O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Página 1601

92

sessão de 9 de maio de 1879

Presidencia do ex.mo sr. Francisco Joaquim da Costa e Silva

Secretarios - os srs.

(Antonio Maria Pereira Carrilho Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SU3ÍMAEIO

Na ordem do dia continua a discussão do orçamento do ministerio do reino, sendo approvado o artigo 8.°, depois de faltarem os sr. Rodrigues de Freitas, Adriano Machado e ministro do reino; foram approvados será discussão os capitulos 9.°, 10.º o 11.º—Por proposta do sr. Goes Pinto, apoiada por toda a camara, lança-se na acta um voto do sentimento pela morte do sr. Custodio José Vieira. O sr. ministro do reino em nome do governo associa-se a esta demonstração da camara.

Abertura — As duas horas e um quarto da tarde.

Presentes á abertura da sessão os deputados — Os srs.: Adolpho Pimentel, Adriano Machado, Carvalho, o Mello, Fonseca Pinto, Agostinho Fevereiro, Alipio Leitão, Gonçalves Crespo, Avila, Lopes Mendes, Carrilho, Mendes Duarte, Pinto de Magalhães, Ferreira de Mesquita, Pereira Leite, Sanches de Castro, Carlos de Mendonça, Cazimiro Ribeiro, Costa Moraes, Firmino Lopes, Pinheiro Osorio, Francisco Costa, Van-Zeller, Guilherme de Abreu, Paula Medeiros, Jeronymo Pimentel, Jeronymo Osorio, Brandão o Albuquerque, Scarnichia, Barros e Cunha, Sousa Machado, Almeida e Costa, J. J. Alves, Tavares de Pontes, Frederico da Costa, José Guilherme, Figueiredo de Faria, Rodrigues de Freitas, Borges, Sousa Monteiro, Sá Carneiro, Taveira de Carvalho, Luiz Bivar, Faria e Mello, Correia de Oliveira, Alves Passos, M. J. Vieira, Aralla e Costa, Miguel Dantas, Pedro Jacome, Visconde de Sieuve de Menezes.

Entraram durante a sessão — Os srs.: Osorio de Vasconcellos, Alfredo Peixoto, Braamcamp, Torres Carneiro, Pereira de Miranda, A. J. Teixeira, Barros e Sá, Telles de Vasconcellos, Fuschini, Saraiva de Carvalho, Victor dos Santos, Zeferino Rodrigues, Barão de Ferreira dos Santos, Caetano de Carvalho, Diogo de Macedo, Emygdio Navarro, Goes Pinto, Hintze Ribeiro, Filippe de Carvalho, Mesquita o Castro, Francisco de Albuquerque, Mouta o Vasconcellos, Sousa Pavão, Silveira da Mota, Freitas Oliveira, Anastacio de Carvalho, João Ferrão, Dias Ferreira, Frederico Laranjo, Namorado, Pereira Rodrigues, Barbosa du Bocage, Luiz de Lencastre, Almeida Macedo, Freitas Branco, Luiz Garrido, Manuel d'Assumpção, Pires de Lima, Macedo Souto Maior, Pinheiro Chagas, Miranda Montenegro, Pedro Carvalho, Pedro Correia, Pedro Roberto, Rodrigo de Menezes, Visconde da Aguieira, Visconde de Andaluz, Visconde da Azarujinha, Visconde do Balsemão, Visconde do Moreira de Rey, Visconde de Villa Nova da Rainha.

Não compareceram á sessão — Os srs.: Tavares Lobo, Alfredo de Oliveira, Emilio Brandão, Arrobas, Pedroso dos Santos, Neves Carneiro, Avelino de Sousa, Bernardo de Serpa, Conde da Foz, Moreira Freire, Fortunato das Neves, Gomes Teixeira, Pereira Caldas, Frederico Arouca, Palma, Costa Pinto, Melicio, J. A. Neves, Ornellas do Matos, Pires de Sousa Gomes, José Luciano, Ferreira Freire, Teixeira de Queiroz, J. M. dos Santos, Mello Gouveia, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço de Carvalho, Rocha Peixoto, M. J. de Almeida, M. J. Gomes, Nobre de Carvalho, Marçal Pacheco, Mariano de Carvalho, Miguel Tudella, Pedro Barroso, Ricardo Ferraz, Thomás Ribeiro, Visconde de Alemquer, Visconde da Arriaga, Visconde do Rio Sado.

Acta — Approvada.

EXPEDIENTE

Representações 1.ª De varios empregados do governo civil do Porto, pedindo augmento de vencimento,

Apresentada pelo sr. deputado José Guilherme, enviada á commissão de administração publica, ouvida depois a de fazenda.

2.ª Da junta de parochia da freguezia de Aguas Santas, pedindo que seja decretada a sua annexação ao concelho de Vallongo.

Apresentada pelo sr. deputado José Guilherme e enviada á commissão de administração publica.

Participações

1.ª Participo que o sr. deputado dr. Francisco Gomes Teixeira falta á sessão de hoje, e ha do faltar á mais algumas por motivo justificado.

Sala das sessões da camara dos senhores deputados, 9 de maio do 1879. = O deputado, Alfredo da Rocha Peixoto.

2.ª Declaro que não tenho comparecido a algumas sessões da camara por motivo justificado. = Pedro Roberto Dias da Silva.

3.ª Declaro que faltei á sessão de quarta feira por motivo justificado. = Freitas Oliveira. Inteirada.

O sr. Presidente: — Previno os srs. deputados do que hoje á sessão á noite.

O sr; Agostinho Ferreira: — Mando para a mesa um projecto do lei e peço a v. ex.ª que lhe mande dar o competente destino.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Peço a v. ex.ª que tenha a bondade de me informar se já vieram uns documentos que pedi pelo ministerio das obras publicas em uma das ultimas sessões que houve n'esta casa.

Preciso muito d'esses documentos para poder entrar na discussão de um projecto que naturalmente em breve será submettido á nossa apreciação.

O sr. Secretario: — Ainda não vieram.

O Orador: — Como careço muito d'esses documentos, pedia a v. ex.ª o favor de novamente instar, pedindo com urgencia que por aquelle ministerio elles me sejam remettidos, porque, como disse, tenho muita necessidade d'ellé3 para entrar na discussão do assumpto que em breve será submettido ao nosso exame.

O sr. J. J. Alves: — Pedi a palavra para solicitar da commissão de administração publica que se digne dar com urgencia parecer sobre um projecto apresentado n'esta camara, e cuja iniciativa foi este anno renovada por mim o pelo meu collega o sr. dr. Barbosa du Bocage, com referencia aos empregados do hospital de S. José.

É de tanta justiça o que n'este projecto se contém, que me pareço que não haverá duvida em que tenha parecer favoravel da commissão, tanto mais que na passada sessão legislativa elle chegou a ler os pareceres das respectivas commissões, não tendo podido, por motivos que não desejo referir agora, ser convertido em lei.

O sr. Jeronymo Pimentel: — Como não vejo presente nenhum outro membro da commissão de administração publica, entendo dever tomar a palavra...

O sr. Paula Medeiros: — Está mais alguem.

O Orador: — Peço perdão; não via o meu illustre collega e amigo o sr. Paula Medeiros, mas, em todo o caso, já que estou com a palavra, darei, por parte da commissão, as explicações, a respeito do assumpto, a que se referiu o meu illustre collega e amigo, o sr. deputado Alves.

Esse projecto de lei já teve parecer da illustre commis-

Sessão de 9 de maio de 1879

Página 1602

1602

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

são de saude publica, o já foi discutido na commissão de administração publica.

Tive então occasião de manifestar a minha opinião a este respeito, parecendo-me que era de toda a justiça o assumpto a que se referia; todavia, levantando-se duvidas a este respeito no seio da commissão, e estando presente o sr. ministro do reino, s. ex.ª ficou de dar explicações á commissão, que a habilitassem a dar parecer sobre este assumpto.

Naturalmente, na primeira reunião da commissão, o sr. ministro dará essas explicações, que habilitem a commissão a poder apresentar um parecer sobre aquelle projecto do lei.

E isto o que posso dizer em resposta ás explicações pedidas pelo sr. deputado Joaquim José Alves.

O sr. Visconde de Sieuve de Menezes: — Mando para a mesa dois requerimentos, um com relação ao ministerio da justiça, e outro com relação ao ministerio da fazenda.

(Leu.)

Peço esclarecimentos com toda a urgencia, porque com elles pretendo demonstrar a justiça de uma proposta de lei apresentada ás côrtes pelo governo, relativamente ás inspecções sobre execuções.

Segundo sou informado, existe nas differentes repartições de fazenda dos bairros d'esta capital um grande numero de execuções que representam muitos valores, assim como existem tambem outras muitas pendentes no poder judicial.

Pedia a v. ex.ª que tivesse a bondade de mandar expedir com urgencia esses requerimentos, a fim de que as informações que peço venham a tempo de ser presentes quando se discutir o assumpto a que ha pouco me referi.

Já que estou com a palavra, desejo chamar a attenção da illustre commissão de fazenda sobre uma proposta que fiz aqui quando se discutiu o projecto que tinha por fim igualar a moeda do districto do Funchal á do continente do reino.

N'essa occasião fiz uma proposta para que se ampliassem as disposições da lei de 185-1, que retirou da circulação a moeda cruzados novos no continente, assim como a moeda de oiro.

Por essa providencia ficou correndo nos districtos dos Açores e Funchal esta moeda, como fiz ver á camara na occasião em que discutiu a proposta de lei relativa á moeda da Madeira.

O illustre relator da commissão impugnou a minha proposta, porque não se tratava de igualar a moeda no districto dos Açores, mas unicamente no districto do Funchal, sustentando que devia fazer objecto de uma lei especial.

O meu illustre amigo, o sr. deputado Paula Medeiros, apresentou outra proposta em sentido contrario, com o fim de serem ouvidas as associações commerciaes dos districtos dos Açores, assim como a camara municipal, sobre tal assumpto.

Concordei em que a minha proposta fosse para a commissão do fazenda, a fim de ser devidamente considerada, e não se demorar por este motivo o projecto em discussão.

Entendo ser de toda a conveniencia resolver este assumpto, porque, pelas ultimas noticias vindas no vapor dos Açores, soube que se continuava a fazer em grande escala a importação de moeda cruzados novos para a ilha Terceira, e que era esta, por assim dizer, a unica moeda que estava ali correndo, com grave prejuizo do commercio e de toda a ilha.

E digo com grande prejuizo do commercio e dos povos, porquanto o cambio, que é de 25 por cento na actualidade, e que em todos os diplomas do governo assim é considerado, brevemente subirá a mais, em virtude de não haver grandes exportações, sem outra moeda que possa ser exportada do districto para o continente, para d'esta

fórma se pagarem os saldos que aquella praça fica devendo geralmente ás praças do continente.

Portanto, insto com a commissão de fazenda para que dê o seu parecer sobre este assumpto melindroso, como melindrosas são todas as questões que dizem respeito á moeda.

Na commissão de fazenda existem membros muito conspicuos, e entre elles alguns patricios meus do archipelago dos Açores, que espero estudarão este assumpto com aquelle zêlo e cuidado que eu lhes reconheço.

Agora outro assumpto.

Já ha tres annos que apresentei n'esta casa um projecto de lei ácerca da magistratura judicial nos Açores.

Já no anno passado por mais de uma vez chamei a attenção da commissão de legislação civil para este importante assumpto, porque, como v. ex.ª e a camara sabem, as comarcas dos Açores geralmente estão sem juizes, por motives especiaes que tem a magistratura que vae para aquellas ilhas, e não porque os seus vencimentos sejam inferiores aos vencimentos que têem no continente, ou sejam do pouca consideração as mesmas ilhas, mas porque, achando-se separados da familia, não gosam das vantagens e regalias que têem os continentaes, e com difficuldade se pretendem conservar nas comarcas, e sem fazer censura a nenhum cavalheiro que tem gerido a pasta da justiça, a regra geral é, quando os magistrados vão para as ilhas, levam as licenças na algibeira ou esperam vir em pouco tempo para o continente, instando por esse motivo para se retirarem para cá, seguindo os exemplos do todos os seus antecessores.

O sr. Gaspar Pereira da Silva, que foi ministro da justiça e que muitos dos meus collegas conheceram, apresentou aqui uma proposta de lei para se resolver este importante assumpto, estabelecendo o principio do concurso entre os magistrados que quizessem ir para as ilhas dos Açores, ficando elles d'esta maneira com melhores garantias do que aquellas que tinham no continente, e com mais antiguidade na sua classe. Depois eu apresentei um projecto de lei no sentido de dar outras vantagens á magistratura, sondo uma d'ellas conceder que o tempo de serviço nos Açores se contasse em mais 50 por cento para os effeitos do terço o da aposentação.

E ainda o sr. Mexia apresentou outra para se augmentar 100$000 réis annuaes a cada juiz dos Açores e Madeira.

Portanto peço á commissão de legislação e ao sr. ministro da justiça, que provavelmente ha de ler estas palavras, como s. ex.ª costuma fazer, peço-lhes repito, que tomem em consideração este assumpto, que diz respeito ao archipelago dos Açores, que eu represento n'esta casa pelo circulo de Angra do Heroismo.

É assumpto muito importante para a boa e justa administração da justiça, para que esta não esteja confiada aos juizes substitutos, que geralmente não têem os requisitos necessarios para serem bons juizes.

Leram-se na mesa os seguintes

Requerimentos

Requeiro que, pelo ministerio da justiça, se mande com urgencia uma nota do numero de execuções administrativas, que se achavam relaxadas a juizo no dia 30 de março ultimo, o pertencentes ao districto de Lisboa. = Visconde de Sieuve de Menezes.

Requeiro que, pelo ministerio da fazenda, o repartição do districto, se mande com toda a urgencia nota circumstanciada do numero de execuções administrativas pendentes no districto de Lisboa em 30 do março ultimo. = Visconde de Sieuve de Menezes.

Mandaram-se expedir com urgencia.

O sr. Freitas Oliveira: — Declaro a v. ex.ª que por motivo de doença faltei á sessão de quarta feira,

Página 1603

1603

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

ORDEM DO DIA

Continuação da discussão do capitulo 8.° do orçamento do ministerio do reino (instrucção publica)

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Rodrigues de Freitas para continuar o seu discurso.

O sr. Rodrigues de Freitas: — É possivel que algumas das considerações que tive a honra de apresentar á camara na ultima sessão não parecessem intimamente ligadas ao capitulo de que estamos tratando, para que melhor se comprehenda o meu procedimento vou ler as propostas que hei de mandar para a mesa.

(Leu.)

Tenho ainda hoje de proferir algumas palavras ácerca da instrucção primaria, mas antes d'isso alludirei ao ensino das bellas artes e á necessidade de fundar museus em que se guardem objectos de valor archeologica e artistico, existentes no reino.

A deficiencia dos meus conhecimentos n'este ponto é tal, que seria da minha parte grande ousadia fazer mais do que indicar á camara alguns factos que sirvam para fundamentar a parte da minha proposta que a esse ramo de ensino se refere.

Na segunda parte de um relatorio que já tive occasião de citar este anno acha-se o bastante para que o parlamento se convença da urgente necessidade de tomar providencias efficazes contra a destruição e a perda de objectos que são preciosos não só pelo seu valor, mas tambem como testemunhos da nossa passada grandeza. Esse relatorio é o da commissão para propor a reforma do ensino artistico e a organisação do serviço dos museus, monumentos historicos e archeologia.

As palavras que vou ler são de um trabalho enviado á commissão pelo sr. José Maria Nepomuceno.

Dizia assim.

«Achando-me em uma villa do Alemtejo entrei em uma loja de venda, d'estas que vendem' tudo, desde o corte de retina até ao azeite de purgueira. Pedi charutos. Emquanto me serviam, attentei que na casa proxima havia uma grande serra de livros encadernados, pela maior parte em pergaminho. Perguntei que livros eram; responderam-me que livros de padres e vidas de santos. Informado que me venderiam os que eu quizesse visto estarem para embrulho, pouco me cansei para achar um esplendido exemplar da Vita Christi impresso em Lisboa em 1495 sem lhe faltar cousa alguma, e outro dos Autos aos apostolos, impresso por Valentim Fernandes em 1005, edição tão rará que foi completamente ignorada de fr. Fortunato de S. Boaventura que fez a sua edição sobre um codice incompleto da livraria de Alcobaça, como se vê pela edição antiga. Apartei mais uma importante Collecção de edições da infancia, da typographia portugueza, e outra de chronicas reaes e monasticas. Concertei com o locandario pagar tudo a 45 réis o arratel.

« Ajustado o preço, arma-se o vendedor da faca com que cortava o toucinho, e dispõe-se a cortar as capas dos livros. «Alto lá», lhe digo eu cora solemne abnegação. «Olhe que é contra vossê », me diz o honrado locandario, pasmado de que houvesse tanta generosidade em um forasteiro. Repelidas vezes lhe perguntei a proveniencia d'aquelles livros, e limitava-se a responder-me: São ahi de fóra. Trazidos a Lisboa, vi então que pertenciam a um convento de freiras.»

Menciona depois outros factos analogos, d'entre os quaes especificarei o que se deu no antigo convento da Madre de Deus de Xabregas. Havia ali dois notaveis quadros e varias medalhas de Lucca delia Robbia; extincto o convento, os quadros e as medalhas desappareceram, e nunca mais se acharam; tinham tambem desapparecido um precioso crucifixo de marfim, do seculo XVI, um livro illuminado, em pergaminho, que pertencera á viuva de D. João II, e um relicário feito por um artista de Guimarães, e que é, depois

da custodia do Belem, um dos mais notaveis monumentos da ourivesaria portugueza; felizmente estes objectos o outros de muito valor poderam ser readquiridos depois da muita diligencia.

As freiras nem sempre comprehendem o valor historica ou artistico de um objecto; ás vezes fazem presente d'elle a quem dá uma pequena esmola para o convento. Outras vezes, taes objectos são roubados. Finalmente, é possivel que pessoas contrarias ao regimen liberal, cuidem que fazem bem desviando-os do thesouro publico, para onde teriam de ir; não se dizia outr'ora que Deus condemnava os que compravam bens dos conventos?

Diz mais o sr. Nepomuceno:

«Quantas preciosidades não encerravam os conventos de Lorvão, S. Bernardo de Portalegre, Cellas, Odivellas, Salvador, Martyres de Sacavem? Por exemplo, este ultimo, herdeiro de todos os ricos moveis do escrivão da puridade, Miguel de Moura; assim como o da Madre de Deus o foi da rainha viuva, sua fundadora. E verdade que a fazenda nacional inventariou os conventos das religiosas; mas como foram esses inventarios feitos? Sabe, sr. presidente, qual o valor que a fazenda deu ás duas preciosas portas do arco da sacristia da Madre de Deus? 150(5000 réis! O3 objectos de prata e oiro são avaliados apenas pelo poso, e as tapeçarias em geral, como alcatifas velhas. Mas ainda assim quem responde por esses objectos?

«Com a suppressão dos conventos, tem-se praticado actos do atroz vandalismo. Ainda ha pouco foi supprimido um nas abas de Lisboa, e a junta de parochia pediu as louças do culto. Foram-lhe dadas, o lá foram para a freguezia preciosas jarras da índia e do Japão, soltas n'uma carroça chegando ao seu destino no estado que é de suppor.»

Permitta-me a camara que leia ainda outro trecho:

«E vergonhoso o espectaculo que temos dado ao mundo civilisado no que loca a monumentos nacionaes.

«Deve dizer-se lá fóra: — Um paiz cuja historia e um tecido successivo de factos estrondosos, de que não só elle, como a Europa toda, tirou os maiores elementos de vida, deve estar crivado de monumentos.

«Chega aqui, debaixo d'esta impressão, um estrangeiro, procura um padrão do principio da monarchia, vao a Alcobaça, o dizem-lhe: a igreja está salva, porque está lá a freguezia, mas lêem-se vendido alguns lanços do resto do edificio. O arrematante de um perguntou ao governo o que faria dos tumulos de D. Pedro e D. Ignez de Castro. Isto é espantoso!

«E o que se tem praticado e pratica com as sepulturas dos nossos grandes homens? Os ossos de Duarte Pacheco, que estavam na ermida de S. Matheus, dada depois aos padres Camillos, lá foram para o entulho; assim os do padre Manuel Bernardes, que estavam no Espirito Santo, os de D. Francisco Manuel, o grande modelador da lingua portugueza, lá foram para as praias de Santa Catharina do Ribamar. Provavelmente já a estas horas os protestantes terão atirado para o entulho os ossos de Salvador Correia de Sá, e igual fim lerão algum dia os de Diogo Barbosa Machado, que ainda existem n'uma arruinada ermida á Carreira dos Cavallos. Possuo o fac-simile de uma campa achada no convento de Christo, em Thomar, de um cavalleiro allemão, que devia ser pintor; que importante não seria hoje esta pedra para o estudo da historia da arte em Portugal, pois todos os quadros d'aquella igreja têem o caracter de escola allemã, e quem sabe se seriam pintados pelo artista ali sepultado?»

Chamei a attenção da camara para estes factos, porque de certo nenhum membro do parlamento deseja que continuem a ser desprezadas riquezas tão importantes a que se prendem gloriosas tradições portuguezas, que constituem documentos preciosíssimos, e que poderiam servir para que o povo estudasse na linguagem da arte os feitos de alguns dos nossos mais notaveis antecessores; não continuemos a dar ao mundo civilisado o espectaculo do destruidores da

Sessão de 9 da maio de 1879

Página 1604

1604

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tantos pergaminhos da grandeza dos nossos antepassados; nem será, certamente, precisa grande despeza para que todos estes objectos sejam guardados nas academias de bellas artes de Lisboa e Porto, fundando-se ahi os respectivos museus.

Peço tambem ao governo que tenha todo o cuidado com a boa guarda e conservação de documentos que existem em varias bibliothecas.

O ensino das bebas artes relaciona-se naturalmente com o industrial; póde dizer-se que este ultimo ramo de instrucçâo foi, no presente seculo, introduzido em Portugal pelo sr. Manuel da Silva Passos. A legislação de 1836 e 1837 dá a este respeito provas tão claras, que não é possivel refutal-as. (Apoiados.)

Nos decretos da fundação da academia polytechnica do Porto, das academias de bellas artes de Lisboa e Porto, e finalmente do conservatorio de artes o officios, o sr. Manuel Passos deixou bem assignalada a idéa de que queria que todos estes estabelecimentos servissem muito e muito para o desenvolvimento da industria pelas explicações da sciencia o da arte. (Apoiados.) Os acontecimentos d’aquella epocha, e outros que sobrevieram, não permittiram que as idéas do tão grande pensador fossem traduzidas em factos. Mais tarde, depois do movimento da regeneração em abril do 1851, na cidade do Porto, varios cidadãos fundaram uma associação industrial da qual logo se tiraram resultados importantes. (Apoiados.) D'entre os fundadores lembram-me agora Joaquim Ribeiro de Faria Guimarães, José da Silva Passos, José Victorino Damásio, Sebastião Bettamio de Almeida, Antonio Luiz Soares; pouco depois, o sr. Fontes, prestando serviço valioso ao seu paiz, fundou estabelecimentos officiaes de ensino industrial.

Este ramo de instrucçâo é administrado pelo ministerio das obras publicas; mas o do reino póde contribuir muito para propagal-a, porque superintende as academias de bellas artes, e porque do quadro das materias da escola primaria e secundaria faz parto o desenho. Limito-me a pedir ao sr. ministro do reino que ácerca das academias traga á camara em 1880 uma proposta de reforma; e que procure desenvolver o ensino de desenho em harmonia com as necessidades da industria. A este respeito encontrará s. ex.ª indicações muito uteis e esclarecimentos minuciosos em tres livros escriptos pelo sr. Joaquim de Vasconcellos; o auctor conhece bem a organisaçao d'esta parte do ensino em diversas nações, o principalmente em toda a Allemanha; peço licença ao sr. ministro do reino para lhe recommendar essa obra, cujo terceiro fascículo acaba de ser publicado.

Não proponho agora que se extinga o subsidio aos theatros de S. Carlos em Lisboa e do S. João da cidade do Porto, embora entenda que conviria dedicar a importancia d'elles ao desenvolvimento da instrucçâo primaria, ou que melhor se empregaria em organisar concertos classicos o populares, bem como em auxiliar theatros nacionaes de declamação; a companhia lyrica é para a gente dinheirosa; o subsidio não tem rasão de ser; os concertos serviriam muito mais para desenvolver em todas as classes o gosto da musica.

Mas não apresentarei agora proposta a este respeito, já porque me parece que ha um contrato para o theatro de S. Carlos em Lisboa, que ha de durar até alem do corrente anno economico, já porque esta questão precisava ser mais largamente discutida, para que a camara se convencesse dos fundamentos do que acabo de dizer; por isso me limito ao que está na proposta que li ha pouco.

Fallarei agora de outra parto do capitulo em discussão, de bibliothecas.

Ha uma lacuna sensivel nas bibliothecas portuguezas; é difficillimo encontrar, fóra de Lisboa, livros que são muito proveitosos, indispensaveis ao exame de varias questões, e que, sem grande despeza, poderiam achar-se, pelo meno3, |

em todas as capitães de districto. Refiro-me a tantos documentos, de maior ou menor valia, mas sempre valiosos, que o estado publica. »

Uma vez, querendo, no Porto, consultar todos os orçamentos até 1867, recorri á bibliotheca publica; pois não os havia todos! Dirigi-me ao governo civil, julgando que ahi os acharia, mas faltava um, que talvez estivesse sendo examinado em qualquer das repartições; mas note-se que as collecções dos governos civis não são para uso do publico.

Ora não seria conveniente que á disposição d'aquelles que costumam estudar os negocios publicos, se pozessem todos os livros publicados pelo estado? (Apoiados.)

Não quero dizer que, por exemplo, na bibliotheca do Porto, que tem em Lisboa um procurador zeloso, não haja muitos dos documentos publicados pelo estado, mas é conveniente que todos se achem colleccionados, completos, e patentes em varios pontos do reino; isto seria de grande conveniencia para o publico. (Apoiados.)

Dizia eu que o governo podia remediar o mal indicado, sem fazer grande despeza; só a haveria no transporte de livros, e no indispensavel a manter as bibliothecas, mas seria despeza pequenissima em relação á vantagem que d'ahi se tiraria; demais, podia crear-se receita bastante para este serviço: seria a da venda dos livros e documentos que o estado publica.

Ha publicações officiaes importantes; mas quem a3 pretende tem de recorrer a algum funccionario das secretarias, ou a amigos d'elles, porque se não hâo de pôr á venda por preço modico? O mesmo se deveria fazer com o Diario das camaras, como se faz, por exemplo, na Belgica; vendesse-se baratissimo, a fim de que fossem mais sabidas as discussões parlamentares. (Apoiados.)

De ordinario conhecemos mais os paizes estrangeiros do que o nosso; e comtudo já existem muitos elementos de estatistica e de descripção a respeito d'elle; convem que se tornem facilmente accessiveis aos que desejarem estudai-os.

Com o producto das publicações officiaes poderiam não só manter-se bibliothecas administrativas districtaes, mas tambem promover o progresso das populares; sei que o actual governo tem procurado distribuir muitos livros pelas bibliothecas populares. Sei que varias camaras o juntas do parochia não têem mostrado perseverante vontade de as estabelecer; ultimamente doze d'aquellas corporações mostraram-se habilitadas segundo o respectivo regulamento para receberem livros; foram-lhes concedidos, mas tardam em mandar recebel-os; eram cerca de 2:200 volumes; já têem sido dados 3:761 ás 16 bibliothecas populares em exercicio; o existem ainda em deposito 2:241.

Empenhem-se as auctoridades administrativas em auxiliar ou despertar a iniciativa das corporações, o não tardará que todos esses livros sejam aproveitados.

O sr. Mártens Ferrão dizia nas instrucções de 20 de julho de 1866:

«Era materia de educação e de instrução publica, a perda de um dia póde ser a perda moral de muitos membros da sociedade, pelos quaes ella tem o dever de vigiar, e que lhe cumpre auxiliar com solicitude nos successivos periodos da vida.»

Era assim que s. ex.ª se dirigia aos governadores civis, dizendo-lhes tambem:

«Os povos nunca recusam cooperar para o bem quando a ena, cooperação lhes é pedida convenientemente.»

É o que eu agora repito ácerca da influencia administrativa sobre o progresso das bibliothecas populares.

Ha dias propuz que se marcasse uma verba para a bibliotheca das côrtes. Embora não esteja em discussão o respectivo capitulo, permitta-me a camara que lhe lembre quanto seria vantajoso aos legisladores terem aqui os documentos publicados pelos governos e parlamentos estrangeiros; possuimos já alguns, mas relativamente poucos,

Página 1605

1605DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

enviando-lhes os nossos, formaríamos por simples troca preciosas collecções, que equivaleriam a vastos inqueritos sobre muitos ramos de administração.

Concluirei agora o que tenho a dizer ácerca da instrucção primaria.

Proponho que se recommende ao governo a fundação de jardins da infancia, conforme o methodo de Froebel, nas escolas que para exercicios praticos de pedagogia devem estar annexas ás escolas normaes, segundo o artigo 50.° da lei do 2 de maio de 1878.

Por isso mesmo que é impossivel ao estado introduzir desde já em Portugal muitos d'estes jardins, unicamente proponho que sejam estabelecidos junto d'aquellas escolas. Assim, o publico de Lisboa e Porto terá occasião de os observar, de conhecer a excellencia d'elles, e até de por elles se enthusiasmar.

Consta-me que alguem já tentou fundar um em Lisboa, mas difficuldades supervenientes o impediram de pôr em obra tão meritorio projecto.

Já expuz á camara na ultima sessão alguns dos meios empregados no Kindergarten para desenvolvimento integral da puericia; instrue-se á medida que folga; não se lhe ensina senão o que em verdade póde ser comprehendido pelas suas faculdades; procura-se principalmente habituar as creanças a pensar e a reflectir, sem comtudo levar o exercicio intellectual até á fadiga; pelo contrario, variam de occupação, quando muito, de meia em meia hora. Mantêm-se-lhes a alegria.

Não se procede como nas nossas escolas; não se obriga a principiar pelo alphabeto; antes d'elle, aprende-se agradavelmente a executar certos desenhos; as creanças não sabem o que é um a ou um b; mas conhecem muitos objectos, que gostam de representar desenhando; pois principiem assim a dar traços, e mais tarde passarão a decifrar as letras.

Uma das observações feitas ácerca da infancia, observação fecunda para a pedagogia, foi que as creanças desejam ter as mãos occupadas em algum trabalhosinho pueril; muitos dos exercicios physicos, e dos jogos educadores no Kindergarten fundam-se n'esse facto; taes são os trabalhos de modelar, do tecer em papel, de combinar cores, de construir com barrinhas e cubos de jardinagem, e os movimentos da mão e do braço.

Que actividade não desenvolvem as creanças nos seus jogos! Quão grande não é a sua inventiva! O que ellas não fazem, por exemplo, com areia! Segundo observa Jean Paul Richter, d'ella se servem para fingirem quedas de agua, para fundo de desenho, para construcções, para imitarem as lavadeiras e até os semeadores. E quanto lhes não agrada a musica?! De quanto merecimento não é para ellas uma historia?

Pois de todos estes facto3 e de outros muitos se serviram Froebel e os seus successores para instruirem pelos jogos e pelas recreações.

E era todos os trabalhos do Kindergarten se trata de desenvolver a iniciativa das creanças, em logar de lhes impor conhecimentos que semente sobrecarregam a memoria, que sómente fazem aborrecer a escola, e que semente estragam as faculdades de seres que tanta solicitude reclamam.

Em todos esses trabalhos procura-se dar á puericia noções sãs, exactas, sobre cousas que ellas precisam conhecer, qualquer que seja a profissão que sigam. E d'este modo preparam-se não só para a escola primaria, mas tambem para a vida social, embora não usem de livros no jardim.

Uma parto da minha proposta pede 6:000$000 réis para a introducção do methodo do João de Deus nas escolas publicas primarias.

Com muito prazer digo á camara que esse methodo, cujas vantagens me parecem geralmente reconhecidas, já está introduzido em Portugal em cerca de seiscentas escolas. (Apoiados.)

O methodo de João de Deus tem feito milagres; as palavras de admiração e de profundo reconhecimento, proferidas por adultos, que debalde haviam tentado outro systema, são um dos seus maiores elogios e benção para o auctor.

Da cartilha de João de Deus já se fizeram tres edições. A primeira de 8:000 exemplares, esgotou-se em sete mezes; a segunda, de 7:000 exemplares, em tres mezes o meio; e da terceira, feita em fevereiro, de 24:000 exemplares, póde-se dizer que está já esgotada mais da quarta parte.

Ha poucos livros que em Portugal tenham tido exito tão feliz; mas tambem poucos o têem merecido tanto.

Alem da Cartilha maternal publicaram-se os Quadros parietaes, que só servem para escolas; o numero dos que se têem vendido está de accordo com a estatistica das escolas a que ha pouco alludi.

Do auctor da Cartilha maternal ha factos que provam tanto o amor sincero que elle consagra ao progresso do ensino, a independencia nobilissima com que propaga o seu methodo, a grande abnegação cora que ao enriquecer-se prefere o ensinar; (Apoiados) são taes os caracteres da grandeza do seu espirito e do seu coração, que bem mostram existir n'elle as qualidades que tornaram immortaes Froebel e Pestalozzi; a Portugal cabe, por ser a ferra de João de Deus, gloria analoga á que tiveram a Allemanha e a Suissa por serem patria d'esses dois pedagogistas.

Ainda ha pouco uma folha allemã severamente nos censurava por deixarmos passar, sem solemnes provas de respeito e veneração á memoria de Luiz de Camões, o seu terceiro centenário; não o celebrámos, como nos cumpria talvez, mas ao menos contribuamos para que ainda mais se vulgarise o methodo que facilitará ao povo o ler os livros escriptos na lingua d'esse poeta; este seria um dos melhores monumentos á sua memoria; serviria para que fossem mais conhecidas as grandezas da patria, que Luiz de Camões cantou. (Vozes: — Muito bem.)

Do que eu disse a respeito do acolhimento que tem encontrado o methodo de, João do Deus deprehende-se que não é preciso auxilio official para que se acredito ou não corra o risco de retrogradar; mas convem, para beneficio da infancia, que uma vez reconhecida a superioridade do methodo, o governo o faça introduzir nas escolas publicas de preferencia aos outros; e que uma verba seja destinada ao ensino dos professores; ensino que deve ser dado por quem conheça bem o systema do João de Deus; aliás far-se-ha errada idéa do que elle vale.

Não proponho verba maior do que 6:000$000 réis, e porque attende ás nossa3 cireumstancias financeiras, proponho que ella saia de outra parte do orçamento.

Sei que as naçõe3 estrangeiras gastam muito mais do que nós com o ensino primario; a Belgica, por exemplo, despendeu 4:320:000$000 réis em 1875, sendo mais de 1.800:000000 réis pagos pelo estado; mas como hei do propor verba muito maior que a marcada no orçamento, se as finanças estão mal?

E noto a camara que nem sequer se acham providas muitas das cadeiras decretadas, ha para prover mais de duzentas! •

Repito ao governo, aproveite a administração civil para bera do ensino popular, aproveite o desejo que têem muitas pessoas de contribuir para a elevação do nivel intellectual do paiz, não faltam exemplos d'este desejo; entre tantos, recordarei o do sr. conde do Casal Ribeiro, que doou réis 10:000#000 em inscripções para a fundação do uma escola do sexo feminino; quiz este grandissimo espirito assim erguer monumento á memoria de sua querida mãe.

E o sr. Vicente Ferrer, um dos mais illustrados e austeros portuguezes, recentemente deu avultada somma para a fundação de duas escolas, n'uma das quaes creio que já se adoptou o methodo de João de Deus.

Sessão de 9 de maio de 1879

Página 1606

1606

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

E as escolas das casae de asylo? E as de varias irmandades e associações? Quantas não existem no Porto?

Em Lisboa, por exemplo, as sociedades Grémio popular e civilisação popular, têem dado tão proficuos resultados, que o governo transferiu o professor da escola official da freguezia de Santa Catharina para a do Soccorro, e não proveu a cadeira.

A associação civilisação popular tem escola diurna primaria (com 120 alumnos, dos quaes 80 com frequencia regular), e nocturna não só primaria, mas tambem de francez e desenho; a primaria nocturna frequentada por 100 alumnos, a de francez por 20 e por outros tantos a de desenho.

Em dez annos foram ensinados na aula diurna 4:200 creanças.

O sr. ministro prestaria bom serviço auxiliando a associação civilisação popular, com algum subsidio, a fim de construir casa propria para escola no terreno que a camara lhe deu; o sr. Rodrigues Sampaio deseja o progresso das associações populares; o seu nome, como o de Vieira da Silva, de Olympio Nicolau Ruy Fernandes, de Silva e Albuquerque, e de tantos outros, está gloriosamente escripto na historia das instituições operarias; s. ex.ª de certo quer, muito mais do que á gloria de ser ministro, a de ter contribuido para o melhoramento das classes laboriosas, por isso espero que o meu pedido, caso seja legal, será satisfeito.

N'uma parto da minha proposta peço que seja destinada uma verba para premiar em concurso varios compendios. Já na ultima sessão fallei do ensino actual da geographia e da historia; o que então disse póde servir de base á respectiva parte da minha moção; e por esta occasião peço ao sr. ministro do reino que mande publicar no Diario do governo o relatorio da benemerita sociedade de geographia de Lisboa; o sr. Rodrigues Sampaio é amigo da publicidade, comprehende a vantagem do ser conhecido aquelle trabalho, tanto me basta para confiar em que o relatorio sairá brevemente na folha official.

Pelo que respeita á gymnastica, largamente está provada a vantagem d'ella; vejam-se os fructos que tem produzido na casa pia, e no collegio militar, cujo actual director, o nosso illustrado collega o sr. José Paulino de Sá Carneiro, tem aperfeiçoado muito o ensino d'ella n'esse instituto.

Aberto o concurso para um compendio de gymnastica, augmentariam as probabilidades de que fosse bem escripto; o a importancia, que por esse facto o governo mostrava attribuir ao ensino dessa disciplina, contribuiria muito para que geralmente se comprehendesse que a gymnastica das escolas, ou a de quarto, não se confundo com os exercicios acrobáticos dos circos ou das praças. (Apoiados.) Nas mais civilisadas nações ensinam-a não só aos rapazes, mas tambem ás meninas. Recordo-me do ver, n'uma cidade da Austria, as alumnas do varias classes da escola burgueza entrar na sala de gymnastica. Com que alegria se entregaram a differentes trabalhos, ainda antes dos que lhes foram ordenados pelo mestre! É na Suissa, os exercicios feitos na propria escola primaria não fazem parte da instrucçâo militar? Introduzir aquella disciplina nas nossas escolas é vantajosíssimo; auxiliará o desenvolvimento physico, o tambem o intellectual das futuras gerações. (Apoiados.)

Do ensino de desenho, cujo compendio é incluido na minha proposta, já me occupei hoje; attenda o governo ao que tem feito principalmente a Inglaterra e a Austria.

Outro compendio é o de hygiene; quanto não é necessario que a saibam principalmente as donas do casa e as que se destinam a sel-o! O conhecimento d'ella é proveitosíssimo sempre; graças a elle, empregar-se-ha melhor o dinheiro destinado ás despezas domesticas; prevenir-se-hão muitas doenças; evitar-se-ha a compra do productos falsificados; tornar-se-ha mais salubre a habitação, o alimento

e até o proprio vestuario; effectuar-se-ha emfim uma reforma de grande alcance na administração domestica, e por isso, mesmo aperfeiçoar seria a vida na familia.

Outro compendio é de sciencias physico-naturaes; já antes de hontem fallei á camara no valor actual d'ellas; são precisas a todas as profissões, no interior da casa, no campo, na fabrica, no escriptorio, nos negocios publicos; sem a propagação do conhecimento d'ellas, falta á nossa industria uma das bases mais seguras para concorrer com as dos outros povos; hoje as condições do trabalho são muito differentes das que foram; e não basta liberdade; é precisa instrucçâo; cada ramo de industria lança raizes n'uma certa camada de saber, o expande-se em determinada atmosphera de progresso; debalde se tentará dar-lhe hoje alimento em outra camada de solo intellectual, em atmosphera de outra civilisaçào; os elementos de sciencias physico-naturaes são por isso indispensaveis ao bem estar do todas as industrias. (Apoiados.)

Nem ha educação boa que as dispense; ellas são as que podem responder á natural curiosidade da creança e do homem no exame do universo. Nas epochas do ignorancia, o ser humano tinha de resolver á custa da imaginação os problemas que a si proprio apresentava; a sciencia hoje permitte-nos dar conhecimentos positivos á infancia, habilital-a para a lucta da vida com grandes e numerosas verdades.

E até sob o ponto de vista religioso não posso deixar do preferir as sciencias physico-naturaes ao cathecismo para o ensino das creanças; que podem ellas comprehender ácerca da Trindade, da Incarnação, da Virgindade de Maria, da Divindade de Christo, e de todos os dogmas que foram objecto de longos tratados theologicos e do seculares discussões nos concilios? Qualquer que seja a religião que se siga, ha de comprehender-se que, mais do que as palavras do cathecismo, fallam de um entendimento sobre-humano as obras da natureza. E a este respeito contarei uma anedota impressiva, hoje vulgarisada por uma obra de Flammarion: um infeliz pregador estava descontente de já não ser attentamente escutado; creio que tinha fallado reiteradamente dos santos, dos anjos, e do inferno; queixou-se d'isto a um amigo que era mathematico celebre; deu-lho este de conselho que falhasse ao povo das bellezas astronomicas e disse-lhe algumas; o pregador procedeu assim; o auditorio, enthusiasmado, e esquecido de que estava no templo, prorompeu em applausos.

São grandes as obras do sentimento religioso; grando3 na vida publica e na particular; mas o cathecismo não o póde desenvolver na puericia; entendem-no os sabios da theologia; mas não o podem decifrar as creanças; algumas verdades das sciencias naturaes, positivas e claras, prestariam melhor a esse fim. Qual é o céu creado pela imaginação dos poetas ou de fundadores de religião, que iguale o creado por Deus, e descoberto pela sciencia? Que é e o primeiro a par d'este, em que existem estrellas tão afastadas de nós que a luz d'ellas gasta talvez seculos para vir até á terra? E o reino vegetal quantas maravilhas não encerra? Uma simples flor não póde dar logar a instrucçâo religiosa mais comprehensivel á infancia do que o cathecismo? Para que sobrecarregar-lhes o espirito com o que ainda não podem entender?

Perdoe-me a camara se lho tomei tanto tempo fallando-lhe especialmente da instrucçâo primaria; mas eu tenho grande affecto a este ramo de ensino; expuz singelamente algumas idéas, e sinto que o assumpto merecia quem o tratasse melhor.

Cuidemos da infancia. Attraiâmos para a instrucçâo primaria a attenção dos sabios, e o amor dos philanthropos; vão n'isto os maiores interesses da nossa patria. Vozes: — Muito bem.

(O orador foi comprimentado por muitos srs. deputados;)

Página 1607

1607

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Leu se na mesa a seguinte

Proposta

Proponho:

1.° Que se recommende ao governo a creação de jardins da infancia, conforme o [methodo de Froebel, nas escolas que para exercicios praticos de pedagogia devem estar annexos ás escolas normaes (artigo 50.° da lei de 2 de maio de 1878.)

2.° Quo os 44:G50$840 réis, destinadas no orçamento para subsidios a theatros e actores, compra de livros o bibliothecas populares, premios em concurso para composição de livros elementares e despezas eventuaes de instrucção publica sejam distribuidos de modo, que haja uma verba especial do 6:000$00O réis para a introducção do methodo de João de Deus nas escolas primarias; se assegurem premios a auctores de compendios de gymnastica, desenho, rudimentos de sciencias physicas o naturaes, noções elementares de hygiene, historia e geographia, para uso das escolas primarias; e se melhore o ensino das bellas artes, de modo que seja mais proveitoso ás industrias.

3.° Que se recommende ao governo a creação de bibliothecas administrativas nos districtos, podendo destinar-se para a manutenção d'ellas o producto da venda do publicações officiaes.

4.º Que se recommende ao governo a formação de museus, junto das academias de Lisboa o Porto, em que se collecionem todos os objectos pertencentes ao estado, que tenham importancia historica ou artistica.

5.° Que se recommende ao governo a apresentação de uma proposta de lei, ácerca de caixas economicas escolares. = Rodrigues de Freitas.

Foi admittida.

O sr. Ministro do Reino (Rodrigues Sampaio): — Antes de começar a responder aos dois illustres deputados, devo fazer a rectificação do umas palavras que proferi n'esta casa, a respeito da imprensa nacional e do regulamento do supremo tribunal administrativo.

A respeito da imprensa nacional, tenho a declarar á camara, que o administrador d'aquelle estabelecimento me procurou hontem, e me disse que os dois accordãos que vinham publicados no Diario do governo, de quarta feira, eram os unicos que lhe restavam.

Ora, como as minhas palavras podiam influir desfavoravelmente no credito d'aquelle empregado, por isso venho communicar á camara o que elle me disse.

Comtudo a arguição não era sem fundamento, porque eu mais de uma vez tenho ordenado aquella repartição, que não demorasse tanto a publicação de documentos officiaes.

Quanto ao regulamento do tribunal administrativo, devo dizer que é inexacto o extracto da sessão publicado nos jornaes n'este ponto, não sendo, comtudo, inexactas as notas tachygraphicas.

Diz-se n'esses extractos, que eu promettera publicar o regulamento d'aquelle tribunal. Não disse tal; ponderei as difficuldades que tem havido a este respeito, para mostrar que não podia responder pela demora que tem tido a publicação.

O meu illustre antecessor reenviou ao supremo tribunal administrativo o projecto de regulamento, a fim de o reconsiderar, porque á vista das alterações que tinha havido n'aquella repartição, poderia ser necessario modifical-o.

Esse regulamento ainda não voltou ao ministerio; por consequencia, não póde caber á repartição, a cuja frente estou, censura nenhuma pela demora.

Dada esta explicação, direi que gostei muito de ouvir as reflexões que acaba de fazer o sr. Rodrigues do Freitas.

Assistimos a uma prelecção, não só util, mas immensamente agradavel. (Apoiados.)

Eu só posso dizer de tal discurso como Thomás Morus disso no fim da sua Nova ilha da Utopia:

«O que deixo aqui apontado desejo-o mais do que espero que se realise.»

Creio mesmo que o illustre deputado, sejam quaes forem os ministros que estejam n'este logar, não espera que realisem as bellezas do que viu lá por fóra e que nos apontou; viu jardins que recordam o das Hesperidas, e viu muitas mais cousas e eu tambem as vi. Achei lá muitas grandezas da civilisação, mas achei tambem muita miseria; e, quando voltei ao meu paiz, não lastimei o. ter nascido n'elle, nem me maguaram as grandezas estranhas. (Apoiados.) Comtudo, nós só vemos lá de fóra o que é grande, e effectivamente não vamos lá procurar outra cousa.

O nosso povo, e isto é confirmado pelo testemunho do illustre deputado, é tão capaz como os outros de emprehender cousas grandes, ou, pelo menos, de executar cousas boas, como os operarios que nos dizem que rivalisavam com os da America, os melhores de todos. Pois esses operarios eram nossos, e, emquanto outros julgam Portugal pelas suas pequenezas, eu quero julgal-o por esses exemplos de grandeza e de alta capacidade.

Não digamos mal de tudo.

O illustre deputado diz-nos que «o modo como se deviam fazer as eleições era empenhar os homens mais influentes das localidades na creação de escolas e no desenvolvimento da instrucção primaria»; mas eu não sei se este meio será tão corruptor como os methodos hoje empregados por todas as parcialidades e por todos os partidos politicos.

Lembro-me que Cicero, no seu tratado de Republica, porque elle tambem era um verdadeiro republicano...

(Interrupção do sr. Rodrigues de Freitas que se não percebeu.)

Não era! Pois não seria, mas era pelo menos um grande homem; eu deleito-me com a sua leitura, embora o descredito em que está hoje a lingua latina. Li o que elle diz que « devendo ser no estado as cousas mais incorruptas a eleição e a sentença dos juizes, não comprehendia a rasão por que havia de merecer castigo o que corrompe por meio de dinheiro, o por que seria digno de louvor o que corrompe pela eloquencia; parecendo-lhe que faz maior mao que corrompe o juiz pelo discurso do que aquelle que o corrompe por dinheiro; porque, pelo dinheiro, ninguem póde corromper o juiz honesto, mas póde-o fazer por meio da palavra».

Ora, n'este sentido, póde-se dizer que o illustre deputado é um dos maiores corruptores que temos entre nós, porque o seu talento e a sua affabilidade seduzem mais do que as ameaças e do que o dinheiro. Com as suas palavras, que em muitos casos fallam ao sentimento, póde fazer o que não se poderia conseguir por dinheiro, dizendo-se que por um discurso notavel se arrebatou uma assembléa inteira, de fórma que, estando para decidir de uma certa maneira, decidiu de outra differente.

Eu por mim que aborreço todas as pressões, estou livro de exercer a do dinheiro, porque o não posso ler, o a da eloquencia, porque não a tenho.

Quanto ás propostas, ellas vão á commissão onde terão de ser examinadas, o por isso não digo agora nada a respeito d'ellas.

O sr. Rodrigues de Freitas: — Eu mesmo declarei que não tinha o menor desejo de que s. ex.ª declarasse a sua opinião ácerca d'ellas, e que esperaria pela deliberação que a commissão tomasse, depois de ouvido o governo.

O Orador: — De accordo.

Outro illustre deputado, que eu respeito muito, como respeito a todos, fez arguições pungentes ao partido regenerador; e eu devo declarar que não venho defender o partido regenerador, nem attacar os outros partidos, (Apoiados.) porque essa questão não tem cabimento na occasião em que se discute o orçamento, na parte que diz respeito á instrucção publica. (Apoiados.)

Sessão de 9 maio ds de 1879

Página 1608

1608

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Com referencia aos professores, declaro que não nomeio professores effectivos, porque encontrei uma lei que não me auctorisou-a fazel-o, antes m'o prohibia; lei que eu não propuz) mas creio que a votei, em 1809, achando-a vigente quando em 1871 entrei para o ministerio; mas diziam uns que a nova lei da instrucçâo primaria não se executaria, porque era perfeita do mais, outros diziam que tinha vicios no seu organismo.

Nas Cartas da Persia, Usbek dizia a Mirza que não sabia se conviria que n'um estado houvesse muitas religiões; e S. Paulo escrevia aos corinthios que convinha que houvesse heresias, não de certo por applaudir os erros contra a religião, mas por desejar que pela discussão das diversas opiniões se apurasse a verdade.

Eu gosto da lucta, entendo que ella é util, acceito mesmo a opposiçâo systematica, não gostando da acintosa, mas os nossos fins são diversos; por exemplo, o governo e a maioria querem resolver, e o intuito da opposiçâo é fallar e discutir sem chegar nunca á conclusão, salvo quando esta for a seu modo, mas sempre no sentido contrario ao do governo.

Eu desconfio mesmo que sou eivado d’esse peccado.

Nunca me pareceu muito rasoavel o arbitrio dos meus contrarios; e é muito natural, portanto, que elles entendam o mesmo a meu respeito.

Por consequencia o que havemos nós de fazer?

Tolerarmos-nos uns aos outros, o não rebaixar muito o paiz. (Apoiados.)

Eu assisto quasi sempre, assisto todas as vezes que posso ás reuniões populares em que se trata da instrucçâo publica. (Apoiados.) Tenho ahi ouvido algumas cousas muito sensatas e que não me parecem menos profundas do que as que se dizem e se ouvem no parlamento.

Mesmo quando o illustre deputado estava fallando, lembrava-me de alguns populares que tenho escutado n'essas reuniões; homens pouco conhecidos, mas que é um gosto ouvil-os, porque dizem profundas verdades, (Apoiados.) homens que ensinam praticamente as creanças a ler e escrever, que lhes ensinam tudo aquillo que é necessario para o seu aperfeiçoamento moral, que as habilitam mesmo para os cursos superiores e que não pedem por isso cousa alguma a ninguem. (Apoiados.)

Tenho visto tambem, com grande prazer, e isto não é gloria minha, é gloria e honra para a nossa terra, que a instrucçâo primaria se tem augmentado muito. (Apoiados.)

Peço-vos que não attribuaes nada ao governo; deveis attribuil-o á iniciativa das localidades e do muitos homens generosos que têem contribuido com os seus haveres para a creação de escolas e para dotarem outras com mobilia e com aquillo que é necessario para a instrucçâo, isto quasi que sem recompensa de especie alguma, alem da satisfação que lhes póde provir do cumprimento d'aquillo que elles julgam "Tinia boa obra. (Apoiados)

Quando se está n'um paiz d'estes, embora não haja aquillo que eu tambem desejaria que houvesse, embora não haja os suspirados jardins, embora não haja os methodos que se encarecem, e que eu tambem encareço, não se devo desesperar da salvação da patria. (Apoiados.)

Nem nós podemos condemnar os nossos maiores.

Como aprenderam os illustres deputados da opposiçâo, porque eu não quero já fallar da maioria tão rudemente arguida? Serão elles prolem sine matre creatam? Não se poderá concluir que não é safara a terra que taes génios cria?

Mas se esses talentos são espontaneos, esperemos então que a terra produza muitos outros iguaes. Honremos assim a nossa terra. Unamos-nos todos no empenho de aperfeiçoar a educação. Acho bom tudo o que se diz; mas não espero que se faça tudo de uma vez. (Apoiados.) Vamos indo como podermos. Se queremos fazer tudo perfeitissimo, não fazemos nada. (Apoiados.) Se não nomearmos senão os

candidatos que nos concursos saírem distinctos, as escolas ficam fechadas. Temos muitos suficientes. E devo tambem dizer que ás vezes 03 mais distinctos não são sempre os melhores. (Apoiados.)

Eu fui ensinado por professores que, se existissem agora, creio que não iam a concurso algum, porque tambem não tinham grandes habilitações; mas ensinavam melhor. (Apoiados.)

Mesmo muitos d'aquelles professores, que então se chamavam professores regios, que regiam escolas d'aquelle tempo, eram instruídos. Mas não se exigia das creanças, como o illustre deputado quer, a maior illustração.

Nem sempre a maior illustração está junta á maior capacidade para o ensino. (Apoiados.)

Conheço alguns sabios professores, que, embora sejam cheios de talento, o que querem é receber o ordenado, mas não cuidara do aperfeiçoamento das creanças. (Apoiados.) E se muitas vezes os administradores do concelho e os inspectores das escolas denunciam a sua negligencia, o governo tolera-os algumas vezes, porque não tem mais quem nomear. Antes quero um professor algum tanto negligente, do que nenhum. (Apoiados.)

Unia voz! — Isso é um mal.

O Orador: — E verdade, é um mal; mas não vejo remedio immediato para elle. (Interrupção.)

Que duvida se me apresentassem professores habilitados.

(Interrupção.)

Do certo, emquanto houver distinctos, não podem ser nomeados os bons; e emquanto houver bons não podem ser nomeados os sufficientes; mas na falta dos primeiros e segundos vamos nomeando áquelles que se offerecem. E nem sempre a escolha satisfaz o ministro; mas a necessidade assim obriga.

Eu esperava que o illustre deputado me repelisse a pergunta que me fez o outro dia; tambem não e3tou certo se m'a repetiu hoje. Preveniu-me de que me perguntaria a rasão por que não estava em pratica a nova lei da instrucçâo primaria. E eu esperava que o illustre deputado me repetiria hoje qual a rasão por que não tinha posto em pratica a nova lei de instrucçâo.

O sr. Rodrigues de Freitas (interrompendo o orador): — Peço perdão a s. ex.ª; eu disse sómente que sabia que os regulamentos estavam adiantados; disse-o agora d’esta vez, e disse-o o outro dia.

Já sabia que elles estavam na procuradoria geral da corôa.

Em todo o caso, no que eu disse não havia censura a s. ex.ª, nem a podia haver, porque eu reconheço no sr. Rodrigues Sampaio um homem a quem a instrucçâo deve muito, e muito; (Apoiados.) e acredito em s. ex.ª como homem de principios verdadeiramente democraticos. (Apoiados.)

Eu nem mesmo a esse respeito fiz pergunta alguma a s. ex.ª

Entendo que as condições politicas de todos os partidos são infelizmente taes, que é difficil a qualquer governo resolver esta questão.

O discurso que fiz foi de tal maneira, que não podesse offender nem um, nem outro partido.

O Orador: — Pelo contrario, confesso-mo agradecido, em vez de tomar as suas palavras como censura; mas tambem é justo que declare qual a rasão por que a lei não começou a ter execução.

A lei só depois de dois annos de publicada tem de ser executada, e os regulamentos estão-se fazendo.

São ao todo oito esses regulamentos, e começaram-se em outubro a discutir na junta consultiva.

São os seguintes:

«1.° Regulamento sobre obrigação do ensino, para execução do capitulo 2.° da lei.

Página 1609

92

1609

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

«2.° Regulamento sobre os exames dos alumnos das escolas primarias, para execução do artigo 42.° da lei.

«3.° Regulamento sobre organisação das escolas normaes da 1.ª e 2.ª classe (capitulo 7.° da lei).

«4.° Regulamento sobre a inspecção das escolas (capitulo 8.° da lei).

«5.° Regulamento sobre as conferencias escolares (capitulo 9.° da lei).

«6.° Regulamento sobre habilitação dos professores, para execução do artigo 63.° da lei.

«7.° Regulamento sobre adjudicação dos premios estabelecidos no artigo 64.° da lei.

«8.° Programmas de concurso para os livros destinados ás escolas primarias.»

Isto é materia que leva muito tempo a discutir, e como póde haver opiniões differentes que carecem tambem de discussão, não me parece que se possa accusar de remissa a junta consultiva de instrucção publica, á qual compete o conhecimento d'este assumpto e não á procuradoria geral da corôa. (Apoiados.)

Livros para as escolas podem ser approvados pela junta consultiva, mas os professores hão de ensinar por áquelles que desejarem, é-lhes isso facultado, comtanto que os livros sejam approvados pela junta consultiva.

O governo não póde impor-lhes o livro por onde hão de ensinar, nem dizer-lhes; ha de ser por este ou aquelle methodo; isso é da sua escolha. E devo declarar que nunca discuti nem quiz alterar, ainda que o possa fazer, as decisões da junta consultiva de instrucção publica, ella é muito mais capaz do que eu de resolver sobre isso; assumo apenas a responsabilidade d'essas decisões que é o que me compete, declinando comtudo a gloria que d'ahi resultar, porque a gloria quero-a para ella, e a responsabilidade para mim.

Não quero tomar mais tempo á camara. O meu fim era dar estes traços geraes e não entrar na apreciação das propostas que foram mandadas para a mesa. As propostas são remettidas á commissão, e ella as considerará como merecerem.

Vozes: — Muito bem.

O sr. Jeronymo Pimentel (sobre a ordem): — Mando para a mesa uma proposta. É a seguinte:

Proposta

Proponho que no artigo 22.° do capitulo 8.º do orçamento do ministerio do reino seja incluida a verba de 1085000 réis para o ajudante de um posto meteorologico no concelho de Braga. = Jeronymo Pimentel.

Foi admittida.

O sr. Alfredo Peixoto (sobre a ordem): — Mando para a mesa uma proposta. É a seguinte:

Proposta

Proponho que na secção 1.ª do artigo 24.° seja incluida a quantia de 150$000 réis para o lyceu nacional de Leiria, sendo 50$000 réis para a gratificação do bibliothecario e 100$000 réis para o ordenado do official da bibliotheca. = Alfredo da Rocha Peixoto.

Foi admittida.

O sr. Adriano Machado —... (O sr. deputado não restituiu o seu discurso a tempo de ser publicado n'este logar.)

Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A verba de 4:000$000 réis da secção 3.ª do capitulo 6.°, para continuação das obras da academia polytechnica, é incorporada com a de 1:730$000 réis para premios a estudantes, despezas de expediente, etc, que vem na mesma secção = Adriano Machado.

Foi admittida.

O sr. Freitas Oliveira: — Requeiro a v. ex.ª que Sessão de 9 de maio de 1879

consulte a camara sobre se julga a materia sufficientemente discutida.

Consultada a camara resolveu affirmativamente.

Foi approvado o capitulo 8.°, e as propostas apresentadas enviadas á commissão.

Entrou em discussão o capitulo 9.º

Capitulo 9.°—Beneficência publica...... 239:402$160

O sr. J. J. Alves: — Pedi a palavra para mandar para a mesa uma proposta a este capitulo. A proposta é a seguinte. (Leu.)

E por esta occasião tambem não tomarei muito tempo, mandando para a mesa duas propostas que se referem ao capitulo que ha pouco se discutiu.

A primeira é.

(Leu.)

A segunda tem relação com a proposta apresentada pelo sr. Rodrigues de Freitas.

A proposta com referencia a este capitulo é a seguinte:

Proposta

Proponho que a commissão de fazenda arbitre a quantia que julgue necessaria para a conservação do asylo municipal. = J. J. Alves.

As propostas que se referem ao capitulo antecedente, são as seguintes:

Propostas

Não tendo o edificio onde funcciona o lyceu nacional de Lisboa as commodidades que carece um estabelecimento d'esta ordem, proponho que o governo escolha para este fim algum dos pertencentes ao estado, ou que apresente proposta de lei para se construir um especial, economisando-se assim a verba de 1:200$000 réis annuaes, quantia por que está actualmente arrendado o predio do actual lyceu na rua de S. José. — O deputado por Lisboa, J. J. Alves.

Proponho que se alargue e estabeleçam bibliothecas populares, augmentando-se a verba insignificante que no orçamento é destinada para esse fim. = 0 deputado por Lisboa, J. J. Alves.

Foram admittidas e enviadas á commissão. Foi approvado o capitulo 9.º Capitulo 10.°—Addidos aos quadros, aposentados e jubilados.................. 86:934$425

Approvado sem discussão. Capitulo 11.° — Despezas de exercicios findos............................... 1:100$000

Approvado sem discussão.

O sr. Presidente: — Tem a palavra o sr. Goes Pinto, que a pediu para antes de se encerrar a sessão.

O sr. Goes Pinto: — Toda a camara sabe já, creio eu, a triste nova com que fomos hoje surprehendidos, da morte do sr. Custodio José Vieira.

Não quero disputar primazias, eu, que sou certamente o ultimo membro d'esta assembléa; mas v. ex.ª e a camara comprehendem bem que se dão commigo cireumstancias especiaes, que me aconselham o triste dever de apressar-me a ser o primeiro a mostrar o meu profundo pezar pelo fallecimento de um homem que tanto honrou a tribuna d'esta casa e o seu paiz. (Apoiados geraes.)

A posteridade começa hoje para esse luctador valente. Como jornalista, como advogado, como funccionario e como legislador, honrou não só áquelles ao lado de quem combateu, como áquelles contra quem pelejou.

Era amigo valiosíssimo, porque era adversario indomável. (Apoiados.)

Eu não posso, nem sei, principalmente n'este momento, fazer o elogio, a apotheose de Custodio José Vieira; deixo

Página 1610

1610

DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

isso ás grandes intelligencias, aos grandes oradores d'esta casa, e sobretudo á analyse fria, serena e imparcial da historia.

Era seguramente um grande vulto politico, e muito honrou o seu paiz, Custodio José Vieira; o basta-me, ácerca do meu juizo a seu respeito, fazer esta profissão de fé. ("Apoiados.)

Ainda uma palavra: nos ultimos dias da sua vida, não sei se arrebatado pela paixão, que era talvez um dos dotes, uma das feições especiaes do seu caracter, se pela enfermidade que ora o prostrou, declarou elle que renegava o seu passado!

Pela minha parte, e creio que por parte da camara toda, não posso acceitar a renuncia d'esse passado, que é muito honroso. (Muitos apoiados.)

Permitta-se-me que não alongue as minhas considerações sobre o assumpto, e que mande para a mesa a seguinte proposta.

(Leu.)

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — Creio que é desnecessario consultar a camara sobre se admitte esta proposta á discussão. (Muitos apoiados.)

Está admittida e em discussão.

O sr. Costa Moraes: — Não tive a honra de fazer á camara a dolorosa communicação que acaba de lhe fazer o nosso illustre collega o sr. Goes Pinto; o não a tive, porque, quando recebi o telegramma em que se me participava tão triste noticia, já v. ex.ª tinha annunciado que se passava á ordem do dia e já o sr. Rodrigues de Freitas tinha a palavra.

Mas foi bem assim. As nobres palavras que acabam de ser pronunciadas pelo sr. Goes Pinto têem muitissimo mais valor na boca de um generoso adversario do que na boca de um amigo dedicado. Pronunciadas por elle honram a memoria do morto e o caracter de quem as pronunciou. (Apoiados.)

Eu sei a veneração que v. ex.ª e esta camara tinham por aquelle honrado caracter, por aquella distincta intelligencia, por aquella alma puríssima; portanto, esquecendo-me da minha humildade para me lembrar da profunda gratidão que devo aquelle distincto e nobre caracter, junto os meus votos aos do illustre orador que me precedeu.

Vozes: — Muito bem, muito bem.

O sr. Presidente: — Os srs. deputados que approvam a proposta do sr. Goes Pinto, queiram ter a bondade de se levantar.

Levantaram-se todos os srs. deputados.

O sr. Presidente: — Foi approvada por unanimidade.

O sr. Ministro do Reino: — Eu quero unicamente dizer que o governo se associa a esta manifestação da camara.

. Vozes: — Muito bem.

O sr. Presidente: — Será lançada na acta a declaração do sr. ministro do reino.

A ordem da noite de hoje é a continuação da que estava dada para a sessão diurna.

Devo prevenir os srs. deputados que a sessão nocturna começa ás oito horas.

Está levantada a sessão.

Eram cinco horas e meia da tarde.

,N.° 125-F

A commissão de administração publica foram presentes um requerimento do amanuense do governo civil de Lisboa, Ernesto de Campos e Andrade, e uma representação de alguns proprietarios e habitantes do concelho de Cascaes, o primeiro pedindo se lhe conte a antiguidade para a sua reforma desde o seu primitivo despacho para a secretaria d'aquelle governo civil, de que saíu para a hoje extincta delegação de policia na mesma cidade; e a segunda

queixando-se do modo por que dizem os seus signatarios se está cobrando o imposto municipal especialmente destinado á construcçâo da estrada de Cascaes a Almargem.

A vossa commissão, examinando esses dois documentos, é de parecer que sejam enviados ao governo de Sua Magestade, para por elle serem tomados na consideração que merecerem.

Sala da commissão de administração publica, 14 de maio de 1879. = Albuquerque Mesquita e Castro = Adriano José de Carvalho e Mello = Visconde de Moreira de Rey = Henrique F. de Paula Medeiros = Jeronymo Pimentel = Adolpho Pimentel Manuel Aralla.

Descarregar páginas

Página Inicial Inválida
Página Final Inválida

×