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Discurso do sr. Simas, que devia ler-se a pag. 1507, 4.º col. lin. 5

O sr. Simas: — Sr. presidente, a camara deve estar cansada da discussão sobre eleições, e eu de certo não pediria a palavra se a segunda commissão do verificação de poderes, hoje extincta e de que eu tive a honra, de ser membro, não tivesse sido tão pouco benevolamente tratada por alguns, membros da maioria de que saíu.

O illustre relator d'esta commissão já respondeu emquanto a mim cabalmente, ás: observações que se fizeram contra o parecer em discussão; mas ouvi hontem n'esta casa a dois illustres membros, que tomaram parte no debate contra elle, proposições taes, e accusações que recaem, tão fortemente sobre a commissão, que, ainda que não fosse outra a rasão, não devia deixar de vir, não direi em auxilio do meu collega, porque não precisa d'elle, e quando precisasse, as minhas forças são mui debeis para lhe poderem prestar algum; mas para o mais ostensivamente possivel tomar parte na responsabilidade d'este parecer que assignei; e a favor do qual opinei pela mais profunda convicção.

O primeiro dos illustres deputados, que hontem impugnou este parecer, disse que a commissão se pozera em contradicção com a resolução, tomada na reunião das tres commissões, e comsigo propria no parecer que dera sobre a eleição de Moimenta da Beira; e acrescentou que para a eleição que se discute agora, se tinham empregado meios ignobeis e indecentes; e que para se fazer pelo recenseamento de 1861 houvera, proposito, dólo e má fé, e que não se devem absolver e sanar violações de lei.

E isto, no meu entender, é o mesmo que dizer, que a commissão, que deu um parecer de approvação a esta eleição, veio approvar meios ignobeis e indecentes, veiu a approvar o dólo e má fé com que se procedeu para se fazer a eleição pelo recenseamento de 1861, e veio propôr a abolição e sancção de violações de lei. Isto, sr. presidente, é mui forte, e não póde passar sem justificação, sem a demonstração mais plena dos motivos, que levaram a commissão a apresentar o parecer que apresentou, e de cuja justiça cada vez me convenço mais.

Perguntou tambem o illustre deputado noticias de uns 238 votos que entendeu que se deviam ter contado, e que a commissão omittira. Já hontem o meu nobre collega na commissão deu algumas noticias d'elles, e eu hoje venho acrescenta-las, e parece-me que hão de ser capazes de satisfazer o illustre deputado. E hei de dá-las apresentando os meus calculos por escripto, e entregando-os ao illustre deputado e aquelles que os quizerem combater, para que os tenham presentes, porque é a melhor maneira de se argumentar sobre cifras; e eu não quero senão a verdade e a evidencia. Entro n'esta discussão, assim como em todas, unicamente para ver se consigo esclarecer a verdade e pô-la em evidencia, e não tenho por isso duvida alguma em retractar o meu voto e mudar de opinião quando me convençam de que estou em erro, porque não sustento nem combato opiniões por capricho, mas, e tão sómente, por convicção, por amor da justiça, e pelo que reputo bem do meu paiz.

Um outro illustre deputado que se estreou nesta camara, e que já cuberto de louros pretende colher, e de certo ha de, pelo seu talento e illustração, colher n'esta arena novas palmas, apresentou principios e estabeleceu proposições tão genericas e que me pareceram tão extraordinarias e infundadas, que com ellas não posso por modo algum conformar-me. Sinto muito não vê-lo presente e ter de o combater na sua ausencia, mas não posso deixar sem resposta os seus argumentos. Peço-lhe pois que me desculpe, e que quando tiver noticia do meu procedimento o considere filho da necessidade e não da mais leve desconsideração.

Quem só ouvisse o illustre deputado havia admirar-se, pasmar, e perguntar em que parlamento e em que nação, estava. Começou o illustre deputado por estabelecer e sustentar aquillo de que os membros da commissão não duvidam nem podem duvidar; aquillo de que ninguem duvida nem póde duvidar... Começou por estabelecer e sustentar que se devia o maior respeito á lei, e que esta camara devia dar o primeiro exemplo delle; mas negou-o, duvidou-o a commissão?... Acaso propõe ella no seu parecer que se falta a esse respeito?... Que se despreze a lei?... Que se faça o contrario do que ella determina?... De certo não. O que ella propõe é o que entende conforme á lei, o que entende comprehendido na sua disposição, e d'aqui a pouco procurarei leva-lo á ultima evidencia.

O illustre deputado, para confirmar a sua doutrina, trouxe um exemplo que não posso deixar, de mencionar aqui, para protestar altamente contra elle, porque é inexactissimo e inconvenientissimo, e não devia, apresentar-se no parlamento ao menos sem as mais evidentes provas. Disse o illustre deputado, referindo-se á magistratura judicial, que de todos os angulos do paiz troam e retroam amargas, queixas contra ella, que dizem fazer da lei um joguete; e acrescentou, que o mal e o vicio se inoculou em toda a magistratura desde a mais infima até á mais elevada; e que nós sem darmos exemplo do respeito á lei não podiamos queixarmos dos tribunaes. Eu, sr. presidente, não tenho a honra de pertencer á magistratura judicial, mas tive a de advogar n'esta capital desde 1826 até 1847, e o não pequeno espaço de quatorze annos, depois da restauração, com a nova organisação judicial e magistratura constitucional. Não poderei pois ser taxado de suspeito no que disser a favor de tão respeitavel classe; e não posso deixar de protestar contra o que a seu respeito ouvi, e proclamar n'este recinto e perante a nação, que a magistratura judicial portugueza é uma das mais illustradas, rectas e respeitaveis que ha (apoiados), que póde competir e pôr-se a par da das nações mais cultas e mais civilisadas (apoiados). Não se devem assim hostilisar, nem menoscabar, nem desacreditar homens que na sua longa, ardua e espinhosa carreira

têem prestado grandes serviços ao seu, paiz (apoiados); que têem dado incontestaveis provas de grande saber, illustração e rectidão (apoiados). É uma classe que talvez com poucas medidas se póde levar ao grande esplendor de que é digna. Nenhuma nação tem uma magistratura mais exemplar e tão barata (apoiados).

(Houve um áparte do sr. Carlos da Maia, que não se ouviu na mesa dos tachygraphos.)

O que se disse conservo-o bem na memoria e nas minhas notas: foi que deviamos respeitar a lei, que a não deviamos postergar, que o nosso exemplo havia reflectir em todos os tribunaes, que de um a outro angulo do paiz era voz conforme que o vicio e o mal se tinham inoculado em toda a magistratura portugueza, desde a mais inferior até á mais elevada, que era preciso que dessemos exemplos de respeito á lei...

(Houve uma interrupção do sr. Carlos da Maia que não se ouviu.)

Póde ser que se pretenda agora modificar o que se disse talvez no calor de um improviso; e eu o desejo; mas o facto é, se não estou enganado, que a proposição d'aquelle illustre deputado foi a que acabei de expor á camara. Sinto muito que não esteja presente esse illustre deputado, que a explicaria. É verdade que esse illustre deputado a uma observação minha, disse = que não podia deixar de reconhecer que havia membros na magistratura portugueza que honravam esta corporação pela sua sabedoria e rectidão =. Mas isto que o ilustre deputado apresentou como excepção, apresento-o eu como regra geral (apoiados). Haverá uma ou outra excepção. Póde ser; mas o que eu sinto, e muito, é que n'este debate eleitoral se tocasse n'esta materia, que nenhuma relação tinha com elle (apoiados).

(Entrou na sala o sr. deputado Ayres de Gouveia, e o sr. deputado Simas, repetiu em resumo o que tinha dito a respeito da magistratura portugueza, e depois continuou.)

O Orador: — Foi o que ouvi ao illustre deputado. Parece-me que tomei nota exacta do que o illustre deputado disse. E n'este caso, já disse e repito, não posso deixar de protestar altamente contra o que ouvi ao nobre deputado, contra o exemplo que trouxe para confirmar a sua doutrina. Não tenho a honra de pertencer á magistratura judicial, a que me pareceu que o illustre deputado se referiu; mas não pude nem posso deixar de tomar o competente e legitimo desforço a favor d'essa magistratura digna de todo o respeito e consideração (apoiados).

Para combater o parecer em discussão na parte em que allude á equitativa jurisprudencia parlamentar, disse o nobre deputado: «A equidade é o arbitrio, é o capricho». Nós todos estamos costumados a ouvir dizer no uso commum de fallar = isto é de equidade, aquillo não é de equidade =. Os professores desde as primeiras aulas explicam o que é equidade. Todos os livros, todos os compendios o ensinam. Toda a gente sabe que a equidade não quer dizer o contrario da disposição da lei (apoiados). Toda agente sabe que a equidade são os principios de direito natural que se gravaram no coração do homem, que preexistiram antes do direito civil e antes da sociedade... (Interrupção do sr. Dias Pereira, que não se percebeu). A equidade do parecer devia-se entender no sentido proprio, devia-se entender conforme as regras que explicam e ensinam o que é equidade.

Mas continuando, todos os compendios ensinam; o nosso codigo de commercio até diz expressamente = que os tribunaes commerciaes são juizos de equidade =. Todos sabem que uma das nações mais civilisadas da Europa tem um tribunal que se Intitula de equidade. Vir-se pois dizer do alto da tribuna portugueza em geral = a equidade é o arbitrio; e ainda peior, é o capricho = é o sic volo, sic jubeo, stat pro ratione voluntas, parece-me de admirar, e não póde por mim ser approvado.

Respondendo ao illustre relator da commissão que tinha dito que no protesto, de que logo me occuparei, apparecem cento sessenta e tres assignaturas de cruz, disse o nobre deputado = que era argumentar com a desgraça do povo, e concluir da ignorancia para a falsidade, o que não podia admittir-se =. O nobre deputado que disse isto não conhece os membros da commissão, porque, se os conhecesse, não commetteria para com elles a injustiça de dizer = que argumentavam com a desgraça do povo, e que da ignorancia dos eleitores que assignaram de cruz, queriam concluir a falsidade d'essas assignaturas =. O meu collega, relator da commissão, não disse nem podia dizer similhante absurdo. Lamentâmos, quanto se póde lamentar, e tanto de certo quanto o nobre deputado lamenta, a ignorancia do povo. Sabemos que a sua instrucção é a base mais forte da civilisação e do systema constitucional. Desejâmos concorrer para ella o mais possivel. Mas, nem o meu collega notou, nem eu torno a notar agora, o grande numero de assignaturas de cruz (são cento sessenta e tres), para argumento de ignorancia, nem para concluir d'esta a falsidade d'essas assignaturas. Noto esse grande numero, e notou-o o meu collega, porque todos sabem que o valor de um documento, e de um documento como aquelle de que se trata, se avalia e aprecia, não só pelo seu conteudo, mas tambem pela qualidade dos seus signatarios, para se poder ajuizar, alem de outras circumstancias, se o assignaram com conhecimento de causa ou não.

Acrescentou o nobre deputado = que não discutia arithmetica, e que para elle o ponto menos importante n'esta discussão (e todavia é o principal) era o calculo de votos; mas que havia outro ponto importantissimo, que era avaliar a influencia que podiam exercer n'esta eleição os 238 eleitores que se abstiveram de votar, porque essa abstenção privara esses eleitores de exercer a influencia que podiam exercer na eleição, combinando e aconselhando ácerca da escolha, do candidato, e promovendo a sua votação, como lhes era permittido = mas, por um lado, nas eleições os votos contam-se e não se pesam (apoiados); e, por outro lado, os duzentos trinta e oito eleitores que se abstiveram de votar, ainda que não estivessem recenseados, como se affirma, e d'elles dizem no protesto que estavam, podiam, como todos sabem, exercer toda a influencia moral e legitima que podessem, porque não podiam ser, nem foram, impedidos de concorrer á assembléa eleitoral, e n'ella podiam aconselhar os outros eleitores, e combinar com elles ácerca da escolha do candidato que melhor lhes parecesse. Mas para que me demoro aqui? Ninguem ignora, demais a mais, que não é na assembléa eleitoral, no proprio dia da eleição, que se escolhe o candidato.

O nobre deputado, ouvindo um principio, um aphorismo de direito, que repeti particularmente para um collega e amigo meu, mas que não repeti, nem fazia tenção de repetir alto n'esta sala, em discussão, porque principios axiomaticos, principios que se aprendem nas primeiras escolas, entendo, que se não devem repetir, e muito principalmente como base de argumentação, no parlamento, para cujos membros esses principios são, e não podem deixar de ser obvios (scire leges non est verba earum tenere sed vim ac potestatem), levantou-o, e veiu combate-lo, dizendo que se esquecia a correcção que lhe fizera o outro principio = de que as palavras da lei se devem pesar como o joalheiro pésa os diamantes =. Não vejo differença alguma entre um e outro principio. Para mim ambos significam o mesmo. Ambos exprimem o mesmo pensamento. Ambos dizem que as palavras da lei se não devem applicar sem se entender o seu sentido, segundo as regras dá hermeneutica juridica, e conforme a philosophia de direito. = Pesar as palavras da lei = corresponde ao = tenere vim ac potestatem. =

Mas para que perdemos nós o tempo com estes principios, quando a questão de que nos occupâmos, não é de direito, não é de intelligencia de lei, mas sim do facto a que ella se deve applicar?

As commissões de recenseamento das assembléas eleitoraes de Armamar e Mondim discutiram se a eleição se devia fazer pelo recenseamento de 1860 ou pelo de 1861, e decidiram que se devia fazer pelo recenseamento de 1861. Commetteram um erro, porque a lei é expressissima; a lei mandava inquestionavelmente fazer as eleições pelo recenseamento de 1860.

A questão pois é porque recenseamento se fizeram, se pelo de 1860, se pelo de 1861. Alguns membros da camara já disseram, e eu repito, e n'este ponto estou inteiramente de accordo com elles, que se no recenseamento de 1861 se acharem comprehendidos eleitores do recenseamento de 1860; se elles votarem, se a maioria de seus votos vencer a eleição, e se isto se poder verificar inquestionavelmente, a eleição, apesar de regulada pelo recenseamento intitulado de 1861, e feito para esse anno, não póde deixar de reputar-se feita e vencida pelo de 1860, porque o recenseamento nada mais é que a relação competentemente feita e auctorisada dos legitimos eleitores, isto é, dos cidadãos com direito a votar, e deve portanto attender-se não só ao titulo, senão tambem á essencia e ao conteudo do recenseamento. Esta foi sempre a minha opinião, e entre ella e o que se resolveu nas tres commissões reunidas, notem bem os illustres deputados, não ha a menor contradicção. Que se resolveu n'essas tres commissões reunidas? Resolveu-se que todas as eleições feitas pelo recenseamento de 1861 fossem nullas... (O sr. Sá Nogueira: — Ouçam, ouçam.) E de certo, se se apresentasse uma eleição feita unicamente pelo recenseamento de 1861, se não apparecessem provas algumas de que os votantes n'essa eleição estavam recenseados e habilitados no recenseamento de 1860, eu seria o primeiro a votar que essa eleição estava nulla, porque tinha sido feita por um recenseamento incompetente; mas na eleição que se discute não aconteceu assim. Já se disse, e parece-me que se mostrou, e com facilidade se demonstrará ainda, se for necessario, que a eleição se fez pelo recenseamento de 1860, porque a maioria dos votantes e vencedores estava comprehendida no recenseamento d'esse anno, e deve considerar-se o recenseamento, não simplesmente pelo seu titulo, não unicamente pela sua fórma externa, mas tambem pela sua essencia, pelo seu conteudo, pelos nomes que encerra. O recenseamento de uma eleição é, como já disse, a relação dos cidadãos legalmente habilitados para n'ella votarem. Por consequencia, se a eleição se fez, e venceu, pelos eleitores recenseados no recenseamento de 1860, embora chamados pelo recenseamento de 1861, por n'elle se acharem comprehendidos, tendo havido o cuidado de excluir os eleitores unicamente recenseados no recenseamento de 1861, e que o não estavam no do 1860, ninguem póde com rasão dizer que os eleitores que votaram, embora pelo recenseamento de 1861, não são os eleitores legaes e competentes do recenseamento, pelo qual se devia fazer a eleição.

Se de um anno para o outro não houvesse alteração alguma nos eleitores, o que não é provavel, mas é possivel, não se havia porventura dizer que era indifferente ter-se feito a eleição por um ou outro recenseamento? Se a eleição, que se devia fazer pelo recenseamento de 1860, se fizer pelo de 1861, e depois apparecer aquelle recenseamento em tudo conforme a este, não se ha de dizer tambem que a eleição se fez pelo mesmo recenseamento? Não se ha de dizer que o recenseamento de 1861 é o mesmo de 1860? Sem duvida. Pois tirem-se dos votantes n'esta eleição os que se acham introduzidos de novo no recenseamento de 1861, separem-se dos incluidos sómente no recenseamento de 1860, attendam-se sómente os votos d'estes, e achar-se-ha a eleição feita sómente pelo recenseamento de 1860, pelo qual só devia ser feita e póde ser valida.

Um argumento que se tem apresentado e querido fazer valer com toda a força contra esta eleição, é deduzido do