamente devo declarar á camara que não me fazem peso as rasões de opportunidade que foram aqui apresentadas até por amigos meus, e com as quaes estou em divergencia n'este assumpto.

Cada reforma tem a sua hora propria. A opportunidade não se improvisa. Ninguem a decreta. Trazem-na os acontecimentos, mais do que a vontade dos homens. É escusado que os partidos e os parlamentos se esforcem por anticipar essa hora. Por mais diligentes que sejam os seus esforços, por mais sincero que seja o seu empenho, creio que só quando chegar a hora propria, só quando chegar a occasião e a opportunidade, a reforma tomára na discussão parlamentar o logar que lhe cabe (apoiados).

Mas o que eu julgo é que não ha inopportunidade para as questões de liberdade (apoiados). O que eu julgo é que por maiores que sejam os melhoramentos materiaes, por mais esplendida que seja a civilisação de um povo, nunca os fructos d'essa conciliação serão abençoados e proveitosos se os não allumiar a luz da liberdade (apoiados).

Não repillo a reforma da carta pela idéa de que seja inopportuna. Não repillo a reforma da carta porque entenda que devemos descurar esse assumpto para nos occuparmos exclusivamente dos melhoramentos materiaes do paiz, porque nos devemos occupar da questão de fazenda, porque devemos convergir todos os nossos cuidados para a reforma administrativa. É indispensavel que tratemos essas questões, porque da sua resolução depende o nosso futuro; mas cumpre que não estejamos de tal maneira preoccupados, que não nos dediquemos de tal modo, com tal afan, com a absorpção de todas as nossas faculdades, á obra immensa dos nossos melhoramentos materiaes, á nossa administração interna, que esqueçamos as questões de liberdade (apoiados).

Tenhamos diante dos olhos o exemplo da França. Desde 1852 a França occupou-se só dos seus melhoramentos materiaes; concentrou a attenção do povo na laboriosa tarefa dos seus progressos materiaes.

E qual foi o resultado? (Apoiados.) Sabem-n'o todos. Foi o que um grande espirito, um dos primeiros homens da Europa, mr. Thiers, vaticinava em 1866 do alto da tribuna parlamentar. Foi esse apego aos melhoramentos materiaes e aos commodos da vida positiva, a par do egoismo e da indifferença politica, que fizeram com que, quando a patria precisou do auxilio de todos os seus filhos, e invocou os esforços de todos os que tinham a mesma nacionalidade, tardou a despertar-se o amor da patria, e demoraram-se em acudir ás fronteiras aquelles sobre quem mais corria o dever da defeza nacional (apoiados).

Não nos esqueçamos, pois, de que a liberdade é o primeiro dever de um povo que sabe comprehender a immensa responsabilidade dos seus destinos nos tempos em que vivemos.

Sob pretexto de reformar a nossa administração, de organisar as nossas finanças, de estabelecer o nosso credito, não nos esqueçamos de que póde chegar um dia cedo ou tarde, em que nos arrependamos sem remedio dos passados erros.

Não pesam, pois, no meu animo as rasões de inopportunidade ponderadas por alguns dos meus amigos e collegas. Outras influiram no meu espirito para determinar o meu voto.

Se eu visse claramente definidos os artigos da carta que precisam ser reformados, se eu visse completamente demonstrada a necessidade d'essa reforma, admittiria á discussão esse projecto, porque para mim uma questão de liberdade está sempre superior e muito acima de outro qualquer assumpto de administração ou de governo.

Que melhoremos a nossa administração, é justo; que tratemos de nos levantar do nosso abatimento economico e financeiro, é justissimo; mas justo e justissimo é tambem que não nos esqueçamos do primeiro, do mais valioso e do mais sagrado de todos os nossos deveres, que é o de pugnar pelos direitos e garantias dos cidadãos que constituem a autonomia e a dignidade de um paiz livre.

Não é por outro motivo que eu repillo o projecto do illustre deputado; repillo-o, porque não estou convencido da necessidade da reforma como o sr. Francisco Mendes a propoz.

Fosse a reforma definida, visse eu indicada a revisão de taes artigos, e estivesse para mim bem claramente demonstrada a necessidade d'essa reforma, que, por mais calamitoso que fosse o estado do paiz, por mais desastrosa que fosse a situação das nossas finanças, por mais carregado que se desenhasse o nosso horisonte economico, não podia deixar de associar o meu voto, não só para que fosse discutido, senão tambem para que fosse approvado o projecto.

(Áparte do sr. Francisco Mendes.)

Perdoe-me o illustre deputado; a discussão não podia deixar de ser sobre os titulos todos a que s. ex.ª se referiu no seu projecto.

Desde que o illustre deputado propõe á camara que decrete a necessidade da reforma de seis titulos inteiros da carta constitucional, é evidente que não podem deixar de ser submettidos á discussão todos os artigos que se comprehendem n'esses titulos.

(Áparte do sr. Francisco Mendes).

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado por Tondella que não continue a interromper. Todos nós sabemos bem o que v. ex.ª propoz; todos nós sabemos apreciar bem o alcance do seu projecto.

O Orador: — Como queria o illustre deputado eliminar da discussão qualquer dos artigos constitucionaes da carta comprehendidos nos titulos ácerca dos quaes s. ex.ª pede ao parlamento que decrete a necessidade da reforma? Era absolutamente impossivel.

Por isso é que eu digo: se o illustre deputado viesse pedir ao parlamento que decretasse a necessidade da reforma de tal ou tal artigo da carta, eu votaria pela admissão á discussão; mas, pedindo s. ex.ª ao parlamento que altere, que modifique, que reforme todo o nosso pacto politico, eu digo que no parlamento que vive em nome d'esse pacto, que tem o direito de o reformar, mas não de o destruir, não póde estranhar se que não seja permittida a discussão de tal projecto.

Pois o illustre deputado, depois de se ter convencido da necessidade de uma certa reforma na lei fundamental do estado, não podia vir aqui declarar francamente «é tal ou tal artigo da carta que carecem de ser reformados; proponho que se decrete a necessidade d'essa reforma?»

Então sim; então aplaudi-lo-ía; então admittiria o seu projecto á discussão; mas propor que ao mesmo tempo se decrete a necessidade da reforma de seis titulos da carta constitucional é querer que o parlamento faça o que só póde resultar de uma grande transformação social, ou politica, é commetter a uma camara de deputados uma reforma que só se póde fazer no dia seguinte áquelle em que uma revolução triumphante dicta as tábuas da nova lei sobre as ruinas do passado.

O sr. Mariano de Carvalho: — Nós o que queremos é evitar a revolução triumphante.

O Orador: — Não é com a reforma da carta que o illustre deputado póde levantar a bandeira de revolução. Se o parlamento fechasse as portas á discussão da reforma da carta, podia surgir ahi um perigo; mas quando de todos os lados da camara se declara que se não admittiu á discussão o projecto, ou por inopportuno, ou por demasiadamente vago, afastada está a idéa de que se não quer revisão da carta, e pelo contrario se mostra que todos os par-

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tidos estão dispostos a acompanhar a opinião publica quando seja demonstrada a necessidade da reforma, e definidos os pontos, que convem alterar.

Por consequencia, como ha de a revolução levantar-se lá fóra se o parlamento, ao passo que defende a carta contra uma revisão indefinida, diz ao mesmo tempo que não nega a necessidade de reforma de alguns dos seus artigos? Ha aqui alguem que negue a necessidade da reforma de alguns artigos da carta? Já alguem contestou o direito de propor essa reforma, quando esteja convencido da sua necessidade? Ninguem.

Se o parlamento dissesse — não aceito nem essa, nem nenhuma reforma; defendo o actual codigo politico como está; não admitto que lhe toquem; sublevaria contra si a opinião indignada, que lhe responderia lá fóra, mais tarde, ou mais cedo, com a revolução triumphante a que s. ex.ª alludiu.

Quando o parlamento esquecido dos seus deveres se deixa obcecar pela paixão da conservação das instituições vigentes, e se recusa a ouvir a opinião publica illustrada, então surgem as revoluções, porque se não deu respiradouro á opinião, porque se não escutou a tempo a voz da justiça popular.

Mas quem nega aqui, ou quem contesta o direito de reformar a carta?

(Áparte.)

Mas se os illustres deputados propozerem ámanhã a reforma de um ou outro artigo da carta, eu estou convencido de que o parlamento não lhe negará o seu voto. Pela minha parte declaro a v. ex.ª e á camara, que me reservo o direito de opportunamente e em occasião propria apresentar aqui uma proposta para a reforma da carta constitucional em certos e determinados pontos.

Já vê v. ex.ª que tanto não creio que a camara, pela sua votação de hoje, tenha pretensões de fechar para sempre a discussão sobre este assumpto, que tenho esperança de poder apresentar n'esta camara um projecto de lei, propondo as alterações que eu julgar necessarios na carta constitucional, e confio que a camara n'esse momento, quando eu definir com clareza as minhas idéas, quando eu propozer alterações de tal ou tal artigo a respeito do qual a experiencia haja mostrado a necessidade da reforma, confio que então a camara dos deputados, qualquer que ella seja, ha de admittir á discussão a proposta. De outro modo seriam inuteis os artigos que permittem a reforma da carta.

São estas as explicações que tinha a dar á camara. E por isso, repito, que se estivesse presente teria votado para que não fosse admittido á discussão pelas rasões que acabei de expor.

Peço desculpa á camara de ter occupado a sua attenção, e agradeço a benevolencia e attenção que me prestou.

O sr. Visconde de Valmór: — Quero simplesmente declarar a v. ex.ª que se estivesse presente quando se fez a votação sobre o projecto do sr. Francisco Mendes teria rejeitado a sua admissão á discussão.

Estimo que assim se procedesse, porque folgo que a camara mais uma vez, como na ultima epocha politica tem feito, affirmasse, de uma maneira evidente, que primeiro que tudo nos devemos occupar das questões de fazenda, e que devemos pôr de lado as questões politicas. Estou convencido de que é esta a verdadeira opinião do paiz (apoiados).

Conheço uma parte do paiz, e n'ella nunca ouvi perguntar pela reforma d'este ou d'aquelle artigo da carta, nem pela necessidade urgente de se tratar d'esta ou d'aquella modificação na constituição do estado; ouço perguntar pelas nossas finanças, como é que nós havemos de resolver a questão do deficit; n'uma palavra, como havemos de resolver a questão da nossa existencia.

O sr. Francisco Costa: — Quando hoje entrei n'esta casa já se tinha procedido á votação relativa ao projecto de que se tem occupado a camara; mas para evitar qualquer falsa interpetração da minha opinião n'esta casa, peço a v. ex.ª e ao sr. secretario que tenha a bondade de declarar na acta que votei contra a admissão d'aquelle projecto.

Comquanto entrasse mais tarde tive occasião de ouvir as rasões apresentadas pelo nosso illustre collega, o sr. Barjona de Freitas, para justificar o voto que deu, similhante ao que apresento agora; confesso a v. ex.ª que me associo completamente, e faço minhas, com a devida venia de s. ex.ª, as idéas por elle apresentadas, as quaes determinaram esta declaração de voto que acabo de fazer.

O sr. Van-Zeller: — Desejo justificar o meu voto, porque não estava presente quando a grande maioria da camara rejeitou a admissão do projecto apresentado pelo meu illustre amigo, o sr. Francisco Mendes.

Declaro pois que votaria pela admissão.

Se me é permittido aproveito esta occasião para mandar para a mesa uma moção.

O sr. Presidente: — O sr. deputado pergunta se é permittido no meio de explicações apresentar uma moção; declaro-lhe terminantemente que não é.

O Orador: — É uma proposta; v. ex.ª póde po-la á votação da camara.

O sr. Presidente: — Não, senhor.

O Orador: — Eu leio-a, e v. ex.ª pela leitura terá a bondade de resolver (leu).

O sr. Presidente: — Não lh'a admitto, porque a camara determinou que só se dessem explicações e não tivesse logar qualquer outro accidente (apoiados).

O Orador: — Peço a palavra para um requerimento.

O sr. Presidente: — Depois de dadas as explicações, na occasião competente, o sr. deputado por Arganil inscreve-se, faz o seu requerimento e faz as propostas que quizer; manda-as para a mesa e a camara as considerará; mas não n'esta conjunctura (apoiados).

O Orador: — V. ex.ª manda lançar na acta a minha declaração de voto?

O sr. Presidente: — Certamente.

O Orador: — Espero que v. ex.ª me dê depois a palavra para um requerimento.

O sr. Franco Frazão: — Pedi a palavra a v. ex.ª para declarar que votei contra a admissão á discussão do projecto de reforma da carta; e votei contra o meu costume, porque em regra admitto tudo á discussão. Entendo que devemos pôr de parte todas as questões politicas, e jamais sendo como esta de tanta magnitude, mas ao mesmo tempo de nenhuma urgencia, o que é preciso, instante e impreterivel é dar ao paiz meios de governação; portanto, alem de outras, a rasão especial por que não admitti o projecto á discussão foi a inopportunidade da proposta; alem de que aceito em parte a rasão apresentada pelo meu collega e amigo, o sr. José Luciano. Mas eu rejeitei a admissão á discussão, porque julguei inopportuna a discussão, propriamente a discussão; isto contra a opinião de s. ex.ª, que julga sempre opportuna a occasião para tratar da liberdade.

Eu, sr. presidente, julgo inopportuna a discussão, porque não vejo ameaçada a liberdade. Se eu visse a liberdade ameaçada, julgaria a questão mais que opportuna, e votaria pela admissão á discussão. Mas nós vivemos ha muito tempo com este codigo politico, e vivemos na mais santa liberdade, como poucos ou nenhuns povos na Europa (apoiados). Parece-me que, não estando a liberdade ameaçada, não ha rasão para exigir que a questão seja immediatamente tratada. Eu vejo que ha muitos povos que têem constituições muito mais liberaes do que a nossa, e comtudo não gosam da liberdade que nós gosâmos; é porque a indole dos povos influe alguma cousa no goso da liberdade e das franquias constitucionaes. Nós gosâmos a sombra da constituição do nosso estado de civilisação e indole ordeira, muita liberdade, que não vejo ameaçada por se não discutir agora o projecto de reforma da carta.

Estimo que essa questão politica fosse protrahida, e que

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tratemos de uma outra, que, supposto não seja tão grandiosa, é para mim mais instante e a mais urgente, a questão de fazenda. Questão em virtude da qual esta camara está aberta n'este tempo tão improprio; questão que é de opportunidade porque sem ella a governação publica não póde progredir, e que o paiz deseja ver tratada, alijando-se para longe as inopportunas, tenazes e inconsequentes questões politicas, que ha mais de um mez fatigam a camara e o paiz (apoiados).

A questão politica fundamental é importantissima e grandiosa; mas a liberdade não está ameaçada, e nós temos muito tempo de a tratar, e não está ameaçada a liberdade porque vi esta camara toda unanimemente manifestar-se em favor d'ella, e pronunciar-se sem reserva completamente em favor do credo liberal. Por consequencia, o que julgo é que esta questão é inopportuna.

Nós estamos com o parlamento aberto n'uma epocha incommoda, impropria e extraordinaria, e que só a necessidade de resolver a questão de fazenda, sem a resolução da qual se não póde governar o paiz, só esta necessidade nos obrigaria a tamanho sacrificio, como nós todos estamos fazendo. Eu pela minha parte estou aqui com grande custo, e creio que á maior parte dos meus illustres collegas acontece o mesmo.

Espero, sr. presidente, ver a camara deserta em pouco, e o orçamento por discutir. Por consequencia, esta é que é a questão da epocha, e não o é a questão da carta, que nós havemos de tratar, que está no animo de todos; porque entendem que a lei politica deve acompanhar os impulsos do progresso. É preciso que se note que o partido reformista diz que alcançou uma victoria, mas eu não vi batalha alguma. E não havendo batalha não lhe posso conceder a victoria (apoiados). O que vi foi todos os membros d'este parlamento, sem excepção de um só, honrarem a liberdade, quererem a reforma que pedem as circumstancias, quererem finalmente que o codigo fundamental acompanhe o progresso da civilisação e caminhe em harmonia com a lei da perfectibilidade humana.

Eu, comtudo, não quero tirar ao partido reformista a honra que lhe compete; mas não posso conceder-lhe a victoria. Concedo-lhe a honra da lembrança de ter apresentado este projecto, supposto ser verdade, que eu posso dizer afoutamente, que a reforma da carta, especialmente de alguns dos seus artigos, está nos animos de todos ha alguns annos a esta parte, e não é uma questão nova.

Termino pois dizendo, que, para mim, a questão de opportunidade, de urgencia e instancia, é a de fazenda. Não devemos por modo algum protrahir esta questão pelas questões politicas. É este o nosso primeiro dever; e em nome da utilidade e das necessidades do paiz, é preciso que immediatamente se trate d'ella, e mesmo porque temos de nos ir embora, não podemos estar aqui todo o verão a fazer politica, o que, junto com o calor da estação, seria sem duvida o peior das flagellos.

Nada mais direi.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Telles de Vasconcellos: — São largas já as explicações dadas n'esta casa. Sâo largas, mas foram bem vindas. Bem vindas sejam ellas, porque é a demonstração mais cabal de que n'esta camara não ha senão o espirito de reformas no sentido liberal (apoiados).

Não é a liberdade privilegio exclusivo de partido algum. A procedencia da apresentação do projecto, que não se admittiu á discussão, não dá esse privilegio de mais liberal a quem o apresentou, quando de todos os lados da camara se apresentam os homens dos diversos partidos, declarando que se convencem que o codigo fundamental do seu paiz precisa ser reformado em alguns dos seus artigos; mas se se não aceitou o projecto foi pela fórma por que vinha redigido, não se definindo os artigos que se devem reformar.

Uma voz: — Designa-se tudo.

O Orador: — Não se designa nada. (apoiados).

(Interrupção.)

Peço perdão. Perde o projecto por designar de mais (apoiados).

N'esta parte aceito a doutrina estabelecida pelo illustre deputado, o sr. Luciano de Castro; para tratar questões de liberdade não se espera a opportunidade. Ha sempre opportunidade em todos os paizes e em todos os parlamentos; mas quando a liberdade do paiz não está ameaçada, quando está garantida na sua essencialidade pelo codigo fundamental do paiz, ha de cuidar-se primeiro das questões que as condições economicas do paiz exigem.

Tendo a camara ha dias votado uma proposta que partiu d'este lado da camara, e que foi approvada por unanimidade, porque creio que um só sr. deputado votou contra, não podia a camara reconsiderar já hoje em tão pouco espaço de tempo.

Não ha privilegio de liberdade para este ou aquelle partido, e eu felicito-me por ver a demonstração a mais cabal de que todos estamos unanimes em que são necessarias essas reformas no sentido mais liberal.

Cumpre-me agora levantar uma insinuação que se atirou de um dos lados da camara á face de todos os partidos.

Diz-se que nós não queriamos o progresso pela legalidade. Ninguem o quer pela illegalidade (apoiados). Se é uma ameaça, declaro que não a aceito de partido nenhum.

Quando d'este lado da camara alguem levantando-se em nome do seu partido declarou que não achava esta a occasião opportuna para tratar da reforma da carta, disse-se que aceitando-se a idéa da reforma de alguns artigos, era mais instante a necessidade de tratar questões que tambem são importantes para a liberdade, questões que a constituição actual não prohibe que se tratem.

Pois é necessario reformar a carta para que tratemos da liberdade eleitoral? A carta precisa ser reformada para que se emende a lei em virtude da qual os representantes do povo vem a esta casa? A carta necessita ser reformada para que se tratem de reformar as leis de liberdade de pensamento, as leis de administração, e para que se vote em uma lei a maior descentralisação administrativa? Creio que não (apoiados).

Portanto eu sou de opinião que se deve tratar primeiro das questões que apontei do que da reforma da carta...

(Interrupção do sr. Mariano de Carvalho, que se não percebeu.)

Peço perdão ao illustre deputado que me interrompe para lhe dizer que o seu partido já teve occasião de fazer tudo isto.

O partido reformista fez até uma lei eleitoral em dictadura, pouco tempo antes do dia em que tinha de se proceder á eleição, e quando os partidos têem d'estes peccados não podem atirar a pedra á face dos outros.

(Interrupção do sr. Mariano de Carvalho, que não se ouviu.)

Se o illustre deputado se incommoda com as minhas palavras, não é esse o meu intuito...

O sr. Mariano de Carvalho: — Não me incommoda nada.

O sr. Presidente: — Peço ao sr. deputado que não interrompa o orador, e ao orador que não responda ás enterrupções.

O Orador: — Então v. ex.ª impõe-me uma tyrannia? Não quer que eu responda a um cavalheiro que me trata sempre com toda a delicadeza?

O sr. Presidente: — Não uso de tyrannia para com o sr. deputado, nem para ninguem; o regimento é que manda e o regimento respeita-se emquanto é lei; quando se intender que o regimento não satisfaz ás necessidades da assembléa, proponha-se a revogação d'elle. O regimento diz que não haja interrupções, e portanto diz ao sr. deputado que não responda ás interrupções.

O Orador: — Eu não sou d'aquelles que costumam desacatar o regimento; e se v. ex.ª não quer que eu responda

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ás interrupções, peço-lhe que não permitta que me interrompam.

O sr. Presidente: — Foi isso exactamente que eu pedi ao sr. deputado primeiro.

O Orador: — Muito bem, e eu concluo já.

Depois de tudo o que se disse apontou-se como argumento invencivel a Europa inteira; pois vejamos o que está succedendo na Europa; vejamos o que se está fazendo, e tire se como argumento se nós deveremos ir agora reformar a carta. É exactamente o contrario, porque todos os srs. deputados lêem os jornaes e sabem que todos os paizes da Europa se estão concentrando e tratando das suas questões de administração, e com estas as de liberdade (apoiados).

Tenho concluido.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Começo por declarar a v. ex.ª, que não peço a palavra, para explicar o meu voto, porque tenho a consciencia das opiniões que manifesto n'esta casa e porque tenho confiança no meu amor pela liberdade. Votando contra ou a favor de qualquer projecto de lei faço-o porque é essa a minha convicção. Podia effectivamente eximir-me a qualquer explicação, não só por estes motivos, mas tambem porque tendo o nosso leader n'esta casa, seja me permittido o emprego d'esta palavra, em nome de todo o partido feito a exposição das rasões que nos tinham levado a não admittir á discussão o projecto de lei da reforma da carta, eu estou perfeitamente á minha vontade com relação a este assumpto.

Se eu podesse ter previsto que a regeição ou a admissão á discussão de um projecto de lei qualquer, por mais importante que elle fosse, poderia ter dado logar a um debate tão largo, tão instructivo, tão pittoresco, como o que temos presenceado, talvez que no remanso do meu gabinete, guardadas as distancias que a modestia recommenda, eu tratasse de architectar dois discursos: um no genero demostenico, uma philipica, outro no genero ciceronico, pro Milone, com o intuito de os applicar ás circumstancias; o discurso agressivo pronuncia-lo-ía se a resolução da camara me não agradasse; o discurso laudatorio, teria de faze-lo se a decisão da camara estivesse de accordo com as minhas opiniões. Mas como estou entregue apenas ás inspirações do momento, e sem o auxilio das tropas, das grinaldas e das imagens opulentas com que o illustre deputado, a que especialmente me estou referindo, costuma abrilhantar os seus discursos; como me sinto desajudado de todos os atavios da retorica, restringir-me-hei a muito breves e succintas considerações.

A primeira necessidade do homem publico é ser tolerante e justo para com os seus adversarios. Este systema de arvorar-se um individuo ou um partido, por mais respeitavel que seja o individuo, por mais importante e preponderante que seja na opinião esse partido; este systema de arrogar-se o direito de chancella de todos os outros partidos e individuos, dispensando com fórma de portaria ou de decreto os epithetos de liberal, de reaccionario ou de conservador, a qualquer individuo ou a qualquer partido, é diga-se a verdade, innocente nos seus resultados, mas os intuitos com que isto se faz nem sempre são muito benevolos.

Este modo de proceder em politica tem um inconveniente para os que o seguem: é o inconveniente da represalia, porque por maior que seja a benevolencia dos partidos para com todos os seus adversarios politicos, por maior que seja o desejo que tenham os diversos membros d'esses partidos de não ferir nehuma susceptibilidade, e não atacar nenhum melindre, chega um momento em que são obrigados a deixar o campo da defensiva e a passar em legitimo desforço para o da aggressão. Isto, sr. presidente, acontece fatalmente.

Um dia diz-se que o partido regenerador tem suas tendencias para conservador, embora seja composto de boas pessoas, e de bons caracteres.

No dia seguinte, se a temperatura está mais elevada, diz-se que tem suas tendencias para a reacção. Cuidado com elle! É o partido do omnibus, mas tem uma certa vitalidade; é preciso ter os olhos abertos, espreitar os seus movimentos e frustrar as suas tentativas.

V. ex.ª comprehende que os partidos que têem applicado toda a sua intelligencia, todos os seus esforços, todos os seus estudos, tudo quanto constitue a sua individualidade moral á defeza dos principios liberaes não podem ver, n'um momento dado, exautorados os seus homens publicos, e accusados de contradictorios com seus precedentes politicos. Isto não póde continuar assim! (Apoiados.)

A represalia e o desforço são, n'esta hypothese, perfeitamente justificados. Pelo que me diz respeito eu folgo de ser justo e tolerante com os homens e com os partidos por maior que seja a distancia que d'elles me separa, e vou prova-lo.

Na questão sujeita o partido reformista é perfeitamente coherente. O partido reformista, na opposição...

O sr. Francisco de Albuquerque: — Peço a palavra.

O Orador: — Entende que a carta é um mau codigo politico e quer reformar seis ou oito titulos d'esse codigo; e, quando sobe ao poder, rasga a carta do mesmo modo, arvora-se em dictador e reforma a lei eleitoral a seu geito, a seu modo, e na corrente que elle suppõe favoravel aos seus interesses (muitos apoiados).

Cumpre notar que isto se passou mui poucos dias antes da eleição, e é exactamente isto o que me leva a persuadir de que a reforma da lei eleitoral foi feita n'um certo e determinado intuito.

Ora o illustre deputado, cujo talento prezo e a cujas qualidades pessoaes sou o primeiro a prestar a mais sincera homenagem, veiu aqui, com face velada e coberto de luto fallar nos da postergação de todos os principios liberaes, porque os seus adversarios levados uns pela idéa da inopportunidade, outros porque entendem que não era bastante precisa e definida a reforma, outros por qualquer consideração, nenhuma das quaes offende a liberdade, rejeitaram a admissão á discussão (apoiados).

Mas o illustre deputado, que se cobria de luto por este facto, tão frequente em todos os parlamentos, não me consta que se cubrisse de luto quando o sr. bispo de Vizeu...

O sr. Osorio de Vasconcellos: — Peço a palavra.

O Orador: — Rasgou a carta e despedaçou em dictadura a lei eleitoral (apoiados).

Aqui é que está a questão.

O sr. Francisco de Albuquerque: — Eu já pedi a v. ex.ª a palavra.

O sr. Presidente: — Pedia a v. ex.ª a bondade de ler o regimento para...

(Susurro.)

(Ápartes.)

O Orador: — O partido, a que tenho a honra de pertencer, tem sido victima de successivas aggressões; e agora que eu tirava um desforço despretencioso e innocente, os illustres deputados...

(Susurro.)

O sr. Mariano de Carvalho: — O sr. deputado disse, que não pedia a palavra para explicações.

O sr. Presidente: — Era melhor que o sr. deputado continuasse com as suas explicações.

O Orador: — Desejo ver sempre v. ex.ª em muito boas disposições de espirito e com a serenidade que v. ex.ª aliás sempre conserva; entretanto lembrarei a v. ex.ª que estas interrupções são até um certo ponto um respiradouro, que eu não considero contrario á boa ordem da assembléa. Responder benevola e cortezmente a todas as interrupções que são feitas do mesmo modo, não contraria as nossas praxes parlamentares (apoiados) nem prejudica a ordem do debate.

O sr. Presidente: — Permitta-me o illustre deputado que lhe diga que, se eu abrir esse exemplo, não sei até onde poderá ir ámanhã; e não tenho meio de reger a ordem dos trabalhos! (Apoiados).

Sei que não sou o mais competente para occupar este lo-

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gar, e até creio que qualquer dos srs. deputados seria mais competente para o exercer do que eu; entretanto, em quanto aqui estiver, desejo que os trabalhos sejam mantidos com toda a placidez.

E permitta-me ainda o illustre deputado que lhe diga, que, segundo entendo, os dialogos não esclarecem debate nenhum; todavia deixo a v. ex.ª ser juiz d'este pleito, e resolverá o que entender melhor para a ordem do debate.

O Orador: — Sujeito-me com o maior respeito ás observações de v. ex.ª; mas v. ex.ª comprehende que ás vezes o orador se vê obrigado a responder aos ápartes que lhe são dirigidos.

Vou terminar.

Disse-se aqui e no meu entender muito bem «que não são estas nomeações de reacionario ou de não reacionario, de liberal ou de não liberal que classificam os partidos: o que classifica os partidos são os seus actos» (Muitos apoiados). Inteiramente de accordo. E se o partido regenerador é classificado pelos seus actos no poder, assim tambem pelos seus actos no poder está classificado o partido reformista (apoiados).

O sr. Melicio: — Declaro a v. ex.ª e á camara que, se estivesse presente quando se votou a admissão á discussão do projecto de reforma da carta constitucional, teria votado contra; e igualmente declaro que faço minhas as considerações apresentadas a esse respeito pelo meu honrado amigo o sr. Anselmo Braamcamp.

O sr. Presidente: — Estão concluidas as explicações que deram trinta e um srs. deputados. Alguns senhores pediram pela segunda vez a palavra, mas bem sabem que para explicações não se dá a palavra segunda vez.

O sr. Mariano de Carvalho: — O illustre deputado o sr. Sant'Anna e Vasconcellos começou o seu discurso, dizendo que não usava da palavra para explicações, e desde que fallou entende-se que não foi para explicações.

O sr. Presidente: — A censura é feita á mesa, que que não ouviu essa declaração. Agora vamos votar os requerimentos que estão sobre a mesa.

O sr. deputado Claudio José Nunes mandou para a mesa uma declaração, pedindo que se consultasse a camara sobre se consentia que fosse lançada na acta.

Vae ler-se.

É a seguinte:

Declaração

Declarâmos que, votando pela admissão á discussão da proposta de lei, mandada para a mesa pelo sr. deputado por Tondella, desejámos por essa fórma prestar homenagem á liberdade do pensamento e da palavra dos eleitos do povo; resalvando, todavia, o nosso direito de significar opportunamente á camara _e ao paiz, até onde ponderosas rasões de opportunidade e de doutrina constitucional nos permittiriam que collaborassemos na reforma da lei fundamental da monarchia.

Sala das sessões, 29 de agosto de 1871. = Claudio José Nunes = D. Miguel Pereira Coutinho = Antonio Augusto Cerqueira Velloso = Conde de Villa Real = José Teixeira de Queiroz.

Consultada a camara, resolveu que se lançasse na acta esta declaração.

O sr. Presidente: — Vae ler-se agora um requerimento mandado para a mesa pelo sr. deputado por Fafe.

É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que sejam incluidos na votação nominal os votos d'aquelles srs. deputados, que assim o reclamarem antes de terminadas as explicações a este respeito; e declaro que voto pela admissão do projecto da reforma da carta.

Sala das sessões, 29 de agosto de 1871. = Visconde de Moreira de Rey.

O sr. Presidente: — Declaro á camara, antes de se votar, que me parece que esta declaração é contra o regimento.

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Peço a dispensa do regimento.

O sr. Correia Caldeira: — Eu voto contra; não é por ser contra o regimento, é por ser uma cousa que torna impossiveis os trabalhos da camara.

O sr. Presidente: — Vou consultar a camara; mas d'esta maneira, votado isto, não póde haver a validade moral de muitas leis (apoiados).

O sr. Visconde de Moreira de Rey: — Agora nada influe, como muito bem sabe o sr. Correia Caldeira.

Uma voz: — Mas estabeleço o precedente.

Posto a votos o requerimento, não foi approvado.

O sr. Correia de Mendonça: — Participo a v. ex.ª e á camara que a commissão de commercio e artes se constituiu; nomeando para presidente o sr. Dias de Oliveira, a mim para secretario e sendo relator o sr. Silveira Vianna.

O sr. José Maria dos Santos: — Quando entrei n'esta casa já tinha tido logar a votação da admissão á discussão do projecto apresentado pelo sr. Francisco Mendes, por isso declaro que se estivesse presente teria votado contra a sua admissão.

O sr. Presidente: — Consta na mesa, com sentimento, que está de nojo o nosso collega o sr. Mexia Salema, deputado por Soure. Os srs. secretarios ficam encarregados de o ir desanojar.

O sr. Mariano de Carvalho: —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, reconhecendo que o sr. deputado Luiz de Campos, na sessão de 25 de agosto, não pronunciou as palavras «se está em discussão a communa, peço a palavra», resolve mandar declarar no Diario da camara que só por equivoco foi ali inserta a phrase «peço a palavra».

Sala das sessões, 29 de agosto de 1871. = Mariano de Carvalho.

Foi admittida.

O sr. Melicio: — O que succedeu ao illustre deputado, o sr. Luiz de Campos, tem succedido muitas vezes a outros senhores. No meio da confusão, que ás vezes ha na sala, é muito facil que na mesa dos srs. tachygraphos se não ouçam perfeitamente as palavras como ellas são pronunciadas. Eu mesmo ouvi o sr. presidente do conselho responder ao sr. Luiz de Campos de uma maneira differente d'aquella como ouviram os srs. tachygraphos.

Eu sou o primeiro a declarar que tenho a mais plena confiança na lealdade e zêlo com que os srs. tachygraphos fazem o seu serviço; e o sr. Mariano de Carvalho tem sobejas provas dos bons desejos e da solicitude com que os meus collegas cumprem os seus deveres.

Emquanto á proposta do sr. Mariano de Carvalho, direi que me parecia desnecessario tanto apparato e solemnidade. Acontece isto muitas vezes. Quando ha reclamação a respeito da menos exactidão das notas tachygraphicas, o redactor que está de serviço n'essa occasião toma a competente nota e manda fazer a rectificação no fim da sessão correspondente.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Eu não pedi a palavra sobre este incidente; pedi-a para explicar o meu voto, e não sei se v. ex.ª m'o permitte agora.

O sr. Presidente: — Póde explicar o seu voto.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: — Eu não estava presente quando se votou a admissão á discussão do projecto para a reforma da carta constitucional; portanto desejo dizer, visto que outros já o fizeram, o modo por que votava. Não o teria feito, porque não julgo que o meu voto tenha importancia nenhuma n'esta casa, se outros o não tivessem feito, e sobretudo se não tivesse havido uma proposta, em virtude da qual quem não explicasse o seu voto pareceria indicar desejos de que a sua opinião não fosse conhecida.

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Se eu estivesse presente teria votado contra a admissão do projecto á discussão e fazia isto com muito sentimento por muitas rasões, mas principalmente pelo principio geral que eu sigo de que é raro o objecto que não se deve admittir á discussão, e porque estou costumado a não temer as discussões.

Entretanto comprehendo perfeitamente, pela gravidade do assumpto, a resolução que a camara tomou, e tanto a comprehendo que eu mesmo teria adherido a ella se estivesse presente. A rasão por que o fazia era pelo vago em que o projecto está concebido.

Não quero tomar o tempo á camara com longos discursos, explicando os motivos especiaes do meu voto, deduzidos das circumstancias allegadas no relatorio, aliás admiravelmente escripto, e do modo como o projecto em si proprio e nos seus artigos está organisado. Vinha fóra de proposito estar a fazer longos discursos a este respeito quando não tenho por fim senão manifestar a minha opinião. Tenho outra parte onde a manifeste mais clara e desenvolvidamente sem tomar á camara o tempo que ella reserva para negocios mais importantes. Estou ha muito tempo inclinado á opinião de que é necessario reformar muitos artigos da carta. Já por escripto largamente desenvolvi este ponto, sem me explicar então ácerca da opportunidade, que tambem é uma cousa que os homens d'estado não podem desprezar. Ácerca da opportunidade a propria carta tem em si a precisão da reforma. A reforma de alguns artigos da carta fez-se ha vinte annos, e não é nada extraordinario que depois d'este tempo alguns espiritos escrupulosos lembrem nova reforma da carta.

Quando essa reforma apparecer e se precisar bem a proposta, podem contar commigo.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Santos e Silva: — V. ex.ª tem a bondade de mandar ler a proposta do illustre deputado, o sr. Mariano de Carvalho.

(Leu-se.)

O Orador: — V. ex.ª vê perfeitamente que a moção exige de nós um esforço de memoria. Não é possivel estarmos agora a affirmar que se pronunciaram exactamente umas certas palavras, de que nenhum de nós tomou nota. A idéa podemos te-la presente e afiança-la; quanto ás palavras textuaes, é exigencia mais séria.

Nem o sr. Luiz de Campos disse por fórma alguma, nem membro algum d'esta casa seria capaz de dizer, que defendia a communa (apoiados).

O proprio sr. presidente do conselho, quando respondeu ao sr. Luiz de Campos, estou convencido que lhe não quiz attribuir similhante proposito (apoiados). Veiu-lhe a frase aos labios, e deixou a caír, como recurso oratorio, á falta de outros argumentos (apoiados).

Sr. presidente, é sempre perigoso appellar para actos de memoria (apoiados). Se recorrer ás minhas recordações, parece-me que posso afiançar que o sr. Luiz de Campos disse exactamente aquillo que está no Diario da camara (apoiados). Entretanto não o juro.

Vozes: — Não disse; outras — disse, disse.

(Interrupção.)

O Orador: — Por isso é que eu disse e repito, que são actos falliveis de memoria. Se recorrer ás minhas vagas recordações, o sr. Luiz de Campos disse, sem o pretender affirmar com toda a segurança — se está em discussão a communa, peço a palavra.

Vozes: — Apoiado; outras — não apoiado.

Assim como tambem me parece, que o sr. presidente do conselho respondeu exactamente o que já aqui se lhe attribuiu «que não esperava que houvesse n'esta casa quem quizesse defender a communa» (apoiados).

Digo, eu, pois, que tendo no meu espirito apenas vagas recordações das palavras que se proferiram, e fazendo completa justiça aos honrados sentimentos do sr. Luiz de Campos, entendo, comtudo, que será uma tyrannia querer obrigar a camara a fazer uma declaração e a affirmar, que se pronunciaram exactamente umas certas palavras (apoiados). O que a camara póde affirmar, é que tem idéa exacta dos intuitos leaes e honrosos que animaram o sr. Luiz de Campos. Agora, quanto á reproducção textual das palavras, declaro a v. ex.ª que não me julgo habilitado para votar conscienciosamente a moção, porque tenho receio de ser infiel ás minhas recordações (apoiados).

Melhor fôra retirar a moção (apoiados).

O sr. Mariano de Carvalho: — A camara comprehende a minha posição. Eu não estou advogando causa propria, nem mesmo uma questão de interesse geral, advogo a causa do deputado, que, obrigado a saír da camara por incommodo de saude, me encarregou de mandar para a mesa essa proposta ou outra que indicasse, que o sr. Luiz de Campos affirmava sob sua palavra de honra, que não tinha dito as palavras que se lhe attribuiram. E appello para o testemunho do sr. conde de Villa Real, que é vizinho de logar do sr. deputado Luiz de Campos.

No entretanto escusava o sr. deputado por Leiria vir lembrar o bom serviço que presta a repartição tachygraphica, porque eu sou o primeiro a fazer-lhe a devida justiça. Mas a verdade é, que na mesa dos srs. tachygraphos muitas vezes não se póde ouvir o que se diz em um ou outro ponto da sala.

O facto é que o sr. Luiz de Campos não proferiu a phrase, peço a palavra, e desejava que a camara testemunhasse que elle não proferira similhante phrase. Isto não é um acto de memoria, é um acto de lealdade.

(Ápartes.)

O sr. Presidente: — Peço a attenção da camara.

O sr. Melicio: — Peço a palavra para mandar para a mesa uma proposta.

O sr. Presidente: — Segundo o regimento o auctor de uma proposta póde fallar duas vezes; e os deputados, que se inscrevem para fallar sobre ella, têem o direito de fallar só uma vez.

O sr. deputado por Leiria já fallou uma vez sobre o objecto em discussão, por isso não lhe posso dar agora a palavra.

O Orador: — Vou concluir. Desejava que a camara desse um testemunho ao sr. Luiz de Campos de que elle não tinha proferido a phrase, peço a palavra; mas desde que a camara parece hesitar em prestar este testemunho, eu declaro que retiro a minha proposta. Para mim, assim como para toda a gente, é bastante e vale muito a palavra honrada do sr. Luiz de Campos (apoiados).

Consultada a camara, consentiu que o sr. Mariano de Carvalho retirasse a sua proposta.

O sr. Melicio: — Peço a palavra para mandar para a mesa uma proposta, que me parece satisfazer os desejos do sr. Luiz de Campos.

O sr. Presidente: — Não posso dar a palavra ao sr. deputado para fallar sobre este objecto, porque o sr. Mariano de Carvalho já retirou a sua proposta.

O sr. Melicio: — Mas eu não retiro a minha proposta.

O sr. Presidente: — E eu digo ao sr. deputado que não tem direito de fallar duas vezes sobre este objecto.

O facto é que o sr. Mariano de Carvalho, auctor da proposta, fallou duas vezes sobre ella, e terminou pedindo para a retirar. A camara annuiu. Portanto o incidente caducou (apoiados).

O sr. Melicio: — N'este caso mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

O sr. Presidente: — Póde mandar a proposta para a mesa, mas para seguir os tramites ordinarios.

O sr. F. M. da Cunha: — Pedi a palavra para declarar que, se estivesse presente na occasião em que se votou se a camara admittia á discussão a proposta do sr. Francisco Mendes, eu teria votado pela não admissão.

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PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DO DIA

O sr. Presidente: — Vae ler-se o parecer relativo á eleição do circulo de Macedo de Cavalleiros.

O sr. Barros e Sá (para uma questão prévia): — O que tenho a dizer talvez dispense a leitura do parecer.

Já depois de estar na camara recebi um telegramma do sr. Carolino Pessanha, pedindo, em seu nome e em nome do cavalheiro que se considera eleito pelo circulo de Mirandella, o adiamento, por alguns dias, dos dois pareceres que lhes dizem respeito, porque desejam vir defender a sua eleição.

O primeiro d'estes senhores, o sr. Carolino Pessanha, talvez não tenha necessidade de defender a sua eleição, porque o parecer que lhe diz respeito

é-lhe favoravel; mas o sr. Lereno não está no mesmo caso, visto que o parecer lhe é contrario. N'estas circumstancias parece-me justo que a camara conceda um praso rasoavel, por exemplo, doze ou quinze dias, para que os srs. deputados eleitos possam vir aqui defender as suas eleições (apoiados).

O sr. Presidente: — Póde o sr. deputado marcar o praso do adiamento, e mandar a proposta para a mesa.

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho o adiamento dos pareceres, ácerca da eleição de Mirandella e Macedo de Cavalleiros, por quinze dias, sendo convidados os deputados eleitos. = Barros e Sá.

Foi apoiado este adiamento.

O sr. Mariano de Carvalho: — A respeito do parecer sobre a eleição de Macedo de Cavalleiros, peço o adiamento por dois motivos que vou apresentar. Embora o parecer relativo á eleição do sr. Carolino Pessanha lhe seja favoravel, comtudo póde soffrer impugnação, e da minha parte com certeza a soffre. E n'este caso é justo que s. ex.ª venha defender a sua eleição, e n'este ponto o adiamento está bem em harmonia com os desejos dos illustres deputados eleitos. Alem d'isso eu tambem pediria o adiamento porque me parece que no proprio parecer da commissão ha motivos serios de censura contra o governo. Não está presente o sr. presidente do conselho, que está na outra camara, e eu pedia que o adiamento fosse até estar presente o governo.

O sr. Presidente: — O governo está representado na pessoa do sr. ministro da fazenda.

O Orador: — Mas v. ex.ª sabe que n'estes assumptos de materia eleitoral o sr. ministro da fazenda não póde responder cabalmente.

O sr. Dias Ferreira: — Depois que um collega nosso declarou n'esta assembléa que o sr. deputado eleito por Macedo de Cavalleiros desejava vir defender a sua eleição, e estando eu resolvido a impugna-la, tenho muita duvida em usar da palavra, sem saber o que a camara resolve sobre a questão do adiamento. Não entro por consequencia no debate sem se apreciar esta circumstancia.

Desejava tambem perguntar a v. ex.ª se já tinha vindo resposta do governo a dois requerimentos que eu fiz no principio d'este mez, pedindo alguns documentos relativos ao processo eleitoral de Macedo de Cavalleiros, porque a commissão não se refere a esses documentos, que são aliás importantes.

Um dos documentos que eu pedi foi o relatorio do commandante da força armada que esteve em Macedo de Cavalleiros durante o acto eleitoral, e outro foi a certidão de um corpo de delicto, certidão que póde lançar muita luz sobre a debate.

Provavelmente estes documentos ainda não vieram, e eu desejava que se adiasse esta discussão até que elles fossem presentes á camara.

O sr. Ministro da Fazenda: — Pedi a palavra simplesmente para declarar que a presença do meu collega, o sr. presidente do conselho, é indispensavel na outra casa do parlamento, onde se está tratando um assumpto importante que lhe diz respeito.

O sr. Rodrigues Sampaio: — Devo declarar á camara que á commissão de verificação de poderes não foram presentes os documentos a que alludiu o sr. Dias Ferreira.

Não votaria o adiamento d'esta discussão se a eleição não fosse impugnada, mas desde que alguns srs. deputados dizem que querem combater a eleição, julgo inconveniente proseguir a discussão sem estar presente o deputado eleito que deseja defender a sua eleição.

Foi approvada a proposta de adiamento do sr. Barros e Sá.

O sr. Mariano de Carvalho: — Com relação á eleição de Mirandella parecia-me conveniente que se convidasse não só o sr. Sousa Lereno, mas tambem o sr. Alves Matheus, porque ambos têem diplomas, um passado pela maioria da commissão de apuramento, e outro pela minoria na cadeia.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto de resposta ao discurso da corôa

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. deputado por S. Pedro do Sul.

O sr. Bandeira Coelho: — V. ex.ª e a camara vêem que a hora está muito adiantada, e que não está presente o governo.

Vozes: — Está o sr. ministro da fazenda.

O Orador: — Mas as observações que tenho a fazer são dirigidas ao sr. ministro do reino, e por consequencia pedia a v. ex.ª, sr. presidente, que me reservasse a palavra para ámanhã.

O sr. Presidente: — A camara é que póde decidir. Faltam ainda quarenta minutos, nem menos, e o governo está representado conveniente e dignamente.

O Orador: — E eu pedia a v. ex.ª que consultasse a camara a este respeito; isto é, se consente em que se interrompa a sessão até vir o sr. ministro do reino, diante do qual desejo especialmente fallar, porque é a s. ex.ª que especialmente tenho de me referir. Desejava que s. ex.ª me ouvisse para poder responder ás observações graves, gravissimas que tenho de apresentar.

O sr. Presidente: — Temos ainda muito tempo, e o governo está, como já disse, convenientemente representado. O sr. deputado usa ou não usa do seu direito; se não usa d'elle, passa a palavra a outro cavalheiro.

O Orador: — Então vou mandar para a mesa um requerimento para que v. ex.ª consulte a camara sobre se consente que se interrompa a sessão.

Uma voz: — Parece-me que não ha numero na sala.

O Orador: — De mais a mais, como v. ex.ª vê, creio que nem ha numero na sala.

O sr. Ministro da Fazenda: — Desde que o sr. deputado diz que lhe é indispensavel a presença do meu collega, o sr. presidente do conselho, eu não posso oppor-me ao adiamento.

O sr. Presidente: — Vae verificar-se se ha numero na sala para se votar o requerimento do sr. Bandeira Coelho.

Verificou-se não haver numero na sala.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma de hoje, e mais os projectos n.º 13, transferencia do consulado geral do Cabo da Boa Esperança para Hamburgo; e n.º 9, ácerca dos vogaes do extincto conselho de saude.

Está levantada a sessão.

Eram quatro horas e meia da tarde.

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