2022
não se recusaria ao sacrificio quando lhe fosse pedido em nome da salvação publica.
Folgo de poder asseverar que me não enganei no vaticínio.
A camara sabe que, ao contrario do que aconteceu com os possuidores dos passaes e com o magesterio, quando se discutia o projecto supracitado, os empregados publicos ainda aqui não trouxeram uma reclamação sequer contra a auctorisação que muitos d'elles estão aliás convencidos poder á vir a affectados nos seus justos interesses e direitos (apoiados).
Poso dize-lo em voz bem alta. Desde que se apresentou aqui a proposta para o voto de confiança, a camara é testemunha de que nem um murmurio, nem uma queixa de tão briosa classe echoou ainda dentro ou fóra d'esta sala. Ella dá assim uma prova inequivoca da sua abnegação, patriotismo e desinteresse; e apesar do critico das suas circumstancias, não se poderá nunca dizer que por sua causa deixou de ser resolvido o grave problema das finanças do estado (apoiados).
Como arma para combater o projecto das aposentações, reformas, terços e jubilações, apresentou-se, como v. ex.ª estará lembrado, o seguinte argumento. «O estado contratou com os professores mediante certas condições, e desde o momento em que o professor não falta ao serviço a que se obrigou, tambem não é licito ao estado esbulha-lo das vantagens com que lhe ajustou esse serviço». Sr. presidente, nós tambem, pela mesma logica, desde que entramos nos empregos publicos e nos prestâmos a servir sob certas condições e vencimentos, pagando os pesados direitos de mercê, fizemos um contrato com o estado. A camara observará todavia que não aceito similhante argumento, nem quereria encobrir com elle os meus interesses puramente pessoaes. Creio que todo o funccionalismo das diversas repartições do estado estará convencido de que tal theoria é errada. Noto porém que os que assim argumentaram ainda ha pouco, não hesitaram em votar agora as reformas para os empregados! Será justo para estes o que era injusto para aquelles? Não reclamamos pois, e procedemos assim por estarmos convencidos de que o apurado das circumstancias nos obriga irremediavelmente ao sacrificio (apoiados). O que eu porém desejava era que o sacrificio não fosse só para os funccionarios, mas para as classes abastadas todas ellas aqui perfeitamente representadas (apoiados).
Quando pedi a palavra sobre a generalidade do projecto era para apresentar uma moção no sentido de tornar mais latitudinaria a auctorisação pedida pelo governo. O meu fim principal era ver se a camara votaria com o mesmo enthusiasmo, com que votou a reforma dos serviços, uma moção em que se estendia o sacrificio ás outras classes da sociedade.
Todos sabem que a salvação publica não depende só das reformas nos serviços e empregados. Se é preciso resolver desde já a questão da despeza, não o é menos resolver simultaneamente a da receita. É preciso que o ministerio tenha a coragem de dizer ao paiz esta verdade (apoiados). Pois bem, se o gabinete tem a confiança da camara; se com a concessão d'este voto do confiança está acabado o pretexto para a recusa do imposto, por parte do contribuinte; se tal voto importa o reconhecimento da aptidão dos srs. ministros para salvarem o paiz, encarregue-os tambem a camara de emprehendimento mais grandioso; incumba os desde já do complexo de medidas, de que ha de resultar a publica prosperidade. Alargue-lhes para tudo isto o voto de confiança. Era em parte o que eu propunha na minha primitiva moção. Incumba os pois da reforma dos serviços, mas ao mesmo tempo auctorise-os a realisarem quanto antes a reforma completa e acabada, e a organisação prompta das finanças do estado.
Antes de passar adiante quero dizer ao nobre orador o distincto membro d'esta casa, o sr. Mendes Leal, que tambem influiu muito no meu espirito, para votar a auctorisação, o que s. ex.ª nos disse aqui no dia 30 do mez passado, relativamente á attitude que nas actuaes circumstancias cumpria tomar em frente do governo. Disse s. ex.ª:
«Effectivamente, no periodo parlamentar que vem decorrido guardei constante silencio. Desejo que tal silencio não seja erradamente interpretado. Não foi elle arrependimento dos meus actos passados, nem quebrantamento de animo, nem sentimento de desesperança, nem sequer desengano cabal, posto que não ando já longe d'elle. Era, o é, sincera convicção de que importa, quando se organisam e multiplicam voluntarias emprezas de salvação publica, quando se afiançam novos methodos de reger a nação, quando sobretudo essas emprezas são precedidas de prólogos expressos e programmas formulados; era, repito, a sincera convicção de que, em tal caso, acautelando com a independencia do voto a integridade da consciencia, importa sobretudo deixar aos emprezarios franco o logar, livre a acção, o campo desimpedido, a fim de que possam sem estorvo e sem desculpa dar inteiro cumprimento aos programmas, fazer seguir ao prefacio a obra! Se o paiz foi illudido com falsas promessas, elle reclamará; se acreditou n'ellas sem criterio, não terá de que se queixar.»
Aceitei estas reflexões do illustrado orador; faço-as minhas, com o que muito me honro e lisonjeio.
Dizia eu ha pouco, sr. presidente, que me parecia dever dos que confiam no gabinete dar-lhe um voto ainda mais amplo, a fim de que os nobres ministros, com a confiança do poder legislativo, da corôa e do paiz chegassem até aonde fôssem capazes de os levar os seus talentos e patriotismo.
O nobre relator da commissão especial, o sr. conselheiro Lobo d'Avila, disse-nos pela sua bôca auctorisada que = as circumstancias são extraordinarias, que extraordinarios devem ser os sacrificios a fazer =. Muito bem: o sacrificio dos principios foi o primeiro que fizemos; resta agora o sacrificio dos interesses. É n'esta occasião que eu desejo appellar para o patriotismo da camara; esse sacrificio pedido em nome da salvação publica é glorioso para os que o fizerem; seja pois para todos, não seja designadamente para os empregados publicos (apoiados), aquelles que de certo menos podem carregar com elle (apoiados). Quando eu vejo uma camara, na qual estão representadas diversas classes da sociedade, tão animada do desejo sincero de salvar a patria, desejava realmente que esse enthusiasmo que ella revela nas suas ruidosas manifestações pelo bem publico, o revelasse principalmente no sentido de que todas as classes conjunctamente depositassem confiança nos srs. ministros, a fim de que as reformas que se tenham de fazer não attinjam só os interesses precários dos empregados, attinjam tambem os interesses das outras classes, os seus proprios interesses. O funccionalismo não é egoista; se o sacrificio é glorioso, não o quer só para si (apoiados).
Era por isto que, na moção que eu desejava mandar para a mesa, quando se discutia o projecto na generalidade, estabelecia o seguinte:
«É o governo auctorisado a substituir o systema actual de contribuição predial, estabelecendo, em vez d'elle, uma percentagem fixa de 10 por cento sobre todo o rendimento collectavel predial do reino e ilhas.»
Permittam-me v. ex.ª e a camara algumas considerações no sentido de explicar ou justificar esta parte de tal moção.
Sr. presidente, a contribuição predial, afóra os addicionaes, vem calculada no orçamento em 1.828:114$970 réis. Será esta a somma de contribuição predial que toda a propriedade do continente e ilhas deve pagar quando tal imposto for exigido rasoavelmente sobre bases solidas, justas e verdadeiras? Não o creio. Diz-m'o antes de tudo um facto que vou referir.
De documentos officiaes consta que a importancia dos dizimos na epocha da sua extincção orçava por 8.000:000$000 réis. O sr. Mousinho da Silveira asseverou em um notavel relatorio que a importancia dos dizimos era superior á restante receita do estado. Ora, os bens dos frades não pagavam dizimo, e dos bens seculares só o pagavam as propriedades rusticas. Tendo pois sido vendidos aquelles bens a particulares, como é que se póde conceber que toda a propriedade portugueza pague hoje, alem dos addicionaes, 1.828:114$970 réis, quando, repito, antes de 1833 só os bens sujeitos ao dizimo pagavam 8.000:000$000 réis?
Sr. presidente, pedi aqui ha tempos, que pelo ministerio da fazenda me fosse enviada uma nota da importancia de todo o rendimento predial collectavel do reino e ilhas, constante das ultimas matrizes. Essa nota veiu. A importancia é de 25.000:000$000 réis. Calculando uma percentagem fixa de 10 por cento sobre tal rendimento, teria o governo, alem dos addicionaes, um augmento n'esta contribuição de 700:000$000 réis, numeros redondos, que com os respectivos addicionaes orçaria por 1.000:000$000 réis. Seria preferivel mesmo para os contribuintes este systema de decima? Para todos, não; mas para os do circulo, que tenho a honra de representar n'esta assembléa, era, com toda a certeza.
Deu-se ultimamente, com relação á contribuição predial, um facto nos conselhos d'esse circulo, assás notavel, facto que peço licença á camara para referir, a fim de que todos se convençam das injustiças insupportaveis e das desigualdades atrocissimas a que se presta o systema de repartição, tal como actualmente existe no nosso paiz. Esse facto está confirmado com uma nota que aqui na camara requeri, pelo ministerio da fazenda, e que de lá me foi enviada em officio de 10 de junho ultimo. Pedi que se me dissesse qual a percentagem da contribuição predial que tinham pago os concelhos de Lisboa, Almada, Seixal e Cezimbra em 1866 e em 1867. Quer a camara saber quanto pagaram? Eu lh'o digo. Almada pagou em 1866, 7,760, e em 1867, 10,260. O Seixal pagou em 1866. 6,314, e em 1867, 10,380. Cezimbra pagou em 1866, 7,136, e em 1867, 10,381. Quer dizer: Almada pagou mais 2,500, Seixal mais 4,072, e Cezimbra mais 3,381.
Vejamos agora quanto n'esses mesmos annos pagou Lisboa. Em 1866 pagou 13,717, o em 1867 pagou 13,076. Em definitivo, emquanto o concelho de Lisboa pagava menos, os concelhos do meu circulo pagavam muito mais, e designadamente o do Seixal, do que haviam pago no anno anterior!
Como se póde rasoavelmente explicar isto, sr. presidente? Pelo augmento dos addicionaes? N'esse caso esse augmento deveria produzir igual effeito nas collectas dos proprietarios do Lisboa. Como é porém que estes pagaram menos do que no anno anterior, emquanto que os do meu circulo pagaram muito mais? Não comprehendo. Acaso augmentam o valor collectavel das matrizes nos tres concelhos d'elle? Mas, se assim foi, esse facto devia produzir o effeito inverso, porque todos sabem que o principio essencial da contribuição de repartição é que a collecta deve diminuir quando for maior o numero dos contribuintes. O que posso afiançar é que os meus constituintes pagaram muito mais sem que os seus haveres tivessem mais valor do que um anno antes. Esta é que é a verdade. Para elles era incontestavelmente melhor a percentagem fixa de 10 por cento, porque pagariam menos do que estão pagando, emquanto muitos outros districtos pagam infinitamente menos do que o districto de Lisboa, e especialmente alguns concelhos d'elle. Estas desigualdades e vexames urge que tenham termo.
Dêem pois os que esperam muito do governo actual um voto de confiança mais amplo, para que elle reforme tambem este ramo importante da receita do estado. Venha d'aqui a mezes resolvido, em globo, o problema gravissimo da publica prosperidade. Peça-se o imposto a quem o deve pagar.
N'essa moção tambem eu acrescentava o seguinte:
«É igualmente auctorisado o governo a reformar o systema de contribuição industrial, de fórma que tal imposto produza o que rasoavelmente deve produzir.»
«É igualmente auctorisado o governo a incluir nas disposições da contribuição industrial os possuidores dos titulos de divida publica e dos titulos de divida fluctuante.»
Resta-me justificar esta segunda parte de tal moção.
A contribuição industrial, sr. presidente, não rende quasi nada. Está muito longe de dar para o estado o que devia produzir (apoiados). Deus nos livre que se ajuize do valor das nossas industrias só pelo valor da contribuição que ellas pagam (apoiados).
A contribuição industrial orçada para 1868-1869, é inferior á orçada para 1863-1864. Em 1863-1864 foi tal contribuição orçada em 467:000$000 réis; no orçamento para 1868-1869 vem orçada em 405:000$000 réis, isto é, menos 62:000$000 réis! Vejamos agora qual tem sido o decrescimento da cobrança de tal imposto. Em 1866-1867 foi a cobrança de 345:929$903 réis; em 1865-1866 foi de 406:143$170 réis; em 1864-1865 foi de 397:812$288 réis; em 1863-1864 foi de 389:833$577 réis. Em definitiva: em 1866-1867 cobrou-se 43:903$674 réis menos do que em 1863-1864!
Sr. presidente, permittam-me v. ex.ª e a camara que eu apresente aqui, o mais concisamente possivel, opiniões que a este respeito tenho sustentado em livros que sobre o assumpto tenho por duas vezes dado á estampa. Em 1862 escrevi um livro sobre o serviço do ministerio da fazenda, e ahi apresentei alguns argumentos fundados nos dados officiaes que então pude obter, argumentos que, no meu modo de ver, provam á saciedade o que ha de anomalo na actual lei de contribuição industrial. Nas minhas horas de ocio costumo entregar-me aos estudos sobre esta especialidade, aliás arida e enfadonha. Vamos pois ao assumpto. Começarei pelo meu argumento principal.
Em 1859 o numero total de contribuintes por decima industrial nos dezesete districtos do continente do reino, era de 157:687.
Suppondo que nenhum d'elles ganhava mais de 400 réis por dia, representava cada contribuinte um capital de réis 2:920$000, que a 5 por cento produz annualmente 146$000 réis, ou 400 réis diarios.
Multiplicando pois o numero de contribuintes de então, pelo capital que cada um representava, acharemos a somma consideravel de... 460.446:040$000
Deduzindo d'esta somma o rendimento collectavel correspondente ao lucro que ella devia proporcionar ás industrias, calculado pelo juro da lei, ou 5 por cento, acharemos... 23.022:302$000
Calculando sobre esta cifra a contribuição industrial, ou 7 por cento, acharemos... 1.611:561$140
Comparando esta somma com a somma actualmente orçada como contribuição industrial para os districtos do continente, que é... 384:000$000
Acharemos uma differença contra o thesouro de... 1.227:561$140
Suppõe-se isto muito exagerado? Pois bem, reduzamos a metade, reduzamos mesmo a um terço. Ainda assim parece-me ficar exuberantemente demonstrado que o producto actual de tal contribuição está muito longe de ser o que um dia será, quando se olhar seriamente para este ramo importante do nosso systema tributario. Advirta-se que eu calculei com o numero dos collectados em 1859, numero que na actualidade deve ser muito maior, se attendermos ao desenvolvimento que as nossas industrias têem tido desde então até hoje (apoiados).
Mas prosigamos nos argumentos, ainda fundados em dados officiaes.
Pelo mappa publicado do gremio de negociantes de grosso trato em Lisboa, em numero de 213, vê-se que o total da contribuição industrial que pagaram foi, em 1861, réis 17:040$000.
Pelo mappa da alfandega grande, vê-se que o valor dos generos despachados para consumo, exportação e reexportação no mesmo anno, foi approximadamente de réis 20.000:000$000.
Supposto que este valor proporcionou aos negociantes, que com elle especularam, um lucro de 6 por cento, o que me parece ser calculo muito rasoavel, acharemos um rendimento collectavel de 1.200:000$000 réis.
Calculando sobre este rendimento 7 por cento de contribuição industrial, acharemos a somma de... 84:000$000
E todavia os negociantes de Lisboa pagaram apenas n'esse anno... 17:960$000
Differença contra o thesouro... 66:960$000
Com relação ao commercio do Porto succedeu outro tanto.
Pelo mappa do gremio dos negociantes em numero de 187, vê-se que a importancia de contribuição industrial que n'esse mesmo anno pagaram foi de 11:465$400 réis.
Pelo mappa da alfandega do Porto, respectivo ao mesmo anno, o valor dos objectos despachados para consumo, exportação e reexportação, foi de 12.000:000$000 réis.
Suppondo que tal valor proporcionou aos negociantes um lucro de seis por cento, acharemos um rendimento collectavel de 720:000$000 réis.