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SESSÃO NOCTURNA DE 19 DE JULHO DE 1887

Presidencia do exmo. sr. José Maria Rodrigues de Carvalho

Secretarios os exmos. srs.

Francisco José de Medeiros
José Maria de Alpoim Cerqueira Borges Cabral

SUMMARIO

Requerimento do sr. Pereira Carrilho, em nome da commissão de fazenda. - Dá-se conta da ultima redacção do projecto de lei n.° 160. - Apresenta um parecer da commissão de fazenda o sr. Oliveira Martins, ácerca das emendas feitas pela camara dos dignos pares ao projecto n.° 104. Declarada a urgencia, é o parecer approvado sem discussão. - A requerimento do sr. Victor dos Santos é aggregado á commissão de marinha o sr. Augusto Ribeiro.
Na ordem da noite, primeira parte, é approvado sem discussão o projecto de lei n.° 105. - Continuando em discussão o projecto de lei n.° 147, e não se achando presentes os srs. deputados inscriptos, procedeu-se á votação. - É rejeitada uma das propostas do sr. Lopo Vaz e considera-se prejudicada a outra, sendo em seguida approvado o projecto com as emendas do sr. Barbosa de Magalhães e remettidos os additamentos á commissão, a requerimento do sr. Pereira Carrilho. - Approva-se sem discussão o projecto de lei n.º 189.
Na segunda parte da ordem da noite continua a discussão do artigo 2.° do projecto de lei n.º 138, bill de indemnidade. - Conclue o seu discurso, começado na sessão diurna, o sr. Eduardo Jofcé Coelho, que apresenta uma moção de confiança. - Combate diversas disposições do novo codigo administrativo o sr. Antonio Castello Branco. - A requerimento do sr. Goes Pinto julga-se a matéria discutida. - São rejeitadas as moções dos srs. João Arroyo e João Pinto, e retiradas as dos srs. Eduardo de Abreu e Eduardo José Coelho, a seu pedido. - Resolve-se que sejam admittidas, para serem enviadas á commissão, quaesquer outras propostas que os srs. deputados queiram mandar para a mesa. - Apresentam propostas os srs. Pereira Carrilho, D. José de Saldanha, D Fernando Coutinho, António Villara e Franco Castello Branco. - Approva-se o artigo 2.º do projecto, sem prejuizo das propostas. - Entra em discussão o artigo 3.°, e a requerimento do sr. Goes Pinto proroga-se a sessão até se votar este artigo. - Usa da palavra o sr. Firmino Lopes, combatendo algumas disposições do decreto dictatorial sobre aposentações dos juizes; manda para a mesa uma proposta. - O sr. Oliveira Valle defende a dictadura do governo e sustenta uma moção de ordem approvando o bill de indemnidade. - Apresenta tres propostas o sr. Teixeira de Vasconcellos para serem presentes á commissão. - O sr. Silva Cordeiro declara os motivos por que desiste da palavra. - O sr. Oliveira Valle retira a sua moção, sendo em seguida approvado o artigo 3.º do projecto. - Usa ainda da palavra para explicações o sr. Firmino Lopes.

Abertura da sessão - Ás nove horas e um quarto da noite.

Presentes á chamada 60 srs. deputados. São os seguintes:- Albano de Mello, Alfredo Pereira, Antonio Castello Branco, Baptista de Sousa, Antonio Candido, Oliveira Pacheco, Tavares Crespo, Mazziotti, Simões dos Reis, Santos Crespo, Miranda Montenegro, Augusto Ribeiro, Victor dos Santos, Eduardo José Coelho, Elizeu Serpa, Goes Pinto, Madeira Pinto, Felliciano Teixeira, Fernando Coutinho (D.), Firmino Lopes, Almeida e Brito, Francisco Beirão, Francisco de Barros, Francisco Machado, Francisco de Medeiros, Sá Nogueira, Pires Villar, João Pina, Dias Gallas, Menezes Parreira, Teixeira de Vasconcellos, Rodrigues dos Santos, Correia Leal, Silva Cordeiro, Oliveira Valle, Oliveira Martins, Simões Ferreira, Jorge de Mello (D.), Amorim Novaes, Alves de Moura, Barbosa Collen, Pereira e Matos, Abreu Castello Branco, Vasconcellos Gusmão, José Maria de Andrade, Barbosa de Magalhães, Rodrigues de Carvalho, José de Saldanha (D.), Simões Dias, Julio Graça, Julio Pires, Julio de Vilhena, Poças Falcão, Manuel Espregueira, Manuel José Correia, Marianno de Carvalho, Pedro Monteiro, Dantas Baracho, Estrella Braga e Visconde de Silves.

Entraram durante a sessão os srs.: - Alfredo Brandão, António Villaça, Ribeiro Ferreira, Gomes Neto, Pereira Borges, Guimarães Pedrosa, Jalles, Pereira Carrilho, Augusto Fuschini, Lobo d'Avila, Elvino de Brito, Emygdio Julio Navarro, Francisco Matoso, Fernandes Vaz, Lucena o Faro, Severino de Avellar, Guilherme de Abreu, Candido da Silva, Cardoso Valente, Franco de Castello Branco, Santiago Gouveia, Vieira de Castro, Alfredo Ribeiro, Joaquim da Veiga, Ferreira Galvão, José Castello Branco, Ruivo Godinho, Elias Garcia, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, Alpoim, Oliveira Matos, José Maria dos Santos, Santos Moreira, Vieira Lisboa, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Miguel Dantas e Visconde de Monsaraz.

Não compareceram á sessão os srs.: - Moraes Carvalho, Serpa Pinto, Mendes da Silva, Anselmo de Andrade, Alves da Fonseca, Sousa e Silva, Campos Valdez, Antonio Centeno, Antonio Ennes, Moraes Sarmento, Antonio Maria de Carvalho, Fontes Ganhado, Barros e Sá, Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Pimentel, Bernardo Machado, Conde de Castello de Paiva, Conde de Villa Real, Eduardo de Abreu, Estevão de Oliveira, Matoso Santos, Freitas Branco, Castro Monteiro, Francisco Ravasco, Soares de Moura, Frederico Arouca, Gabriel Ramires, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Casal Ribeiro, Baima de Bastos, Searnichia, Izidro dos Reis, Souto Rodrigues, João Arroyo, Sousa Machado, Alves Matheus, Joaquim Maria Leite, Jorge O'Neill, Avellar Machado, Ferreira de Almeida, Dias Ferreira, Laranjo, Guilherme Pacheco, José de Napoles, Ferreira Freire, Pinto de Mascarenhas, Santos Reis, Abreu e Sousa, Lopo Vaz, Mancellos Ferraz Luiz José Dias, Bandeira Coelho, Manuel d'Assumpção, Manuel José Vieira, Brito Fernandes, Marianno Prezado, Matheus de Azevedo, Miguel da Silveira, Pedro Victor, Sebastião Nobrega, Tito de Carvalho, Vicente Monteiro, Visconde da Torre, Wenceslau de Lima e Consiglieri Pedroso.

Acta - Approvada.

REQUERIMENTO DE INTERESSE PUBLICO

Requeiro que seja ouvido o governo sobre a pretensão de Guilherme Quintino Lopes de Macedo. = A. Carrilho.
Mandou-se expedir.

Deu-se conta da ultima redacção do projecto de lei n.° 160, approvando para ser ratificado pelo poder executivo o accordo para a permutação de encommendas postaes, sem valor declarado, entre Portugal e a Gran-Bretanha.
O sr. Oliveira Martins: - Mando para a mesa o parecer da commissão de fazenda, ácerca de uma mensagem vinda da camara dos dignos pares do reino, propondo differentes emendas ao projecto n.° 104, relativo ao banco emissor.
Requeiro a v. exa. que tenha a bondade de consultar a camara, se permitte que, dispensado o regimento, este parecer entre desde já em discussão.
Consultada a camara, assim se resolveu.
Leu-se o seguinte:

PARECER

Senhores. - Á vossa commissão de fazenda foi presente a mensagem da camara, dos dignos pares do reino, conten-

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do as alterações feitas pela mesma camara ao projecto de lei que tem por fim a creação de um banco emissor. E porque essas alterações não modificam a economia geral do projecto, antes o esclarecem, entende que devem ser approvadas para que a proposição de lei possa subir á sancção real.
Sala da commissão, aos 19 de julho de 1887. = Carlos Lobo d'Avila = Marianno Presado = Alves da Fonseca = Antonio Candido = A. Baptista de Sousa = Antonio Eduardo Villaça = Antonio M. P. Carrilho = J. P. Oliveira Martins, relator. - Tem voto do sr. Vicente Monteiro.

Alterações a que se refere este parecer

Ao artigo 23.º das bases, acrescente-se: - «§ 1.º Esta emissão só poderá ser feita á proporção que se realisarem os desembolsos do banco, e as obrigações serão a garantia das do estado».
Em logar do § unico: - § 2.º
No artigo 34.º, em logar de commissões: - secções.
Palacio das côrtes, em 18 de julho de 1887. = Antonio J. de Barros e Sá = Frederico Ressano Garcia, par do reino, secretario = Conde de Paraty, par do reino, vice-secretario.
Approvou-se o parecer sem discussão.

Leu-se na mesa a ultima redacção do projecto n.º 107 e foi approvada.
O sr. Presidente: - Passa-se á

PRIMEIRA PARTE DA ORDEM DA NOITE

Leu-se o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.º 155

Senhores. - Foi presente á vossa commissão de administração publica a proposta de lei n.º 145-B, de iniciativa governamental, para serem applicaveis as disposições da carta de lei de 11 de abril de 1874 às juntas de parochia, e ás irmandades e confrarias que não tenham a seu cargo estabelecimentos de beneficencia, pelas suas gerencias anteriores a 1 de julho de 1887.
Sempre que na organisação de qualquer ramo de serviço publico se opera uma reforma tão profunda, como a que fez na administração política e civil o codigo administrativo de 17 de julho de 1886, tornam-se indispensaveis disposições transitorias, que, respeitando direitos adquiridos, ou perdoando culpas passadas, auctorisem e facilitem d'ahi por diante a rigorosa applicação da nova lei.
A praxe e o caracter dos tribunaes determinam naturalmente, e muitas vezes, o modo de cumprir as obrigações, que por elles têem de ser julgadas, porque, se o uso não faz leis, nem o desuso as revoga, o sentido em que os tribunaes as interpretam, e a maneira por que as auctoridades as executam é que podem crear esperanças e induzir em erros, que é então de equidade não illudir, ou não castigar.
A responsabilidade das juntas de parochia e das mesas das irmandades e confrarias, cujo rendimento fosse inferior á alçada do tribunal de contas, era dantes julgada pelos conselhos de districto. A defeituosa organisação d'estes tribunaes, a sua indole essencialmente partidaria, e a falta de um regulamento para as suas decisões motivaram uma tal accumulação de processos, predispozeram de tal fórma ao desleixo e ao abuso, e introduziram na gerencia e na contabilidade d'aquellas corporações tão nocivas praticas, que, quando agora os novos tribunaes administrativos, com o seu caracter eminentemente judicial, quizeram ser rigorosos nas formulas e na applicação do direito, se encontraram em serios embaraços e levantaram geraes clamores.
É pois conveniente aplanar-lhes essas dificuldades, e de equidade attender a essas reclamações, desde que o interesso publico não soffra, nem a moralidade publica se offenda. E a isso nos parece satisfazer-se, approvando o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º As disposições da carta de lei de 11 de abrir de 1874 são applicaveis ás juntas de parochia, e ás irmandades e confrarias que não tenham a seu cargo algum estabelecimento de beneficencia, pelas suas gerencias anteriores a 1 de julho de 1887.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala da commissão, 4 de julho de 1887. - E. J. Coelho = José de Saldanha Oliveira e Sousa = Henrique de Sá Nogueira = Castello de Paiva = Julio Cesar de Faria Graça = J. P. Oliveira Martins = Antonio Simões dos Reis = Conde de Villa Real = Vicente R. Monteiro = Barbosa de Magalhães, relator.

N.º 145-B

Senhores. - Um dos ramos da administração publica, que, anteriormente ao codigo administrativo approvado por decreto de 17 de julho de 1886, mais carecia de urgente reforma, era sem duvida o julgamento das contas dos corpos administrativos e das irmandades e confrarias, sendo notorio o estado deplorável a que chegára este serviço.
No desempenho porém das suas funcções têem-se n'esta parte encontrado os actuaes tribunaes administrativos em grandes embaraços, resultantes da excessiva accumulação e irregular instrucção dos processos, da confusão de uns com outros, da insufficiencia e extravio de documentos; o que tudo torna muitas vezes em extremo difficil, se não impossivel, a exacta apreciação, e o seguro julgamento das contas, a que se referem esses processos.
D'aqui resulta que, ao passo que os tribunaes, no stricto cumprimento do dever, que lhes incumbe o artigo 373.° do codigo administrativo, applicam as penas ali comminadas, a opinião publica reclama contra este rigor, e os proprios juizes fazem violencia aos seus naturaes sentimentos de equidade, parecendo-lhes que as faltas, que punem, mais se deveriam imputar aos vicios de constituição dos conselhos de districto, cuja incuria e errada jurisprudencia os auctorisaram, do que ao desleixo e ignorancia das gerencias, a que hoje se pede a inteira responsabilidade de factos, que a praxe anterior deixava sem correctivo.
N'estas circumstancias parece bem cabido renovarem-se as providencias da lei de 11 de abril de 1874 na parte relativa ás juntas de parochia e ás irmandades e confrarias, que não tenham a seu cargo estabelecimentos de beneficencia, relevando as suas gerencias da responsabilidade das despezas não auctorisadas em orçamento, quando não sejam alheias á sua competencia, e se tenham realisado em proveito da respectiva parochia ou instituto; pois são aquellas entidades, que pelo seu pessoal e menor importancia dos negócios a seu cargo mais carecem d'esta equitativa medida.
Não importa porém esta indulgencia a perpetuação dos abusos anteriores, porque nos tribunaes administrativos se encontra agora um seguro penhor da futura regularidade, o que aliás não aconteceu para com a citada lei de 11 de abril de 1874.
Acresce ainda que, se por esta fórma se attende equitativamente á precária situação de muitos gerentes, para os quaes a imposição de multas antes importaria a completa ruina, do que a justa punição de erros provenientes apenas da incuria ou ignorancia, não é menor o beneficio, que resulta para o serviço publico, cujo expediente difficilmente se póde desembaraçar de tantos processos, que desde longos annos se acham pendentes.
Convencido pois da conveniencia d'esta medida, e da necessidade de facilitar a entrada e a marcha da administração no caminho da ordem e da justiça, traçado pela reforma administrativa, tenho a honra de submetter á vossa elevada apreciação a seguinte proposta de lei:
Artigo 1.º As disposições da carta de lei de 11 de abril

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de 1874 são applicaveis ás gerencias anteriores a 1 de julho do corrente anuo, no que respeita ás contas das juntas de parochia e das irmandades e confrarias que não tenham a seu cargo estabelecimentos de beneficencia.
Art. 2.º Fica revogada a legislação em contrario.
Secretaria d'estado dos negocios do reino, em 30 de junho de 1887. - José Luciano de Castro.

O sr. Presidente: - Está em discussão na generalidade e especialidade.
Não havendo quem pedisse a palavra, foi posto á votação e approvado.
O sr. Victor dos Santos: - Mando para a mesa o seguinte

Requerimento

Requeiro que seja aggregado á commissão de marinha o sr. deputado Augusto Ribeiro, deputado por Loanda. = O secretario da commissão, Victor dos Santos.
Foi approvado.

O sr. Presidente: - Continúa em discussão o projecto de lei n.º 147, que concede á junta geral de Aveiro o subsidio de 8:000$000 réis para a construcção de um edificio destinado ás repartições publicas do districto ou ao lyceu.
(Pausa.)
O sr. Presidente: - Como não estão presentes os srs. deputados que se acham inscriptos sobre este projecto, e ninguem mais pede a palavra, vae proceder-se á votação, começando-se pelas propostas do sr. Lopo Vaz, que são de adiamento.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho que o projecto volte á commissão para ser devidamente remodelado. = Lopo Vaz.
Foi rejeitada.

Leu-se a seguinte

Proposta

Proponho, no caso de não ser approvada a proposta precedente, que seja adiada a discussão do projecto para quando estiver presente o sr. ministro da fazenda. = Lopo Vaz.

O sr. Presidente: - Esta proposta está prejudicada pela presença do sr. ministro da fazenda.
Vae ler-se o artigo 1.° do projecto para se votar.
Leu-se. É o seguinte:

«Artigo 1.º É concedido á junta geral do districto de Aveiro o subsidio de 8:000$000 réis para a construcção de um edificio destinado ás repartições publicas do mesmo districto ou ao lyceu nacional d'aquella cidade.
«§ unico. Esta quantia sairá da verba destinada no orçamento geral do estado para edificios publicos.»

O sr. Presidente: - Ha um additamento e uma emenda a este artigo, apresentados pelo sr. Barbosa de Magalhães. Vão ler-se.
Leram-se. São os seguintes propostas:

Additamento

§ 1.° Este subsidio será satisfeito em parcellas, e cada uma d'estas só poderá ser requintada, mostrando-se haver já obras feitas pela junta geral n'este edificio, de valor, pelo menos igual ao das quantias requisitadas. = Barbosa de Magalhães.

Emenda

O § unico passará a ser § 2. = Barbosa de Magalhães. Foi approvado o artigo e um o additamento e a emenda.

Leu-se a seguinte

Proposta

Proponho que os additamentos offerecidos a este projecto, applicando a sua doutrina a outros districtos, sejam considerados como projectos de lei especiaes e enviados ás commissões de administração e de fazenda para darem sobre elles o seu parecer. = A. Carrilho.
Foi approvada.

Leu-se o

«Artigo 2.° Fica revogada a legislação em contrario.»
Approvado.

O sr. Presidente: - Passa-se á discussão de outro projecto.
Leu-se na mesa. É o seguinte:

PROJECTO DE LEI N.° 149

Senhores. - Á vossa commissão de administração publica foi presente o projecto de lei n.° 145-A, de iniciativa do sr. deputado Tavares Crespo, alterando a divisão das assembléas eleitoraes do concelho de Alcobaça, que faz parte do circulo plurinominal de Leiria, n.º 66; e por julgar procedentes as considerações expostas no relatorio que o precede, e por entender que é sempre de conveniencia publica facilitar o exercicio do suffragio, é de parecer, de accordo com o governo, que seja approvado este projecto de lei:
Artigo 1.° O concelho de Alcobaça, que faz parte do circulo plurinominal de Leiria, n.° 66, será dividido em sete assembléas eletoraes, pela forma seguinte: a primeira, com sede em Alcobaça, e composta das freguezias de Alcobaça, Vestearia e Vallado; a segunda, com sede em Célia, e composta das freguezias de Célia, Famalicão e Vimeiro; a terceira, com sede em S. Vicente, e composta das freguezias de S. Vicente, Prazeres e Evora; a quarta, com sede em Alfeizerão, e composta das freguezias de Alfeizerão e S. Martinho; a quinta, com sede em Alpedriz, e composta das freguezias de Alpedriz, Pataias, Coz e Maiorga; a sexta, com séde em Pederneira, e composta d'esta freguezia; e a setima, com séde em Turquel, e composta das freguezias de Turquel e Benedicta.
Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, 2 de julho de 1887. = Eduardo José Coelho = Castello de Paiva = Julio Cesar de Faria Graça = Vicente Rodrigues Monteiro = Henrique de Sá Nogueira = Antonio Simões dos Reis = José de Saldanha Oliveira e Sousa = Simões Ferreira = Barbosa de Magalhães, relatar.

N.º 146-A

Senhores. - O concelho de Alcobaça, que faz parte do circulo plurinominal de Leiria, n.º 66, está dividido em sete assembléas eleitoraes, cujas sedes são as seguintes:

[Ver tabela na imagem]

Esta divisão, inconvenientissima para a commodidade dos

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Eleitores, obriga o maior numero a deslocar-se para pontos distantes em beneficio do menor numero de eleitores; e dá em resultado que algumas das sédes das assembléas eleitores são as menos populosas, e onde não ha o pessoal necessario para a constituição das mesas, nem igrejas apropriadas para o serviço das operações eleitoraes.
Em vista d'estas breves considerações parece-me justo e necessario que se faça nova divisão de assembléas nos termos do seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º O concelho de Alcobaça será dividido em sete assembléas eleitoraes pela fórma seguinte:

[Ver tabela na imagem]

Art. 2.° Fica revogada a legislação em contrario.
Sala das sessões, em 1 de julho de 1887. = O deputado pelo circulo n.° 66, Antonio Lucio Tavares Crespo.

O sr. Presidente: Está em discussão na generalidade e especialidade.
Não havido quem pedisse a palavra foi posto á votação e approvado.

SEGUNDA PARTE DA ORDEM DA NOITE

Continuação da discussão do artigo 2.º do projecto de lei n.º 138 («bill» de indemnidade)

O sr. Eduardo José Coelho: - Defendeu largamente o projecto.
(O discurso será publicado quando s. exa. restituir as notas tachygraphicas.)
Leu-se na mesa a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que a dictadura que o governo assumiu e exerceu lhe foi aconselhada pelas circumstancias politicas em que se encontrava o paiz, e reconhecendo ainda que nos decretos dictatoriaes foram attendidas urgentes necessidades publicas, continúa na ordem do dia. = E. J. Coelho.
Foi admittida.
O sr. Antonio de Azevedo Castello Branco: - Chega-me, alfim a palavra.
Pedi-a na generalidade d'este projecto. Eu tinha prestado a minha attenção a este complexo assumpto; como, porém, haja decorrido tanto tempo desde o momento em que eu entendi que me cabia a palavra na ordem da inscripção, quasi posso dizer que me esqueceram as considerações que me propunha fazer.
Vou agora dizer, pois, o que se me offereça.
Começarei pela historia que o sr. Eduardo José Coelho fez das evoluções do partido progressista desde a sua origem até ao presente.
O illustre deputado e meu amigo fez um discurso tão ponderoso e tão longo, mas sempre levantado e interessante, que francamente declaro penalisar-me não o ter ouvido todo; mas nem eu presumia que tinha a palavra em seguida a s. exa. nem a alta temperatura, marcada pelo thermometro, e não pelos ardores da politica partidaria, consente que se dê uma attenção demorada aos oradores, ainda que sejam do quilate do sr. Eduardo José Coelho.
É-me grata a coincidencia de ter de ser eu quem responda a s. exa., pois na discussão do codigo administrativo, apresentado em 1881 pelo sr. José Luciano de Castro, hoje digno presidente do conselho, foi s. exa. que me deu a honra de responder ás minhas anodynas observações, feitas ao projecto do codigo que então se discutia.
Eram anodynas as minhas palavras de então, porque eram unicamente tendentes a fazer com que aquella lei fosse mais ou menos praticável e acceitavel pelo paiz, de modo que, sendo uma das instituições fundamentaes por se tratar da administração districtal, municipal e parochial, a minha intenção era que fosse a mais conforme ás tradições e aspirações do paiz, facilmente exequivel pela clareza dos seus preceitos, e bem acceita pelos povos por corresponder aos seus costumes e legitimos interesses. (Apoiados.)
Então o sr. Eduardo José Coelho respondeu ás minhas palavras com a alta competencia e com o lucido criterio que o distingue; hoje, porém, s. exa. preferiu ás considerações sobre o novo codigo administrativo a fazer a chronica do partido progressista ab ovo, enaltecendo os feitos e triumphos do seu partido, como historiador apaixonado e um pouco imaginoso.
A preoccupação constante do discurso do illustre deputado consistiu na demonstração paciente dos esforços herculeos do partido regenerador para trucidar o partido progressista, que, com vigor titanico, ha resistido briosamente alçando a fronte altiva e impavida. (Vozes: - Muito bem.) Entre as machinações terriveis dos regeneradores contra os progressistas, mencionou o insigne panegyrista do seu partido a carta de lei de 8 de maio de 1878, attribuindo o alargamento do suffragio estabelecido por aquella carta de lei a um plano machiavelico de esmagar o partido progressista no berço das nossas liberdades, na invicta cidade do Porto.
Não foi sem uma certa surpreza que escutei as palavras do illustre deputado, quando referia este grão caso, pois que a lei alludida era da iniciativa do venerando e chorado estadista, o sr. duque d'Avila, iniciativa que, tendo-se mallogrado, foi mais feliz em mãos de regeneradores, que a converteram em lei.
Ora nem o sr. duque d'Avila pretendia subverter o partido progressista, que tanto o thurificava em 1878 e junto do qual tinha o sr. Barros e Cunha, que não era suspeito mas antes amigo velho e prestimoso, nem os regeneradores pensaram jamais em supplantar o mesmo partido, que sempre se vangloriára de ser popular, patuléa, adoptando um plano contraproducente, pois tal seria o alargamento do suffragio até ás classes proletarias. (Apoiados.)
Não se compadece com a notoria brandura de nossos costumes o intuito truculento de um partido tyrannisar outro, ou de o reduzir ao ostracismo perpetuo. (Apoiados.)
Isto é um paiz bonacheirão, onde as paixões politicas raras vezes produzem mais do que as fulgurações instantaneas do lycopodio da rhetorica.
Os partidos não se degladiam no parlamento com sanha feroz, e se se dardejam calumnias e injurias contra os mais eminentes homens de estado, isso são brinquedos pueris da imprensa, de que a final se não faz caso; pois que este é o melhor dos paizes, como certamente diria o dr. Pangloss.
(Riso.)
Chega a tal ponto a cordialidade dos partidos n'esta pacata Hollanda occidental, que se trocam os programmas entre si, como se foram bilhetes de visita. (Riso.)
Os regeneradores, que são tidos como conservadores, partidarios lentos e tardios da civilisação, têem produzido

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as reformas que foram outr'ora o ideal do celebrado programma da Granja; os progressistas, de antigos ideologos politicos, converteram-se em homens do fomento, de conquistas materiaes; abandonaram as austeridades de um catonismo improficuo, para se darem a um epicurismo um pouco mais commodo e agradavel. (Vozes: - Muito bem.)
Introduziram o realismo na politica, vão americanisando o paiz, e não serei eu que accuse o governo e o partido progressista por ir procurar na America septentrional, pelo menos, o exemplo que descarregue o sobrecenho dos censores, que preferem ver o paiz menos embrenhado nas aventuras perigosas de uma americanisação plutocrata. (Apoiados.)
Tudo vae optimo. (Riso.)
Mas, voltando ao discurso do sr. Eduardo José Coelho, lembrarei ainda que s. exa. alludiu a uma revolução pela urna, feita pelo seu partido, e amplificou apologeticamente o caso, citando a eleição de M. Thiers pela cidade de Paris, como demonstração hostil á politica do segundo imperio.
Confesso ingenuamente que eu ignoiava a existencia d'essa revolução eleitoral, nem, tenho a minima idéa ácerca de quem fosse o nosso Thiers, erguido nos escudos do suffragio e voltado com gesto minaz para as bandas da Ajuda. (Riso.) Como, mau grado meu, não ouvi todo o discurso grave e correcto, mas tambem um pouco phantasioso do illustre deputado, nada mais direi com referencia ás considerações politicas de s. exa., e singrarei n'outro rumo.
Tratando do bill, o meu intento era occupar me de preferencia da nova reforma administrativa; mas já me parece extemporâneo faltar de tal assumpto.
Eu não tenho o mais pequeno intuito de trazer para aqui questões politicas; não venho dardejar contra o governo ou contra a maioria nenhuma objurgatoria terrivel; sou um homem singelo, pacato e sem temperamento proprio para as indignações rhetoricas, que tanto admiro n'alguns dos meus collegas d'este lado da camara.
Apesar de tarde, e quando a camara já não tem paciencia para discursos doutrinarios, direi ainda algumas palavras sobre o codigo administrativo do sr. Luciano de Castro.
Ora, este codigo administrativo se tem cousas boas, tambem tem cousas pessimas. (Apoiados.)
Não posso ser tão amavel com o governo que diga que tudo isto é sublime.
Se assim fosse, seria mister que eu collocasse o nobre presidente do conselho no alto do Synai e considerasse a camara como um Moysés, que vinha receber estas novas tábuas da lei, que, pela origem divina, não deviam ficar sujeitas á apreciação critica de mesquinhas mortaes.
N'um codigo administrativo um dos principios fundamentaes a attender é a demarcação dos limites da acção do estado na gerencia dos negocios que interessam ás aggremiações sociaes e politicas que se chamam districtos, municipios e parochias.
Eu devo declarar á camara que não sou partidario intransigente da descentralisação administrativa.
Ha uma certa escola que preconisa o nihilismo administrativo, no dizer do sr. H. Huxley, affirmando que o estado tem só direito de proteger os cidadãos contra os ataques dos seus inimigos e que a sua acção se limita a prevenir os crimes, não sendo a fórma de governo nem a democracia, nem a monarchia, mas sim a astynomocracia, isto é, um governo com meras funcções policiaes.
É o sr. Spencer, o extraordinario sabio inglez, um extrenuo propugnador d'estas idéas, e n'um dos seus ensaios, o organismo social, profundamente se occupa da defeza da astynomocracia.
Outra escola ha que proclama que o estado é uma personalidade differente dos individuos, que tem um direito proprio, o qual se objectiva na protecção dos interesses sociaes, devendo a sua acção ser extensiva a todas as manifestações de vida politica e economica de uma sociedade. A doutrina d'esta escola tem hoje muitos e insignes sectarios na Allemanha principalmente.
O novo codigo administrativo subordina-se aos principios de qualquer das duas escolas?
A resposta não póde ser affirmativa.
Ha n'elle um certo ecletismo de idéas, incongruente, contradictorio e absurdo, que torna este monumento da nossa legislação pouco conciliador do respeito dos vindouros. Está fatalmente condemnado a uma existencia ephemera. (Apoiados.)
Obedece porventura ás tradições historicas da nação?
Tambem a resposta não póde ser desafogadamente affirmativa.
O sr. ministro do reino peregrinou por varios paizes e forrageou por lá o que lhe pareceu melhor e preparou um codigo, que o resgatasse das difficuldades da lucta entre Braga e Guimarães e que o auctorisasse a dissolver os corpos administrativos e a eleger os seus amigos, para estes elegeram outros amigos para o governo ter maioria segura n'uma das casas do parlamento. (Apoiados.)
Era este o pensamento predominante no espirito do auctor do codigo, e como a promulgação de um novo codigo o habilitava a usufruir o poder com mais socego, é duro o não preoccupava a idéa de organisar a administração publica pelo modo mais consentaneo com a indole do nosso povo, com os seus costumes, com as suas tendencias e com os seus habitos politicos.
Se a estas horas da noite e com este calor a erudição pudesse ter cabimento, eu sempre citaria a opinião de Leroy-Beaulieu, que é sempre tão bemquisto do nosso parlamento.
Sempre o citarei, releve-me a caiçara esta impertinencia.
«O que ha de mais intimo, diz o publicista, nas instituições de um povo, o que melhor tem gravada a effigie do seu caracter é a administração local. O movimento da civilisação europêa tende a dar um cunho de uniformidade com variantes insignificantes ás instituições geraes de cada nação, para o que muito concorrem as relações quotidianas em que estão e a proximidade a que se acham; mas as administrações locaes, que não têem a mesma raça e a mesma indole, que não têem o mesmo desenvolvimento historico, apresentarão sempre differenças profundas. Querer transplantar n'um paiz a organisação communal ou provincial de um estado vizinho, copiar servilmente instituições que são o fructo da tradição secular, seria dar prova de uma estranha leviandade, ou de singular inexperiencia.»
Parece, que estas palavras foram applicadas a uma critica da nossa nova reforma administrativa. (Apoiados.)
A maior novidade do codigo é a creação dos municipios autonomos e a dos tribunaes administrativos.
Um concelho póde ter autonomia, logo que a sua area comprehenda 40:000 habitantes, se assim, aprouver aos magnates com influencia eleitoral.
Ora, ou o principio e bom. ou é mau, se é bom porque não se prescrevo na lei a existencia d'esses municipios, independentemente da reclamação de dois terços dos eleitores?
No meu modo de ver, no nosso paiz só podem ser autonomos os municipios de Lisboa e Porto pela condição especial de vida economica d'estas duas cidades, numero da sua população e superiores necessidades de policia e de administração.
Em varias nações ha os municipios ruraes e os urbanos; mas o que lá se não vê é municipios puramente ruraes como Barcellos, que é autonomo, e a Feira, que póde sel-o; municipios com uma organização distincta, só porque abrangem no seu alfoz uma população de 40:000 habitantes, em-

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bora dispersos pelos campos em aldeias, povoas e casaes. (Apoiados.)
Estes irrisorios municipios autonomos estão presos aos districtos por um cordão umbilical-a tutela dos respectivos governadores civis.
Mas se a tutela existe, onde está a autonomia?
E entre a tutela dos modernos podestás e a que é exercida em parte pelas juntas geraes e em parte pelo governo não é mais perigosa a d'aquelles funccionarios?
Não estão, pois, os municipios autonomos em circumstancias peiores do que os outros concelhos pelo que respeita á tutela, isto é, á centralisação?
São municipios autonomos e não podem em quinze casos, que constituem essencialmente a vida administrativa, deliberar definitivamente!
Veja a camara a disposição dos artigos 126.º e 127.º do codigo.
São municipios autonomos e pela tutela estão quasi na plana das juntas de parochia, de que os governadores civis são tutores; são autonomos e a lei applica-lhes a capitis diminutio maxima! (Apoiados.)
O sr. ministro do reino, creio que não cita no seu relatorio a Inglaterra; mas esta creação dos concelhos autónomos a talante da maioria dos eleitores, recorda-me o local governement act de 1858 que permittiu aos municipios inglezes a constituição rural ou urbana; mas aquelle acto legislativo deu mais regularidade e uniformidade á administração e ampliou todavia as faculdades administrativas, exercendo o governo sómente a sua acção fiscal na publicação que os municipios urbanos fizessem de posturas ou de leis puramente locaes.
A differença entre o local government act e o nosso codigo está em que na Inglaterra a autonomia cresceu, cá diminuiu. (Apoiados.)
Nos municipios de regimen commum os governadores civis podem suspender as deliberações das camaras em tres casos, nos de regimen superior, em doze.
Onde ha, pois, mais ingerencia do poder central?
Quaes são relativamente os mais autonomos?
Não imagine a camara que eu sou partidário da descentralisação até pretender o governo directo dos municipios como ha na Suissa em alguns cantões, e na vestry ingleza, onde no regimen administrativo o povo intervem directamente e não se faz representar por meio de eleição.
O meu desejo é que se estudassem os defeitos do codigo de 1878 e, se a experiencia já tivesse patenteado a necessidade de reformar algumas das suas disposições por inconvenientes ou impraticaveis, que se fizessem essas restrictas reformas e que se acabasse de vez com este fatal systema de accumular reformas sobre reformas, saindo todas ellas completas da cabeça dos legisladores, como Minerva da cabeça de Jupiter, mas não tão sabias como a deusa, nem como a carta prescreve. (Apoiados.)
Esta incerteza na legislação do paiz é um vicio dos governos modernos e do parlamentarismo, que um sociologo já chamou a maior superstição do seculo XIX.
Já me ía esquecendo que o sr. ministro do reino tambem invoca a desorganisação das finanças districtaes, municipaes e parochiaes, attribuindo-a ao codigo de 1878, e pretendo convencer-nos de que havia no reino grandes clamores contra o nefasto codigo pelo abuso que os municipios principalmente faziam das faculdades tributarias e do credito a que recorriam.
Aquelles clamores na realidade não existiam. O que havia era queixumes contra a descentralisação dos encargos que o estado fazia, sobrecarregando os corpos locaes com despezas, que deviam estar a cargo do thesouro, taes como as da instrucção primaria, que se encontra n'um estado miserando na maior parte do paiz. (Apoiados.)
Os professores morrem de inedia, ha 1:459 freguezias sem escolas, em 1884, segundo o Annuario estatistico, estavam recenseadas 317:785 creanças de seis a doze annos, obrigadas ao ensino pela lei, e destas apenas 176:677 frequentavam as aulas publicas e particulares.
Á educação do povo é um dos deveres principaes do estado, e não foi conveniente transferil o para os municipios. (Apoiados.)
A tendencia para o augmento das despezas locaes não nasceu com o codigo de 1878. Deu-lhes origem o andaço do fomento, que começou a grassar no paiz ha mais de trinta annos.
A abertura de estradas creou novos habitos nas villas e cidades, despertou o desejo de asseiar e policiar as terras e o desenvolvimento geral da civilisação fez germinar no seio dos municipios novas aspirações, para realisar as quaes era mister o augmento do imposto. (Apoiados.}
Por uns mappas que d'antes se publicavam no Diario do governo vi eu que desde os annos economicos de 1860-1861 a 1869-1870 os impostos municipaes de todos os concelhos do reino subiram de 855:986$122 réis a réis 1.297:663$556.
Houve para mais a differença de 441:677$434 réis.
Ora n'aquelle periodo de oito annos vigorava o codigo de 1842, que era tambem centralisador, muito mais do que o de 1878 e muito menos do que o de 1886. (Apoiados.)
Causa estranheza á camara o meu dito? Afirmo isto convictamente e não profiro estas palavras com espirito partidario. (Apoiados.)
Sr. presidente, eu estou ancioso por ver como o sr. ministro do reino ha de regular praticamente as finanças dos corpos locaes. A base uniforme do imposto afigura-se-me impossivel, porque contraria as tradições e habitos tributarios dos municípios e não se compadece com a variedade de recursos económicos e com a desigual distribuição da riqueza publica.
Ha concelhos do reino onde nunca se lançaram impostos directos, outros, onde os indirectos subiam a um extraordinario numero de incidencias, outros onde se adoptava um e outro systema tributario. As condições locaes é que determinavam a preferencia, segundo tambem as conveniencias dos povos que os pagavam. Agora prescreve-se a uniformidade. Á posteriori será julgada a innovação.
Quanto aos tribunaes administrativos limito-me a dizer que não me conformo com este tirocinio para a magistratura. Formar na escola da equidade quem é chamado a fazer a applicação do direito stricto, não se me antolha um bom principio. Os tribunaes administrativos têem adquirido a confiança publica, que lhes faltava a principio, mas esta instituição, de que não achei lá por fóra identica, não me parece predestinada para vida duradoura. Nem satisfaz ás necessidades publicas, nem satisfaz os proprios que a exercem, principalmente quando se não tem a maleabilidade precisa para acceder ás multiplices exigencias dos governadores civis, que o codigo actual investiu de um poder demasiado. (Apoiados.)
Muito teria eu que dizer sobre este codigo; mas não quero repetir o que brilhantemente disseram os srs. Julio de Vilhena, Arroyo e José Novaes, nem irritar-me com a camara por não prestar uma attenção religiosa a tão pesadas considerações.
Como vejo presente o sr. ministro das obras publicas, vou felicital-o pela sua reforma dos serviços phylloxericos. A minha modéstia natural faz com que as minhas felicitações não sejam tão emphaticas como deveriam ser, mas tenho alta consideração pelos merecimentos de s. exa.
S. exa. disse aqui ha dias que a lei de 1882, que tratava das vinhas perdidas ou quasi perdidas, era uma lei feita por mr. Calino! Não me tenho na conta de uma summidade, nem parlamentar nem agronomica, mas direi a s. exa. que essa lei de mr. Calino se referia unicamente a vinhas perdidas, sob o ponto de vista do valor economico. Era realmente de mr. Calino dizer-se que se perdoava o imposto, estando a vinha morta; devia acrescentar-se que

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se canonisava o individuo que fizesse o milagre de a resuscitar, milagre só proprio do grande thaumaturgo portuguez. (Riso.)
Portanto, concordava tambem com essa apreciação, se ella não fosse, alem de picante, injusta.
Tenho de elogiar o sr. ministro das obras publicas, pelo que decretou com referencias alargamento de isenção de imposto em beneficio dos proprietarios das zonas phylloxeradas. Pelo facto de estar na direita ou na esquerda não se deve reprovar tudo quanto se fizer. (Apoiados.)
Decretou o sr. ministro que ficassem isentos de impostos os terrenos phylloxeradas durante dez annos, logo que os proprietários começassem o tratamento. É uma concessão de tal ordem, que é para se darem parabens aos viticultores; eu, porém, sinceramente duvido que se ponha em pratica disposição tão ampla.
A modesta lei de 1882, de que fui relator, que tinha consignadas beneficas disposições para o Douro, não tem sido executada.
O fisco continúa a exhaurir os miseraveis proprietarios; pela reforma de matrizes o rendimento collectavel tem crescido, apesar de haver uma devastação geral dos vinhedos, porque se não fez o serviço como aquella lei prescrevia, e porque os escrivães de fazenda, não só não querem cerceados os vencimentos, mas pretendem dar provas de zelo com o augmento do rendimento collectavel.
As isenções de imposto pelo processo dos sinistros são inadmissiveis, mas é esse o processo que vigora com as morosidades conhecidas e com desigualdades flagrantes.
O Douro nada tem aproveitado com a lei de 1882, como ainda ha dias se mostrou n'um comicio em Alijo, e o Douro continua n'uma decadencia progressiva e fatal.
V. exa. comprehende que isto é altamente importante para a região que eu mais ou menos represento n'esta casa.
N'aquella região tem-se luctado e continúa a luctar-se com este mal, porque ali não ha o espirito de emigração, que ha em outros pontos.
Mas diz-se: então os do Douro porque não emigram?
Um individuo que ali nasceu, que ali vive com a familia, que tem propriedades e tem amigos e consideração no logar não emigra facilmente; cruza os braços, muitas vezes morre na miseria, mas não sáe; só emigra aquelle que não tem desde a infancia cousa que o prendesse ao local onde nasceu.
Para isto é que eu chamo a attenção da camara.
Ora, o sr. ministro das obras publicas no seu decreto sobre a crise phylloxerica disse que os individuos que se applicarem ao curativo das vinhas, sem se attender a se têem rendimento liquido, ou não, ficam isentos da contribuição predial.
O que eu desejo é que se regulamente a lei, para que possa ter execução e que não fique letra morta para uma parte do paiz, que ha longos annos atravessa uma dolorosa crise.
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
(O orador foi muito comprimentado.)
O sr. Goes Pinto: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se julga a matéria do artigo 2.° sufficientemente discutida.
Approvado.
O sr. Presidente: - Vão ler-se as moções que se acham sobre a mesa.
Leu-se a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que o poder, para ser um altissimo sacerdocio e uma alevantada magistratura, ha de conservar-se tão superior ao trafico de mesquinhas conveniências e á pratica de ignominiosas contradicções, que o não possa embaciar a sombra de uma suspeita, uma macula de uma accusação infamante; considerando mais que no nosso paiz, tão menosprezado e abatido, vae o exercicio das supremas funcções políticas do estado, que não raro os seus mesmos depositários repartem entre si as mais succulentas prebendas e as mais proeminentes distincções, sacrificam á vangloria da sua esteril conservação a coherencia de opiniões e a conformidade de principios, desmoralisam a administração por flagrantes e reiterados desacertos ás leis e á opinião publica, convertem o governo em almoeda de immoralissimos interesses e desprestigiara e abalam as proprias instituições de que o paiz fiou os seus destinos, sem que a consciencia nacional tenha o vigor necessario para punir inexoravelmente taes e tão frequentes aberrações - continua na ordem do dia. = João Arroyo.
Foi rejeitada.

Leu-se a seguinte:

Moção

A camara, protestando contra os actos dictatoriaes, passa á ordem do dia. = João Pinto.
Foi rejeitada.

Leu-se mais a seguinte:

Moção de ordem

A camara, satisfeita com as explicações do governo, passa á ordem do dia. = Eduardo de Abreu.

O sr. Eduardo de Abreu: - Peco a v. exa. que consulte a camara sobre se me permitte retirar essa proposta.
Resolveu-se affirmativamente.

Leu-se a seguinte:

Moção de ordem

A camara, reconhecendo que a dictadura que o governo assumiu e exerceu lhe foi aconselharia pelas circumstancias politicas em que se encontrava o paiz, e reconhecendo ainda que nos decretos dictatoriaes foram attendidas urgentes necessidades publicas, continua na ordem do dia. = E. J. Coelho.
Foi igualmente retirada.

O sr. Pereira Carrilho: - Eu tinha uma proposta a mandar para a mesa, em referencia ao artigo 2.º
O sr. Presidente: - Os srs. deputados que tiverem propostas sobre a materia, podem mandal-as para a mesa, porque todas serão remettidas á commissão, conforme foi resolvido pela camara.
O sr. Pereira Carrilho: - Mando para a mesa a seguinte:

Proposta

Proponho que no artigo 2.º, onde se diz - desde 17 de julho de 1886 até 17 de março de 1887 -, leia-se - desde 17 de julho de 1886 até 31 demarco de 1887 inclusive -, a fim de poder incluir o regulamento da contribuição de registo. = A. Carrilho.
Lida na mesa foi admittida.

O sr. D. José de Saldanha: - Mando tambem duas propostas.
Leram-se. São as seguintes:

Propostas

Proponho que no artigo 66.° do decreto de 28 de julho de 1886, onde se lê - 2$500 réis - se diga - 3$500 réis. = José de Saldanha Oliveira e Sousa.
Admittida.

Proponho que nas disposições transitorias só acrescente o seguinte artigo:
Aos primeiros officiaes do ministerio das obras publicas, commercio e industria, nomeados anteriormente ao de-

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creto dictatorial de 28 de julho de 1886, é concedido o accesso a chefes de repartição da direcção geral do commercio e industria, nos termos da legislação até então em vigor, independentemente das habilitações exigidas no artigo 12.° do mencionado decreto, = O deputado, José de Saldanha de Oliveira e Sousa. Admittida.

O sr. Fernando Coutinho: - Tenho tambem a mandar para a mesa as seguintes:

Propostas

Proponho que ao decreto de 28 de julho de 1886 se acrescentem na nota (b) da tabella n.° 7 as seguintes palavras:
«Os engenheiros chefes, que tiverem mais de quinze an-nos de serviço, perceberão como vencimento de exercicio 600$000 réis; os inspectores de minas com mais de vinte e cinco annos de serviço perceberão tambem como vencimento de exercicio 720$000 réis.» = O deputado, D. Fernando de Sousa Coutinho.

Proponho que ao artigo 82.° das disposições geraes do decreto de 28 de julho de 1886, se acrescente o seguinte:
«§ unico. São igualmente applicaveis aos engenheiros de minas não militares, as disposições parallelas contidas no decreto de 24 de julho de 1886, relativas às penalidades e ás diversas situações de serviço.» = O deputado, D. Fernando de Sousa Coutinho.

Proponho que o § 1.° do artigo 101.° da organisação dos serviços technicos de obras publicas seja substituído pelos seguintes:
«§ 1.° Estes officiaes poderão continuar no corpo de engenheiros de obras publicas em qualquer posto, se optarem pelo serviço do ministerio das obras publicas, quando lhes pertencer promoção militar, que, segundo as disposições do decreto de 30 de outubro de 1884, os obrigue a opção.
N'esse caso, serão promovidos á effectividade do posto correspondente ao de opção, e successivamente aos outros postos da hierarchia militar, quando por antiguidade lhes competir, sem dependência de tirocinio ou outras provas, ficando, porém, fora do quadro das suas armas ou corpo de estado maior, sem direito a optarem de novo pelo serviço no ministerio da guerra.
«§ 2.° A opção de que trata o paragrapho anterior em todas as suas consequencias poderá ter logar em outro qualquer posto inferior ao da opção obrigatoria, declarando-o assim o interessado.»
E que os §§ 2.°, 3.° e 4.° passem a 3.°, 4.° e 5.° = O deputado, D. Fernando de Sousa Coutinho.
Lidas na mesa, foram admittidas.

O sr. Antonio Villaça: - Mando tambem as duas seguintes:

Propostas

Emenda ao decreto de 24 de julho de 1886:
Artigo 13.°, § unico. Supprimir no segundo periodo do § unico do artigo 13.° as palavras-ao director geral de obras publicas e minas -, e acrescentar adiante das palavras - a de 70$000 réis - ao director geral de obras publicas e minas. = O deputado, Eduardo Villaça.

Proponho no plano de organisação da secretaria d'estado dos negocios das obras publicas, commercio e industria, approvado por decreto de 28 de junho de 1886, as seguintes modificações:
Artigo 16.° Suppressão do § 2.°, passando o § 1.° a § unico, com o seguinte additamento - e gosando das honras e prerogativas que competem aos primeiros officiaes.

Artigo 48.° § unico. O silvicultor chefe mais antigo poderá ser incumbido de inspecções extraordinarias, applicando-se-lhe o disposto no n.° 3.° do artigo 67.° = O deputado, Antonio Eduardo Villaça.
Lidas na mesa, foram admittidas.

O sr. Franco Castello Branco: - Mando para a mesa as seguintes:

Propostas

Proponho que o § 2.° do artigo 158.° seja redigido pela seguinte fórma:
«Quando, por qualquer motivo, o orçamento municipal não estiver votado e em termos de ser executado antes de começar o anno em que tem de reger, até que se vote esse orçamento, continuará em vigor o do anno anterior, mas sómente quanto á receita ordinaria, e quanto ás despezas obrigatorias de execução annual e permanente.» = Franco Castello Branco.

Decreto de 23 de julho de 1886 (organisação dos serviços de fazenda nos districtos e concelhos do reino):
Proponho que o artigo 22.° seja redigido da seguinte fórma:
«Os concelhos e bairros do continente do reino e ilhas adjacentes são divididos em quatro ordens, das quaes a primeira comprehende os concelhos sedes do districto, o de Villa Nova de Gaia e os que tiverem na organisação municipal autonomia, na conformidade da ultima reforma administrativa; e nos outros tres são os concelhos distribuidos,» etc. = Franco Castello Branco.

Decreto de 17 de julho de 1886 (reforma administrativa):
Proponho que o artigo 272.° seja eliminado ou redigido pela seguinte fórma:
«Os vogaes do tribunal administrativo podem, a requerimento seu, ser transferidos para outros districtos, ou collocados nas comarcas judiciaes de 3.ª classe.» = Franco Castello Branco.

Decreto de 29 de julho de 1886 (organisação do contencioso fiscal):
Proponho que o artigo 44.° seja redigido da seguinte fórma:
«A instrucção dos processos por descaminho de direitos devidos por generos sujeitos ao imposto do real de agua, e por transgressões dos respectivos regulamentos, fica pertencendo aos administradores de concelho nas suas respectivas circumscripções; e o seu julgamento em primeira instancia aos tribunaes administrativos dos competentes districtos.
«§ 1.° A instrucção d'estes processos é regulada pelas disposições applicaveis contidas no presente decreto e finda a instrucção será o processo enviado pela auctoridade instructora ao presidente do tribunal administrativo respectivo.
«§ 2.° O julgamento em primeira instancia terá logar em conformidade com o disposto nos artigos 103.° e 107.° deste decreto, na parte applicavel, fazendo-se previa distribuição do processo, e competindo ao vogal relator o desempenho das funcções ali commettidas ao auditor fiscal de primeira instancia.
«§ 3.° Os emolumentos e salarios devidos pelos actos praticados na instrucção d'estes processos serão contados pela tabella annexa ao presente decreto e pertencerão na sua totalidade aos funccionarios que intervierem nos actos referidos.
«§ 4.° Os emolumentos devidos pelo acto do julgamento serão contados pela respectiva tabella em vigor para os tribunaes administrativos de primeira instancia e terão a applicacno marcada no § unico do artigo 274.° da ultima reforma administrativa.
«§ 5.° Ficara assim modificadas as disposições dos arti-

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gos 28.°e 46.° do presente decreto.» = Franco Castello Branco.
Lidas na mesa, foram admittidas.
Todas estas propostas, foram enviadas á respectiva commissão.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 2.° do projecto que se vae votar.
Leu-se. É o seguinte:
«Artigo 2.° São confirmadas, para terem força de lei, as providencias promulgadas pelo governo desde 17 de julho de 1886 até 17 de março de 1887.»
Foi approvado, sem prejuizo das propostas.
Leu-se o
«Artigo 3.° Fica revogada a legislação em contrario.»
O sr. Presidente: - Está em discussão.
O sr. Goes Pinto: - Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se quer prorogar a sessão até se votar este artigo.
Consultada a camara, decidiu-se affirmativamente.
O sr. Firmino Lopes: - Tinha pedido a palavra quando se discutia o projecto na generalidade; pedi a quando se tratou do artigo 1.°; pedi-a novamente quando entrou em discussão o artigo 2.°; e nunca pude usar d'ella.
Estava constituido na necessidade de mandar para a mesa algumas propostas. É natural que a maioria não fique muito contente com esta minha audacia de pedir a palavra n'esta altura do debate, em que entra em discussão o ultimo artigo do projecto; no emtanto, o incommodo é de todos, e não será menor para mim, tendo de fallar a hora tão adiantada da noite.
Se, porventura, quizesse demonstrar que no uso e concessão da palavra, no maior periodo da sessão, se tem deixado de cumprir o regimento, e n'isto não vae censura ao nobre presidente da camara, bastaria ler alguns artigos do mesmo regimento e não acceitar qualquer indicação ou accordo que, em prejuizo de uns, vem crear difficuldades a outros, porque bem diverso é usar da palavra n'esta ou n'aquella altura do debate.
Uma das minhas propostas é bem simples: que sejam eliminadas as palavras «reconheça a legalidade da aposentação», empregadas no § 2.° do artigo 10.° do decreto n.° 1 de 17 de julho sobre aposentações.
Como não está presente o sr. ministro da fazenda...
O sr. Ministro da Fazenda (Marianno de Carvalho):- Se v. exa. me dá licença, estou presente.
O Orador: - Estimo muito que s. exa. esteja presente. E visto que tambem está presente, e aqui meu vizinho, o sr. director geral de contabilidade, eu peço a s. exas. que tenham a bondade de me responder singelamente a algumas perguntas que terei de fazer-lhes.
O artigo 10.°, § 2.°, diz que o decreto da aposentação não sortirá effeito, emquanto não tiver recebido visto, pelo qual o tribunal de contas reconheça a legalidade da aposentação, não podendo ser provido o logar antes d'esse visto.
O supremo tribunal de justiça era considerado como a ultima instancia e n'esta materia unica; mas agora fica nas condições de qualquer repartição, porque a execução da sua deliberação depende do visto de outro tribunal, e, o que é mais, até por modo tão singelo póde ser completamente alterada ou corrigida a decisão do supremo tribunal, depois de ter julgado ou resolvido definitivamente sobre um assumpto que era da sua exclusiva competencia.
É esta a independencia de que se falla e que procuram destruir pela absorpção de funcções que deviam continuar perfeitamente distinctas. Cada repartição, cada tribunal, nos assumptos especiaes para que foram creados, soltos e livres da acção immediata do governo, deviam ficar sujeitos aos recursos legaes (Apoiados.) e não ao arbitrio.
Pergunto, o tribunal de contas, ou a direcção geral de contabilidade publica, intervêem de alguma fórma para o exame da legalidade da aposentação?
Se porventura o supremo tribunal tiver resolvido affirmativamente uma aposentação, póde o tribunal de contas, ou a direcção geral de contabilidade, pôr o veto e dizer que não é legal o acto do supremo tribunal?
(Interrupção do sr. Carrilho.)
Não quero dizer cousa que melindre o meu illustre collega e amigo ou outra pessoa, mas não desejava ver estes negocios mettidos nos reconditos orçamentologicos.
Comprehende-se que o tribunal de contas, ou a direcção geral de contabilidade, ponha o seu veto, dizendo que a decisão do supremo tribunal deixou de ser conforme á legalidade e justiça?
Não póde ser. O que digo apenas é que é preciso remediar este inconveniente offensivo da dignidade da magistratura.
O artigo 9.° diz tambem que para os effeitos dos artigos 7.° e 8.° só se considera ordenado o vencimento principal ou o descripto no orçamento, segundo o artigo 3.° do regulamento de 23 de agosto de 1886.
D'esta fórma, com assombroso arbitrio, se procurou invalidar as disposições da lei de 9 de julho de 1849, artigo 4.°, e de 21 de julho de 1850, artigos 3.° e 7.°
Fallo em nome da maior parte dos juizes de direito, porque tive a honra de apresentar á camara uma representação assignada pelas que exercem funcções em Lisboa, com annuencia dos outros, como se justifica pelas declarações juntas á mesma representação publicada no Diario do governo.
O ordenado descripto no orçamento, que ha de servir para base da aposentação, é precisamente a quantia de 400$000 réis e 300$000 réis para os delegados, menos do Lisboa e Porto, que têem maiores ordenados.
Tinhamos na lei especial a carta de lei de 9 de julho de 1849, que não sei se está revogada por este decreto, creio que não, que estabelecia para os effeitos da aposentação o ordenado de 600$000 réis para os juizes e de 400$000 réis para os agentes do ministerio publico.
Se por effeito do decreto, de hoje em diante, se calcular para a aposentação só o ordenado que figura no orçamento, resultará nada menos do que o que vou expor, pedindo a attenção da camara, para se ver como os magistrados são prejudicados e devidamente castigados; porque sendo uma classe, á qual todos têem prestado homenagem, não existe entre todos adhesão sufficiente para poderem reagir contra os actos que se praticam em prejuizo da sua independencia, que vae sendo illaqueada por diversas fórmas.
Figuremos a hypothese de um juiz ter vinte annos de serviço.
Pela lei de 1849 os individuos com impossibilidade physica e menos de dez annos de serviço tinham aposentação de um terço; com mais de dez annos e menos de quinze, de metade do ordenado; com mais de quinze annos e menos de vinte, de dois terços; com mais de vinte, de todo o ordenado de 600$000 réis e com mais de vinte e cinco annos de serviço a aposentação era de 600$000 réis e o terço da effectividade, isto é, o terço de 400$000 réis.
Assim pela legislação anterior, um juiz com vinte annos de serviço quando impossibilitado de exercer funcções, teria de aposentação 600$000 réis, e agora pelo artigo 4.° do decreto a aposentação seria: Por ter quinze annos de serviço 200$000 réis, que é a metade do ordenado no orçamento, e por cada anno entre os quinze e os vinte a percentagem de 3 1/3 ou nos cinco annos 61$665!!
Ao todo actualmente 261$665!! Já é favor e respeito pelos direitos adquiridos, como diz o relatorio do decreto!
Logo, um juiz que tenha cumprido o seu dever, que tenha trabalhado o tempo sufficiente para lhe ser garantido, pelo estado o ordenado de 600$000 réis, fica apenas com réis

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261$665, duzentos sessenta e um mil seiscentos e sessenta e cinco réis!
Isto é intoleravel? E é espantoso.
A proposito vem dizer que um dos illustres membros da opposição, meu amigo, que muito estimo e respeito, disse aqui que este decreto era o unico que poderia ter publicação em dictadura, porque havia muitos interesses encontrados que podiam fazer com que no parlamento houvesse uma tal ou qual agitação e difficuldade.
O meu amigo o sr. Carrilho, n'aquella celebre sessão em que s. exa. disse triumphantemente que uma despeza que; não tinha, verba no orçamento saíra do mesmo sitio de onde tinham saído outras da mesma natureza, acrescentou, alludindo ás palavras do illustre deputado da opposição que aquillo não era senão a consagração da necessidade que havia d'este decreto sobre aposentações.
É contra isto que eu me insurjo. Porque ha interesses de diversos magistrados ou funccionarios é que o governo ha de fugir do parlamento para fazer uma lei que disponha contra esses interesses?
Precisamente o contrario é que deve fazer-se, a maior importancia e o embate de interesses causam discussão e disputa para mostrar a verdade e fazer justiça.
Figuremos outra hypothese: Seja um juiz que tem trinta annos de serviço, com quanto se aposenta?
Segundo a lei anterior tinha 600$000 réis de ordenado e o terço da effectividade, que lhe foi conservado na lei por diuturnidade de serviço, o terço de 400$000 réis, por conseguinte receberia a pensão de 733$333 réis.
Hoje pelo decreto a pensão será de ordenado 400$000 réis, e mais o terço, ou 533$333; menos 200$000 réis, e foram respeitados os direitos adquiridos, diz o relatorio do decreto!!
Pelo simples facto de ter vinte annos de serviço e impossibilidade em virtude d'esse serviço tinha 600$000 réis, e com este decreto, depois de servir mais dez annos, e por conseguinte estar mais velho e mais impossibilitado, fica apenas com 533$333 réis. Com vinte e cinco annos de ser viço, tinha antes 734$333, agora com trinta tem menos 200$000 réis.
Isto é admissivel? Porventura ha alguem que, lendo a lei e estudando-a com vagar, possa acceitar uma disposição d'esta ordem?
Figuremos outras hypotheses: Como está aqui o sr. Carrilho, que tem no assumpto parte principal e é o mestre dos orçamentos e contabilidade, figuremos o caso de que o individuo tem quinze annos de serviço ... antes teria dois terços do ordenado ou 400$000 réis, visto que era de 600$000 réis, para o effeito da aposentação.
Agora tem metade do ordenado ou 200$000 réis.
Figuremos o caso de ter de serviço menos de quinze annos e mais de dez, antes, teria metade, ou 300$000 réis, agora só em certas condições poderia ter 200$000 réis, se provasse que a molestia fôra contrahida no exercicio de funcções ou por causa d'elle.
Supponhamos que tinha menos de dez annos e impossibilidade provada, antes teria um terço do ordenado, ou 200$000 réis. Hoje tem a esperança de morrer de fome se outros recursos não houver.
Por tal fórma foram revogadas as leis de 9 de julho de 1849, 17 de agosto de 1853, 21 de julho de 1885 e ainda a de 15 de julho de 1885.
Se estes argumentos procedem relativamente ao juiz, procedem tambem para o agente do ministerio publico, guardada a devida proporção. Isto é tão claro, que nem se póde contestar.
Parece impossivel que o meu illustre amigo e collega fosse encontrar uma excepção no artigo 29.°, como preservativo de todos os inconvenientes.
Sem offensa de pessoa alguma direi que ha no artigo umas palavras que, se não resultam do desconhecimento da legislação anterior, mostram precisamente que houve intenção má da parte de quem as escreveu e vou demonstral-o.
Aqui está o artigo 29.°, que eu vou ler afim de nos entendermos.
As disposições dos artigos 7.° e 8.° d'esta lei não são applicaveis aos empregados de qualquer natureza ou categoria, que, tendo direito a ser aposentados ou jubilados, nos termos da legislação em vigor, houverem completado quinze annos de serviço, uma vez que n'elles se verifiquem na occasião da aposentação as condições estabelecidas nos numeros 1.° e 2.° do artigo 3.°
Ora o n.° 1.° exige sessenta annos de idade e trinta de serviço, o n.° 2.° a impossibilidade que as leis anteriores tambem exigiam como quesito essencial para ser concedida a aposentação, visto que já não havia aposentações por diuturnidade.
Mas bastava a impossibilidade e os annos de serviço na proporção indicada, eram direitos adquiridos, para alguns já consummados, e não é licito em dictadura esquecer ou revogar disposições legaes que serviam de garantia ao desinteresse e regularidade do serviço com utilidade da causa publica.
Nenhum governo póde dizer que os funccionarios publicos não recebem ordenado.
Quando o empregado fosse valido ainda teria o recurso do seu trabalho, mas quando pelo proprio serviço ou por molestias está cansado e impossibilitado de trabalhar, o estado não tem direito a dizer-lhe que trabalhe, porque não póde, nem a impor-lhe a miseria porque já não póde exercer as funcções do seu cargo.
(Interrupção.)
Ha muita gente que não tendo sessenta annos póde comtudo estar velho.
É necessario que se dê ás palavras da lei a interpretação grammatical, não deixar duvidas, evitar a confusão.
Diz o n.° 1.°: é condição essencial ter completado sessenta annos, logo todos os que ao tempo do decreto estivessem impossibilitados, mas não tivessem sessenta annos estão fóra do artigo 29.°, e portanto incluidos e comprehendidos na letra do mesmo decreto.
Póde dar-se a segunda hypothese, mas não a primeira.
O artigo 29.° teve de certo em vista uma restricção, e não é difficil descobrir, que as palavras d'este artigo seriam para comprehender os tribunaes de segunda instancia e o supremo tribunal, deixando em péssimo estado os juizes e agentes do ministerio publico, por não terem tão eminente posição, porque para esses não se respeitaram as leis anteriores.
É essa a rasão por que eu fiz a minha proposta.
Deixemo-nos de sophismas e vamos á lei que diz:
«O decreto não comprehende n'esta excepção senão os individuos que tiverem sessenta annos.»
Póde haver um individuo impossibilitado, que tenha dez, quinze, vinte, vinte cinco ou trinta annos de serviço, ficando assim prejudicado.
Isto é claro e não offerece impugnação. (Apoiados.)
Não queria citar factos, mas vou citar um que, apesar de particular não deixa todavia até certo ponto de ser publico, e apraz-me fallar n'elle para registar as palavras de muita consideração que o sr. ministro da justiça dirigiu aos juizes quando o foram procurar para lhe fallarem sobre este assumpto.
Não é a magistratura portugueza uma classe que se imponha, que venha hastear uma bandeira de revolta, é uma classe que tem requerido, que tem supplicado ao sr. ministro da justiça, e vem pedir á camara, representando com moderação e respeito, que se lhe faça justiça, que os juizes sejam considerados como os outros empregados do estado.
Peço ao sr. ministro, que olhe para estas minhas considerações, com verdadeira attenção, e reconhecerá que ellas são a legitima expressão do que pensâmos.
Procurámos o sr. ministro da justiça, e fomos por s. exa.

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SESSÃO NOCTURNA DE 19 DE JULHO DE 1887 1853

acolhidos com a extrema delicadeza que todos lhe conhecem. (Apoiados.)
S. exa. estabeleceu amavelmente comnosco, uma especie de conversação sobre o assumpto, e pareceu-nos que ficava convencido da justiça que reclamavamos; promettendo-nos até, que haveria o quer que fosse no regulamento, que evitaria uma parte dos inconvenientes que se davam. Foi isto exactamente o que se passou.
E mais nada digo em relação á commissão, porque estava lá o sr. Eduardo José Coelho, que agora faz parte da commissão do bill, e tambem é um dos signatarios da representação a que alludi.
Sinto não ver alguma modificação ou esclarecimento, ao menos como acto de deferencia para os reclamantes.
Ácerca da maneira de fazer os exames, da consulta, do processo da aposentação e da opportunidade do cabimento, deixarei agora de fallar, porque a hora está muito adiantada, e não descubro remedio.
Resumindo, pois, como quer o governo que um juiz com o tempo já vencido, e 600$000 réis de ordenado, se aposente agora com 400$000 réis?!
Pois admitte-se que para os homens cansados e velhos se legisle d'esta fórma?!
Pois assim se respeitam os seus direitos?!
Isto é nada mais nem menos do que, permitta-se-me a phrase, um roubo, uma expoliação!
Este augmento de 200$000 réis para o caso unico da aposentação é letra expressa da lei de 1849, não foi um favor. Era incentivo ao trabalho.
Agora, se o decreto vingar, o prejuizo abrange, alem dos juizes, tambem os agentes do ministerio publico, os lentes da universidade e escolas superiores.
Apesar de estar a hora muito adiantada, peço licença para fazer ligeiras considerações relativamente ao decreto do ministrerio da justiça, que é um começo de reorganisação judiciaria.
Esta reforma já tem sido discutida por muitos oradores que me precederam, e eu não venho agora renovar o que elles disseram, nem tão pouco, fazer violenta aggressão a esse projecto e muito menos ao. sr. ministro da justiça; mas quero lembrar alguns inconvenientes.
O artigo 2.° diz:
«As attribuições judiciaes, que pela legislação vigente pertenciam aos juizes ordinarios, ficam competindo aos juizes de direito, nos julgados, cabeças de comarca, ou fizerem parte da cidade ou villa, sede da comarca e aos juizes de paz dos respectivos districtos em todos os mais julgados.»
O sr. ministro da justiça distribuiu as funcções que pertenciam aos juizes ordinarios, pelos juizes de direito e pelos juizes de paz.
Temos juizes de direito com funcções dos antigos juizes ordinarios.
Temos juizes de paz com iguaes funcções e com as antigas de juizes de paz.
Temos juizes de paz sem funcções dos juizes ordinarios conforme os julgados são na cabeça de comarca, ou são a distancia, conforme a área de que os julgados são formados. É realmente uma confusão.
A primeira condição da justiça é ser barata, que todos comprehendam, especialmente quando está em contacto com os povos.
Não me proponho demonstrar que motivos de ordem politica ou partidaria poderiam determinar esta reforma que nenhuma reclamação instante ou necessidade urgente exigia. Verdade seja que, através da nobre intenção do sr. ministro da justiça, se descobrem conveniencias de partido e confusão altamente prejudicial.
Sobre tudo era necessario harmonisar isto e fazer uma lei mais perfeita. Não digo que seja cousa facil, mas o talento do nobre ministro da justiça está conhecido e demonstrado; sobretudo a sua assiduidade, a insistencia e amor do trabalho excedem tudo quanto se póde dizer. (Apoiados.)
Ás vezes a pressa com que os trabalhos são feitos, faz com que elles não sáiam tão perfeitos quanto seria para desejar. Sobre este assumpto fallaram outros oradores, e de certo trataram melhor a questão; mas eu querendo e precisando tratar o assumpto limitar-me-hei a expor algumas duvidas, por exemplo. Para que auctoridade vão os recursos interpostos dos juizes ordinarios? Já ouvi dizer ao illustre parlamentar o sr. Antonio Candido que íam para os juizes municipaes.
Uma voz: - Para os juizes de direito.
O Orador: - Seja para os juizes de direito, mas então, como os juizes de direito exercem funcções dos juizes ordinarios, resulta ou que não ha recurso, ou que do juiz de direito se recorre para o mesmo juiz de direito nas causas que este julga e que antes pertenciam aos juizes ordinarios. E ao mesmo tempo ha os recursos estabelecidos no codigo civil, se a área dos julgados não comprehende a cabeça de comarca.
Realmente não póde ser, as mesmas funções na mesma comarca com diverso modo de processar na importante materia de recursos.
Uma causa de valor de 10$000 réis proferida por juiz ordinario tom recurso. Por juiz de direito, que no caso sujeito tem a mesma alçada, não tem recurso. Resulta que a freguezia A tem duas instancias, e a freguezia B sómente uma!
Isto assim não póde ser. Parece-me, pois, que esta reforma do nobre ministro póde servir de base para uma reforma mais larga, mas por agora veiu crear difficuldades sem a menor compensação, e bem penoso será mesmo á propria secretaria da justiça o trabalho que demandam as innovações e expedientes para a substituição dos juizes, transferencia de papeis, installação de julgados e nomeação de empregados, de modo que melhor seria não dar por agora execução a este decreto de 29 de julho, e resolver tudo no ultimo projecto que o illustre ministro já apresentou á camara.
Agora quero fallar sobre as garantias dos juizes municipaes. Podem ser dos julgados das suas naturalidades contra o disposto no artigo 88.° § 1.° da novissima reforma judiciaria relativo aos juizes de direito; podem servir por seis annos, conta-se-lhes o serviço como do ministerio publico e são pagos pelas camaras.
Não têem portanto independência porque a fixação do ordenado e o seu pagamento depende das influencias das localidades, d'onde procedem as camaras municipaes. Sempre a politica ha de descobrir na localidade bacharel que se preste, dando-se uma excepção quando todas as leis anteriores, previdentes, cautelosas e justas, consignam o principio de não poderem os juizes exercer funcções nas localidades d'onde são naturaes para que não possa suspeitar-se da sua inteireza, da sua independencia e da sua probidade.
Os agentes do ministerio publico ficam em condições mais desfavoraveis do que o juiz municipal, porque este póde passar em sua casa o tempo que o delegado passa pelas comarcas e terras insignificantes, com menos rendimento, mais trabalho e muito menores garantias se igualmente concorrem a magistratura judicial.
Resta-me fallar dos louvados, de que trata o artigo 37.° do decreto e o regulamento de 17 de março de 1887 e farei por abreviar o que n'este ponto havia a dizer. Quer-me parecer que, por muito notavel, chega a haver equivoco no assumpto.
Eu estou costumado a fazer todos os esforços para interpretar bem as leis. Se ás vezes as interpreto mal, é erro de intelligencia; se commetto erros, é isso da minha responsabilidade; mas faço sempre dilingencias para conhecer a rigorosa verdade, a fim de poder acertadamente applicar as leis.
Para melhor me explicar e ser comprehendido vamos ao

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1854 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

relatorio. No relatorio lê-se: «D'esta providencia (a de acudir á falta de peritos e louvados idoneos) provirá a demais um notavel augmento de receita. Com effeito os peritos nomeados pelo governo, não só terão de pagar, como os outros funccionarios, direitos de mercê, mas tambem ficarão sujeitos á respectiva, contribuição especial, cuja importancia annual se poderá calcular em quantia não inferior a 20:000$000 réis».
Nota-se o prurido que atacou todo o ministerio de crear empregos e fazer empregados e nota-se a inversão dos factos, porque nunca houve falta de louvados, pelo contrario ha excesso, vendo-se juizes e delegados mortificados pelos pedidos na nomeação e escolha. Que se regule o modo de proceder dos que têem conhecimentos especiaes de alguma sciencia ou arte entende-se, mas dispôr que analphabetos sejam peritos necessarios, officiaes, e que por cima ganhem muito dinheiro para pagar contribuição, ha de certo equivoco.
Mas está assim escripto.
N'este caso, suppondo que a verba para contribuição seja de 20:000$000, devemos calcular 200:000$000 réis de rendimento para os louvados, que ficam de mais considerados para todos os effeitos empregados publicos.
O orçamento não geme, o orçamento fica intacto, não se trata de transferencia de capitulo para capitulo, mas sim de transferencia do bolso dos contribuintes para o bolso dos louvados.
Ora, como o orçamento é a bolsa dos contribuintes, não se póde supportar que se vá extrahir dinheiro ao povo sem se attender ao sacrificio do pagamento e á utilidade da creação. E mais ,uma nova contribuição sem vantagem.
São 20:000$000 réis que representam uma contribuição e a despeza publica de 200:000$000 réis, que os povos hão de pagar.
O nobre ministro da justiça não se propoz matar o deficit orçamental, mas parece que descobriu a incognita, que peço a Deus o sr. ministro da fazenda não ponha em movimento.
Se com a nomeação dos louvados se arranjam 20:000$000 réis, sem sacrificio de ninguem, está descoberto o segredo. É simples, facil e do agrado geral nomear empregados publicos todos os cidadãos e exigir-lhe contribuição. O orçamento cresce, o contribuinte, é empregado publico e o povo regosija-se com a felicidade alheia!
Como se tratava de louvados, peritos e avaliadores, imaginei, que se procurava organisar o serviço dos que pelos seus estudos e competencia deviam intervir com as suas decisões e informações, principalmente nos exames directos para corpo de delicto, mas vejo que estes foram exceptuados, não só pelo § unico do artigo 37.° do decreto de 29 de julho, mas ainda pelo artigo 15.° do regulamento de 17 de março, que deixo de examinar detidamente.
O que se exige apenas é que os homens tenham nomeação do governo! O decreto de 17 de março de 1887, assignado em dictadura só por tres ministros, e que não vem comprehendido n'este volume de providencias dictatoriaes, estabelece regras para o concurso e determina que só possam ser escolhidos peritos e louvados os que forem nomeados pelo governo.
Entre as condições exigidas dispensa-se a de saber ler e escrever, e não se lhes exige responsabilidade dos seus erros nas determinações de valor, etc. Basta dizer ao escrivão do terceiro officio que faça o registo da avaliação ou que finalise o registo, porque os louvados não sabem escrever. O arbitramento está perfeitamente governado no artigo 235.° e seguintes do codigo do processo civil.
Não se exigia ao louvado que soubesse escrever, mas agora ha uma grande differença, porque a escolha é restricta ao pequeno numero de individuos nomeados, antes havia latitude; escolher entre os individuos de uma comarca inteira é menos perigoso do que sujeitar a escolha a um circulo limitado dos louvados nomeados sem condições de vantagem.
Então havendo faculdade para poder-se escolher um individuo competente, corta-se esta liberdade para se nomear por força um analphabeto, só porque tem a nomeação de arbitrador?
Não ha absolutamente vantagem nenhuma n'isso; e pelo contrario, ha prejuizo.
Lá fóra, onde os louvados podem avaliar propriedades, e encarregar-se de outros actos, como nos inventarios e execuções, em regra não levam dinheiro por isso ás partes. Fazem a jornada e trabalham em attenção aos laços de amisade e vizinhança. Nada recebem. Se é contado no processo quasi sempre restituem aos interessados. (Apoiados.)
Agora, desde que para esses cargos forem empregados publicos, valem-se do decreto, e dizem: nós pagâmos réis 20:000$000 de contribuição, e precisámos ser recompensados. Finda a boa camaradagem popular e será substituida pelo egoismo, que sobrenada em todos os actos. Mas ha mais ainda.
Os individuos escolhidos, regularmente vivem na cabeça de comarca; e para ir a uma diligencia qualquer têem de percorrer certa distancia. E este facto, fez impressão ao sr. ministro da justiça, tanto que s. exa. procurou em parte attenuar o mal, procurando diminuir o salario dos louvados, o que não conseguiu, infelizmente.
Esses louvados, fazendo viagem, ficam muito mais caros do que anteriormente, porque ou nada levavam aos seus vizinhos ou residiam nas localidades em que se faziam as diligencias, poupando-se ao menos os salarios pelos caminhos.
Sr. presidente, eu tinha muito que dizer ainda sobre este assumpto, e, repito, sem animo de fazer uma critica severa, mas unicamente lembrando factos, para que o sr. ministro da justiça tomasse nota das minhas considerações, para as aproveitar na reforma que vae fazer, se s. exa. reconhecer que estas minhas considerações podem ter algum valimento.
S. exa., na parte a que já me referi, fez um decreto de suspensão, no que, aliás, parece-me haver equivoco, porque, tratando-se de decretos de suspensão, cabem de direito ao sr. ministro das obras publicas...
Mas este decreto de suspensão, que foi publicado cinco dias depois, veiu suspender temporariamente a execução do decreto.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Peço perdão a v. exa., mas v. exa. já leu o decreto e não viu que tivesse sido suspensa a lei.
O Orador: - Parece-me que o sr. ministro da justiça diz no decreto que fica suspensa a lei até ao dia que o governo designar.
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - S. exa. já leu o decreto, e então podia ter visto.
O Orador: - Aqui não está; seria por engano que o não publicaram como medida dictatorial que é.
Mas parece-me que o sr. ministro da justiça disse que a execução d'este decreto seria successivamente realisada, ou, o que é o mesmo, que os juizes ordinarios entrariam em exercicio depois de providos os officios de escrivães, e até então os actuaes continuariam no exercicio, em conformidade com a legislação anterior. Quanto a louvados, está claro, só depois da nomeação e regulamento, e assim nos dois pontos, juizes ordinarios e louvados, o decreto de julho do anno passado não se cumpre, ou está suspenso; nem póde executar-se desde já, e só depois da installação dos juizes ordinarios, a nomeação dos escrivães, que...
O sr. Ministro da Justiça (Francisco Beirão): - Isso é o regulamento de como se haviam de nomear os escrivães; mas não suspendeu a reforma.
O Orador: - Eu tinha comprehendido que as leis no nosso paiz tinham execução tres dias depois da sua publicação. Um decreto regulamentar não é um regulamento

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SESSÃO NOCTURNA DE 19 DE JULHO DE 1887 1855

sobre a lei que depende de regulamento, e que sem este nunca tem execução.
Mas se o nobre ministro diz que não está suspenso, não esteja. Entretanto, se me enganei, não deixou de ser nas melhores intenções, acompanhado de muito boa gente.
Sr. presidente, a hora está muito adiantada, e por maiores desejos que eu tivesse de discutir alguns pontos especiaes, que se referem ao bill, não posso agora ir embrenhar-me n'essa discussão, que me levaria muito longe. Lembrarei apenas que o sr. ministro do reino deu como rasão justificativa da dictadura o estado de anarchia em que se achava o norte do paiz. Ora, a verdade é que essa anarchia limitava-se a um pequeno conflicto entre Braga e Guimarães, e umas desordens em Bragança, e estas motivadas pelos empregados do actual governo, como mostrarei quando se realisar a interpellação sobre essas ocorrencias.
A dictadura nunca se justifica; modifica-se o attentado com a prova da sua necessidade, e como o paiz vivia em completa paz, como não havia nenhuma alteração da ordem publica, como o partido progressista subiu ao poder por meios regulares, favorecido até pelo partido regenerador, porque lhe havia chegado a sua vez da rotação constitucional, tinha as condições de vida propria, os elementos necessarios de conservação, e governo, e portanto a dictadura, foi para ostentação de força, nomear e demittir empregados, armar á popularidade dos amigos e vencer eleições.
É uma questão muito larga, que eu não posso discutir agora. Entretanto, o que quero deixar bem accentuado é que, por parte da opposição, os actos de dictadura foram larga e proficientemente discutidos - por exemplo, as ré formas do ministerio das obras publicas -, e que não ha portanto rasão para dizer-se que d'este lado da camara se quiz fazer como que uma retirada airosa na questão do bill, ou que se deixou caír a espada levantada a principio com tanto enthusiasmo e vigor.
E menos justificativas são as rasões adduzidas por um illustre deputado, fazendo a historia do partido regenerador, que s. exa. acompanhou fervorosamente até 1878, para concluir que o partido progressista tinha necessidade de fazer dictadura. como se a lucta partidaria legitimasse os abusos contra a constituição do estado e contra a legalidade e interesses de um paiz que parece adormecido e verdadeiramente atordoado com a tempestade de legislação que nos accommette.
Termino aqui, declarando mais uma vez que a occasião se não presta a maior demora, e receio estar cansando a attenção da camara, e por isso tenho concluido. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

Decreto n.° 1 das aposentações:
No artigo 1:062.°:
Proponho a suppressão das palavras a «legalidade da aposentação».
Ao artigo 29.°, que se acrescente em § unico ou continuando «E bem assim aos que, tendo completado vinte annos de serviço ao tempo da publicação, se verifique na occasião da aposentação a circumstancia do n,° 2.° do artigo 3.°»
O artigo 35.°, que fique redigido da seguinte fórma:
«Ficam em vigor as disposições dos artigos 8.° § 5.°, 5.°, 8.° § unico e 19.° da carta de lei de 19 de julho de 1849, e a carta de lei de 21 de julho de 1855, e revogadas todas as disposições em contrarios. = Firmino João Lopes.
Foi admittida.

O sr. Oliveira Valle: - (O discurso será publicado quando s. exa. o restituir.)
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara, reconhecendo que os ministros actuaes foram impellidos pela força imperiosa das circumstancias a passar as raias da legalidade constitucional;
Considerando que elles se julgaram apoiados na verdadeira opinião, publica, e que entenderam dever aproveitar o ensejo de tomar algumas medidas de reconhecida utilidade geral, o na esperança do que esta camara relevaria o que houvesse de menos regular no seu procedimento a troco de alguns beneficios por elles feito ao paiz a que pertencem:
Concede o bill de indemnidade pela dictadura de 1886, e passa á ordem do dia. = O deputado pelo circulo 76, Dr. Joaquim José de Oliveira Valle.
Foi admittida.

O sr. Teixeira de Vasconcellos: - Não pedia a palavra, n'esta altura da sessão, para me tornar incommodo aos meus collegas; pedi-a unicamente para mandar para a mesa tres propostas que se referem ao regulamento dos serviços agricolas, e que tem por fim melhoral-os, pretendendo eu assim fazer vingar a minha opinião, que me parece boa.
Leram-se na mesa as seguintes

Propostas

Proponho para que ao artigo 7.° do regulamento dos serviços agricolas se acrescente o seguinte § 3.°: «As escolas praticas e especiaes de agricultura só serão creadas quando se tenham disseminado convenientemente no paiz os campos experimentaes». = Teixeira de Vasconcellos.

Proponho para que ao artigo 27.° do regulamento dos serviços phylloxericos, de 9 de dezembro de 1886, se acrescentem ás palavras: «para vinhas» as seguintes: e «outras culturas.» = Teixeira de Vasconcellos.

§ unico do artigo 29.° do regulamento dos serviços phylloxericos. «As disposições do artigo 29.° aproveitam igualmente a todos os terrenos incultos que forem preparados e tratados para receberem qualquer cultura». = Teixeira de Vasconcellos.
Foram admittidas e enviadas á commissão.
O sr. Silva Cordeiro: - Visto o adiantado da hora desisto da palavra; mas não posso deixar de fazer uma declaração que desejo que fique consignada nos registos parlamentares.
Quatro inscripções se abriram n'este debate. E eu pedi a palavra em todas, e fui dos primeiros a pedil-a.
N'uma d'ellas, pelo menos, tenho a certeza material e formal de que fui o primeiro a inscrever-me.
Estou muito longe de levantar, sobre a maneira como v. exa. dirige os trabalhos d'esta camara, a mais leve sombra de suspeita ou de duvida, (Apoiados.) Sou mesmo obrigado a affirmar aqui e em toda a parte que v. exa. é exemplarissimo na direcção dos nossos trabalhos, (Muitos apoiados.) e que tem tido para commigo uma deferencia e consideração que eu estou bem longe de merecer.
Portanto, n'esta declaração, espero que v. exa. não veja o mais leve vislumbre de censura, que não está no meu animo fazer, e que nem podia estar, attentas as minhas relações com v. exa. (Apoiadas.)
Desejo, comtudo, que fique bem consignado o facto de que eu pedi quatro vezes a palavra, e que não uso agora d'ella por ser uma hora da noite, tendo-se dado o caso, para mim bem estranhavel, de se prorogar a sessão quando eram já onze horas da noite.
Estranho este facto e tiro d'elle as illações que entendo.
(S. exa. não reviu.)
O sr. Presidente: - Vae ler-se a moção do sr. Valle.

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1856 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Valle:- Requeiro a v. exa. que consulte a camara sobre se permitte que eu retire a minha proposta.
Consultada a camara, resolveu affirmativamente.
O sr. Presidente: - Vae ler-se o artigo 3.° para se votar.
É o seguinte:

Artigo 3.° Fica revogada a legislação em contrario.
Approvado sem prejuizo das emendas.

O sr. Firmino João Lopes: - Eu preciso dar uma explicação á camara.
Quando disse, fallando do decreto sobre aposentações, que se praticára uma violencia e usei da palavra roubar, foi para dar força á expressão e não para offender quem quer que fosse.
Se não podia a palavra ter indicação pessoal está claro que a ninguem offendia. Nem eu em toda a minha vida parlamentar proferi injuria para alguma pessoa.
Estranho, portanto, que o meu amigo o sr. Valle me viesse fazer uma insinuação e reprehender o emprego de uma palavra repetida mil vezes n'esta casa sem mau sentido, antepondo-se á vigilancia que corresponde ao illustre presidente da camara. (Apoiados.)
Não empreguei aquella palavra no sentido de offensa para alguem. E eu que me honro de ter ha muito tempo assento n'esta casa, nunca proferi offensas.
Observo, e nem todos assim fazem, os preceitos regulamentares, sem interromper ou fazer espectaculosas manifestações de sympathia ou desagrado, alem das concedidas no regulamento.
O sr. Valle dirigiu-me ainda uma outra insinuação: disse s. exa. que eu não podia defender a causa da magistratura de primeira instancia parque tambem tenho interesse n'isso!
Era suspeito!!
Não tenho interesse immediato, por ter já trinta annos de serviço; mas quando o tivesse, pergunto: não veiu s. exa. advogar aqui a causa dos advogados? (Apoiadas.)
O sr. Valle: - Nós havemos de fallar n'isso em occasião opportuna.
O Orador: - E muito temos que dizer. O illustre deputado está no direito de pugnar pelos seus interesses como eu estou do defender os interesses da minha classe, que não é a ultima do paiz, antes representa um dos poderes do estado.
Já vejo que o meu collega não levou a bem as minhas considerações. E é para lastimar que, sem motivo nenhum, s. exa. dirigisse insinuações a um homem que, pelo menos, tem tanta dignidade como qualquer outro. (Apoiados.)
(Interrupção do sr. Valle.)
Nenhum dos srs. ministros deixou de receber de mim as attenções que correspondem ás suas pessoas e aos elevados cargos que exercem.
Prestei com desassombro, com expressão da verdade, homenagem aos seus merecimentos e critiquei sem azedume e bem jocosidade, o que desapprovo.
Não venho dizer se voto a favor e as attenções ou aggravos recebidos. Procedo livremente como entendo.
Não sou carneiro de Panurgio, segundo a praxe já consagrada n'esta casa.
(Interrupção.)
Eu quando fallei dos srs. ministros não lhes teci elogios nem improperios, de que n'esta casa se faz uso e abuso.
E fallando especialmente do sr. ministro da justiça, disse aquillo que a minha consciencia me aconselhava; disse que sendo s. exa. um homem de trabalho, eu chamava a sua attenção para que procurasse emendar aquillo que tinha feito. N'isto prestei homenagem ao seu merecimento.
O sr. Presidente: - A ordem do dia para ámanhã, é na primeira parte, a continuação da que está dada e mais os projectos de lei n.ºs 178 e 159; e na segunda parte o projecto n.° 186.

Está levantada a sessão.

Era uma hora da noite.

Redactor = S. Rego.

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