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CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

SESSÃO EM 3 DE MAIO DE 1864

PRESIDENCIA DO SR. CESARIO AUGUSTO DE AZEVEDO PEREIRA

Secretarios os srs.

Miguel Osorio Cabral

José de Menezes Toste

Chamada — Presentes 62 srs. deputados.

Presentes á abertura da sessão — Os srs. Affonso Botelho, Vidal, Soares de Moraes, Ayres de Gouveia, Quaresma, Brandão, Gouveia Osorio, A. Pinto de Magalhães, Mazziotti, Mello Breyner, Pinheiro Osorio, Pinto de Albuquerque, Magalhães Aguiar, A. V. Peixoto, Palmeirim, Barão do Rio Zezere, Abranches, Almeida e Azevedo, Bispo Eleito de Macau, Cyrillo Machado, Almeida Pessanha, Cesario, Domingos de Barros, Poças Falcão, Fernando de Magalhães, Fortunato de Mello, Barroso, Abranches Homem, Diogo de Sá, Ignacio Lopes, Borges Fernandes, F. L. Gomes, F. M. da Costa, F. M. da Cunha, Henrique de Castro, Sant'Anna e Vasconcellos, Mendes de Carvalho, J. A. de Sousa, Fonseca Coutinho, J. J. de Azevedo, Sepulveda Teixeira, Albuquerque Caldeira, Calça e Pina, Mello e Mendonça, Neutel, Figueiredo Faria, Costa e Silva, Frasão, Menezes Toste, José de Moraes, Batalhós, Julio do Carvalhal, Camara Falcão, Martins de Moura, Alves do Rio, Manuel Firmino, Sousa Junior, Murta, Pereira Dias, Miguel Osorio, Placido de Abreu, Ricardo Guimarães, Thomás Ribeiro e Visconde de Pindella.

Entraram durante a sessão — Os srs. Adriano Pequito, Garcia de Lima, Annibal, Abilio, Carlos da Maia, Arrobas, Fontes Pereira de Mello, Lopes Branco, A. de Serpa, Zeferino Rodrigues, Barão de Santos, Barão da Torre, Barão do Vallado, Garcez, Freitas Soares, Albuquerque e Amaral, Beirão, Carlos Bento, Ferreri, Pinto Coelho, Almeida Pessanha, Claudio Nunes, Bivar, Izidoro Vianna, Gaspar Pereira, Pereira de Carvalho e Abreu, Guilhermino de Barros, Blanc, Gomes de Castro, João Chrysostomo, Nepomuceno de Macedo, Aragão Mascarenhas, Joaquim Cabral, Torres e Almeida, Simas, Matos Correia, J. Pinto de Magalhães, Faria Guimarães, Lobo d'Avila, Ferreira da Veiga, José da Gama, Sette, Fernandes Vaz, Luciano de Castro, J. M. de Abreu, Casal Ribeiro, Alvares da Guerra, Sieuve de Menezes, Oliveira Baptista, Mendes Leal, Levy Maria Jordão, Camara Leme, Freitas Branco, Affonseca, Rocha Peixoto, Mendes Leite, Pinto de Araujo, Monteiro Castello Branco, Rodrigo Lobo d'Avila, Moraes Soares, Fernandes Thomás e Teixeira Pinto.

Não compareceram — Os srs. Braamcamp, A. B. Ferreira, Sá Nogueira, Correia Caldeira, Antonio Eleutherio, Gonçalves de Freitas, Ferreira. Pontes, Seixas, Lemos e Napoles, Antonio Pequito, Pereira da Cunha, David, Barão das Lages, Oliveira e Castro, Conde da Azambuja, Conde da Torre, Cypriano da Costa, Drago, Coelho do Amaral, Fernandes Costa, Gavicho, Bicudo Correia, Pulido, Chamiço, Cadabal, Gaspar Teixeira, Medeiros, Silveira da Mota, Mártens Ferrão, Costa Xavier, Ferreira de Mello, Coelho de Carvalho, Rodrigues Camara, Galvão, Infante Pessanha, Alves Chaves, D. José de Alarcão, Latino Coelho, Rojão, Silveira e Menezes, Gonçalves Correia, Alves Guerra, Sousa Feio, Modesto, Charters, Simão de Almeida e Vicente de Seiça.

Abertura — Á uma hora da tarde.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

1.° Uma representação dos academicos da universidade

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do Coimbra, pedindo que se lhes conceda perdão de acto, em consequencia do nascimento do Principe herdeiro da corôa. — Á commissão de instrucção publica.

2. Da camara municipal da Figueira da Foz, pedindo a revogação da carta de lei de 12 de agosto de 1856. — Á commissão de obras publicas, ouvida a de administração publica.

3.º Dos empregados na companhia dos trabalhos braçaes da alfandega grande, pedindo que sejam alliviados do pagamento da decima parte dos seus vencimentos. — Á commissão de fazenda.

4.º Dos moradores das freguezias de Panascoso e Abobreira, pedindo que se discuta e approve o projecto de lei n.° 66. — Á commissão de estatistica.

O sr. Secretario (Miguel Osorio): — Está sobre a mesa o parecer da commissão diplomatica, apresentado na ultima sessão, sobre a proposta do governo, para se approvar o tratado entre Portugal e a Prussia.

Fica sobre a mesa, assim como o tratado, para poder ser examinado pelos srs. deputados.

O sr. Presidente: — Os projectos n.º 43 e 46 foram á commissão de guerra para lhes dar a ultima redacção, em consequencia de propostas que vieram para a mesa durante a discussão.

Vae ler-se o parecer da commissão, sobre a proposta offerecida no projecto n.° 43.

É o seguinte:

PARECER (PERTENCE AO N.° 43)

Senhores. — A commissão de guerra examinou a proposta que, durante a discussão do projecto n.° 43, foi apresentada pelos srs. deputados Faria Guimarães e F. M. Cunha, para que o artigo 1.° do mesmo projecto fosse substituido pelo seguinte:

«As disposições da carta de lei de 30 de janeiro do corrente anno são extensivas aos sargentos ajudantes, sargentos quarteis mestres e primeiros sargentos dos corpos de primeira linha e guardas municipaes de Lisboa e Porto, que tivessem esses postos em quaesquer epochas anteriores a 27 de junho de 1847 e posteriores a 1834, e que d'elles tivessem baixa por politica, ou fossem amnistiados.»

A commissão, considerando que esta substituição só tem por fim estender o beneficio d'este projecto de lei aos sargentos das guardas municipaes de Lisboa e Porto, e que comquanto, a commissão os não julgue nas mesmas condições dos sargentos do exercito, concorda em que sejam incluidos na lei, addicionando-se-lhe a circumstancia de haverem servido no exercito; e com este additamento é de opinião que seja approvada a proposta.

Sala da commissão, 23 de abril de 1864. = Augusto Xavier Palmeirim = Placido Antonio de Cunha e Abreu = João Nepomuceno de Macedo = Antonio de Mello Breyner = Francisco Maria da Cunha = Fernando de Magalhães Villas Boas.

O sr. Poças Falcão: — Não quero combater o parecer da commissão, mas pedir explicações sobre algumas palavras que elle contém.

O parecer da commissão approva a emenda do illustre deputado Faria Guimarães, que tem por fim fazer extensivas as disposições do artigo 1.° do projecto aos sargentos das guardas municipaes de Lisboa e Porto. Mas se porventura, houver alguns sargentos que não estejam nas circumstancias da emenda deixará de lhes ser applicavel a lei?

Desejava que a commissão se explicasse sobre se, havendo alguns sargento, que estejam nas circumstancias mencionadas na proposta do sr. Faria Guimarães, mas que não pertencessem ás guardas municipaes de Lisboa e Porto, podem ser comprehendidos n'esta lei.

D'essa maneira alguns que estejam nas mesmas circumstancias deixarão de ser comprehendidos só porque não tinham passado para as guardas municipaes, e isso é uma injustiça.

Portanto parece-me que a proposta do sr. deputado Faria Guimarães se deve generalisar a todos que estiverem nas mesmas circumstancias.

O sr. Faria Guimarães: — Pedi a palavra para dar uma explicação ao sri deputado que acabou de fallar.

A minha proposta não altera em cousa alguma a generalidade do projecto; comprehende todos os sargentos que serviram no exercito, e que até 1847 foram demittidos por motivos politicos ou amnistiados; mas como no parecer da commissão não se faltava nos sargentos das guardas municipaes de Lisboa e Porto, e só dos sargentos dos corpos de linha, e visto alguns d'estes terem passado para as guardas municipaes; foi essa a rasão por que fiz a minha proposta.

Diz a commissão que — concorda que sejam comprehendidos com a declaração de que tinham passado do exercito para as guardas municipaes; quer dizer, ao individuo que sentou praça nas guardas municipaes, como paisano, e ali passou a sargento, não lhe aproveita esta lei; mas para os que passaram do exercito para as guardas municipaes, para esses o que pedi que fossem extensivas as disposições desta lei, e neste sentido é que a commissão apresentou o seu parecer.

O sr. José de Moraes: — Vejo pelo parecer que se discute que as disposições da carta de lei de 30 de janeiro ultimo devem ser extensivas tambem aos sargentos das guardas municipaes de Lisboa e Porto que tiverem servido no exercito.

O sr. Faria Guimarães: - São só dois ou tres.

O Orador: — Se o illustre deputado me podesse certificar, debaixo da sua palavra de honra que eram só dois ou tres, eu votava a favor do projecto; mas ha de permitir-me que lhe diga que quando se tratar de incluir no orçamento a verba para se, pagar áquelles a que se refere o illustre deputado, talvez que o numero de dois ou tres se eleve a vinte ou vinte e cinco.

O sr. Faria Guimarães: — Está enganado.

O Orador: — Bem vejo que o illustre deputado advoga a sua causa, e eu combato-a, porque ainda que o parecer da commissão diz que = só serão attendidos os que tiverem servido no exercito =, não sei quantos são nem em quanto importa a despeza; e ninguém m'o póde dizer.

O que vejo é que os projectos que vem a esta camara para melhoramentos e cabimentos de reformas, em vez de se restringirem, ampliam se sempre, e não sei onde iremos parar com estes alargamentos, com estes beneficios que as circumstancias do thesouro não permittem; e, se permittissem, devia primeiro fazer se justiça a outros credores do estado que têem mais direito, mais justiça e mais rasão do que estes.

Pedi a palavra para emittir a minha opinião, porque quando não fallo logo dizem: «Fulano calou-se»; apesar de votar contra, e ainda exigem que falle! Não sei para que; porque, por mais que eu falle, os projectos vão passando; a despeza vae se augmentando; e não sei, repito; onde iremos parar. Sei que a minha voz é uma voz clamando no deserto; mas em conclusão, voto contra o parecer.

O sr. Castro Ferreri: — Eu sigo a opinião do meu illustre collega e amigo, o sr. José de Moraes, porque entendo que pugna sempre pelos interesses do thesouro, e que se oppõe quanto pôde a esta liberalidade prodigiosa que continuamente a camara está fazendo, porque a uma medida qualquer, por mais circumscripta que seja, dá-se lhe depois uma tal latitude e uma tal elasticidade que espanta Vão descortinar todos os individuos que pertenceram ao exercito em differentes epochas, e para onde foram e aonde estão, para os abranger n'esta medida. Aquelles de que se trata não passaram do exercito para as guardas municipaes na qualidade de sargentos, acabaram o tempo de serviço, deram baixa, e depois foram alistar-se nas guardas municipaes aonde seguiram os postos; eram portanto paizanos, e mesmo d'antes os officiaes das guardas municipaes eram de commissão, não tinham patentes, e só desde 1851 para cá é que foram considerados como officiaes do exercito. Uma grande parte delles passaram da situação de paizanos para tenentes e capitães. O que observo á camara é que se continuarmos neste caminho não ha receita, não ha impostos que cheguem.

Na realidade é necessario ter muita coragem para estar todos os dias a pugnar n'esta casa a favor da fazenda publica. Infelizmente somos poucos que constantemente sustentamos a doutrina de que pão é possivel augmentar successivamente os encargos que já pesam sobre o thesouro.

É necessario, repito, ter muita coragem para insistir constantemente que não haja este esbanjamento dos dinheiros publicos, porque isto infallivelmente ha de vir a recaír sobre a propriedade e sobre as industrias. Os illustres deputados não têem duvida em votar 10:000$000 ou 20:000$000 réis de augmento de despeza; mas pergunto, como já o outro dia o fiz quem é que paga esse augmento? E o paiz.

Depois hão de vir os emprestimos, depois hão de vir os juros, depois lá está a propriedade para carregar com essa despeza, ou então ha de vir uma occasião em que o governo não tenha meios com que pagar a ninguem.

Outro dia instei por uma divida sagrada, e todos sabem que não costumo propor augmento algum de despeza, mas era unicamente para se dar ás classes inactivas de não consideração o que era de direito, o que era de justiça, porque não era outra cousa mais do que a restituição do que se lhe devia; e que aconteceu?

A minha proposta foi mandada á commissão de fazenda, e já ouvi dizer ao sr. Blanc que a commissão se achava muito embaraçada n'este ponto, porque o orçamento não podia com mais augmento. Não era uma generosidade que eu solicitava, era uma restituição do que se lhes deve. (apoiados). Quando uma lei manda que se lhes pague integralmente, não é um beneficio, não é um favor, como este que se quer fazer, sem direito, nem justiça, nem mesmo equidade; é um dever, uma divida e o cumprimento da lei.

Ha pouco tempo votou se n'esta casa um projecto de lei para se beneficiar os sargentos que serviram na junta do Porto, e disse-se por essa occasião que a despeza que teria de se fazer por esse projecto era insignificantissima; e quer v. ex.ª saber emquanto importa? Em 16:000$000 réis, e ainda irá a mais. Não contentes os illustres deputados com isto, querem até que aos sargentos que serviram não guardas municipaes, individuos que tiveram a soa baixa do exercito porque a pediram; se vá dar o posto de alferes, mandando os para veteranos, com os respectivos vencimentos; de maneira que vamos ter tres exercitos de officiaes pelo menos. Parece que estamos n'um paiz ideal; montes de oiro succedem uns a outros, e não sabemos que destino se lhe a ha de dar. Isto é impossivel proseguir assim.

Estou inteiramente convencido de que se os illustres deputados consultassem as suas consciencias por um momento, e reflectissem um pouco, haviam de ver que este systema em que ha muito tempo se prosegue não póde continuar. A camara viu que já outro dia um illustre deputado Veiu aqui apresentar um projecto para se conceder o mesmo beneficio aos officiaes e sargentos que serviram no batalhão de Alcobaça, e amanhã hão devir os do cerco do Porto e todos os outros que estão no mesmo caso, e que fizeram na Verdade grandes serviços ao throno e á liberdade

Eu quizera que todos os illustres deputados, que vem aqui propor medidas d'esta ordem, as pagassem da sua algibeira; Isto é, que as suas propriedades fossem consignadas para esse fim; e se fosse empregado, que os seus ordenados tivessem aquelle destino; assim não estariam a esquadrinhar quantos sargentos ha, têem havido e ha de haver, para lhos conceder este beneficio: O que receio é que as despezas subam a tal ponto, que não se possa depois satisfazer a cousa alguma. Portanto voto contra todos estes augmentos, e voto contra, porque não acho justiça nenhuma nestas ampliações. Voto sómente por despezas que sejam productivas, e cujas vantagens o paiz sinta, apalpe e experimente.

Hontem quando combatia a subvenção de 30:000$000 réis que se concederam de puro beneficio ao banco ultramarino, pedi ao illustre relator d'aquelle projecto quizesse dar-me algumas explicações ácerca de alguns pontos para mim duvidosos, e que careciam ser esclarecidos. A camara viu que, logo que o illustre relator o sr. Levy pediu a palavra para esse fim, houve immediatamente um requerimento para se julgar a materia discutida; assim se decidiu, e votou-se sem ao menos se prestar a devida homenagem aos principios da discussão.

Já se vê que é preciso muita dedicação para se fallar em similhantes assumptos, quando se não presta a menor attenção, e quando ás rasões mais solidas e aos argumentos os mais concludentes se retribuo com indifferença, e mesmo com o desdém.

Já nos annos anteriores reputava este systema mau e de pessimas, consequencias, mas agora vejo que o progresso leva-o muito e muito alem.

O sr. Affonso Botelho (para um requerimento): — Estamos proximos a tratar um negocio de summa importancia para o paiz, especialmente para o paiz que tenho a honra de representar, e faço justiça á camara de que ella quererá tratar este assumpto com a maior imparcialidade.

A commissão de vinhos está incompleta; faltam lhe dois membros, e não tem no seu seio pessoa interessada no commercio do Douro, senão eu; e portanto peço á camara que se digne nomear para aquella commissão ou o sr. Joaquim Pinto de Magalhães ou o sr. barão das Lages ou o sr. Guilhermino de Barros, pessoas que têem conhecimento da materia de que se vae tratar, visto que a commissão não tem em si pessoa interessada na lavoura do Douro senão eu.

O sr. J. A. de Sousa: — Peço a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia do parecer n.° 43 sufficientemente discutida.

Não houve vencimento.

O sr. Presidente: — Continua a discussão, e tem a palavra o sr. Mello Breyner.

O sr. Mello Breyner: — Parece-me que não é agora occasião de se tratar se estes individuos têem ou não têem direito; a occasião tinha sido mais propria quando se votou a lei de 30 de janeiro deste anno; hoje parece-me que não o é.

De que se trata n'este projecto? Trata-se de estender o principio consignado n'aquella lei a individuos que tinham ficado fóra do beneficio que essa lei concedeu.

A camara attendeu as propostas e emendas que foram feitas por occasião da discussão do projecto n.° 43; mas mandou-as á commissão de guerra quasi para as redigir, e não para dar sobre ellas parecer; e foi o que a commissão fez.

O meu illustre amigo, o sr. José de Moraes, faz bem em votar contra este additamento, porque votou contra o principio; mas a camara é que não pôde fugir a approvar esta emenda, porque, de mais a mais, posso asseverar á camara que não serão mais de quatro individuos a quem este beneficio aproveita.

Parece-me pois que a camara deve, por um acto de justiça, approvar este additamento.

Não havendo mais quem tivesse pedido a palavra, posto á votação o parecer n.° 43, não houve vencimento sobre elle.

O sr. Domingos de Barros: — É preciso que eu declare a v. ex.ª e á camara, que o nobre presidente da commissão de vinhos não estava auctorisado pela commissão para fazer a proposta que ha pouco enunciou. Se na qualidade de presidente da commissão póde faze-lo, v. ex.ª e a camara avaliarão se isto é curial ou não.

Eu entendo que nada mais justo, nada mais razoavel do que ser, a mesa quem faça esta nomeação, visto que foi a mesa quem nomeou a commissão de vinhos.

Reconheço as maiores habilitações e todas as qualidades recommendaveis em todo os cavalheiros que o nobre presidente da commissão indicou; mas desejava que esta nomeação fosse feita pelos meios regulares, isto é, a mesa, que nomeou a commissão de vinhos, suppra agora a falta que ha na mesma commissão.

Requeiro pois neste sentido, e se v. ex.ª tiver alguma duvida, queira consultar a camara.

O sr. Affonso Botelho: — Persuado-me de que estou em harmonia com a opinião da camara e dos meus collegas da commissão de vinhos: tenho por todos elles a maior consideração; faço d'elles o conceito da maior inteireza e imparcialidade na questão; porém, sendo a admissão composta de individuos que não têem interesses no Douro (á excepção de mim), lembrei aquelles cavalheiros, mas aceito outros que a camara queira nomear.

O sr. Presidente: — Queira o illustre deputado reduzir o seu requerimento a escripto.

Agora vae passar-se á ordem do dia; entretanto se alguns srs. deputados têem a mandar para a mesa alguns requerimentos eu representações, podem faze-lo.

O sr. Almeida e Azevedo: — Mando para a mesa um parecer da commissão de petições.

O sr. J. A. de Sousa: — Mando para a mesa um requerimento do padre Manuel Antonio Rodrigues; victima do incendio do dia 19 de novembro ultimo; que pede uma pensão, visto achar-se aleijado.

O sr. Thomás Ribeiro: — Mando para a mesa uma representação da camara municipal do concelho de Castello Rodrigo, que vem unir os seus votos aos dos srs. deputados que assignaram o projecto de lei para da construção do caminho de ferro da Beira, unindo-se tambem aos votos de

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outras camaras municipaes que têem representado n'este sentido.

Mando tambem para a mesa cinco representações das juntas de parochia das freguezias do Valle de Besteiros, pedindo a esta camara que inste com o governo a fim de que seja construida o mais depressa possivel, a estrada de Agueda a villa de Tondella.

Supponho que o caminho mais regular seria representar ao governo, mas como estas representações vem dirigidas á camara, não posso deixar de as remetter para a mesa, pedindo por esta occasião ao nobre ministro das obras publicas que, quando ellas lhe chegarem á mão, as tome na devida consideração, e se lembre de que, para os habitantes do Valle de Besteiros, nenhuma obra é de tanta utilidade como uma estrada que os ligue com Agueda, principal emporio do seu commercio.

Espero a occasião de verificar uma interpellação que dirigi ao sr. ministro das obras publicas, para então dizer mais alguma cousa. Como v. ex.ª annunciou que se ía passar á ordem do dia, limito-me a remetter estas representações para a mesa, e a pedir a v. ex.ª que, se julgar conveniente que ellas sejam remettidas ao governo, as mande expedir.

ORDEM DO DIA

CONTINUAÇÃO DA DISCUSSÃO DO ORÇAMENTO DO MINISTERIO DAS OBRAS PUBLICAS

O sr. Presidente: — Continua a discussão do capitulo 6.°, e é o sr. Affonso Botelho quem se segue com a palavra.

O sr. Affonso Botelho: — A promessa que o nobre ministro das obras publicas se dignou fazer, de que se occuparia especialmente de melhorar os caminhos do paiz vinhateiro do Douro, fez nascer n'aquelles povos a esperança de um melhor futuro.

A todo o homem de intelligencia que viajar n'aquelle paiz e conhecer o rico commercio de que elle tem sido base, parecerá impossivel que um commercio de tanta riqueza e importancia se tenha feito por entre penedios, quasi sem caminhos para levar ao Douro os ricos productos que tem importado tão grandes valores para Portugal.

Quem lançar a vista sobre o mappa geographico, verá desde logo que a natureza está indicando o meio que deve seguir a viação tendo uma estrada nas margens do Douro, como base entre as provincias limitrophes aquelle rio.

Estou persuadido de que a civilisação e o bom senso hão de influir mais ou menos proximamente a levar um caminho de ferro desde o Porto á Regua, e desde a Regua até ao Teva, como meio de fazer e sustentar a prosperidade das duas provincias.

Faço justiça ao nobre ministro; conheço as suas intenções e os seus desejos sobre os melhoramentos reaes com que deseja dotar o paiz, e sei que lhe não será desagradavel a proposta que vou fazer em conformidade com um requerimento que a camara, que tenho a honra de representar n'esta casa, me encarregou de apresentar a esta camara.

O rio Douro, de todos os grandes rios da Europa é o que tem mais rapida corrente, e tem menos distancia de corrente navegavel; assim mesmo a sua navegação, sempre perigosa, é interrompida pelo menos tres quartas partes no anno, quer pelas cheias, quer pela escassez das aguas no tempo de verão.

Portanto, para sustentar a prosperidade que a navegação regular do Douro deve trazer ao interior d'aquella provincia, vem a ser indispensavel, mais tarde ou mais cedo, um caminho de ferro para supprir essas interrupções e perigos que tem a navegação.

Não occuparei comtudo hoje a attenção do nobre ministro senão pedindo lhe o favor de tomar em consideração o que vou ter a honra de expor.

O caes do Pinhão é, sem questão nenhuma, o ponto central onde se deve reunir o commercio principal da alta provincia de Trás os Montes, e mesmo da Beira Alta.

Do caes do Pinhão a estrada que atravessa a provincia de Trás os Montes por um caminho marginal do rio Pinhão dista tres leguas; essas tres leguas vão trazer á navegação do Douro os productos da alta provincia de Trás os Montes, que precisam agora procura-la na Regua por um grande circulo de pessimas estradas ou por uma grande distancia a Villa Real, para o ligarem com o commercio de exportação.

Eu estou cumprindo o meu dever, hei de cumpri-lo nas menos palavras possiveis, e sentirei muito se o nobre ministro não fizer a honra de dar-me alguma attenção.

Vou mandar para a mesa uma proposta, pedindo ao nobre ministro que se digne fazer estudar o caminho marginal que a camara que eu aqui represento pediu como meio de ligar a estrada real de Trás os Montes com a navegação do Douro, e de facilitar as carregações dos preciosos vinhos, e aguardentes que embarcam no caes do Pinhão para o Porto.

Não ha ponto nenhum em que o Douro fique tão proximo da estrada real, que corte pelo meio a provincia de Trás os Montes, como os caes do Douro, que serão apenas 14 a 15 kilometros; é um plano inclinado, o mais suave que se pôde encontrar para tirar as mercadorias do Douro para o interior da provincia. Aos olhos do nobre ministro esta curta estrada deve estar nas mesmas circumstancias, e merecer a mesma attenção que s. ex.ª se dignou prometter a alguns caminhos que ligam as outras provincias com os caminhos de ferro.

Este caminho sendo de uma pequena despeza, comparativamente, vae produzir os mesmos effeitos, ligando a alta provincia de Trás os Montes com a navegação do Douro e com a estrada marginal d'aquelle rio.

Eu não quero tomar tempo á camara, não quero importunar o nobre ministro, peço unicamente a s. ex.ª se digne prometter mandar fazer o estudo d'esta pequena estrada

que tenho a honra de propor em nome da camara que nesta casa represento, e espero que as grandes utilidades que d'elle resulta convidarão o nobre ministro a que na proxima sessão esteja habilitado para julgar da conveniencia da estrada que tenho a honra de propor.

Mando para a mesa a minha proposta.

E a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que o governo mande fazer -os estudos necessarios para a abertura de uma estrada desde a foz do rio Pinhão pela margem d'aquelle rio a entroncar com a estrada de Villa Real para Mirandella e Bragança, no ponto mais commodo á boa direcção da estrada e á commodidade dos transportes das mercadorias, que da provincia de Trás os Montes demandarem a navegação do Douro. = Affonso Botelho.

Foi admittida.

O sr. Abilio Costa: — Mandarei para a mesa uma proposta; contém ella um pedido para a agricultura; vae acompanhada de considerandos, porque, achando-me inscripto depois de muitos srs. deputados, receiei que me não chegasse a palavra para a fundamentar.

Mal podia deixar de pedir alguma cousa a favor da agricultura; é ella que fornece a maior parte das materias primas ás outras industrias; é ella que sustenta e fornece o alimento a todas as classes da sociedade; é ella finalmente que mantem a especie humana com todas as suas faculdades physicas e moraes, emquanto que as outras profissões tendem em maior ou menor grau a deteriora-la e degenera-la. Por estas e outras rasões não podia deixar de tributar lhe o meu respeito, respeito não filho do temor, mas o respeito e reconhecimento que devemos a quem nos presta serviços e faz beneficios.

Nós estamos prestando todos a nossa attenção á viação em geral, e especialmente aos caminhos de ferro; e com rasão, os caminhos de ferro são no corpo social o que são as arterias n'um corpo animal, levam a vida e nutrição a todas as partes, e animam todos os orgãos do corpo; mas para que isto tenha logar é preciso que haja sangue ou productos que circulem nas arterias. Os caminhos de ferro, transportando os productos dos focos de producção para os mercados ou logar de consumo, animam a producção, mas a sua principal missão é modificar o preço dos productos e crear valores. Elles não criam productos, e se não houver producção que n'elles circule faltará o sangue para nutrir as differentes partes do corpo social, as arterias cairão em colapso e deixarão de exercer as suas funcções.

Trago isto para fazer ver que os caminhos de ferro não nos dispensam de aproveitar os elementos de producção com que a natureza nos tenha dotado, e que se os desprezarmos e esperarmos tudo só dos caminhos de ferro, commetteremos um grande sacrilégio economico.

De todos os elementos de producção depois da terra, o mais valioso é sem duvida a agua, e todos os annos deixámos escoar para o mar um grande capital que não aproveitamos; e se aproveitámos alguma cousa é apenas pequenas fontanheiras ou dedaes de agua; despresamos as grandes correntes, e estas, pelo nosso desleixo só servem para nos fazer muito mal, quando nos podiam fazer muito bem sendo bem reguladas, distribuidas e applicadas.

Temos bastantes correntes de agua que se precipitam das nossas montanhas; soda serra da Estrella saem quatro grossos rios — o Mondego, Alva, Zezere, Ceira, alem de outras correntes de menor vulto. Não conheço as outras montanhas de Portugal, mas é provavel que de todas sáiam linhas de agua mais ou menos volumosas.

Mas se nós por meio de obras de arte apropriadas, construidas no curso d'estas linhas de agua antes que ellas sáiam das montanhas, accumularmos, regularmos e bem distribuirmos estas aguas; nós durante o verão poderemos applica-las á irrigação dos campos inferiores ás montanhas, e d'esta fórma augmentar prodigiosamente a producção de legumes e cereaes; e durante o inverno nós poderemos applicar as aguas das mesmas correntes á irrigação das costas dos montes, e converter assim esses estereis e áridos terrenos em ricos prados de gramíneas que desenvolverão e augmentarão portentosamente a nossa industria pecuaria.

D'entre as correntes de agua que se precipitam da serra da Estrella conheço mais particularmente o Ceira, e n'este posso asseverar, sem receio de errar, que se dão todas as condições para que possa servir a um systema de irrigação muito proveitoso e pouco despendioso.

Este rio tem um curso de cerca de 40 kilometros antes de saír da serra, por entre montanhas muito elevadas; o seu curso é muito precipitado, o que não permitte accumulação de areias que escondam as suas aguas; o seu leito é muito estreito e cavado em rocha; e de espaço em espaço apresenta constricções ou gargantas formadas pelos contrafortes das montanhas lateraes: estas condições tornam este rio muito apto para quaesquer obras de irrigação que se queiram construir: as gargantas estreitas, a pedra a caír nas obras, a desnecessidade de abrir alicerces, tornam ahi muito faceis e pouco despendiosas as obras de irrigação. É provavel que outras correntes no paiz se achem nas mesmas condições e circumstancias.

E se nós em todas ellas construissemos diques e albufeiras onde se reprezem as aguas, canaes de derivação que as levem ás costas das montanhas, nós conquistaremos para a agricultura grande superficie de terreno, hoje esteril e improductivo; e a mesma agua levada a uma parte da montanha, depois recebida em canaes inferiores antes de ser recolhida e accumulada em outros diques inferiores, circulando assim do rio para os montes e dos montes para o rio, regará uma superficie de terreno muito mais extensa do que se fosse applicada a um terreno chão e pouco declive, e dará maior quantidade de productos.

Todos os agronomos sabem que as plantas pratenses gramíneas prosperam mais nas costas dos montes, por muito pouco expessa que seja acamada de terra, do que nos terrenos chãos onde se demora a agua, e infiltra mais profundamente.

Sr. presidente, se esta idéa de irrigação for um dia traduzida em factos, eu espero que a producção e população augmentarão prodigiosamente, e que a fome será para sempre afugentada d'este paiz. Figura-se-me que só as montanhas da comarca de Arganil e da de Ceia, virão a produzir gado para a maior parte do consumo de todo o reino, mas a idéa é tão grande e tão proficua, que só por isso não espero vela realisada.

Se ella fosse levada á execução seria um acto de justiça para com os povos das montanhas; estes povos estão ha muito pagando o imposto de viação sem terem esperanças de ver as suas montanhas cortadas por estradas. Só os trabalhos de irrigação, que ás avessas dos das estradas teriam de principiar nos montes, e desceria para as planicies, poderiam compensa-los de um sacrificio por que estão passando sem esperanças de remuneração eu compensação. As emprezas de irrigação, alem de muito proveitosas, são uma divida que um dia terá de se pagar aos povos das montanhas para lhes satisfazer um dever de justiça.

Estando a terminar, notarei ainda que, quando se proceda a estudos sobre irrigação, não se deverá perder de vista o aproveitamento das aguas, já como motores de industrias, já como auxiliares da navegação nas estações calmosas.

Essas mesmas aguas que teriam de ser applicadas na irrigação dos terrenos, poderiam no outono, quando ali não são necessarias, ser applicadas a auxiliar a navegação dos rios navegaveis, n'uma epocha do anno em que a agua tanto escasseia; e conciliar-se-ia assim os interesses da navegação e da agricultura.

PROPOSTA

Considerando que, entre os elementos naturaes de producção, depois da terra, não ha nenhum mais valioso do que a agua;

Considerando que da serra da Estrella se precipitam bastantes linhas de agua que, sendo aproveitadas, bem reguladas e distribuidas, poderão no estio augmentar a producção dos campos, e no inverno e primavera converter grande parte da superficie das montanhas em ricos prados, que desenvolvam a nossa industria pecuaria;

Considerando que das linhas de agua que se precipitam da cordilheira da Estrella, o rio Ceira facilmente se prestará a obras de arte com o intuito de irrigação, muito productivas e pouco despendiosas pelo seu longo e precipitado curso entre altas montanhas, pelo seu leito cavado em rocha, e pelas constricções ou gargantas que apresenta frequentemente no seu curso;

Considerando que talvez nas outras montanhas do paiz appareçam correntes de agua nas mesmas circumstancias e condições;

E considerando, finalmente, que os povos das montanhas não podem ter esperança de auferir proveito immediato da viação para que estão concorrendo, mas que o tirariam immediatamente das obras de irrigação que se emprehendessem;

Para proveito geral do paiz e compensação dos sacrificios que estão fazendo os povos das montanhas a favor da viação:

, Proponho que se vote a verba de 40:000$000 réis para estudo e obras de irrigação nos pontos do paiz que para elles pareçam mais apropriados, e que nos estudos a que tenha de proceder-se se não perca tambem de vista a conveniencia da applicação das aguas á industria, ou seja como, motores de machinas ou como auxilio á navegação dos rios navegaveis na estação calmosa. = Antonio Abilio Gomes Costa.

Foi admittida.

O sr. Ayres de Gouveia: — Vou mandar para a mesa uma proposta singela, e desde já devo declarar que não é de campanario, é de utilidade geral, porque é relativa a cadeias.

No anno passado, quando se discutiu o orçamento, apresentei a proposito de um funccionario publico, o carrasco, um projecto para a abolição da pena de morte. A camara comum alvoroço e impulso de humanidade, digno de melhor resultado, apoiou immediatamente este projecto; foi á commissão que elaborou o seu parecer de prompto, mas quando veiu para se discutir responderam por parte do governo — é tarde.

O sr. ministro da justiça apresentou tambem no principio d'esta sessão outro projecto sobre o mesmo ponto. A commissão cuidou d'elle, e trouxe com a indispensavel demora o seu parecer a esta camara; mas tal projecto está sem discutir-se, e vae-nos fugindo de dia para dia a esperança de que possa ainda ser considerado n'esta sessão. Creio que quando esta camara votou, e já por duas vezes, que se discutisse immediatamente similhante projecto, não tinha por fim realmente o discuti-lo ou se illudia no seu proprio desejo. Isto é de lamentar.

Tambem contribui quanto pude para uma proposta de lei que julgo acima de todas importante —; da reforma e alargamento da instrucção primaria. E tambem foi dado parecer o anno preterito, e até hoje não sei porque terrivel fatalidade não se discutiu similhante projecto. Pois julgava que a questão das cadeias e escolas era muitissimo importante! Instruir e moralisar são os dois principios fundamentaes de boa sociedade. Esclarecer a rasão e apurar o sentimento contribuo para engrandecer o cidadão. Pense-se n'isto que paga a pena.

A minha proposta é a seguinte (leu).

É no fundo a mesma idéa, que consignou o illustre deputado, representante do circulo eleitoral de Paredes, n'uma proposta trazida a esta camara na legislatura anterior.

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O ex-ministro da justiça, o sr. Moraes Carvalho, apresentou igualmente uma proposta, em que vinha consignada a mesma idéa, mas todavia não se discutiu esta materia importantissima. Ambos estes dois distinctos ex-ministros concordaram na necessidade impreterivel de se edificarem duas cadeias cellulares.

A nota, que mando para a mesa, não tem a largueza das propostas apresentadas por s. ex.ª, tem menos largueza mesmo do que é necessario fazer-se em Portugal para não ter a barbaridade, a monstruosidade das nossas cadeias actuaes (apoiados), que encerram tudo quanto ha de repugnante, de injusto e de immoral sob todos os aspectos.

Tenho na mão as estatisticas judiciaes de Inglaterra do anno passado; e vê-se dellas que a Inglaterra despende annualmente só com cadeias 880:000 libras, ou, conta redonda, 4.000:000$000 réis da nossa moeda.

Eu peço apenas o encargo annual de 100:000$000 réis, para fundar duas, como devem ser fundadas.

Não digo mais nada por agora, porque ha ainda muitos srs. deputados inscriptos; mas só peço ao governo que tome na consideração, que merecer, a proposta que tenho a honra de mandar para a mesa, reservando-me o direito e a boa vontade de voltar a discutir e esclarecer este grave e momentoso assumpto quando a illustrada commissão respectiva sujeitar á deliberação d'esta assembléa o seu parecer. Então se não attender á urgencia da minha indicação, entrarei menos perfunctoriamente na questão que eu considero de maior gravidade.

Leu-se na mesa a seguinte:

PROPOSTA

Proponho que o governo seja auctorisado a contrahir um emprestimo, cuja amortisação e juro de 6 por cento durante dez annos não exceda o encargo annual de 100:000$000 réis, para mandar construir com a possivel brevidade duas cadeias cellulares de quatrocentas a quinhentas cellas cada uma no estylo das de Louvain, na Belgica, sendo uma em Lisboa, outra no Porto, ambas a um kilometro de distancia pelo menos das barreiras das ditas cidades. = A. Ayres de Gouveia, deputado por Cedofeira.

Foi admittida.

O sr. Freitas Soares: — Não quero demorar a discussão. Vou ler a minha moção de ordem e farei succintas reflexões (leu).

O nobre ministro das obras publicas está perfeitamente informado já d'este negocio. Sabe que o municipio de villa do Conde tem gastado cerca de 70:000$000 réis em encanamento do rio e em obras da barra, sem ter recebido auxilio nenhum, ou quasi nenhum, da parte do governo. Fizeram se as obras n'aquella barra, segundo o plano que para ali foi mandado, e ordenou-se a suspensão dellas até ver as modificações que a barra soffreria com a parte das obras já feitas. Estão paradas ha já bastante tempo, e é necessario ou continua-las ou modifica las, segundo a sciencia aconselhar; mas o que não pôde ser é continuarem as cousas no estado em que se acham.

Devo dizer que tenho graves apprehensões de que n'aquelles estudos ha algumas inexactidões.

Consta-me que a triangulação do reino já comprehende aquelle ponto, e portanto é agora mais facil formar-se um novo plano mais exacto do que o que hoje existe.

O que é certo é que o municipio tem impostos especiaes destinados para aquellas obras, e comtudo essas obras não podem continuar convenientemente sem que os homens technicos resolvam a direcção que as obras devem ter, para que se não diga depois que houve desperdicio por falta de conhecimentos proprios.

E comquanto pareça aos meus collegas que esta questão é de campanario, eu assevero-lhes que o não é; e o illustre, ministro sabe que Villa do Conde é hoje um dos primeiros estaleiros do norte do reino (apoiados), e que o commercio perde muito não estando a barra nas circumstancias em que deve estar (apoiados), para dar saída facil ás construcções que se fazem n'aquelle estaleiro. - Pedia pois ao illustre ministro que houvesse de dar as suas ordens para se verificar se são fundadas, ou não, as apprehensões que tenho.

Fallando agora em outro assumpto direi que, quando se discutia o capitulo com referencia aos telegraphos, eu tinha pedido a palavra, porque desejava apresentar uma proposta, mas a discussão foi abafada e eu não pude ter a palavra (ainda hontem me aconteceu o mesmo), e portanto farei agora a minha proposta, que tambem pôde ter alguma relação com este capitulo.

Li n'um jornal da provincia que = o governo tinha mandado una individuo ao castello da Povoa de Varzim, para ver se ali se poderia collocar uma estação telegraphica =; e tendo o sr. Figueiredo Faria, meu collega e deputado pela Povoa de Varzim, apresentado uma proposta para a construcção da linha telegraphica até aquella villa, eu apresento a seguinte proposta, que passo a ler (leu).

Espero pois que o illustre ministro terá a bondade de me dizer se é verdade o que eu li a este respeito, ou não. Em todo o caso o meu dever é pedir a s. ex.ª que attenda sobretudo á conveniencia geral das duas povoações, porque não será possivel em tão curto espaço de terreno ou em tão pequena area estabelecer duas estações telegraphicas, uma na Povoa de Varzim e outra em Villa do Conde; o que é justo é estabelecer uma só estação em um ponto intermedio, e parece-me que esse ponto intermedio, que o logar mais proprio é no encruzamento das duas estradas do Porto e de Famalicão, aonde chamam as Portas Fronhas, porque assim a estação serviria para as duas povoações, cuja distancia será, pouco mais ou menos, como d'aqui ao Terreiro do Paço.

Não digo mais nada, e espero que s. ex.ª, concordando em que as minhas propostas vão á commissão, não deixará de attender a ellas como julgar de justiça.

Leram-se na, mesa as seguintes

PROPOSTAS

Proponho que d'esta verba seja destinada a parte necessaria, para se mandar verificar o resultado das obras feitas no porto da Villa do Conde, ordenando-se ao mesmo tempo que se façam os estudos necessarios para se poder resolver o modo como as obras devem continuar.

Proponho mais que se mande fazer uma estação para o telegrapho entre a Villa do Conde e Povoa de Varzim, no logar das Portas Fronhas, aonde fica o encruzamento das estradas do Porto e de Famalicão. — Freitas Soares.

Foram admittidas.

O sr. Ministro das Obras Publicas: —... (S. ex. não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Quaresma: — Requeiro a v. ex.ª que consulte a camara sobre se julga a materia discutida sem prejuizo das propostas que se apresentarem.

Julgou se discutida.

O sr. Presidente: — Os senhores que têem propostas que mandar para a mesa queiram faze-lo.

O sr. Toste: — Mando para a mesa duas propostas.

Sinto que a discussão se fechasse, porque desejava fazer varias reflexões, especialmente sobre uma proposta apresentada hontem pelo sr. Sieuve de Menezes, á qual eu juntei o meu nome. Já na sessão passada tive a honra de apresentar uma proposta igual para a elevação da verba de 7:000$000 réis, consignada no orçamento para obras publicas no districto de Angra do Heroismo. Esta verba é realmente muito pequena; eu desejava desenvolver aquella proposta, e sinto não poder faze-lo.

Leram-se logo na mesa as seguintes propostas:

PROPOSTA

Proponho que ao capitulo 6.° se addicione a verba de 600$000 réis para a igreja da Feiteira na ilha Terceira. = Menezes Toste.

PROPOSTA

Proponho que ao capitulo 6.° se addicione a verba de 200$000 réis para mobilia do palacio do governo civil de Angra. = Menezes Toste.

PROPOSTA

Proponho que da verba para diversas obras se destinem até 100$000 réis para os reparos da ponte sobre o rio de Mouro no concelho de Melgaço, que forem necessarios para assegurar a viação por ali, até se fazer novas pontes definitivas. = Palmeirim.

PROPOSTA

Proponho que seja elevada a 60:000$000 réis a verba descripta no capitulo 6.°, secção 12.ª do orçamento do ministerio das obras publicas, commercio e industria. = Freitas Branco.

E posto logo á votação o

Capitulo 6.° — foi approvado.

Se as propostas haviam de remetter-se á commissão? — Resolveu-se que sim. Entrou em discussão o

Capitulo 7.° Trabalhos geodesicos — 73:356$800 réis.

O sr. Poças Falcão: — Mandarei para a mesa uma proposta, se for necessario, mas o meu fim é só lembrar ao sr. ministro das obras publicas um projecto de interesse.

Consta-me que a commissão geodésica tem os seus trabalhos muito adiantados e que a carta geographica do continente está mesmo proxima a ser concluida.

Lembrava portanto ao sr. ministro, que podia desde já mandar continuar os trabalhos com relação ás ilhas adjacentes, especialmente a de S. Miguel. S. ex.ª não desconhece a necessidade da continuação d'estes trabalhos, e a estarem concluidos os do continente, podia-se tratar de levantar a carta geographica das ilhas, e especialmente a de S. Miguel.

Este objecto não póde deixar de merecer a attenção do illustre ministro e a da camara, e espero por isso que s. ex.ª não deixará de attender a estas considerações, julgando desnecessario mandar para a mesa qualquer proposta.

O sr. Sant'Anna e Vasconcellos: — Sr. presidente, não me chegou a palavra para no capitulo antecedente lembrar ao nobre ministro das obras publicas a conveniencia que ha de se pagar no districto do Funchal a quantia que se lhe deve da verba destinada para obras publicas n'aquelle districto.

Effectivamente está consignada no orçamento a verba de 30:000$000 réis para obras publicas no districto do Funchal, mas de que serve estar se, não havendo muitas vezes no cofre do districto o dinheiro necessario para fazer face ao credito, se não remette da metropole esse dinheiro? O resultado é acontecer o que agora se verifica, isto é, haver uma divida de 30:000$000 ou 40:000$000 réis (apoiados).

Realmente é illusorio dizer se no orçamento que aquelle districto tem 30:000$000 de réis para obras publicas, e não se lhes darem nunca esses 30:000$000 réis (apoiados). - Quando se tratar de lisongear as tendencias que tem sempre o contribuinte de não pagar o imposto, sou sempre o primeiro a recommendar aos filhos da Madeira que paguem; porque se querem gosar dos melhoramentos que a civilisação traz não devem ser remissos no pagamento dos impostos. Isto creio eu que é o dever de todo o homem publico; mas se eu tenho este procedimento, tambem me considero no direito de pedir aos poderes publicos, que as quantias votadas pelo parlamento para as obras publicas daquelle districto sejam fielmente pagas (apoiados).

Por esta occasião permitta-me v. ex.ª e a camara que eu diga duas palavras em resposta ao meu illustre amigo,

o Sr. Ayres de Gouveia. S. ex.ª, quando ha pouco se referiu á apresentação de uma proposta de lei para a abolição da pena de morte, disse, e disse muito bem, que = essa proposta tinha sido recebida pela camara com verdadeiro alvoroço =. Estou persuadido que não ha ninguem, que no estado em que se acha a civilisação, seja partidario da pena de morte (apoiados). Se ha alguma cousa sagrada n'este mundo, é de certo a vida humana; eu abomino todos os assassinatos, mas abomino principalmente o assassinato legal (apoiados).

O illustre deputado sabe, pelo menos pelo que me respeita, que eu fiz ha dias um requerimento para que o projecto para a abolição da pena de morte fosse dado para ordem do dia. Mas, por circumstancias que não trato agora de avaliar, não entrou ainda em discussão; tenho porém a convicção de que a camara deseja discuti-lo (apoiados), e que está no animo de todos nós, sem distincção de côr politica, acabar por uma vez com esta monstruosidade legal (apoiados).

Creio tambem que se o sr. ministro da justiça não tem comparecido para esta discussão, é porque os affazeres a seu cargo o tem impossibilitado; mas espero que logo, que s. ex.ª possa, se apresentará na camara para se tratar deste assumpto.

Eram estas as poucas reflexões que tinha a fazer.

O sr. Abilio Costa: — Vou dirigir uma pergunta ao nobre ministro, a que s. ex.ª por sua bondade e zêlo pelo serviço se não recusará por certo responder.

Desejo saber o adiantamento em que se acham os trabalhos geographicos d'este paiz. Eu esperava que já estivesse concluida a carta geographica de Portugal, mas vendo no orçamento uma verba para a construcção de quatro pyramides de primeira ordem, e outra verba para muitas pyramides de segunda, concluo d'ahi que a triangulação está muito atrazada. Lamento o atrazo em que se acha este serviço, embora conheça que elle exige muito tempo para ser feito com a exactidão desejada; lamento-o, porque uma exacta carta geographica é necessaria tanto na vida particular como na vida publica; o é indispensavel para que a administração geral do estado marche regularmente; sem cartas exactas não se póde fazer uma boa divisão de territorio, com ellas mais facilmente se estudam as directrizes e caminhos de ferro, etc.; ellas poupam pessoal, tempo e despezas; são de grande auxilio para conseguir muitos e variados fins.

Eu não posso attribuir o atrazo á falta de diligencia do dignissimo director da repartição geodésica; é elle bem conhecido n'este paiz pelo seu grande saber, e pelo seu grande zêlo e dedicação ao serviço publico. Sou levado a crer que o atrazo dos trabalhos é devido á falta de meios e escassez da verba com que tem sido dotado este serviço; e se isto é a causa, como eu creio, pediria ao nobre ministro que propozesse a verba que julgasse necessaria para dar maior desenvolvimento a taes trabalhos; pela minha parte vota-la ía de muito boa vontade, e sem a repugnancia com que algumas outras verbas têem sido votadas, porque tenho a convicção que tal despeza seria altamente productiva, é o paiz em muito breve tempo seria d'ella embolsado.

Tambem desejava saber o progresso que têem tido os estudos geologicos, e folgaria muito que se podessem concluir em breve, para podermos saber as riquezas que encerra o nosso sólo. Para bem governar é preciso que cada um saiba o que tem em sua casa, e até para se não expor ao ridiculo em que cáe aquelle que, tendo uma cousa em casa, a vae comprar a um estranho por não saber que a tinha.

O sr. Ministro das Obras Publicas: — (S. ex.ª não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Sieuve de Menezes (sobre a ordem): — Pedia a s. ex.ª o sr. ministro das obras publicas que quizesse consentir em que a nota dos trabalhos geographicos, feita pela commissão geodesica, fosse publicada no Diario de Lisboa.

Vozes: — Não é preciso requerer isso.

O sr. Quaresma: — É costume vir no discurso (apoiados).

O sr. Ricardo Guimarães (sobre a ordem): — Em observancia do regimento começarei por ler a minha proposta, que mando para a mesa (leu).

Peço desculpa á camara de lhe roubar alguns momentos de attenção; mas ella sabe que não tenho o habito de lhe fatigar a paciencia. Alem de estar convencido de que actualmente não podemos consumir tempo demasiado na discussão do orçamento, sou o primeiro a avaliar a minha insufficiencia para as controversias da tribuna.

Sr. presidente, não deve causar estranheza que eu procure attrahir o exame cuidadoso do nobre ministro das obras publicas e da camara para o assumpto a que a minha proposta se refere, e cuja importancia por si mesma se evidenceia em relação aos destinos intellectuaes das classes trabalhadoras, quando as nações que nos antecederam de largos annos na iniciação do ensino professional se occupam n'este momento, com a maior solicitude, de o organisar em bases mais solidas, abrindo largamente a perspectiva da instrucção ás numerosas legiões do trabalho.

Folguei com as palavras proferidas pelo nobre ministro na camara dos dignos pares, poucos dias depois de haver entrado para o ministerio, nas quaes s. ex.ª enunciou ligeiramente o proposito de providenciar ácerca do ensino pratico. Estas palavras, que não foram provocadas por ninguem, revelam que esta necessidade subiu no espirito do nobre ministro á sua verdadeira altura.

Não desconheço, sr. presidente, quanto é grave a questão da organisação racional e completa, não direi já do ensino especial, mas do ensino professional. A prudencia deve ser sempre a conselheira dos governos nos assumptos officiaes; o que é preciso é evitar que se transforme em estacionamento.

A França, por exemplo, que ha mais de setenta annos

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aventara na convenção nacional a necessidade de uma instrucção progressiva, comprehendendo tres graus em relação ás classes artisticas; que lançou o germen da instrucção professional na lei de 28 de junho de 1833, obra memoravel de mr. Guizot, que a proseguiu sobre os ministerios de mr. Cousin e Salvandy, e sob o regimen democratico de 1848, sendo ministro mr. Carnot, que creou estabelecimentos importantes de instrucção especial, ainda não cessou de applicar todos os cuidados á solução de um problema que tão intimamente se liga com os aperfeiçoamentos das artes e da industria, com o bem-estar e civilisação das classes sujeitas ao jugo do trabalho.

Entre nós assentaram-se os fundamentos d'esta edificação promettedora em 1852, e honra seja por este facto ao governo que a inaugurou. Doze annos são passados; convem não esmorecer nem deixar de proseguir na construcção até se levar á cupula o edificio.

Este ensino tem produzido resultados admiraveis em diversas partes da Allemanha, no Wurtemberg, na Prussia e na Suissa. As vantagens alcançadas já compensam sobejamente os sacrificios que custára; porque n'esta provincia a instrucção, como em todas, e n'esta mais de certo, é preciso convencermo-nos de que se torna necessario despender sem prodigalidade, mas tambem sem mesquinhez, que é sempre improductiva.

A organisação do ensino professional nos seus alicerces fundamentaes, a sua extensão e limites, e até o modo pratico de o ministrar, tem sido objecto de fundas dissidencias. Agora mesmo em França divergem consideravelmente no assumpto mr.s Rouber e Duruy.

Querem uns, que esta especie de ensino professional seja professada em estabelecimentos distinctos que excluam outras quaesquer disciplinas do dominio do ensino classico; outros querem, que seja prestada conjunctamente com a instrucção secundaria nos lyceus, a que o ensino professional deve ser addicionado, exercendo-se, já se sabe, em cadeiras especiaes.

Contra este methodo auctoridades muito competentes se têem pronunciado, prevalecendo a opinião, já traduzida em factos em alguns paizes, de que a instrucção professional ou ensino intermedio deve ser completamente estranha ao chamado ensino classico.

Portanto, e isto confirma o que já tive a honra de dizer, n'este terreno não se pôde caminhar senão com muita segurança, aproveitando com prudencia os resultados das nações estranhas, abonados pela experiencia, onde o ensino pratico está n'um grau subido de adiantamento, como nos estados da Allemanha e na Prussia.

Mas não é para a questão geral do ensino professional, questão complexa, importantissima, e que é preciso resolver em beneficio de todas as classes que se destinam ás variadas carreiras da agricultura, da industria, das artes e do commercio, mas para o estado do ensino especial da industria, que ouso solicitar a attenção do nobre ministro.

O instituto creado em 1852, até certo tempo atravessou, apesar dos melhores desejos e da superior illustração do funccionario que superintende aquelle estabelecimento, e a quem o paiz deve muito, porque foi elle quem no Porto iniciou este ensino, antes mesmo de decretado por lei, graças aos esforços patrioticos da associação industrial portuense, benemerita das classes operarias; o instituto, digo, atravessou uma epocha difficil e mais commercial do que rigorosamente professional. A sua historia d'essa epocha pôde dizer se mais fabril, na accepção vulgar da palavra, do que technologica. Seguindo fita vereda, o instituto apartou se dos fios para que havia sido creado. O legislador tinha querido apurar artistas, crear technologistas habeis, desenvolver a elegancia e o gosto, animar a inspiração artistica, mas nunca fabricar productos vulgares.

Subordinar ao pensamento commercial o ensino pratico, não podia ao cabo de algum tempo, senão comprometter a causa que tão sinceramente se queria defender dos sarças moa e descrença dos inimigos de todas as innovações. Foi de certo uma illusão, nobre sem duvida, do alto funccionario que exercia o cargo de director d'aquelle estabelecimento, e que de certo reconheceu que o regimen commercial tornado era principal e o ensino industrial em accessorio, não correspondiam á expectativa dos seus desejos. Que admira que errasse n'esta direcção, quando a propria França acaba de confessar pela bôca de mr. Duruy, que o estado do ensino profissional debaixo do certos pontos de vista é afflictivo?

Era forçoso, pois, abrir mão d'este systema.

Estava provado, que o quadro das differentes disciplinas era insufficiente para habilitar os alumnos e acompanha-lo, com instrucção adequada, em varias especialidades industriaes, em differentes carreiras praticas a que os poderia chamar com proveito a sua vocação, e que são outros tantos serviços importantes no mechanismo das sociedades modernas.

Estava provado entre nós, como já o fôra em França, que o systema theorico, mesclado e interrompido com os exercicios das officinas, produzia os mesmos inconvenientes que lá foram notados. O ensino pratico deve ser o complemento do theorico, mas não professado pelo modo por que o era, o qual nem ficava sendo, nem pratico, nem theorico.

Pelo lado mercantil mesmo, os productos não podiam competir em modicidade de preço com os da industria particular. A perfeição d'elles era inferior á que se devia esperar de um estabelecimento que nas cousas industriaes deveria ser modelo. Apesar d'estas circumstancias, era innegavel que o instituto, subsidiado pelo estado, concorria com a industria privada, e que o estado feito fabricante, e gosando das isenções que lhe são inherentes; entrava em combate com a industria particular, mas não nas condições de justa igualdade com que a luta se deve estabelecer.

Convencido d'estas idéas, o corpo escolar do instituto representou ha quasi quatro annos, expondo a necessidade urgente de reformar o ensino, de pôr ponto no regimen fabril, cujos resultados todos os dias se aggravavam, esboçando o quadro dos novos cursos em harmonia com as necessidades industriaes do paiz, os quaes conviria crear; e indicando a idéa de ministrar conjunctamente no instituto as disciplinas de que carece a classe commercial, extinguindo a actual aula de commercio.

As circumstancias do instituto eram então desanimadoras. Poucos industriaes concorriam ao instituto a frequentar as diversas cadeiras por differentes causas: era um ensino novo, e as classes industriaes ainda não estavam repassadas da convicção de que aquelle ensino lhe era salutar como actualmente o estão, com muita particularidade no Porto, cuja escola industrial é frequentada todos os annos por um numero crescente de alumnos.

Em segundo logar, acontecia haver grande affluencia de alumnos ás matriculas, e chegar-se ao fim do anno lectivo com diminuta concorrencia dos que se haviam matriculado! Alem d'isto o pessoal era insufficiente; escasseavam substitutos para supprirem a falta dos proprietarios, o que prejudicava gravemente os interesses do ensino. O edificio mesmo acanhado e improprio, não podia prestar-se nem tinha a amplidão necessaria para satisfazer cabalmente aos intuitos do instituto. Tudo isto era causa de desanimação e até certo ponto de desfavor para a idéa nova, que convinha animar e robustecer.

O sr. Antonio da Serpa, quando ministro tratou de remediar em parte os inconvenientes de maior momento, e por isso merece s. ex.ª louvor. O sr. Antonio da Serpa acabou com o regimen fabril, que tinha dado consideravel perda ao instituto, fechou as officinas, dotou o internado, e acudiu assim a algumas das necessidades mais clamorosamente reclamadas pelo corpo docente.

Escuso de alongar mais este imperfeito esboço dó passado d'este estabelecimento, de que o sr. ministro das obras publicas, homem technico e dedicado a esta ordem de negocios, ha de saber as diversas peripecias que o acompanharam desde a sua creação em 1852 até hoje.

Por agora, eu queria só escutar de s. ex.ª algumas palavras de esperança, sinceras, como não pôde dizer outras o nobre ministro, ácerca do alargamento de disciplinas apropriadas a certas carreiras que devem ser mais procuradas. Muitos que as quizessem seguir, com vantagem propria e do estado, não encontrariam no instituto a instrucção especial.

Por exemplo, lembrarei como de maxima urgencia (e não faço senão reportar me á opinião do corpo docente do instituto) o crear alli o curso de engenheiros de machinas de vapor. Com o desenvolvimento da nossa viação publica, com as deteriorações frequentes de todo o material rolante que se dão nos caminhos de ferro, o habilitar artistas para as officinas de construcção e de reparação d'aquellas machinas e seus accessorios, longe de ser uma superfluidade é util e productiva creação.

Se por um lado pensâmos em construir novos caminhos de ferro (e não nos arrependamos do pensamento), por outro lado pensemos nos meios de crear pessoal technico para reparar as deteriorações inherentes ao material da viação accelerada, que tantas sommas consomem, e construir as nossas machinas.

O curso de mestres mechanicos, assim como o curso de mestres chimicos, tintureiros, estampadores, e mineiros, são muito reclamados pelas nossas circumstancias.

Por largo tempo entre nós as minas foram desprezadas, talvez porque os capitães eram receiosos e tímidos em se aventurarem ás emprezas de mineração; mas o facto é que ultimamente têem para ahi convergido as attenções des industriaes. Embora eu não fie das nossas minas as esperanças ambiciosas de muita gente, não se poderá negar a vantagem que resultará para as emprezas de exploração de minas, e para o estado, quando estas lhe pertençam, de haver mestres habituados a estes trabalhos especiaes.

Tambem devo mencionar como importantes os cursos de mestres de obras e constructores civis, de conductores de trabalhe, de geometras agrimensores, e de constructores de instrumentos de precisão. Este ultimo curso já está abonado por excellentes resultados que tem dado no instituto a officina dirigida por um artista de superior merecimento, o sr. José Mauricio Vieira, o qual tem lutado com graves difficuldades. Ali se concertam e fabricam instrumentos difficeis e delicados, o que d'antes era impossivel entre nós.

Tambem mencionarei como urgente o curso de chefes de estação do telegraphos electricos. Com a creação d'este curso conseguiria tirar-se este serviço de uma certa anarchia, não filha da imprevidencia do nobre ministro, nem dos funccionarios superiores que dirigem este ramo do serviço, mas da novidade do mesmo serviço. Esta circumstancia forçou a encarrega-lo a homens que não são muitas vezes os que têem mais habilitações para o fazerem; e que nos paizes mais adiantados se exigem para este serviço especial. No estado da civilisação moderna, todos sabem o papel importante que exerce a telegraphia eléctrica em relação a muitas necessidades sociaes de ordem superior.

Uma disposição que me parece tambem seria conveniente tomar-se, era, como já alguns escriptores sobre esta materia em França têem aconselhado, estatuir certas vantagens para quem obtivesse os diplomas dos diversos cursos d'estas escolas; empregando os em serviços, dependentes do estado e relativos ás disciplinas d'esses mesmos cursos. O ensino industrial em Lisboa podia sem inconveniente abranger um curso mercantil, que alem das cadeiras existentes deveria ter as de geographia industrial e mercantil, principios de direito commercial, alfandegas, etc.

Os alumnos mais distinctos d'este curso, ao acabarem os seus estudos, deveriam encontrar carreiras abertas e protegidas pelos seus diplomas, sendo de preferencia collocados nas alfandegas e repartições de contabilidade, para que os graus universitários não habilitam consideravelmente.

Emquanto porém se não poder fazer uma lei, como será para desejar, que abranja todas as localidades mais importantes do paiz, o que me parece de muita urgencia, é desenvolver o ensino especial primario nos principaes centros fabris, manufactureiros ou agricolas, professando-se ahi as especialidades que sejam mais reclamadas pelas circumstancias naturaes e pela indole peculiar da região fabril ou agricola d'essas localidades.

Assim, por exemplo, poderemos crear algumas cadeiras industriaes do primeiro grau, na Covilhã, em Braga e outros pontos que as necessidades justifiquem.

Adduzo apenas isto como exemplo, e não desenvolvo estas considerações porque creio que todos perceberão a vantagem, a conveniencia, emquanto se não fizer uma lei geral que se estenda a todos os diversos ramos do trabalho humano, de ir diffundindo pelo paiz e pelos centros mais vitaes d'elle o ensino profissional primario, que occupa tantos braços, e em que se podem exercer utilmente para o estado tantas intelligencias.

Tenho concluido.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

Leu-se na mesa a seguinte

PROPOSTA

Proponho:

1.º Que seja convidado o governo a submetter, com a possivel brevidade, á approvação do corpo legislativo as basea definitivas para a reforma do instituto industrial de Lisboa, acabando com o estado provisorio, nocivo ao ensino, e satisfazendo cabalmente ás necessidades da instrucção especial de que carecem as classes numerosas da industria e do commercio.

2.º Que o governo solicite do parlamento os recursos necessarios para crear o ensino pratico elementar nos centros fabris e regiões agricolas, onde ainda não exista, adaptando-o ás condições naturaes e interesses economicos d'estas localidades, emquanto não apresente ás côrtes uma lei de ensino profissional, que deve abranger todo o paiz, sem excepção de localidades, acompanhando n'esta parte os esforços das nações mais adiantadas, e abrindo novos horizontes intellectuaes ao espirito das classes trabalhadoras. = Ricardo Guimarães.

Foi admittida.

O sr. Faria Guimarães: — Eu acompanho o illustre deputado, que acaba de fallar, no desejo de que tanto o instituto industrial de Lisboa como a escola do Porto sejam convenientemente reformados. O nosso fallecido amigo, o sr. Velloso de Horta, tinha trazido a esta camara um projecto para ser auctorisado a fazer essa reforma de accordo com os conselhos escolares do instituto e da escola do Porto. Esse projecto estabelecia certas bases, com que eu não podia conformar-me; uma dellas era o marcar uma somma, que não digo que fosse excessiva nem forte, para o instituto industrial, mas que era, comparativamente á que sei mareava para a escola do Porto, altamente desigual; e eu não via rasão nenhuma que justificasse essa differença, porque a frequencia da escola do Porto, comparada com a do instituto de Lisboa, dava uma vantagem consideravel aquella escola.

Projectava se fazer com muito maior apparato a reforma, do instituto de Lisboa, aonde parecia haver pouco desejo de aprender, do que a da escola do Porto, aonde se recusava a matricula aos alumnos que excedessem a seiscentos, porque não havia casa para elles; ali a matricula regula annualmente por seiscentos alumnos, e não tem mais porque, como acabei de dizer, não ha casa em que estejam, pois que não tem muita largueza aquella em que se acha estabelecida a escola industrial do Porto; e por isso não posso deixar de manifestar igualmente o desejo de que aquelle estabelecimento haja de se organisar nas mesmas condições do instituto, pois que se acha dotado mais mesquinhamente, e está em condições muito diversas das do instituto de Lisboa, e com uma concorrencia de alumnos muito superior.

Aqui não ha da minha parte, nas observações que faço a este respeito, idéa alguma de interesses e campanario, é o resultado dos factos; ali ha, como disse, uma matricula de seiscentos alumnos annualmente, e por consequencia parece-me que a reforma deve ser feita de modo que, pelo menos, a escola do Porto fique igual ao instituto de Lisboa. Algumas, propostas chegaram já a ser apresentadas sobre este objecto, mas provavelmente o sr. ministro das obras publicas não tem tido tempo para lhe prestar a sua attenção; espero porém que s. ex.ª tomará isto na consideração que merece, e apresentará ás côrtes uma proposta de auctorisação para fazer a reforma de accordo com o conselho escolar, ou uma proposta cora-a reforma que s. ex.ª julgar conveniente e necessaria dever fazer-se. Mas emquanto isso não tem logar, eu vou mandar para a mesa duas propostas; que em parte satisfazem as necessidades mais urgentes da escola do Porto, sem augmento de despeza.

As propostas são as seguintes (leu).

A afluência de alumnos a esta escola trouxe a impossibilidade dos lentes poderem satisfazer convenientemente ao serviço; o patriotismo ha tres annos tem supprido essa falta, porque tem havido ali pessoas competentes que se têem prestado a irem ás noites - pois que as aulas são de noite, e então é-lhe muito mais fácil o irem auxiliar ali o ensino do desenho linear e de ornato, e o de chimica, etc.; tres cavalheiros habilitados competentemente para estes estudos só têem prestado, como disse, por espaço de tres annos a irem auxiliar gratuitamente os lentes; isto é muito louva-

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vel (apoiados), mas isto não póde continuar assim por muito tempo; e por isso eu entendo que estes. 750$000 réis que são destinados para as officinas, emquanto não as ha, devem ser applicados em gratificar o serviço, que estão fazendo esta especie de substitutos ajudantes dos lentes daquella escola,

Outra cousa se tem dado entre a escola do Porto e o instituto de Lisboa, em que aquella tem sido prejudicada. No orçamento do ministerio das obras publicas, capitulo 8.°, secção 3.ª, ha uma verba para despezas diversas d'estes estabelecimentos na importancia de 3:000$000 réis;, mas como a lei não designou qual a verba que pertencia á escola do Porto e qual a que pertencia ao instituto de Lisboa, o resultado foi que o instituto de Lisboa como estava mais ao pé da porta, recebeu sempre por inteiro esta verba, quer dizer, gastou o instituto constantemente 3:000$000 réis por espaço de doze annos, e a escola do Porto não recebeu nem um real senão em um anno, e foi necessario, por assim dizer, pedir como que por um favor especial, para que viesse a receber alguma cousa, por occasião da exposição industrial de Londres, para a compra de alguns modelos, etc.

Pediu-se ao sr. ministro das obras publicas que applicasse metade desta quantia, n'aquelle e seguintes annos, para a escola do Porto; mas para que esta não receba por favor aquillo a que julgo tem direito, é que eu mandei para a mesa a proposta, a fim de que a escola do Porto partilhe d'esta verba na proporção que indico na mesma proposta.

Espero que o illustre, ministro e a commissão respectiva tomarão na devida consideração estas minhas propostas que não produzem augmento de despeza, e que podem tambem previamente satisfazer uma parte das necessidades do ensino n'aquella escola.

Emquanto á reforma, confio que o illustre ministro d'aqui até á primeira sessão tratará de se occupar d'este objecto, apresentando ácerca delle as propostas que julgar mais convenientes e necessarias, ou peça auctorisação para fazer a reforma.

Leram-se na mesa as seguintes propostas:

PROPOSTA

Capitulo 8.° — Secção 2.ª

Proponho que a verba de 750$000 réis, destinados ao ensino pratico nas officinas, seja applicada para gratificações a ajudantes substitutos da escolha do conselho escolar, emquanto não forem creados por lei os logares d'esta denominação com ordenados certos. = Faria Guimarães.

PROPOSTA

Capitulo 8.° — Secção 3.ª

Propomos que no orçamento se declare, quanto á verba de 3:000$000 réis de que trata esta secção, que 1:500$000 réis pertencem ao instituto industrial de Lisboa e 1:500$000 réis á escola industrial do Porto. = Faria Guimarães = Antonio Pinto de Magalhães Aguiar.

Foram ambas admittidas.

O sr. Vicente Peixoto: — Mando para a mesa um parecer da commissão de fazenda.

O sr. R. Lobo d'Avila: — (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

O sr. Sieuve de Menezes (sobre a ordem): — Mando para a mesa a seguinte proposta (leu).

As sociedades agricolas de todos os districtos têem muitas e variadas obrigações impostas no regulamento e lei da sua creação, entretanto não têem recursos de que possam dispor.

E por essa rasão que na secção 2.º do capitulo 4.° do orçamento do ministerio das obras publicas, que se está discutindo, se mencionou a verba de 10:600$000 réis para ser distribuida por differentes sociedades.

Já no anno passado o sr. duque de Loulé, estando encarregado da pasta das, obras publicas, poz á disposição do governador civil de Angra uma verba para a exposição que aquelle magistrado fez no districto, e que mereceu ser elogiada pelo ministro respectivo, como a primeira feita nos Açores.

Para que esta idéa possa continuar a desenvolver-se e a verificar-se, com especialidade na ilha Terceira, tenho a honra de representar n'esta casa, é que mando para a mesa a proposta.

Peço que, sendo admittida á discussão vá á commissão respectiva para a tomar na consideração que merecer; e rogo ao nobre ministro das obras publicas que a approve na commissão.

A proposta é a seguinte:

PROPOSTA

Capitulo 8.° - Secção 2.º

Proponho que da verba d'esta secção se applique a quantia de 800$000 réis para a sociedade agricola do districto de Angra do Heroismo, a fim de que ella possa emprehender alguns ensaios nas differentes industrias, exposições, etc. = Sieuve de Menezes.

Foi admittida.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. José Maria de Abreu.

O sr. J. M. de Abreu: — Está quasi a dar a hora, e nós não estamos em camara. Não ha numero sufficiente dentro da sala, e os deputados devem fallar para a camara e não para os seus amigos que estão aqui.

O Sr. Presidente: — Ha numero sufficiente para a discussão.

O sr. J. M. de Abreu: — Para o que eu quero dizer é indifferente; e como não gosto de contrariar a v. ex.ª, usarei da palavra para fazer breves considerações sobre a materia deste capitulo na parte relativa ao estabelecimento de ensino agricola.

Não me levanto para combater, a organisação deste ensino e do industrial, e muito menos para contestar as suas vantagens reconhecidas já por uma larga experiencia, e auctorisadas pelos exemplos das mais cultas nações.

Quando percorro a historia da organisação do ensino profissional, e particularmente do ensino agricola nos differentes paizes, não vejo que essa organisação esteja mais largamente estabelecida do que entre nós, nem mais adiantada.

Eu ouvi o illustre deputado, que acaba de fallar, pedir para a nossa agricultura e para o seu ensino medidas que estão todas já ha doze annos estabelecidas pela nossa legislação, e que são de todos conhecidas; e se neste ponto podesse haver a menor duvida, era este mesmo capitulo que estamos discutindo documento sufficiente para a desvanecer completamente (apoiados).

A questão não é se precisâmos de lei para estabelecer o ensino agricola nos seus tres diversos graus, ou para crear sociedades agricolas, e prover a outras necessidades d'este serviço publico; porque tudo isto está legislado; a verdadeira questão é se se têem tirado d'essa legislação todas as vantagens que podiam ou deviam tirar-se no interesse da nossa agricultura (apoiados).

O ensino agricola nas suas tres divisões — o officio, a arte e a sciencia está organisado nas escolas regionaes, nas quintas modelos e no instituto agricola; e discutir hoje o programma d'este ensino e das sciencias accessorias é pelo menos uma pura inutilidade.

E necessario dar um impulso á nossa agricultura pelos esforços das diversas localidades, e pelas sociedades agricolas, como em outros paizes, na França e na Belgica, por exemplo, onde os comicios agricolas tantos serviços prestam á agricultura, ou as sociedades agronomicas na Italia. Quem o duvida? Mas as sociedades agricolas existem entre nós em todos os districtos, e no orçamento vota-se a verba de réis 10:000$000 para subsidia-las e para promover as exposições, estudos agricolas e outras necessidades correlativas; portanto se a agricultura não tem alcançado ainda no paiz um maior desenvolvimento, como era para desejar, não póde isto attribuir-se a deficiencia na nossa legislação, ou a faltas que não existem

N'este ponto o que nos falta é tornar effectivas essas disposições em todas as suas partes, e colher dellas todas as vantagens que se podem obter, e que dependem tambem do concurso de outros meios peculiares, circumstancias não só de capitaes, mas mui particularmente de actividade, intelligencia e perseverança (apoiados).

É tambem uma verdade por todos reconhecida, que a agricultura é um dos primeiros elementos da riqueza e prosperidade mesmo dos paizes onde as condições naturaes do sólo e do clima não favorece largamente o desenvolvimento d'ella, e onde é necessario que a arte lute corajosamente para triumphar dos obstaculos da natureza. Mas não é menos certo que a prosperidade das nações não depende só de um ramo unico da industria a cuja cultura se limitem, por todos os seus cuidados e diligencias que maior importancia que esse ramo tenha, e por maiores que sejam as vantagens que se aufiram d'elle.

Nós somos uma nação agricola, mas poderemos ser tambem uma nação largamente industrial (apoiados).

Por longos annos existiu o preconceito, que a politica estrangeira, muito de proposito inculcava e favorecia de que eramos mais uma nação agricola do que industrial; mas os factos, desde 1836, e os notaveis progressos que as artes têem feito, e de que dêmos distinctas e irrecusaveis provas nas duas grandes exposições de París e de Londres, demonstraram quanto errada era aquella opinião, porque não só a agricultura, mas especialmente as outras industrias se acham muito adiantadas, rivalisando mesmo vantajosamente com as de nações de primeira ordem.

Não farei sobre este objecto nenhumas outras considerações. A illustração da camara dispensa-me de lhe referir o que ella sabe muito melhor do que eu.

Eu tinha pedido a palavra sobre este capitulo do orçamento, para chamar a attenção do sr. ministro das obras publicas, relativamente á execução que tem tido o decreto com força de lei de 16 de dezembro de 1852, que creou o ensino agricola.

O instituto agricola de Lisboa é sem duvida muito respeitavel pela illustração dos seus professores e pelos serviços importantes que tem prestado á agricultura (apoiados). Mas o ensino agricola de que um paiz carece não póde ser verdadeiramente proficuo, nem imprimir um grande desenvolvimento na economia rural, quando estiver circumscripto a uma só localidade, e quando for professado num unico estabelecimento, por maia auctorisado e por melhores que sejam as suas condições, porque o ensino da agricultura pratica varia segundo as variadas condições das regiões agricolas, e por isso é sempre incompleto debaixo deste ponto de vista, se se limitar a uma só localidade (apoiados).

A agricultura, no que depende da instrucção, não póde prosperar senão quando a seu ensino for professado na mesma região onde os seus preceitos tem de ser executados. É preciso ver e estudar as condições do seu sólo e da sua hydrographia, as influencias climatológicas e atmosphericas que caracterisam cada região agricola. O que se pratica numa localidade com excellente resultado, n'outra póde produzir effeitos inteiramente contrarios (apoiados). Um notavel agronomo dizia, quando lhe perguntavam quaes eram as regras geraes que a sciencia prescrevia para os diversos systemas de cultura, que = não o sabia, porque o que numa localidade é bom, n'outra dá resultados oppostos =; o que eu sei, acrescentava elle, é que = nesta região a regra com que me tenho dado sempre bem é esta =.

O ensino regional é uma das condições essenciaes, não só para o progresso e aperfeiçoamento agricola, mas para crear abegões, e dar uma solida instrucção á numerosa classe de agricultores, que não podem buscar mais subida instrucção nem melhor educação agricola nos cursos superiores.

O sr. Moraes Soares: — Peço a palavra.

O Orador: — Peço tambem a palavra sobre a materia.

É portanto da primeira necessidade prover de pessoal competente as escolas regionaes, para que possam quanto antes funccionar; e teria sido muito para desejar que a lei em logar de crear só duas destas escolas, alem da de Lisboa, estabelecesse algumas mais, a fim de que esta instrucção se diffundisse por outros pontos do paiz e abrangesse outras regiões agricolas, em que elle naturalmente se divide; e que pelo menos nas capitães dos diversos districtos se ministrasse o ensino elementar de agricultura, da veterinaria, da chimica e physica, da historia natural applicadas á economia rural (apoiados).

A escola regional de Evora e a de Coimbra são sem duvida importantissimas; mas não basta ter só estas duas escolas (apoiados); precisam-se tambem escolas ao norte do reino (apoiados); e no Algarve, região agricola mui especial (apoiados). É preciso remediar esta falta d'aquella lei.

Se todos reconhecem a necessidade de diffundir este ensino, levando-o ao centro das regiões agricolas, é para sentir que, depois de ha doze annos estar estabelecido este ensino entro nós, não haja uma unica escola regional funccionando (apoiados).

Crearam-se tambem quintas modelos, estabeleceram-se effectivamente algumas d'ellas; mas este mesmo ensino foi pouco depois abandonado!

Terá este lamentavel abandono por causa a falta de individuos habilitados para desempenhar as funcções do ensino agricola e das praticas ruraes nas escolas regionaes? Isto é impossivel; e se fôra esta a causa deporia tristemente contra os nossos estabelecimentos de ensino agricola; mas eu não o creio.

Muitas vezes levantei aqui a minha voz sobre este objecto, e pedi ao governo que olhasse seriamente para a necessidade de organisar aquellas escolas, mas sempre debalde (apoiados).

Sobre este ponto chamo a attenção do illustre ministro, e peço a s. ex.ª que declare quaes são as rasões que obstam ao provimento das cadeiras das escolas regionaes, e por que estas se não organisam?

A escola regional de Evora tem uma excellente quinta que era a extincta cerca da Cartuxa, a qual adquiriu o estado mediante a quantia de 26:000$000 réis, porque pertencia á casa pia daquella cidade; e todavia depois do thesouso ter feito este sacrificio, aquella escola não está provida. Acontece o, mesmo quanto á de Coimbra. É necessario que haja uma rasão bem poderosa para que o governo não tenha attendido a esta urgente necessidade; qual ella seja parece-me que o poderei dizer á camara na sessão seguinte, visto que já deu a hora. Peço portanto a v. ex.ª que me reserve a palavra.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — A ordem do dia para ámanhã é a mesma que vinha para hoje. Está levantada a sessão. Eram quatro horas da tarde.

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