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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ausentar, porque creio que é chamado á outra casa do parlamento, a fim de assistir á discussão, e continuar com o discurso que hontem interrompeu. Mas na ausencia de s. ex.ª vejo-me embaraçado, porque tenho de fazer algumas considerações que lhe dizem directamente respeito.

(Pausa.)

Pedia uma manifestação da camara a este respeito, porque não desejo dirigir-me a s. ex.ª em sua ausencia...

Muitas vozes: — Falle, falle.

O sr. Presidente: — O sr. deputado não tem necessidade de manifestação alguma da camara. O governo está presente e o sr. deputado póde continuar o seu discurso.

O Orador: — Eu continuo; e direi que continuo, mesmo porque posso dar uma outra direcção ás minhas idéas. Dirigir-me-hei especialmente ao novo governo, qualquer que ella seja, que vae succeder a este.

Uma voz: — Sim. Este está morto.

O Orador: — Quero pedir lhe providencias para o estado em que o paiz se acha; e para que se não repitam actos tão escandalosos como aquelles de que já fiz a narração em parte (apoiados).

Dizia eu que em Vouzella a opposição tinha resolvido cumprir a lei, e não obedecer ao ukase da commissão recenseadora, em que iam conniventes as auctoridades e seus agentes. Mas vejamos agora a ultima parte do plano com que se queria derrotar a opposição.

Poucos dias antes da eleição disseram-me que em Vouzella e em algumas das freguezias vizinhas d'aquella villa se fazia uma propaganda terrivel contra mim, levantando-me mil calumnias, e que era conveniente que eu não passasse por ali. Eu julgava-me tão superior ás calumnias, tinha tanta confiança no senso publico, que entendi que tudo aquillo era tempo perdido, e nunca suppuz que podesse desenvolver se nenhuma animosidade real contra mim. Ainda não havia muitos dias que eu tinha passado e estado em Vouzella em perfeito socego, e por isso acreditei que quizessem lançar mão do terror como trica eleitoral, e nada mais.

Entendi, porém, depois do facto que vou contar, que não devia continuar a passar por Vouzella antes da eleição para não dar pretexto a exaltações, reservando-me o direito de passar depois, porque eu entendia que podia passar por toda a parte (apoiados).

Na quarta feira antes do dia da eleição soube-se que um cavalheiro da opposição d'aquelle concelho, um clerigo illustrado, honrado e estimado por toda a sua freguezia, Ricardo José da Maia, tinha sido insultado em Vouzella e ameaçado de morte. Immediatamente uma commissão de cavalheiros da opposição de S. Pedro do Sul e de Oliveira de Frades dirigiu se a Vouzella a pedir providencias ao administrador do concelho para que se evitasse a repetição d'aquellas violencias. Respondeu-se-lhes que o homem que fizera as ameaças e insultára, estava embriagado, e que por essa circumstancia não tinha sido preso...

Vozes: — Mais uma rasão.

O Orador: — E que a assuada não valêra nada. Note a camara quaes eram os preparativos e as medidas da auctoridade.

É certo, porém, que a esse tempo entendeu o presidente da commissão de recenseamento de Vouzella que devia requisitar tropa para manter a liberdade da uma. É notavel isto, a opposição em Vouzella pedia tropa. Tem-se aqui arguido o governo por ter mandado tropa para diversas localidades. Pois em Vouzella era a opposição que pedia pelo amor de Deus lhe mandassem tropa e não lh’a deram.

(Interrupções.)

O officio do presidente da commissão de recenseamento foi entregue ao governador civil em tempo competente. Mas ha mais. Na vespera da eleição, uma senhora d'aquella localidade, esposa de um cavalheiro da opposição, o sr. Arnaldo Barbosa Soares, escrevia afflicta a outro cavalheiro de Vizeu, pedindo-lhe que fosse ter com o governador civil implorando-lhe pelo amor de Deus que mandasse tropa, pois que seu marido corria risco de ser assassinado.

A carta foi lida ao governador civil...

O sr. Francisco Mendes: — É verdade.

O Orador: — E nem assim, tendo antes recebido a requisição legal, deu providencias nenhumas. Desculpou-se dizendo que não tinha tropa para mandar.

Vozes: — Mas tinha-a para o Carregal e para Arganil.

O Orador: — Mas vejamos se esta desculpa era verdadeira.

O illustre deputado o sr. Luiz de Campos requereu a nota dos soldados que estavam promptos para o serviço em Vizeu n'esse dia. Tenho aqui a nota, e por ella se vê que no dia 7 havia 154 soldados promptos para o serviço, e no dia 8 havia 114. Mas alem d'isto estava em Vizeu um destacamento de 18 praças de cavallaria. Commente a camara tudo isto; eu só apresento os factos (apoiados).

Chego agora ao ponto em que tenho immensa repugnancia de fallar. Refiro-me aos factos passados em Vouzella no dia da eleição. Eu quereria esquecer-me d'elles, menos por mim, do que pela terra onde se deram, terra que faz parte do meu circulo; porque eu vangloriava-me até hoje de representar aqui um circulo que se distinguia pela sua moderação, pela sua prudencia e pelo seu acatamento á lei.

Eu sinto que não esteja presente o sr. presidente do conselho, porque queria usar para com s. ex.ª do argumento que s. ex.ª já aqui usou, que para avaliarmos a situação dos outros nos devemos collocar na situação d'elles (apoiados).

(Com exaltação.) Eu queria ver s. ex.ª em Vouzella...

Peço perdão; eu não o queria ver lá (apoiados. — Vozes: — Muito bem.), isto foi um devaneio de phrase. Mas se s. ex.ª estivesse em Vouzella no dia 9, como eu estive; se tivesse ali a srª marqueza d'Avila, como eu tinha lá minha irmã; se tivesse lá seu sobrinho, como eu tinha meu cunhado; ouvisse uma assuada infernal; visse aquella turba infrene correndo sobre s. ex.ª, como correram sobre mim e meu cunhado, aos gritos — morra, morra; se visse depois a multidão encaminhar-se para a casa onde minha irmã estava com quatro creanças, e, julgando que eu ainda lá estava, começar a bradar — vamos lá dentro, mata-se tudo, deita-se o fogo á casa; acontecimentos que fizeram sobre minha irmã tal impressão que, quando depois a encontrei, parecia que tinham passado dez annos de existencia por sobre aquella cabeça.

(Grande sensação na camara.)

Se s. ex.ª visse tudo isto, eu queria saber se s. ex.ª vinha aqui dizer que não tinha havido nada em Vouzella, e perguntar se tinha havido muito sangue (com grande exaltação), juntando assim á affronta o escarneo.

Muitas vozes: — Muito bem, muito bem.

O Orador: — Eu tinha estado na assembléa da villa de S. Pedro do Sul, tinha ali assistido a uma grande parte do acto eleitoral, tinha visto correr a eleição regularmente e sem questões na presença do administrador, que se manteve dentro dos limites da lei. Sou insuspeito, porque de mais a mais o candidato do governo teve ali perto de 100 votos de maioria.

Saí d'ali tranquillo, e querendo recolher a minha casa, lembrei-me de passar por Vouzella, e em Vouzella suppunha eu que estava o acto eleitoral adiantado. «A estas horas, dizia eu commigo, estará a acabar; tudo o que se disse, inventou-se unicamente para fazer effeito; posso sem receio passar já hoje por Vouzella».

Perguntei a um cavalheiro d'aquelles sitios, o sr. Jacinto Malafaia, que acabava de chegar ali, vindo de Trancoso n'um carro, se queria vir commigo até Vouzella, eu continuava o meu caminho para casa, e elle ficava lá. Havia dois dias que eu não sabia nada de Vouzella, e queria tambem saber como estava a minha familia.

O sr. Malafaia promptamente accedeu, e com o maior socego partimos, confiados unicamente nas nossas conscien-