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SESSÃO DE 19 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José liaria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Têem segunda leitura dois projectos de lei, um do sr. Cardoso Valente, outro dos srs. Rodrigues de Carvalho, Luiz José Dias, Manuel Espregueira, Goes Pinto, Pinheiro Chagas, visconde da Torre e Miguel Dantas; e bem assim uma nota do sr. Miranda Montenegro, renovando a iniciativa de um projecto de lei apresentado na sessão de 1883. - Apresentam projectos de lei os srs. Vieira de Castro, Casal Ribeiro e Oliveira Martins, que tambem renova a iniciativa do projecto de lei apresentado pelo sr. Illydio do Valle em 13 de março de 1876. - Apresentam propostas para que, á similhança do subsidio de 8:000$000 réis proposto a beneficio da junta geral de Aveiro, seja igual quantia concedida a outros districtos: o sr. Pires Villar, assignada tambem pelo sr. Baptista de Sousa, a favor das juntas geraes dos districtos de Bragança e Villa Real; o sr. Vasconcellos Gusmão, a favor da junta geral do districto de Evora; o sr. Mazziotti, assignada tambem pelo sr. Oliveira Valle, a favor da junta geral do districto de Lisboa: o sr. João Pina, assignada igualmente pelo sr. Oliveira Valle, apresenta uma proposta para que o subsidio pedido para Aveiro se torne extensivo a todas as juntas geraes do continente e ilhas adjacentes que queiram utilisar-se de tal beneficio. Foram todas enviadas ás commissões de administração publica e de fazenda. - Apresentam representações os srs.: José Castello Branco, de muitos eleitores e habitantes da freguezia de S. Martinho das Amoreiras; e Ribeiro Ferreira, da associação commercial de Lisboa. - Apresentam requerimentos de interesse particular os srs. José Castello Branco, Searnichia; Antonio Villaça, Antonio Candido e Elvino de Brito. - Apresentam pareceres os srs.: Searnichia, da commissão de marinha; Simões dos Reis, da commissão de administração publica; e Barbosa de Magalhães, sobre o projecto ácerca do recrutamento. - Por proposta do sr. Casal Ribeiro são aggregados á commissão de agricultura os srs. Almeida e Brito, Vasconcellos Gusmão, Manuel José Vieira, Cardoso Valente e Francisco Ravasco. - Sendo tres horas e trinta, e cinco minutos da tarde, e não estando presente nenhum membro do ministerio, o sr. presidente interrompe a sessão até chegar algum. Ás tres horas e tres quartos entra o sr. presidente do conselho e continua a sessão. - Antes de se entrar na ordem do dia o sr. Franco Castello Branco, dirigindo-se ao sr. presidente do conselho, faz largas considerações, expondo que a camara municipal de Guimarães ainda n'esta altura do anno civil não tinha orçamento para regular a administração, assim nas receitas, como nas despezas, cabendo a responsabilidade desse facto não á camara, mas á auctoridade superior do districto de Braga. - O sr. presidente do conselho responde que o orçamento supplementar de Guimarães estava correndo os termos regulares e justifica o governador civil de Braga, da parte do qual não tinha havido a menor má vontade a respeito da cidade de Guimarães.
Na primeira parte da ordem do dia approva-se sem discussão o projecto n.º 160, approvando, para ser ratificado pelo poder executivo, o accordo para a permutação de encommendas postaes, sem valor declarado, entre Portugal e a Gran-Bretanha, assignado em 2 de julho de 1887.
Na segunda parte da ordem do dia continua a discussão do artigo 2.º do projecto de lei n.° 138, relevando o governo da responsabilidade em que incorrera, por ter assumido o exercicio de funcções legislativas. - Usam da palavra, contra, o sr. João Pinto, e a favor o sr. Eduardo José Coelho, que fica com a palavra reservada para a sessão seguinte. - Ambos fallaram sob a ordem.

Abertura da sessão - Ás tres horas da tarde.

Presentes á chamada 60 srs. deputados. São os seguintes: - Albano de Mello, Antonio Castello Branco, Ribeiro Ferreira, Tavares Crespo, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Eduardo de Abreu, Eduardo José Coelho, Feliciano Teixeira, Freitas Branco, Firmino Lopes, Francisco de Barros, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Sá Nogueira, Casal Ribeiro, Pires Villar, João Pina, Cardoso Valente, Searnichia, Franco de Castello Branco, Izidro dos Reis, João Arroyo, Menezes Parreira, Vieira de Castro, Rodrigues dos Santos, Sousa Machado, Correia Leal, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, José Castello Branco, Pereira e Matos, Abreu Castello Branco, Pereira dos Santos, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, José Maria de Andrade, Oliveira Matos, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Santos Moreira, Santos Reis, Julio Graça, Bandeira Coelho, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Manuel José Vieira, Miguel da Silveira, Dantas Baracho, Estrella Braga, Visconde de Silves e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Mendes da Silva, Alfredo Pereira, Alves da Fonseca, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Antonio Villaça, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Mazziotti, Jalles, Pereira Carrilho, Barros e Sá, Simões dos Reis, Santos Crespo, Augusto Ribeiro, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Madeira Pinto, Matoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco Ravasco, Severino de Avellar, Gabriel Ramires, Guilherme de Abreu, Guilhermino de Barros, Candido da Silva, Souto Rodrigues, Dias Gallas, Santiago Gouveia, Teixeira de Vasconcellos, Alfredo Ribeiro, Alves Matheus, Silva Cordeiro, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Ferreira Galvão, Barbosa Collen, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Laranjo, Figueiredo Mascarenhas, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Abreu e Sousa, Julio Pires, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Marianno de Carvalho, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo Miguel Dantas, Pedro Monteiro, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro e Visconde de Monsaraz.

Não compareceram á sessão os srs.: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Anselmo de Andrade, Sousa e Silva, Campos Valdez, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Pimentel, Augusto Fuschini, Bernardo Machado, Lobo d'Avila, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Estevão de Oliveira, Castro Monteiro, Francisco Matoso, Soares de Moura, Frederico Arouca, Sant'Anna e Vasconcellos, Baima de Bastos, Jorge O'Neill, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Guilherme Pacheco, José de Napoles, José Maria dos Santos, Pinto de Mascarenhas, Mancellos Ferraz, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Brito Fernandes, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Da camara dos dignos pares do reino, remettendo a proposição de lei que tem por fim a constituição de um banco emissor, e bem assim um parecer da commissão de fazenda d'aquella camara.
Á commissão de fazenda.

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - Na cidade de Vianna do Castello existe ha

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1830 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

já alguns annos, legalmente constituida, uma associação protectora do asylo das meninas orphãs e desamparadas, que tem por fim alimentar, instruir e educar creanças do sexo feminino, que por absoluta pobreza ou por orphandade necessitam que a caridade as agasalhe e lhes forneça educação propria a tornal-as no futuro uteis a si e á sociedade.
Nascida da iniciativa particular e sustentada unicamente pela philantropia dos habitantes d'aquella cidade que, apesar de largamente generosa, tem de dividir a sua solicitude por varios estabelecimentos e associações humanitarias que creou e mantem, tão util instituição lucta com dificuldades graves que por certo a teriam derrubado já, se não fôra o zêlo, prudencia e dedicação das gerencias que a têem administrado.
Provém taes difficuldades, já da natureza eventual dos recursos com que a administração tem de fazer face a despezas relativamente avultadas, já da falta de um edificio adequado ao fim d'aquelle estabelecimento, actual e provisoriamente installado sem as condições essenciaes a uma casa de educação e ensino.
Ora succede agora, senhores, dar-se a circumstancia de estar quasi extincta a communidade das religiosas do convento das carmelitas d'aquella mesma cidade, em cujo edificio o asylo das meninas orphãs e desamparadas poderá estabelecer-se convenientemente, proporcionando á infancia desvalida ainda mais largos beneficios que aquelles que actualmente lhe ministra.
Tão util applicação justifica sem duvida o insignificante prejuizo que á fazenda nacional póde advir da alienação desse edifício, e por isso, e por que é convicção nossa que o estado deve proteger e auxiliar a acção benefica de instituições d'esta ordem, temos a honra de apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É o governo auctorisado a conceder á administração do asylo de meninas orphãs e desamparadas da cidade de Vianna do Castello o convento das religiosas carmelitas da mesma cidade com o edificio, igreja, alfaias e paramentos do culto, utensilios de casa, cerca, quinta com sua competente agua, mais pertences, dependencias, a fim de n'elle ser installado o asylo de que se trata.
Art. 2.° Esta concessão só poderá realisar-se depois do fallecimento da ultima das religiosas ali existentes.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Rodrigues de Carvalho = Luiz José Dias = M. A. Espregueira = C. J. Goes Pinto = M. Pinheiro Chagas = Visconde da Torre = Miguel Dantas.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de fazenda.

Projecto de lei

Senhores - A area extensissima do concelho de Gaia, composto de um grande numero de freguezias muito populosas e servidas apenas por tres tabelliães, dois com residencia na sede do concelho e o terceiro na freguezia de Grijó, torna de absoluta necessidade a creação de um officio de tabellião num ponto central do concelho, por fórma a evitar o grave damno que estão soffrendo os interesses e commodidades d'aquelles povos.
Offerece n'este intuito as maiores vantagens a importante freguezia de Pedroso, onde semanalmente se faz a feira denominada dos Carvalhos, a que concorrem os habitantes de todas as freguezias do concelho, effectuando-se ali grande numero de transacções e contratos, a que muito conviria a presença de um officio de tabellião.
Julgando que estas considerações merecerão a attenção do poder legislativo, tenho a honra de submetter á vossa apreciação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É creado na freguezia de Pedroso, do concelho de Gaia, um officio publico de tabellião de notas.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, 18 de julho de 1887. = O deputado por Gaia, João Cardoso Valente.
Lido na mesa, foi admittido e enviado á commissão de legislação civil.

Projecto de lei

Senhores. - A camara municipal do concelho de Fafe, districto de Braga, que tem a impreterivel necessidade do proceder a diversas obras, já no tribunal judicial, já na cadeia e a outras limpezas e asseio na villa, precisa desviar para ellas do cofre de viação municipal a verba necessária.
Considerando que com essas obras poderá gastar, pelo menos, a quantia de 4:000$000 réis, e que não tem recursos, dentro das forças tributarias ordinarias do seu orçamento, para haver similhante verba, acontecendo que no respectivo cofre ficam ainda fundos para os reparos e construcção das vias de communicação que demandem mais urgencia;
Considerando que a casa do tribunal judicial se acha em pessimas condições, para n'elle funccionar a justiça, sem ter uma sala para sessões de jurados, e que o edificio da cadeia está incompleto e a parte já feita em lastimosas circumstancias de salubridade;
Considerando que a villa de Fafe precisa corresponder com algumas obras de necessidade indiscutivel ao seu extraordinário desenvolvimento, devido á iniciativa particular;
Tenho a honra de vos apresentar o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É auctorisada a camara municipal de Fafe a desviar dos fundos de viação a quantia de 4:000$000 réis para ser applicada ás obras do tribunal judicial, da cadeia, da limpeza e asseio da villa.
Art. 2.° É revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 19 de julho de 1887. = O deputado por Fafe, João Monteiro Vieira de Castro.
Pedida e obtida dispensa do regimento, foi lido na mesa, admittido e enviado á commissão de administração publica, ouvida a de obras publicas.

PROPOSTA PARA RENOVAÇÃO DE INICIATIVA

Renovo a iniciativa do projecto de lei n.° 55-A, apresentado n'esta casa do parlamento em 1883. = Augusto Montenegro.
Lida na mesa, foi admittida e enviada às commissões de instrucção superior e de fazenda.
A proposta refere-se ao seguinte:

Projecto de lei

Senhores. - Attendendo a que pelo poder legislativo se acha consignado o salutar principio de que os actores do theatro normal que se impossibilitassem, perpetua ou temporariamente, para o exercício da arte scenica teriam direito a uma reforma, quando pelos seus merecimentos distinctos houvessem obtido uma qualificação honrosa;
Considerando que o decreto de 4 de outubro de 1860, destinado para o theatro normal, foi substituido pelo de 7 de maio de 1878, o qual, mantendo todos estes principios (embora extincto o theatro normal), tornou extensivo o direito ou o premio da reforma a todos os actores que tivessem prestado serviço, ainda que fosse em qualquer theatro não administrado pelo estado;
Considerando que a actriz Emilia Candida, alem do seu merito reconhecidamente relevante, representa desde 28 de abril de 1846, conservou-se no theatro do Gymnasio até 1867, e no theatro de D. Maria II representa ha mais de dez annos, o que junto ao periodo anterior perfaz espaço muito superior a trinta annos; ao passo que a lei exige tão sómente dezoito ou vinte annos;
Considerando os exemplos constantes auctorisados pelo poder legislativo, e que estão na memoria de todos:
Proponho o seguinte projecto de lei:

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SESSÃO DE 19 DE JULHO DE 1887 1831

Artigo 1.º E decretada a reforma para a actriz Emilia Candida, applicando-se-lhe em tudo as disposições do decreto de 7 de maio de 1878.
Art. 2.° O vencimento será o de actriz de 1.ª classe conforme o decreto de 4 de outubro de 1860.
Art. 3.° Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 16 de abril de 1883. = Luiz Augusto Palmeirim.

REPRESENTAÇÕES

Da associação commercial de Lisboa, pedindo a abolição da tabella B da lei de 17 de setembro de 1885, que estipula os direitos a pagar pelos envolucros de mercadorias.
Apresentada pelo sr. deputado Ribeiro Ferreira,, enviada á commissão de fazenda e mandada publicar no Diario do governo.

Dos eleitores e habitantes do S. Martinho das Amoreiras, concelho de Ourique, protestando contra uma representação que alguns habitantes d'aquella freguesia dirigiram á camara, pedindo a sua annexação ao concelho de Odemira.
Apresentada pelo sr. deputado José de Azevedo Castello Branco e enviada às commissões de administração publica e de legislação civil.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PARTICULAR

Do general de brigada, Joaquim Antonio Esteves Vaz, e do capitão reformado, Francisco Maria Esteves Vaz, pedindo que lhes sejam extensivas as disposições da proposta de lei n.° 104-G, que estabelece novas tarifas para os officiaes em effectividade e para os que de futuro se reformarem.
Apresentados pelo sr. deputado Francisco José Machado e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Dos majores reformados, Guilherme Augusto César de Faria, Francisco José Mendes, Antonio da Fonseca, António Francisco Gomes, Manuel da Silva Possas e José Maria Teixeira Braga, fazendo igual pedido.
Apresentados pelo sr. deputado José de Azevedo Castello Branco e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Do capitão de mar e guerra reformado, Daniel Baptista de Barros, do coronel reformado, Jayme Frederico Cordeiro, e dos majores reformados, Christiano Paulo Marques e Ricardo Antonio de Salles, fazendo igual pedido.
Apresentados pelo sr. deputado Searnichia e enviados á commissão de guerra, ouvida a de fazenda.

Do contra-almirante supranumerario, Francisco Teixeira da Silva, pedindo que seja legalisada a sua posição no quadro dos officiaes da armada.
Apresentado pelo sr. deputado Searnichia e enviado á commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

Do conego Timotheo Pinheiro Falcão, pedindo que seja posto em discussão o projecto n.° 173 da commissão do ultramar.
Apresentado pelo sr. deputado Antonio Candido e enviado ás commissões de fazenda e do ultramar.

De Carlos Baptista Ferreira de Mello, lente cathedratico de geographia e historia commercial no curso superior de commercio do instituto industrial de Lisboa, pedindo ser reintegrado no posto de segundo tenente da armada.
Apresentado pelo sr. deputado Elvino de Brito e enviado a commissão de marinha.

Dos primeiros sargentos de engenheria, Bruno Mendes de Figueiredo, Antonio Pedro do Nascimento e Sousa, José Gomes, José Joaquim da Cosia Macedo. Francisco de Saldanha, Annibal Ernesto da Silva Brito, Francisco Rodrigues e Apollinario das Chagas, contra a modificação introduzida pela commissão de guerra n'uma das propostas apresentadas pelo sr. ministro da guerra, na qual estabeleço um unico quadro para os primeiros sargentos de engenheria e artilheria.
Apresentados pelo sr. deputado Eduardo Villaça e enviados á commissão de guerra.

O sr. Francisco Machado: - Mando para a mesa uns requerimentos de Joaquim Antonio Esteves Vaz e de Francisco Maria Esteves Vaz, officiaes reformados, pedindo para lhes serem applicadas as novas tarifas.
O sr. Vieira de Castro: - Mando para a mesa um projecto de lei.
Para não cansar a camara, não leio o relatorio, leio os seus artigos.
(Leu.)
Não faço considerações por isso mesmo que nos seus considerandos vem expostas as rasões.
Peço a v. exa. o favor de o mandar á respectiva commissão e que seja consultada a camara se dispensa de ter segunda leitura.
O sr. José de Azevedo Castello Branco: - Mando para a mesa ires requerimentos de officiaes reformados, pedindo que lhes sejam applicadas as disposições da proposta de lei n.º 104-G.
Juntamente mando para a mesa uma representação dirigida a esta camara pelo? habitantes da freguezia de S. Martinho das Amoreiras, mostrando que não desejam por fórma alguma pertencer á comarca de Odemira, e protestam contra o projecto, que já teve parecer da commissão.
Peço a v. exa. que inste com a commissão de fazenda para que de parecer sobre o requerimento da filha de um general, que foi enviado a esta camara, pedindo, em attenção aos serviços prestados ao paiz por seu fallecido pae, uma pensão para minorar as más circumstancias em que se acha.
O sr. Pires Villar: - Mando para a mesa uma proposta, assignada tambem pelo sr. Baptista de Sousa, e que tem por fim conceder ás juntas geraes dos districtos de Bragança e de Villa Real, igual subsidio ao que se conceder ao districto de Aveiro.
É a seguinte:

Proposta

Propomos que o subsidio de 8:000$000 réis, proposto a beneficio da junta geral do districto de Aveiro, com applicação a obras no edificio do governo civil ou do lyceu, seja extensivo ás juntas geraes dos districtos de Bragança e de Villa Real. = Antonio Baptista de Sousa = João Antonio Pires Villar.
Foi enviada ás commissões de administração publica e de fazenda.

O sr. Casal Ribeiro: - Mando para a mesa um projecto de lei que tem por fim conceder ao padre Bernardo Alves Valente, ex-missionario em Moçambique, a congrua de 350$000 réis.
O sr. Gusmão: - Mando para a mesa o seguinte projecto de lei.
(Leu.)
O districto de Evora não é mais rico, nem carece menos de edificios publicos do que outro qualquer districto do reino, paia que não peça igualmente subsidio.
Ainda na ultima reunião da maioria dos procuradores da junta geral, elles tiveram de comprar uma casa particular para poder funccionar a junta geral e as repartições;

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1832 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

por consequencia não está menos no caso de ser subsidiada que outra qualquer junta geral.
A proposta que mandou para a mesa é a seguinte:

Proposta

Proponho que seja concedido á junta geral do districto de Évora subsidio igual ao que pelo projecto n.º 147 é concedido á junta geral do districto de Aveiro. = José Joaquim de Vasconcellos Gusmão.
foi enviado ás commissões de administração publica e de fazenda.

O sr. Ribeiro Ferreira: - Mando para a mesa uma representação da associação commercial de Lisboa, pedindo para serem abolidos os direitos da nova pauta sobre os envolucros das mercadorias.
O sr. Searnichia: - Mando para a mesa um requerimento do contra-almirante Francisco Teixeira da Silva, que pede que lhe seja dispensado o tempo que lhe falta para a sua effectividade no posto.
Mando mais para a mesa quatro requerimentos de officiaes reformados pedindo para serem comprehendidos nas novas tarifas.
O sr. João Pina: - Mando para a mesa uma proposta: Vae tambem assignada pelo sr. Oliveira Valle.
É a seguinte

Proposta

Proponho que a auctorisação que pede a junta geral de Aveiro, para a construcção de um edificio, se estenda a todas as juntas geraes do continente e ilhas adjacentes que queiram utilisar-se d'esse beneficio. = Os deputados, João Augusto Pina = Oliveira Valle.
Foi enviada ás commissões de administração publica e de fazenda.

O sr. Oliveira Martins: - Pedi a palavra para mandar para a mesa um projecto de lei, applicando ao municipio do Porto os subsidios que pagam as companhias de seguros, com relação aos serviços dos incêndios no municipio de Lisboa.
O projecto diz assim:
(Leu.)
E uma renovação de iniciativa do projecto de lei apresentado em sessão de 13 de março de 1876, pelo sr. Illidio do Valle.
O sr. Mazziotti: - Mando para a mesa uma proposta. Peço a v. exa. que lhe mande dar o destino conveniente.
É a seguinte:

Proposta

Propomos, que, a exemplo do subsidio concedido ajunta geral do districto de Aveiro, seja igualmente concedido o mesmo subsidio á junta geral do districto de Lisboa. = Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti = Oliveira Valle.
Foi enviada ás commissões de administração publica e de fazenda.

O sr. Presidente - Por não estar presente nenhum membro do governo interrompe-se a sessão até comparecer qualquer dos srs. ministros.
(Eram tres horas e trinta e cinco minutos da tarde.)
Entra na sala o sr. presidente do conselho.
O sr. Presidente: - Está reaberta a sessão.
(Eram tres horas e quarenta e cinco minutos da tarde.)
O sr. Ignacio Casal Ribeiro: - Por parte da commissão de agricultura, mando para a mesa um requerimento.
É o seguinte:

Requerimento

Requeiro que sejam aggregados á commissão de agricultura os srs. deputados: Francisco de Almeida e Brito, João Joaquim de Vasconcellos Gusmão, Manuel José Vieira, José Cardoso Valente, Francisco Limpo de Lacerda Ravasco.
Sala das sessões, 19 de julho de 1887. = Ignacio Casal Ribeiro.
Foi approvado.

O sr. Searnichia: - Por parte da commissão de marinha mando para a mesa um parecer da mesma commissão ácerca da separação dos quadros dos officiaes da armada desempenhando as funcções de capitães de porto no ultramar, e sobre uma gratificação ao encarregado das obras do arsenal, o sr. José Maria da Costa.
O sr. Simões Reis: - Mando para a mesa um parecer da commissão de administração sobre o projecto 119-D.
O sr. Franco Castello Branco: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Reino: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
O sr. Franco Castello Branco: - Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se me permitte usar novamente da palavra.
Vozes: - Falle, falle.
O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem a palavra o sr. deputado.
O sr. Franco Castello Branco: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM no DIA

Discussão do projecto de lei n.° 160

É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 160

Senhores. - A commissão dos negócios externos examinou o projecto de lei n.° 156-F, para ser approvado o accordo celebrado entre Portugal e a Gran-Bretanha, para a permutação entre os dois paizes de encommendas postaes sem valor declarado, e é de parecer que esse accordo está conforme com os princípios geralmente seguidos em convenções internacionaes d'essa ordem, e é proveitoso para o serviço postal, merecendo por isso ser ratificado pelo poder executivo.
N'esta conformidade submette á vossa deliberação o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o accordo para a permutação de encommendas postaes sem valor declarado entre Portugal e a Gran-Bretanha, assignado em 2 de julho de 1887.
Art. 2.º Fica revogada toda a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 8 de julho de 1881. = Vicente R. Monteiro = J. P. Oliveira Martins = José de Saldanha Oliveira e Sousa = J. E. Searnichia = Carlos Lobo d'Avila = Antonio Ennes.

N.° 156-F

Senhores. - Venho submetter ao vosso exame, em harmonia com os preceitos constitucionaes, o accordo celebrado entre Portugal e a Gran-Bretanha para a permutação de encommendas postaes sem valor declarado, assignado em Lisboa aos 2 de julho corrente.
Das disposições contidas n'este accordo, que foi redigido em conformidade com os principios sempre por nós seguidos em accordos d'esta natureza, resulta, como vereis, reconhecida vantagem para o serviço postal. Espero, pois, que concedereis a vossa approvação á seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º É approvado, para ser ratificado pelo poder executivo, o accordo para a permutação de encommendas postaes, sem valor declarado, entre Portugal e a Gran-Bretanha, assignado em 2 de julho de 1887.
Art. 2.° Fica revogada toda a legislação em contrario.

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SESSÃO DE 19 DE JULHO DE 1887 1833

Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em o de julho de 1887. = Henrique de Barros Gomes.

ACCORDO

Relativo á permutação de encommendas postaes, sem valor declarado (déclaration de valeur) celebrado entre Portugal, de uma parte, e o Reino Unido da Gran-Bretanha e Irlanda, da outra.

Os governos de Sua Magestade o Rei de Portugal e dos Algarves, e de Sua Magestade a Rainha do Reino Unido da Gran-Bretanha e Irlanda, desejando facilitar as relações commerciaes entre os seus respectivos paizes, por meio da permutação, por intermedio do correio, de encommendas sem valor declarado, auctorisaram devidamente para esse fim os abaixo assignados, os quaes concordaram nas seguintes disposições:

ARTIGO 1.º

1. Podem ser expedidos volumes, sem declaração de valor, sob a denominação de encommendas postaes, de Portugal, Açores ou Madeira para o Reino Unido até ao peso de 3 kilogrammas, e do Reino Unido para Portugal, Açores ou Madeira até ao peso de 7 libras avoir du poids.
2. O regulamento especial, que for combinado entre as repartições do correio dos dois paizes contratantes, determinará as outras condições a que devem satisfazer as encommendas para poderem transitar.

ARTIGO 2.º

1. Cada uma das partes contratantes garante, atravez do seu territorio, o transito das encommendas originarias ou destinadas a qualquer paiz, com o qual a mesma parte contratante tenha feito accordos para o serviço de encommendas postaes; as administrações que tomam parte no transporte assumem a respectiva responsabilidade dentro dos limites marcados no artigo 11.°
2. Na falta de accordo em contrario entre as repartições interessadas, o transporto das encommendas postaes permutadas entre paizes não limitrophes terá logar a descoberto.
3. Fica concordado que as seguintes disposições da convenção internacional relativa ás encommendas postaes, assignada em Paris em 3 de novembro de 1880, e revista em Lisboa em 21 de março de 1880, serão executadas, salvas as modificações adiante indicadas, em todos os pontos em que forem applicaveis ás relações entre Portugal e o Reino Unido, tanto em relação ás encommendas permutadas entre os dois paizes contratantes, como em relação ás encommendas expedidas em transito. As disposições indicadas são as que fazem parte dos artigos 3.° a 13.°, inclusivé, do presente accordo.
4. Fica reservada ás administrações dos correios dos dois paizes contratantes a faculdade, de mutuamente concordarem na acceitação de encommendas postaes de peso superior a 3 kilogrammas, logo que os regulamentos internos dos mesmos paizes permitiam a adopção d'esta medida.

ARTIGO 3.°

1. A administração do paiz de procedência é obrigada a pagar a cada uma das administrações que tomam parte no transito terrestre a quantia de 50 centimos por encommenda; mas quando o transito se effectuar atravez da Gran-Bretanha a taxa do transporte terrestre póde ser augmentada com uma sobretaxa de 50 centimos por encommenda. Entretanto, quando as encommendas forem expedidas por via da Gran-Bretanha em malas fechadas, o correio inglez reduzirá, se for possível, a sobretaxa de transito.
2. Se houver, além d'isso, um ou mais transportes por mar, a administração do paiz de procedencia deve pagar a cada uma das administrações que tomarem parte no serviço maritimo uma taxa. cuja importância é fixada, por cada encommenda. pela seguinte fórma:
25 centimos pelo percurso não excedente a 500 milhas maritimas;
50 centimos pelo percurso superior a 500 milhas marítimas, mas não excedente a 1:000 milhas maritimas;
1 franco pelo percurso superior a 1:000 milhas maritimas, mas não excedente a 3:000 milhas maritimas;
2 francos pelo percurso superior a 3:000 milhas maritimas, mas não excedente a 6:000 milhas maritimas;
3 francos pelo percurso superior a 6:000 milhas maritimas.
Estes percursos são calculados, em caso de necessidade, pela distancia media entre os portos respectivos dos dois paizes correspondentes.

ARTIGO 4.º

A franquia das encommendas postaes é obrigatoria.

ARTIGO 5.º

1. A franquia das encommendas postaes compõe-se de um porte comprehendendo, para cada encommenda, tantas vezes 50 centimos quantas forem as administrações que tomarem parte no transporte terrestre, juntando-se-lhe a sobretaxa especial de transito, no caso d'elle se fazer atraves da Gran-Bretanha, nos termos do artigo 3.°, § 1.°, a taxa de transito maritimo estabelecida pelo § 2.° do mesmo artigo, se houver transporte por mar, e o porte addicional, indicado no artigo 7.°, quando o haja. As equivalencias da moeda são fixadas pelo regulamento especial.
2. Portugal tem a faculdade de cobrar pelas encommendas postaes procedentes das suas estacões ou a ellas destinadas, um porte addicional de 25 centimos por encommenda; o Reino Unido tem a faculdade de cobrar pelas encommendas postaes originarias das suas estações ou a ellas destinadas, um porte addicional de 50 centimos por encommenda.
3. As administrações postaes dos dois paizes contratantes poderão fazer um accordo, se o julgarem conveniente, para a permutação directa por via de mar, de encommendas postaes de peso não excedente a o libras com portes inferiores aos applicaveis ás encommendas mais pesadas.

ARTIGO 6.º

A administração remettente pagará por cada encommenda:
a) Á administração destinataria 50 centimos com o addicionamento, se tiver logar, dos portes indicados no § 2.° do artigo 5.° e no artigo 7.°;
b) A cada administração intermediaria, se as houver, as taxas fixadas no artigo 3.°

ARTIGO 7.º

O paiz de procedencia póde cobrar do remettente de encommendas pela distribuição das mesmas, e para o cumprimento das formalidades da alfandega rio paiz do destino, um porte addicional que não póde exceder 25 centimos por encommenda, e que reverterá a favor d'este ultimo paiz.

ARTIGO 8.º

As encommendas a que se refere este accordo não podem ser sujeitas a nenhuma taxa postal, além das indicadas nos artigos 3.°, 5.° e 7.° precedentes e no seguinte artigo 9.°

ARTIGO 9.º

A reexpedição das encommendas postaes de um paiz para outro em consequencia de mudança de residencia dos destinatarios, ou a devolução das encommendas caidas em refugo, dá logar á cobrança supplementar dos portes fixados no artigo 5.° a cargo dos destinatarios ou dos remettentes, conforme o caso, sem prejuízo do reembolso dos direitos de alfandega pagos.

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1834 DIARIO DA CAMARA D08 SENHORES DEPUTADOS

ARTIGO 10.º

1. É prohibido expedir pelo correio encommendas postaes contendo cartas, notas com caracter de correspondência, on. objectos cuja admissão não esteja auctorisada pelas leis e regulamentos das alfandegas, ou outros, dos paizes interessados.
2. No caso de ser expedida de um para outro dos dois paizes contratantes qualquer encommenda comprehendida em alguma d'essas prohibições, a administração do paiz de destino procede em harmonia com as suas leis e regulamentos internos.

ARTIGO 11.°

1. Salvo caso de força maior, quando uma encommenda se perder, for subtrahida ou soffrer avaria, o remettento e, na sua falta ou a pedido d'este, o destinatario, tem direito a uma indemnização correspondente á importancia real da perda ou da avaria, sem que, todavia, esta indemnisação possa exceder 15 francos.
2. A obrigação de pagar a indemnisação compete á administração a que pertence a repartição remettente. Fica reservado a esta administração o recurso contra a administração responsável, isto é, contra a administração em cujo territorio ou no serviço da qual teve logar a perda ou a avaria.
3. A responsabilidade pertence, emquanto não houver prova em contrario, á administração que, tendo recebido a encommenda sem fazer observação, não poder comprovar a entrega ao destinatario ou a reexpedicção regular á administração immediata, conforme o caso.
4. O pagamento da indemnização pela administração remettente deverá ser leito o mais cedo possivel e, o mais tardar, no praso de um anno contado da data da reclamação. A administração responsavel e obrigada a embolsar sem demora a administração remettente da importancia da indemnisação paga por esta.
5. Fica entendido que a reclamação sómente poderá ser admittida durante o periodo de um anno contado da data da entrega ao correio: passado este praso o reclamante não terá direito a indemnização alguma.
6. Se a perda ou a avaria tiver logar durante o transporte entre as repartições de permutação de dois paizes limitrophes sem que se possa averiguar em qual dos dois paizes succedeu o facto, cada uma das duas administrações pagará metade do prejuizo.
7. As administrações deixam de ser responsaveis pelas encommendas postaes logo que os interessados as recebam.

ARTIGO 12.º

A legislação interna de cada um dos paizes contratantes continua a ser applicada, em tudo o que não se acha previsto nas estipulações contidas no presente accordo.

ARTIGO 13.º

As administrações postaes dos paizes contratantes indicam as repartições ou localidades auctorisadas para a permutação internacional do encommendas postaes; regulam o modo de transmissão d'essas encommendas e adoptam todas as medidas regulamentares necessarias para a execução do presente accordo.

ARTIGO 14.º

A administração postal de cada um dos paizes contratantes póde em circumstancias extraordinarias que justifiquem a suspensão de permutação de encommendas, suspender esse serviço temporariamente, no todo ou em parte, participando-o logo á outra administração, em caso de necessidade, pelo telegrapho.

ARTIGO 15.º

O presente accordo começará a vigorar no dia que for fixado pelas duas administrações postaes e terminará mediante aviso feito por uma das partes com um anno de antecedencia.
Em fé do que os abaixo assignados, devidamente auctorisados para esse fim, assignaram o presente accordo e lhe appozeram o sêllo das suas armas.
Feito em duplicado em Lisboa, no dia 2 de julho de 1887. = (L. S.) Barros Gomes = (L. S.) George G. Peke.
Está conforme. - Secretaria d'estado dos negocios estrangeiros, em 5 de julho de 1887. = Conde de Sabugosa.
Foi logo approvada.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do projecto do lei n.° 138, relevando o governo da responsabilidade em que incorreu, assumindo o exercício de fuucções legislativas.

O sr. João Pinto (sobre a ordem}: - Cumprindo as disposições do regimento, começo por ler a minha moção de ordem.
«A camara, protestando contra os decretos dictatoriaes, passa á ordem do dia.»
Um acaso feliz deu-mo ensejo a que, depois de ter feito a sua estreia parlamentar o meu particular amigo o sr. Eduardo de Abreu, me coubesse hoje na ordem da inscripção a vez de fallar, porque tenho assim muito prazer em felicitar d'este logar s. exa., de quem sou verdadeiro amigo, e com quem vivi durante muitos annos nas mais intimas relações, empregando mesmo parto da nossa vida academica de Coimbra nas mesmas lactas e noa mesmos intuitos. E encontrando-nos agora n'esta assembléa, em campos completamente oppostos, nem por isso as nossas relações pessoaes mudaram. Ainda que s. exa. está ao lado do um governo, que fez a dictadura, e eu do outro lado combatendo esse governo e essa dictadura, em todo o caso não posso deixar de ter por s. exa. aquelle respeito, que se tem pelos homens de talento, pelos homens de caracter, pelos homens que têem o desassombro de vir a esta assembléa dizer muitas cousas, que poderão estar no animo de muita gente, mas nem todos têem a coragem de pronunciar aqui.
S. exa. disse a rir muitas verdades; e, se a fórma de que as revestiu offendeu algumas vezes as praxes parlamentares, desculpa-o com certeza o seu temperamento e o enthusiasmo com que a assembléa o escutou, saboreando os seus ditos espirituosos.
O sr. Eduardo de Abreu foi sempre um espirito justo. A sua filiação politica, porém, obrigando o a defender o ministerio progressista collocou-o n'um campo verdadeiramente excepcional. S. exa., querendo como politico atacar a opposição, faria uma certa ordem de considerações que caíam em cheio nos seus correligionarios; e, quando dava por isso, quando notava que o seu ideal de justiça o atraiçoava, politicamente já se vê, e quando via que o caminho em que ia não era o de partidario, queria retroceder queria mostrar-se politico, e então saci inçava o seu ideal e fazia á minoria accusações injustas, que caem immediatamente por terra logo que se lhes applique uma critica desapaixonada. (Apoiados.)
Recordo-me ainda de duas accusações feitas por s. exa., uma com relação ao er. Lopo Vaz e outra ao sr. João Arroyo.
O sr. Eduardo de Abreu censurou o sr. Lopo Vaz por não ter tomado parte na discussão de todas as medidas de fazenda e por não discutir o bill, tendo s. exa. promettido, no principio d'esta sessão, de intervir na discussão d'estas importantes medidas.
Não sei se o sr. Lopo Vaz fez ou não esta promessa.
Parece-me, porém, que esta censura é immerecida. Ninguem dirá que o sr. Lopo Vaz, cavalheiro que todos respeitam pelas suas qualidades de estadista, e que se tem mostrado um polemista tão distincto, deixaria de vir com-

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bater o governo e expor as suas idéas sobre a situação da fazenda publica, com receio de que não podésse fazel-o com vantagem. (Apoiados.)
S. exa. não tomou parte na discussão do bill e de outras medidas por o não julgar necessario.
Se fez a afirmativa de discutir as medidas do governo, não quiz significar com isso que havia de intervir em todos os debates. (Apoiados.)
Como leader, fallou em nome da minoria que elle commanda, e essa minoria ainda não abandonou o seu posto e tem-se conservado aqui, discutindo todas as questões. (Apoiados.)
Ainda não se apresentou medida alguma que merecesse discussão, que não fosse questionada por parte da opposição parlamentar. (Apoiados.)
Censurou tambem o sr. Eduardo de Abreu o meu collega e amigo o sr. João Arroyo, por entender que elle não tinha cumprido a sua promessa, feita no principio d'esta sessão, de que não deixaria passar nenhuma medida sem tomar parte na discussão d'ella.
Parece-me que ninguem acompanhará o sr. Abreu na injustiça com que trata o sr. Arroyo, que tem tomado uma parte activíssima nas discussões. (Apoiados.)
Parece até impossivel que um homem novo como o sr. Arroyo seja capaz de sustentar uma lucta parlamentar tão brilhante, occupando-se de assumptos tão variados.
É, portanto, uma injustiça flagrante dizer que s. exa. não cumpriu a sua promessa e que fallou pouco n'esta sessão. (Apoiados.)
Ainda hontem, se o sr. Arroyo não proseguiu no seu discurso, analysando a reforma administrativa e apreciando a reforma judiciaria, foi por que viu que a camara lhe não prestava a devida attenção, e por isso entendeu que não valia a pena discutir, quando pouca gente o escutava. (Apoiados.)
Se eu estivesse no caso de s. exa. fazia o mesmo, e não sei se terminaria o meu discurso com uma objurgatoria, como s. exa. fez, ou se seguiria outro systema. (Apoiados.)
Se queremos tirar resultados profícuos das discussões é necessario que saibamos cumprir com o nosso dever e que estejamos aqui com a seriedade devida. (Apoiados.)
Se as maiorias querem que os oradores da opposição façam discursos para os não ouvirem; se emquanto se discute, gostam de conversar, não elevam assim o prestigio do parlamento.
Qualquer homem que não ande envolvido nesta engrenagem constitucional, póde ter o desassombro de dizer que o parlamento não é serio e que não se está aqui com a compostura com que se deve estar. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu fui feliz no acaso da inscripção, por poder prestar em publico ao sr. Eduardo de Abreu o testemunho da minha sympathia e do muito respeito que tenho pelo seu talento, revelado em muitos trabalhos, e pelo seu espirito de luctador, manifestado em muitos emprehendimentos, e ao mesmo tempo por poder fazer justiça a um homem, cujos dotes de espirito admiro, por quem tenho a maior consideração, de quem sou verdadeiro amigo e a quem devo altas finezas, o sr. Antonio Candido.
S. exa. neste debate pronunciou um discurso perfeitamente notavel. (Apoiados.) Não revelaria as habilidades parlamentares do constitucionalismo, não empregaria as argueias capciosas de um jurisperito; mas fez um discurso de philosophia da historia importantissimo, que não se distinguiu simplesmente pela phrase meramente poética, como disseram muitos oradores que se lhe seguiram, mas que foi verdadeiramente notavel pela elevação de idéas, com que procurou justificar a dictadura do governo, cuja defeza necessitava de um orador distincto como o sr. Antonio Candido. Apraz-me fazer justiça a s. exa., posto que sejamos adversarios politicos, pois que concordo com grande parte das considerações philosophicas que s. exa. expendeu.
O sr. Antonio Candido, expondo as suas theorias e encarando as cousas no seu ponto de vista geral, disse - que a raça latina denotava certa tendencia para os governos auctoritarios e para a centralisação administrativa, de onde resultavam grandes difficuldades para adaptar às nações dessa raça as instituições parlamentares. Observando a vida do nosso constitucionalismo, notou que em Portugal, desde 1834 para cá, se tinham feito não sei quantas dictaduras geraes, e não sei quantas dictaduras parciaes. - Depois de consignar estas observações, affirmou que lhe parecia que as dictaduras, quer fossem grandes, quer fossem pequenas, não podiam produzir entre nós um grande sentimento de indignação, por isso que todos os partidos, em diversas epochas, as tinham feito.
Pôde daqui deduzir-se que o sr. António Cândido fazia a apologia das dictaduras?!
Não, de fórma nenhuma. Em direito publico, s. exa. condemna, nem póde deixar de condemnar, as dictaduras, como violação dos factos fundamentaes em que os povos estabelecem o direito de legislar para os seus representantes. Como historiador, nota que uns povos têem governos mais auctoritarios do que outros, e observa que muitas nações, apesar das suas constituições liberaes, procedem em pratica como se ellas não existissem. Como philosopho, tem o seu ideal político e com certeza moldado pelos melhores princípios da sociologia. Como historiador, investiga os factos, consigna-os, raciocina sobre elles, taes quaes elles são, quer confirmem ou se opponham ás suas theorias preconcebidas, porque os factos não se inventam não se amoldam com facilidade aos doutrinarismos das escolas.
O sr. Antonio Candido, apontando as dictaduras geraes e parciaes que houve entre nós desde 1834 para cá, fazendo notar que todos os governos de todas as parcialidades politicas tinham feito dictadura, não teve em vista defender em these as dictaduras, não se mostrou absolutista, como muita gente disse; simplesmente procurou evidenciar como o parlamentarismo era observado no nosso paiz e como as dictaduras eram o modo de ser do nosso viver politico. Não é isto verdade? Póde alguem contestal-o? Eu, sr. presidente, condemno as dictaduras e protesto contra ellas, porque offendem os principios politicos que professo; mas não posso deixar de reconhecer que a violação da integridade da constituição entre nós não produz o sentimento de indignação que produziria de certo, se tivessemos costumes politicos.
Todos os governos têem feito dictaduras, umas maiores, outras menores, e estão com certeza dispostos a continuar no mesmo caminho.
Esta minha confissão será ingenua e pouco politica: não importa. E verdadeira, e isto me basta, porque tenho a franqueza de dizer o que sinto.
A este discurso notavel respondeu tambem de uma maneira notavel o meu amigo e distincto parlamentar o sr. Consiglieri Pedroso, e devo confessar que s. exa. nessa occasião foi de uma felicidade extraordinaria, pois que deixou a camara debaixo de uma boa impressão.
Mas, se attendermos bem ao discurso do sr. Consiglieri Pedroso, vemos que o effeito foi de occasião e que s. exa. não demonstrou que eram falsas as asserções do sr. Antonio Candido.
Começou o sr. Consiglieri o seu discurso, lamentando que o sr. Antonio Candido viesse fazer ás exequias do parlamentarismo.
Ha n'esta apreciação uma grave injustiça. O sr. Antonio Candido, como já demonstrei, não condemna o parlamentarismo e não se manifesta partidario dos governos absolutos: affirma simplesmente que nos povos da raça latina se nota grande tendencia para os governos auctoritarios e que o constitucionalismo entre nós tem sido uma dictadura permanente com côrtes ou sem côrtes. Constatar estes factos que resultam de uma observação

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despreoccupada, equivale a condemnar o parlamentarismo? Ninguem o dirá.
Continuou o sr. Consiglieri notando que o sr. Antonio Candido se contradissera, quando affirmou que o parlamentarismo se não dava bem nos poros da raça latina, e pouco depois sustentou que, depois da Inglaterra, era na Belgica aonde essa fórma de governo produzia melhor resultados, não obstante a Belgica ser da raça latina.
Devo observar a s. exa. que muitas causas historicas contribuem para esses resultados, e que a Bélgica é formada de duas raças, a germânica e a latina, o que ainda hoje se manifesta bem pelas duas línguas que se faliam n'aquelle paiz, o francez ou walon e o flamengo, que é corrupção do baixo allemão.
O exemplo apresentado pelo sr. Antonio Candido não contradiz, portanto, os seus principios, visto que na Belgica ainda hoje existe uma população germânica, não sendo por isso um povo exclusivamente latino.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Mas o elemento preponderante é o francez, e tanto que é franceza a lingua official.
O Orador: - Creio que é facultativo o uso das duas línguas na Bélgica, e affirmo a v. exa. que a população germânica é de 4/7, emquanto que a população walon ou gauleza é de 3/7.
Sr. presidente, pelas apreciações que têm sido feitas ao discurso do sr. Antonio Candido, parece que custa a comprehender que s. exa. seja partidário do parlamentarismo, tendo apontado a este systema alguns defeitos graves na sua maneira de execução.
Em circumstancias identicas se encontra o grande pensador Herbert Spencer, que, no seu trabalho sobre o governo representativo, depois de ter apontado muitos defeitos d'este systema, não só no campo da pratica, mas ainda na theo-ria, não concilie por condemnar o governo representativo, e termina pelo contrario por confessar que é o que elle perfilha.
Aqui está a passagem a que me refiro:
«Não me desviei da profissão de fé inscripta no meu programma. Pelo contrario, como vae ver-se, conservo tão forte como nunca a minha dedicação ás instituições liberaes, e augmentei-a até, submettendo-a á prova d'esta critica apparentemente hostil.»
Em condições iguaes se encontra agora o sr. Antonio Candido. S. exa. não condemna o systema parlamentar, não veiu dizer-se apologista das dictaduras; tomou simplesmente nota dos factos historicos, e á vista d'elles affirmou que as opposições que combatem as dictaduras hoje, são capazes de as fazer ámanhã, se forem elevadas ao poder. É o triste resultado a que nos conduz a observação desapaixonada dos factos.
Sr. presidente, a tendencia reconhecida nos povos da raça latina para os governos auctoritarios e centralisadores, póde-se modificar por influencia de differentes circumstancias, de fórma que, n'um futuro mais ou menos proximo, estes povos estejam convenientemente preparados para receber os governos parlamentares.
Não nos são desconhecidas as modificações que as differentes raças têem soffrido nas suas aptidões atravez dos séculos. Vou dar um exemplo.
Os judeus, no seu paiz, entregaram-se quasi exclusivamente á agricultura, segundo refere o historiador Josephus.
Depois, estando na Europa durante toda a idade media e sendo protegidos e roubados, abandonaram a agricultura por lhes ser impossivel entregar-se a ella, e fizeram-se commerciantes, escolhendo para o seu negocio as mercadorias que mais facilmente se podessem transportar ou occultar.
Foi assim que se fizeram banqueiros, usurarios, ourives, etc., etc.
Aqui temos, pois, a modificação nas aptidões de uma raça, produzida pelas condições especiaes em que se encontroa durante um longo periodo.
Sr. presidente, a theoria apresentada pelo sr. Antonio Candido pareceu a principio uma heresia scientifica, pois que motivou os reparos de muita gente, tanto no parlamento, como na imprensa.
A opinião do distincto orador, porém, alem de ter a consagração de publicistas eminentes, foi tambem já perfilhada n'esta casa pelo sr. Arroyo, que é sem duvida um dos espiritos melhor orientados e a camara, quando affirmou que, como o sr. Antonio Candido, reconhecia este fatalismo da raça latina, mas que divergia d'elle no modo de o encarar.
Emquanto o sr. Antonio Candido ficava como um musulmano perante este fatalismo, conformando-se com as circumstancias, elle tomava a attitude de um determinista, reagindo e procurando modificar essas circumstancias.
Permitta-me o sr. Arroyo que lhe diga com toda a minha franqueza que, se s. exa. estivesse no governo, ficava tambem um fatalista musulmano como o meu distincto amigo o sr. Antonio Candido.
E tanto isto é verdade que o sr. Arroyo no seu discurso teve a franqueza de declarar que não comprehendia senão uma dictadura, a que de um traço de pena revogasse todos os decretos de dictadura que se discute.
D'este modo, quando ámanhã o partido progressista voltasse ao poder outra vez, fazia uma nova dictadura para pôr em vigor as medidas revogadas, o partido regenerador tornava com um traço de pena a inutilisar estes actos dictatoriaes, e assim iriamos de dictadura em dictadura, postergando a carta constitucional e confirmando a these do sr. Antonio Candido.
Sr. presidente, nas considerações que até aqui tenho expendido, não me preocupei com intuitos partidarios, não procurei estar ao lado do governo nem da opposição, expuz os meus principios e creio que fui justo.
Sr. presidente, d'esta discussão em que nos achâmos envolvidos, a conclusão ultima que eu tiro é que, já que não respeitamos na essencia o governo parlamentar, não aggravemos mais a sua situação, desprezando as suas formulas, os seus symbolismos.
Ninguem desconhece a importancia do jornalismo nas religiões, na arte, nos governos, em tudo. Muitas vezes modifica-se a essencia das cousas e operam-se grandes transformações sem provocar grande reacção, porque se conservaram as mesmas fórmas externas, porque a extructura é apparentemente a mesma.
Nos governos parlamentares taes quaes estão hoje em vigor, a sua base fundamental é a representação da soberania popular, traduzida pelo sufrágio.
E será completamente exacta esta forma de representar a soberania de um povo?
Evidentemente não.
Em mathematica, só um individuo disser que dois e dois são quatro e um milhão de homens sustentar que dois e dois são cinco, ninguem duvidará de que a verdade está do lado do primeiro, apesar dos outros terem pelo seu lado a força numerica.
Pois este raciocinio, que é indiscutivel em mathematica, tambem é verdadeiro em sociologia.
Ninguem contesta que os governos devem ser a expressão da soberania popular, mas ninguem póde affirmar que o suffragio universal é a completa expressão dessa soberania.
Se um homem intelligente defender uma medida de incontestavel utilidade, que pode applicar-se a um povo num momento da sua historia, e se outros sem illustração e sem bom senso se oppozerem a ellas, ninguem dirá que a verdade ou a conveniencia estão do lado d'estes, apesar de estarem em maioria.
Eu não desprezo o principio das maiorias, considero-o apenas uma face da questão. Uma nação não se compõe

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simplesmente de individuos desagregados. Esses individuos constituem um todo que fórma um organismo com os seus órgãos, com as suas funcções especiaes, com a sua vida social.
N'uma nação ha as suas tradições, que constituem o seu viver intimo, ha differentes industrias, diversas classes, etc. É preciso, pois, que a soberania do um povo se não traduza simplesmente pela força numerica, é preciso tambem que, por outra fórma, se manifestem as diversas forcas sociaes.
Na expressão d'este conjuncto é que eu vejo a verdadeira representação nacional.
Como se vê, a base fundamental dos actuaes governos parlamentares é incompleta, porque só attende a um lado da questão. Em todo o caso, emquanto não se pozerem em pratica melhores meios de traduzir a soberania de um povo, é indispensável observar e respeitar esta fórma, porque sem este convencionalismo não havia governo que tivesse prestigio e auctoridade.
D'estas ligeiras considerações se conclue com toda a evidencia o alto interesse que ha em se observarem e respeitarem as fórmulas em tudo.
E o que faz o governo actual? Não contente por espesinhar a constituição do paiz, roubando aos corpos legislativos as attribuições que lhes pertencem, salta ainda por cima das praxes e das fórmulas constitucionaes. V. exa. sabe, sr. presidente, que a maneira de relevar os governos das responsabilidades em que incorrem, quando se arrogam poderes dictatoriaes, é a apresentação às camaras de um bill de indemnidade.
O actual governo, com desprezo manifesto pelo parlamento, fez discutir as suas principaes medidas de governação, e só apresentou o bill quando muito bem lhe aprouve, quasi no fim da sessão, quando devia ser o primeiro assumpto a discutir! Sabe v. exa., sr. presidente, o que isto me traz á memoria? Uma passagem biblica.
O governo ludibriou como quiz o parlamento, e depois metteu-lhe na mão a canna verde!
Sr. presidente, ha um outro ponto em que eu ainda estou de accordo com o meu distincto amigo o sr. Antonio Candido.
D'este lado da camara têem-se feito justas apreciações ao codigo administrativo; accusou-se de extremamente centralisador, e defendeu-se a idéa da descentralisação em administração. Partilho as criticas que se fizeram ao codigo da dictadura, mas não acceito a defeza de uma larga descentralisação; e é n'este ponto que ainda estou em harmonia com o sr. Antonio Candido, pois que s. exa. demonstrou no seu brilhante discurso a necessidade da centralisação racionalmente entendida para a boa governação de um estado.
A questão da centralisação e descentralisação administrativa tem preoccupado immenso todos os homens que se consagram ao estudo da sciencia da governação publica, procurando cada um descobrir a melhor maneira de regular as relações entre o estado e as differentes collectividades parciaes que o constituem.
Uns consideram a centralisação como um obstaculo á iniciativa das localidades, e notam que sobrecarrega o poder central de uma multidão de pequenos negocios, que lhe tolhem a vista dos interesses geraes, e que enerva o patriotismo, não deixando intervir os cidadãos nas cousas locaes.
Outros são apologistas de que as administrações locaes estejam subordinadas e dependentes cio poder central, porque d'esta fórma todas as forças parciaes são dirigidas para um fim commum, vencendo-se assim as difficuldades e resistências creadas pelas diversas organisações locaes.
Na apreciação d'esta questão importantissima, não considerarei simplesmente as vantagens e desvantagens theoricas de cada um dos systemas, mas seguirei principalmente o methodo de filiação historica, que é o unico admissivel para a resolução de questões sociologicas.
Não roubarei muito tempo á camara na enunciação d'estas considerações; não desejo cansar a attenção que me presta, repetindo cousas sabidas de todos: e, se insisto em expol-as, não é por luxo de erudição, mas simplesmente para corroborar as affirmativas do sr. Antonio Candido, cujo talento eu tanto admiro, affirmativas que têem sido tão mal comprehendidas.
Vejâmos.
Nos séculos IX, X e XI, constituiu-se em toda a Europa o feudalismo, que começou a decair com a mudança das opiniões e dos costumes que concorreram para o seu estabelecimento, sendo uma das principaes causas da sua decadência a insurreição communal.
N'este estado de cousas, podia saía do regimen feudal ou formando governos locaes ou governos centraes.
Houve ambas as soluções. Em França e na Hespanha, a monarchia absorveu as independencias locaes; em Inglaterra foram partilhadas entre o governo central do paiz e algumas localidades que se conservaram poderosas.
Na Italia e na Allemanha prevaleceu o fraccionamento em pequenos estados.
Era esta a situação d'estas nações europêas na epocha da revolução franceza.
Depois da propaganda da philosophia individualista do seculo XVIII, depois de combatidos fortemente os governos centralisadores e depois de conquistados os direitos do homem, houve um exagero na defeza das theorias descentralisadoras e das liberdades individuaes.
Actualmente, porém, a França trabalha por introduzir a liberdade na sua forte centralisação e a Inglaterra procura introduzir a centralisação no seu regimen de liberdade, emquanto que a Hespanha, a Italia e a Allemanha se esforçam por conciliar a unidade com a liberdade, porque sem essa conciliação não podem actualmente existir as grandes nações.
Na successão historica vê-se, pois, que ao regimen dispersivo, fragmentario da idade media se seguiram em algum paizes fortes governos absolutos, que absorviam todas as liberdades locaes, sendo necessario que a philosophia individualista do seculo XVIII propugnasse com exagero pelas conquistas d'essas liberdades.
Reivindicadas ellas, o individualismo era um extremo tão falso como o absolutismo, e a civilisação moderna ha de procurar um juste milieu entre um e outro.
Parece-me, pois, que em materia de administração publica o ideal dos governantes consiste em respeitar as liberdades e os direitos das diversas collectividades parciaes que formam um estado, tendo este sempre intervenção nas administrações locaes para manter a unidade nacional e a harmonia no seu progredimento, conforme o conhecimento do mundo, dos homens e das sociedades.
A centralisação racionalmente entendida não póde deixar de ser o modo de administrar as nações modernas.
Entendida d'esta fórma, a centralisação quasi que se confunde com descentralização, porque ninguem levará tão longe as suas theorias descentralisadoras que não queira a intervenção do estado nas administrações locaes, ainda que seja em muito pouca cousa.
Apesar d'isto, eu prefiro chamar a esta fórma de administração centralisação, para ficar bem patente que reconheço a necessidade de que o estado intervenha e superintenda nas administrações locaes para conservar a unidade nacional e contribuir para o desenvolvimento harmonico das differentes partes da nação.
É assim que pensa tambem o meu amigo o sr. Antonio Candido.
Sr. presidente, até aqui não tenho feito mais que confirmar as doutrinas sustentadas pelo sr. Antonio Candido, apesar de s. exa. acompanhar o governo e eu militar nas fileiras da opposição.
Procedendo assim, sustentei as doutrinas de que estou convencido, procurei explicar as palavras do sr. Antonio

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Candido, que tão mal comprehendidas têem sido, e não me arredei do meu campo de opposição, porque entendo que os adversarios só se devem combater n'aquillo que nos não parece nem verdadeiro nem justo.
Mas, se até agora tenho estado ao lado do sr. Antonio Candido por partilharmos as mesmas idéa, começa neste instante a nossa divergencia, porque me convenci de que s. exa. fez errada applicação dos principios que defendeu, quando pretendeu justificar as disposições do codigo administrativo.
Este codigo, sr. presidente, sendo feito pelo partido progressista, devia ter um caracter eminentemente descentralisador; não devia admittir a intervenção do governo nem de nenhuma auctoridade sua delegada na administração dos negocios locaes, visto que no programma com que o partido progressista se apresentou ao publico, se condemnavam essas intervenções e se proclamava a mais larga descentralisação administrativa.
Se a coherencia ainda é respeitavel, e se o programma do partido progressista não significa uma burla meramente do effeito, o codigo dictactorial de 1886 devia conter preceitos altamente descentralisadores, pois que, desde a publicação do programma até ao decreto que poz em vigor o codigo administrativo, ainda não decorreu um lapso de tempo bastante consideravel para produzir um reviramento de opinião tão notavel, tão completo.
Comparando-se o codigo actual com os principios exarados no programma, ou se conclue que os progressistas não tiniram idéas nenhumas sobre administração publica, e tanto que, dentro em pouco, defendiam as que tinham condemnado, ou então que, publicando o programma, pretenderam armar ao effeito simplesmente, pretenderam escalar o poder para, chegados lá, rasgarem programma e principios que sustentavam, e governarem de forma a montar bem a machina administrativa, que lhes assegurasse uma longa existencia.
Para apreciar bem o que acabo de affirmar, basta ler os artigos 55.°, 118.° e 192.° do codigo actual, em que se marcam as attribuições das juntas geraes, camaras municipaes e juntas de parochia, e comparal-os com os artigos correspondentes do codigo de 1878, para se ajuizar do modo como se respeitaram os princípios descentralisadores defendidos em these pelo partido progressista.
Não entro, porém, na explanação deste assumpto, porque já foi tratado proficientemente pelo sr. Julio de Vilhena e José Novaes, que demonstraram á saciedade a larga intervenção do governo e dos seus delegados nas administrações locaes.
Não se póde, pois, duvidar de que o partido progressista mudou completamente de idéas em assumptos de administração publica.
Hoje, de extremamente descentralisador, passou a defender doutrinas centralisadoras.
E conseguiria elle traduzir em leis os princípios scientificos da moderna escola centralisadora? De certo não.
Como já disse, a centralisação defensavel é a que deixa ás parochias, aos municipios e ás juntas geraes de districto a autonomia indispensavel para se dirigirem na consecução dos seus fins legitimos, intervindo sómente o estado nos casos de interesse geral para manter a unidade nacional, e contribuir para o desenvolvimento harmónico de todas as collectividades parciaes que formam uma nacionalidade.
Admittidos estes principios, o codigo da dictadura está em completa opposição com elles.
Em primeiro logar, a unica intervenção justificavel nas administrações locaes é a que for exercida pelo governo que, por hypothese, representa a collectividade nacional, e a quem por isso incumbe fiscalisar as diversas administrações parciaes.
Ora, no codigo actual, ha deliberações da junta geral dependentes do governo, ha deliberações das camaras municipaes dependentes da junta geral, e ha deliberações das juntas de parochia dependentes das camaras municipaes.
Não acho isto bom. As juntas geraes e as camaras municipaes não devem ser fiscalisadoras, porque não representam a collectividade nacional, a que sómente pertence esse direito.
Havendo differentes órgãos fiscalisadores, é difficillimo conservar-se a unidade que se procura obter por intermédio da centralisação.
Alem d'isso, as juntas geraes do districto têem a maior parte das vezes a mesma politica das camaras municipaes, e succede o mesmo ás camaras com respeito às juntas de parochia.
Sendo assim, approvem todas as medidas, quer sejam boas ou más, logo que sejam patrocinadas pelos mandões politidos das localidades.
Bem sei que me podem dizer que existem os mesmos inconvenientes, sendo o governo o fiscalisador, porque os governos são tambem representantes de facções.
Reconheço isso perfeitamente. Sei que os governos entre nós, como em quasi todos os paizes, não são ouvidos os representantes de um poder cientifico de governação e que, nas suas medidas, obedecem muitas vezes meramente aos interesses de corrilho.
Mas, como havemos de admittir algum poder que represente a soberania nacional e tenha a peito cuidar dos interesses geraes, admittimos que esse poder é por hypothese o governo.
Em segundo logar, as parochias, os conselhos e os districtos deviam resolver, sem dependencia de ninguem, sobre todos os assumptos que constituem a sua vida intima e que lhes interessam principalmente. Mas no código da dictadura não succede assim.
Analysando-se os artigos 55.° com respeito às juntas geraes, 118.° com respeito às camaras municipaes e 192.° relativamente às juntas de parochia, vê se claramente que estas corporações ficam dependentes do governo ou de outras corporações em serviços importantes para o seu bom regimen.
Não podem deliberar, sem tutela, sobre a dotação de serviços e despezas a fixar; sobre a creação de estabelecimentos e institutos de utilidade para a arca que essas corporações administram; sobre a creação de empregos necessários para se fazerem os serviços; sobre contratos para execução de obras, serviços e fornecimentos, quando devem ter effeito por mais de um anno; sobre arrendamentos por mais de um anno; e sobre muitos outros casos de interesse dos districtos, concelhos ou parochia.
As corporações administrativas ficam, portanto, largamente tuteladas em assumptos que deviam ser da sua exclusiva competencia.
Desde que se não estabelecia o criterio do interesse geral para justificar a intervenção do governo, era melhor estatuir que todas as deliberações dos corpos administrativos tinham caracter de provisórias. Era mais logico.
O resultado é que a vida das corporações administrativas fica nas mãos do governo em casos que deviam ser da exclusiva competência d'ellas em todas as theorias racionalmente centralisadoras.
E como os governos desgraçadamente não representam ainda o seu verdadeiro fim social, oxalá que, abusando da sua larga intervenção, transigindo com os influentes das localidades amigas, não desorganisem as administrações locaes, approvando todas as medidas de umas e annullando todas as deliberações de outras em nome do interesso publico a que se referem os artigos 48.° § 2.° e 56.° do novo codigo, interesse publico que póde visar unicamente a montar a machina administrativa. (Muitos apoiados.)
Sr. presidente, ha um outro ponto no código, em que o sr. José Luciano fez innovações, a que attribue os mais miríficos resultados; refiro-me ás modificações que introduziu sobre a liberdade tributaria dos diversos corpos admi-

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nistrativos. Segundo o codigo de 1878, competia ás juntas geraes, artigo 53.°, n.° 18.º, fixar a percentagem addicional ás contribuições directas e geraes do estado que constituem a receita do districto; competia ás camaras municipaes, artigo 106.°, n.° 3.°, o lançamento de contribuições, cuja execução dependia da approvação da junta geral, e pertencia às juntas de parochia, artigo 167.°, n.° 7.°, lançar contribuições directas parochiaes, dependendo esta resolução da approvação da junta geral do respectivo districto.
O sr. Julio de Vilhena, combatendo a dictadura, demonstrou já com a proficiência que todos lhe reconhecem em assumptos administrativos, que a liberdade tributaria que o sr. José Luciano julgou ser uma innovação do codigo de 1878, existia no codigo de 1842.
No codigo actual, procurando remediar os males que se apontam no relatório como provenientes da liberdade tributaria do código de 1878, estabeleceu-se que o máximo da percentagem para as juntas geraes e para as camaras será fixado annualmente pelas cortes, artigos 52.°, § 1.° e 134.°, e que as juntas de parochia podem deliberar sobre lançamentos de impostos, ficando as suas deliberações dependentes da approvação do governador civil do respectivo districto, artigos 192.°, n.° 4.°, e 193.°
Estas medidas do novo codigo serão sufficientes para regular as finanças locaes? O sr. José Luciano, no seu discurso em resposta ao sr. Julio de Vilhena, esforçou-se por demonstrar que tinha absoluta confiança nos bons resultados das suas innovações.
Eu, porém, não sou tão optimista e continuo na convicção de que as finanças locaes não recebem nenhum beneficio com as disposições introduzidas pelo novo codigo dictatorial.
Vejamos. Não conheço no novo codigo nenhuma disposição em virtude da qual diminuissem as despezas das corporações administrativas, e conheço pelo contrario algumas medidas que fizeram augmentar essas despezas, por exemplo, a creação dos julgados municipaes, pagos a expensas das camaras.
Sendo assim, o parlamento, ao fixar as percentagens das contribuições, ha de ver-se seriamente embaraçado por falta dos competentes esclarecimentos.
Se pretende diminuir as percentagens existentes actualmente para o districto e para os municipios, não podem estes realisar os seus fins, visto terem já necessidades creadas, a que hão de impreterivelmente satisfazer, e alguns vão contrahir novos encargos a que as leis os obrigam.
Se conserva as percentagens existentes, se para cada districto e para cada municipio ha sua percentagem, indicada por elles, continua o statu quo, pois que o governo não póde deixar de attender os pedidos dos seus correligionários, e as maiorias não gostam de contrariar os governos.
Se estabelece uma percentagem para todos os districtos e outra para todos os concelhos, ou a percentagem é grande para muitos, e nesse caso fica-lhes margem para desequilibrar as finanças locaes, ou é pequena, e então não podem muitos districtos e concelhos fazer os melhoramentos de que carecem, e não têem meios para pagar os encargos contrahidos.
Em qualquer das hypotheses não me parece que seja tarefa muito facil para o parlamento desempenhar-se das attribuições que lhe confere o novo codigo.
É verdade que o sr. presidente do conselho é de opinião que as despezas das administrações locaes hão de diminuir, porque não serão auctorisadas, e sem isso não se podem fazer.
Isto é um triste illusão, sr. presidente. Ninguém póde duvidar de que se hão de auctorisar todas as despezas que os interesses partidarios exigirem.
Já pelo codigo de 1878 se não podiam contrahir emprestimos, alem de uma certa somma, sem a competente auctorisação, e não podiam construir-se certas obras sem a approvação dos respectivos projectos, e nunca essa auctorisação se negou e nunca se rejeitaram os projectos apresentados.
Infelizmente as disposições do novo codigo não vem modificar em nada os males que se reconhecem nas administrações locaes.
As suas disposições são incapazes de produzir resultados satisfactorios, e continuarão as cousas como até aqui, sendo tudo subordinado, não ao interesse publico, mas ás conveniencias partidarias.
Não basta que se consignem os principios nas leis, é tambem necessario que haja quem tenha força para as fazer executar.
E, admittindo mesmo que as reformas introduzidas pelo sr. José Luciano eram boas, será o governo progressista capaz de as fazer cumprir?
Não as desvirtuará elle em proveito dos seus correligionarios?
É facil a resposta para quem conhecer a historia do partido progressista. Estou na intima convicção de que as finanças locaes continuarão no mesmo estado, apesar da panacêa annunciada pelo sr. presidente do conselho no seu codigo.
Hão de lançar-se todos os impostos, hão de auctorisar-se todos os emprestimos e approvar-se todos os projectos de obras, se assim o exigirem os mandões das localidades e se d'ahi depender o interesse partidario do governo.
E, d'esta fórma (que me parece perfeitamente verdadeira), o novo codigo administrativo, que promettia grandes melhoramentos nas finanças locaes, deixa tudo no mesmo pé. (Apoiados.)
Na analyse da reforma administrativa toquei só uns pontos geraes para nesta altura do debate não fatigar a attenção da camara. Vou agora examinar algumas medidas de dictadura decretadas pelo ministerio da justiça.
Sr. presidente, antes de mais nada devo declarar com franqueza que o sr. Beirão, decretando as suas medidas sobre a organisação judiciaria, teve o intuito de bem servir o paiz. No seu ministerio são muitos os ramos do serviço publico que demandam serias attenções, e s. exa. não se tem poupado a esforços, como o demonstram as propostas de lei que já foram presentes ao parlamento.
Dito isto, não posso, comtudo, approvar a idéa de s. exa. procurar reformar em alguns pontos a organisação judiciaria por meio de decretos dictatoriaes.
Se pensava já em apresentar ás camaras uma reforma judiciaria completa, não devia violar a constituição do estado para fazer umas emendas á organisação antiga. Ha tantos annos que esta estava em vigor, apesar de se lhe reconhecer as lacunas e os defeitos, que bem se podia esperar mais uns mezes pela abertura do parlamento, a fim de ahi se discutir a nova reforma que se apresentasse.
O sr. Beirão, ou pela veleidade de ser tambem dictador como os seus collegas, ou seduzido pela supposta urgencia das medidas que decretou, fez tambem a sua dictadura, mas a pratica veiu provar-lhe que s. exa. só tinha visto uma face da questão, desprezando todas as outras, e por isso teve o desgosto de ver que a maior parte das suas medidas foram inexequiveis até hoje, apesar da sua urgencia.
S. exa., fitando um inconveniente da lei em vigor, procurou remedial-o, mas não via que a nova medida que tomava, creava outros inconvenientes importantes, que por forca haviam de tornai a impraticavel.
Como a reforma judiciaria já foi largamente discutida por alguns dos oradores que me precederam, eu limitar-me-hei a muito pouco. Analysarei a extincção dos juizes ordinarios e as substituições dos juizes de direito somente.
O decreto dictatorial de 29 de julho de 1886 extinguiu no artigo 1.° os juizes ordinarios e passou as suas attri-

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buições para os juizes de direito nos julgados cabeça de comarca, e para os juizes de paz nos outros julgados.
O primeiro inconveniente que noto n'esta medida é que as mesmas attribuições são exercidas por funccionarios de differentes categorias.
Depois não percebo bem os motivos por que foram extinctos os juizes ordinarios. No relatorio diz-se que para certas questões não são precisos juizes de elevada categoria, mas magistrados que. dando penhor de sciencia e consciencia, dirimam de prompto essas pequenas questões, e conclue que o actual juiz ordinario não «dá segurança de poder dirimir pleitos que, embora pequenos em valor, podem ser graves em direito».
E os novos juizes de paz dão essa segurança?
Quaes são as habilitações exigidas para elles?
No relatorio do decreto de 29 de julho do 1886 diz-se simplesmente que os juizes de paz podem ter as mesmas habilitações que os juizes ordinarios!...
Onde está, pois, a sciencia dos novos juizes de paz?
Que melhores garantias nos offerecem do que os juizes ordinarios?
Parece-me até que nos darão menos.
Como os juizes de paz são de eleição, os partidos politicos terão o cuidado de disputar as eleições para fazerem eleger influentes seus que, ao mesmo tempo que administrem justiça, favoreçam como poderem os seus interesses partidarios.
E como se explica que os juizes de paz ficam exercendo attribuições contenciosas, saíam da eleição, emquanto que os juizes de direito são de nomeação regia? Se a eleição é boa para os juizes de paz tambem o deve ser para os juizes de direito e decrete-se então para toda a magistratura.
E não se diga que pela carta constitucional os juizes de paz são eleitos, porque isso nada vale para a questão. Na carta são eleitos os juizes de paz; mas não desempenham senão funcções conciliatorias. Se agora se lhes dão attribuições contenciosas, deviam tornar-se de nomeação regia ou estabelecer o principio da eleição para todos os juizes.
O sr. ministro da justiça, modificando as attribuições dos juizes de paz, quiz igualal-os aos juizes de paz de França. Esqueceu-se sómente de que n'aquella nação esses magistrados são nomeados pelo chefe do estado.
N'este ponto não acceito, sr. Beirão, o exemplo de nenhuma nação, porque até recalcitra contra as idéas do sr. presidente do conselho, manifestadas no relatorio da reforma administrativa.
O sr. José Luciano condemna os conselhos de districto por virem da eleição: o sr. ministro da justiça admira a sciencia dos juizes de paz por serem magistrados eleitos naturalmente.
Sr. presidente, o outro ponto de que desejo occupar-me na analyse da reforma judiciaria, é a substituição dos juizes de direito.
Pelo decreto de 29 de julho de 1886, artigo 31.°, os juizes de direito são substituidos nas suas faltas ou impedimentos da seguinte fórma:
Nas comarcas do Lisboa e Porto continuam a ser substituídos pela mesma fórma que actualmente o são (§ 3.º do artigo 31.º).
Nas comarcas capitães de districtos são substituidos pelos vogaes dos tribunaes administrativos (artigo 31.º, n.º 1.º)
Nas comarcas que não forem capitães de districtos são substituidos pelas pessoas abaixo designadas, e na ordem por que são indicadas:
1.° Pelo conservador privativo do registo predial da respectiva comarca, havendo o, e nos casos em que este não tiver impedimento;
2.° Pelo juiz municipal do julgado mais proximo da sede da comarca, onde os houver, e achando-se dois ou 1 mais julgados em distancia igual, o d'aquelle que designar a sorte;
3.° Por um bacharel formado em direito e, não o havendo em condições apropriadas, por uma pessoa idónea, proposta pelo juiz de direito antes de faltar ou se impedir, se o poder fazer, ou pelo presidente da respectiva relação, quando aquelle o não possa fazer, e approvado pelo governo (artigo 31.°, n.° 2.°). Na ultima hypothese prevista neste artigo servirá de juiz de direito o presidente da camara municipal do concelho, sede da comarca, ou quem suas vezes fizer, emquanto não chegar a nomeação do governo (§ 1.° do artigo 31.°).
Com respeito ás substituições de Lisboa e Porto e das capitães de districto nada direi por já se tratar aqui desse assumpto e occupar-me-hei sómente das substituições nas outras comarcas.
O primeiro substituto legal de juiz de direito é o conservador, não estando impedido.
Ora, pela portaria de 14 da agosto de 1886, determinou só que os conservadores que forem advogados no auditorio da comarca, não podem ser substitutos da juizes de direito.
E para fazer desapparecer para o futuro este inconveniente publicou-se o decreto de 25 de novembro de 1886, determinando que os conservadores que, depois da publicação d'este decreto forem nomeados ou transferidos a requerimento seu, para comarcas não sedes de districtos, não possam dentro da área d'ellas exercer a advocacia.
Vamos a ver o que resulta, na actualidade, da pratica d'estas disposições. Em Lisboa, Porto e outras comarcas capitães de districto os juizes de direito não são substituídos pelos conservadores do registo predial.
Nas comarcas em que actualmente os conservadores são advogados tambem os juizes não são substituidos por elles.
Nas comarcas em que os conservadores actualmente não forem advogados (que serão rarissimas) é que são substitutos dos juizes de direito.

'esta hypothese, ou o conservador tem ajudante, o que é muito raro, porque, se não advoga, consagra-se ao serviço da conservatoria e não pode ter ajudante por falta de rendimentos e por elle fazer todo o trabalho, ou não tem ajudante e necessita de estar na conservatoria durante as horas marcadas no regulamento.
Para substituir o juiz de direito nas suas faltas ou impedimentos precisa de abandonar o seu trabalho e as suas funcções, e carece de ser substituido na conservatoria pelo delegado do procurador régio, que tambem necessita de abandonar o seu logar.
Para haver uma boa substituição de juizes de direito é necessario que saiam dois funccionarios dos seus logares.
D'esta sorte a substituição dos juizes de direito pelos conservadores dá-se em rarissimos casos, e nesses com prejuizo manifesto para os trabalhos publicos. E este periodo transitorio tem bastante duração. Não morrem tão depressa os conservadores existentes para poderem ser nomeados outros que já não possam advogar, e que por isso estejam em condições de ser substitutos dos juizes de direito.
Mas, ainda que o periodo transitorio fosse de pouca duração, a substituição decretada tem dois inconvenientes dignos de se ponderarem.
Em primeiro logar, para haver uma boa substituição de juizes de direito, é necessario deslocar o conservador e o delegado das suas funcções respectivas.
Em segundo logar, os conservadores ficam em condições muito desiguaes no que toca a interesses.
Emquanto que os conservadores de Lisboa, Porto e das capitães dos districtos podem advogar, es das outras comarcas não podem, de forma que os que têem melhores conservatorias recebem ainda os proventos da advocacia. Para isto poder subsistir, era indispensavel que se modificasse o regulamento das conservatorias, estabelecendo mais

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rendimentos para os conservadores, a quem se prohibe a advocacia.
Nas restantes substituições indicadas no artigo 31.º chegâmos ao substituto ad hoc, e no intervallo da sua nomeação, fica a servir de juiz de direito o presidente da camara, que tem sempre um caracter politico!...
O sr. Beirão está gastando muito da eleição e dos magistrados com sabor politico.
Sr. presidente, vou terminar. A camara, que me tem prestado a mais benevola attenção, está de certo fatigada, e os dictadores, segundo velhas usanças, fazem ouvidos de mercador ás accusações que os oradores lhes dirigem d'este lado.
Serei muito breve.
O sr. presidente do conselho, tomando a palavra neste debate para responder ao sr. Julio de Vilhena, estranhou que a opposição não levantasse a questão politica ao discutir-se agora o bill de indemnidade, e lamentou que isto succeda pela crise interna que se está dando no partido regenerador.
Acredito na sinceridade da lamentação do sr. presidente do conselho, mas acho injusta a apreciação que fez do discurso do sr. Vilhena.
Onde vê então o sr. José Luciano a questão política? O sr. Julio de Vilhena, depois de analysar proficientemente algumas medidas do novo codigo, administrativo, da reforma judiciaria e do ensino secundário, terminou o seu discurso affirmando que o partido progressista descendia em linha recta de um bando de epilepticos larvados, e que por isso era irresponsavel pelos actos dictatoriaes que tinha promulgado. Se a nota de irresponsabilidade não fere já os membros do actual gabinete, então não sei que cousa mais irritante se lhes possa dirigir.
Não ha questão politica que os possa maguar.
Mas, como o sr. presidente do conselho manifestou muitos desejos de que não poupassem o gabinete, os oradores opposicionistas que se têem seguido no uso da palavra, têem satisfeito as suas aspirações, analysando as differentes medidas da dictadura e tirando-lhes as legitimas consequencias.
Entre esses discursos ha um verdadeiramente notavel; proferido pelo meu amigo o sr. Pedro Victor, em que analysou a reforma de engenharia do sr. Emygdio Navarro, pondo em relevo todos os defeitos e todas as injustiças d'essa medida.
E quem foi o engenheiro que lhe respondeu?
Como se defendeu o governo das accusações que lhe foram feitas?
Guardando um absoluto silencio sobro tal assumpto.
O sr. presidente do conselho quer ver levantada a questão politica e quando os oradores satisfazem ao seu empenho, manda dar-lhes como resposta um completo silencio.
Sr. presidente, como já disse, acredito na sinceridade com que o sr. José Luciano lamentou a crise que está atravessando o partido regenerador; mas, para exprimir perfeitamente o meu pensamento, seja-me licito declarar que n'esta lamentação de s. exa., vae tambem uma grande parte de egoismo.
Eu me explico.
Quando o partido regenerador, commandado por Fontes Pereira de Mello, occupou por muitos annos o poder, foi necessario congregarem-se todos os elementos do partido progressista, esquecendo antigos odios, para poderem luctar contra os seus adversarios.
Como a força de cohesão regeneradora era enorme, pois que o partido se consubstanciava quasi na vontade de um só homem, foi preciso offerecer-lhe tambem uma resistencia extraordinaria, tocar a unir em todas as fileiras; e d'esse movimento resultou a eleição a chefe do sr. José Luciano, subordinando-se todas as vontades para contrabalançar assim a forca do partido contrario.
Á morte de Fontes Pereira de Mello que, durante um largo periodo de mais de trinta annos, tivera grande intervenção nos negócios públicos, ficou na política portugueza um vacuo difficilimo do preencher, e ha de seguir-se um período transitorio de oscillação e de desaggregação mais ou menos duradouro, até que o partido regenerador se consolide ou se desaggregue completamente, formando-se novos partidos pela união dos elementos affins de uns e outros partidos militantes.
N'esta conjunctura difficil, o sr. presidente do conselho lamenta sinceramente a desunião dos regeneradores, por que, enfraquecendo este partido, não sendo tão forte a resistencia. manifestam-se as dissidencias que existem no partido progressista desde longa data, e que só a necessidade da lucta conseguiu sopitar por algum tempo.
E, em frente d'esta desorganisação, o sr. presidente do conselho prevê com justificadas rasões que, no seio do partido a que elle preside, se hão de formar alguns grupos que lhe contestem até a sua superioridade politica.
É por isso que eu via nas suas lamentações um pouco de egoismo, mas egoismo que o não desdoura, e revela pelo contrario uma boa comprehensão dos negocios politicos.
Seja qual for a ambição que se tenha de governar; seja qual for a intransigencia com que se tratem os adversarios, é indispensavel preparar as cousas para se formarem partidos fortes que, na rotação constitucional, se succedam uns aos outros no poder.
Tenho concluido.
Vozes: - Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

A camara, protestando contra os actos dictatoriaes, passa á ordem do dia. = João Pinto.
Foi admittida.
Leu-se na mesa uma mensagem da camara dos dignos pares devolvendo, com algumas emendas, a proposição de lei relativa á creação do banco emissor.
Foi enviada á commissão de fazenda.

O sr. Eduardo José Coelho: - (Será publicado o discurso, quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
O sr. Presidente: - Á noite ha sessão. A ordem da noite é na primeira parte a discussão dos projectos n.ºs 155 e 149, e na segunda parte a continuação da que está dada.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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