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SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1888 1579

Presidencia do exmo. sr. Francisco de Barros Coelho e Campos (vice-presidente)

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José Machado
Luiz de Mello Bandeira Coelho

SUMMARIO

Nào houve expediente. - Uma representação dos escrivães de direito de Trancoso, apresentada pelo sr. deputado Fernandes Vaz ; e outra dos representantes do comicio que teve logar em Lisboa no dia 13 do corrente, apresentada pelo sr. Consiglieri Pedroso.

Requerimento de interesse particular mandado para a mesa pelo sr. Albano de Mello. - Justificações de faltas dos srs. Fernandes Vaz, José de Novaes e Elvino de Brito. Declarações de voto dos srs. Fernando Vaz, Cardoso Valente, Santiago Gouveia. José de Novaes e Elvino de Brito. Manda para a mesa um parecer da commissão de marinha o sr. Francisco Machado. - O sr. Consiglieri Pedroso manifesta a sua opinião contraria á resolução que a camara tomou de encerrar a sessão pela chegada do Rei da Suecia, e apresenta em seguida uma moção de ordem e uma proposta com relação ao facto da abolição da escravatura no Brazil.

Concluo, mostrando a importancia da representação que mandou para a mesa, e pede a sua publicação no Diario do governo. A camara resolve que seja publicada a representação e declara a urgencia tanto da moção como da proposta. - O sr. ministro da marinha, por parte do governo, associa se ao pensamento de uma e outra, e o sr. Elvino de Brito faz igual declaração por parte da maioria. São approvadas por acclamação. - O sr. ministro da justiça responde ás observações feitas pelo sr Consiglieri Pedroso. - O sr. Arroyo pede a publicação dos documentos originaes que recebeu do ministerio do reino, com respeito a medidas preventivas nos theatros; chama a attenção do sr. ministro da justiça para o mau serviço da conservatoria do segundo districto do Porto, e por ultimo pergunta-lhe como interpreta o decreto de amnistia de 26 de março ultimo. Responde o sr. ministro da justiça. - Por concessão da camara usa novamente da palavra sobre o assumpto o sr. Arroyo. - O sr. Avellar Machado insta pela remessa de uns documentos que tem solicitado repetidas vezes, pelo ministerio da fazenda
Na ordem do dia entra em discussão o projecto de lei n.º 32 sobre readmissão de praças da armada, casadas ou viuvas, com filhos - Apresenta e sustenta uma proposta de additamento o sr. Abreu e Sousa, e o sr. ministro da marinha declara que acceita a seu prejuizo do andamento do projecto. - Apresenta outro additamento o sr. Dantas Baracho, acompanhando-o de diversas considerações para o justificar. Explicações e declaração do sr. ministro da marinha. - Tomam parte no debate os srs. Avellar Machado, Serpa Pinto, D. Pedro de Lencastre, relator, e Ferreira de Almeida, sendo em seguida approvado o projecto e logo depois o additamento do sr. Abreu e Sousa. - Lê-se, para ser votado, o additamento do sr. Baracho. - O sr. Abreu e Sousa pede que este additamento seja enviado á commissão de guerra. - Usa da palavra sobre o modo de propor, e oppõe-se a este pedido, o sr. Serpa Pinto. - O sr. ministro da marinha explica a conveniencia do ser ouvida aquella commissão. Responde-lhe o sr. Baracho, estranhando que se queira proceder, em relação á sua proposta, por modo diverso d'aquelle que se adoptou relativamente á proposta do sr. Abreu e Sousa. - Usa da palavra no mesmo sentido o sr. Ferreira de Almeida. Pretende o sr. Avellar Machado que seja concedida a palavra ao sr. Abreu e Sousa, que a pediu sobre o modo de propor, e o sr. presidente declara que não lh'a póde conceder segunda vez. - Impugna esta recusa o sr. Arroyo, como contraria ao regimento e á praxe. - O sr. Fernandes Vaz requer que seja consultada a camara sobre a concessão da palavra ao sr. Abreu e Sousa. - O sr. ministro da marinha declara ter sido agora informado de que o seu collega da fazenda concorda com o additamento do sr. Baracho. - O sr. presidente cita o artigo do regimento, em que se fundou para não conceder a palavra segunda vez ao sr. Abreu e Sousa sobre o modo de propor. - Consultada a camara sobre o requerimento do sr. Fernandes Vaz, é concedida a palavra ao sr. Abreu e Sousa, que responde a uma das considerações apresentadas pelo sr. Ferreira de Almeida. - Por deliberação da camara é recusada a palavra ao sr. Arroyo. que tambem a pedira segunda vez sobre o modo de propor. - Trocam se explicações, no meio de grande susurro e agitação, entre os srs. Arroyo, presidente e Arouca. - É posto á votação, e declarado approvado, o additamento do sr. Baracho. Augmenta o tumulto e a sessão é suspensa por meia hora. - Logo depois de reaberta, o sr. Arroyo insiste no pedido da palavra sobre o modo de propor.

O sr. presidente declara que a não pode conceder, e observa que o additamento já está approvado, seguindo-se a esta declaração protestos energicos por parte da minoria. O sr. Arroyo sustenta que o regimento foi offendido, e insiste no pedido da palavra sobre o modo de propor. Explicações do sr. presidente.

Cresce a agitação na assembléa, e o sr. Arroyo continua a pedir com vehemencia que lhe seja concedida a palavra.

Trocam-se novas explicações entre os srs. presidente, Arouca e Arroyo.

Augmenta o tumulto e a sessão é levantada.

Abertura da sessão - Ás duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada 49 srs. deputados.

São, os seguintes: Albano de Mello, Moraes Carvalho, Jalles, Hintze Ribeiro, Augusto Ribeiro, Lobo d'Avila, Eduardo Abreu, Eduardo José Coelho, Freitas Branco, Francisco de Barros, Francisco Mattoso, Fernandes Vaz, Francisco Machado, Francisco Ravasco, Frederico Arouca, Sá Nogueira, Pires Villar, João Fina, Franco de Castello Branco, João Arroyo, Sousa Machado, Correia Leal, Joaquim da Veiga, Simões Ferreira, Amorim Novaes, Avellar Machado, Barbosa Colen, José Castello Branco, Ferreira de Almeida, Eça de Azevedo, Ruivo Godinho, Abreu Castello Branco, Figueiredo Mascarenhas, José de Napoles, José Maria de Andrade, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Abreu e Sousa, Julio Graça, Lopo Vaz, Bandeira Coelho, Martinho Tenreiro, Miguel da Silveira, Miguel Dantas, Pedro de Lencastre (D.), Pedro Victor, Dantas Baracho, Estrella Braga e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante na sessão os srs.: - Serpa Pinto, Alfredo Brandão, Alfredo Pereira, Anselmo de Andrade, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Oliveira Pacheco, Antonio Centeno, Antonio Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Tavares Crespo, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Mazziotti, Pereira Carrilho, Simões dos Reis, Santos Crespo, Augusto Fuschini, Bernardo Machado, Conde de Villa Real, Elvino de Brito, Elizeu Serpa, Madeira Pinto, Estevão de Oliveira, Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Castro Monteiro, Soares de Moura, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Candido da Silva, Cardoso Valente, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Alfredo Ribeiro, Silva Cordeiro, Jorge de Mello (D.), Ferreira Galvão, Dias Ferreira, Elias Garcia, Laranjo, Pereira dos Santos, Ferreira Freire, Barbosa de Magalhães, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Pinto Mascarenhas, Santos Moreira, Julio Pires, Julio de Vilhena, Vieira Lisboa, Poças Falcão, Luiz José Dias, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marçal Pacheco, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Pedro Monteiro e Vicente Monteiro.

Não compareceram á sessão os srs.: - Guerra Junqueiro, Mendes da Silva, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Campos Valdez, Antonio Candido, Antonio Ennes, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Augusto Pimentel, Miranda Montenegro, Victor dos Santos, Barão de Combarjua, Conde de Castello de Paiva, Conde de Fonte Bella, Emygdio Julio Navarro, Goes Pinto, Feliciano Teixeira, Mattoso Santos, Fernando Coutinho (D.), Francisco de Medeiros, Lucena e Faro, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Dias Gallas, Menezes Parreira, Alves Matheus, Oliveira Valle, Joaquim Maria Leite, Oliveira Martins, Jorge O'Neill, Alves de Moura, Pereira de Matos, Guilherme Pacheco, Vasconcellos Gusmão, Alpoim, Rodrigues de Carvalho, Santos Reis, Mancellos Ferraz, Manuel Espre-
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gueira, Manuel José Correia, Pinheiro Chagas, Marianno de Carvalho, Sebastião Nobrega, Visconde de Monsaraz, Visconde de Silves, Visconde da Torre e Wenceslau de Lima.

Acta - Approvada.

REPRESENTAÇÕES

Dos escrivães de direito da comarca de Trancoso, pedindo que seja modificado o projecto da nova reforma judiciaria, na parte que os prejudica.
Apresentada pelo sr. deputado Fernandes Vaz, enviada á commissão de legislação, e mandada publicar no Diario do governo.

Dos representantes de um grande numero de cidadãos, reunidos em comicio no dia 13 de maio de 1888, pedindo que se dê execução ás leis existentes contra o jesuitismo.

Apresentada pelo sr. deputado Consiglieri Pedroso, enviada á commissão de administração publica, e mandada publicar no Diario do governo.

REQUERIMETO DE INTERESSE PARTICULAR

De Antonio Augusto Duarte da Silva, escrivão do terceiro officio da comarca de Aveiro, e privativamente do juizo commercial da mesma camara pedindo que no projecto de lei de reforma judiciaria se introduza uma disposição transitoria que favoreça e salvaguarde a situação dos escrivães privativos dos juizes commerciaes de primeira instancia.

Apresentado pelo sr. deputado Albano de Mello, enviado á commissão de legislação civil, e mandado publicar no Diario do governo.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

Declaro que por incommodo do saude não compareci ás sessões de 7, 8, 9, 11, 12 e 14 d'este mez. = 0 deputado, Fernandes Vaz.

Declaro que por motivo justificado faltei a algumas sessões. = J. Novaes.

Declaro que não tenho comparecido ás ultimas sessões d'esta camara por doença, e provavelmente não comparecerei a algumas mais por igual motivo. = Elvino de Brito.

Á secretaria.

DECLARAÇÕES DE VOTO

Declaro que, se estivesse presente na sessão do dia 12, quando se votou a moção do sr. Eduardo José Coelho, a teria approvado. = O deputado, Fernando Vaz.

Declaro que, se estivesse presente quando na sessão de sabbado se votou a moção do illustre deputado Eduardo José Coelho, a teria approvado. = O deputado por Gaia, Cardoso Valente.

Declaro que, se estivesse presente á sessão do dia 12, teria approvado a moção do sr. Pedro Victor e rejeitado a do sr. Eduardo Coelho. = J. Novaes.

Participo que, se estivesse presente na sessão de sabbado, á qual faltei por motivo de doença, teria rejeitado a moção do sr. Pedro Victor e approvado a do sr. Eduardo José Coelho. = João Santiago Gouveia.

Declaro a v. exa. e á camara que, se estivesse presente na sessão de sabbado, teria rejeitado a moção apresentada pelo meu collega o sr. deputado Pedro Victor, e approvado a moção de confiança ao governo apresentada pelo illustre parlamentar o sr. Eduardo José Coelho. = Elvino de Brito. Para a acta.

O sr. Francisco José Machado : - Mando para a mesa o parecer da commissão de marinha, sobre a proposta de lei n.° 34-E,fixando a força naval para o anno economico de 1888-1889.

Foi a imprimir.

O sr. Fernandes Vaz : - Sr. presidente, mando para a mesa uma declaração de que faltei a algumas sessões por motivo justificado, e aproveito a occasião para tambem declarar que, se estivesse presente na sessão de sabbado, teria approvado a, moção do sr. Eduardo José Coelho, meu collega e amigo.

Mando igualmente para a mesa uma representação dos escrivães do direito da comarca de Trancoso, que pedem para serem attendidos na nova reforma judiciaria, parecendo-me valiosas as considerações com que os signatarios fundamentam o pedido.

Peço a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que esta representação seja publicada no Diario do governo.

Sr. presidente, aproveito tambem a occasião para participar a v. exa que recebi uma carta dos dois illustres e distinctos professores da universidade de Coimbra, a quem, ha pouco tempo, esta camara conferiu um voto de louvor pelos trabalhos especiaes a que se tinham dedicado, dizendo-me que esperam brevemente agradecer esta honrosa distincção; e que no entretanto, seja eu desde já o seu interpreto, manifestando o seu agradecimento á camara pela attenção que lhes dispensou.

S. exa não reviu.

O sr. Albano de Mello: - Antonio Augusto Duarte da Silva, escrivão do terceiro officio da comarca de Aveiro e escrivão privativo do tribunal do commercio, encarregou-me de apresentar a esta camara uma representação, na qual pede para que seja modificado o 2.° do artigo 79.º do projecto de lei sobre reforma judicial, que vae offender os seus interesses.

Este funccionario allega, entre outras rasões, que, sendo ao mesmo tempo escrivão privativo do tribunal do commercio, teve que pagar os respectivos direitos de mercê, e que, pela proposta do sr. ministro da justiça, são feridos os seus interesses e prejudicados os seus direitos legitimamente adquiridos.
A camara do certo tomará a representação na consideração devida, fazendo justiça ás suas reclamações, que me parecem attendiveis.

Peço a v. exa consulte a camara para permittir que a representação seja publicada no Diario do governo.

Assim se resolveu.

O sr. Consiglieri Pedroso: - Declarou que, se estivesse presente hontem, quando se apresentou a proposta para se encerrar a sessão como demonstração de regosijo pela chegada de Sua Magestade o Rei da Suecia, não só a teria rejeitado, mas teria mesmo fallado contra ella.

Não significava isto uma descortezia; significava apenas que, no seu entender, adiantada como está a sessão, devia aproveitar-se bem o tempo, havendo, ainda como ha, assumptos muito importantes a tratar.

Ia mandar para a mesa uma moção e uma proposta, e parecendo-lhe que ambas mereceriam a approvação de toda a camara, não trataria de as justificar.

A prova de consideração que propunha era, no seu entender, mais um laço que ligava os dois povos, - o povo brazileiro e o povo portuguez.

A moção e a proposta são as seguintes;
"A camara dos deputados da nação portugueza, congratulando-se com as camaras brazileiras pela abolição da escravidão no imperio do Brazil, sauda a illustre nação,

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irmã de Portugal, pela homenagem que acaba de prestar ao principio da igualdade humana, e passa á ordem do dia. = 0 deputado, Consiglieri Pedroso.

Proponho que, no caso de ser approvada a moção anterior, seja encarregado o presidente d'esta camara de transmittir telegraphicamente ao presidente da camara dos deputados, e ao presidente do senado no Rio de Janeiro esta resolução. = O deputado, Consiglieri Pedroso."

Pede a urgencia para estas propostas.

O orador, referindo-se em seguida ao comicio, celebrado no domingo em Lisboa, declara que recebeu e ia mandar para a mesa uma representação d'esse comicio.

Tinha ella por fim protestar contra o incremento da reacção religiosa no paiz, e pedir ao governo que faça cumprir as leis que estão entregues á sua salvaguarda.

Os 7:000 ou 8:000 cidadãos, que no domingo se tinham reunido, não se haviam occupado de questões partidarias; tinham tratado unicamente do ponto concreto que os congregára.

A representação era o resultado da harmonia de esforços e de aspirações de cidadãos liberaes, pertencentes a todos os partidos, que, pondo de lado todas as considerações partidarias, entendiam ser chegado o momento de lembrarem ao governo e aos poderes publicos a necessidade de accordarem, saindo da passividade em que têem estado em face de um perigo imminente.

Dava-se um facto notavel, acrescenta o orador, com relação a este comicio. O sr. Fernando Palha, amigo e sustentaculo da actual situação, adherira publicamente á
representação. Ora quando um cavalheiro, n'estas condições, que tinha voz na camara alta, dizia ao governo que havia um perigo e que era tempo de se cumprirem as leis, não podia deixar-se de ter em conta o protesto que se lavrará n'aquella reunião.

Pela sua parte não tinha duvida em pôr a sua voz, no parlamento e em toda a parte, ao serviço da causa que fôra defendida no comicio.

O seu ideal, e julgava que o de todos os signatarios da representação, era a completa separação da igreja e do estado. Mas não se pedia isto; pedia-se, e o que todos os liberaes, qualquer que fosse o partido a que pertencessem, deviam pedir e mesmo exigir, era que o governo accordasse emfim, perante os sympthomas alarmantes que se estavam apresentando e que accusavam um grave perigo.

No anno passado, o sr. marquez de Rio Maior, em resposta a um discurso do sr. Fernando Palha, dissera na camara dos pares que os jesuitas existiam effectivamente organisados no paiz, mantendo estabelecimentos de educação e de piedade. Acrescentara que desafiava todos os governos a que fizessem cumprir as leis, relativas a institutos d'esta natureza.

E todavia, o sr. presidente do conselho, assim como o sr. ministro da justiça, que estavam presentes, tinham se conservado sentados, deixando de repellir este desafio.

Era urgente que se saísse d'esta passividade.

Havia alguns mezes annunciára uma interpellação ácerca de uma circular do sr. arcebispo de Larissa, e que requerêra uns documentos relativos á mesma interpallação; mas nem os documentos tinham vindo, nem a interpellação fôra dada para ordem do dia, apesar do sr. ministro da justiça se ter dado por habilitado para responder.

Havia de insistir pela realisação de sua interpellação, porque se relacionava, com o assumpto da representação que mandava para a mesa.

Depois de mais algumas considerações, o orador passou a ler a representação, e terminou pedindo que fosse publicada no Diario do governo.

( O discurso será publicado na integra em appenso a esta sessão, quando s. exa. o restituir.)

Consultada a camara, permittiu que fosse publicada a representação. A moção e a proposta foram consideradas urgentes entrando logo em discussão.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Declaro á camara e ao illustre deputado que, em nome do governo, me associo cordialmente não só á moção que s. exa. mandou para a mesa, relativamente á abolição da escravatura no imperio do Brazil, mas tambem ás considerações calorosas e enthusiasticas com que s. exa. fundamentou essa moção.(Muitos apoiados.)

Com respeito ao outro assumpto, de que o illustre deputado se occupou no seu discurso, o meu collega da justiça, que está presente e a quem s. exa. se dirigiu mais particularmente, de certo lhe responderá.

(S. exa. não reviu.)

O sr. Elvino de Brito:- Declaro a v. exa. que é tão patriotica e exprime tão sincera e justamente os sentimentos da camara a moção do illustre deputado, que me parece não poderá haver discussão sobre ella, restando unicamente a v. exa. mandar que seja lida para ser votada por acclamação. (Apoiados geraes.)

Aproveito a occasião de mandar para a mesa uma justificação de faltas e uma declaração de voto.

Vão publicadas nas secções competentes a pag. 1580.

A moção e a proposta foram approvadas por acclamação.

O sr. Ministro da Justiça (Veiga Beirão): - Ponderou que a representação que acabava de ser apresentada pelo sr. Consiglieri Pedroso, era dirigida ao parlamento, e que portanto a este é que competia tomar a deliberação que julgasse conveniente.

O governo não tinha que dizer por agora cousa alguma a este respeito.

Quanto ás relações da Igreja com o estado, devia dizer que lhe parecia que o systema seguido até hoje era o mais consentaneo com a defeza dos interesses da religião da grande maioria dos portuguezes, dos direitos da corôa, e dos direitos imprescindiveis da liberdade.

A politica do governo a este respeito tinha sido, fazer cumprir as leis de maneira que fossem respeitados todos os interesses e todos os direitos.

Se o sr. deputado tivesse conhecimento de algum facto que, na sua opinião, provasse que o governo tinha alguma vez deixado de cumprir o seu dever, estava no seu direito pedindo explicações, e o governo dal-as-ía.

Quanto á interpellação relativa á circular do sr. arcebispo de Larissa, já declarara que não tinha duvida em vir responder e em mandar os documentos; mas dissera tambem ao illustre deputado que a occasião mais opportuna para a discussão, seria quando o incidente estivesse concluido.

Agora reputava o assumpto concluido, e portanto estava prompto a responder á interpellação e a mandar os documentos.

(O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa o restituir.)

O sr. José Novaes: - Mando para a mesa uma declaração de voto e uma justificação de faltas.

Vão publicadas a pag 1580.

O sr. Arroyo: - No final de uma das ultimas sessões perguntei eu ao sr. presidente d'esta camara, Rodrigues de Carvalho, se já tinham chegado os documentos que eu pedira pelo ministerio do reino, relativos a medidas preventivas contra desastres nos theatros, e o sr. presidente do conselho dirigindo-se-me por essa occasião, declarou que os enviaria á camara, mas em original, para maior brevidade, parecendo-lhe conveniente que n'este caso eu requeresse a publicação dos mesmos documentos, para que todos podessem examinal-os.

Concordando com este alvitre e parecendo-me que a resolução mais conveniente será effectivamente a de se publicarem esses documentos na folha official para que o seu exame fique ao alcance de todos os membros d'esta camara, requeiro a v. exa que consulte a camara se consente

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na publicação a que me refiro, sendo logo em seguida remettidos os originaes á secretaria do reino.

Como vejo presente o sr. ministro da justiça vou chamar a sua attenção para dois pontos, um dos quaes respeita á conservatoria do segundo districto do Porto, e o outro respeita a um decreto assignado por todo o conselho de ministros, e que tem a data de 26 de março d'este anno.

Relativamente ao primeiro ponto desejo chamar a attenção de s. exa. para o estado em que se acha a conservatoria do segundo districto do Porto, sem que nas minhas considerações vá o mais pequeno desfavor para com o empregado superior que dirige aquella repartição.

Ou por impossibilidade d'aquelle funccionario, ou por elle ter já encontrado o serviço muito accumulado, quando começou a gerir a conservatoria, o facto é, e d'isto talvez o sr. ministro já tenha conhecimento, que o serviço se acha com um atrazo enorme, creio que de cinco annos.

S. exa. não só pela sua qualidade de ministro da justiça, mas pelo conhecimento especial que tem do registo predial, por isso que é um conservador distinctissimo, melhor de que ninguem facilmente apreciará os enormes inconvenientes que advém para todas as partes, e para o interesse geral, d'este enorme atrazo de serviço do registo predial.

Acresce ainda a isto o não haver ali uma arca, ou um movel qualquer destinado a guardar os documentos confiados aquella repartição.

N'estas condições, peço ao sr. ministro o obsequio de declarar se está disposto a providenciar, porque realmente este estado de cousas não póde, nem deve continuar, ou mandando ali um empregado supranumerario, ou empregando qualquer outro meio ao seu alcance, para que o serviço se ponha em dia, e para que os documentos, entregues áquelle funccionario, que eu aliás considero zeloso e distincto, tenham a guarda precisa.

O segundo ponto sobre que desejo chamar a attenção do governo é o decreto de amnistia, que já citei.

S. exa. conhece-o perfeitamente, porque o assignou, e é um documento não só da responsabilidade geral do conselho de ministros, mas da responsabilidade especial de s. exa., porque gere a pasta da justiça.

O que eu pergunto a s. exa. é se este decreto se considera como exceptuando ou não os processos em que haja parte querellante particular. Faço esta pergunta, suppondo que a boa doutrina é no sentido de serem exceptuados os processos em que haja accusação particular; pelo menos tem sido esta a pratica ininterrompida; e em todo o caso desejaria ouvir a opinião do nobre ministro, pois que s. exa. é o interprete authentico d'este documento que partiu da auctoridade do poder moderador, por cujos actos os membros do governo são responsaveis.

Depois da resposta do sr. ministro, rogo a v. exa. que se digne consultar a camara sobre se consente que eu tome de novo a palavra.

( S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

Resolveu-te que fossem publicados no Diario do governo os documentos a que se referiu o orador.

O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão):

Não podia, contestar o facto do estar muito atrazado o serviço na conservatoria do segundo districto do Porto; mas este atrazo provinha da grande accumulação de processos que em geral se dava nas conservatorias do norte.

Pela sua parte, podia assegurar ao sr. deputado que estava estudando o modo de prover de remedio a este mal, e que não descuraria o assumpto.

Em todo o caso tanta cautela havia na guarda dos documentos que, dando-se ha dois annos um principio de incendio no predio onde funcciona a conservatoria, nem um se perdera.

Quanto ao decreto de amnistia, devia dizer que aos tribunaes que têem de o applicar, e que competia interpretal-o.

Todavia declarava que o governo estava na intenção de recommendar que elle fosse applicado do modo mais lato e generoso, se acaso tivesse de intervir no assumpto com algumas instrucções.

(O discurso será publicado em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)

O sr. Arroyo: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu use da palavra para responder ao sr. ministro.

Vozes: - Falle, falle.

O sr. Presidente: - Em vista da manifestação da camara tem s. exa. a palavra.

O sr. Arroyo: - Por pouco tempo usará da palavra, mesmo porque a resposta do sr. ministro reduz naturalmente as considerações que tinha a fazer, com relação ao primeiro ponto a que se referiu.

No tocante ao estado do serviço da conservatoria do Porto, dissera s. exa. que estava tratando de providenciar; resta, portanto, ver se essas providencias, como elle, orador, deseja, produzem o resultado que se pretende.

Com relação ao segundo ponto permitia-se-lhe fazer umas leves reflexões.

Não contesta por fórma alguma, quanto á interpretação geral do decreto, o bom principio de que o poder judicial é aquelle a quem compete interpretal-o relativamente a cada um dos factos que se forem dando; mas lembra que tambem é principio de direito constitucional que a entidade competente para interpretar qualquer diploma é a collectividade que o produz.

inguem póde interpretar as leis senão o parlamento, porque nenhuma outra individualidade ou collectividade póde fazer leis; mas os diplomas que dimanam do poder, moderador ou do executivo, só podem receber interpretação authentica dos ministros, porque são elles os representantes e responsaveis, não só do poder executivo, mas tambem do poder moderador.

Sendo isto assim, é para notar que o sr. ministro da justiça repetindo a phrase do sr. Emygdio Navarro, dissesse que o governo, se porventura chegasse a ter de emittir a sua opinião, estava disposto a apresental-a no sentido mais generoso.

Elle, orador, não conhece melhor opportunidade para o governo expor a sua opinião sobre qualquer assumpto do que a occasião em que é interrogado no parlamento.

Só quando é provocado por qualquer deputado ou par a dar explicações é que o governo tem ensejo de fazer as suas affirmações.

Mas, s. exa. chamou generosa á sua interpretação, é elle, orador, entende que o mais generoso será exceptuarem-se da amnistia os criminosos em cujos processos haja accusação particular, porque d'esta fórma se evita que as partem accusadoras percam as despezas feitas.

Alem de que, nem é regular, nem conforme á praxe quasi constantemente seguida, o interpretar por similhante modo os decretos de amnistia eleitoral.

E não é só sua esta opinião, é tambem a de muitos juizes de larga experiencia n'esta materia a quem consultou.

Depois de expor mais algumas considerações n'este sentido, o orador termina declarando que o seu fim principal, fallando segunda vez sobre este assumpto, foi o deixar consignado nos annaes parlamentares o seu protesto contra a interpretação que o governo parecia querer dar ao decreto de amnistia.

(O discurso será publicado na integra em appendice a esta sessão quando s. exa. o restituir.)

O sr. Avellar Machado: - Peço a v. exa. que se digne dizer-me se já chegaram a esta camara os documentos que pedi com respeito ás gratificações concedidas pelo sr. ministro da fazenda contra as disposições legaes. É, se me não engano, a setima vez que faço esta pergunta a v. exa.

(Pausa.)

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O sr. Presidente: - Ainda não vieram

O Orador:- Realmente não sei o que hei de dizer a este respeito, e a energia das expressões que deverei empregar, dando-se a circumstancia aggravante de, já por duas vezes, o sr. ministro da fazenda me haver declarado ,que os documentos por mim solicitados seriam enviados sem demora, apesar de, até agora, não terem ainda apparecido. (Apoiados.)

Estamos no quinto mez de sessão, e v. exa. acaba de informar a camara que taes esclarecimentos ainda não deram entrada na secretaria.

Se o parlamento não serve principalmente para fiscalisar com todo o rigor a applicação dos dinheiros publicos, não sei para que sirva então. (Apoiados.)
Os dinheiros do estado representam o suor do contribuinte, muitas vezes até a privação do pão quotidiano, e é indispensavel saber se como são applicados. (Apoiados.)

Consta que em muitas repartições e a muitissimos funccionarios dependentes do ministerio da fazenda são abonadas pingues gratificações por ordem do sr. ministro da respectiva pasta, e nada mais facil haveria do que enviar sem a menor delonga a relação d'essas gratificações, a fim da camara poder avaliar com perfeito conhecimento a applicação que o governo dá aos dinheiros publicos. (Apoiados)

V. exa., a camara e o paiz ficam perfeitamente inteirados que, tendo o sr. ministro já por duas vezes promettido que havia de mandar bem a minima demora os esclarecimentos por mim pedidos, são passados cinco longos mezes sem que s. exa cumprisse a sua palavra, enviando á camara esses esclarecimentos. Não será portanto para estranhar que a opposição, depois de haver esgotado todos os meios cavalheirosos para obrigar o sr. ministro da fazenda a cumprir os deveres do seu cargo, use de uma linguagem menos commedida, classificando como merece um tal modo de proceder.

Se as gratificações mandadas abonar illegalmente por s. exa são em pequeno numero, em pouquissimos minutos se organisaria a relação pedida por mim no cumprimento dos meus deveres de representante do povo.

A extraordinaria e indesculpavel demora de cinco mezes em a enviar á camara demonstra claramente de que ordem são os abusos commetidos por s. exa. (Apoiados.)

Mas, grandes ou pequenos, em maior ou menor numero eu tenho direito, como fiscalisador legitimo dos interesses dos povos, de exigir do governo que sejam mandados á camara os esclarecimentos que pe li relativamente á illegal applicação que o sr. ministro da fazenda dá aos dinheiros do estado.

Custa a crer que haja um governo que tenha em tão pouca monta a sua reputação de honestidade politica, que deixe decorrer cinco mezes bem que envie os esclarecimentos que lhe são pedidos ácerca do modo como applica o dinheiro do povo, dando fundamento ás suspeitas da opinião publica, que vae estando convencida de que os rendimentos do estado são a roupa de francezes para certos ministros.

Este convencimento poderá levar-nos a excessos de linguagem de que não desejaria usar, mas a que serei, mau grado meu, compellido, se isto assim continuar, e v. exa. não terá então autoridade, para me advertir. (Apoiados.)

Seja isto dito em boa paz, attento o respeito que consagro á pessoa de v. exa. e ao elevado cargo de que se acha investido.

Creia v. exa. que prestarei um grande serviço ao governo, fazendo com que estes esclarecimentos venham finalmente á camara depois de pedidos por sete vezes, exactamente como se v. exa. e eu nos tivessemos dirigido ás paredes, e não ao ministro de um Rei constitucional.

Tambem pergunto a v. exa. se já chegaram as informações que pedi pelo ministerio das obras publicas, ácerca da despeza feita com o inquerito agricola até 31 de dezembro do anno proximo passado.

(Pausa.)

O sr. Presidente : - Ainda não vieram.

O Orador: - Peço a v. exa. que empregue os seus esforços para que estes esclarecimentos venham tambem com brevidade á camara.

E vendo agora sentado nas cadeiras dos ministros o meu amigo o sr. Antonio Maria de Carvalho,(Riso.) e na impossibilidade de obter os esclarecimentos que por tantas vezes solicitei do ministerio das obras publicas, ousava rogar a s. exa, como membro da commissão do inquerito agricola, o particular favor de, querendo, fazer-me tão grande fineza, me fornecer a nota das despezas que debalde tenho pedido. (Apoiados.)

Estes esclarecimentos não são tão importantes para avaliar da moralidade do governo como os solicitei pelo ministerio da fazenda mas têem igual valor pelo que respeita ao conhecimento que a camara deve ter de como são gastos os dinheiros do contribuinte.

Eu quero saber ques foram as despezas feitas com o chamado inquerito agricola, e bem assim se essas despezas correspondem ou não a trabalhos feitos, e ao proveito alcançado com tal inquerito para a agricultura portuguesa (Apoiados.)

Rogo portanto mais uma vez a v. exa. que solicite do ministerio das obras publicas que seja enviada a esta camara a nota doe taes despezas.

Essas contas devem do ha muito estar apuradas, por isso que eu tive o cuidado de pedir somente a relação das que se achavam liquidadas até 3l de dezembro ultimo, e não até fevereiro ou março d'este anno, o que poderia levar muito tempo a apurar.

Creia v. exa. que fará um bom serviço ao paiz, e em especial a este lado da camara, solicitando de novo do sr.ministro, a remessa d'esses documentos, (Apoiados.) antes que vejamos forçados a exigil-os por meios menos parlamentares, caso em que toda a responsabilidade pertencerá unicamente ao governo, que não cumpre os mais elementares principios de uma sã, e correcta administração.
(Apoiados.)

Tenho dito.

ORDEM DO DIA

Discussão do projecto de lei, para readmissão de praças da armada, casadas, ou viuvas com filhos

o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º32

Senhores - A vossa commissão de marinha foi presente a proposta de lei n.° 27-C auctorisando á readmissão no serviço militar ás praças da armada casadas, ou viuvas com filhos.

São tão justas as rasões allegadas no relatorio que precede a referida proposta de lei que parece á vossa commissão dever ser convertido em lei o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.° As praças da armada podem ser readmittidas no serviço militar, quando casadas ou viuvas com filhos satisfazendo ás restantes perscrições do artigo 80 da carta de lei de l2 de setembro de 1887, que regula o recrutamento das forças de mar e terra.

Art. 2° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões da commissão de marinha, 28 de março de 1888. = J. Simões Dias = J. B. Ferreira de Almeida = Antonio Maria Dias Pereira Chaves Mazziotti = Victor dos Santos = João Cardoso Valente = Joaquim Heliodoro da Veiga = D. Pedro de Lencastre, relator.

N.º 27-C

Senhores. - A lei do recrutamento para as forças de

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terra e mar de 12 de setembro de 1887 determina no artigo 80.°, que não sejam readmittidas no serviço militar as praças casadas, ou viuvas com filhos.

Esta disposição de lei, util no exercito, tem comtudo, quando applicada á armada, um grave inconveniente que não era facil prever, qual é retirar do serviço da marinha militar a maioria dos cabos e bons marinheiros que são casados.

Nas forças de terra a praça que recebe baixa é facilmente substituida, por ser rapida a instrucção do soldado; na armada a educação profissional do marinheiro é incomparavelmente mais trabalhosa, podendo estabelecer-se como regra que só proximo do fim do seu alistamento o marinheiro póde ser considerado habilitado na sua especialidade. A lei mesmo não lhe permitte a promoção a cabo marinheiro sem ter quatro ou cinco annos de serviço.

Acresce ainda que sendo a educação em terra ministrada por praças que pela sua graduação estão ao abrigo do citado artigo, no mar são os marinheiros antigos que nos variadissimos trabalhos de bordo iniciam e educam as praças novas. São os velhos marinheiros quem pela sua coragem animam e fortalecem o animo dos recemvindos no meio das fadigas e perigos inherentes á vida do mar, os moralisam com o exemplo e lhes incutem os habitos de disciplina.

Privar portanto os navios d'este importantissimo elemento de ordem, de educação e de trabalho seria altamente prejudicial para o bom serviço.

Por estas rasões espero que merecerá a vossa approvação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.° As praças da armada podem ser readmittidas no serviço militar quando sejam casadas ou viuvas com filhos, satisfazendo as restantes prescripções do artigo 80.° da carta de lei de 12 de setembro de 1887 que regula o recrutamento das forças de mar e terra.

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.

Secretaria d'estado dos negocios da marinha e ultramar, 24 março de 1888. = Henrique de Macedo.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e na especialidade.

O sr. Abreu e Sousa (sobre a ordem}:- Pedi a palavra para mandar para a mesa um additamento ao artigo 1.° do projecto que se discute, constituindo este additamento um unico do theor seguinte:
unico. As disposições d'este artigo são extensivas aos officiaes inferiores do exercito, musicos, artifices, ferradores - forjadores, mestres e contramestres de corneteiros e clarins e a todas as praças da companhia de torpedeiros e da primeira companhia da administração militar."

Procurarei em breves palavras justificar esta proposta.

V. exa. sabe que o artigo 80.° da carta de lei de 12 de setembro de 1887, que trata do recrutamento, preceitua que só possam ser readmittidas ao serviço militar as praças que satisfaçam a umas certas condições, e entre ellas a de não serem casadas ou viuvas com filhos. Este é o artigo da parte organica da lei.

O unico do artigo 104.° da mesma lei preceitua que as praças de pret, actualmente alistadas no exercito e armada, e ás quaes seja concedida a readmissão, poderão continuar o ser readmittidas, uma vez que satisfaçam ás condições exaradas no artigo 80.°
Claro é portanto que, segundo as disposições d'este artigo transitorio, as praças já alistadas ao tempo da publicação da lei, a quem tenham concedido a readmissão e forem casadas, não podem continuar a ser readmittidas em presença do que dispõe o artigo 80.°, que acabei de citar.

Por effeito d'esta disposição legal affluiu ao ministerio da guerra grande numero de requerimentos de officiaes inferiores do exercito que á data da publicação da lei de setembro eram readmittidas e casadas com licença do mesmo ministerio, que lhes tinha sido concedida sem clausula alguma quanto a não continuarem no serviço effectivo, logo que terminassem o tempo por que estavam obrigadas.

O sr. ministro da guerra viu-se, pois, na necessidade de attender a estas reclamações, e para evitar que os quadros dos officiaes inferiores do exercito, por assim dizer, se esvaziassem, porque o numero dos que se achavam n'estas condições era muito grande; e alem d'isso para respeitar direitos adquiridos, por isso que a condição de contrahirem o matrimonio tinha sido concedida pelo proprio ministerio da guerra, sem clausula alguma, deferiu ao requerimento d'estes officiaes e permittir por consequencia que podessem ser readmittidos, ficando assim applicada esta disposição transitoria da lei.

De futuro, porém, subsiste o que determina o artigo 80.°, isto é, que nenhuma praça do exercito possa ser readmittida ao serviço militar sendo casada, ou viuva com filhos.

Ora, esta disposição da lei de 12 de setembro é contraria aos interesses militares e ainda contraria ao espirito de toda a legislação, que tem por fim facilitar o preenchimento dos quadros inferiores do exercito, como, por exemplo, as leis de 23 de julho de 1880 e 26 de julho de 1883; a primeira, que trata das vantagens a conferir a officiaes inferiores que se impossibilitem no serviço militar, das pensões que hão de ser concedidas a esses militares em caso de reforma e que estabelece ainda differentes disposições relativas a esta classe; a outra, que confere aos officiaes inferiores do exercito o direito de serem providos em determinados empregos publicos, dadas umas certas e determinadas circumstancias.

Estas duas leis eram ambas tendentes a conservar no serviço do exercito os officiaes inferiores que assim o desejassem.

Ora, v. exa. sabe que esta questão dos officiaes inferiores do exercito é importantissima, e que em todos os paizes se tem procurado resolvel-a por leis successivas, mas que ainda assim em nenhum d'elles se póde considerar completamente resolvida. V. exa. sabe que hoje a concorrencia que o commercio e a industria fazem á profissão militar é grande, e se não dermos vantagens aos sargentos para se conservarem nas fileiras do exercito, veremos a instituição militar prejudicada, pela falta d'este auxiliar importantissimo da disciplina e da instrucção das tropas.

Pelas rasões que acabo de expor á camara, parece-me acceitavel o additamento que mando para a mesa. (Apoiados.)

Bem sei que ha quem interprete a lei em sentido differente, e diga que os officiaes inferiores não estão sujeitos ás prescripções do artigo 80 °, fundando-se para isso no unico do artigo 79.° da carta de lei de 12 de setembro, que diz: que as readmissões dos officiaes inferiores deverão ser reguladas por lei especial; no entretanto esta interpretação parece-me que não póde dar-se pelos motivos que vou expor.

Este unico estabelece sem duvida aquella disposição, mas torna dependente de lei especial a sua execução, e portanto, emquanto não fizermos essa lei especial, a lei vigente é a de 23 de julho de 1880, que trata das readmissões dos officiaes interiores. Alem de que essa lei não estabelece as condições para a readmissão; mas apenas preceitua as vantagens a conceder aos officiaes inferiores, depois de readmittidos ao serviço; (Apoiados.) e tanto assim é, que o artigo 1.° d'essa carta de lei diz: "Os officiaes inferiores do exercito em activo serviço poderão, etc."

De onde se vê que esta disposição do unico do artigo 79.° não colhe para o caso sugeito, e que os officiaes inferiores do exercito, em presença do que dispõe o artigo 80.°, não podem ser readmittidos, sendo casados ou viuvos com filhos.

Portanto, sr. presidente, eu desejava que o illustre ministro da marinha, por parte do governo, me dissesse se concorda com as observações que apresentei á camara, e

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se acceita o additamento, que me parece trará beneficios notaveis para o serviço militar.

Este additamento vae tambem assignado pelo nosso collega e meu amigo o sr. Avellar Machado.

(S. exa não reviu as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Proposta

unico. As disposições d'este artigo são extensivas aos officias interiores do exercito, musicos, artifices, ferradores - forjadores, mestres e contramestres de cometeiros e clarins e a todas as praças da companhia de torpedeiros e da primeira companhia da administração militar. = Julio de Abreu e Sousa = José Pimenta de Avellar Machado.

Foi admittida.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Sr. presidente, quando apresentei á commissão o projecto em discussão, tive apenas em mente emendar um dos pequenos erros, que escaparam na elaboração da lei do recrutamento. E não me envergonho de dizer - um dos pequenos erros, - como tambem a camara não deve envergonhar se por ter de corrigir em uma lei, que é, por assim dizer um codigo, algumas disposições secundarias, que na pratica têem encontrado um ou outro inconveniente.

Agora, a proposito da discussão do projecto, entendeu o illustre deputado o sr. Abreu e Sousa, dever apresentar, tambem no intuito de corrigir um d'esses pequenos erros, uma proposta de additamento, e eu pela minha parte, alem de considerar a materia d'essa proposta, tanto quanto posso e sei apreciar os assumptos d'esta natureza, tenho conhecimento de que o sr. ministro da guerra está perfeitamente de accordo com a disposição que n'ella se estabelece.
Não tenho, portanto, duvida alguma de acceital-o em nome do governo.

Todavia, se a camara entender, que esse additamento deve ser estudado, pela commissão de guerra; se entender que não deve pvonunciar-se immediatamente sobre o assumpto, desejarei que por esse facto o andamento do projecto, na parte que diz respeito á marinha, não seja tolhido.

Não ha, a meu ver, inconveniente algum em que elle seja discutido e approvado pela camara, se merecer essa approvação, porque a proposta do illustre deputado, depois de examinada pela commissão de guerra e approvada pela camara, poderá ser additada ao projecto na sua ultima redacção.

Parece-me que este alvitre não tem inconveniente, e que pelo contrario dará logar a que a camara possa apreciar a materia da proposta, sem prejuizo do andamento do projecto.

(S. exa. Não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Dantas Baracho: - Sr. presidente, mando tambem para a mesa um additamento, formulado n'este sentido :
"Proponho que a disposição que o projecto applica á marinha, seja tambem applicada á guarda fiscal."

Seguindo me com a palavra, sobre a ordem, ao illustre deputado o sr. Abreu e Sousa, devo dizer a v. exa. que fiquei maravilhado, não só com o que s. exa. disse, mas muito mais com o que avançou o sr. ministro da marinha.

Eu vou explicar á camara a causa da minha admiração, se não do meu espanto.
No anno passado, quando se discutiu aqui a lei do recrutamento, o meu particular amigo e illustre parlamentar, o sr. Avellar Machado, propoz que sobre essa lei fossem ouvidas as commissões de guerra e de marinha. Se estas commissões tivessem emittido parecer, como pedia aquelle illustre deputado, era natural que não estivessemos n'este momento a deitar remendos na lei. (Apoiados.)

Esta omissão dá agora margem a que o sr. Abreu e Sousa, tão intimamente ligado com o ministerio, proponha, e ao meu entender muito bem, que se faça um rasgão na lei; e, o que é mais, que o illustre ministro da marinha se associe a essa operação, esquecendo o que escreveu no relatorio que precede o projecto, como adiante demonstrarei.

Tudo isto parece simplesmente phantastico, não o parecendo menos que o sr. ministro da marinha, que se diz anctorisado pelo seu collega da guerra para acceitar a modificação, tenha serodias attenções para com a commissão de guerra, dizendo que seria bom que ella fosse ouvida!
(Apoiados.)

Pois agora que se trata de um remendo na lei é que se torna necessario ouvir essa commissão? (Apoiados.} No anno passado, repito, porque é util accentuar bem esta contradicção, quando se elaborava a lei, as commissões de guerra e de marinha não foram ouvidas. Foram consideradas inuteis e postas de parte. (Apoiados.)

Apenas formulou parecer sobre o assumpto a commissão de recrutamento; que era composta na maior parte de bachareis; e, quando digo bachareis, não se entenda que desejo melindrar s. exas., mas é preciso que os bachareis estejam no seu logar e os militares tambem no seu, occupando-se uns e outros, de preferencia, dos assumptos de que mais devem entender. (Apoiados.)

E se se tivesse attendido a estas circumstancias, que naturalmente se impõem perante as conveniencias publicas e o bom senso, não se teria dado o facto de se ter votado uma lei no anno passado, e já este anno o proprio relator da commissão, por quem tenho todo o respeito, o que não me inhibe de avaliar os seus actos, ter sido o primeiro a dar um rasgão n'essa mesma lei, apresentando um projecto relativamente a remissões. (Apoiados.)

Ora esta febre de fazer levianamente leis, para pouco depois ter de as emendar, o que é um dos caracteristicos do actual ministerio, não póde nem deve continuar. (Apoiados.) E é entretanto para proseguir n'essa faina que elle pretende que se façam sessões nocturnas. Bem fundamentada, na verdade, tão luminosa pretensão! (Apoiados.)

Em tempo opportuno não se attenderam os justos clamores e as sensatas advertencias da opposição, para agora se lhe querer impor a violencia de trabalhar aqui de dia e de noite, remendando leis! E digo leis, sr. presidente, porque não é a que se discute n'este momento a unica que se procura remendar. Até o proprio padrão de gloria do sr. presidente do conselho, o codigo administrativo, já tem em perspectiva um remendo, como consta de um projecto de lei, relativo aos administradores do concelho. (Apoiados.)

Outro rasgão se pretende tambem dar n'outra lei mais antiga. Refiro-me ao projecto pendente de discussão, e que se refere aos inspectores e sub-inspectores de instrucção primaria. Quando elle se discutir, eu mostrarei, o que não ha de ser difficil, quanto é monstruoso a todos os respeitos o remendo, ou antes, o rasgão que se projecta a este respeito. (Apoiados.)

Sr. presidente, eu concordo não só com o projecto que está em discussão, mas ainda com a emenda apresentada pelo sr. Abreu e Sousa. Não posso, porém deixar de tornar bem saliente a contradicção manifesta em que estão as declarações que acaba de fazer o illustre ministro da marinha com o que s. exa. escreveu no relatorio que acompanha a proposta de lei que se discutiu ha pouco.

O illustre ministro declarou que acceitava a ampliação, ao exercito, da doutrina que deseja ver applicada á marinha, e, todavia, s. exa. diz no seu relatorio:
"A lei do recrutamento para as forças de terra e mar de 12 de setembro de 1887 determina no artigo 80.°, que não sejam readmittidas no serviço militar as praças casadas, ou viuvas com filhos.

"Esta disposição da lei, util no exercito, tem comtudo, quando applicada á armada, um grave inconveniente que não era facil prever, qual é retirar do serviço da marinha militar maioria dos cabos e bons marinheiros que são casados."

E n'esta nota continua o sr. ministro para demonstrar

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que a disposição da lei, util no exercito, não tem rasão de ser, e antes é nociva para o serviço publico na marinha.

A incoherencia de s. exa. é, por consequencia, manifesta, acceitando agora o additamento do illustre deputado, o sr. Abreu e Sousa. (Apoiados.)

O sr. Abreu e Sousa: - Eu acceito a hypothese do artigo 80.° da lei, para os soldados e não para as praças.

O Orador: - Praças de pret são todos os individuos desde o soldado até ao sargento ajudante ou brigadas. (Apoiados.) E não sou eu só que o digo; ninguem que conheça um pouco as cousas militares o póde ignorar.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - V. exa. dá-me licença?
Quando eu disse no relatorio, que era util, etc., não quiz de modo nenhum dizer, nem podia dizer, que a disposição não seria util para as praças todas graduadas.

Com relação ao exercito, esta disposição era util, e tanto que, não se propõe a sua derogação, mas sim apenas uma alteração.

O Orador: - Mas as entidades que constam da proposta do illustre deputado o sr. Abreu e Sousa, satisfazem integralmente as condições de praças de pret, e tendo se dirigido o sr. ministro, no seu relatorio, em sentido generico, a praça, n'essa designação, permitta-se-me a insistencia, estão comprehendidas as graduadas e não graduadas, e portanto posta em evidencia a contradicção de s. exa. (Apoiados.)

De tudo isto se deduz mais uma rasão por que nem todos os bachareis podem fazer tudo. (Riso.)

Sr. presidente, eu disse já que acceitava não só o projecto, mas tambem a emenda do sr. Abreu e Sousa, additando-lhe uma proposta, que mando agora para a mesa, e que quando comecei a fallar. Não queria, porém, deixar passar sem protesto a leviandade systematica com que este governo faz leis. (Apoiados.) Foi isso que eu procurei pôr em relevo, e é isso que ainda me dá margem a dizer que este governo é, no genero, incontestavelmente original.

Póde ficar certo de que não tem rival. (Apoiados.)

E a proposito de originalidade, recordo-me agora do que se passou com um homem de letras, francez, que a camara toda conhece seguramente de nome, e que já morreu, Edmond About.

Tinha elle feito uma campanha em regra, pela imprensa, contra o governo chamado de 16 de maio, sendo presidente da republica, franceza o marechal Mac-Mahon. Depois da queda do marechal, dizia Edmond About, com relação ao gabinete republicano, que seguidamente fôra organisado: elle tudo me prometteu, eu tudo acceitei, e elle nada me deu.

Ora este governo está precisamente n'este caso. O governo tudo promette ao paiz, e nada faz; e quando alguma cousa faz, é o contrario do que devia fazer. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Sr. presidente, nem v. exa.,
nem o illustre deputado, nem a camara estranhará, que, em vista do estado do adiantamento, não só da sessão legislativa, mas da sessão de hoje, porque se passou á ordem do dia bastante tarde, não estranhara, digo, que eu não aproveite o ensejo da discussão d'este projecto, para entrar em uma larga discussão politica.

S. exa propoz um additamento, e se eu tomei a palavra n'esta occasião, foi apenas para dizer que, não estando presente o sr. ministro da fazenda, eu nada posso dizer sobre essa proposta.

Tendo, por acaso, conversado com o sr. ministro da guerra, soube que elle é favoravel á idéa do additamento apresentado pelo sr. Abreu e Sousa; tive d'isto conhecimento por mero acaso e suppuz até que s. exa. viria apresentar, elle proprio, uma proposta relativa a alguma alteração na lei do recrutamento, no tocante ao exercito.

Por isso, apparecendo agora este additamento, e sabendo
que o sr. ministro da guerra o approvava, declarei á camara, por parte do governo, que o acceitava, apesar da sua materia ser estranha ao projecto de lei que se discute.

Não se dá porém o mesmo em relação á proposta do sr. Baracho. A respeito d'essa devo dizer que me parece natural que ella seja remettida á commíssão competente; e se a camara assim o resolver, ali poderá ser ouvido o sr. ministro da fazenda para se pronunciar sobre O assumpto.

Em todo o caso o que é necessario é que nenhuma d'estas propostas se anteponha á discussão do projecto; e talvez que na ultima redacção, como já disse, possam ser introduzidas as disposições que n'ellas se contêem.
Parece-me tambem que não deve causar estranheza ao sr. Baracho o facto de ser enviado o seu additamento á commissão porque com isso não se pratica senão um acto de respeito pelo parlamento.

Quanto á lei do recrutamento votada em 1887, devo lembrar que ou, n'essa occasião, não fazia parte do ministerio, e que se o respectivo projecto não foi analysado pelas commissões de guerra e marinha, foi isso motivado pela circumstancia de estar chegada ao seu termo a sessão e haver urgencia da lei.
Não deve, portanto, s. exa. considerar esta omissão como falta de respeito pelas formulas parlamentares. (Apoiados.)

(S. exa. não reviu.)

O sr. Avellar Machado : - Presto a devida homenagem no sr. ministro da marinha pela sinceridade e franqueza com que s. exa. escreveu estas palavras que são a condemnação completa da sua maioria n'esta casa.
(Leu.)

Se s. exa. se tivesse afastado de vez dos seus collegas, creia que melhor teria andado para credito seu e boa norma dos verdadeiros principios constitucionaes.
(Interrupção do sr. ministro da marinha.)

Creia s. exa. que lhe fallo d'esta maneira pela muita sympathia e consideração que s. exa. me merece e mereceu sempre e que os termos em que s. exa. só expressa no relatorio que precede o projecto ou proposta de lei que se discute, dão logar á interpretação que apresentei.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): -
Se o illustre deputado me dá licença, observarei que essas palavras não querem dizer que não houvesse no exercito algumas classes de praças para as quaes fosse rasoavel a excepção de que se trata.

Essas palavras o que queriam dizer era que a doutrina da lei de 1887 era util para o exercito, quando applicada á generalidade.

Póde ser que com taes palavras não manifestasse bem o meu pensamento, mas era este...

O Orador: - Isto, porém, pouco vale para o caso, porque s. exa. têm de responder unicamente pelos negocios da marinha; não pelos que tem intima relação com o exercito.
Pondo isto de parte, vejamos de relance as circumstancias que o anno passado se deram na discussão da lei do recrutamento.

Por duas vezes, uma na sessão diurna, quando se discutia a generalidade do projecto, e outra na sessão nocturna, discutindo-se a especialidade do mesmo projecto, eu tive a honra de propor, sendo-me rejeitado com energia e clamor por parte da maioria, que ácerca de tão importante proposta de lei fossem ouvidas as commissões de guerra e marinha. A sessão foi até um pouco tempestuosa, devida ao facciosismo dos granadeiros do governo, que não queriam de modo algum que as commissões de guerra e de marinha emittissem o seu conspicuo parecer n'uma lei de recrutamento, quando, como todos sabem, o soldado é a materia prima de um exercito, assim com o marinheiro um dos primeiros elementos a considerar n'uma bem organisada. (Apoiados.)

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A maioria, sem sciencia nem criterio, guiada apenas pelo seu facciosismo, somente porque a proposta partia d'este lado da camara, visto que era apresentada por mim, não quiz de maneira alguma permittir que as commissões de guerra e marinha, que eram as mais competentes n'este assumpto, emittissem parecer ácerca de tal chefe de obra, perdôe-se me o gallicismo!
Ainda bem que o sr. ministro da marinha, apesar de não pertencer a esta camara, affirmou, a proposito de um additamemto que foi enviado para a mesa, que eu tive a honra de assignar, e a respeito do qual estão de accordo maioria, opposição e governo, que esse additamento deve ir á commissão de guerra, em acatamento às praxes seguidas n'esta camara, e aos bons principios constitucionaes.

È a melhor e mais bem merecida lição que se podia dar a uma maioria que se comportou da maneira que v. exa. sabe, quando o anno passado se discutiu a lei do recrutamento.

Então entendia entendia ella que não deviam ser ouvidas as commissões de guerra e marinha ácerca de tão importante assumpto.

Hoje, que se trata de um pequeno additamento á lei, e em que estamos todos concordes, governo e opposições, entende e muito bem, o sr. ministro da marinha, que esse additamento deve ir ás referidas commissões em obediencia ás praxes e aos salutares principios que regem as discussões nas assembléas parlamentares.

É s. exa. que se encarregou de stygmatisar do modo mais claro e evidente o inqualificavel procedimento da sua ignara maioria. (Apoiados.)

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Eu não disse que o additamento devia ir á commissão de guerra; o que disse foi que, se a camara. entendesse que elle devia ir áquella commissão, era meu desejo que o projecto não fosse prejudicado, interrompendo-se por esse facto a discussão.

Pelo que respeita á guarda fiscal, lembrei que, não estando presente o sr. ministro da fazenda, que é quem póde responder n'este assumpto, devia ser enviado o respectivo additamento á commissão de fazenda para s. exa. dar ali a sua opinião.

E, relativamente ao exercito, repito, apresentei a opinião do sr. ministro da guerra, acrescentando que, se a camara entendesse que ainda assim o additamento devia ir á commissão de guerra, eu desejava que tambem esse facto não tolhesse o andamento do projecto.

Isto e nada mais.

O Orador: - Creia v. exa. que não desejo tolher o andamento do projecto.
Sou insuspeito no que affirmo, porque assignei o additamento mandado para a mesa pelo sr. Julio de Abreu e Sousa.

Não tenho mesmo senão que louvar o sr. ministro da marinha pela homenagem que prestou ás praxes parlamentares, e pela severa lição que deu aos seus correligionarios, lição que de nada lhes servirá, porque são impenitentes no peccado.

O que eu registo é a declaração de s. exa., de que, apesar da harmonia que ácerca do ponto em discussão ha entre a maioria e a minoria d'esta casa, propoz que o additamento fosse á commissão de guerra, para se cumprir uma formalidade do regimento d'esta casa, dando assim uma severa lição á sua maioria, que no anno passado, quando se discutia a lei fundamental do exercito, a lei que muitos escriptores militares chamam "a carta constitucional da força armada", não consentiu que ácerca d'ella fossem ouvidas as commissões de guerra e de marinha.
(Apoiados.)

Por isso s. exa. apresentou já, e tambem alguns srs. deputados, incluindo o sr. relator, algumas alterações a essa lei.
(Interrupção do sr. Barbosa de Magalhães.)

S. exa. é muito talentoso, estou acostumado a ouvir os seus brilhantes sophismas; é capaz até de fazer tours de force, como no outro dia, para defender as infamias praticadas em Ovar, mas creia s. exa. que lhe é impossivel provar, que realmente não se fazem alterações profundas a essa lei, approvadas que sejam as propostas do governo, e as de s. exa.

S. exa. foi o relator d'esse projecto e veiu aqui penitenciar-se já, apresentando uma alteração radical da lei! Ora veja v. exa. a maneira como foi estudado por s. exa. e pela maioria um assumpto tão importante! (Apoiados.)
Na commissão de guerra estão pessoas verdadeiramente competentes para tratar de tudo que se relaciona com o exercito e sou completamente insuspeito n'esta afirmativa, porque não só não pertenço a essa commissão, onde estão apenas os militares mais illustres pertencentes á maioria, motivo por que estranhei e estranho que, como disse o sr. Baracho, se entregasse aos bachareis em direito a confecção das leis militares, provavelmente para encarregar aos officiaes do exercito o estudo da reforma judicial. (Riso.- Apoiados.)

O sr. relator affirma que o anno passado eram já essas as suas idéas, mas que fui vencido pela commissão, que resolveu o contrario do que s. exa. entendia! Mas n'este caso o seu dever seria exonerar-se do cargo de relator.

O sr. Barbosa de Magalhães: - Se s. exa. me dá licença, observar lhe-hei que o projecto de lei apresentado pela commissão de recrutamento o anno passado, não podia rasoavelmente ampliar a disposição transitoria da remissão por 50$000 réis aos recrutas de um contingente que nem sequer ainda tinha sido decretado. É por isso que eu este anno tive a honra de propor á camara um outro projecto tornando extensiva aos recrutas de 1887 a disposição do artigo 105.° da lei de 12 de setembro ultimo. Já vê o illustre deputado que nem este projecto altera áquella lei, nem a contraria, porque é meramente transitorio tambem, e comprehende materia que essa lei não podia comprehender, sem absurdo.

O Orador: - Já fiz justiça ás intenções do illustre deputado relativamente ás condições especiaes em que n'este ponto se achava, mas repito que s exa. não póde de maneira alguma defender o seu procedimento e dos seus collegas, tão desgraçada é a posição de todos n'este assumpto.

Acceitando, portanto, o additamento do sr. Abreu e Sousa, que tive a honra de assignar tambem, declaro que a este respeito, e por esta unica vez, poder-se-ha dispensar a praxe de tal additamento ir á commissão, em vista das declarações de geral conformidade de opinião, tanto do governo como da opposição; e peço á maioria, que em discussões que não são politicas, não seja tão facciosa como tem sido, e que não rejeite quaesquer emendas ou propostas que partam d'este lado da camara, só porque são apresentadas pela opposição. (Apoiados.)

Não faça como constantemente praticou no anno passado : apenas se apresentava uma emenda d'este lado da camara, era logo rejeitada, sem se inquirir se era boa ou má. (Apoiados.)

O resultado d'isto foi ter de vir no anno seguinte fazer amende honorable, apanhar uma boa lição dos proprios ministros, e cerzir varios remendos nos projectos que votara, como aconteceu com a lei das licenças (Apoiados) e com a que se está discutindo. (Apoiados.)

Demais estou convencido que ainda muitos outros remendos hão de ser deitados á lei do recrutamento de modo que dentro em pouco ninguem a conhecerá já.

V. exa. nem imagina o que é a actual lei do recrutamento. Eu sei as difficuldades que têem tido os ministerios do reino e da guerra para regulamentarem muitas das disposições d'essa lei, algumas das quaes são contradictorias, e brigam entre si, e outras são inexequiveis.

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Quer por parte do ministerio da guerra, quer por parte do ministerio da marinha, ha de ser necessario propor ao parlamento uma serie de alterações para que essa lei possa ser convenientemente applicada. É uma prophecia que eu faço, como aliás o fizera o anno passado, prophecia que, como v. exa. vê, já se começou a realisar. Tudo isto devido á maneira como a lei foi discutida, de afogadilho, sem se attender á opinião das pessoas que pela sua longa pratica n'estes assumptos se deviam considerar competentes, e rejeitando-se, por facciosismo politico, muitas dezenas de emendas que foram apresentadas pelos deputados de todas as cores politicas.

Os officiaes do exercito que têem assento n'esta casa, sem distincção de partidos, sustentaram todos n'essa occasião as suas idéas, como se fosse n'uma academia puramente militar e em que por dever da sua profissão fossem obrigados a emittir opinião sobre o assumpto. Á maneira seria, digna e cavalheirosa como elles se portaram, a maioria correspondeu realmente, como era de esperar d'ella, rejeitando por um excesso de facciosismo partidario tudo que de util se propoz para melhorar a lei. O sr. ministro da marinha, com uma delicadeza que é habitual e proverbial em s. exa., corrigiu severamente tal procedimento, com applauso de todos nós. Louvo por isso o sr. ministro, que mais de uma vez tem merecido palavras de elogio da parte da opposição, quando os seus actos traduzem rigorosamente os nossos principios e estão em harmonia com as boas praticas da governação, como no caso presente. (Apoiados.) S. exa. reconheceu alguns dos erros da lei do recrutamento e com toda a franqueza veiu declarar que as commissões tinham deixado passar na lei esses erros, que eram extremamente prejudiciaes aos interesses da armada, e que a maioria tinha votado inconscientemente.

Quando digo inconscientemente não é intenção de melindrar quem quer que seja. Eu, por exemplo, posso dar o meu voto, errando, sem maior responsabilidade, em assumptos que não sejam da minha competencia especial e que eu não conheça a fundo. Hoje ninguem póde defender these sobre todos os ramos de conhecimentos humanos, como no tempo de Pico de Mirondolla.

Não haverá um só individuo de qualquer dos lados da camara que se considere habilitado a dar o seu voto com perfeito conhecimento de causa sobre todos os assumptos que se tratam no parlamento, posto fosse muito para desejar que tal podesse succeder; e sendo assim uma ou outra vez teremos de jurar nas palavras dos individuos que merecem a nossa confiança politica ou scientifica.

Não faço portanto injuria aos meus collegas no que disse; mas a verdade é que o sr. ministro da marinha se torna digno dos maiores louvores por ter vindo, com toda a franqueza, confessar esse erro e mostrar que tem em vista o bem do serviço, trazendo á camara uma proposta para se alterar n'este sentido o que a lei determinava. E, pois que concordo com esta alteração, nada mais tenho a dizer sobre o assumpto.

Vozes: - Muito bem.

O sr. Serpa Pinto: - Satisfazendo ao pedido que ha pouco dirigiu a este lado da camara o sr. ministro da marinha, vou entrar immediatamente na discussão d'este projecto, declarando desde já que voto contra elle.

Este projecto parece que é indispensavel tanto para o exercito como para a armada. Para esta, porque do contrario não teria sido apresentado á camara, nem estaria, como está em discussão; e para o exercito porque se assim não fosse, de certo não teria o meu camarada e collega n'esta camara, o sr. Abreu e Sousa, apresentado um additamento, pedindo o mesmo para o exercito.

E parece que tambem é indispensavel para o ministerio da fazenda, por isso que o meu amigo e correligionario o sr. Baracho tambem trouxe um additamento n'esse sentido.

E para o exercito do sr. ministro do reino? Para a guarda municipal? Porque nós já temos quatro ministros cada um com o seu exercito. É o exercito do sr. visconde de S. Januario, é o exercito do sr. Henrique de Macedo, o do sr. Marianno de Carvalho, que é a guarda fiscal, e o do sr. José Luciano, que é a guarda municipal.

Mas para este não é preciso additamento, porque já lá o tem, e isso mostra mais uma vez que o sr. ministro do reino é sempre sentinella vigilante, que vigia as cousas do seu ministerio melhor do que os seus collegas.

Eu combato o projecto, porque não admitto que as praças de pret do exercito ou da armada sejam casadas; e isto indica que ha um erro e um defeito na lei?
Nós vemos lá fora que mesmo os officiaes, depois de serem officiaes, não podem casar senão em certas e determinadas condições; e nós aqui deixamos casar os soldados, cabos e os officiaes inferiores.

Ora ahi é que está, me parece, o grande defeito; e por isso quando declaro que não voto este projecto, é porque não admitto que as praças de pret sejam casadas.

V. exa. já vê que, tendo os meus correligionarios declarado que estão de accordo com o projecto, não fallo assim por opposição accintosa ao governo, mas para expandir a minha idéa, qual é, que me parece ser pessimo haver praças casadas no exercito e na armada, pelos graves inconvenientes que d'ahi resultam. Parece-me por isso que os quatro ministros devem trazer uma modificação á lei, para evitar estes e outros remendos, como lhe chamou o sr. Baracho. (Apoiados.)

Por consequencia voto contra este projecto, e votarei contra todos que permitiam uma cousa que é menos conveniente para o serviço militar.

Os que, como eu, têem servido nos corpos e durante muitos annos, conhecem todos os inconvenientes que resultam de serem as praças de pret casadas; e é certo que a pouca e difficil mobilisação do nosso exercito provém em grande parte d'isso.
Por isso, permitia Deus, que ou um, para depois haver additamentos feitos pelos outros, ou todos os srs. ministros que têem exercitos sob as suas ordens, tragam uma lei estudada, seja ou não pelos srs. bachareis comtanto que seja boa, e evite cousas como estas.

Tenho dito.

Vozes :- Muito bem.

O sr. D. Pedro de Lencastre (relator): - Pedi a palavra para responder, em breves termos, ao illustre deputado o sr. Serpa Pinto, relativamente ás praças casadas da armada. Não ha inconveniente algum em que essas praças sejam casadas; pelo contrario, em geral, os marinheiros casados prestam melhor serviço, e portanto não vejo que haja inconveniente algum em se adoptar a doutrina do projecto.

Se as praças devem ou não ser casadas, é questão de que se não trata n'este momento, nem me parece que deva ser agora discutida; o que discutimos é se ellas devem ou não ser readmittidas no serviço, e sobre este ponto, a pratica o que demonstrado, como já disse, é que essas praças casadas são exactamente as que prestam melhor serviço e as que educam os outros marinheiros.

É esta a unica observação que tinha a fazer.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ferreira de Almeida: - Assignei o parecer sem declarações, nem vencido.
Por consequencia claro está que o approvo.

Mas no correr da discussão tenho ouvido cousas que me provocaram o desejo de fazer algumas observações, que vem a proposito, não do projecto, mas do facto em si. O projecto é pequeno, é apenas por assim dizer uma disposição transitoria á lei do recrutamento, como disse o sr. Barbosa de Magalhães.

(Interrupção do sr. Barbosa de Magalhães.)
Pelo que v. exa. acaba de expor, vejo que ouvi mal as reflexões que v. exa. ha pouco fez.

Disse o sr. Abreu e Sousa que no ministerio da guerra

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só viram em grandes difficuldades com a nova lei do recrutamento, e que o sr. ministro da guerra tinha consentido na readmissão de algumas praças casadas, a despeito da disposição do artigo 80.°, e pareceu-me tambem ouvir dizer a s. exa. que o sr. ministro deixara mesmo casar algumas praças depois d'esta nova lei.

O sr. Abreu e Sousa: - Mas foi com a clausula de não poderem ser readmittidas.

O Orador: - Ora sr. presidente, no meio de tudo isto, reconhecendo o sr. ministro da guerra que havia um inconveniente na lei, e tendo tido de se occupar d'este assumpto por uma ou outra fórma, já concedendo a readmissão de praças casadas, já permittindo o casamento com a clausula de não serem readmittidas, o que é notavel, é que estejamos a cinco mezes de sessão legislativa e o sr. ministro da guerra não trouxesse uma providencia a este respeito para o exercito; (Apoiados.) ou então tendo-se o sr. ministro da marinha lembrado de propor uma medida d'esta ordem para a armada, ella não viesse formulada simultaneamente para a marinha e para o exercito, (Apoiados.) e dando se o caso phenomenal de ser esta a primeira vez de se pedir o mesmo para a guerra, quando o costume era pedir se o mesmo para a marinha. (Riso.)
Mas dá-se ainda um facto notavel, para o qual chamo a attenção da camara.
Este projecto, quer se considere de pequena, quer de grande importancia, é trazido por inspiração pessoal e exclusiva do ministro da marinha.
Eu julgava que as propostas de lei apresentadas á camara, sejam de que importancia forem, eram apreciadas em conselho de ministros, (Apoiados.) e se fosse esta a norma regular, este projecto teria vindo com a assignatura dos srs. ministro da guerra e da fazenda para abranger não só a marinha do ministerio da marinha, mas a marinha do ministerio da fazenda para a fiscalisação maritima, e a marinha do ministerio da guerra, que são os torpedeiros, (Apoiados.} e bem assim o exercito e a guarda fiscal.
Veja, pois, v. exa., a camara e o paiz, como se tratam de leve estas cousas, (Apoiados.) e a falta de unidade de regularidade do processo, com que governa a actual situação politica. (Apoiados.)
Eu, devo apresentar aqui um tributo de respeito ao sr. ministro da guerra.
S. exa. preoccupado com todas as apprehensões de moralidade social, consentiu que as praças do seu exercito se casem, mas a valer, dando aquelle famoso nó cego, para que se não lançassem em ligações faceis como a da laçada que facilmente se desmancha. Mas entre as considerações da moral social e as legislativas que não respeitou, estava o dever de s. exa. se ter apresentado aqui com uma proposta de lei igual a esta, ou juntar a sua assignatura, e bem assim a do sr. ministro da fazenda á do sr. ministro da marinha, no projecto em discussão, tornando-o extensivo, como é justo, aos differentes servidores da classe militar, dependentes dos tres ministerios.
Sr. presidente, provará ainda mais este projecto, como disse, pequenissimo na fórma e realmente grande nas suas consequencias, quanto são prejudiciaes as discussões feitas de tropel, não se querendo attender, como disse o sr. Avellar Machado, ás simples praxes, ainda as mais regulares, como era, por exemplo, a de terem dado o seu parecer sobre a lei de recrutamento, as commissões de guerra e marinha; provará que por um lado o governo não se antecipou muito a trazer este projecto á camara, e o ministro da guerra, esse então nem se importou com elle, delegando n'um dos seus adeptos, o sr. Abreu e Sousa, deputado da maioria, o vir pedir o mesmo para a guerra; provará que com este zêlo da parte do governo, não se justifica o quererem impor á opposição um trabalho de sessões diurnas e nocturnas, questão que já anda no ar, e o traz turvo.
Uma das questões importantes para a approvação dos projectos, é haver tempo para serena estudados e apreciados; e parece-me que não será com a distribuição de pareceres á ultima hora, e entrando-se logo na sua discussão como succederá d'aqui a algum tempo, que se poderão apreciar as leis, sem que nós tenhamos depois de estar a fazer uma serie de remendos e alterações com que por fim ninguem se entende.
Em conclusão, como v. exa. vê, isto é mais uma apreciação politica do que uma apreciação do proprio projecto em si, que, como já disse, approvo.
Devo dizer que folgo ainda em ver este projecto trazido á camara, porque elle vem confirmar um projecto de lei de que eu tive a iniciativa, e que foi approvado na sessão passada, tendo em vista prover de remedio á grande falta de pessoal subalterno da armada.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Como não ha mais ninguem inscripto, vae votar se o projecto.
Leu-se o seguinte:
Artigo 1.° As praças da armada podem per readmittidas no serviço militar, quando sejam casadas ou viuvas com filhos, satisfazendo as restantes prescripções do artigo 80.° da carta de lei de 12 de setembro de 1887, que regula o recrutamento das forças de mar e terra.
Foi approvado.
Leu-se o seguinte:

Additamento

unico. As disposições d'este artigo são extensivas aos officiaes inferiores do exercito, musicos, artifices, ferradores-forjadores, mestres e contramestres de corneteiros e clarins e a todas as praças da companhia de torpedeiros e da primeira companhia da administração militar. = Julio de Abreu e Sousa = José Pimenta de Avellar Machado.

O sr. Presidente:- Vae á commissão.

O sr. Avellar Machado : - Esse additamento estava em discussão com o projecto e v. exa. não consultou a camara sobre se queria que elle fosse á commissão.

O sr. Presidente:- Pareceu-me que assim estava resolvido, mas não tenho duvida em consultar a camara.
Resolveu-se que não fosse á commissão.

O sr. Avellar Machado:- Vista a deliberação da camara, v. exa. deve pôr desde já á votação o additamento do sr. Abreu e Sousa.
Posto á votação foi approvado.
Leu-se o
Artigo 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Approvado.

Uma VOZ:- E o additamento do sr. Baracho?

O sr. Presidente:- Parece-me que a respeito d'esse não ha duvida de que tem de ser ouvida a commissão; no emtanto, consultarei a camara.
Vae ler-se.
Leu-se a seguinte:

Proposta

Proponho que a disposição que o projecto applica á marinha seja tambem applicada á guarda fiscal. = Sebastião Baracho.

O sr. Abreu e Sousa (sobre o modo de propor): - O illustre ministro da marinha declarou á camara que, não estando presente o sr. ministro da fazenda, não se podia comprometter a dizer se esse additamento podia ou não ser acceito pelo governo.
N'estas condições parece-me mais regular mandal-o á commissão.

O sr. Serpa Pinto (sobre o modo de propor): - Sr. presidente, isto é verdadeiramente extraordinario.
Ha aqui na camara uma lenda e é que havia antigamente um deputado, official de marinha, que, a tudo quanto se propunha para o exercito, dizia logo "peço o mesmo para a marinha". Propõe-se agora uma cousa para a mari-

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nha, e um deputado, official do exercito, acode logo dizendo: "peço o mesmo para o exercito"!
A camara acceitou a proposta do sr. Abreu e Sousa e entendeu que não precisava mandar a proposta de s. exa. á commissão; agora, para se ser incoherente em tudo, quer se que a proposta do sr. Baracho vá á commissão, quando essa proposta se refere a uma parte do exercito, porque não é outra cousa a guarda fiscal.
Eu quero só notar a incoherencia que ha n'isto tudo.

Como o additamento relativo ás praças do exercito partiu de um deputado da maioria, esse additamento é approvado; como o outro additamento foi apresentado por um deputado da opposição, quer-se que esse additamento vá á commissão.

Eu declaro que não dei a minha approvação ao additamento assignado pelos srs. Abreu e Sousa e Avellar Machado, mas a verdade é que muitos deputados, mesmo da opposição, lhe deram o seu voto, e elle foi approvado pela camara.

Ora, o que eu quero mostrar é que, estando as praças da guarda fiscal nas mesmas circumstancias das do exercito, parece me que ha grande incoherencia da parte da camara se disser "branco para uns e preto para outros".

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Fui eu talvez o auctor involuntario d'esta questão, por isso que, em relação ao primeiro additamento, disse que, se a camara entendesse que devia ser ouvida a commissão de guerra, achava isso natural; mas depois, tanto a maioria como a minoria, unanimemente entenderam que não era preciso ouvir a, commissão, por isso que o assumpto estava perfeitamente esclarecido; e tanto assim que esse additamento foi logo approvado.

Agora trata-se do additamento do sr. Baracho, e a respeito d'este disse eu que, não estando presente o sr. ministro da fazenda, que tem debaixo das suas ordens a guarda fiscal, me parecia que, mesmo por um acto de cortezia para com s. exa. a camara faria bem em mandar o additamento á commissão respectiva, para que ella podesse ouvir a opinião do meu collega.

ão ha, portanto, incoherencia ou contradicção da minha parte no que disse a respeito de cada um dos dois additamentos.
(S. exa. não reviu.)

O sr. Baracho (sobre o modo de propor):- Tenho de proferir poucas palavras; mas s. exa. ha de permittir-me que diga que acho extraordinario que, tendo o sr. ministro da marinha dado a sua opinião ácerca do additamento assignado pelos srs. deputados Abreu e Sousa e Avellar Machado, que diz respeito ás praças do exercito, e tratando-se no meu additamento das praças da guarda fiscal, s. exa. se mantenha n'uma reserva inexplicavel, appellando para subtilezas e evasivas, a fim de não tornar conhecida a opinião do governo sobre o assumpto. (Apoiados.)
Eu creio, e julgo que bem, que s. exa. não teve idéa absolutamente nenhuma de ter em menos consideração a minha proposta.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo):-(Apoiado.)

O Orador: - Entretanto o facto é que s. exa. se entrincheirou atraz da circumstancia de que ignorava a legislação a tal respeito.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo):- Peço licença para interromper o illustre deputado, porque se trata de um ponto de facto.

Eu não disse que ignorava a legislação, nem que a desconhecia, mas simplesmente que era natural, e mesmo o illustre deputado cortez como é, tambem não deixaria de querer, que o sr. ministro da fazenda sob cujas ordens está a guarda fiscal, pronunciasse a sua opinião no parlamento sobre a proposta que s. exa. apresentara.

Por isso me parecia melhor que essa proposta fosse á commissão competente para ahi ser ouvido o meu collega sobre o assumpto; e é claro que n'isto não havia desconsideração para com o illustre deputado; nem eu fiz distincção de especie alguma entre a proveniencia das duas propostas; (Apoiados) unicamente, a respeito de uma, ponderei que eu ja tinha a opinião favoravel do sr. ministro da guerra; mas ainda assim acrescentei que poderia ir á commissão de guerra, se a camara o julgasse necessario, mas sem prejuizo do andamento do projecto, e a camara entendeu que não era isso necessario. (Apoiados.)

O Orador: - Sem fazer casuistica notarei, comtudo, que s. exa. a despeito de estar auctorisado pelo sr. ministro da guerra para poder acceitar essa proposta, foi escrupuloso até ao ponto de propor que ella fosse á commissão.

O sr. Abreu e Sousa: - S. exa. não fez proposta n'esse sentido.

O Orador: - Se não propoz, lembrou a conveniencia de ir á commissão, o que pouco differe, se differença ha. (Apoiados.)

Posto isto, o que eu vi foi maioria e minoria votarem contra a opinião do sr. ministro. (Apoiados.) Bem sei que se trata de uma questão de pouca importancia.

Todavia, em qualquer parte, a votação que houve, representaria um cheque dado ao governo. (Apoiados)

Vozes: - Oh!

O Orador:- Mas no paiz em que vivemos e com o governo que temos, naturalmente é um triumpho para o ministerio. (Apoiados.) E d'aqui provém a admiração de alguns srs. deputados da maioria, que estão perfeitamente em caracter confundindo os cheques com os triumphos. (Apoiados.)

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Como é uma outra questão do facto, tomo a liberdade de interromper s. exa., se me dá licença.

O Orador: - Pois não.

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Eu não propuz nem suggeri a idéa de que essa proposta fosse á commissão. Disse que se a camara, ainda assim, entendesse que o assumpto devia ir á commissão de guerra, pela minha parte não tinha que pronunciar-me contra essa idéa. A camara não o entendeu assim.

O Orador: - O - ainda assim- não excluo que s. exa. indicasse a sua opinião de ir á commissão a proposta. Não estejamos com subtilezas. S. exa. disse que a despeito de conhecer a opinião do sr. ministro da guerra, a commissão de guerra poderia ser ouvida. Quando um ministro se pronuncia por esta fórma, é evidente que o não faz para não ser attendido. (Apoiados.) A insinuação, se não o alvitre que formula, representa a sua aspiração, que, por mais casuistica que se faça, não vae muito longe de uma proposta elaborada em regra. (Apoiados.)

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo): - Se s. exa. quizer ouvir o que eu disse, creio que posso talvez reproduzir, textualmente, as palavras que proferi.

Eu disse, que conhecia o opinião do sr. ministro da guerra sobre a proposta de additamento do sr. Abreu e Sousa; que sabia que s. exa. era favoravel áquelle additamento, e disse mais, que se a camara, ainda assim, entendesse na sua sabedoria, não sei se proferi esta palavra sabedoria, mas se não a proferi, podia tel-a proferido, que sobre esta outra proposta, deveria ser ouvida a commissão de guerra, eu nada tinha a objectar. (Apoiados.)

O Orador:- Direi simplesmente á camara, ainda assim, (Riso.) que o que s. exa. devia ter dito era, "o sr. ministro da guerra está de accordo, a camara resolve ou não resolve", mas não tinha que acrescentar o ainda assim (Apoiados.) com relação a ser ouvida a commissão. (Apoiados.)
Estes são os factos, e por consequencia perfeitamente accentuado o cheque que s. exa. levou. (Apoiados.)

Vozes:- Muito bem.

O sr. Ferreira de Almeida (sobre o modo de pro.

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por): - Pouco tenho a acrescentar ás observações do sr. Baracho, que me parecem judiciosas. (Apoiados.) E o que este facto vem apenas justificar, como ha pouco disse, é a leveza de animo com que estas cousas se tratam. (Apoiados.)

Vem um projecto da commissão; em conversa particular, dois ministros combinaram que o que era para a marinha podia servir para a guerra, mas esqueceram-se de conversar tambem com um terceiro ministro, para se saber, se o que era bom para a marinha e para a guerra, seria igualmente bom para a guarda fiscal, que é tambem força armada, e que hoje constitue uma força defensiva do paiz, embora em condições especiaes, mas em todo o caso constituindo força organizada!
Ora isto é extraordinario! (Apoiados.)

E mais extraordinario é ainda o facto, de que a camara, desde que sabe que o ministro acceita o additamento, vota sem mais hesitação, mas desde que a camara não sabe se o sr. ministro da fazenda está ou não pelos autos, hesita, e pretende mandar o additamento respectivo para a commissão!
Ora o que se deve concluir d'aqui?

É o que se tem dito n'esta casa muitas vezes; que a camara não passa de uma chancella da vontade do governo (Apoiados.)

Isto na verdade, é a exautoração capital do parlamento! (Apoiados.)

Pois o que é bom para as praças de pret da armada, e para as praças de pret do exercito, não será bom para as praças de pret da guarda fiscal, sem o sr. ministro da fazenda dizer que é?! Realmente não percebo!

Isto é à certidão, a demonstração mais completa, mais genuina, que um parlamento póde dar, de que vota só aquillo que cada ministro quer.

Tal é o lado triste d'esta questão. (Apoiados.)
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Avellar Machado (sobre o modo de propor)-:
É realmente extraordinario o que se está passando! (Apoiados.)
Pede a palavra sobre o modo de propor o sr. Abreu e Sousa, para responder a umas considerações de certa gravidade feitas por parte do sr. Dantas Baracho, assim como ás que acaba de apresentar o sr. Ferreira de Almeida, que tambem são um pouco frisantes, e não se lhe consente fallar, sendo s. exa. b auctor do additamento, para esclarecer a questão!!

Francamente, acho isso completamente anormal.

O sr. Presidente: - Perdoe v. exa., mas eu entendo que, segundo o regimento, não se póde usar da palavra, sobre o modo de propor, mais de que uma vez, e o sr. Abreu e Sousa já, fallou sobre o modo de propor.

O Orador: - Sei que v. exa. cumpre sempre, quanto lhe é possivel, o regimento; mas, n'esse caso, pedia a v. exa. que consultasse a camara sobre se permitte que o sr. Abreu e Sousa falle segunda vez.

Uma voz: - Mas elle ali está para fazer esse requerimento, se quizer fallar.

O Orador:- Ah! Os senhores não desejam que s. exa. use da palavra?

Um sr. deputado na direita: - V. exa. é que não tem procuração para fazer esse requerimento em nome do sr. Abreu e Sousa.

O Orador:- Eu tenho o direito de manter aqui as minhas regalias, por todos os meios; e por consequencia, quero tambem manter ás regalias do meu illustre collega, camarada e amigo o sr. Abreu e Sousa.

É um collega nosso, que tem direito á consideração de toda a camara, e não me parece que n'este momento a maioria tenha a devida attenção para com s. exa.
Portanto, sr. presidente, quando pedi a v. exa. para consultar a camara, não foi por querer ser procurador do sr. Abreu e Sousa, mas sim por entender que devia defender os seus direitos que são tambem os meus e os de todos os deputados. (Apoiados na esquerda.)

O sr. Presidente:- Eu não propuz isso a camara, porque entendi que não podia nem devia fazel-o, em vista do regimento.

O Orador:- Mas eu requeiro agora que se altere o regimento para o effeito de ser concedida segunda vez a palavra ao sr. Abreu e Sousa sobre o modo de propor; e a camara, só quizer, que rejeite o meu requerimento. (Apoiados na esquerda.)

O sr. Arroyo (sobre o modo de propor):- Desejo unicamente fazer uma pequena observação.

V. exa., sr. presidente, acaba de dizer que o sr. Abreu e Sousa não póde usar da palavra, sobre o modo de propor, por já ter usado d'ella uma vez, o eu não quero deixar passar esta observação sem o duvido reparo.

Não obstante o muito respeito que tributo a v. exa., já puramente pessoal, já em attenção á alta categoria que v. exa. occupa dentro d'esta casa, julgo, no emtanto, conveniente lembrar-lhe que nunca aqui foi adoptada essa regra, e que quando se abre inscripção sobre o modo de propor, os deputados inscriptos têem sempre usado da palavra, por mais de uma vez.

Eu posso citar a v. exa., por exemplo, o incidente que se deu este anno, por occasião da discussão do projecto relativo á cobrança das contribuições em divida na Madeira. Tendo-se feito então uma inscripção sobre o modo de propor, os deputados inscriptos usaram da palavra mais de uma vez.

É, pelo menos, a praxe constantemente seguida.

Foi unicamente para fazer esta observação a v. exa. que eu pedi a palavra, a fim de que se não adoptasse de hoje para o futuro esta regra como um asserto.
(S. exa. não reviu.)

O sr. Presidente: - Torno a repetir, é possivel que esse facto se tenha dado; mas não me parece que seja conforme ao regimento. E se eu agora procedo de outra fórma, não é por desconsideração contra qualquer sr. deputado, e muito menos contra o sr. Abreu e Sousa, de quem sou particular amigo.

O sr. Arroyo:- V. exa. tem a bondade de mandar ler na mesa o artigo do regimento que preceitua o que v. exa. quer praticar?

O sr. Presidente: - Não posso citar agora de memoria qual é o artigo; mas sei que ha uma disposição regimental que preceitua como eu disse.

O sr. Julio de Vilhena: - Mas, faz favor de verificar.

O sr. Arroyo: - Este ponto é grave, porque o precedente ficará para regular de futuro as decisões da camara.

O sr. Presidente: - V. exa. comprehende que, havendo uma decisão mal tomada, a camara póde resolver depois por outra fórma.

O sr. Arroyo :- Eu insisto em pedir muito respeitosamente a v. exa. que mande ler na mesa o artigo do regimento, que preceitua que um deputado não póde usar da palavra mais de uma vez sobre o modo de propor.

O sr. Fernandes Vaz (sobre o modo de propor}.:- Parece que se tem levantado duvidas sobre se a maioria quer ou não que se conceda a palavra ao sr. Abreu e Sousa.

Creio a que maioria deseja unanimemente que s. exa. falle.

V. exa., por deliberação sua, entende que é contra o regimento que qualquer deputado falle mais de uma vez sobre o modo de propor, e por esse motivo não concede agora a palavra ao sr. Abreu e Sousa; mas v. exa. resolve a questão perfeitamente, propondo á camara, a despeito das disposições do regimento, se consente ou não que falle aquelle nosso collega.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Ministro da Marinha (Henrique de Macedo):- Acabo de ser informado, por parte do sr. ministro da fa-

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zenda, de que s. exa. está de accordo com a doutrina do additamento apresentado pelo sr. Dantas Baracho.

N'estas circumstancias, a camara resolverá como ententer, ou mandando o additamento á commissão, ou tomando desde já sobre elle uma deliberação definitiva.

Pela minha parte, procurando em meia hora obter a opinião do sr. ministro da fazenda sobre o additamento de que se trata, fiz quanto me era possivel fazer para que este incidente se não prolongue.
(S. exa. nunca revê as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente:- Vae ler-se o artigo 94.° do regimento, que regula o assumpto em questão.

Leu-se e é o seguinte :

Artigo 94.° Nas questões de ordem nenhum orador póde usar da palavra mais de uma vez, e nas outras discussões mais de duas.

"Exceptuam-se porém:
"1.° Os auctores das propostas ou moções;

"2.° O deputado que abrir o debate;

"3.° Os relatores das commissões e os ministros d'estado, todos os quaes poderão fallar mais de uma vez em qualquer questão."

O sr. Arroyo:- O artigo que regula o assumpto não é o 94.°, que acaba de ser lido, mas sim o 159.°, que diz assim:
"Julgada a materia discutida, nenhum deputado poderá pedir a palavra, senão ou sobre o modo da votação, ou sobre o modo pelo qual a questão discutida ha de ser proposta ; mas n'este ultimo caso só depois que o presidente indicar a maneira por que a vae propor."

É este artigo que regula o assumpto, e nenhuma excepção ou limitação se acha n'elle consignada.

sr. Presidente: - O artigo a que o sr. deputado Arroyo se refere não altera em nada a regra geral.

O artigo 94.° determina que nenhum deputado poderá usar da palavra mais de uma vez sobre o modo de propor; entretanto, se a camara tem empenho em que se dê a palavra ao sr. Abreu e Sousa, não tenho duvida em consultal-a a esse respeito.
Resolveu-se afirmativamente.

O sr. Abreu e Sousa: - Tem-se levantado tão grande tempestade para me ser concedida a palavra que parece que tenho grandes cousas para dizer; mas a verdade é que eu só a pedi para responder muito ligeiramente a umas phrases proferidas pelo sr. Ferreira de Almeida.

Disse s. exa. que o que é util para o exercito tambem o será para a guarda fiscal; mas, quanto a mim, quer-me parecer que a doutrina do projecto em discussão não póde ser applicada á guarda fiscal.

E se não pergunto: Onde estão os musicos da guarda fiscal?
Onde estão os mestres e contramestres dos contramestres dos corneteiros e clarins?
Tem a guarda fiscal artifices e ferradores?
Como se póde portanto prescindir de mandar o additamento á commissão para ser inserido na lei ?

Não me parece.

Aqui está o que eu tinha unicamente a dizer.

Concluindo, agradeço á opposição a brilhante defeza que fez dos meus direitos
parlamentares.
(S. exa. não reviu as notas tachygraphicas.)

O sr. Presidente: - Agora tambem vou consultar a camara se consente que o sr. Arroyo falle pela segunda vez sobre o modo de propor.
(Susurro.)

Vozes na esquerda: - Isso não póde ser; não tem que consultar.

O sr. Presidente: - Eu não posso dar a palavra sem consentimento da camara.

O sr. Arroyo : - Nunca se fez isso dentro d'esta casa. (Apoiados da esquerda.)

O sr. Presidente: - Sem consultar a camara, repito, não posso dar-lhe a palavra.

Consultada a camara foi recusada a palavra ao sr. Arroyo.
(Agitação na assembléa.)

O sr. Arroyo : - Eu tenho direito de fallar n'esta casa, sempre que tenho direito á palavra sobre o modo de propor. V. exa. não podia propor á camara este requerimento. (Apoiados na esquerda.}

Vozes na direita: - Ordem, ordem.
(Grande susurro.)

O sr. Arroyo: - Eu tenho direito de fallar e hei de fallar. (Apoiados.)

O sr. Presidente: - Eu peço a v. exa. ...

O sr. Arroyo (com grande vehemencia):- V. exa. fez uma cousa que nunca se fez n'esta casa, e eu quero manter o meu direito. Peço a palavra sobre o modo de propor.

Vozes na direita: - Ordem, ordem; está recusada.

Vozes na esquerda: - Não póde ser; é um arbitrio.

O sr. Presidente: - V. exa. terá o direito de fallar, mas eu tambem tenho a obrigação de consultar a camara, e de fazer respeitar as suas deliberações. (Muitos apoiados na direita.)

O sr. Arroyo: - Nào devia consultal-a, porque, pelo regimento, eu tenho direito a usar da palavra. (Muitos apoiados na esquerda.)

O sr. Presidente: - Essa será a opinião de v. exa.; mas eu entendo que procedendo, como procedo, estou dentro do regimento. (Muitos apoiados da direita. - Protestos da esquerda.}

O sr. Arroyo: - Peço a palavra sobre o modo de propor. É o meu direito.

O sr. Presidente: - Eu já consultei a camara, e ella deliberou que não lhe fosse concedida a palavra.

Vozes energicas na esquerda:- Não podia, não podia.
(Augmenta o susurro.)

O sr. Arouca: - Peço a palavra sobre o modo de propor.

Vozes energicas na direita:- Ordem, ordem.

O sr. Arouca :- Isto não vae assim...
(Tumulto.)

O sr. Arroyo:- Eu não desisto do meu direito.

O sr. Presidente:- E eu não posso deixar de respeitar as decisões da camara. (Muitos apoiados da direita.)

O sr. Arroyo:- A camara nada tem que resolver sobre este ponto. Sempre n'esta casa se tem concedido a palavra aos deputados sobre o modo de propor, segunda e terceira vez. (Muitos apoiados.)

O digno presidente d'esta camara, o sr. Rodrigues do Carvalho, sempre assim o tem feito.

Peço a palavra sobre o modo de propor.

O sr. Presidente:- Agora, quem tem a palavra sobre o modo de propor é o sr. Arouca.

O sr. Arouca:- Não posso usar da palavra, emquanto ella não for concedida ao sr. Arroyo, que necessariamente ha de fallar. (Muitos apoiados.)
(Continua o tumulto.)

O sr. Presidente: - Eu peço aos srs. deputados ordem.

O sr. Arouca:- Mantenha v. exa. a ordem, como lhe cumpre, obstando ás provocações e arbitrios da maioria.
V. exa. é que é responsavel por essas provocações. Se não as cohibir e não mantiver a ordem, não tem que estranhar á opposição e sair para fóra d'ella.
(Repetidos apoiados na esquerda.)

Vozes na direita: - Isto não póde ser, não póde ser.

O sr. Presidente:- Eu peço ordem á direita e á esquerda. (Muitos apoiados.)

Tem a palavra sobre o modo de propor o sr. Arouca.

O sr. Arouca:- Já disse e repito que não uso agora da palavra, porque o regimento está sendo violado. (Muitos apoiados.)

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SESSÃO DE 15 DE MAIO DE 1888 1593

O sr. Presidente:- V. exa. bem sabe que eu, sobre a concessão da palavra ao sr. Arroyo, consultei a camara, exactamente como fiz para poder usar da palavra o sr. Abreu e Sousa.

Vozes na esquerda: - Mas não devia nem podia tornar dependente da camara a concessão da palavra.

O sr. Arroyo:- Sr. presidente, v. exa. é susceptivel de um engano; póde ter se equivocado; póde ter praticado um acto de cuja regularidade estas a convencidissimo, mas que na verdade é contra a letra do regimento.

A opposição não pretende dirigir censuras a v. exa.; mas quer garantir para o futuro, em todas as discussões, a letra do regimento. É o que a opposição quer, e nada mais.

V. exa. tem de me dar a palavra.

O sr. Presidente: - V. exa. permitte-me uma simples observação?

O sr. Arroyo: - Pois não.

O sr. Presidente:- Será porventura uma questão de ordem o modo de propor?

Vozes na direita: - Não é.
(Novo susurro.)

O sr. Arroyo:- Mas sempre assim se tem feito.

Todos os presidentes d'esta camara têem interpretado por esta fórma o regimento, (Apoiados da esquerda.) e eu pedi a palavra sobre o modo de propor, e v. exa. ha de conceder m'a. (Apoiados da esquerda.)
(Augmenta a agitação.)

O sr. Presidente: - O que eu tenho agora a fazer é submetter á votação da camara o additamento do sr. Baracho.

Os srs. deputados que approvam este additamento tenham a bondade de se levantar.
(Diversos ápartes que não se percebem por haver grande susurro na sala.)

O sr. Presidente: - Está approvado o additamento.
(Protestos energicos da esquerda. Levantam-se quasi todos os srs. deputados d'este lado da camara.)

Vozes da direita: - Ordem, ordem.

O sr. Arroyo: - Eu pedi a palavra sobre o modo de propor. Se os srs. deputados da maioria pretendem fazer-me entrar no caminho da illegalidade, tenham a certeza de que o conseguem. (Apoiados da esquerda)

Não, pôde continuar a haver sessão emquanto se não cumprir o regimento, attendendo v. exa. ao meu requerimento para me ser concedida a palavra sobre o modo de propor.
(Continua a agitação.)

O sr. Presidente: - Eu já disse que o additamento do sr. Baracho foi approvado.

Vozes: - Não está, não está.

O sr. Presidente: - Se v. exas. não se mantêem na ordem, eu vejo-me na necessidade de interromper a sessão.

O sr. Arroyo: -V. exa. não póde pôr o additamento á votação em eu fallar sobre o modo de propor.

Vozes: - Está votado.

Outras vozes: - Não está, nem podia ser votado.
(Cresce o tumulto, e ouvem se phrases violentas trocadas entre algum srs. deputados.)

O sr. Presidente: - A sessão está interrompida por meia hora.
Eram cinco horas e um quarto.
(Ás cinco horas e tres quartos reabriu-se a sessão.)

O sr. Arroyo: - Peço a palavra sobre o modo de propor.

O sr. Presidente:- O incidente está findo, porque o additamento do sr. Baracho já foi votado e approvado pela camara. (Apoiados.)

Vozes: - Não foi votado.

O sr. Arroyo: - Eu pedi a palavra sobre o modo de propor,- v. exa. recusou-m'a, e, na minha opinião, illegalmente, como illegalmente procedeu quando consultou a camara para dar a palavra ao sr. Abreu e Sousa. A opposição desde logo declarou a v. exa. que não tinha que consultar a camara.

Nós não podemos consentir que fique em vigor esta praxe que é abusiva .(Apoiados.) Portanto toda, e qualquer votação que v. exa. obtivesse da camara, é nulla, emquanto eu não fallar sobre o modo de propor. (Apoiados.)

V. exa. só é nosso presidente, emquanto proceder de conformidade com o regimento; (Apoiados- apartes.) quando estiver fora d'elle, não o podemos considerar como tal. (Apoiados da esquerda.)

Vozes: - Ordem, ordem.
(Grande susurro.)

O sr. Presidente: - Peço ordem. Quando eu neguei a palavra ao sr. deputado Abreu e Sousa, pareceu-me ter interpretado bem o regimento; mas era possivel que essa minha interpretação não fosse boa, e como varios srs. deputados me pediram com instancia que consultasse a camara, e creio que v. exa. foi um d'elles, eu não duvidei fazel-o, e a camara determinou que fosse dada a palavra ao sr. Abreu e Sousa.

Depois de s. exa. ter fallado, o sr. Arroyo pediu a palavra segunda vez sobre o modo de propor, e a camara, que eu tornei a consultar, recusou a palavra a s. exa.

O sr. Frederico Arouca: - A camara não tinha competencia para isso.
V. exa. não podia deixar de dar a palavra ao sr. Arroyo (Apoiados da esquerda.)
(Continua o susurro.)

Vozes: - Ordem, ordem.

O sr. Presidente: - Peço ao sr. Arouca que me ouça.

Eu não tenho aqui caprichos, (Apoiados.) nem vontade propria. (Apoiados.)
O meu dever e o meu desejo é cumprir a lei e as deliberações da camara. (Apoiados.)

Vozes: - Muito bem.

O sr. Frederico Arouca: - Quando ellas são legaes. (Apoiados )
(Cresce a agitação.)

Vozes : - Ordem, ordem.

O sr. Presidente: - A camara póde dispensar qualquer artigo do regimento. (Apoiados da direita.}

O sr. Frederico Arouca : - Mas é preciso que o declare por meio de uma votação, e v. exa. não a consultou sobre se dispensava o regimento. (Apoiados.)
Trocam se ápartes entre diversos srs. deputados, que não podem ser ouvidos, porque o susurro é grande na sala.

O sr. Presidente: - Peço ordem ; depois da deliberação da camara com relação ao sr. Arroyo, mandei ler o additamento do sr. Baracho, e a camara approvou-o. (Apoiados.)

No podendo portanto pôr á votação o que já está votado, (Apoiados.) tambem não posso dar a palavra sobre o modo de propor ao sr. Arroyo. (Apoiados.)

Vozes: - Não está votado.

O sr. Arroyo:- V. exa. dá-me licença que eu falle?
Eu não fallo sem licença de v. exa., porque estou dentro do regimento e não saio d'elle.

Vozes:- Ordem, ordem.

O sr. Presidente: - Perdoe-me o sr. deputado. Perante o regimento e pelo logar que occupo, não lhe posso dar a palavra senão sobre o projecto que vae ler-se. (Apoiados)

O sr. Arroyo: - V. exa. interrompeu-me, e eu preciso replicar. Se me não dá a palavra, torno a pedil-a sobre o modo de propor.

O sr. Presidente: - Já disse a s. exa. que não lhe posso dar a palavra. (Muitos apoiados da direita, protestos violentos da esquerda.)

O sr. Arroyo:- Torno a pedir a palavra sobre o modo de propor.

Vozes:- E ha de ter a palavra.

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS 1594

Outras vozes: - Ordem, ordem.

O sr. Presidente : - Ainda uma vez, repito, que nem o regimento, nem a decisão da camara me permittem annuir ao pedido do illustre deputado. (Apoiados da direita.)

O sr. Arroyo:- V. exa. dá-me licença que eu lhe explique como me póde dar a palavra; como tem mesmo obrigação de m'a dar?
Quando o sr. Abreu e Sousa pediu a palavra...

Vozes: - Ordem, ordem. Não tem a palavra.

O sr. Arroyo: - Quando o sr. Abreu e Sousa pediu a palavra sobre o modo de propor...

Vozes: - Ordem, ordem. Não tem a palavra. Isto não póde ser.

O sr. Presidente: - Eu levanto a sessão, porque d'este modo não podemos continuar.
(Susurro.)

O sr. Arroyo: - Não querem ouvir?! Pois eu peço de novo a palavra sobre o modo de propor.

Vozes : - Não póde ser. Já está votado.

O sr. Arroyo: - Peço a palavra sobre o modo de propor.

Vozes : - Ordem, ordem.
(Redobra o tumulto.)

O sr. Presidente: - A ordem do dia para amanhã é a mesma que vinha para hoje.

Está levantada a sessão.

Eram seis horas menos dez minutos da tarde.

(O sr. vice-presidente não reviu as notas tachygraphicas do que disse n' esta sessão.)

Redactor = S. Rego.

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