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Discurso do sr. deputado Santos e Silva, pronunciado na sessão do 1.° de setembro, e que devêra publicar-se a pag. 482 do Diario da camara.

O sr. Santos e Silva (subindo á tribuna): — Sr. presidente, permitta me v. ex.ª e permitta-me a camara, que após os discursos, nervosos e eloquentes, que se têem pronunciado n'esta casa, eu colloque as minhas modestas reflexões, que farei todos os esforços para que não sejam longas, principiando por ter a minha moção de ordem, que é uma emenda ao § 6.° da resposta ao discurso da corôa.

«Reconhecendo como urgente e indeclinavel a questão de fazenda, de que é indispensavel tratar, sem delongas ou adiamentos, a camara affirma a necessidade de manter e de fazer escrupulosa e fielmente respeitar a liberdade do voto, e todos os mais direitos individuaes e politicos consignados e garantidos no codigo fundamental.

«A camara não abrirá tambem mão de outros assumptos de vital interesse, que assegurem a tranquillidade e a independencia, a instrucção e a viação, melhorem as condições administrativas e o governo economico dos municipios sobre as bases de uma prudente descentralisação, e desenvolvam a prosperidade moral e material, tanto no continente como nos vastos dominios que possuimos alem mar.»

Sr. presidente, não ouso formar juizos sobre o estado presente d'esta discussão, mas não serei talvez muito temerario, se me atrever a dizer, que ella vae descambando, se não descambou já, para o periodo de declinação. Subiu até onde a podiam guindar a eloquencia e a paixão.

É necessario agora evitarmos, que seja ferida de mortal prostração.

Colhâmos o fructo, quando está maduro (apoiados). Tomemos a tempo resoluções serias e dignas, se queremos que a opinião publica nos dê rasão (apoiados).

Sr. presidente, não podemos deixar de confessar, que esta discussão tem corrido agitada talvez de mais. Têem sido violentos os ataques, e não menos vigorosas e energicas têem brotado as replicas das cadeiras ministeriaes.

As reciprocas retaliações substituidas á polemica, que nem sempre se tem mantido na serenidade, de espirito, e na placidez de argumentação, que as conveniencias parlamentares requerem, deram a um documento, de si inoffensivo, de si cortez, a feição de uma alta questão politica, apaixonada, vehemente, cortada muitas vezes de scenas tumultuarias, de ironias pungentes, de provocações duras e de apostrophes crueis.

O que n'estes ultimos tempos fôra um campo neutro, em que os adversarios podiam avistar-se, coexistir e cumprimentar-se, acha-se mudado em arena de debate a todo o transe, em que a opposição e o governo apparecem como querendo devorar-se, ou pelo menos não depor as armas, emquanto alguem não lograr cravar o estandarte da victoria sobre as ruinas, ou sobre os despojos, dos que succumbirem n'este duello de morte.

Espantosos devem de ter sido os delictos e os crimes do governo (muitos apoiados); poderosissimas as causas, que têem produzido tão intensas, tão extensas e tão atrozes accusações (muitos apoiados); imperdoaveis os erros e desvios d'esta administração (muitos apoiados); imprudentissima a sua falta de respeito pelas leis e pela moral politica e social (muitos apoiados).

É isto o que a logica affírmaria desde já, se a prudencia nos não aconselhasse, que é bom estarmos algum tanto precatados a respeito do nosso caracter meridional, com todo o seu cortejo de exaltações occasionaes e de amor proprio exagerado, que não raro alevanta ás alturas de uma these politica transcendental aggravos pessoaes, e confunde o egoismo ou a paixão de cada um com os interesses nacionaes e com o bem geral do paiz.

Sr. presidente, não pretendo devassar as intenções de ninguem, nem é meu proposito distribuir censuras a homens ou a partidos que têem assento e representação n'esta casa.

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Aceito a questão no terreno em que a collocou o imperio das circumstancias, ou a força das paixões. Mas reservo-me a liberdade de me tornar ou não solidario com as extremas consequencias, a que pretendam arrastar-me as violencias de um combate, ou a furia de um duello parlamentar.

N'este combate geral, empenhado com tanta valentia entre o governo e a opposição, e travado sobre o terreno da resposta ao discurso da corôa, todos os partidos têem de pronunciar-se, attenta a physionomia que tomou a discussão (apoiados).

Nunca fôra intento do meu partido dar batalha politica ao governo n'este documento official, que desejaramos ver votado sem lutas, sem discursos, como um mero cumprimento, que a presença do rei, na sessão real, e a palavra cortez do chefe supremo do estado, dirigida á representação nacional, reclamam e justificam.

Mas as cousas são o que são, e nem a vontade mais energica, e nem os mais ardentes desejos têem força para mudar o curso dos acontecimentos (apoiados). Aceitemos portanto o facto, e tiremos d'elle as suas naturaes consequencias.

Sr. presidente, se o silencio da palavra, se a mudez do voto é ás vezes a mais eloquente expressão de uma politica sagaz e bem calculada, occasiões ha em que é cobardia calar (muitos apoiados).

As meias responsabilidades não salvam os homens, nem justificam os partidos. Um partido não falla só, quando é provocado, ou quando apráz n'esta casa a um orador cita-lo para um repto, ou chama-lo á autoria.

Falla, quando não basta um voto silencioso para affirmar uma opinião; falla, quando a abstenção da luta póde ser lançada á conta de propositos interesseiros, de intuitos machiavelicos ou de duplicidade parlamentar; falla, quando o pede o seu dever, quando o reclama a propria dignidade, e a affirmação e defensão de principios, que tem a peito sustentar (apoiados).

Entremos pois desaffrontadamente n'este debate; expliquemos por uma vez as nossas respectivas posições perante o governo; e demos á logica, aos principios, ao raciocinio e aos interesses geraes do paiz, o quinhão que lhes pertence n'este debate, o que até aqui parece ter sido quasi exclusivamente appropriado pela paixão pessoal e partidaria (apoiados).

O partido progressista historico, a que tenho a honra de pertencer, nunca pretendeu, nem pretende crear embaraços á administração dos negocios publicos. Deseja que se discuta na presente sessão o orçamento, e que se vote uma lei de receita e despeza geraes do estado (muitos apoiados).

É um acto constitucional, que nós não podemos nem devemos preterir; é um dever parlamentar, cuja responsabilidade nos pertence integra e precipua, se um outro poder do estado nos não encerrar antes do tempo o parlamento, passo a que espero que nenhum governo terá a coragem ou a ousadia de associar-se (muitos apoiados), a não ser em presença de casos de força maior (apoiados), de motivos imperiosos, de causas justificadissimas, que o paiz escrupulosamente avaliará, e que nós temos a obrigação de imparcial e severamente apreciar (apoiados).

É necessario tambem conhecer na presente sessão todo o pensamento pratico do governo, não só em finanças, mas igualmente nos differentes ramos de administração; pensamento traduzido em propostas de lei sobre as quaes a camara e o paiz tenham de pronunciar-se; propostas de lei, em que se definam bem os termos sempre vagos, sempre abstractos, sempre geraes das fallas do throno, que nunca podem ser a ultima palavra de uma administração (apoiados).

Sr. presidente, nós os homens que representâmos n'esta casa um grande partido, estamos aqui para fiscalisar; estamos aqui para vigiar; estamos aqui para advertir; estamos aqui, se tanto for preciso, para censurar (apoiados). Nem fazemos parte da maioria politica do governo, nem estamos de armas ao hombro para o aggredir, em qualquer questão pessoal, inopportuna, impertinente, que porventura se possa ventilar. Mas não se engane o governo com esta norma de vida parlamentar (apoiados), traçada ao nosso proceder: a nossa missão como partido, impõe-nos serias obrigações; temos idéas; temos programma; e se não podemos nem queremos exigir do governo a sua realisação, é forçoso que façamos sentir a nossa acção na direcção das cousas publicas. Corre-nos o imperioso dever de dizermos com todo o desassombro e com toda a franqueza o que queremos, e de negarmos o nosso assentimento ao que não queremos (apoiados).

A nossa benevolencia ou a nossa espectativa de hoje, póde ser hostilidade ámanhã, se assim o exigirem os principios e os interesses geraes do paiz (apoiados).

A nossa tolerancia nunca poderia ir até á suppressão da nossa individualidade partidaria, até á aniquilação das nossas aspirações liberaes (muitos apoiados). Todavia a opposição parlamentar do meu partido, quando vier, e supponho que virá mais cedo do que todos tinhamos calculado, pelas faltas graves que o governo a cada passo está commettendo, será sempre comedida, será sempre governamental, porque presentemente não é dado a homem publico algum, que se inspire friamente na sua rasão, e obedeça aos dictames da consciencia publica, derrocar ás cégas, destruir por capricho, levantar, sem motivos plausiveis, sem rasões serias, difficuldades graves á governação, e inventar meios impeditivos, por interesse, por amor proprio offendido, ou por paixão, que travem todas as rodas da administração. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, eu creio que d'esta fatalidade de successivas quédas de ministerios, e de ininterruptas dissoluções de parlamentos, nenhuma prosperidade tem advindo ao paiz. Todos têem esta triste convicção (apoiados). Gabinetes ephemeros não podem deixar vestigios alguns da sua passagem pelo poder. Mas é infelizmente certo, que administrações incolores, incertas na sua idéa, vacillantes no seu pensamento, hesitantes nos seus actos a não ser para o mal, sem coragem para o bem, sem maiorias firmes, sem programma, sem hombridade, não inspiram confiança a ninguem (apoiados. — Vozes: — Muito bem).

Não esqueçamos, porém, nos assomos dos nossos enthusiasmos, que parlamentos irrequietos, obsecados, intransigentes, exclusivos, faltam á sua missão. Cumpramos todos o nosso dever. Tome cada um, com independencia e dignidade, a parte, que lhe possa pertencer, de responsabilidade, nas graves questões, que somos chamados a julgar.

Sr. presidente, vem aqui a proposito levantar a luva, que, para um repto, que me surprehendeu, mas que não me aterrou, lançou ao partido historico, um illustre deputado, que, se me não engano, foi o segundo a tomar parte n'este debate.

Lamento por um lado, que fosse s. ex.ª, cujas qualidades eu muito apprecio, aquelle a quem coubesse o papel de se fazer echo n'esta casa, com boas intenções (nem eu lhe podia suppor outras), de umas certas murmurações propaladas em voz baixa, e de umas certas insinuações, denunciadas de quando em quando na imprensa, pouco favoraveis ao meu partido, pelo que diz respeito á sua actual posição perante o governo.

Por outro lado agradeço ao illustre deputado o ter-me fornecido occasião de destrinçar este ponto enredado, a que eu prometto não dar a importancia de uma alta questão nacional.

Eu começo por protestar, em nome da dignidade de cada um de nós, de cuja camaradagem não posso, não devo, nem quero excluir o illustre deputado, a quem me estou referindo, em nome da independencia parlamentar, contra a peregrina argumentação, de que ha obrigação de apoiar, incondicionalmente, um governo, todas as vezes que á imprensa, ao publico ou a quem quer que seja, apráz desi-

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gnar como governamental ou ministerial um candidato, ou um deputado eleito qualquer (muitos apoiados).

Eu não aceito, detesto, a doutrina anarchica, dissolvente, deleteria, de que, quando um partido, que tem principios, vida autocratica, historia e programma, aconselhado por dadas circumstancias, se resolve a apoiar com certas condições um governo, em pontos restrictos de administração, ou de finanças, que não destoem dos principios do partido alliado, a logica obriga esse partido a aceitar cegamente, fatalmente, todo o programma politico, administrativo e financeiro d'esse governo. Era absurda uma tal subserviencia, que degradaria os homens e infamaria os partidos (apoiados).

Nem as mais freneticas maiorias, nem as mais enthusiasticas confrarias politicas são capazes de affirmar em pleno parlamento similhante proposição (apoiados).

Eu interrogo os amigos pessoaes do sr. marquez d'Avila e de Bolama. Pergunto-lhes aqui muito á puridade: se lhes impozerem a condição, de que sempre, em todos os casos, hão de, com os olhos cerrados do espirito, e com a consciencia agrilhoada, subordinar-se á politica e ás opiniões do seu mestre, chefe e amigo, são capazes de aceitar tal humilhação? Respondo por elles: não (apoiados).

Nenhum partido politico deu jamais apoio a um governo com tão opprobriosas condições. Muito menos o poderiam dar homens e partidos independentes, que em attenção a certas circumstancias e difficuldades que atravessam não raro os paizes, são aconselhados a apoiar alguns assumptos restrictos em administração e em finanças, que não se afastem dos principios geraes, que cada um professa (apoiados). Todos sabem que ha pontos communs em todos os programmas; que ha questões em que todos os governos e todos os partidos estão conformes (apoiados). Apoiar um governo por esta fórma não é abdicar (muitos apoiados). É servir o paiz, mantendo cada partido pura e intemerata a sua bandeira. (Apoiados. — Vozes: — Muito bem.) É o que temos feito (apoiados).

Sr. presidente, quem quizer exemplos de lealdade politica e de maxima abnegação, ha de colhe-los abundantes no partido progressista historico (muitos apoiados). Por ella sacrificou elle em certa epocha a sua immensa popularidade (muitos apoiados); erro grave, que os partidos não podem duas vezes impunemente commetter (apoiados). Por ella deixou este partido algumas vezes de tomar parte no poder, o que pouco ou nada vale, mas o que nem todos fazem (apoiados). Estes factos não se podem contestar. Liquidemos, porém, o assumpto principal.

Sr. presidente, o principio da reeleição não foi posto nem imposto por nós (apoiados). O principio da reeleição nasceu, como todos sabem, de um acto espontaneo do governo, sem insinuação e sem intimações algumas da nossa parte. Brotou puro e genuino do cerebro do sr. marquez d'Avila e de Bolama, como Venus da espuma do mar! (Riso.)

Fez o governo ao partido historico a graça especial de não mandar guerrear pelas suas auctoridades, quero dizer, pelos seus amigos e pelo seu partido (riso), o que é mais curial e constitucional, quasi todos os homens, não todos, que o apoiaram aqui lealmente, que o serviram com a maxima abnegação, com o mais estremado desinteresse, e ás vezes até compromettendo o futuro do proprio partido, em todas as questões graves, que se alevantaram; especialmente depois que saíram do governo o sr. bispo de Vizeu e o sr. Saraiva de Carvalho (apoiados).

Mas a verdade é, sr. presidente, que todos esses homens tinham raizes, influencia propria, ou pelo menos amigos importantes nos circulos por onde foram reeleitos. A prova é facilima e singela. Não me consta que o sr. bispo de Vizeu mandasse proteger officialmente os candidatos historicos, que foram eleitos em setembro passado. Não digo que os mandasse guerrear a todos, nem eu agora aqui discuto a politica eleitoral do sr. bispo de Vizeu.

Mas é facto, que não necessitava a protecção official do sr. presidente do conselho de ministros quem logrou vir ao parlamento no tempo do sr. bispo de Vizeu (apoiados).

Não precisavamos por consequencia de favor nenhum ministerial (apoiados).

Quanto aos outros collegas nossos, que lidam ao lado do partido historico, e historicos são, sabe Deus as lutas que alguns travaram, sabe Deus as difficuldades que alguns d'elles venceram, para lograrem os seus diplomas, contra a vontade, contra os esforços não sei de quem... (apoiados).

Eu não estou aqui accusando ninguem; não estou mesmo justificando o meu partido, que não precisa de justificações. Estou pulverisando insinuações que se lançaram sobre nós; que se tem feito em certa imprensa; que se têem tambem propalado em voz baixa. Estou reduzindo ás suas verdadeiras proporções accusações que se improvisaram.

Não sei se ha n'este processo delinquentes. Se os ha, não estão no partido historico (apoiados).

Não resuscitarei letigios findos, nem avivarei questões pessoaes; vou resumir este assumpto, afiançando á camara, afiançando ao meu paiz, com a mão sobre o coração, em nome do partido historico, de quem ouso ser n'este momento orgão, que nós a nenhuns pactos faltámos, porque nenhum compromisso contrahimos (muitos apoiados).

Somos o que sempre fomos; cooperadores modestos, mas independentes, mas livres, de qualquer administração que se proponha resolver as grandes questões, em que todos estamos empenhados (muitos apoiados).

Sr. presidente, permitta-me v. ex.ª ainda, que eu abra aqui um parenthesis, que não levará muito tempo a fechar, e que diz respeito a um assumpto importante que occorreu ha dias n'esta essa. Quero referir-me á rejeição de um projecto de lei, que tinha em vista a reformação radical do codigo fundamental.

Eu fui um d'aquelles que não poderam pronunciar a sua opinião por meio de seu voto n'esta casa, porque não estava aqui n'essa occasião. Fui tambem dos poucos que não se explicaram. Declaro francamente a v. ex.ª que, se alguma vez a tive, passou, e ainda não voltou, a vontade de me explicar.

O sentimento que ha dois dias me tem dominado, desde que ouvi taxar de illiberal e reaccionario o partido, a que tenho a honra de pertencer, é o de calar-me.

Ha consciencias que se humilham, quando se justificam. Ha partidos que se abatem quando ae defendem (Vozes: — Muito bem.)

Por isso eu louvo o meu talentoso e illustre amigo o sr. José Luciano de Castro por ter, no seu brilhante improviso, passado em claro as apostrophes iracundas, que um dos mais fogosos oradores d'esta casa, palavra aliás litteraria do partido reformista, lançou contra nós.

Não sacrifiquemos aos impetos tribunicios, nem aos jactos de oratoria a verdade dos factos! (Apoiados.) Não fica mal a ninguem, e muito menos a um homem novo, que tem futuro n'este paiz, porque tem probidade, tem talento e tem amor ao trabalho (apoiados), não fica mal a um homem novo, digo, ser mais comedido na sua phrase e nas suas apreciações, a respeito de partidos, que têem paginas gloriosas nos fastos liberaes d'este paiz (applausos).

Sr. presidente, é conveniente sermos tambem lidos na nossa historia politica e constitucional (apoiados). Os partidos podem, movidos por imperiosas circumstancias, que predominam na sua consciencia, não aceitar, em dados casos, e em determinadas occasiões, a reforma do pacto fundamental do paiz, ou porque seja inopportuna, ou porque seja radical, ou porque seja vaga e ilimitada, ou por outras quaesquer rasões, honrosas para todos aquelles que por ellas se guiem. Isso, porém, não auctorisa ninguem a vir aqui ao parlamento lançar um estigma de illiberaes, de retardatarios, de morosos, de scepticos, sobre todos os partidos em assumptos de liberdade (apoiados). Não póde ser (apoiados).

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José Estevão e Passos Manuel, os dois mais eloquentes tribunos que as nossas revoluções politicas têem produzido (apoiados); as duas recordações mais saudosas, que hão de eternamente abrigar-se no peito de todos aquelles, que os conheceram, que os admiraram, e que os amaram (muitos apoiados); os dois mais venerandos vultos, as duas mais auctorisadas vozes, que ennobreceram, não só a tribuna parlamentar, mas a tribuna popular (apoiados); nunca açoitaram com tanta sem-ceremonia partidos e homens, que têem feito alguma cousa pela liberdade e pela prosperidade d'este paiz. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, eu não estou fazendo a historia do meu partido, do partido progressista historico, porque o historiador seria inferior a essa missão. Os seus honrados feitos estão na memoria de nós todos: datam de 1836; datam de 1846; datam de 1851; e, se quizerem, datam de 1820 (applausos).

Algumas paginas heroicas podemos dar a ter aos que se comprazem, por paixão, em escurecer as chronicas politicas do nosso paiz (apoiados). Faço votos, para que as futuras gerações, e a nova geração de reformadores, tomem o meu honrado e illustre partido por guia e norte, n'essa via larga, que elle abriu aos progressos e ao futuro d'este paiz, com a energia das suas crenças (apoiados), com os seus vivos protestos contra todas as tyrannias (apoiados), com, o sangue dos seus martyres (apoiados), e com a maxima abnegação e o mais estremado desinteresse dos seus filhos mais predilectos (muitos apoiados).

Citarei apenas dois factos, porque são de moderna data, e estão na memoria de todos nós.

Quando ha pouco mais de um anno se estabeleceu n'este paiz um governo de facto, qual foi o partido, que primeiro desenrolou e hasteou alto a sua bandeira contra as violações do codigo fundamental? Quem foi que primeiro empregou todos os esforços, desenvolveu a maxima energia, lançou mão de todos os meios legitimos e constitucionaes, para que dos differentes pontos do reino acudissem representações, em que se pedia a restauração das publicas liberdades, e da carta constitucional? Foi o partido progressista historico (muitos apoiados).

Eu não quero com isto dizer, que seja menos honroso o procedimento dos outros partidos, que se pronunciaram depois; quero só affirmar que, quando se trata de defender as liberdades publicas ameaçadas por qualquer tyrannia, o meu partido agita-se e levanta-se como um só homem, desfralda o seu pendão e protesta contra todas as violencias, contra todas as ousadias, contra todos os despotismos, contra todas as violações da constituição (muitos apoiados). A um partido d'estes não se fazem imprudentes accusações. (Vozes: — Excellente, muito bem.)

Quando o partido progressista historico pela ultima vez occupou as cadeiras do poder, comprometteu-se solemnemente na reforma de alguns pontos da carta constitucional.

Nem todos que têem occupado aquellas cadeiras têem procedido assim. Não procederam d'esta fórma os seus antecessores, que se demoraram no poder treze mezes. Não procederam assim os mesmos que vieram depois.

A um partido que tem esta historia, a um partido, que póde dar a ler estas illustres paginas, ninguem tem o direito de lhe fazer insinuações de retrogrado ou de reaccionario, em nome de um certo prurido, que acommette ás vezes os oradores novéis, e os arrasta para as apostrophes calorosas e violentas, ou para as declamações mais ou menos sentimentaes.

Eu declaro francamente a v. ex.ª que, se estivesse n'esta casa ante-hontem, e fosse obrigado a dar o meu voto ou explicações ácerca do projecto, que foi rejeitado, respeitando aliás todas as rasões que se produziram, teria sido determinado na rejeição, por uma outra, que tem um grande peso no meu espirito.

Não creio em reformas radicaes de nenhum pacto constitucional, de nenhuma lei fundamental, em condições normaes.

Emquanto o espirito publico não está preparado, emquanto as exigencias da opinião convenientemente agitada por todos os meios constitucionaes, não são claras, manifestas, imperiosas, formaes, eu não creio em reformas radicaes do codigo politico das nações liberaes.

Preparem os reformadores, por meios pacificos, a opinião; façam propaganda; discutam na imprensa, nos clubs, nas reuniões, a necessidade da reforma; formulem claramente, em termos precisos, o que querem; desçam das regiões aereas de um relatorio para o terreno das questões praticas e mundanas; porque, emquanto se reduzirem as suas indefinidas aspirações a lançar o paiz nos acasos de uma vaga reformação, nas incertezas de uma luta sem methodo, n'um cahos de opiniões tumultuarias e confusas, a sua reforma não passará de uma pouco feliz utopia (apoiados).

Podem reformar-se pontos, cuja reforma ha muito é pedida pelo consenso unanime de todos os homens liberaes; refiro-me, por exemplo, á camara dos pares, cuja hereditariedade é insustentavel (apoiados), á face dos principios liberaes e do estado actual da nossa sociedade; mas não se muda de um dia para o outro a constituição do paiz, por capricho ou veleidades de reformação (apoiados).

Sr. presidente, eu não contesto, que o desejo e as aspirações de reformar a carta exista no espirito de muitos homens liberaes. Tenho tambem esse sentimento e essa aspiração, desde que medito sobre as cousas publicas. Mas eu quero ter o paiz commigo, para assumpto do mais subido alcance. Não assumo a responsabilidade de resuscitar as velhas querelas entre as nossas constituições (apoiados).

O paiz actualmente, creio que nos pede boas finanças e melhor administração (apoiados). Demos-lhe governo, demos-lhe melhoramentos moraes e materiaes, e escutemos com escrupulo as suas opiniões. Se elle quizer sobrepor a reforma politica e constitucional a todos os trabalhos ordinarios, a todos os lavores normaes, que lhe melhorem as suas condições, acatarei as suas manifestações, e espero não morrer divorciado com as suas liberaes e democraticas aspirações. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, gravissimos são os factos, cuja veracidade a opposição no parlamento, e a imprensa lá fóra affirmam, e cuja responsabilidade lançam sobre o governo.

Podem reduzir-se a dois os capitulos de accusação:

Primeiro. Intervenção directa, efficaz, illegal, illegitima, criminosa do governo no acto eleitoral;

Segundo. Violação das leis e da constituição, que garantem os direitos individuaes, collectivos e politicos dos cidadãos, mandando o sr. presidente do conselho fechar, dissolver ou prohibir no futuro as chamadas conferencias democraticas do casino lisbonense, onde se pretendia preleccionar, ou se preleccionaram theorias contra a religião, contra a constituição e contra as leis do paiz.

Sr. presidente, eu deploro e detesto a intervenção ou pressão autoritaria do governo, no acto que deve ser o mais augusto e o mais espontaneo do homem (apoiados), porque é aquelle, por meio do qual, a collectividade dos cidadãos exprime a sua soberania (apoiados), base de todo o direito publico e constitucional (apoiados); affirma dignamente a mais solemne manifestação da personalidade humana (apoiados); empenha a sua responsabilidade no governo da sociedade (apoiados); e estreita os vinculos que prendem o homem ao regimen politico dos estados, onde elle é agente intelligente, livro e responsavel (apoiados). E por isso hei de sempre fulminar toda e qualquer intervenção directa dos governos no acto eleitoral (apoiados). Infelizmente este governo padeceu das mesmas faltas, e commetteu os mesmos delictos, em que têem incorrido muitos dos seus antecessores (apoiados), com maior ou menor intensidade.

É facto, que tem havido governos, que se têem contido dentro da esphera a que se chama licita e honesta, influindo suavemente nas eleições, mas recommendando sincera e

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lealmente a todas as auctoridades, que não exerçam pressão sobre a vontade e a consciencia dos cidadãos, e que apenas encaminhem docemente a opinião no sentido das idéas e da politica do governo. Outros houve que influiram nas eleições directa e abusivamente (apoiados), dando força ás tendencias malignas dos seus agentes, auctorisando todos os abusos, violencias e excessos, protegendo os criminosos, depois de averiguados os delictos, o negando-se a dar satisfação aos principios liberaes postergados, e á moral publica offendida (apoiados).

Tem havido entre nós de tudo, e até houve, creio eu, um governo de eterna e risonha recordação, que confiou, sem condições, a amigos pouco escrupulosos, que fizeram a partilha do leão, a direcção politica de umas eleições (riso).

Deploremos, sr. presidente, todas as aberrações do systema constitucional (apoiados). Censuremo-las, e castigue-mo las (apoiados). Mas é preciso mais alguma cousa, é necessario evita-las no futuro (apoiados). É impreterivel acautelar todas as fraudes, que uma longa experiencia tem denunciado (apoiados). Façamos nova lei eleitoral (apoiados). Revolvamos toda a nossa actual legislação n'este assumpto (apoiados). Expunjâmos do acto eleitoral a sombra até da interferencia da auctoridade na eleição (apoiados). Haja severas penas para os infractores da nova lei (apoiados). Haja serias responsabilidades para todos os delinquentes, sem excepção, desde o cabo de policia até ao ministro do reino (apoiados). Seja a violencia contra a liberdade, seja a pressão na consciencia, seja a fraude, seja o suborno, seja a veniaga, seja a corrupção um crime abominavel, um peccalo sem perdão. Cumpram todos o seu dever. Querelem todos os cidadãos, querele sempre o ministerio publico, seja inflexível o poder judicial, se quer manter o prestigio de que necessita, para tornar respeitada a sua alta missão (apoiados).

É preciso castigar todos os abusos; quer elles procedam da auctoridade, quer procedam dos cidadãos (apoiados). Urge que todos se mantenham dentro da esphera da lei, que todos obedeçam aos principios constitucionaes e ás prescripções da moral (apoiados).

Não façamos só a lei eleitoral; é necessario, é indefectivel educar e instruir o povo. Empreguemos os mais energicos esforços, para que o povo portuguez desgraçadamente indifferente e apathico nos actos mais solemnes do systema constitucional, adquira habitos honestos de vida publica, e pese com justeza todos os seus deveres politicos e moraes. Não nos limitemos só a garantir direitos, colloquemos-lhes ao lado o sentimento do dever, e a consciencia da propria independencia.

Quando o homem for instruido, ha de ser digno; quando for digno, ha de ser independente; e quando for independente, está realisado todo o desideratum de uma excellente lei eleitoral, porque está assegurada a execução da sua parte mais essencial.

Sr. presidente, se eu entendo bem o mechanismo e a indole do systema constitucional, não posso ser absolutamente da opinião d'aquelles, que pretendem, que os governos sejam completamente indifferentes a todo o movimento eleitoral. Eu parto do principio, de que n'aquellas cadeiras nunca se póde assentar uma administração sem programma (apoiados), sem partido, mais ou menos disciplinado (apoiados), ou sem amigos numerosos, que o valham.

Este partido governamental que ampara e proteje o programma ministerial, tem direito, tem mesmo obrigação de pelejar no combate eleitoral, mas em repto leal e cavalheiroso, mas em campo franco e aberto, igualados os meios legitimos de acção (apoiados), sem surprezas, sem emboscadas, sem traições (muitos apoiados). Não vem á luta como agente directo e official do governo, apparece como os simples cidadãos. Não precede o despotismo, com as faxas do lictor, traja as insignias augustas da soberania popular. (Vozes: — Muito bem.)

Os excessos da auctoridade, as intimidações, as ameaças, os patronatos, as veniagas, as violencias, as perseguições, são immoralidades, são crimes, são infamias, que a consciencia publica condemna, e que as leis devem fulminantemente castigar (muitos apoiados).

Quando os excessos são de homem particular para homem particular, ainda o fraco de animo póde abrigar-se á sombra da lei, e recorrer aos poderes tutelares da sociedade, ou buscar amparo nas consciencias honestas e nos espiritos rectos, que se revoltam contra todas as prepotencias e contra todas as cobardias. Mas quando são os poderes publicos que vexam e opprimem o cidadão (e ás vezes parece que todos conspiram diabolicamente para o mal), que remedios e que recursos ha contra estas oppressões??? É soffrer e calar, e ás vezes, por desespero, perturbar a ordem publica.

As perturbações de ordem publica não vem só da ignorancia, do desvario, do fanatismo das classes menos illustradas (apoiados), procedem tambem dos maus governos (apoiados), que não respeitam a liberdade dos cidadãos (apoiados), que desacatam cynicamente os principios, e que fazem perder ao povo a esperança de que sejam mantidos e assegurados os seus direitos politicos e individuaes (apoiados. — Vozes: — Muito bem.) E d'ahi que vem o odio de muitos ás instituições... não direi-ás instituições, porque aonde houver um coração nobre e um espirito illustrado, não póde haver odio ás instituições liberaes; mas é d'ahi que procede a aversão e a antipathia contra os estadistas hypocritas e contra os governos pseudos-liberaes (apoiados); é d'ahi que vem a atonia dos espiritos, o servilismo das almas, a degradação dos caracteres, a dissolução dos costumes, e ás vezes a perda de uma nacionalidade, se um facto providencial, a revolução, na sua accepção mais generosa e mais levantada, não acode a salvar de imminente perigo aquelles que Deus não quer perder. (Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, não quero attribuir ao governo associação consciente e criminosa nos actos eleitoraes; mas é para mim ponto de fé, diz-me a minha mais sincera convicção, affirma-me a consciencia, que elle foi mal servido por muitos dos seus agentes no acto eleitoral; agentes que affrontaram a liberdade, que offenderam a moral politica (apoiados), que calcaram aos pés os direitos dos cidadãos, e que não podem continuar a exercer as funcções que estão desempenhando (apoiados).

Sr. presidente, não estou aqui tratando de discutir especialmente factos que occorreram n'um ou n'outro circulo eleitoral. Trato da questão em geral; se eu precisasse convencer a camara, de que o governo foi mal servido no acto eleitoral pelos seus agentes officiaes e officiosos, não tinha mais do que appellar para as palavras auctorisadas e para os amigos mais intimos e predilectos do proprio governo. Se são suspeitos os argumentos da opposição, porque os dicta a paixão ou o despeito; se a oratoria da esquerda não é orthodoxa para o lado direito da camara, eu offereço ao sr. marquez d'Avila, como os mais valiosos depoimentos, em abono das minhas apreciações, o proceder insuspeito do sr. relator da resposta ao discurso da corôa, e o de um seu empregado de confiança, o sr. ex-governador civil de Coimbra. Este segundo cavalheiro, e meu amigo, propoz ha pouco, n'esta casa, a reforma da lei eleitoral. Que significa este zêlo pelas liberdades publicas, e pelos direitos dos cidadãos? Significa, que o ex-governador civil de Coimbra, o sr. Telles de Vasconcellos, que nos declarou aqui, n'uma apreciavel effusão de sinceridade, ter dirigido as eleições d'aquelle importante districto, acha e entende, que é necessario acautelar na lei fraudes e violencias, que a auctoridade póde praticar (muitos apoiados). Se isto não é logico, não sei raciocinar (apoiados). Se está bem garantida e assegurada na actual legislação a liberdade eleitoral, para que urge reformar a lei? Para cercear direitos não póde ser, porque o sr. Telles é um homem liberal, e não podia nutrir no seu espirito tão reprehensiveis aberrações (apoiados).

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A moção do meu excellente amigo, que dirigiu as eleições de um districto, como aqui nos confessou, não póde pois deixar de ser a censura mais ou menos directa do governo e dos seus agentes officiaes (apoiados).

Fazendo justiça aos sentimentos liberaes do sr. Telles de Vasconcellos, não posso todavia deixar de aproveitar o argumento que me favoreceu, para affirmar que os proprios amigos e delegados do governo denunciam, mais ou menos claramente, a intervenção official e abusiva do poder, no acto eleitoral, que devia correr livre e espontaneo (apoiados).

Depois do ex-governador civil de Coimbra entra em scena o sr. relator da commissão de resposta ao discurso da corôa.

Todos sabem que o relator de um documento tal é sempre um homem perfeitamente casado com a politica ministerial. E no meu illustre amigo o sr. Arrobas não só se dá esta qualidade, mas acresce a circumstancia de ser intimo amigo pessoal do sr. marquez d'Avila e de Bolama.

Temos pois um orgão official do governo a atacar os delegados do ministerio actual, por abusos e excessos de poder, no ultimo acto eleitoral (muitos apoiados). Isto é peregrino, mas é a pura verdade (apoiados).

O sr. Arrobas condemnou as violencias do administrador do concelho de Arganil, que o sr. marquez, seu amigo e chefe, defendeu (apoiados). E se o apertarem muito, é capaz de condemnar Vouzella, Villa Verde, Monsão, etc. (riso — apoiados). Tanto póde a força da verdade!

Quando um homem n'estas condições, cujo dever politico é cubrir o governo, com uma franqueza, que aliás o honra declara que não toma a responsabilidade dos actos praticados em Arganil, o que quer o governo que faça a camara? Póde porventura oppor-se a que se vote uma moção politica, tendo por fim tornar bem sensivel que a liberdade de voto não foi mantida como devia ser, nem os direitos individuaes e politicos dos cidadãos respeitados? (Apoiados.)

É o illustre relator da commissão quem principalmente auctorisa esta moção de censura (apoiados).

Sr. presidente, é fatal por toda a parte a tendencia do governo ou dos seus agentes para vexar os cidadãos (apoiados).

Não foi só em Arganil e em Villa Verde que se offendeu a pureza do acto eleitoral; não foi só em Vouzella, cujas scenas criminosas foram hontem aqui patheticamente desenhadas com tanta simplicidade eloquente, e com tanto sentimento, por um collega nosso (apoiados). Foi tambem em Monsão.

Occorreram estes excessos em varios pontos do paiz. Onde os delegados do governo poderam obter um pretexto qualquer para prender um cidadão, prenderam-o, acto continuo (apoiados)

Creio que a portaria de 1845, lembrada por um illustre funccionario para attenuar os crimes do seu subordinado, estava no espirito de todas as auctoridades do paiz.

Supponho que era doutrina corrente, e que tinha sido ensinuada, em voz baixa, ao ouvido de todos os empregados do governo (apoiados). Talvez fizesse parte das instrucções confidenciaes (apoiados). Não admira.

Desde que appareceu aquella famosa portaria de 26 de junho de 1871, a respeito das conferencias, era indispensavel que volvesse á vida a portaria de 1845, e que entrasse de novo no mundo politico com todo o seu esplendor (muitos apoiados). São dignas uma da outra. E se não fosse o tempo que as separa podiam-se considerar irmãs gemeas.

Parecem que viram a luz no mesmo dia, guiadas pela mesma mão e nascidas do cerebro do mesmo progenitor (apoiados).

Portaria de 1845 e portaria de 1871 são uma e a mesma cousa (apoiados).

Onde quer que as auctoridades do governo poderam fazer sentir aos cidadãos as bellezas d'estas theorias preventivas, foram generosas e prodigas n'estes dons, que deveriam ter acabado em 1834. (Vozes: — Muito bem.)

Vou produzir um novo exemplo; vou referir um facto de que ainda a camara não tem conhecimento. Alludo á eleição de Monsão.

Não cito o facto como protesto contra uma eleição, que já fui approvada, nem para lançar a responsabilidade ao cavalheiro que representa aquelle circulo. Tive conhecimento do caso muito depois da approvação da eleição, e se elle não podia influir no resultado da uma, serve para corroborar o meu asserto: os agentes do governo, inspirados mysteriosamente pelas theorias paternaes de 1845, resuscitadas em 1871, onde poderam vexar um cidadão, vexaram e prenderam, sem escrupulos, sem respeito aos principios e com manifesto desprezo pela liberdade individual (apoiados).

Em uma das assembléas eleitoraes de Monsão apresentaram-se tres cidadãos. Lembraram elles com a maior cortezia, e com o espirito mais pacifico ao presidente da mesa, que seria conveniente que a chamada dos eleitores começasse por uma certa freguezia; creio que era a mais remota.

Enfadnu-se, e incommodou-se o presidente da mesa com esta impertinencia, e supponho que, ou deu ali a voz de preso aos cidadãos, ou preveniu para este fim o administrador do concelho, que se offereceu logo para executor d'esta baixa justiça (riso — apoiados). Para estarem mais alguns minutos á solta, pretextaram os cidadãos que desejavam rezar.

Vozes: — Ouçam, ouçam.

O Orador: — Não foi cousa facil de conseguir, mas sempre rezaram. Acabada a oração foram administrativamente autuados, conduzidos á cadeia, e entregues ao poder judicial. Tres dias depois são postos em liberdade e absolvidos pelo poder judicial.

Vou ler a v. ex.ª e á camara a sentença do juiz do direito que absolveu os tres grandes criminosos (leu).

Assistem tres cidadãos com o maior respeito e socego ao acto eleitoral; fazem um pedido cortez e são immediatamente presos!!

É o que claramente se deduz da sentença, que li (apoiados). É notavel esta tendencia das auctoridades do governo para calcar os direitos dos cidadãos (apoiados).

Não quero occupar-me agora dos vicios, que ha no recenseamento do circulo de Monsão, dos quaes o governo teve conhecimento a tempo, e sobre que nunca quiz providenciar (apoiados).

Não fallarei tambem dos abusos ali praticados com as mesas administrativas das misericordias de Monsão e Valladares, que foram dissolvidas em 1870. Decorrido um anno, chegou a epocha das eleições das mesas. A 2 de julho d'este anno, devia proceder-se á eleição, segundo determina o regulamento ou o compromisso d'aquellas casas. Quer v. ex.ª saber o que se passou? Um alvará do governo civil manda continuar as commissões para substituirem as mesas que devem governar e gerir os fundos d'aquelles estabelecimentos. Isto não se commenta!! (Apoiados.)

Estes abusos são filhos da politica facciosa das auctoridades administrativas d'aquelle districto. Nomeam para as commissões das misericordias amigos politicos, que as ajudem nas eleições; temem a eleição das mesas, porque receiam, que sejam eleitos os homens importantes da opposição.

Isto é escandaloso.

Já aqui um dos caracteres mais nobres d'este paiz, e uma das illustrações d'este casa, perguntou por este facto, e ainda não teve resposta. É necessario que se tomem providencias, porque a administração publica não póde caminhar, quando está entregue a certos regulos eleitoraes, a mal conceituados aventureiros e a bandoleiros politicos, que parecem apostados a affrontar sem pudor as leis e a moral.

Sr. presidente, quando a este paiz chegar a era de umas

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certas reformas liberaes, democraticas e radicaes, é necessario castigar severamente todas as auctoridades, todos os empregados, que avexam impunemente os cidadãos. Nós não temos habeas corpus senão n'alguns artigos da constituição. Na pratica ha o abuso, ha a arbitrariedade, ha a impunidade da auctoridade publica (apoiados). Prende-se um ou mais cidadãos por odio, vingança, ou por capricho de um sr. regedor, ou de um sr. administrador; é absolvido o supposto criminoso; soffre o cidadão na sua liberdade, nos seus interesses, na sua reputação; supporta ás vezes perdas, que a propria absolvição e a conducta dada por illibada não podem reparar; e o despotasinho local, que offendeu direitos e interesses, fica salvo e impune, e habilitado para continuar nas suas gentilezas.

Se se pede licença á auctoridade superior, para processar estes mandarins de aldeia, raras vezes se obtém. É necessario que acabem estes odiosos privilegios, estas flagrantes desigualdades, que são um anachronismo repugnante (apoiados).

Em materia eleitoral, não existe é verdade este privilegio, porque o cidadão póde querelar de um funccionario, sem previa licença do governo, nos casos marcados na legislação eleitoral. Mas a lei não previne todas as hypotheses (apoiados), e estou que o regulo de Monsão póde furtar se á acção da lei, acolher-se ás suas immunidades, se o governo lhe estender, como é de esperar, o manto de uma criminosa protecção (apoiados).

Sr. presidente, não é proposito meu alongar me em considerações, mas não posso terminar, sem dizer algumas palavras sobre as conferencias democraticas do casino lisbonense. Ha sobre o assumpto annunciada uma interpellação; o grande debate deve vir por essa occasião; mas desde que o nobre presidente do conselho de ministros intercalou as conferencias na resposta ao discurso da corôa, defendendo a sua desgraçada portaria de 26 de junho de 1871, em discursos energicos, calorosos, violentos, e até ameaçadores para a opposição, eu não devo furtar-me á obrigação de expor francamente a minha opinião.

Em primeiro logar protesto contra todos os argumentos ad terrorem, impertinentemente extrahidos do communismo, da demagogia, do communalismo, e de todos os crimes e horrores de París, para justificar a portaria, que mandou prohibir as reuniões do casino (apoiados).

Sejamos homens serios e discretos, e deixemo-nos d'estes argumentos que são verdadeiramente infantis (muitos apoiados).

Vejamos em primeiro logar qual é a legislação vigente, sobre o direito de reunião.

Eu creio que, para ninguem, nem mesmo para o governo, resta a menor duvida, de que as chamadas conferencias democraticas não são, na acçepção juridica e legal da palavra, associações (apoiados). É preciso estabelecer bem este principio.

Se o fossem, e não tivessem sido precedidas por auctorisação do governo, eram illicitas, por falta d'essa auctorisação, em face do artigo 282.° do codigo penal, que não admitte associações, de especie alguma, de mais de vinte pessoas, sem ter precedido a auctorisação do governo, nos termos e condições, que elle julgar conveniente, ainda que essas associações tenham um fim eleitoral, litterario, artistico, de recreio, ou de beneficencia. Estas ultimas associações, que eram plenamente garantidas, sem dependencia de licença do governo, por um decreto de 15 de junho de 1870 que revogava n'esta parte o artigo 282.° do podigo penal, tambem hoje são illicitas e criminosas, porque o citado decreto foi abolido, e vigora sem peias e sem restricções a doutrina draconiana do codigo penal, contra a qual hei de sempre conclamar (apoiados). Contra a qual me tenho varias vezes insurgido n'esta casa (apoiados).

Não são, pois, as conferencias do casino associações; se o fossem, e não tivessem sido auctorisadas pelo governo, ou se se tivessem afastado do fim que lhes fôra determinadamente marcado, deveriam ter sido logo dissolvidas ou prohibidas, e seus directores ou administradores castigados com a pena de prisão até seis mezes. Esta é a lei.

Foram portanto as conferencias meras reuniões, e como taes expressamente reguladas por um decreto de 15 de junho de 1870 (muitos apoiados).

Outra qualificação não a podem ter pela nossa legislação (apoiados).

Diz a lei:

«Artigo 1.° É garantido o direito de reunião em toda a sua plenitude, independente de licença previa de qualquer auctoridade.

Art. 2.° As reuniões publicas devem ser communicadas á auctoridade policial do concelho ou bairro, com antecipação, pelo menos, de vinte e quatro horas.

Art. 5.° As reuniões publicas podem ser dissolvidas pela auctoridade; se se desviarem do fim para que foram convocadas, ou por qualquer fórma perturbarem a ordem publica

Art. 6.° A dissolução da reunião só póde ser intimada á assembléa quando a auctoridade tenha sido desobedecida, depois de advertir em voz alta os presidentes ou directores da reunião.»

Cito apenas os artigos indispensaveis do decreto de 15 de junho de 1870 para esta questão.

A carta constitucional diz:

«Artigo 145.°

§ 1.° Nenhum cidadão póde ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa, senão em virtude da lei.

§ 3.° Todos podem communicar os seus pensamentos por palavras e escriptos, e publica-los pela imprensa, sem dependencia de censura, comtanto que hajam de responder pelos abusos que commetterem no exercicio d'este direito, nos casos e pela fórma que a lei determinar.»

Citada a lei e citada a carta, está lavrada a sentença condemnatoria do governo, e da sua portaria de 26 de junho de 1871, sem a menor hesitação, (apoiados).

Eu peço a attenção da camara. É uma materia importante esta; é um assumpto grave (apoiados); é preciso que todos nós tenhamos opiniões francas e inequivocas a este respeito.

Trata se dos direitos individuaes e collectivos dos cidadãos (muitos apoiados). O governo violou a carta, e infringiu as leis (muitos apoiados); o governo saíu fóra das suas attribuições (apoiados).

Vejamos como os factos se passaram.

Houve varias conferencias ou reuniões no casino lisbonense, previamente annunciadas, e de que o governo de certo teve conhecimento. Nenhuma d'ellas foi dissolvida; a nenhuma foram applicados os artigos 5.° e 6.° do decreto de 15 de junho de 1870; logo as conferencias não se desviaram do fim para que foram convocadas; logo as reuniões não perturbaram, nem pretenderam perturbar a ordem publica. Mantiveram-se portanto dentro da esphera legitima da sua acção. É esta a presumpção logica e legal (muitos apoiados). Se de outro modo succedeu, por que não foram dissolvidas as reuniões no acto em que saíam fóra da lei? Porque não foram autuados os seus directores e agentes, e punidos severamente com o codigo penal?? (Apoiados.)

Não ha que fugir d'este dilemma, em que se estorce o acto prepotente do sr. marquez d'Avila e de Bolama (muitos apoiados).

Se as auctoridades administrativas ou policiaes, que vigiaram e fiscalisaram as reuniões, não cumpriram o seu dever, proclamando a dissolução da assembléa, no termos do artigo 6.° do decreto de 15 de junho, no caso de ter havido abuso do direito de reunião, porque não castiga o governo os empregados inhabeis, ineptos, relaxados, conniventes talvez, que deixaram perturbar ou ameaçar a ordem publica, e derramar doutrinas offensivas da religião, da constituição, e não sei de que mais??? É incrivel o procedimento do governo! É triste e desgraçadissima a sua si-

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tuação! Se condemna as conferencias, que funccionaram livremente em plena paz, condemna os seus empregados, que as não dissolveram, e condemna-se a si que tolera auctoridades administrativas e policiaes, cumplices de todos os excessos communalistas, preleccionados no casino lisbonense. Se approva o procedimento dos seus magistrados administrativos, que deixaram concluir livremente umas poucas de conferencias, absolve reuniões que a sua inepta e illiberal portaria condemnou (apoiados).

Escolha. Em qualquer dos pontos do dilemma ha de ficar sempre espetado (muitos apoiados).

Fallemos com franqueza: o governo andou aturdidamente n'este negocio, e não foi bem aconselhado! (Apoiados.) Podia ter reprimido ou castigado severamente todos os excessos e abusos, se os houve, sem, com tanta sem-ceremonia, e com tão grande falta de escrupulos, desprezar a constituição, violar as leis, fazendo alardo de despotismo, do que n'este paiz todos se riem (muitos apoiados. — Vozes: — Muito bem.)

Sr. presidente, para julgar as conferencias do casino, nós não temos outros documentos senão os que foram publicados no Diario do governo de 14 de agosto passado. Pelo menos a portaria não assenta n'outros fundamentos. O primeiro documento é um officio do governador civil de Lisboa, de 21 de junho d'este anno, em que remette por copia um relatorio do commissario de policia da 2.ª divisão sobre uma das conferencias. N'esse officio diz o magistrado superior do districto, que a alludida conferencia lhe parecia, em grande parte, de uma inconveniencia tal, que se lhe afigurava possivel que o governo quizesse tomar sobre o caso alguma providencia. Isto é textual. A propria auctoridade administrativa não tinha opinião firme e segura sobre a criminalidade da prelecção. Pareceram-lhe apenas inconvenientes algumas proposições. Aqui têem portanto, v. ex.ª e a camara, o grande corpo de delicto! Aqui têem a sciencia certa em que se fundamenta uma prepotencia que offende as leis, posterga a constituição, e fere violentamente os direitos dos cidadãos (apoiados) O governador, civil conclue o seu officio afiançando ao governo, que para todas as prelecções que houve no casino, precederam as formalidades que prescreve o decreto de 15 de junho de 1870 sobre direito de reunião. Esta franca confissão ou é a condemnação do governo e das suas auctoridades, ou é a absolvição das conferencias. Opte por qualquer das soluções o illustre ministro do reino. Eu concedo-lhe este direito de opção. Serve-me qualquer resolução. Se se cumpriram todas as formalidades, se as conferencias foram vigiadas, e não foi necessario applicar-lhes a lei, dissolvendo-as, é porque os prelectores se mantiveram na letra e no espirito do decreto de 15 de junho de 1870. Se abusaram do direito de reunião, porque não cumpriu o governo e os seus agentes o seu dever!!! (Apoiados.) Porque não foram dissolvidas a tempo e em acto continuo as reuniões, e autuados e punidos os delinquentes!!! (Apoiados). D'aqui não ha fugir (apoiados).

Vejamos agora o relatorio policial. Houve cem pessoas na conferencia de que elle dá conta. Foi pouco amavel o conferente para com o corpo docente do paiz; pediu a reforma do nosso ensino; gritou contra o artigo 6.° da carta constitucional, que determina que a religião do estado seja a catholica, apostolica romana; não defendeu nem preconisou nenhuma outra religião; censurou todas as reformas de ensino feitas no nosso paiz; e mostrou a necessidade de emancipar o ensino civil do ensino religioso.

Sr. presidente, estou em pleno desaccordo com algumas d'estas proposições. E, se querem, não aceito mesmo uma só. Mas a questão não é essa. A questão é saber em que foi aqui atacada ou offendida a religião e a constituição do estado, e qual é a criminalidade d'este acto (apoiados).

Não desfiguremos o assumpto para armar á popularidade, ou para obter applausos inconscientes (apoiados).

O artigo 130.° do codigo penal condemna todas as injurias feitas á religião, nos seus dogmas e no seu culto; quando se propagam doutrinas a elles oppostas; quando se intenta fazer proselytos ou conversões para religião differente; ou quando se celebram actos publicos de outra qualquer religião que não seja a nossa. De accordo. Mas não prohibe o direito de discutir o artigo 6.° da carta constitucional que, na opinião da escola liberal mais radical, deve um dia ser substituido pela liberdade de cultos, com o que a religião catholica, apostolica romana, que é a religião da grande maioria dos portuguezes, tem talvez tudo a ganhar e nada a perder (apoiados). Com a liberdade de cultos ha de haver maior fervor religioso; a propaganda e ensino da nossa santa religião hão de ser mais activos, e o nosso clero será então, como nos primeiros seculos da igreja, o verdadeiro sol da terra, a verdadeira luz do mundo (apoiados). Não poderá ser crime entre nós o que é lei nos outros paizes onde ha, não só tolerancia, mas verdadeira liberdade religiosa em todos os seus effeitos (apoiados).

Demais, a lei de 16 de maio de 1866, sobre liberdade de imprensa, diz no § 2.º:

«Não são, porém, prohibidos os meios de discussão e critica das disposições, tanto da lei fundamental do estado, como das outras leis, com o fim de esclarecer e preparar a opinião publica para as reformas necessarias pelos tramites legaes.»

Ora, o que é permittido na imprensa não póde ser prohibido em conferencias ou em publicas reuniões (apoiados).

Se ha perigo nas duas propagandas, a propaganda da imprensa, que é diaria, incessante, tenaz, e que percorre a cada hora todo o paiz, é com certeza muito mais temerosa (apoiados).

Sr. presidente, quanto a mim não é um crime, nem perante a consciencia, nem perante a religião, nem perante a constituição, nem perante as leis do meu paiz, pretender secularisar o ensino. Não é uma novidade a theoria. Está em pratica em muitos paizes, e citarei especialmente a Irlanda. N'este paiz eminentemente catholico, mas onde se professam livremente outras religiões, ha escolas communs para os adeptos das differentes crenças, separadas do ensino religioso, e ha a educação religiosa á parte, n'outros locaes e em differentes horas. Todos os que conhecem o estado da instrucção publica dos differentes povos, sabem que estou citando factos de irreprehensivel exactidão (apoiados).

Não estou pedindo a applicação d'estes principios para o meu paiz; estou affirmando que não póde ser absurda, nem abominavel uma doutrina, que está em pratica n'outros paizes, que nós citamos como modelo, em assumptos de civilisação, de liberdade, e de respeito pelas crenças, pela consciencia e pelos direitos individuaes (muitos apoiados).

Sr. presidente, não é em nome de um — parece-me — nem de um — talvez — que se expedem portarias para rasgar leis, para calcar aos pés a constituição, e para offender as legitimas liberdades dos cidadãos (apoiados). Desastrados os governos, que assim procedem! Infelizes os povos, que não reagem legitimamente contra taes tyrannias, contra tão repugnantes prepotencias!! (Apoiados.)

Sr. presidente, v. ex.ª sabe perfeitamente que, ainda que todos nós tivessemos muitos desejos de nos conformarmos e condescendermos com a opinião do nosso illustre collega o sr. Arrobas, ficaria em rebellião contra nós a propria consciencia. O sr. Arrobas aceita cegamente a doutrina da portaria de 26 de junho de 1871, só porque um homem consciencioso e iliustrado, que muito respeito (apoiados), entendeu ser urgentissimo, que se encerrassem ou prohibissem no futuro as conferencias democraticas, embora se não soubesse o que n'ellas se havia de tratar! Mas eu creio que este recto magistrado, a cujo honrado caracter e sãos intuitos não posso deixar de fazer justiça (muitos apoiados), é o primeiro a não querer que homem algum aceite ás cegas qualquer opinião, só pelo facto de s. ex.ª a adoptar (muitos apoiados).

Sr. presidente, se a opinião do governo é contra o de-

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creto de 15 de julho de 1870, proponha a sua revogação, ou proponha uma nova lei sobre direito de reunião; mas emquanto existir a actual legislação, eu não posso aceitar, nem hei de respeitar a portaria de 26 de junho de 1871, que é um despotismo atroz e uma affronta á liberdade dos cidadãos (apoiados).

Se eu, em se fechando o parlamento, ou outro qualquer cidadão, quizer celebrar conferencias, abrir cursos, ou fazer reuniões, chamando lhes democraticas, ou dando-lhes outra designação, pergunto ao sr. ministro do reino se tem a coragem de m'as abafar com a sua injustificavel portaria?! Appellarei do seu despotismo para os meus direitos de cidadão (apoiados). E emquanto me mantiver dentro da lei e da constituição, hei de ter por mim a opinião do paiz, que abomina as perseguições e violencias da policia de 1828 a 1834! (Apoiados.)

A celebrada portaria manda perseguir as reuniões e conferencias por toda a parte, em qualquer local; ameaça os donos das casas onde se tente celebra las; levanta a toda a sua altura e esplendor a theoria preventiva; ordena que sejam autuados e punidos todos os transgressores antes de commetterem delicto algum!! Isto parece incrivel, mas é infelizmente verdade!! (Apoiados.)

O governo já adevinhou que, em quaesquer futuras reuniões, se ha de perturbar a ordem publica, se ha de injuriar a religião, e se ha de offender atrozmente a constituição!

Eu ponho-me ás vezes a futurar como o caso curioso se ha de passar. Reunem-se tres duzias de amigos n'uma casa ou local qualquer. Ha uma denuncia, ou inventa-se uma perseguição. Bate a policia á porta, e encontra os conspiradores a tomar chá (riso).

Diz um policia: os senhores estão a fazer uma conferencia democratica. Respondem os cidadãos: não estamos, não, senhor, estamos a tomar chá, como vê, e tambem a conversar e a discretear sobre assumptos mil (riso). Responde o policia: embora, como a nossa missão é toda paternal, porque é preventiva, nós nada temos com o que os senhores estão fazendo, mas sim com o que podem ou hão de fazer. Estão, pois, presos em flagrante delicto de... de prevenção (riso). Vão ser autuados, remettidos ao poder judicial, e punidos pelos crimes que os senhores estão dispostos a commetter, não sabemos bem quando, mas que hão de forçosamente commetter (riso).

Ora isto seria soberanamente absurdo, senão fosse primeiro que tudo ridiculo (apoiados).

Ahi fica desenhado a largos traços o acto do governo; ahi fica photographada a portaria do sr. ministro, a que chamaria estolida, senão receiasse offender as susceptibilidades do sr. marquez d'Avila e de Bolama.

Sr. presidente, nas leis actuaes tem o governo os recursos necessarios para reprimir todos os abusos e todos os excessos de qualquer cidadão. Mas reprimir não é prevenir (apoiados). Castigar um delicto consummado, não é punir intenções, que se não conhecem, nem descarregar, por antecipação ou prevenção, a severidade do codigo penal sobre quem não se sabe ainda se será innocente ou culpado. Não confundamos hypotheses, que são completamente distinctas na essencia e nas suas consequencias (apoiados).

Sr. presidente, vou concluir. A camara está já cansada de me ouvir, e eu estou tambem fatigado. (Vozes: — Falle, falle.)

Sr. presidente, não inventemos declamações ad terrorem para ferirmos mortalmente a liberdade (apoiados). Não evoquemos o phantasma vermelho do communismo ou do communalismo para coarctar despoticamente os direitos dos cidadãos (apoiados).

A Inglaterra, a Belgica, a Hollanda, a Hespanha e os demais paizes monarchico-constitucionaes não recuaram nas suas praticas liberaes pelos receios ou temores dos demagogos de París (apoiados).

Não passemos só o tempo a fulminar certas theorias sociaes exageradas pela paixão, adulteradas pelos crimes, desacreditadas pela ignorancia e pelo fanatismo das massas, se bem que protegidas por muitos nobres corações, e por muito altas illustrações, a quem compungem as miserias e os desconfortos d'aquelles que não têem pão (apoiados).

Occupemo-nos tambem de concitar os poderes publicos, que se têem descuidado da educação constitucional, litteraria, moral e economica dos povos (apoiados).

Desenganemo-nos, sr. presidente: A sociedade traz nas suas entranhas a resolução de um grande problema; tem sido longa, durará ainda por largos annos a sua gestação, mas o fructo de aturadas agitações, terá de ver, se me não engano, a luz do dia.

Não é o communismo de Lycurgo, negação do direito de propriedade e da familia, que nos ha de assoberbar. Não são os devaneios de Platão. Não será a lei agraria dos romanos. Não serão as communidades asceticas e religiosas dos essenios, dos therapeutas e dos primitivos christãos. Não é a utopia de Thomás Morus, a cidade do sol de Campanella, os desconcertos de Babœuf, as theorias de S. Simon e de Fourier, a Icaria de Cabet, a trilogia de Pierre Leroux. É a questão social. É a luta entre o trabalho manual do operario e o capital. É o combate a todo o transe do salariato contra os proventos e contra as rendas das propriedades mobiliaria e immovel.

É a economia social revolucionaria do socialismo, desde Louis Blanc e Proudhon até os actuaes sociologistas, a travar pugnas sanguinolentas contra a nossa economia politica liberal e individualista, em que assenta a vida das modernas sociedades.

É este o grande problema do futuro, que ha de sobrepujar a todas as reformações da constituição (apoiados).

É por isso que eu peço incessantemente a educação litteraria, moral, constitucional, economica, do nosso povo, para que se não deixe desvairar na hora do perigo, e opponha a força das suas convicções, a honradez dos seus sentimentos, e a probidade dos seus actos á invasão de todos os vandalismos, á intruzão de todos os despotismos, que tentem alluir pelos fundamentos o edificio das nossas conquistas liberaes e economicas (apoiados).

Sr. presidente, não sei ao certo o que se passou nas conferencias democraticas. Conheço d'ellas apenas o que rezam os escassos documentos officiaes.

Detesto todas as doutrinas subversivas da ordem publica, e dissolventes da sociedade, todos os seus crimes, todos os seus horrores (muitos apoiados).

Quero a dedicação pela familia, e o religioso respeito pela santidade do lar domestico (apoiados). Quero vivazes, energicos, bem enraizados no coração do homem todos os sentimentos, que o tornem digno perante Deus, perante a sua consciencia e perante a sociedade.

Quero o respeito pela religião, pela propriedade, pela constituição e pelas leis do estado (muitos apoiados).

Quero que se fortifiquem todos os vinculos moraes, que são a base da existencia das sociedades, e a condição indefectível da sua prosperidade e da sua civilisação (muitos apoiados).

Quero ver o homem sempre digno, sempre grande, espiritualisado nos mais sublimes affectos, no mais puro amor do seu proximo, e na mais viva veneração por tudo que é santo e divino, n'este mundo e no outro (applausos).

Mas quero a maxima liberdade com a maxima responsabilidade. Quero a liberdade com todas as convenientes repressões para todos os excessos, para todos os seus abusos (apoiados).

Sem liberdade não ha cidadãos; ha escravos.

Sem liberdade não ha consciencia; ha a degradação, ha a aniquilação da personalidade humana (apoiados).

Sem liberdade não ha religião, ha a inquisição; ha a crença cega, brutal, estupida, que é o fanatismo. Ha a crença falsa e cobarde, que é a hypocrisia. (Vozes: — Muito bem.)

Sem liberdade não ha propriedade (apoiados); ha o con-

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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

fisco, esse communismo dos despotas, tão feroz, tão cruel, tão violento e tão injusto, como o communismo dos demagogos de París (apoiados).

Sr. presidente, a prevenção administrativa não é, nem jámais ha de ser para mim um principio geral de governo e de administração (apoiados). A prevenção administrativa é a theoria franca do absolutismo, ou a arma hypocrita dos governos pseudo-liberaes (muitos apoiados).

Arvora-la em principio geral, e sobrepô-la aos direitos individuaes e politicos dos cidadãos, é proclamar francamente o despotismo.

Aceite quem quizer esse dogma. Abrigue-se quem quizer debaixo d'essa bandeira. Arvore quem quizer esse negro, velho e roto pendão, que eu por mim, espero em Deus, hei de morrer abraçado ao lemma do celebre escriptor da antiguidade = Malo periculosam libertatem, quam servitutem quietam.

Prefiro as agitações da liberdade ao quietismo da servidão (muitos apoiados). Conclui.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

(O orador foi comprimentado por grande numero de srs. deputados.)

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