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Sessão de 14 da agosto de 1868
PRESIDENCIA DO SR. JOSÉ MARIA DA COSTA E SILVA
Secretarios — os srs.
José Tiberio de Roboredo Sampaio.
José Faria de Pinho Vasconcellos Soares de Albergaria.
Chamada — 61 srs. deputados.
Presentes á abertura da sessão — os srs.: Adriano de Azevedo, Annibal, Costa Simões, A. B. de Menezes, Sá Nogueira, Brandão, Barros e Sá, A. J. da Rocha, Arrobas, Magalhães e Aguiar, Faria Barbosa, Costa e Almeida, Araujo Queirós, Falcão da Fonseca, Saraiva de Carvalho, Barão da Trovisqueira, Cunha Vianna, Abranches, B. F. da Costa, Custodio Freire, Pereira Brandão, Eduardo Tavares, Silva Mendes, Gavicho, F. M. da Rocha Peixoto, Gaspar Pereira, Freitas e Oliveira, Jeronymo Pimentel, Judice, Assis Pereira de Mello, Ayres de Campos, Galvão, Cortez, J. M. da Cunha, Fradesso da Silveira, Faria Guimarães, Gusmão, Xavier Pinto, Maia, Galvão, Bandeira de Mello, Mardel, Sette, Correia Caldeira, Faria Pinho, Freire Falcão, Pereira de Carvalho, Vieira de Sá Junior, Costa e Silva, Frazão, Ferraz de Albergaria, José Maria de Magalhães, Menezes Toste, Mesquita da Rosa, José de Moraes, Tiberio, Rocha Peixoto, Motta Veiga, Aralla e Costa, Lavado de Brito, Galrão, Sebastião do Canto.
Entraram durante a sessão — os srs.: Braamcamp, Alves Carneiro, Ferreira de Mello, Ferreira Pontes, Azevedo Lima, A. J. de Seixas, A. J. Teixeira, Pinto de Magalhães, Seabra Junior, Lopes Branco, Torres e Silva, Montenegro, Belchior Garcez, F. da Gama, Fernando do Mello, F. F. de Mello, Albuquerque Couto, Bessa, Van-Zeller, Moraes Pinto, Rolla, G. de Barros, Noronha e Menezes, Faria Blanc, Innocencio José de Sousa, Baima de Bastos, Almeida Araujo, Santos e Silva, J. A. Vianna, Matos Camara, João de Deus, Calça e Pina, Joaquim Pinto de Magalhães, Thomás Lobo d'Avila, Klerk, Costa e Lemos, Dias Ferreira, Teixeira Marques, Penha Fortuna, Sá Carneiro, Coelho do Amaral, Lourenço de Carvalho, Manuel Pereira Dias, Quaresma, Mathias de Carvalho, Botelho e Sousa, P. M. Gonçalves de Freitas, Raymundo Rodrigues, Ricardo de Mello, Deslandes, Visconde dos Olivaes.
Não compareceram — os srs.: Fevereiro, Agostinho Ornellas, Alvaro Seabra, Rocha París, Villaça, A. de Azevedo, Falcão de Mendonça, Correia Caldeira, Silva e Cunha, Antão Guerreiro, Falcão e Povoas, Augusto de Faria, Caetano Velloso, Carlos Bento, C. Testa, Vieira da Motta, Conde de Thomar (Antonio), Silva Cabral, Coelho do Amaral, Dias Lima, F. L. Gomes, Bicudo Correia, Silveira Vianna, Silveira da Motta, Meirelles Guerra, Mártens Ferrão, José Maria do Magalhães, Aragão Mascarenhas, Pinto de Vasconcellos, Albuquerque Caldeira, Ribeiro da Silva, Sousa Monteiro, Lemos e Napoles, Achioli de Barros, J. M. Lobo d'Avila, Rodrigues do Carvalho, Silveira Sousa, Prazeres Batalhoz, Mendes Leal, Pinto Basto, Levy, Camara Leme, Ferreira Junior, Balthasar Leite, J. J. Guerra, Pedro Franco, Bruges, Thomás Lobo, Vicente Carlos, Scarnichia.
Abertura — Á uma hora menos um quarto.
Acta — Approvada.
EXPEDIENTE
A QUE SE DEU DESTINO PELA MESA
Declaração de voto
Declaro que, se estivesse presente á votação que hontem teve logar sobre a auctorisação para a reforma dos serviços, a rejeitaria. = Ferreira Pontes. Mandou-se lançar na acta.
Requerimento
Requeiro que seja remettida a esta camara, com urgencia, pelo ministerio da guerra, copia do relatorio da inspecção a que se procedeu ultimamente no asylo dos filhos dos soldados em Mafra. = O deputado por Mafra, Sabino José Maltez dos Anjos Galrão.
Foi remettido ao governo.
O sr. Jeronymo Pimentel: — Não sabia que na penultima sessão se verificava uma interpellação ao sr. ministro das obras publicas, annunciada pelo sr. deputado Gavicho, pois que, se o soubesse, estaria n'esta casa a horas de poder tomar parte n'ella, visto ser identica em parte a outra que eu havia annunciado ao mesmo sr. ministro; refiro-me á ponte sobre o rio Douro. Queria tomar parte na interpellação, não porque podesse acrescentar alguma cousa mais ás judiciosas considerações que fez o nobre deputado, que, com aquella competencia que todos lhe reconhecem, mostrou exuberantemente a vantagem e mesmo a necessidade da construcção daquella obra, mas porque a minha posição como representante do districto de Villa Real, a que tão vantajosa é esta obra, colloca-me na obrigação de tomar parte n'esta questão, e juntar a minha debil voz á auctorisada do nobre deputado para pedir ao sr. ministro das obras publicas que não descure aquelle assumpto tão importante para as provincias do norte, especialmente para a Beira, Traz os Montes e Minho.
O nobre ministro, reconhecendo a necessidade d'esta obra, prometteu não a descurar, por isso não acrescentarei mais cousa alguma a este respeito.
Como s. ex.ª não está presente, não posso por isso chamar a sua attenção para dois pontos que fariam parte da minha interpellação; refiro-me á estrada marginal do Douro e á conclusão da estrada de Amarante.
Aproveito tambem a occasião para chamar a attenção do sr. ministro dos negocios estrangeiros sobre uma interpellação que ha dias annunciei a s. ex.ª, e versa sobre a necessidade de negociar com a Inglaterra e outras nações tratados de commercio, tendentes a obter reducção nos direitos de importação que ali pagam os nossos vinhos.
Desejo que s. ex.ª se dê por habilitado a responder a este assumpto ainda n'esta sessão.
O sr. Assis Pereira de Mello: — O sr. Vicente Carlos Teixeira Pinto encarregou-me de participar a v. ex.ª e á camara que não póde comparecer ás sessões por ter recebido a infausta noticia do fallecimento de sua mãe.
O sr. Presidente: — Creio que a camara quererá que se mande desanojar o sr. deputado, e dizer-lhe que ella ouviu com profundo sentimento a participação feita pelo sr. Pereira de Mello (apoiados).
O sr. Fradesso da Silveira: — Mando para a mesa um requerimento pedindo esclarecimentos ao governo.
O sr. José Paulino: — Peço a palavra para quando estiver presente o sr. ministro do reino.
O sr. Presidente: — Devo prevenir o illustre deputado de que, para eu lhe poder dar a palavra, é preciso que a peça antes da ordem do dia, e na occasião em que estiver presente o sr. ministro.
O sr. José Paulino: — Peço que se consigne isto no Diario, porque chegando ao conhecimento de s. ex.ª que lho desejo fallar antes da ordem do dia, estou certo que s. ex.ª terá a bondade de comparecer mais cedo.
O sr. Presidente: — Parecia melhor que o sr. deputado reduzisse o seu pedido a uma interpellação.
O sr. José Paulino: — Não quero interpellar o sr. ministro, mas o que tambem não quero é que se diga que fallo na ausencia de s. ex.ª
O sr. Mardel: — Mando para a mesa uma nota de interpellação ao sr. ministro das obras publicas, ácerca do estado em que se acha o caminho de ferro de Cintra. Parece-me que é conveniente que a camara resolva esta questão para deixar o campo livre para se fazer outro qualquer contrato.
ORDEM DO DIA
CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO PROJECTO N.° 7
O sr. Presidente: — Seguia-se a fallar o sr. relator da commissão, mas como s.* ex.ª não está presente, e para se seguir o regimento, dou a palavra ao sr. Gavicho que é o primeiro que está inscripto a favor.
O sr. Gavicho: — Começo por ler a minha moção, em conformidade com as praxes parlamentares e com os preceitos do regimento.
Emenda ao artigo 1.º do projecto n.° 7.
É a seguinte (leu).
Hontem um dos mais illustres oradores d'esta camara subindo á tribuna tentou demonstrar, que a autorisação pedida ao parlamento era inutil e perigosa. Foram estas as proposições apresentadas pelo illustre deputado o sr. Mendes Leal, segundo os apontamentos que tomei, e tenho aqui.
«A autorisação é inutil e perigosa. É inutil, porque em quatro mezes será impossivel ao governo fazer as reformas no serviço publico, que são necessarias. É perigosa, porque, não sendo a auctorisação pessoal, póde ir caír nas mãos de pessoas a quem o parlamento não quizesse confiar uma auctorisação d'esta ordem, que d'ella abusem e que com o seu abuso a patria soffra.»
A camara demonstrou por uma votação muito notavel que a auctorisação nem ora inutil, nem perigosa.
Não podemos de certo ter receio de que de uma auctorisação pedida para reformar os serviços publicos, para os simplificar, para os tornar mais expeditos e mais baratos, para termos não só economias de desperdicio de dinheiro, que isso será o menos, e em que menos confio, mas para termos economias de centralisação de serviços, de complicações e duplicações absurdas de serviços; não podemos, repito, ter receio algum de que de uma auctorisação concedida áquelles ministros, e em Portugal, se possa n'este sentido abusar. O parlamento ha de lhe tomar estreitas contas,
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o parlamento é o fiscal das liberdades publicas, e tem a peito o bem do paiz.
A epocha dos tyrannetes, se a houve, acabou. N'um paiz em que está arraigado o amor á liberdade, onde as instituições liberaes tem raizes tão fundas, os tyrannetes que apparecessem afogar-se-íam no ridiculo, e nós não feriamos mesmo a coragem para os desprezar, para lhes atirar uma gargalhada ou escarneo.
«É inutil, disse o illustre orador, porque em quatro mezes nada se póde fazer.» S. ex.ª, que considera o tempo como o primeiro capital, e que o tem aproveitado tão bem, sabe que quatro mezes para os homens de boa vontade, para os homens que querem, que sabem, e que podem fazer alguma cousa n'este paiz, esse periodo é bastante para se fazer muita cousa boa, muita cousa util.
Estou persuadido de que para esta reforma não ha governo nenhum que se não rodeie de todas as intelligencias, de todas as experiencias, de todos os homens de boa vontade, que ainda crêem no futuro do seu paiz, e que estão dispostos a contribuirem com a sua experiencia, com a sua intelligencia, e com as suas luzes para se conseguir o bem da terra natal.
Em quatro mezes, com o concurso de todos os homens que querem, e que sabem, póde fazer-se alguma cousa, muita cousa util, muitas reformas, de que temos urgente necessidade.
A inutilidade pois da proposta não se póde sustentar. Nem o illustre deputado com a sua voz auctorisada, com a sua opulenta eloquencia, com o prestigio do seu grande nome, não só de orador mas do grande litterato, procurou convencer a camara da inutilidade da auctorisação, e menos de que era prejudicial. Os actuaes ministros, alguns reliquias venerandas das lutas gigantes que se travaram para a conquista da liberdade, e todos liberaes por convicção, e todos rivaes no amor da patria, não abusarão da auctorisação do parlamento, usarão d'ella para bem do nosso paiz, cujas necessidades conhecem, e a que hão de prover de remedio; nem é provavel, na ausencia da camara e no intervallo da sessão, mudança ministerial, e quando a houvesse nunca naquellas cadeiras se sentaria o absurdo, a ignorancia, a preversidade. Ninguem tema essa impossivel desgraça.
A inutilidade e o perigo d'esta proposta, já se não podem hoje pôr em duvida, porque a votação da camara sobre a generalidade do projecto foi de tal ordem, que demonstrou por 100 votos, e por consequencia eloquentemente, que ella não é inutil nem perigosa.
Do que se trata é de saber quaes hão de ser os limites da auctorisação que se pede. O governo pede auctorisação para simplificar e reduzir. Comprehende-se na simplificação e reducção, o que eu expendo na minha proposta? Comprehende-se a descentralisação dos serviços, a sua simplificação, a sua uniformidade, o poder distribuir esses serviços pelos diversos ministerios, determinar o numero d'estes, fixar as funcções de cada ministerio, fixar os quadros, supprimir e simplificar os serviços publicos tanto quanto possivel for, e conforme as necessidades da boa administração?
Se o governo, com as suas declarações, demonstrar que nos termos d'esta auctorisação se comprehende tudo que acabei de dizer, nada mais tenho a fazer do que retirar a minha proposta; mas se assim não for, a camara deve armar o governo com o poder necessario para fazer essas profundas reformas, que são necessarias á boa administração.
Não posso ser muito extenso, não só porque me parece que a camara está disposta a querer votar quanto antes o artigo em discussão, mas porque não posso fallar muito; todos veem que estou incommodado, não me é possivel levantar a voz com força, e fallar alto por muito tempo.
Todos sabem que ha entre nós uma centralisação tão absurda, que póde dizer-se que temos o despotismo administrativo. Os negocios mais pequenos e insignificantes têem de ir ás secretarias; a nomeação de um escrivão de juiz de paz, a nomeação do pobre sachrista da aldeia, aquelle pobre homem que abre os gavetões das vestimentas, que accende as velas do altar, emfim todos os negocios, ainda os mais Ínfimos, aquelles que devem estar na parochia, no municipio, no districto e nos tribunaes judiciaes, têem de vir ás secretarias!! A primeira necessidade, por consequencia, é a descentralisação de serviços.
Estará o governo auctorisado, em virtude dos termos da proposta, a descentralisar os serviços tanto quanto seja necessario, tanto quanto seja possivel, distribuindo para a parochia, para o municipio, para o districto, e para os tribunaes judiciaes, muitos dos serviços hoje agglomerados nas secretarias? Se o governo entende que nos termos da auctorisação está auctorisado a descentralisar os serviços, a minha proposta é inutil; se porventura não está, a reforma que elle fizer não póde produzir bom effeito, porque a primeira, a mais urgente necessidade a satisfazer, é descentralisar, é ver quaes os serviços que devem ficar a cargo do estado, e quaes a cargo das localidades e dos tribunaes judiciaes.
A descentralisação é o ponto capital d'onde se deve partir para se fazer a reforma, porque sem a necessaria descentralisação não póde haver administração, não póde haver reforma util, reforma como a que se precisa. Com a centralisação absurda que nós temos, póde a reforma servir para alguma cousa?
As minhas idéas sobre descentralisação são conhecidas, são as idéas do partido liberal de toda a Europa. Sem a vida local, sem a descentralisação administrativa, não póde haver o governo do paiz pelo paiz. Quando houver centralisação, ha de haver despotismo administrativo, e o despotismo administrativo é a maior desgraça que póde affligir uma nação. Sem a descentralisação não póde haver verdadeira liberdade, sem a vida local não póde haver a salva-guarda da liberdade, porque esta reside no municipio. É mister crear a vida local da parochia, do municipio, do districto, conferir-lhes largas attribuições, impor-lhe grandes deveres, organisar a sua fazenda. Para termos um systema liberal como elle deve ser, é necessaria a descentralisação; para termos simplificação e economia nos serviços é necessario descentralisa-los. É preciso acabar com a bureaucracia. Não ha hoje negocio, por mais infimo que seja, que não precise vir aos pés do generalato da bureaucracia, aos pés dos empennachados da bureaucracia, como, em phrase elegante e pittoresca, disse um dos mais elegantes oradores d'esta camara. Isto não póde continuar assim, não deve continuar assim.
Está o governo por esta proposta auctorisado a reformar e simplificar os serviços, a distribui-los pelos ministerios, a fixar mesmo o numero d'estes ministerios? Se não o está é necessario que a camara o auctorise a faze-lo. O governo se explicará, e veremos depois o que ha a fazer. O que eu não desejo, o que não deve ser, é que a camara vote uma auctorisação ao governo, e que este se veja peado, e não possa dotar o paiz com as reformas de que elle tanto carece, para poder saír das difficuldades em que está collocado.
Eu não posso estar agora a dizer aqui os defeitos de todos os serviços publicos.
Prometti ser breve, preciso se-lo, e mesmo diante de mim vejo um meu honrado collega com quem me comprometti a ser breve.
Mas, sr. presidente, permitta-me v. ex.ª que chame a attenção do governo para um dos mais importantes ramos da administração, que está atrazadissimo entre nós. Ninguem póde duvidar de que ha serviços, cuja dotação é excessiva, e outros, cuja dotação é uma verdadeira miseria (apoiados).
Sinto não ver presente o nobre ministro do reino. Queria chamar a sua attenção sobre um ramo de serviço publico, que eu desejava ver melhorado para bem d'este paiz. Refiro-me á instrucção (apoiados).
Um paiz onde apenas se gasta 221:146$215 réis, por parte do estado e dos municipios, com a instrucção primaria de ambos os sexos, sendo 16:519$160 réis a importancia dos ordenados ás mestras do sexo feminino, está n'um atrazo tal de civilisação que é uma vergonha para nós, que queremos ser um paiz civilisado. Para que não exista esta vergonha é preciso que o governo olhe com olhos de ver para este ramo de serviço. É necessario dotar largamente a instrucção popular.
No nosso paiz, para mandar ensinar latim, gastam-se uns poucos de contos de réis mais do que o que se destina para ensinar a ler e escrever aquellas que mais tarde hão de ser mães da nova geração! Isto não póde ser; isto é uma vergonha!
A sociedade está passando por uma transformação completa. A sciencia invade tudo; em todos os pontos lança luz vivificadora. As antigas classes confundem-se no todo, na unidade nacional. A democracia manifesta por toda a parte o seu poder, exerce em toda a parte a sua influencia, no governo do estado, nas industrias, em todos os progressos sociaes. A luz que guia a democracia, o guia seguro que encaminha a democracia é a instrucção.
É por isso que a instrucção primaria, descurada por muito tempo em todas as nações da Europa, é hoje em toda a parte a primeira preoccupação de todos os governos. Não ha questão que interesse mais á civilisação dos povos que é a instrucção popular. Não póde haver questão que interesse mais aos generosos e grandiosos intuitos do partido liberal, do partido progressista, que o dever, a missão, a necessidade, a urgencia de instruir o povo (apoiados).
Nunca poderá haver povo livre, verdadeiramente livre, se não estiver educado, encaminhado no exercicio, pleno da liberdade, se não estiver devidamente instruido. É por isso que a instrucção popular é a primeira preoccupação de todos os espiritos liberaes, e questão a que todas as nações, que querem caminhar na senda do progresso, prestam a mais seria attenção. E nós, que queremos ser povo livre, progressista, civilisado, que temos feito, que fazemos relativamente á instrucção do povo? Muito pouco, quasi nada. É uma vergonha!
Permitta-me v. ex.ª que eu leia uns numeros que são a vergonhosa photographia do nosso atrazo no ramo importantissimo da instrucção publica. Nós temos 2:774 escolas primarias publicas e particulares para a instrucção de ambos os sexos. As escolas publicas para o ensino primario do sexo masculino são 1:618, as escolas particulares para o mesmo fim são 405. As escolas publicas primarias para o sexo feminino são 205, e as particulares para o mesmo fim são 546.
O material das escolas é uma miseria. De 1:687 escolas inspeccionadas só em boas condições se acharam 261, em soffriveis condições 628, em más e pessimas condições todas as outras; para haver casas de escola, mesmo assim foi necessario que 853 edificios para o ensino da infancia fossem fornecidos por os pobres professores. Gastamos com estes professores o seguinte: os professores de ensino mutuo recebem do thesouro 3:901$580 réis. Os de ensino simultaneo de 1.° grau recebem 134:843$445 réis. As mestras recebem 16:519$160 réis; ao todo os seus ordenados montam a 154:454$185 réis. As despezas de expediente com missões, inspecção, jubilações, gratificações, etc. somma em 6:658$595 réis. A despeza do thesouro com a administração superior de instrucção primaria, escola normal, etc. não excede a 14:053$435 réis.
As despezas a cargo dos municipios montam a 35:580$000 réis; e, se lhe juntarmos a importancia da renda de 640 escólas e a mobilia de 800 proximamente, virá a ser a des peza a cargo do municipio 45:980$000 réis. Gastâmos pois,
estado e municipios, com a instrucção popular de ambos os sexos 221:146$215 réis!
Eis-aqui uma parte do sudario das nossas miserias no tocante a instrucção publica. Repetirei ainda um numero: os ordenados ás mestras que têem por missão ensinar as creanças do sexo feminino, as que hão de vir a ser as mães da raça vindoura, sommam em 16:519$160 réis! Não esqueçamos esta mesquinharia.
Ora, um paiz em que se gasta isto para instruir o povo, em que se gastam menos do 17:000$000 réis para educar as futuras mães de familia, é paiz que está o mais atrazado possivel n'este importantissimo ramo do serviço publico. As nações são verdadeiramente grandes, são realmente grandes por o seu grande capital intellectual, e o primeiro obreiro que cria esse capital é o professor; a primeira officina d'esse grande, d'esse verdadeiro capital que engrandece as nações, é a escola (apoiados). Se as nações pequenas se querem tornar grandes e respeitadas, cuidem de augmentar o seu capital intellectual. Se as nações pequenas querem ser respeitadas, e correr parelhas, e rivalisarem, e avantajarem-se ás nações civilisadas, derramem a luz onda houver trevas de intelligencia, dêem vista aos cegos de espirito (porque quem não sabe é como quem não vê), derramem a instrucção a mãos cheias, abram a escola em toda a parte onde houver ignorancia. Ha na alma das creanças innocencia e ignorancia; regulem uma e extirpem outra, se quizerem progresso e civilisação.
A Belgica gastava em 1860 1.200:000$000 réis com a instrucção primaria. A Suissa tem talvez as melhores escolas da Europa. A instrucção é gratuita n'uns cantões, auxiliada por o governo em outros, e em outros por corporações; a Suissa tem uma escola por 400 habitantes, quando nós temos uma escola por 2:000 habitantes.
A Hollanda com 3.300:000 habitantes tem quasi 3:000 escolas, e conta mais de 300:000 alumnos todos os annos. A Prussia, antes do seu inesperado engrandecimento, tinha perto de 25:000 escolas, frequentadas por quasi 3.000:000 de alumnos, e que custava áquella nação perto de réis 7.000:000$000. Vi no relatorio de mr. Jourdain os progressos espantosos que tem feito em França a instrucção primaria. De 1829 a 1866 se abriram em França 38:803 escolas, 32:000 cursos de adultos, e 3:700 salas de asylo.
A população nas escolas primarias cresceu mais de 3.000:000 de individuos, nas salas de asylo 400:000, e nos lyceus e collegios 24:000. Em toda a parte progresso, adiantamento na instrucção popular; entre nós atrazo e miseria!
Peço ainda licença para ler uns numeros que são a nossa vergonha; custa-me a le-lo, mas hei de faze-lo; é mister dizer a verdade, ainda que me doa, e nos faça subir o rubor ás faces.
Nós tinhamos em 1864 2.182:870 habitantes do sexo feminino. D'estes eram creanças, de 7 a 15 annos, 369:453. Sabe v. ex.ª quantas d'essas creanças aprendiam a ler a palavra escripta, e a exprimir o pensamento por escripto? Frequentavam as escolas só 22:546! Ficavam nas trevas da ignorancia 346:907 creanças do sexo feminino.
Tinhamos n'esse anno 2.005:540 habitantes do sexo masculino. D'estes eram creanças, de 7 a 15 annos, 388:081, e as escolas eram frequentadas por 76:710 alumnos do sexo masculino. Ficavam sem saber ler nem escrever 311:370 creanças.
Das 757:534 creanças, de 7 a 15 annos, de ambos os sexos, que tinhamos em 1864, ficaram sem saber ler o enorme numero de 658:278! Isto é a maior vergonha para um paiz livre.
Uma voz: — Isso não é verdade.
O Orador: — Não é verdade? É então mentira a estatistica de instrucção primaria feita pelo sr. Rocha? São então mentira as estatisticas officiaes? Prouvera a Deus que o fossem.
Uma voz: — E as escolas particulares?
O Orador: — As escolas particulares são frequentadas por pouco mais de 25:000 creanças do ambos os sexos. Parece ao illustre deputado impossivel que estes factos se dêem no nosso paiz? Envergonha-se de que tenhamos esta miseria de instrucção? Tambem eu, e por isso peço ao illustre deputado, que una a sua voz auctorisada á minha humilde voz, e empenhemo-nos todos, parlamento e governo, para que se instrua ainda muito o povo portuguez (apoiados), para que se abra a escola em toda a parte (apoiados). Façamos com que, onde houver uma freguezia, onde houver um templo, aonde os parochianos vão orar, haja ao pó um outro templo, o templo da instrucção e da luz (apoiados); façamos com que aonde houver um altar, diante do qual os parochianos ajoelhem, haja ao pé e defronte um outro altar, a banca do professor, diante do qual todas as creanças da parochia, todas sem excepção, vão aprender a ler a palavra escripta, a exprimir o seu pensamento por escripto, vão aprender a ser bons filhos, bons paes, bons cidadãos (apoiados). Em toda a parte onde houver a igreja matriz, onde os fieis se congreguem, haja o outro templo, a escola, onde se reunam todas as creanças para aprenderem para saberem os seus deveres, para se elevarem de ignorantes a instruidos, para saberem presar os seus direitos, para saberem cumprir os seus deveres do cidadãos do uma nação, livre (apoiados). E junto da escola do sexo masculino a escola do sexo feminino.
Quem ignora a poderosissima influencia da mulher na familia, quem desconhece a acção importantissima, incontestavel, da mulher sobre as creanças? Não deixemos a pobre filha do povo nas trevas da ignorancia; ella ha de ser mãe da raça futura; que saiba formar a alma e coração de seus filhos, que saiba ser mãe; abramos em toda a parte a escóla para as meninas (apoiados).
Somos pobres? Embora. As nações são como os individuos; o pae de familia previdente, honrado, honesto, ami-
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go de seus filhos, póde deixar de ter uma mesa opipara, póde mandar fazer um fato menos custoso aos filhos, póde, deve fazer os mais dolorosos côrtes nas suas despezas, mas o que não póde, o que não deve, é deixar de mandar os filhos á escola. O primeiro dever das nações é educar e instruir os seus filhos (apoiados). A escola é o ninho onde se impluma e empenna a aguia do futuro. Está ahi o principio da nossa regeneração social. Que toda a creança ahi vá; não haja excepção, que não haja no paiz pae, mãe, tutor ou director de creança que deixe de mandar o filho, o pupillo, a pobre creança, á escola. É essa a sua obrigação.
Para tudo o que for justo, bom, honesto e proveitoso, póde e deve haver liberdade. Póde e deve haver liberdade de creação; póde e deve haver liberdade de applicar a intelligencia e as forças a qualquer qualidade de trabalho, de destinar a intelligencia e os capitaes a todas as industrias, de empregar todos os meios para conseguir os fins racionaes do homem. Mas o que não póde haver é liberdade de ignorancia; essa é que não póde existir n'um paiz civilisado (apoiados).
É necessario que o ensino obrigatorio seja um dogma do partido liberal (muitos apoiados). Ensino obrigatorio e gratuito em toda a parte; a escola em toda a parte, porque o sacerdocio do professor é um grande sacerdocio.
Ha tres sacerdocios em que creio tanto como na immortalidade da alma, (desculpe-me a camara se sou piegas no que vou dizer). É o sacerdocio da mãe de familia, o sacerdocio do padre catholico e o sacerdocio do professor.
Eduquemos as mães de familia, porque são ellas, que formam o coração e a alma dos filhos (apoiados). É com a mulher que Deus escreve no coração do homem. Eduquemos as mães de familia, que são ellas que ensinam a amar a virtude, e é pelo amor á virtude, é pela sua pratica, que os homens se podem tornar heroes. Eduquemos as mães de familia, com cujo ensino gastámos hoje menos de réis 20:000$000 (o que é uma vergonha, uma miseria), para que a raça futura seja uma raça de cidadãos de um paiz livre, que ame a sua patria, que não fique parada a olhar com espanto para o sublime quadro das glorias de sete seculos que passaram, mas que contemple essas glorias de olhar fito no futuro, e caminhe com passo firmo na senda do progresso e da civilisação.
Instruamos o clero, para que elle seja a luz do mundo e o sol da terra. Tratemos do professor, que está hoje desprezado, principalmente o de instrucção primaria, esse primeiro obreiro da civilisação. Cuidemos seriamente d'estes tres sublimes, sacerdocios, que serão os creadores da futura civilisação. É sobre este ponto, que peço toda a attenção, toda a solicitude do governo. É vergonhoso o estado da nossa instrucção primaria; façamos tudo para sairmos d'este estado desgraçado em que estamos.
Agradeço ao nobre deputado o áparte que me fez, porque me deu logar a que, esquecendo-me do compromisso, que tinha tomado com um meu nobre collega, de fallar poucos minutos, me obrigou a apresentar estas breves considerações.
Estabeleçamos o ensino obrigatorio e gratuito. Fundemos a escola onde houver freguezia. A escóla é por sua natureza parochial e municipal; a parochia e o municipio devem pagar a escola, embora o estado, o poder central, ajude com algum subsidio o professor. Em todos os districtos haja o lyceu de 2.ª classe, onde se complete a instrucção primaria, onde se ensinem os individuos que hão de fecundar as industrias com o trabalho intelligente, onde se ensinem linguas vivas e elementos de sciencias, que sejam como as escolas reaes da Allemanha. E o lyceu de 2.ª classe deve ser do districto e pago por elle. Estabeleçamos um pequeno numero de lyceus de 1.ª classe, que habilitem para os estudos superiores. Reformemos o ensino superior que é luxuoso. Tenhamos uma universidade como deve ser; universidade que não seja corporação, mas nacional, e as escolas de applicação, de que tenhamos necessidade, e conforme as nossas peculiares circumstancias (apoiados).
E não ha de o estado gastar muito com estas reformas; mas em instrucção publica não regatehemos mialhas. Ouço falar de economias, tambem as quero; tenho porém medo das economias; a palavra é velha, foi já mote de bandeira, e o que vi foi, que nem se fez economia senão na pobresinha da instrucção popular. N'isto a mal entendida economia será miseria, será retrocesso, será amortalhar a nação na ignorancia que degrada (apoiados). Disse o sr. Mendes Leal que = se se queria a economia da instrucção publica, feriamos a barbarie; se se queria a economia do exercito, feriamos a anarchia; se se queria a economia da civilisação, teriamos a paralysação de tudo quanto era melhoramento e progresso =. Não queremos a economia de nenhuma d'estas cousas; mas queremos que na instrucção superior se façam as economias que seja possivel fazer sem prejuizo da mesma instrucção, e derramar a instrucção primaria e reformar convenientemente a instrucção secundaria; queremos que se economise no exercito, onde se gastam mais de 1.000:000$000 réis em administração, porque não é possivel continuar a gastar uma tal somma; queremos exercito conforme as nossas necessidades o permittem; queremos um exercito onde a nação toda aprenda, a organisar-se militarmente; queremos boas reservas e boa organisação de força publica. A Suissa póde apresentar em campo 200:000 homens instruidos, armados, aguerridos quando as necessidades o exigirem; reformemos o exercito conforme as nossas necessidades e conforme o permittirem as nossas forças; o que se gastar que seja reproductivamente, que não seja desperdicio.
De certo que a camara não quer que se côrte á douda e ás cegas, mas que se côrte onde se devo cortar e onde houver esbanjamento e desperdicio. A camara não quer que se façam economias senão onde se devem fazer; quer economias de desperdicio de dinheiro e de sophisticação de trabalho, porque da duplicação e sophisticação do trabalho é que vem a má organisação.
A camara não quer economias de civilisação, queremos coragem mas prudencia nos melhoramentos publicos. Queremos caminhar, como disse hontem o sr. ministro da marinha, mas caminhar de modo que se não nos extingam as forças na romagem á capella da civilisação e de progresso; caminhemos, não paremos n'esta senda de progresso, trabalhemos, empenhemo-nos por alcançar instrumentos de trabalho, mas que possamos pagar o que pedirmos.
É mister que as economias não neguem esses instrumentos do trabalho ao povo, que são a viação; que não vão ao ponto de obstar a que saneemos os nossos pantanos, a que dessequemos os terrenos alagados, a que povoemos de matas a nossa costa maritima e as encostas de nossas montanhas, o que é outro meio de melhorar as condições da nação; queremos que as economias não cheguem aos desperdicios, aos esbanjamentos, aos maus, complicados e caros serviços, mas que cheguem onde devem chegar, que vão aonde houver má administração, e aonde se possa e deva cortar em beneficio do paiz.
Isto é o que se quer. E se o governo não satisfizer ás esperanças do paiz, se o governo se apresentar falseando esta confiança que o paiz n'elle deposita, esta auctorisação que o parlamento lhe concede, o parlamento ha de pedir-lhe contas, ha de fazer o seu dever e o governo ha de cumprir o seu. Vivemos no systema constitucional.
Tenho ouvido aqui fallar muito em economias. As economias são um grande principio. A economia é, como diz madame Geoffrein, a origem da independencia e da liberdade. A economia é um grande preceito de administração.
Um ministro de Carlos III, depois de trinta e dois annos de estudo, disse ao seu rei: «A economia bem entendida é a maior receita dos monarchas e das monarchias. O melhor modo de pagar as despezas é diminuir os gastos excessivos».
Um economista hespanhol disse: «As regras de boa moral, base da politica, aconselham que antes de sujeitar a riqueza publica a novos sacrificios, se cerceiem primeiro os gastos inuteis».
Cazimiro Perrier disse que a economia é a base das finanças de todos os estados.
Um auctor, cujas obras andam nas mãos de todos, mr. Blok, escreveu: «A economia é uma grande virtude no governo dos estados e na vida privada».
Mas é necessario que nos desenganemos, a economia é um ponto importante, é um preceito essencial em administração; convençamo-nos porém que as economias rasoaveis, as que se podem e devem fazer, não salvam o paiz (apoiados).
Não é só da economia de gastos excessivos de dinheiro que o paiz precisa, elle necessita tambem da economia do mau serviço, da economia da sophisticação do trabalho, e da economia de tudo quanto se deve supprimir (apoiados). Feitas todas as possiveis economias, o que é mister é irmos depressa, quanto antes, ao imposto. Diga-se toda a verdade aos nossos constituintes, a todos os habitantes d'esta terra; é mister que não só paguemos todo o beneficio que nós temos feito ao paiz, mas que continuemos na senda do progresso e da civilisação (apoiados).
Eu, sr. presidente, se porventura podesse ser mais extenso, se o meu estado de saude me permittisse alargar-me mais n'estas considerações, apresentaria alguns dados estatisticos que tenho aqui, para demonstrar a necessidade que temos de pagar o que devemos; mas limitando-me quanto seja possivel, citarei alguns d'esses dados estatisticos.
Nós temos gasto em caminhos de ferro 16.854:000$000 réis, em caminhos ordinarios 15.400:000$000 réis, em telegraphos 319:000$000 réis, e em varios melhoramentos, portos, rios, barras, subvenções e navegações, etc. etc. 15.337:000$000 réis. Pois se nós temos gasto porto de 50.000:000$000 réis em melhoramentos publicos do paiz, de que elle está gosando, é necessario tambem que o paiz pague os juros e annuidades d'esse dinheiro (apoiados).
Havemos de deixar aos vindouros a divida proveniente dos melhoramentos de que estamos gosando? De certo que não. Não devemos proceder d'esse modo (apoiados). E se a prosperidade do paiz tem augmentado, se elle está habilitado a pagar mais, pague.
O sr. Eduardo Tavares n'um discurso notavel, que pronunciou n'esta camara, quiz mostrar que o paiz não tem progredido ha annos para cá. Eu sinto ter n'este ponto de divergir da opinião de s. ex.ª, porque o paiz tem progredido...
O sr. Eduardo Tavares: — Não disse isso. Eu disse que o commercio, a agricultura e a industria, se não tinham desenvolvido na proporção dos gastos que se haviam empregado para esse fim.
O Orador: — Póde ser que assim s. ex.ª o entenda; mas eu vejo que a industria, o commercio e a agricultura, têem progredido muito no nosso paiz, e não póde deixar de ser em virtude dos meios que se têem empregado para esse fim. Por exemplo, a nossa exportação era no anno de 1842, 6.580:000$000 réis, dezenove annos depois ascendia a exportação a 14.383:000$000 réis. O movimento nos correios em cartas, em jornaes, em vales, é progressivo, a economia resultante de viação ordinaria e accelerada é uma grande riqueza; a agricultura e as industrias têem prosperado, a desvinculação, a desamortisação, o credito predial, são meios de prosperidade; o paiz que gosa taes beneficios póde e deve paga-los, é um dever de probidade, de honra e pundonor nacional.
Tenho aqui muitos dados estatisticos, que provam a prosperidade crescente do paiz, mas levar-me-ía muito tempo a ler estes numeros e fazer sobre as estatisticas as necessarias observações, e eu não posso continuar. Ninguem de boa fé póde negar, que a situação economica do paiz tem melhorado consideravelmente, que essa situação economica prospera se deve em grande parte a melhoramentos publicos; o paiz não pagou esses melhoramentos, o dinheiro pediu-se, os juros têem-se accumulado, é necessario pagar essa divida de honra.
Façam-se as profundas reformas indispensaveis para a boa administração, descentralisem-se os serviços, simplifiquem-se, melhore-se a administração, façam-se as possiveis economias, e recorramos ao imposto para saldarmos as nossas contas. Dê-se ao governo a auctorisação para decretar as necessarias reformas, mas demos essa auctorisação de modo que elle se não desculpe de que a auctorisação foi pequena e que não podia apresentar as reformas de que o paiz carece, porque a isso não estava auctorisado. É necessario que o governo fique auctorisado a organisar todos os serviços; é necessario que elle fique auctorisado a decretar os serviços que devem ficar a cargo do estado, a dividi-los pelos diversos ministerios; é necessario que fique auctorisado a fixar o numero d'estes ministerios e a precisar as suas funcções, e a reduzir tudo quanto for possivel e compativel com a boa administração em todos os serviços publicos. Para isto é que dou esta auctorisação, e quando o governo entender que a auctorisação, nos termos em que está o artigo 1.°, comprehende estes poderes, hei de retirar a minha proposta; mas quando o governo o não disser, entendo que a camara deve dar-lhe uma auctorisação, para elle poder fazer o que for a bem do nosso paiz, e não deixar de o fazer por não ter meios para isso. Nós depois fiscalizaremos, e tomaremos contas, como é nosso dever.
Tenho aqui muitos apontamentos que tirei dos oradores que hontem fallaram, julgando que hontem me caberia a palavra para lhes responder: com muitas das considerações do sr. Fradesso da Silveira concordo; mas como prometti ser breve, não quero cansar mais a camara, nem quero ver os apontamentos que tirei, porque me póde nascer o desejo de responder, e eu devo terminar, já porque, não posso continuar; já porque, ainda que podesse, não devia continuar a cansar a camara com a minha desalinhavada e já comprida arenga. Repito, voto a auctorisação ao governo, porque confio no seu amor á liberdade, nos desejos ardentes de dedicar a sua illustração, a sua robusta intelligencia e larga experiencia ao bem e á prosperidade do paiz; mas voto-a larga e de modo que o governo, quando se apresentar perante o parlamento, não possa desculpar-se dizendo: «não fiz mais, porque a mais me não auctorisastes».
Voto a auctorisação de modo que o governo fique armado dos poderes necessarios para emprehender e levar a cabo as profundas reformas, de que a boa administração do paiz carece com urgencia. Que o governo fique amplamente auctorisado, o nós lho exigeremos a responsabilidade depois; e que não possa dizer na proxima sessão: «se não satisfiz ás aspirações do paiz, ás necessidades da situação, aos desejos do parlamento, é porque não estava auctorisado a mais». Fique o governo com ampla e larga auctorisação, eleve-se o governo á altura da sua missão; o paiz tem fitos os olhos nos novos ministros, corresponda ás esperanças do paiz; o parlamento confia na illustração e acrisolado amor da patria dos membros do ministerio, corresponda o governo a esta confiança do parlamento, que não quer, não deseja outra cousa, se não a felicidade da patria e prosperidade do nosso paiz.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem.
(O orador foi comprimentado por alguns srs. deputados.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Emenda ao artigo 1.º do projecto n.° 7.
Artigo 1.° E o governo auctorisado a descentralisar, quanto possivel, os serviços a cargo do estado, e simplificar e uniformisar todos os serviços publicos, a dividi-los por ministerios e fixar o numero d'estes, a determinar as suas funcções, a limitar e fixar os quadros, e a fazer todas as reducções e suppressões, compativeis com as necessidades de boa administração, tanto no pessoal como no material em todos os serviços publicos dependentes dos diversos ministerios. = Gavicho, deputado por Lamego.
Foi admittida e ficou em discussão conjunctamente coma materia.
O sr. Arrolas: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se permitte que eu substitua a minha proposta por outra que mando agora para a mesa.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que as palavras = É o governo auctorisado a decretar no pessoal = sejam emendadas do seguinte modo: = É o governo auctorisado a reorganisar os serviços publicos, no que for necessario para decretar no pessoal = Antonio Maria Barreiros Arrobas.
Foi admittida e ficou em discussão com a materia.
O sr. Fortunato de Mello: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se o artigo 1.° d'este projecto está ou não sufficientemente discutido.
Foi julgado discutido.
O sr. Mathias de Carvalho: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de ler os nomes dos srs. deputados que estão inscriptos sobre este artigo.
O sr. Presidente: — Estão inscriptos sobre a ordem e sobre a materia os srs.: Motta Veiga, Mathias de Carvalho, Rodrigues de Azevedo, Mardel, Pereira Dias, Calça e Pina, José Paulino, Costa Lemos, Fernando de Mello e Lobo d'Avila.
Os senhores que tiverem emendas ou propostas a apresentar, podem faze-lo.
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O sr. Mardel: — Mando para a mesa uma substituição ao artigo 1.°
O sr. Costa e Almeida: — Quando mandei para a mesa uma substituição ao artigo 1.° não sabia eu que a commissão tencionava propor uma alteração ao mesmo artigo, que até certo ponto prejudica as idéas da minha substituição, e de outras apresentadas, que tinham por fim dar uma maior amplitude á auctorisação pedida.
Entendeu-se que o governo ficava assim com maior auctorisação para poder organisar, como julgasse mais conveniente, os serviços publicos. Aceitando pois a emenda do illustre relator da commissão, e em vista das explicações que o governo deu ácerca do modo como entendia a auctorisação, fazendo ver que não devia ser entendida no sentido tão litteral, mas um pouco mais ampla do que o sentido rigoroso da proposta parecia indicar; peço a v. ex.ª que consulte a camara se permitte que eu retire a minha proposta.
Foi concedido.
O sr. Arrolas: — Peço tambem licença para retirar a minha proposta.
Foi igualmente concedido.
O sr. Abranches: — Apresentei um aditamento; mas não sei se o governo ou a commissão o aceita.
Se o aceitam, approvo o artigo 1.°; e se o não aceitam, não o posso votar.
O sr. Gavicho: — Parece-me que v. ex.ª deve pôr o artigo á votação, salvas as emendas, que devem ir á commissão.
O sr. Rocha: — Entendo que se deve cumprir o artigo 52.° do regimento, que diz (leu).
O que nós temos a fazer é approvar ou rejeitar o artigo, e em seguida os additamentos ou emendas (apoiados).
Leram-se na mesa as seguintes
Propostas
Artigo 1.°
É o governo auctorisado a proceder ás simplificações, reformas e reorganisações de serviço, e ás reducções no pessoal e material de todos os ministerios, que forem compativeis com os mesmos serviços, do conjuncto das quaes resulte immediata ou futura reducção das despezas publicas, tendo em vista os principios de boa administração.
§ Ficará intacta a organisação do poder judicial, e a das municipalidades. = Mardel.
O sr. Costa Simões: — Não tendo permittido a ordem da inscripção que eu fallasse na especialidade do artigo 1.° do projecto de lei n.° 7, mando para a mesa a minha emenda a esse mesmo artigo, e aproveito a occasião para declarar que teria votado contra, na generalidade do projecto, se tivesse assistido a essa votação.
Emenda ao artigo 1.° do projecto de lei n.° 7.
Artigo 1.° O governo decretará quanto antes no pessoal e no material dos serviços publicos, dependentes de todos os ministerios, as reducções compativeis com os mesmos serviços, relativos a empregos de commissão e a commissões propriamente ditas.
§ unico. A respeito dos outros empregos e quadros de serviços fixados por leis, o governo proporá a conveniente reducção na proxima sessão legislativa. = Costa Simões.
Foram admittidas.
O sr. Rodrigues de Azevedo: — Requeiro a v. ex.ª que mande ler as emendas que ha sobre a mesa.
O sr. Presidente: — Vae votar-se o artigo 1.° com o additamento do sr. relator da commissão.
Posto a votos o artigo 1°, foi approvado com o additamento da commissão.
O additamento do sr. B. F. de Abranches foi rejeitado.
Artigo 2.°:
O sr. Motta Veiga (sobre a ordem, contra): — Chegou-me finalmente a palavra, sr. presidente... O numero dos thugs abafadores parece ir crescendo cada vez mais, porque a camara parece impaciente e anciosa de terminar os trabalhos d'esta sessão extraordinaria, e por isso eu não hei de tambem tomar-lhe muito tempo. A estação mesmo é impropria para este genero de trabalhos.
Pedi a palavra sobre a ordem, e inscrevi-me contra, não porque eu rejeite o projecto, já o votei na generalidade e já votei mesmo o artigo 1.°, mas porque queria mandar para a mesa uma emenda a este artigo 2.°, e ao mesmo tempo declarar a rasão do meu voto.
Eu approvei o projecto na generalidade, sr. presidente, não pelas rasões que ouvi aqui expender ao nobre relator da commissão, porque as rasões que s. ex.ª apresentou na maxima parte são mais contra do que a favor do projecto que o governo tinha apresentado.
Eu não entro na questão da constitucionalidade, o não entro por uma rasão muito simples, porque, sendo principio adoptado que a camara póde dar ao governo toda e qualquer auctorisação que entender, se as camaras passadas as têem dado por mais de uma vez, não sei por que rasão se não ha de dar esta que o governo agora pede. A questão é de auctorisação mais ou menos ampla, porque o principio é o mesmo. Não me demoro n'este ponto, que já foi sufficientemente discutido.
Mas disse o illustre relator que o governo, pedindo uma auctorisação lata, ampla, sem limite algum e sem indicação de bases para reduzir o serviço no material e no pessoal, não queria de maneira nenhuma levar a reforma e a reducção a todos os ramos da, administração publica, queria unicamente applicar o escalpello da reforma e das reducções, no material e no pessoal, em certo e determinado âmbito e não em toda a sua extensão, para assim fazer persuadir ao povo e ao paiz que o governo fizera todas aquellas economias que era possivel fazer, a fim de se auctorisar a lançar lhe o imposto, sem o qual é impossivel passar.
Eu direi francamente que este argumento não prova cousa nenhuma. O governo, pedindo esta auctorisação amplamente, quer satisfazer aos desejos do paiz, que ancia e brada por toda a parte por economias, reducções e reformas no serviço publico, tanto no pessoal como no material. Mas é necessario que o governo saiba que o paiz não quer só reformas aqui nas secretarias de Lisboa, mas em todo o reino e em todos os ramos da publica administração. Desde que o governo quer satisfazer por meio d'esta auctorisação os anceios do povo, que pede economias, e com toda a rasão, é necessario levar as reducções a todos os ramos da administração do estado (apoiados).
Portanto, de duas uma: ou o governo quer effectivamente satisfazer d'este modo aos anceios do povo, ou não; se não quer, qual é a rasão por que hesitou em designar no artigo 1.° que queria sómente levar as reformas a taes e taes ministerios, a taes e taes repartições??
Se não querem que se determinem bem os ramos de administração a que deve chegar a reducção e a reforma, e effectivamente a não querem fazer chegar a todos os ramos de serviço, então o que querem é lançar mais uma vez poeira nos olhos da nação, e fazer acreditar ao paiz que se fizeram aquellas economias que era possivel fazerem-se, e assim se auctorisarem a pedir augmento de imposto; quer dizer, isto é mais uma illusão para o nosso povo (apoiados), é mais uma administração phantasmagorica, como tantas outras que temos tido.
Além d'isto disse-nos aqui o illustre relator da commissão, que se o parlamento não desse ao governo esta auctorisação como elle a pedia, e quizesse que se discutissem na camara as reformas que o governo tem em mente realisar, esta discussão seria interminavel e nunca se chegaria a um termo positivo.
Quando ouvi apresentar este argumento em favor do projecto, digo com franqueza, que me deu vontade do rir, sr. presidente, e sabe v. ex.ª porquê? Porque o mesmo projecto da commissão diz o seguinte no artigo 3.°:
«O governo dará conta ás côrtes na proxima sessão legislativa do uso que tiver feito d'esta auctorisação, o apresentará a proposta do lei para regular os vencimentos dos empregados que temporariamente ficarem fóra dos quadros sem servir.»
Além d'isto o governo disse-nos ha pouco na reunião particular que teve comnosco, que os ordenados dos empregados publicos continuariam os mesmos sem deducção alguma até janeiro, e que só em janeiro o governo apresentaria no parlamento a competente proposta de lei para a deducção nos vencimentos, e que então se resolveria se essa deducção devia ser de metade, de um terço ou de dois terços, ou o que a camara approvasse.
Ora, se em janeiro o governo ha de apresentar ao parlamento a proposta de lei para a fixação dos vencimentos, lá vem a discussão prolongada que se quer evitar agora. Na occasião em que o governo apresentar a proposta para os vencimentos que hão de ter os empregados que ficarem fóra dos quadros, tem, e nem póde deixar de te-la necessariamente, a discussão que hoje quer evitar. A sessão deve abrir no principio de janeiro, o governo apresenta a proposta, que póde começar a discutir-se em fins d'esse mez; creio que então não serão tantos os apagadores como na actualidade, e a discussão se prolongará até talvez ao fim da sessão legislativa.
Por consequencia não aproveitamos nada com o governo ficar auctorisado a fazer taes reformas até janeiro, porque até lá não ha taes reducções, e n'essa occasião temos necessariamente a discussão (apoiados), e provavelmente discussão morosa e pausada.
A que se reduz pois o projecto do governo? A fazer a reforma ou projecto de reforma, e a apresentar em janeiro proximo uma proposta de lei para regular os vencimentos dos empregados que ficarem fóra dos quadros? Para isto não é precisa tal auctorisação, sr. presidente. Pois o governo não está auctorisado a melhorar os serviços publicos na conformidade das leis? E se o não está, precisa de auctorisação para apresentar á camara um projecto de lei, que tenha por fim reduzir os vencimentos dos empregados publicos que ficarem fóra dos quadros? De certo que não.
Por consequencia já v. ex.ª vê, e vê a camara, que não foi por estas rasões que eu votei o projecto na generalidade, e votei já na especialidade o artigo 1.°; as rasões são outras e muito outras, que não quero agora aqui dizer. Eu pedi a palavra principalmente para mandar, como já disse, para a mesa uma emenda ao artigo 2.° Mas antes de a ler, preciso dizer duas palavras, e permitta-me a camara que eu abuse talvez da sua benevolencia ainda por um pouco.
Pede o governo auctorisação para reduzir os quadros no material e pessoal, e no artigo 2.° do projecto diz assim (leu).
Eu já disse que voto o projecto, mas a emenda que remetto para a mesa é para livrar o governo de certos embaraços, de certos obstaculos, de certas difficuldades, e não só difficuldades, mas talvez até impossibilidades para levar a effeito esta tão preconisada reforma.
«Com os empregados excedentes depois do fixados os novos quadros», diz o governo; mas como é que o governo ha de fixar os novos quadros e designar nomeadamente quem são os empregados que hão de ficar dentro ou fóra dos quadros? É preciso que a camara note bem que tanto direito tem o empregado mais antigo a ficar no seu logar, como o mais moderno. Para honra dos governos d'este paiz, para honra do proprio paiz, devo dizer que todos os empregados estão legalmente, ou tenham entrado por concurso ou não, nos seus logares. Como hade o governo dizer, ficam nos quadros o primeiro, o segundo, o terceiro, até ao decimo, por exemplo, dos empregados de uma repartição — e os restantes são excedentes? Que regra ha de o governo seguir para isto? Qual ha de ser a base que ha de seguir-se para que o governo possa dizer que o numero excedente ha de ficar fóra dos quadros, e os outros hão de ficar de dentro?
Quererá o governo seguir a base da antiguidade? Mas n'este caso v. ex.ª vê perfeitamente, e vê a camara que o governo vae caír em graves inconvenientes; isto é, póde pela antiguidade preterir pessoas muito mais competentes para fazer serviço, do que outras que pela antiguidade tenham de ficar, nos novos quadros?
Ha de o governo preferir sómente aquelles empregados, que occupem os seus logares em virtude de um concurso? Mas a lei do concurso não é muito antiga, e n'este caso têem de ser despedidos todos aquelles que entraram para os seus logares antes de se estabelecerem os concursos? Injustiça ainda, sr. presidente, porque os que entraram por concurso não têem nenhum direito superior áquelle que têem os que entraram sem concurso e em virtude de leis vigentes n'esse tempo.
Ha de preferir certos empregados olhando só á qualidade ou merecimento do serviço? Mas então póde preterir individuos, que tenham muita habilidade para serviços mais importantes muitas vezes do que o que prestam na repartição, ficando nos quadros outros que, comquanto façam bom serviço na repartição, sejam comtudo apenas umas simples machinas de escripta para copiar portarias ou decretos?
Ha de o governo regular-se sómente pelos titulos litterarios que cada um tiver? Não sei; eu dou muito pelos titulos litterarios, mas nem sempre se póde dar muito por elles. Eu conheço muita gente, que tem titulos litterarios, e para quem mais honroso seria não os ter (apoiados); e conheço tambem muita gente de mais habilidade e mais competente para prestar serviços ao paiz, do que muitos que por infelicidade sua têem esses titulos. Portanto nem pelos titulos litterarios o governo póde marchar decente, rasoavel, moral e juridicamente, para designar quaes hão de ser os excedentes o os que hão de ficar nos novos quadros.
Mas suppunhamos que o governo não segue nenhum destes meios. Será pelo merito? Mas o merito é um termo muito vago, sr. presidente, e todos nós sabemos como é difficil, senão impossivel, fixar o merito de cada um. De mais as paixões politicas, o patronato, os odios e vinganças, tudo isso concorre para crear n'um individuo mais ou menos merito... e portanto é esta uma base muito impropria para o governo proceder com legalidade.
Se o governo não quer, nem póde marchar por nenhum d'estes meios, qual prefere? A sorte? Mas a sorte é cega, sr. presidente, e então a injustiça era ainda muito maior, a iniquidade subiria de ponto.
Se se póde dizer que nem pela antiguidade, nem pelo talento, nem pelos serviços, nem pelo merito, nem pelos titulos litterarios o governo póde marchar convenientemente para designar quaes são os supranumerarios, e quaes são aquelles que devem ficar, que principio, que base se ha de adoptar para esta distincção, para esta separação, para esta reducção?
E estes inconvenientes que noto, para se fazer a reducção dos quadros, são ainda maiores depois, quando se tratar de prover os logares vagos nos quadros novamente fixados, porque tem de se escolher entre os que excedem o numero do quadro.
Eu dou um exemplo, e a camara me comprehenderá perfeitamente.
Supponhamos que n'uma repartição qualquer ha 300 empregados, e que o governo entende que com dois terços d'esses empregados se póde fazer regularmente o serviço d'essa repartição.
Têem de ficar fóra do quadro 100 d'estes empregados; e pergunto agora: como ha de o governo designar nomeadamente entre os excedentes, ou supranumerarios, quaes são os que hão de ser escolhidos, sem desigualdade e injustiça, para as vagas que se derem nos novos quadros?
Se por nenhum dos meios que indiquei, o governo póde marchar com segurança, sem risco de caír na injustiça ou na iniquidade, depois, quando vagar um dos 200 logares do quadro novamente fixado, qual dos 100 que ficaram fóra ha de ser admittido?
O mais antigo? Ha os mesmos inconvenientes. O mais talentoso? As mesmas difficuldades.
(Interrupção.)
Os de melhores serviços, ouço aqui dizer; mas não é tão facil conhecer e classificar os serviços, como ao nobre deputado se antolha.
(Interrupção.)
Todos sabem quem são os mandriões e os passeantes, diz o nobre deputado; mas para esses ha uma lei organica em cada secretaria, e applique-se-lhes a pena competente. E isso é da attribuição do poder executivo, não é do legislativo. (Interrupção.)
É letra morta!!! Se é letra morta, não o seja, não o deve ser. As leis que aqui se fazem nunca devem ser letra morta (apoiados); e eu quizera não ouvir aqui, nunca devia ouvir dizer no parlamento, que uma lei qualquer é letra morta; porque, se tal succede, não é só por culpa do poder executivo, é tambem por culpa das camaras, que deviam d'isso exigir contas ao poder executivo. Mas infelizmente para este paiz a responsabilidade ministerial é uma illusão, é ainda uma phantasmagoria.
Se as difficuldades que o governo ha de ter para designar quaes são os empregados excedentes são grandes, essas difficuldades tornam-se ainda muito maiores quando se tratar de preencher as vacaturas. O governo e a camara comprehendem isso perfeitamente.
Foi á vista d'isto que me lembrei de mandar para a mesa a emenda que vou ler, emenda que me parece tirar
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ao governo todos estes attritos, todos estes embaraços, todas estas difficuldades.
Antes porém de a ler devo com toda a franqueza fazer aqui uma consideração.
Todos estes inconvenientes em que hoje nos encontrámos com referencia aos serviços publicos não se póde dizer que sejam do ministerio passado, ou de outro qualquer ministerio privativamente. Todos estes inconvenientes vem já de muito longe, de muitos annos atrás; vem desde 1834 até hoje; e querer acabar com elles de repente, de hoje para ámanhã, é impossivel e muito perigoso, perigosissimo. E se o governo quizer acabar com elles de subito, encontrará necessariamente na pratica esses perigos, que não são pequenos.
Não póde ser. Esta reducção, esta reforma a fazer nos serviços publicos deve ser morosa, muito pensada e não precipitada, de hoje para ámanhã, porque, prescindindo mesmo da grande injustiça que se vae fazer a muitos funccionarios publicos, receio muito, sr. presidente, que, reformando-se com precipitação, os serviços publicos fiquem antes prejudicados do que melhorados, em vez de simplificados confundidos, e por consequencia em vez de economias teremos desperdicios.
A idéa portanto que consignei na minha emenda é a seguinte.
A proposta de lei do governo reduz-se, no seu effeito positivo e real, a isto: o governo fica prohibido de despachar nem mais um empregado alem daquelles que o mesmo governo designar, que ficam compondo os quadros novamente formados,
Mas então, dir-se-ha, o que se ha de fazer aos outros? Atura-los como se têem aturado até hoje, porque teem direito igual aos que ficam no quadro.
Uma voz: — Não póde ser.
O Orador: — Não póde ser? Póde ser; assim como tem sido, póde ser d'aqui em diante. Eu me explico, e torno com o mesmo exemplo de ha pouco. Ha uma repartição que tem 300 empregados, 200 é que são os necessarios para o novo quadro, 100 ficam fóra. Muito bem. Os empregados que na actualidade existem continuam prestando os mesmos serviços, ou aquelles que o governo entender e for possivel. Não quero supranumerarios nem excedentes, ficam os mesmos, não se acrescenta mais nenhum aos 200 do novo quadro, e o resto fica para preencher as vagas, que só se podem e devem preencher depois de vagarem 101. Permitta-me a camara que use d'este termo, hoje muito em uso — é a reforma da caldeirinha.
Uma voz: — É morosa.
O Orador: — É morosa. Creiam v. ex.ª e a camara que não é tão morosa como parece, infelizmente para elles; em menos de meia duzia de annos temos esses logares vagos, creia-o a camara. Isto é mais moral, mais justo e igual.
Portanto notem v. ex.ª e a camara, que desde o momento em que o governo disser que em uma repartição existem 300 empregados, que 200 hão de servir no quadro e os outros 100, João, Pedro, Martinho, etc. hão de ser supranumerarios, hão de ser addidos, sabe v. ex.ª o que acontece? É que esses empregados addidos não trabalham com aquella consciencia e boa vontade que de certo trabalhavam quando eram do quadro; o serviço ha de ser feito de má vontade. Sobretudo o que ha de actuar sobre elles é a mudança de ministerios, que quasi sempre se está repetindo no nosso paiz, porque infelizmente não ha ministerio persistente entre nós. Ainda ha mais alguma cousa — ha o receio de não serem despachados para os quadros aquelles que devem ser, mas aquelles que tiverem empenhos, que tiverem grande patronato. Esta é que é a verdade.
Ora, não se sabendo quem são os excedentes, quem são os supranumerarios, e sabendo-se que as vagas irão sendo preenchidas por estes, logo que morrerem 101, muito bem; mas tudo que não for isto ha de causar grandes difficuldades ao governo, grandes atritos.
(Interrupção)
Eu bem sei que a economia é de dinheiro, e que o governo não a tira tão rapidamente, mas é mais igual, é mais justa e equitativa; porque não me admira nada que os empregados substitutos e excedentes se revoltem tambem contra a iniquidade que sobre elles se póde e ha de fazer pesar.
Mando para a mesa uma emenda ao artigo 2.°, que é a seguinte (leu).
Notem v. ex.ª e a camara, que não são precisos muitos annos para que os quadros das repartições sejam reduzidos ao numero sufficiente. Se n'uma repartição ha muitos empregados, póde não os haver em outra, e por isso os logares não hão de estar vagos por muito tempo, porque estes empregados hão de espreitar aonde ha logares vagos para requererem ser n'elles providos.
Permitta-me ainda a camara que eu diga agora duas palavras que só a mim respeitam.
Quando eu uma vez aventei aqui uma idéa para se reduzirem os ordenados dos funccionarios publicos a 50 por cento, por um anno sómente, levantou-se todo o mundo contra mim. É preciso primeiramente que se saiba que, quando eu aqui disse que os empregados publicos de certo vencimento para cima, deviam ter uma deducção de 50 por cento por um anno, nunca tive a idéa de que effectivamente isto fosse avante, porque era necessario julgar de mim muito mal para supporem que eu acreditasse fosse isto avante, porque infelizmente a maioria que está aqui é de funccionarios publicos, e desde esse momento a proposta não seria aceitavel. Mas a minha idéa era outra; era pedir muito para poder conseguir pouco ou alguma cousa.
É preciso que a camara saiba, e o governo deve sabe-lo, que no nosso paiz voga a idéa, não sei se erronea se verdadeira, quero crer que erronea, de que os empregados publicos são uns parasitas, que todo o rendimento e todo o imposto que o paiz paga é comido pela classe do funccionalismo, sobretudo pelos empregados publicos de Lisboa, sem prestar serviços.
É incontestavel que nas provincias se diz isto altamente e em toda a parte. Não digo que esta seja a verdade, digo mesmo que é uma persuasão erronea que o povo tem. Mas desde o momento em que o empregado publico tiver uma deducção, não digo de 50 por cento, mas de 10, e a camara deu uma prova quotisando-se a si propria em 10 por cento no subsidio e 50 por cento na jornada, auctorisava-se o governo para poder pedir á propriedade mais alguma cousa, e para a camara votar isso.
Desde o momento em que o governo e a camara accordassem em que aos empregados publicos se deduzisse alguma cousa temporariamente até que as finanças se organisem melhor, a camara ficava auctorisada para votar e o governo para propor com menos difficuldade e odioso uma lei de imposto; e não havia perigo em propor que a propriedade pagasse mais, porque então o povo pagava.
Esta minha idéa de 50 por cento serviu para que os jornaes escrevessem algumas vezes com muito espirito e outras vezes sem nenhum.
Mas saiba v. ex.ª que já se não falla em mim felizmente; agora o thug dos funccionarios publicos é um collega meu: é o sr. Ferreira de Mello (hilaridade). Agora pelo que se vae fazer, logo que ao governo se vote o projecto em discussão, em logar de ser a camara possidonia, ha de ser o governo possidonio (hilaridade geral). Creia v. ex.ª que eu não digo nem tomo isto como termo insultante; pelo contrario tenho-o como muito honroso. Se ser possidonio é ser amigo de economias e da boa organisação do serviço publico e principalmente das nossas finanças, honro-me de ser possidonio; a camara e o governo devem honrar-se de serem possidonios (hilaridade).
Esta é a rasão por que lancei esta idéa de 50 por cento; e saiba v. ex.ª que tenho muita honra nisso.
Depois que apresentei esta proposta de deducção de 50 por cento, é facto que se apresentaram outras que elevavam essa deducção a 60 e mais por cento.
Eu é que fui a victima expiatoria, mas comprazo-me, porque ao menos já na mente do empregado publico calou a idéa de que, attentas as circumstancias em que estamos, alguma cousa temos de fazer n'este sentido; devemos concorrer todos, sem excepção alguma, com o nosso obolo.
Eu em these, sr. presidente, defendo e sustento que o funccionario publico não deve pagar imposto algum. E sabe v. ex.ª porque?
Porque todo o imposto que se lance sobre a propriedade quem o paga em ultima analyse são os empregados publicos (apoiados).
Só por excepção, attentas as circumstancias precarias em que estamos, é que eu votaria uma deducção nos ordenados dos empregados; porque, repito, quando se vae lançar um imposto sobre a propriedade, quem o paga é o empregado publico.
Em regra o empregado não é proprietario. Aquillo que elle hoje compra por dois tostões, ha de compra-lo por um cruzado, depois de lançado o imposto sobre a propriedade, ou sobre qualquer artigo commercial. Se hoje paga dez ou vinte moedas de renda de casas, lançado um imposto á propriedade urbana, ha de depois pagar trinta ou mais; de sorte que é sempre o empregado publico quem vem a pagar mais, sem que todavia seja augmentado o seu vencimento.
Tenho abusado talvez da condescendencia da camara, sr. presidente, mas entendi que era necessario dizer alguma cousa a tal respeito, sobretudo depois que o sr. Ferreira de Mello me tirou a preferencia n'esta laboração de economias.
Não tendo outra occasião em que podesse dizer alguma cousa a respeito dos 50 por cento, entendi que o devia dizer agora.
Comprazo-me ainda mais, porque alguns empregados que estão n'esta casa já me disseram com a maior franqueza: antes o seu projecto dos 50 por cento, do que o do sr. Ferreiro de Mello, verificando-se assim o anexim portuguez: atrás de nós virá quem bons nos fará.
Não digo mais nada. Votaria todo o projecto se esta minha emenda fosse adoptada, porque me parece que ella tira o governo de grandes embaraços, colloca-o na posição de fazer mais justiça e de proceder com mais igualdade; mas vota-lo-hei tambem sem a minha emenda, porque não quero embaraçar o governo na senda de reformas que proclama, nem tambem que o paiz se queixe de que não auctorisámos os sr. ministros a melhorar a nossa situação financeira.
Agradeço a todos os meus collegas a benevolencia que me dispensaram e a attenção com que se dignaram escutar-me.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Proponho que o artigo 2.° do projecto em discussão seja substituido pelo seguinte:
Art. 2.° Fixados os novos quadros, continuarão os funccionarios, que ao presente existem, a prestar nas differentes repartições os mesmos serviços que até agora, e só serão preenchidas as vacaturas, que se derem n'esses novos quadros, depois que vagarem tantos logares quantos forem precisos para formar o numero excedente ao fixado nos mesmos quadros.
§ unico. Poderão comtudo esses funccionarios, dentro do numero excedente ao quadro fixado, ser providos em logares de outras repartições, se assim o requererem e isso convier ao serviço publico.
Sala das sessões, 13 de agosto de 1868. = M. E. da Motta Veiga.
Foi admittida.
O sr. Presidente do Conselho de Ministros (Marquez de Sá da Bandeira): — Como tenho de me retirar para a outra camara, pedia a v. ex.ª que, na primeira sessão, desse para ordem do dia o projecto sobre a distribuição dos contingentes para o exercito, e tambem aquelle que diz respeito á quantia pedida para as fortificações.
Por esta occasião renovo a iniciativa da proposta do governo, de 6 de julho de 1862, convertida em projecto de lei, na camara dos senhores deputados, n.° 104, de 17 de julho de 1862. É sobre o codigo penal militar.
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta
Renovo a iniciativa da proposta do governo, de 6 de junho de 1862, convertida em projecto de lei, da camara dos senhores deputados, n.° 104, de 17 de junho de 1862. = Sá da Bandeira.
O sr. Barros e Sá: — Requeiro que a mesa seja auctorisada a nomear uma commissão especial, para dar parecer sobre o projecto do codigo penal militar, como se fez em 1862, e v. ex.ª foi illustre membro d'essa commissão.
O sr. Freitas e Oliveira: — Mando para a mesa o parecer da commissão de marinha sobre o contrato celebrado entre o governo e o dr. Agostinho Lourenço, com uma emenda vinda da camara dos pares.
Decidiu-se que a mesa nomeasse uma commissão, composta de cinco membros, para dar parecer sobre o projecto de codigo penal militar.
O sr. Eduardo Tavares: — Sr. presidente, tinha feito tenção de não incommodar mais os meus collegas n'esta sessão com os meus arrazoados, porque, alem de prestar constante culto ao salutar principio das economias, estou ha muito convencido do que não é nem a garrulice impertinente nem a facilidade de fazer jorrar dos labios uma torrente de logares communs e de futilidades, só para depois ter o estulto prazer de as ver pavonear ufanas nas complacentes columnas da folha official, que póde conquistar para qualquer a attenção de uma camara tão illustrada como esta, nem os fóros, honras, distincções e qualidades de orador parlamentar.
Do que deixo dito já v. ex.ª poderá deprehender que só um motivo muito imperioso poderia compellir-me agora a quebrar esse proposito. Peço pois licença a v. ex.ª e á camara para o revelar, e para expor francamente a minha opinião sobre o importante assumpto, que n'este momento se discute n'esta casa. Esse motivo vou já dize-lo á camara.
Officialmente represento duas entidades. A primeira, e a que mais me honra, a de representante da nação; a segunda, que não me honra menos, a de funccionario do estado. Como deputado e como servidor da nação devo n'este momento fazer ouvir a minha voz, ainda que humilde e despretenciosa. Quero dizer ao meu paiz a minha opinião sobre o objecto grave que está na téla do debate (apoiados). Emmudecer n'esta conjunctura solemne seria mostrar-me indigno do logar com que me honraram os votos independentes dos meus constituintes, e da posição que occupo como empregado publico (apoiados).
Sr. presidente, antes de entrar propriamente na apreciação d'esta questão, seja-me licito declarar aqui muito terminantemente que o voto que dei favoravel á auctorisação que o governo nos pediu, quando se votou na generalidade, não significa de maneira alguma uma confiança cega no gabinete, aonde aliás estão alguns cavalheiros, que eu sempre tenho apoiado como ministros, e seguido e respeitado sempre como homens politicos; denota simplesmente o desejo de ir de accordo com a opinião publica, e revela o meu grande acatamento pela dos distinctos membros da commissão especial, nos quaes vejo cinco honrados progressistas, cujas opiniões são para mim de todo o ponto insuspeitas. Na questão dos escrupulos parlamentares, no caso de que se trata, eu não podia ir mais longe do que os meus illustres collegas, membros de tal commissão, os srs. Antonio Cabral de Sá Nogueira, Anselmo José Braamcamp, Joaquim Thomás Lobo d'Avila, Belchior José Garcez, e José Maria Rodrigues de Carvalho (apoiados). Desde que estes cavalheiros poderam convencer-se de que era conveniente para a causa publica conceder ao governo a auctorisação pedida, declaro que eu representaria aos meus proprios olhos um papel, não direi ridiculo, mas um pouco pretencioso de mais, em me mostrar mais meticuloso do que taes cavalheiros na concessão do voto de que se trata, sem embargo de estar convencido de que ha em tal concessão uma certa violação de preceitos constitucionaes (apoiados). Votei pois a auctorisação, principalmente para obedecer ás indicações da opinião publica. Não trato agora de apreciar se são ou não sensatas taes indicações; o que me cumpre, como representante da nação, é reconhecer, como o reconhece a camara toda, que essas indicações são filhas de um intuito patriotico, e como taes faço-lhes inteira e completa justiça (apoiados). Sr. presidente, desejo ir de accordo com a opinião publica, até mesmo nas suas exigencias exageradas, quando estas têem uma rasão de ser (apoiados), ou uma causa justificada.
A camara estará lembrada do que eu disse a respeito da classe a que me ufano de pertencer, quando aqui se discutiu aquelle malfadado projecto sobre aposentações, jubilações, terços e reformas, projecto que eu tive a honra de apoiar e defender. Tinha-se insinuado que era necessario que tal classe se prestasse a um sacrificio e que ella parecia recusar-se a elle.
Foi n'essa epocha que de todos os lados d'esta casa partiam propostas fulminantes de reducções fabulosas, com o intuito de reduzir á penuria os servidores do estado! Levantei-me então para asseverar que essa benemerita classe
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não se recusaria ao sacrificio quando lhe fosse pedido em nome da salvação publica.
Folgo de poder asseverar que me não enganei no vaticínio.
A camara sabe que, ao contrario do que aconteceu com os possuidores dos passaes e com o magesterio, quando se discutia o projecto supracitado, os empregados publicos ainda aqui não trouxeram uma reclamação sequer contra a auctorisação que muitos d'elles estão aliás convencidos poder á vir a affectados nos seus justos interesses e direitos (apoiados).
Poso dize-lo em voz bem alta. Desde que se apresentou aqui a proposta para o voto de confiança, a camara é testemunha de que nem um murmurio, nem uma queixa de tão briosa classe echoou ainda dentro ou fóra d'esta sala. Ella dá assim uma prova inequivoca da sua abnegação, patriotismo e desinteresse; e apesar do critico das suas circumstancias, não se poderá nunca dizer que por sua causa deixou de ser resolvido o grave problema das finanças do estado (apoiados).
Como arma para combater o projecto das aposentações, reformas, terços e jubilações, apresentou-se, como v. ex.ª estará lembrado, o seguinte argumento. «O estado contratou com os professores mediante certas condições, e desde o momento em que o professor não falta ao serviço a que se obrigou, tambem não é licito ao estado esbulha-lo das vantagens com que lhe ajustou esse serviço». Sr. presidente, nós tambem, pela mesma logica, desde que entramos nos empregos publicos e nos prestâmos a servir sob certas condições e vencimentos, pagando os pesados direitos de mercê, fizemos um contrato com o estado. A camara observará todavia que não aceito similhante argumento, nem quereria encobrir com elle os meus interesses puramente pessoaes. Creio que todo o funccionalismo das diversas repartições do estado estará convencido de que tal theoria é errada. Noto porém que os que assim argumentaram ainda ha pouco, não hesitaram em votar agora as reformas para os empregados! Será justo para estes o que era injusto para aquelles? Não reclamamos pois, e procedemos assim por estarmos convencidos de que o apurado das circumstancias nos obriga irremediavelmente ao sacrificio (apoiados). O que eu porém desejava era que o sacrificio não fosse só para os funccionarios, mas para as classes abastadas todas ellas aqui perfeitamente representadas (apoiados).
Quando pedi a palavra sobre a generalidade do projecto era para apresentar uma moção no sentido de tornar mais latitudinaria a auctorisação pedida pelo governo. O meu fim principal era ver se a camara votaria com o mesmo enthusiasmo, com que votou a reforma dos serviços, uma moção em que se estendia o sacrificio ás outras classes da sociedade.
Todos sabem que a salvação publica não depende só das reformas nos serviços e empregados. Se é preciso resolver desde já a questão da despeza, não o é menos resolver simultaneamente a da receita. É preciso que o ministerio tenha a coragem de dizer ao paiz esta verdade (apoiados). Pois bem, se o gabinete tem a confiança da camara; se com a concessão d'este voto do confiança está acabado o pretexto para a recusa do imposto, por parte do contribuinte; se tal voto importa o reconhecimento da aptidão dos srs. ministros para salvarem o paiz, encarregue-os tambem a camara de emprehendimento mais grandioso; incumba os desde já do complexo de medidas, de que ha de resultar a publica prosperidade. Alargue-lhes para tudo isto o voto de confiança. Era em parte o que eu propunha na minha primitiva moção. Incumba os pois da reforma dos serviços, mas ao mesmo tempo auctorise-os a realisarem quanto antes a reforma completa e acabada, e a organisação prompta das finanças do estado.
Antes de passar adiante quero dizer ao nobre orador o distincto membro d'esta casa, o sr. Mendes Leal, que tambem influiu muito no meu espirito, para votar a auctorisação, o que s. ex.ª nos disse aqui no dia 30 do mez passado, relativamente á attitude que nas actuaes circumstancias cumpria tomar em frente do governo. Disse s. ex.ª:
«Effectivamente, no periodo parlamentar que vem decorrido guardei constante silencio. Desejo que tal silencio não seja erradamente interpretado. Não foi elle arrependimento dos meus actos passados, nem quebrantamento de animo, nem sentimento de desesperança, nem sequer desengano cabal, posto que não ando já longe d'elle. Era, o é, sincera convicção de que importa, quando se organisam e multiplicam voluntarias emprezas de salvação publica, quando se afiançam novos methodos de reger a nação, quando sobretudo essas emprezas são precedidas de prólogos expressos e programmas formulados; era, repito, a sincera convicção de que, em tal caso, acautelando com a independencia do voto a integridade da consciencia, importa sobretudo deixar aos emprezarios franco o logar, livre a acção, o campo desimpedido, a fim de que possam sem estorvo e sem desculpa dar inteiro cumprimento aos programmas, fazer seguir ao prefacio a obra! Se o paiz foi illudido com falsas promessas, elle reclamará; se acreditou n'ellas sem criterio, não terá de que se queixar.»
Aceitei estas reflexões do illustrado orador; faço-as minhas, com o que muito me honro e lisonjeio.
Dizia eu ha pouco, sr. presidente, que me parecia dever dos que confiam no gabinete dar-lhe um voto ainda mais amplo, a fim de que os nobres ministros, com a confiança do poder legislativo, da corôa e do paiz chegassem até aonde fôssem capazes de os levar os seus talentos e patriotismo.
O nobre relator da commissão especial, o sr. conselheiro Lobo d'Avila, disse-nos pela sua bôca auctorisada que = as circumstancias são extraordinarias, que extraordinarios devem ser os sacrificios a fazer =. Muito bem: o sacrificio dos principios foi o primeiro que fizemos; resta agora o sacrificio dos interesses. É n'esta occasião que eu desejo appellar para o patriotismo da camara; esse sacrificio pedido em nome da salvação publica é glorioso para os que o fizerem; seja pois para todos, não seja designadamente para os empregados publicos (apoiados), aquelles que de certo menos podem carregar com elle (apoiados). Quando eu vejo uma camara, na qual estão representadas diversas classes da sociedade, tão animada do desejo sincero de salvar a patria, desejava realmente que esse enthusiasmo que ella revela nas suas ruidosas manifestações pelo bem publico, o revelasse principalmente no sentido de que todas as classes conjunctamente depositassem confiança nos srs. ministros, a fim de que as reformas que se tenham de fazer não attinjam só os interesses precários dos empregados, attinjam tambem os interesses das outras classes, os seus proprios interesses. O funccionalismo não é egoista; se o sacrificio é glorioso, não o quer só para si (apoiados).
Era por isto que, na moção que eu desejava mandar para a mesa, quando se discutia o projecto na generalidade, estabelecia o seguinte:
«É o governo auctorisado a substituir o systema actual de contribuição predial, estabelecendo, em vez d'elle, uma percentagem fixa de 10 por cento sobre todo o rendimento collectavel predial do reino e ilhas.»
Permittam-me v. ex.ª e a camara algumas considerações no sentido de explicar ou justificar esta parte de tal moção.
Sr. presidente, a contribuição predial, afóra os addicionaes, vem calculada no orçamento em 1.828:114$970 réis. Será esta a somma de contribuição predial que toda a propriedade do continente e ilhas deve pagar quando tal imposto for exigido rasoavelmente sobre bases solidas, justas e verdadeiras? Não o creio. Diz-m'o antes de tudo um facto que vou referir.
De documentos officiaes consta que a importancia dos dizimos na epocha da sua extincção orçava por 8.000:000$000 réis. O sr. Mousinho da Silveira asseverou em um notavel relatorio que a importancia dos dizimos era superior á restante receita do estado. Ora, os bens dos frades não pagavam dizimo, e dos bens seculares só o pagavam as propriedades rusticas. Tendo pois sido vendidos aquelles bens a particulares, como é que se póde conceber que toda a propriedade portugueza pague hoje, alem dos addicionaes, 1.828:114$970 réis, quando, repito, antes de 1833 só os bens sujeitos ao dizimo pagavam 8.000:000$000 réis?
Sr. presidente, pedi aqui ha tempos, que pelo ministerio da fazenda me fosse enviada uma nota da importancia de todo o rendimento predial collectavel do reino e ilhas, constante das ultimas matrizes. Essa nota veiu. A importancia é de 25.000:000$000 réis. Calculando uma percentagem fixa de 10 por cento sobre tal rendimento, teria o governo, alem dos addicionaes, um augmento n'esta contribuição de 700:000$000 réis, numeros redondos, que com os respectivos addicionaes orçaria por 1.000:000$000 réis. Seria preferivel mesmo para os contribuintes este systema de decima? Para todos, não; mas para os do circulo, que tenho a honra de representar n'esta assembléa, era, com toda a certeza.
Deu-se ultimamente, com relação á contribuição predial, um facto nos conselhos d'esse circulo, assás notavel, facto que peço licença á camara para referir, a fim de que todos se convençam das injustiças insupportaveis e das desigualdades atrocissimas a que se presta o systema de repartição, tal como actualmente existe no nosso paiz. Esse facto está confirmado com uma nota que aqui na camara requeri, pelo ministerio da fazenda, e que de lá me foi enviada em officio de 10 de junho ultimo. Pedi que se me dissesse qual a percentagem da contribuição predial que tinham pago os concelhos de Lisboa, Almada, Seixal e Cezimbra em 1866 e em 1867. Quer a camara saber quanto pagaram? Eu lh'o digo. Almada pagou em 1866, 7,760, e em 1867, 10,260. O Seixal pagou em 1866. 6,314, e em 1867, 10,380. Cezimbra pagou em 1866, 7,136, e em 1867, 10,381. Quer dizer: Almada pagou mais 2,500, Seixal mais 4,072, e Cezimbra mais 3,381.
Vejamos agora quanto n'esses mesmos annos pagou Lisboa. Em 1866 pagou 13,717, o em 1867 pagou 13,076. Em definitivo, emquanto o concelho de Lisboa pagava menos, os concelhos do meu circulo pagavam muito mais, e designadamente o do Seixal, do que haviam pago no anno anterior!
Como se póde rasoavelmente explicar isto, sr. presidente? Pelo augmento dos addicionaes? N'esse caso esse augmento deveria produzir igual effeito nas collectas dos proprietarios do Lisboa. Como é porém que estes pagaram menos do que no anno anterior, emquanto que os do meu circulo pagaram muito mais? Não comprehendo. Acaso augmentam o valor collectavel das matrizes nos tres concelhos d'elle? Mas, se assim foi, esse facto devia produzir o effeito inverso, porque todos sabem que o principio essencial da contribuição de repartição é que a collecta deve diminuir quando for maior o numero dos contribuintes. O que posso afiançar é que os meus constituintes pagaram muito mais sem que os seus haveres tivessem mais valor do que um anno antes. Esta é que é a verdade. Para elles era incontestavelmente melhor a percentagem fixa de 10 por cento, porque pagariam menos do que estão pagando, emquanto muitos outros districtos pagam infinitamente menos do que o districto de Lisboa, e especialmente alguns concelhos d'elle. Estas desigualdades e vexames urge que tenham termo.
Dêem pois os que esperam muito do governo actual um voto de confiança mais amplo, para que elle reforme tambem este ramo importante da receita do estado. Venha d'aqui a mezes resolvido, em globo, o problema gravissimo da publica prosperidade. Peça-se o imposto a quem o deve pagar.
N'essa moção tambem eu acrescentava o seguinte:
«É igualmente auctorisado o governo a reformar o systema de contribuição industrial, de fórma que tal imposto produza o que rasoavelmente deve produzir.»
«É igualmente auctorisado o governo a incluir nas disposições da contribuição industrial os possuidores dos titulos de divida publica e dos titulos de divida fluctuante.»
Resta-me justificar esta segunda parte de tal moção.
A contribuição industrial, sr. presidente, não rende quasi nada. Está muito longe de dar para o estado o que devia produzir (apoiados). Deus nos livre que se ajuize do valor das nossas industrias só pelo valor da contribuição que ellas pagam (apoiados).
A contribuição industrial orçada para 1868-1869, é inferior á orçada para 1863-1864. Em 1863-1864 foi tal contribuição orçada em 467:000$000 réis; no orçamento para 1868-1869 vem orçada em 405:000$000 réis, isto é, menos 62:000$000 réis! Vejamos agora qual tem sido o decrescimento da cobrança de tal imposto. Em 1866-1867 foi a cobrança de 345:929$903 réis; em 1865-1866 foi de 406:143$170 réis; em 1864-1865 foi de 397:812$288 réis; em 1863-1864 foi de 389:833$577 réis. Em definitiva: em 1866-1867 cobrou-se 43:903$674 réis menos do que em 1863-1864!
Sr. presidente, permittam-me v. ex.ª e a camara que eu apresente aqui, o mais concisamente possivel, opiniões que a este respeito tenho sustentado em livros que sobre o assumpto tenho por duas vezes dado á estampa. Em 1862 escrevi um livro sobre o serviço do ministerio da fazenda, e ahi apresentei alguns argumentos fundados nos dados officiaes que então pude obter, argumentos que, no meu modo de ver, provam á saciedade o que ha de anomalo na actual lei de contribuição industrial. Nas minhas horas de ocio costumo entregar-me aos estudos sobre esta especialidade, aliás arida e enfadonha. Vamos pois ao assumpto. Começarei pelo meu argumento principal.
Em 1859 o numero total de contribuintes por decima industrial nos dezesete districtos do continente do reino, era de 157:687.
Suppondo que nenhum d'elles ganhava mais de 400 réis por dia, representava cada contribuinte um capital de réis 2:920$000, que a 5 por cento produz annualmente 146$000 réis, ou 400 réis diarios.
Multiplicando pois o numero de contribuintes de então, pelo capital que cada um representava, acharemos a somma consideravel de... 460.446:040$000
Deduzindo d'esta somma o rendimento collectavel correspondente ao lucro que ella devia proporcionar ás industrias, calculado pelo juro da lei, ou 5 por cento, acharemos... 23.022:302$000
Calculando sobre esta cifra a contribuição industrial, ou 7 por cento, acharemos... 1.611:561$140
Comparando esta somma com a somma actualmente orçada como contribuição industrial para os districtos do continente, que é... 384:000$000
Acharemos uma differença contra o thesouro de... 1.227:561$140
Suppõe-se isto muito exagerado? Pois bem, reduzamos a metade, reduzamos mesmo a um terço. Ainda assim parece-me ficar exuberantemente demonstrado que o producto actual de tal contribuição está muito longe de ser o que um dia será, quando se olhar seriamente para este ramo importante do nosso systema tributario. Advirta-se que eu calculei com o numero dos collectados em 1859, numero que na actualidade deve ser muito maior, se attendermos ao desenvolvimento que as nossas industrias têem tido desde então até hoje (apoiados).
Mas prosigamos nos argumentos, ainda fundados em dados officiaes.
Pelo mappa publicado do gremio de negociantes de grosso trato em Lisboa, em numero de 213, vê-se que o total da contribuição industrial que pagaram foi, em 1861, réis 17:040$000.
Pelo mappa da alfandega grande, vê-se que o valor dos generos despachados para consumo, exportação e reexportação no mesmo anno, foi approximadamente de réis 20.000:000$000.
Supposto que este valor proporcionou aos negociantes, que com elle especularam, um lucro de 6 por cento, o que me parece ser calculo muito rasoavel, acharemos um rendimento collectavel de 1.200:000$000 réis.
Calculando sobre este rendimento 7 por cento de contribuição industrial, acharemos a somma de... 84:000$000
E todavia os negociantes de Lisboa pagaram apenas n'esse anno... 17:960$000
Differença contra o thesouro... 66:960$000
Com relação ao commercio do Porto succedeu outro tanto.
Pelo mappa do gremio dos negociantes em numero de 187, vê-se que a importancia de contribuição industrial que n'esse mesmo anno pagaram foi de 11:465$400 réis.
Pelo mappa da alfandega do Porto, respectivo ao mesmo anno, o valor dos objectos despachados para consumo, exportação e reexportação, foi de 12.000:000$000 réis.
Suppondo que tal valor proporcionou aos negociantes um lucro de seis por cento, acharemos um rendimento collectavel de 720:000$000 réis.
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Calculando sobre este rendimento 7 por cento de contribuição industrial, acharemos a somma de... 50:400$000
E todavia os negociantes do Porto pagaram n'esse anno apenas... 11:465$400
Differença contra o thesouro... 38:934$600
A camara verá, pelo que tenho dito, que ainda mesmo fazendo uma grande reducção no resultado d'estes calculos, é innegavel o que affirmei; isto é, que a contribuição industrial rende muito pouco, rende muito menos do que deverá render quando se tomar em consideração este ramo da administração economica do paiz.
Mas, sr. presidente, o que ha de mais notavel é que os negociantes das duas primeiras cidades do reino, pagaram em 1867, de contribuição industrial, menos do que tinham pago em 1861!
Vou prova-lo.
V. ex.ª estará lembrado de eu ter requerido pelo ministerio da fazenda uma nota da cifra total da contribuição industrial paga pelos negociantes de grosso trato de Lisboa e Porto em 1867. Por essa mesma occasião requeri tambem uma nota do valor dos generos despachados para consumo, exportação e reexportação nas duas alfandegas no mesmo anno de 1867. O primeiro requerimento foi satisfeito, o segundo não. Pela nota relativa ao primeiro requerimento, nota que foi enviada a esta camara com officio de 10 de junho proximo passado, vê-se que a contribuição industrial paga pelos negociantes de grosso trato de Lisboa foi de 15:957$210 réis, isto é, menos 2:002$790 réis do que pagaram em 1861; e a paga pelos do Porto foi de 9:594$986 réis, isto é, menos 1:870$414 réis do que pagaram em 1861.
Confie pois a camara tambem á aptidão do governo a reforma d'este imposto, e auctorise-o a sugeitar ás disposições d'elle os possuidores de titulos de divida fundada e divida fluctuante.
O sr. Gavicho: — Isso affectava um pouco o credito desses titulos.
O Orador: — Perdão, não affectava, porque eu não desejava que se impozesse uma deducção no juro: o que eu desejava era que os possuidores d'esses titulos tivessem o seu gremio e pagassem por aquella lucrativa industria como todas as demais industrias, muito menos seguras e lucrativas, pagam actualmente. Sr. presidente, não é justo que o imposto industrial respeite essa massa enorme de lucros, qual é o valor dos juros pagos pelo estado pela divida fundada e pela divida fluctuante, emquanto que esmaga, com deshumanidade incrivel, o desgraçado pescador que, em luta constante com a morte e com os elementos, vae arrancar ao fundo do mar a propria subsistencia e a dos seus concidadãos (apoiados).
Não é justo que o fisco dobre o joelho diante d'estes potentados do dinheiro, emquanto o governo emprehende o inicio da salvação publica, lançando á margem ou á penuria muitos empregados, que entraram para as repartições do estado na idade veril depois de terem feito grandes serviços á liberdade (apoiados).
Sobre este assumpto vou terminar as minhas considerações.
Em conclusão dellas direi não ser meu desejo que o governo assuma todas as attribuições do poder legislativo; mas, visto que a salvação do estado, que é o desideratum geral, é urgentissima e não dependo só das reformas nas secretarias e nos empregados publicos, mas tambem do prompto augmento de receita, estimaria que os proprietarios e capitalistas, que têem logar n'esta camara, ampliassem patrioticamente o seu voto de confiança até ao ponto de elle poder attingir tambem os seus proprios interesses. Nós, os funccionarios, damos o exemplo, votando a auctorisação que nos vae ferir, e prestâmos assim homenagem á opinião publica (apoiados).
Sr. presidente, agora vou mandar para a mesa a minha moção que é um additamento ao artigo 2.°, que se discute. Acompanha-la-hei de algumas reflexões. Depois terei de me dirigir ao illustre ministro dos negocios da fazenda sobre alguns pontos da reforma no ministerio a seu cargo, e desejaria que se s. ex.ª não tivesse agora ensejo para me honrar com uma resposta, tomasse em consideração o que terei a dizer-lhe, inspirado do desejo de que tal reforma honre o ministro que a referendar.
A minha moção é a seguinte:
«Additamento ao artigo 2.°:
«§ 1.° Na escolha do pessoal ter-se-ha em vista, alem do comportamento moral dos funccionarios, o seu merecimento praticamente comprovado, preferindo a antiguidade em igualdade de circumstancias.
«§ 2.° O merecimento pratico será considerado pelos documentos com que cada funccionario prove:
«1.° Ter servido com distincção e intelligencia na sua repartição;
«2.° Ter sido superiormente encarregado de quaesquer trabalhos extraordinarios ou commissões importantes;
«3.° Ter dado provas publicas de competencia no ramo de serviço em que tem sido empregado;
«4.° Ter publicado quaesquer obras ou escriptos ácerca da especialidade de serviço em que tem sido empregado.»
Para a escolha dos empregados que tivessem de ficar nos quadros, estimaria que se estabelecesse o principio do concurso, e sou insuspeito, dizendo isto, porque tenho sustentado sempre esse principio na imprensa e fóra d'ella.
Admitti-o e apoiei-o mesmo, quando o sr. Fontes, em 1866, o estabeleceu, sem embargo de o não estatuir claramente o decreto de 3 de novembro de 1860, para o provimento de um logar de primeiro official do thesouro, logar que a final ficou por prover.
Fui a esse concurso; a verdade porém é que da minha classe só tres se quizeram sujeitar a similhante prova. Digo isto, não por ostentação, mas para provar que sanccionei com o exemplo o principio que defendi. Desejava portanto que houvesse concurso entre os empregados de cada classe para a escolha dos que tivessem de ficar; mas, como se trata de estremar os melhores para o serviço, parece-me que os melhores concursos serão as provas praticas que cada um tenha dado da sua aptidão.
Sr. presidente, o meu illustrado amigo o sr. Freitas e Oliveira, no seu brilhante discurso, com uma grande parte do qual eu concordo plenamente, disse que não recearia as reformas se ellas podessem ser dirigidas só pelo espirito recto e esclarecido dos srs. ministros.
Eu digo o mesmo, e digo ainda mais. Felicito os empregados do ministerio, em que sou empregado, por terem por ministro o sr. Carlos Bento; e digo isto sem idéa de lisonjear a s. ex.ª, porque, aqui o declaro, não faço tenção de reclamar contra qualquer destino que s. ex.ª me dê, se o seu acto for justo, como seguramente ha de ser.
Disse mais o illustre deputado, a quem já me referi, que os srs. ministros não deviam tomar para cooperadores das suas reformas futuras os que tinham toda a responsabilidade das reformas aleijadas, até hoje feitas nas diversas secretarias.
Parece-me judicioso o conselho, porque não havendo lei que ordene que o serviço publico seja mal feito, evidentemente os culpados d'esse mal são muitos daquelles que o têem dirigido até hoje, e esses não têem revelado competencia, attentos os erros commettidos, para auxiliarem os nobres ministros em emprehendimento tão momentoso e importante.
Eu espero que ss. ex.ªs, pela sua intelligencia e experiencia dos negocios, saberão acautelar-se, e terão muito em vista proceder com rectidão e forrar-se á satisfação de quaesquer injustiças ou vindictas (apoiados).
O illustre deputado, o sr. Fradesso da Silveira, é apostolo incessante da descentralisação nos serviços publicos. Tambem eu a desejo sinceramente, assim como desejo que se extingam muitas tribunecas inuteis e instituições anachronicas e superfluas (apoiados).
Fallando agora de organisação do ministerio da fazenda, estimaria saber o que pensa o nobre ministro a tal respeito. Continuarão as cinco direcções geraes do thesouro, ou serão substituidas por tres grandes direcções, a da receita, a da despeza e a central?
E quanto á secretaria da fazenda? Quererá s. ex.ª conservar essa repartição anomala, sem rival no typo, com o seu quadro especial, com pretensões a ser mais considerado do que o do thesouro; mas em todo o caso com melhores ordenados para tratar exclusivamente do movimento do pessoal e dos direitos de mercê, que, sendo um rendimento publico, é ao thesouro a quem compete fiscalisar?
Tambem desejava saber se s. ex.ª julga uma necessidade a delegação do thesouro em Lisboa. O thesouro nos andares nobres delega para as sobrelojas (riso). Comprehende-se que o thesouro delegue para um districto onde elle não está, mas que delegue para o mesmo districto, que delegue do primeiro andar para a sobreloja é que não se póde admittir.
A agencia de Londres tambem me parece uma cousa inutil. O que se tem visto é que todas as vezes que o governo precisa contrahir um emprestimo em Londres, o credito da agencia fica por terra; vae-se ter com um banqueiro, e é esse banqueiro quem, sob o seu credito, levanta o emprestimo projectado (apoiados).
Tambem desejava perguntar ao sr. ministro da fazenda se tenciona conservar o conselho geral das alfandegas. Este conselho tem umas certas attribuições que podem muito bem ser desempenhadas pela direcção incumbida das contribuições indirectas, assim como tambem todas as duvidas sobre contribuições directas são resolvidas pela respectiva direcção.
Queria tambem fallar da junta do credito publico; mas, nas circumstancias actuaes, não direi nada sobre esta especie de tutela vergonhosa, que só serve para exprobrar a falta de credito dos governos! (Apoiaãos.)
Da procuradoria da fazenda teria tambem alguma cousa que dizer, sem desejar de modo algum offender o cavalheiro que dirige aquella repartição.
Creio que ella não está bem organisada, porque a verdade é que, a despeito da melhor vontade, e do serviço e do muito aturado trabalho dos individuos que fazem parte d'aquella repartição, o que é certo é que processos importantissimos se demoram ali por muito tempo, independentemente de todas essas circumstancias, com grave prejuizo das partes e do thesouro.
Com respeito ao serviço dos inspectores de contribuições tambem ha que organisar. Não entendo que deva haver inspectores permanentes em circulos determinados, porque isto equivale a prevenir um recebedor, por exemplo, de que um certo individuo ha de ir ali fiscalisar os seus actos.
Na minha opinião o serviço fiscal é n'este caso muito melhor feito por surpreza, mandando o governo, n'uma occasião dada, os empregados que julgar mais habilitados para o desempenho d'esse importante serviço (apoiados).
Desejava tambem que os delegados do thesouro tivessem mais garantias de estabilidade do que têem actualmente.
Todos nós temos observado que as influencias eleitoraes aspiram a tirar força áquelles empregados. Ha muitos casos que eu não quero referir, mas que confirmam esta minha asserção.
Ainda mais — entendo que devia acabar um systema, que ha no nosso paiz, de estarem ás vezes os fundos do governo depositados nos bancos, de modo que o governo, quando precisa dinheiro, saca sobre os bancos.
Estimaria antes que o governo tivesse os seus capitaes disponiveis, e emquanto o estão, na thesouraria do ministerio da fazenda, porque não supponho que esta repartição tenha menos credito do que um estabelecimento bancario, ou que os capitaes tenham ali menos segurança do que n'uma repartição do estado.
Antes de concluir permitta-me a camara que eu diga tambem alguma cousa sobre os vencimentos dos empregados menores, principalmente do ministerio da fazenda. N'este ministerio um continuo tem mais vencimento do que um amanuense de 2.ª classe, e tanto como um amanuense de 1.ª classe. E é preciso que v. ex.ª saiba (sem querer com isto fazer injuria a nenhuma classe) que entre os continuos ha officiaes de diversos officios e até sachristães, e entre os amanuenses ha bachareis formados. De modo que um individuo que consumiu parte da sua vida em aprender a tocar um sino tem maior remuneração n'uma repartição do estado, do que um outro que consumiu a sua mocidade estudando nas escolas superiores e habilitando-se para o serviço (apoiados).
Mais duas palavras; eu desejo a descentralisação por muitos motivos. Diz-se, por exemplo, que o primeiro acto do actual sr. ministro do reino foi assignar a licença para uma tourada! Ora isto é realmente ridiculo. Casos analogos na insignificancia se passam nos restantes ministerios; mas para se ver as inconveniencias da centralisação actuai de certos serviços direi que se o illustre prelado de Vizeu chegasse ao governo um mez antes teria sido obrigado pelo dever do seu cargo, um principe da igreja lusitana! a assignar a licença para que a formosa franceza fizesse exposição publica da perna e do braço nú! (Riso.) Horror! Quem teve occasião de ir admirar aquelle prodígio da creação sabe que estou dizendo a verdade pura no que assevero.
Vou terminar. Peço desculpa á camara por lhe ter tomado tanto tempo, e agradeço-lhe a benevolencia com que se dignou escutar-me. Voto a auctorisação ainda por um motivo mais. Sendo empregado do estado não desejaria que alguem suppozesse que a rejeitava com receio de que podesse prejudicar-me, honrando e respeitando em todo o caso o procedimento dos illustres deputados que, sendo funccionarios, votaram contra, procedimento de certo determinado por nobres motivos, e pela circumstancia de encararem a questão por uma fórma diversa d'aquella por que eu a encarei.
Tenho concluido.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
(O orador foi comprimentado por muitos dos seus collegas.)
Leu-se na mesa a seguinte
Proposta Additamento ao artigo 2.°:
§ 1.° Na escolha do pessoal ter-se-ha em vista, alem do comportamento moral dos funccionarios, o seu merecimento praticamente comprovado, preferindo a antiguidade só em igualdade de circumstancias.
§ 2.° O merecimento pratico será considerado pelos documentos com que cada funccionario provê:
1.° Ter servido com distincção e intelligencia na sua repartição;
2.° Ter sido superiormente encarregado de quaesquer trabalhos extraordinarios ou commissões importantes;
3.° Ter dado provas publicas de competencia no ramo de serviço em que tem sido empregado;
4.° Ter publicado quaesquer obras ou escriptos ácerca da especialidade de serviço em que tem sido empregado. = Eduardo Tavares.
Admittida.
O sr. Presidente: — Em virtude da auctorisação que a camara deu á mesa, para a nomeação da commissão especial, ella nomeia para essa commissão os srs. general Magalhães, Garcez, José Paulino, Barros e Sá e Alvaro Seabra.
O sr. Ministro do Reino (Bispo de Vizeu): — Tem a discussão sido larga sobre o objecto que nos occupa, e nem admira isso, porque a materia é grave, e a larga vida parlamentar que eu aqui tive deu exemplo de que quando se apresenta um voto de confiança ao governo ha sempre resistencias fortes, e toda essa repugnancia, e toda essa opposição é justificada. Confesso isso, porque é verdade.
Esta proposta é um voto de confiança ao governo, não se lhe póde chamar outra cousa; mas não foi por sua vontade que o governo pediu este voto de confiança á camara. Quando elle tomou conta do poder, toda a gente sabe o que se dizia, e o que aconselhavam muitos dos orgãos da imprensa. Dizia-se que não havia salvação senão por uma dictadura; que por uma dictadura é que havia de chegar o remedio heroico para os males que soffremos; e o governo, não obstante, entendeu que a dictadura não remediava nada; entendeu que devia reunir a camara extraordinariamente, e apresentar-se diante d'ella expondo-lhe a gravidade das circumstancias em que nos achâmos. Effectivamente é necessario que trilhemos o caminho das reformas, e se ellas se não derem não digo que a nossa existencia perigará pela pressão dos acontecimentos externos, mas pela anarchia do paiz.
A camara viu que em janeiro passado tres leis de uma alta importancia, discutidas todas largamente e com placidez, filhas da convicção do governo que então estava nestas cadeiras, e da camara que as votou, no meio de representações de todo o paiz, contra ellas; a camara viu que tres leis gravadas com o cunho de toda esta uncção, que podem dar os poderes publicos, produziram acontecimentos que obrigaram esse governo a caír, e levaram o governo que lhe succedeu a revoga-las. Um parlamento fe-las, e um governo revogou-as com o assentimento do paiz. Isto viu-se, e isto não se póde nem se deve repetir, porque é um grave symptoma de desorganisação publica.
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O mal não estava no ministerio passado que propoz, nem na camara que votou essas leis, porque votou aquillo que entendeu em sua consciencia ser mais util para o paiz (apoiados).
É preciso fazer justiça a todos, e um dos males que nós soffremos na actualidade é não fazer justiça a todos (apoiados).
Estes factos não se podem, nem devem repetir, torno a dizer, e nós devemos concorrer para que elles se não repitam (apoiados).
O que é certo é que nós temos 15.000:000$000 réis a 16.000:000$000 de receita e 22.000:000$000 réis de despeza. Ora este estado é que não póde continuar (repetidos apoiados). Toda a camara o sabe.
O paiz quer e está disposto a fazer sacrificios; mas quer tambem que se reduza a despeza o mais que é possivel reduzir-se (apoiados). É tambem n'este sentido que se tem pronunciado e a imprensa.
Mas se isto é assim, e se o governo tem de viver com a opinião publica, ha de satisfazer a todas estas necessidades imperiosas, que tornam problematica a existencia de todos os poderes publicos.
Quem nos diz que ás leis que nós votarmos aqui não succederá o mesmo que se deu com as que foram revogadas em janeiro? E isto que nós devemos evitar. Se as necessidades publicas estão formuladas tão simplesmente, parece-me que o governo e a camara devem pôr todos os meios ao seu alcance e concorrer para a satisfação d'essas necessidades (apoiados).
O governo não veiu pedir á camara esta auctorisação por seu bel-prazer, porque o governo conhece, e os srs. deputados conhecem, tambem as graves difficuldades em que se ha de encontrar.
E não são só as difficuldades em que fallou o illustre deputado quanto á classificação dos empregados, depois da reorganisação dos quadros; estas são as menores; ha outras de maior importancia.
Todos fallam em reformas e as proclamam; mas ninguem as quer por sua casa (apoiados). Os interesses creados gritam, e gritam muito alto (apoiados).
Com o paiz acontece o mesmo quando se lhe pedem tributos.
O paiz dá de barato todo o governo que não lhe peça tributos (apoiados), e nós precisâmos pedi-los (apoiados).
Se o paiz quer viver, se quer ser independente, se quer ser nação, ha de pagar mais (apoiados). Mas para exigir tributos é necessario justifica-los (apoiados). É necessario que possamos dizer e provar que o serviço publico não é luxuoso; que se faz com o menor numero de braços possivel, e que não ha esbanjamentos na fazenda publica (apoiados).
Traz isto difficuldades? Traz e não pequenas, e os illustres deputados tanto as reconheceram, que consideraram esta auctorisação restricta, e queriam da-la mais ampla. O governo é que a não quer.
Todos pedem reformas e indicam as que ha a fazer.
Um dos illustres oradores que tomaram uma parte importante n'esta discussão, o sr. Fradesso da Silveira, a quem muito respeito, indicou uma serie de reformas, e eu concordo com muitas dellas; mas disse logo que não se podiam fazer em quatro mezes, e de mais a mais com uma auctorisação tão restricta. Tudo isso era muito bom; mas é possivel? Podemos nós adiar o lançamento de novos tributos alem da sessão ordinaria de 1869? Não podemos (apoiados).
Se o governo dissesse que podia fazer desde já todas as reformas que os illustres deputados indicaram, mentia á sua consciencia, e faltava ao que deve ao paiz, porque não é possivel em tão pouco tempo reformar todo o serviço publico. Mas ha de ir até onde podér, e ha de soccorrer-se de todas as intelligencias, de todos os homens que têem gasto a sua vida na pratica d'esse serviço; ha de chamar o auxilio de todos os filhos d'esta terra, porque a resolução do problema interessa a todos (apoiados).
E aqui não ha bandeira, não ha exclusivismo; ha só o pensamento de salvar o paiz, porque temos um abysmo diante de nós, e não podemos nega-lo, não podemos deixar de o ver (apoiados).
Aceito o pensamento do sr. Motta Veiga — não se póde fazer tudo de um jacto. O fiat lux é só para Deus. Mas por não se poder fazer tudo de um jacto, havemos de ficar privados de encetar ò caminho e de marchar até onde podermos? (Apoiaãos.) Não por certo; e parece-me que a camara se deve convencer de que se o governo principiar no bom caminho, isso basta para restabelecer a confiança publica (apoiados).
As difficuldades hão de ser muitas, bem o sabemos, mas hão de reconhecer que a primeira victima d'essas difficuldades não é a camara que dá este voto, é o governo que o aceita (apoiados).
Alguns srs. deputados fallaram aqui no grande perigo que havia em dar este voto ao governo. Parecia-lhes que viam pairando sobre o paiz o phantasma de uma tyrannia, suppunham que acabava a liberdade, e exclamavam que = queriam todas as economias menos a da liberdade =.
Isto não póde ser, e creio que os proprios srs. deputados que fallaram d'este modo não têem medo do tal phantasma da tyrannia (apoiados).
Nós de 1834 para cá temos tido umas poucas de dictaduras, e ninguem tremeu diante dellas, e os principios liberaes parece-me que em logar de serem cerceados por ellas alargaram muito mais a sua area (apoiados).
Portanto, não estamos em epocha de ter medo de tyrannias; receiar ou fallar hoje n'um tyranno em Portugal, dá vontade de rir (apoiados).
Eu estou persuadido de que nenhum dos deputados que votaram contra ou a favor do voto de confiança teme que o governo exerça uma dictadura feroz, e que vá atacar os direitos de algum cidadão portuguez. Parece-me que nos fazem essa justiça (apoiados).
Poderemos enganar-nos no caminho a trilhar; podemos não chegar por falta nossa ao termo que a camara deseja, mas não póde haver receio de que appareça essa tyrannia (apoiados).
Os mesmos srs. deputados que votaram contra negam o voto, mas os seus discursos mostram a necessidade d'elle; os proprios discursos contra o voto de confiança mostraram a necessidade que havia d'esse voto (apoiados).
Podiam não ter confiança n'estes ministros, mas a necessidade do voto não poderam deixar de a reconhecer (apoiados).
Diz-se: «Este voto é uma censura feita ao parlamento, porque é mostrar que o parlamento não é capaz de fazer as reformas».
Não, senhores. Eu convenço-me de que o parlamento é capaz de as fazer. Tenho confiança bastante nos principios, nas instituições liberaes e no nosso machinismo constitucional, para me convencer de que elle é um instrumento capaz de satisfazer a todas as nossas necessidades sociaes (apoiados).
Mas a questão não é esta, a questão é de tempo, e da necessidade de, na sessão seguinte, começarmos a marchar no verdadeiro caminho, e estarmos habilitados para pedir ao paiz os sacrificios necessarios, não digo para saldar as contas e acabar com o deficit, mas para melhorar o estado da fazenda publica, porque a final a questão toda é de fazenda (apoiados).
Ha quasi trinta annos que eu ando por estes bancos, e sempre vi a idéa das reformas. Cada ministerio que entrava cada reforma que se emprehendia. Uns pediam auctorisação para reformar o serviço A, outros para reformar o serviço B. outros para reformar as secretarias, uns para isto, outros para aquillo, e o resultado era que todos andavam a reformar e a divida a crescer (riso). (Vozes: — É verdade.)
Eu não questiono aqui se os serviços A ou B estão ou não bem organisados, mas de que todos têem consciencia é que o serviço se póde fazer mais barato, e para isso é preciso simplifica-lo e descentralisa-lo (apoiados). Nós temos muitas estações, e é preciso reduzi-las, porque se podem reduzir, e acabar mesmo com algumas (apoiados).
Dizem alguns srs. deputados: «O governo com esta auctorisação não póde ir muito adiante; a reforma ha de ser acanhada e mesquinha, porque o governo por este voto de confiança não fica habilitado para proceder rasgadamente.»
O governo entende o contrario d'isto; o governo entende que com esta auctorisação póde chegar bastante longe, e não precisa d'ella em mais larga escala. A questão é de tempo. Se nós podérmos decretar a simplificação de todos os serviços dependentes de todos os ministerios, já se vê que podemos ir muito longe, e já se vê tambem que não podêmos reduzir e simplificar os serviços sem atacar e alterar as leis que os regulam (apoiados). Esta é a verdade, e se não fosse assim, o voto de confiança não significava nada (apoiados). Nós não vimos pedir á camara um voto de confiança para enganar o paiz, nem a camara; o nosso pensamento é reformar e simplificar os serviços dependentes de todos os ministerios, alterando as leis que os regulam no sentido da conveniencia publica, e com o proposito de fazer melhorar esse serviço e obte-lo o mais barato que for possivel; porque, repito, o governo tem a consciencia, como a camara, de que o serviço publico se póde obter mais barato (apoiados). Estes são os motivos que levaram o governo a pedir á camara esta auctorisação, e a camara vota-lha ou não, segundo entende que é ou não necessario a satisfazer a esta necessidade publica.
Não posso seguir agora passo a passo todas as considerações que apresentaram os illustres deputados, nem me parece necessario, porque julgo a camara illucidada sobre o assumpto; limito-me pois a responder a alguns dos pontos mais essenciaes em que o illustre deputado tocou.
É necessario que o governo se explique e diga todo o seu pensamento, porque as declarações que fizer prendem-no moralmente; é isto tão necessario, como é necessario na proxima sessão dar conta ás côrtes do que houver feito. São duas provas por que o governo tem de passar n'esta questão; a primeira é esta, explicar-se para obter o voto de confiança, a segunda é quando tiver de dar conta ás côrtes; essa ha de lhe trazer uma trovoada mais temorosa (riso).
O pensamento do governo é na reforma das diversas repartições publicas, e repartições publicas não se entende só as secretarias d'estado, são todas as repartições do reino, dividir os serviços publicos em secções, segundo a sua natureza. Para se avaliarem esses serviços é necessario ir buscar o termo medio dos ultimos quatro ou cinco annos; depois de achado esse termo medio, e avaliado o numero e importancia dos negocios tratados n'esse periodo, é que se deve proceder á reforma da repartição, marcando-lhe os braços que se julgarem indispensaveis. Depois de fixados os quadros ordinarios, com estes é que o serviço ha de ser feito. Os empregados que sobejarem ficam em quadros extraordinarios.
Eu entendo que se o governo conseguir isto, se alcançar a organisação dos quadros ordinarios e extraordinarios, e se o serviço principiar a ser desempenhado só por aquelles, tem-se dado já um grande passo no caminho das economias (apoiados).
Agora vem aqui os principaes argumentos, as principaes duvidas do illustre deputado, o sr. Motta Veiga. Como se ha de regular esse serviço, que vencimentos hão de ter os empregados que ficam fóra dos quadros, como se hão de separar os diversos empregados em dois quadros, e como hão depois tornar a entrar os que ficam fóra dos quadros ordinarios.
Em primeiro logar o governo compromette-se, ou por um artigo da lei, ou por outra qualquer maneira, do modo mais solemne, perante a camara e perante o paiz, a que não seja provido um unico logar com individuos estranhos emquanto houver empregados extraordinarios (muitos apoiados).
O governo compromette-se solemnemente a isto, porque sem isto a reforma seria nulla, seria inutil, e era impossivel (Vozes: — Muito bem.)
Creio que esta declaração deve ser do agrado da camara (muitos apoiados).
O sr. Motta Veiga: — E os vencimentos dos extraordinarios?
O Orador: — Já lá vamos; hei de responder a todos os seus quesitos; respeito muito o illustre deputado pelo seu talento e qualidades; mas, apesar de o respeitar muito, não quero para nós, governo, o titulo a que o illustre deputado se referiu (riso). Com a interpretação que lhe dão não o quero, nem para nós, nem para a camara.
Emquanto a vencimentos, o governo entendeu que devia conservar os actuaes vencimentos a todos os empregados que ficarem fóra dos quadros, isto até á proxima sessão legislativa (muitos apoiados). Não sei se este pensamento será aceito pela camara, mas creio que sim (apoiados).
Pois o governo havia de matar á fome tantos empregados que estão nos seus logares tão legalmente como outros quaesquer? Pois haviamos do fazer consistir as nossas reformas em matar á fome tantos individuos que estão á sombra da lei? (Vozes: — Muito bem, muito bem.)
Isto não podia ser.
O governo discutiu muito sobre qual era o meio de saír d'estas difficuldades; combinou a final no que eu já disse, isto é, em organisar os quadros ordinarios com o numero de braços restrictamente necessario para o serviço, licenciando os empregados extraordinarios, conservando porém a estes os seus vencimentos até que as côrtes legislassem n'este ponto, e só n'esta ultima parte é que o governo não pediu o voto de confiança, porque se tratava de um direito sagrado, e relativamente a este assumpto entendeu que era melhor compartilhar a responsabilidade com a camara. Bem lhe basta ao governo o resto do voto de confiança!...
Qual é o principio que o governo quer seguir? Porque o governo foi aqui interpellado por cavalheiros de todos os lados da camara, e por differentes modos.
Os srs. deputados estão no seu direito, fazendo todas as perguntas que entenderem, mas nós é que não podemos dar resposta conveniente a todas ellas.
Qual é o principio que o governo se propõe seguir na separação dos empregados? O merito? A antiguidade? Estas duas circumstancias combinadas uma com a outra? Fazem-se estas perguntas, e o sr. deputado que as faz é o primeiro que encontra difficuldades qualquer que seja o principio que se adopte.
Tambem o governo as encontra, e não podia deixar de assim ser; mas nós havemos de saír d'aqui, porque não ha difficuldade que não tenha uma solução.
O nobre deputado, ou a camara, convencer-se-ha de que o governo quer o arbitrio para sacrificar alguem? Creio que não (apoiados). Creio que farão essa justiça ao governo.
Pergunta-se tambem: os quadros ordinarios que se hão de estabelecer hão de ser de gente valetudinaria, ou de gente que trabalhe? Creio que devem ser de gente que trabalhe.
Ora, eu pergunto á camara e ao nobre deputado, que apontou esta difficuldade, se não é para isto que é mais preciso o voto de confiança?
O sr. Motta Veiga: — E eu dou o voto de confiança.
O Orador: — Ha de fazer-me a justiça de acreditar que n'este ponto é que elle é mais preciso.
Como hão de entrar outra vez, é outra pergunta que foi dirigida ao governo, os empregados que tem de volver aos quadros?
A questão toda está em não se despachar mais ninguem emquanto existirem esses empregados. Desde que isto se fizer, e o governo, depois de fazer esta declaração, ha de cumpri-la; desde que se não despache mais ninguem, é claro que os que ficam fóra dos quadros hão de ir tendo cabimento, porque a caldeirinha, como disse o nobre deputado, ha de infelizmente ir sempre cumprindo a sua triste missão.
Mas nós havemos de vir a um accordo, e nós, aceitando o voto de confiança, reconhecemos que esta é a parte mais melindrosa.
O governo ha de respeitar os direitos adquiridos, quanto for possivel, e ha de seguir os principios da justiça. Nós não queremos victimas. Bem bastam os attritos que hão de levantar muitos interesses creados.
O governo reconhece todos os embaraços com que tem de lutar, e não é por seu bello prazer que assume esta responsabilidade; mas reconhece tambem que isto é uma grande necessidade, e se o é para nós é-o tambem para a camara votar n'este sentido.
Todos nós somos arrastados pela fatalidade das circumstancias em que nos achâmos, e a camara reconhece de certo que é necessario trabalharmos para quanto antes sairmos da crise que atravessâmos (apoiados).
Não sei se serão precisas mais explicações, mas entendo que pela minha parte satisfiz quanto estava ao meu alcance a todas as indicações que se apresentaram.
Vozes: — Muito bem, muito bem.
(S. ex.ª não reviu o discurso.)
O sr. Motta Veiga: — Como não sei se a moção de or-
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dem que mandei para a mesa tem a nota de emenda ou de substituição, devo declarar que a considero como emenda.
O sr. Presidente: — Quando uma moção de ordem não é classificada pelo seu auctor pertence á camara classifica-la.
O sr. Motta Veiga: — Eu classifico-a como emenda.
O sr. Arrobas: — Não obstante haver votado a favor d'esta auctorisação na sua generalidade e no artigo 1.°, não quero com isto indicar que tenha confiança politica no actual governo, antes pelo contrario, a continuada desharmonia de idéas que se manifesta a cada instante entre os diversos membros do gabinete fazem com que n'elle não possa haver confiança.
Não proclame pois o governo que os cem votos que obteve n'esta auctorisação sejam a representação da confiança do parlamento (apoiados). Eu votei esta auctorisação por ser da maior urgencia a satisfação de uma vehemente reclamação da opinião publica. A reducção rasoavel nas despezas publicas não se podia adiar por mais tempo, e o parlamento não podia estar tambem por mais tempo aberto. Votava por isso esta auctorisação a qualquer governo. Se este governo usar bem da auctorisação, bem merecerá do paiz; se não fizer assim, o parlamento corrigirá brevemente os seus erros, e o governo cairá em novembro.
Eu preferia uma auctorisação ainda mais larga, para ser ainda maior a responsabilidade do governo perante o paiz.
Não queria deixar pretextos para desculpar as reformas insignificantes e mesquinhas. O governo porém não aceitou esse alargamento de auctorisação, e acoberta o seu verdadeiro intento com a coarctada de que em tão pouco tempo não é possivel reorganisar todos os serviços publicos.
Ora, sr. presidente, a auctorisação, como eu a queria, não impunha ao governo a obrigação de tudo reorganisar em dois mezes, mas deixava-o livre de escolher, sem excepção, de entre os serviços publicos tudo aquillo que julgasse mais urgente e conveniente de reorganisar, para que as reducções sejam tão productivas quanto for possivel, e as circumstancias do paiz reclamam.
Pelo modo por que está redigida esta proposta de lei, na parte já votada, eu não sei qual será o resultado, porque vejo que o governo não tem pensamento determinado e fixo.
Cada um dos membros do gabinete, que tem fallado, diz sua cousa differente.
O sr. presidente do conselho diz na camara dos pares, que nos districtos se não ha de tocar nem no exercito.
O sr. bispo de Vizeu acaba de nos dizer que ha de tocar nas leis organicas dos serviços, para que as reducções sejam possiveis e convenientes, e parece indicar intenções de largos córtes, que me parecem incompativeis com as idéas do sr. marquez de Sá.
O sr. ministro da marinha diz-nos que o governo não ha de ir tocar nas leis organicas dos differentes serviços, e que ha de tocar sómente nas repartições dependentes do executivo.
O sr. Carlos Bento, esse fallou uma hora, porém pela minha parte nada lhe percebi, nem creio que elle mesmo poderia dizer-nos o que podia colligir-se das suas palavras sobre o alcance que o governo tenciona dar a esta auctorisação.
É sempre o mesmo em tudo, este governo, divergencia de opiniões, onde só com homogeneidade se póde viver; o sr. bispo de Vizeu propõe-se a cortar largamente; o sr. ministro da marinha promette pouco, e só nas repartições dependentes do executivo; o sr. Carlos Bento, esse nada nos diz, e faz bem; e o sr. marquez de Sá, esse não consente que se toque no exercito, nem na divisão administrativa.
Vamos pois continuar a ter em um paiz tão pequeno cinco tribunaes de 2.ª instancia, não contando a militar.
Vamos pois continuar a ter cinco escolas de medicina; quatro academias de mathematica e uma immensidade de lyceus que não satisfazem.
Não basta simplificar, em muitos casos é necessario supprimir completamente; mas esta auctorisação não o comporta.
Vejo por tudo isto que o governo tem um só pensamento, que é armar á popularidade e ao imposto, sem nada fazer de serio.
O governo quer recorrer ao imposto, e para isso adopta uma phantasmagoria de economia, porque sem economias o paiz resiste ao imposto.
Preparem-se pois os não poderosos, que hão de ser as victimas d'este expediente.
Haverá meia duzia de victimas, officiaes de secretaria e amanuenses, e nada mais; e isso mesmo ha de ser sem systema nem harmonia de ministerio para ministerio das differentes repartições.
O pensamento é um só — illudir a desconfiança publica; e por isso haverá mesquinhez, e talvez mesmo reducções contraproducentes.
Uma cousa vejo eu já n'este genero, no que acaba de dizer o sr. ministro do reino, e é que os empregados, que ficarem a mais dos quadros, hão de ser dispensados do serviço publico, continuando a receber uma parte dos seus vencimentos.
Em primeiro logar isto é anti-economico; o governo vae assim gastar improductivamente algumas centenas de contos do réis.
Pagar a quem não trabalha e póde trabalhar é cousa que se tem visto por abuso, mas que só agora se quer arvorar em principio legislativo.
Uma voz: — Já ha empregados que recebem os seus ordenados sem apparecerem nas repartições.
O Orador: — Ha, e todos nós os conhecemos, e tambem os ha que accumulam vencimentos por diversos serviços e empregos, sem desempenharem nenhum d'elles; mas até aqui tem isso sido por abuso, agora porém vae isso ser consignado como um direito legal e positivo.
Em segundo logar acho barbaro e iniquo ir reduzir os vencimentos de bons servidores do estado, que já não estão a tempo de mudar de vida, e que soffrerão consideravelmente com a reducção, sem culpa sua, visto que tendo hoje familia e despezas obrigatorias, creadas á sombra da boa fé que deve sempre haver nas leis, de repente se veem reduzidos, quando pela carestia geral já grande reducção soffreram com a inalterabilidade dos ordenados fixados ha muitos annos, e quando a vida era barata.
Os mandriões, e que não tenham familia, esses lucram com a medida, porque lá vão desfructar o suor do contribuinte no meio do ocio.
Ora, sr. presidente, para que é ir assim irreflectidamente na onda d'este odio contra o funccionalismo, que ha hoje tão grande e injusto, como d'antes foi contra os frades.
Agora só escaparão os militares, porque têem a força na mão; porém mais tarde tambem a sua vez ha de chegar. Nenhuma classe de funccionarios resiste a fazer o sacrificio necessario á sua patria; mas é atroz essa exigencia, quando só tiver por fim armar á popularidade. Grandes desperdicios por um lado, 100:000$000 réis para as illusorias fortificações, 117:000$000 réis para Tancos, muitas faculdades de medicina e de mathematica desnecessarias, muitas relações, muitos emprestimos em condições irrealisaveis, e isto para não ferir caprichos pessoaes na questão dos passaes; e lá estão os pobres empregados que soffram privações para encobrir uma parte minima d'estes desperdicios, lançando poeira aos olhos.
Pois não ha tantos serviços ainda não começados e indispensaveis, em que se podiam empregar esses empregados que ficam a mais dos quadros?
Onde estão entre nós os trabalhos estatisticos devidamente organisados?
Nada: é melhor que os empregados passeiem. E como hão de ser escolhidas as victimas?
O sr. ministro do reino diz-nos que = ha de ser a aptidão para os diversos serviços o principio para a escolha dos que ficarem nos quadros =; era melhor dizer mais laconicamente = o arbitrio do governo =.
E aquelles que fizeram serviço na guerra da liberdade, e que por isso entraram para os diversos quadros, hão de ser as primeiras victimas, porque estão velhos, e porque ultimamente se exigem mais habilitações do que d'antes, para a admissão nas repartições publicas.
É por estas rasões que eu voto contra este artigo, redigido como elle está; mando para a mesa uma emenda, que tem por fim dispor que os empregados a mais dos quadros fiquem addidos ás suas repartições respectivas, sem prejuizo dos seus ordenados; e um additamento para que seja expressamente prohibida a nomeação de pessoal não pertencente aos addidos para as vacaturas dos quadros, emquanto houver individuos d'esta classe.
O sr. ministro do reino acaba de declarar que fará publicar um decreto prohibindo as nomeações a não ser nas condições que eu indico; mas isso não é já expediente novo, mas é logo violado em seguida, porque o decreto que faz a nomeação tem força para revogar n'essa parte qualquer outro decreto anterior que dispozesse em contrario. O governo não ha de certo aceitar este additamento, porque não quer as leis claras; é systema sabido para depois haver direito a resolver pró ou contra, sempre com a lei na mão; porém o paiz ficará conhecendo esses informadores e as suas intenções. Pois aqui é que estava a verdadeira economia, porque em muito pouco tempo teriam entrado para os quadros os empregados addidos, e sem isso o governo actual ou os que se lhe seguirem hão de fazer nomeações de fóra e o quadro extraordinario dos que recebem sem trabalhar ha de ser eterno. É logico com o que em tão pouco tempo já tem feito este governo.
Suspensão das obras de estradas principaes quando estamos a entrar na estação das chuvas; e começo das illusorias fortificações; votação dos passaes na presença e sem opposição do sr. ministro da fazenda; e oito dias de esforços posteriores do mesmo governo para annullar essa votação, porque lhe é contrario o sr. ministro do reino, bispo de Vizeu.
Haverá victimas, porém não as verdadeiras e convenientes economias de que o paiz carece. Essas centenas de empregados da companhia do tabaco que, não obstante não serem empregados publicos quando acabou o monopolio, passaram por equidade a ficar addidos ás repartições publicas como empregados do estado. Agora muitos já entraram para os quadros, e talvez agora vão prejudicar os antigos empregados do estado.
Eu não fiz perguntas ao governo, sobre o systema que elle tinha tenção de seguir na reorganisação dos serviços, muito de proposito, porque sei que o governo não tem systema nenhum sobre tal objecto, e porque entendo que fazia um mau serviço ao meu paiz n'este caso, porque, dadas as respostas ao acaso e sem fundamento pelos srs. ministros, julgar-se-íam elles obrigados por estas impensadas opiniões, e seria o serviço quem soffresse. Nem o tempo permitte que eu agora proteste contra algumas asserções que ouvi aqui.
Entre ellas porém não posso resistir a dizer de passagem, que me não conformo com o que disse aqui o sr. ministro da marinha, com relação ás construcções navaes. S. ex.ª chamou archeologicos aos navios de madeira, e indicou a impossibilidade de termos navios couraçados.
A sciencia ainda não disse a ultima palavra com relação á supremacia d'estes sobre aquelles navios de guerra; porém a nós é que pouco deve importar isso por emquanto; não temos recursos para pensar por emquanto em ter marinha de guerra que defenda as nossas costas e proteja o
nosso commercio nos portos estrangeiros; mas podemos e devemos te-la propria para o serviço das colonias, e essa deve ser de navios pequenos e da maxima velocidade; para que são necessarias as couraças — para perseguir negreiros ou contrabandistas? São pessimos para isso os encouraçados, o que se quer são navios muito velozes, que possam chegar-se bem á terra, e mesmo entrar nos rios, e fazendo a menor despeza possivel.
Tambem não ouvi aventar rasão alguma para que o ministerio da marinha seja separado do das colonias; porque, sendo o serviço da nossa marinha de guerra quasi na sua totalidade o serviço de marinha colonial, haveria grande inconveniente em separar para dois ministerios serviços que tão intimamente se acham ligados.
O sr. Latino Coelho foi de opinião que a mudança de uma direcção de um ministerio para outro é cousa de mero expediente; mas eu digo pelo contrario que é negocio puramente e gravemente legislativo, e que não deve ser feito com precipitação.
Emfim, a camara quer votar, e eu suspendo o muito que tinha a dizer.
Quando o governo trouxer á camara a sua obra fallarei largamente no que elle fizer e no que deixar de fazer.
Não posso comtudo deixar de dizer que não me deixou muito cheio de admiração pelo governo a declaração que fez o sr. ministro do reino, de que tendo sido aconselhados para assumirem a dictadura, quizeram antes viver com a camara, e chamaram o parlamento.
O menor inconveniente de que o governo quiz fugir assumindo a dictadura foi o decretamento da creação de inscripções para vender, e depois uma grande mesquinhez de reducções nas despezas, a par dos desperdicios de Tancos e das fortificações, e isso matava immediatamente o governo.
Parece-me pois que houve mais utilidade n'este caso para os ministros do que abnegação da sua parte.
O sr. Visconde dos Olivaes: — Requeiro a v. ex.ª, sr. presidente, que consulte a camara sobre se quer ou não que a sessão se prorogue até se concluir a discussão e votação d'este projecto.
O sr. Presidente: — Consulto a camara sobre o requerimento do sr. deputado.
A camara resolveu que se prorogasse a sessão.
O sr. Faria Barbosa: — Requeiro que se consulte a camara sobre se a materia do artigo 2.° está ou não sufficientemente discutida.
O sr. Presidente: — Consulto a camara.
Julgou-se a materia discutida.
O sr. Santos e Silva (sobre o modo de propor): — Peço a v. ex.ª, sr. presidente, que se sirva declarar quaes os srs. deputados que estavam inscriptos, e não chegaram a fallar.
O sr. Presidente: — Estavam inscriptos os srs. Klerck, Pereira Dias, Mardel, Fortunato de Mello, Mathias de Carvalho, Calça e Pina, Limpo de Lacerda, Teixeira Marques, Faria Barbosa, Gavicho, Santos e Silva, e Ferreira de Mello.
Os srs. deputados que tenham a apresentar algumas propostas, podem manda-las para, a mesa.
O sr. Mardel: — Mando para a mesa uma proposta.
O sr. Klerck: — Mando para a mesa uma proposta.
O sr. Seixas: — Tambem mando para a mesa uma proposta.
O sr. Presidente: — Vae votar-se o artigo. Foi approvado.
E em seguida foram rejeitadas varias propostas e outras estavam prejudicadas. Entrou em discussão o Artigo 3.°
O sr. Rolla: — Mando para a mesa um additamento a este artigo.
Creio que é uma cousa que entra em duvida — se as auctorisações concedidas ao governo são limitadas de uma para outra sessão legislativa ou de uma para outra legislatura, ou mesmo se essas auctorisações chegam a passar de umas legislaturas para as outras.
Eu tenho ouvido varias opiniões; e tenho ouvido até dizer a alguns cavalheiros, que já foram ministros, que fizeram uso d'essas auctorisações mesmo sem ser no intervallo das sessões.
Por consequencia mando para a mesa este additamento.
Vozes: — Não é preciso.
O additamento é o seguinte:
Additamento
A auctorisação concedida ao governo por esta lei caduca com a reunião das côrtes ordinarias na proxima sessão legislativa. = Gilberto Rolla.
Foi admittido.
O sr. J. T. Lobo d'Avila: — A commissão, quando apresentou o seu parecer, entendeu que a auctorisação caducava na proxima sessão, e que o governo tinha então que dar contas do uso que d'ella fizesse (apoiados).
O sr. Rolla: — Eu pedia a v. ex.ª que convidasse o governo a declarar se aceita a declaração feita pelo sr. relator da commissão.
O sr. Ministro da Fazenda: — Declaro que estou de accordo.
O sr. Rolla: — Então desisto da proposta.
O sr. Presidente: — Como não ha mais ninguem inscripto, ponho o artigo 3.° á votação.
Foi approvado.
Artigo 4.° — Approvado.
Additamento proposto pelo sr. Abranches — Prejudicado.
O sr. Secretario (José Tiberio): — Como ainda não deu a hora, póde v. ex.ª, sr. presidente, consultar a camara sobre se quer dispensar o regimento, como foi pedido por
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parte da commissão, para se discutir o parecer das commissões de marinha e obras publicas, com relação á alteração feita pela camara dos dignos pares ao contrato celebrado entre o governo e o dr. Agostinho Vicente Lourenço.
O sr. Presidente: — Consulto a camara.
A camara resolveu que se dispensasse o regimento, e entrasse em discussão o parecer.
O sr. José de Moraes: — Já que a camara me não deu attenção da primeira vez que se discutiu este projecto, ao menos dê attenção a algumas palavras que vou agora dizer. Quando este projecto veiu á camara e entrou em discussão, combatí-o com o fundamento de que, tendo-se o contrato feito em praça publica, a camara dos srs. deputados não podia fazer-lhe innovações, como lhe fez, alterando a cifra de 500$000 réis para 100$000 réis; e combati-o bem porque o precedente era horroroso, e podia servir de argumento para outros contratos.
Esta camara não quiz dar attenção á minha idéa; mas felizmente a camara dos dignos pares, approvando uma emenda ao projecto que foi d'esta casa, fez com que o contrato voltasse á praça, e então o emprezario ou contratador, conhecendo a má posição em que estava, dirigiu um requerimento á camara dos dignos pares, em que dizia que, visto a camara propor que o contrato fosse novamente á praça, por isso que se havia alterado o preço do contrato, estava prompto a dar os 500$000 réis de renda, que era a Somma que se tinha estipulado. Portanto, hoje estou no mesmo terreno votando contra as alterações que a camara fez ao contrato, e que não podia fazer. Felizmente repito, a camara dos dignos pares obstou a essa iniquidade, a essa injustiça.
Uma voz: — Ordem, ordem.
O Orador: — Estou na ordem, e estou dizendo a verdade, porque, por mais de uma vez quando se discutem certos contratos que dizem respeito a certas pessoas, tenho visto saltar por cima das condições, que nos contratos se tinham estabelecido, isto para proteger os emprezarios, o que é uma grande immoralidade, e isto dava-se tambem no caso presente.
Uma voz: — Aqui não se votam immoralidades.
Outra voz: — Votos, votos.
O Orador: — Tenho ainda a palavra e os apagadores não podem tirar-m'a; antes de a ter podem-m'a tirar, depois de a ter não podem obstar a que eu use d'ella.
Torno a repetir, é necessario que de uma vez para sempre se seja rigoroso com os contratos feitos bom o estado, a fim de que os emprezarios os cumpram fielmente, porque sou deputado velho, e o que tenho visto sempre n'esta casa é depois dos contratos feitos vir pedir-se que se conceda uma certa protecção aos contratadores, e protecção ás vezes a mais vergonhosa.
(Interrupção do sr. Gama, que se não percebeu.)
É por isso que eu digo que é necessario pôr um termo a este systema de estar na camara a alterar contratos e a beneficiar os contratadores; mas felizmente digo ao illustre deputado que ainda houve na camara dos dignos pares quem obstou a este escandalo...
O sr. Presidente: — O sr. deputado tem a palavra para impugnar ou defender o parecer, mas parece-me que não deve usar palavras que possam ferir a susceptibilidade da camara.
O Orador: — Agora já não tenho mais nada a dizer.
O sr. Bandeira de Mello: — Peço que se leia o parecer da commissão; é uma frisante resposta ao sr. José de Moraes.
Vozes: — Votos, votos.
Leu-se na mesa o parecer da commissão de obras publicas, que será publicado quando entrar de novo em discussão, tiver a approvação da camara.
O sr. Presidente: — Já não ha numero na sala, e portanto este negocio fica para a sessão seguinte.
A ordem do dia para segunda feira é a mesma que vinha para hoje, e mais os projectos n.ºs 10, 11 e 12.
Está levantada a sessão.
Eram quatro horas da tarde.