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SESSÃO NOCTURNA DE 19 DE JULHO DE 1887 1847

as reformas que foram outr'ora o ideal do celebrado programma da Granja; os progressistas, de antigos ideologos politicos, converteram-se em homens do fomento, de conquistas materiaes; abandonaram as austeridades de um catonismo improficuo, para se darem a um epicurismo um pouco mais commodo e agradavel. (Vozes: - Muito bem.)
Introduziram o realismo na politica, vão americanisando o paiz, e não serei eu que accuse o governo e o partido progressista por ir procurar na America septentrional, pelo menos, o exemplo que descarregue o sobrecenho dos censores, que preferem ver o paiz menos embrenhado nas aventuras perigosas de uma americanisação plutocrata. (Apoiados.)
Tudo vae optimo. (Riso.)
Mas, voltando ao discurso do sr. Eduardo José Coelho, lembrarei ainda que s. exa. alludiu a uma revolução pela urna, feita pelo seu partido, e amplificou apologeticamente o caso, citando a eleição de M. Thiers pela cidade de Paris, como demonstração hostil á politica do segundo imperio.
Confesso ingenuamente que eu ignoiava a existencia d'essa revolução eleitoral, nem, tenho a minima idéa ácerca de quem fosse o nosso Thiers, erguido nos escudos do suffragio e voltado com gesto minaz para as bandas da Ajuda. (Riso.) Como, mau grado meu, não ouvi todo o discurso grave e correcto, mas tambem um pouco phantasioso do illustre deputado, nada mais direi com referencia ás considerações politicas de s. exa., e singrarei n'outro rumo.
Tratando do bill, o meu intento era occupar me de preferencia da nova reforma administrativa; mas já me parece extemporâneo faltar de tal assumpto.
Eu não tenho o mais pequeno intuito de trazer para aqui questões politicas; não venho dardejar contra o governo ou contra a maioria nenhuma objurgatoria terrivel; sou um homem singelo, pacato e sem temperamento proprio para as indignações rhetoricas, que tanto admiro n'alguns dos meus collegas d'este lado da camara.
Apesar de tarde, e quando a camara já não tem paciencia para discursos doutrinarios, direi ainda algumas palavras sobre o codigo administrativo do sr. Luciano de Castro.
Ora, este codigo administrativo se tem cousas boas, tambem tem cousas pessimas. (Apoiados.)
Não posso ser tão amavel com o governo que diga que tudo isto é sublime.
Se assim fosse, seria mister que eu collocasse o nobre presidente do conselho no alto do Synai e considerasse a camara como um Moysés, que vinha receber estas novas tábuas da lei, que, pela origem divina, não deviam ficar sujeitas á apreciação critica de mesquinhas mortaes.
N'um codigo administrativo um dos principios fundamentaes a attender é a demarcação dos limites da acção do estado na gerencia dos negocios que interessam ás aggremiações sociaes e politicas que se chamam districtos, municipios e parochias.
Eu devo declarar á camara que não sou partidario intransigente da descentralisação administrativa.
Ha uma certa escola que preconisa o nihilismo administrativo, no dizer do sr. H. Huxley, affirmando que o estado tem só direito de proteger os cidadãos contra os ataques dos seus inimigos e que a sua acção se limita a prevenir os crimes, não sendo a fórma de governo nem a democracia, nem a monarchia, mas sim a astynomocracia, isto é, um governo com meras funcções policiaes.
É o sr. Spencer, o extraordinario sabio inglez, um extrenuo propugnador d'estas idéas, e n'um dos seus ensaios, o organismo social, profundamente se occupa da defeza da astynomocracia.
Outra escola ha que proclama que o estado é uma personalidade differente dos individuos, que tem um direito proprio, o qual se objectiva na protecção dos interesses sociaes, devendo a sua acção ser extensiva a todas as manifestações de vida politica e economica de uma sociedade. A doutrina d'esta escola tem hoje muitos e insignes sectarios na Allemanha principalmente.
O novo codigo administrativo subordina-se aos principios de qualquer das duas escolas?
A resposta não póde ser affirmativa.
Ha n'elle um certo ecletismo de idéas, incongruente, contradictorio e absurdo, que torna este monumento da nossa legislação pouco conciliador do respeito dos vindouros. Está fatalmente condemnado a uma existencia ephemera. (Apoiados.)
Obedece porventura ás tradições historicas da nação?
Tambem a resposta não póde ser desafogadamente affirmativa.
O sr. ministro do reino peregrinou por varios paizes e forrageou por lá o que lhe pareceu melhor e preparou um codigo, que o resgatasse das difficuldades da lucta entre Braga e Guimarães e que o auctorisasse a dissolver os corpos administrativos e a eleger os seus amigos, para estes elegeram outros amigos para o governo ter maioria segura n'uma das casas do parlamento. (Apoiados.)
Era este o pensamento predominante no espirito do auctor do codigo, e como a promulgação de um novo codigo o habilitava a usufruir o poder com mais socego, é duro o não preoccupava a idéa de organisar a administração publica pelo modo mais consentaneo com a indole do nosso povo, com os seus costumes, com as suas tendencias e com os seus habitos politicos.
Se a estas horas da noite e com este calor a erudição pudesse ter cabimento, eu sempre citaria a opinião de Leroy-Beaulieu, que é sempre tão bemquisto do nosso parlamento.
Sempre o citarei, releve-me a caiçara esta impertinencia.
«O que ha de mais intimo, diz o publicista, nas instituições de um povo, o que melhor tem gravada a effigie do seu caracter é a administração local. O movimento da civilisação europêa tende a dar um cunho de uniformidade com variantes insignificantes ás instituições geraes de cada nação, para o que muito concorrem as relações quotidianas em que estão e a proximidade a que se acham; mas as administrações locaes, que não têem a mesma raça e a mesma indole, que não têem o mesmo desenvolvimento historico, apresentarão sempre differenças profundas. Querer transplantar n'um paiz a organisação communal ou provincial de um estado vizinho, copiar servilmente instituições que são o fructo da tradição secular, seria dar prova de uma estranha leviandade, ou de singular inexperiencia.»
Parece, que estas palavras foram applicadas a uma critica da nossa nova reforma administrativa. (Apoiados.)
A maior novidade do codigo é a creação dos municipios autonomos e a dos tribunaes administrativos.
Um concelho póde ter autonomia, logo que a sua area comprehenda 40:000 habitantes, se assim, aprouver aos magnates com influencia eleitoral.
Ora, ou o principio e bom. ou é mau, se é bom porque não se prescrevo na lei a existencia d'esses municipios, independentemente da reclamação de dois terços dos eleitores?
No meu modo de ver, no nosso paiz só podem ser autonomos os municipios de Lisboa e Porto pela condição especial de vida economica d'estas duas cidades, numero da sua população e superiores necessidades de policia e de administração.
Em varias nações ha os municipios ruraes e os urbanos; mas o que lá se não vê é municipios puramente ruraes como Barcellos, que é autonomo, e a Feira, que póde sel-o; municipios com uma organização distincta, só porque abrangem no seu alfoz uma população de 40:000 habitantes, em-