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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1269

çuras, mais espinhos e abrolhos que flores e espadanas, é preciso no seu caminho breve e cortado de amarguras, que estejamos sempre attentos aos conselhos e advertencias da historia, principalmente da historia contemporanea. Ora o governo que se senta presentemente n'estes bancos tem um privilegio singular, com que raras vezes os governos têem sido favorecidos pela Providencia; têem o privilegio de ver diante de si estampada, personificada e symbolisada, na sua mais viva e edificante figura, a historia financeira do paiz.
Nunca houve n'esta casa uma opposição parlamentar tão singularmente constituida e tão galhardamente capitancada. É uma Santa-Alliança de financeiros, attribuo lhe este titulo, sem recriminação e sem offensa, porque o amor das tradições, o fanatismo dos passados systemas do governo, e a sua principal predilecção. Nunca houve, n'uma camara, em frente de um governo uma liga, uma cohorte, uma phalange mais cerrada e mais luzida de financeiros jubila dos, que administraram durante largos annos a fazenda da nação.
Ao mesmo passo que na modesta obscuridade do meu banco, concentrado o meu espirito me estou revendo, deliciando e comprazendo nas paginas brilhantes que os illustres financeiros do lado esquerdo da camara estão todos os dias desenrolando diante de nossos olhos deslumbrados, leio nos seus discursos opulentos a historia contemporanea, releio ali principalmente a historia financeira, que é justamente aquella cujos preciosos ensinamentos e advertencias salutares nos são mais necessaries na presente occasião.
Por isso quando ólho para um dos mais vivos, luzeiros d'esta casa, que tem logar no extreme de um dos bancos superiores, e que geriu por longos annos os negocios publicos em largas e diuturnas administração, não posso deixar de estar attento á voz d'esse antigo deputado, que sinto não ver presente, e de aprender com elle nas suas graves orações, nas aturadas navegações a que tantas vezes se tem arriscado, e nos naufragios que tem padecido, e cuja recordação serve de aviso a mais inexpertos navegantes.
Quando eu, depois de versar a historia financeira d'este paiz tal como e narrada e commentada em alguns dos seus mais notaveis capitulos na vida ministerial do sr. deputado a quem me refiro, desço um pouco mais na ordem dos bancos da esquerda, encontro outro distincto financeiro, que foi durante largos annos ministro da fazenda, cujas operações foram numerosas, cujos actos do governo foram varios e multiformes, e cuja palavra, apologia ou auto biographia ministerial, contém explicitamente um curso de finanças, umas memorias preciosas da historia contemporanea da fazenda publica. E quem me póde culpar se estou mudo e attento a voz d'esse distincto deputado, aprendendo ali as concepções do estadista previdente e as praticas do zelozo administrador, e assim me esteja apercebendo com a experiencia dos alheios naufragios para os lances e acasos da propria navegação?
Quando desço um pouco mais na ordem dos bancos parlamentares dou de rosto com outro financeiro benemerito que se senta logo proximo d'aquelle a quem ha pouco me referi. Este senhor deputado, depois do ter combatido tenaz e heroicamcnte os gabinetes a que pertenciam os seus antecessores, depois de ter sido levantado sobre os escudos por uma revolução pacifica, mas não menos temerosa e finalmente triumphante, deixou cair o poder das mãos depois de ter sido arremessado as eminencias do poder pela onda da revolução, deixou fundir, novo ícaro infeliz as azas que os successos politicos, talvez em parte o acaso venturoso, em parte uma fugaz popularidade lhe tinham soldado nas espaldas, deixou se precipitar, sem que vozes lastimosas e plangentes lhe fizessem o officio das filhas compassivas do Eridano, sem que da sua passagem no governo deixasse senão vestigios quasi apagados e difficeis de reler nos annaes politicos e financeiros do paiz. (apoiados e vozes:- Muito bem).
1 0 sr. Fontes.
Não posso n'esta occasião deixar de contemplar na fugitiva galeria que estou apenas bosquejando o meu illustre amigo e confrade sympathico desde largos annos no magisterio, e a quem sou devedor de affectuosas e lisonjeiras expresses, e que mais particularmente me reptou a estas justas parlamentares. Quero fallar do meu honrado amigo, o sr. Mathias de Carvalho. S. ex. ª foi tambem ministro da fazenda em quadra pouco florescente e propicia ao seu tirocinio financeiro. Se os illustres deputados e eminentes fazendistas que se sentam do lado esquerdo merecem na historia menção mais larga e demorada, porque intervieram diuturnamente nos destines do paiz, o illustre deputado a quem estou agora respondendo tem, pelo officio que exerceu e pela deferencia que lhe devo, direito a um logar, embora mais modesto no meu mal exornado pantheon.
S. ex. ª abrilhanta agora muitas vezes a tribuna com os seus lampejos oratorios, e por elles sinceramente felicito a camara e o paiz. Á memoria me vem naturalmente a sua breve e angustiada existencia no ministerio. Estão-me presentes os trances dolorosos por que passou. E quizera que, experimentado nas proprias adversidades, fosse menos severo no juizo dos seus antagonistas. Non ignara mali, miseris succurrere disco. Foi curta a sua passagem no poder, meteorica a sua apparição na scena publica. D'elle poderamos dizer com magua e com verdade, e torcendo-o da medicina do organismo para a medicina da fasenda, o texto pelo qual o celebrado medico de Cós principia os seus famigerados aphorismos. Ars longa, vita brevis. E curta e trabalhada a vida dos ministerios, larga e assombrada de mil difficuldades a arte de governar e gerir a fazenda de um paiz arruinado por tentativas mais bem intencionadas que felizes.
Passou voando pelo poder o meu illustre antagonista, e na sua rapida carreira, no arido deserto da sua popularidade, foi elle um exemplo vivo da vaidade, da sombra, do nada das grandezas humanas, e principalmente das grandezas do poder. Não podia eu pois, como figura historica e como advertencia ás soberbas ministeriaes, deixar do inclui-lo na breve relação que estou fazendo dos estadistas eminentes que até hoje têem gerido os interesses do paiz. E não se diga que por breve devêra omittir-se a vida governativa do ilustre deputado n'este resumido Plutarcho financeiro. Que tão providente e opulenta é nas suas manifestações natureza, que não sómente o cetaceo collossal o giganteo mastodonte com a sua extrema longevidade, senão o ephemero, que nasce e perece no mesmo dia, silo necessarios á eterna harmonia do universo.
O meu silencio tem tido mais variamente commentado do que o podéra ser a minha palavra se fora eloquente. O meu silencio tem sido um longo discurso de dois mezes; apontado, notado, glossado e commentado por quasi todos os distinctos oradores que têem fallado n'este debate e têem assento no lado esquerdo d'esta casa.
O meu silencio, dizem, é nascido desgosto que mo eiva a existencia de ministro, e que me faz sopesar com quasi invencivel repugnancia os encargos d'este officio, Accusam-me de estar em desaccordo com os meus nobres collegas no gabinete, e fazem me a honra, que eu declino, do me supporem um Achilles desgostoso e apostado a encerrar-se na sua tenda, para não tomar parte nas discordias suscitadas entre os chefes perante os muros de llion. Não julgo leves e faceis de levar as fadigas, e principalmente as responsabilidades d'este officio em tempos da tamanha contrariedade, em tão grave conjunctura, quando são escassas as forças mais robustas, os mais entendimentos, e a mais provada sciencia de governo! Mas o meu silencio não quer dizer contradição, nem discordancia.
É esta a occasião do apresentar a v. ex. ª e d camara a unica e verdadeira interpretação do meu silencio. Tem elle sido a desnecessidade de eu fallar quando ,se debatem n'esta casa importantissimos assumptos, estranhos de todo o ponto d repartição que me cabe a honra de reger. De que servi-