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1750 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

jecto em discussão, sem que os documentos sejam enviados á camara?
O sr. Presidente: - O projecto está dado para ordem do dia e eu não posso, pela minha parte, evitar que elle seja discutido, emquanto não chegarem os documentos pedidos pelo ministerio da guerra.
Só posso evitar que elle se discuta, se a camara consentir no seu adiamento.
O Orador: - A camara tem tanta deferencia para com v. exa., que basta v. exa. mostrar o desejo de que elle não se discuta, para a camara annuir.
O sr. Mattoso Côrte Real: - Desejava chamar a attenção do sr. Carrilho, como relator da commissão de fazenda, sobre um projecto de lei que aqui foi distribuido.
Como s. exa. não está presente eu peço a v. exa. me reserve o use da palavra.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, peço a v. exa. me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da fazenda, a quem desejo interrogar sobre um facto, de que não tratarei n'este minutos, por tencionar occupar durante alguns momentos a attenção dos meus collegas em assumpto infelizmente bem diverso!
Terá de certo advinhado já a camara o motive das palavras que vou proferir, em presença da noticia que o telegrapho, com o seu impiedoso laconismo, acaba de transmittir-nos.
Morreu Victor Hugo! Quer dizer, transpoz os humbraes da mais radiosa immortalidade que em tempo algum tem coroado um genio, esse homem assombroso, esse gigante, alvo durante sessenta annos da admiração do mundo inteiro!
Morreu Victor Hugo! Quer dizer, emmudeceu para sempre a mais inspirada lyra, que n'uma lingua romanica tem desferido os seus cantos!
Morreu Victor Hugo! Quer dizer, calou-se alfim essa voz, que ha meio seculo pleiteava com a sua poderosa eloquencia a causa de todos os opprimidos contra o arbitrio de todos os oppressores!
Morreu Victor Hugo, senhores deputados, e póde sem receio affirmar-se que o mundo civilisado está de lucto e pranteia em commovedora confraternidade tão enorme perda! E é justa a dôr universal, que n'este momento se levanta, como um côro sentido e palngente ante o athaude, que encerra os restos mortaes do poeta da humanidade. São os funeraes do genio!
Que homenagem mais digna, com effeito para quem tão nobres lagrimas derramou sobre as desditas e a miseria da nossa sociedade, do que estas lagrimas expontaneas que de toda a parte lhe vêem humedecer a lousa do sepulchro?!
Interpretando, pois, o pensamento de todos os meus collegas e para que o parlamento portuguez não deixe de consignar n'esta hora solemne a expressão da sua respeitosa saudade pelo grande morto, mando para a mesa a seguinte moção:
«A camara resolve que se lance na acta um voto de sentimento pela morte de Victor Hugo. = Consiglieri pedroso.»
peço licença a v. exa. e á camara para ainda proferir em defeza da minha moção algumas brevissimas palavras, cujo alcance e cuja intenção não podem nem devem ser feridos pela posição do deputado que as pronuncia, mas que traduzem, creio eu, o sentimento unanime d'esta assembléa, que na presente occasião ha de saber collocar-se acima de todas as paixões partidarias, acima de toda e qualquer idéa que não seja a de, sem pensamento reservado, render o culto que se deve prestar a quem ascendeu pela sua gigante estatura a essa esphera altissima, em que se transpõe de vez todas as fronteiras nacionaes para se pertencer unicamente a humanidade! (Apoiados.)
Associem-se, pois, os representantes da nação portugueza, á derradeira homenagem prestada ao grande vulto literario, a um dos philosophos mais eminentes, a um dos corações mais generosos e esmaltado das mais brilhantes qualidades que tem adornado um filho da raça latina! (Apoiados.) d'esta nobilissima raça a que nós pertencemos e da qual a generosa França é a mãe espiritual!
N'outro qualquer logar, sr. presidente, poderia eu prestar uma differente homenagem, e com diverso sentido, ao gigante que acaba de sumir-se nas trevas da morte, deixando em redor de nós um enorme vacuo; mas no parlamento portuguez é unicamente ao apostolo das idéas grandes, nobres e generosas; ao intemerato defensor dos direitos dos povos pequenos e fracos, e das nacionalidades escravisadas e opprimidas que eu envio o ultimo e sentido adeus!
É ao cantor da jovem Grecia emancipada, d'essa Grecia heroica de Canaris e de Botzaris; é ao poeta que tantas vezes nos seus cantos evocou a nacionalidade polaca, esmagada pelo despotismo russo; a nacionalidade Servia opprimida pela barbarie turca; e a nacionalidade irlandeza absorvida e maltratada pelo egoismo saxão; que eu dirijo estas palavras de lucto, que hão de tambem dispertar um echo sympathico entre os representantes de uma nação pequena, que não tem poderosos exercitos nem formidaveis esquadras para fazer valer o seu direito, e que por isso mesmo maior gratidão deve áquelle que durante os dias gloriosos de uma larga existencia fez de cada estrophe dos seus immortaes poemas um escudo, contra o qual mais de uma vez veiu quebrar-se impotente o brutal direito da força!
O voto que eu proponho não irá, pois, ferir quaesquer susceptibilidades por muito miticulosas que ellas sejam. Pelo contrario só encontrará n'esta camara a mais completa adhesão e a mais perfeita concordancia! (Apoiados.)
O acso da inscripção permittiu que fosse e o primeiro a apresentar esta proposta. Creio, porém que se não a tivesse feito, por parte da opposição monarchica ou da maioria teria surgido a mesma idéa á qual todos nós de bom grado nos associariamos! (Apoiados.)
Assim, sr. presidente, nada mais direi, nada mais acrescentarei á minha proposta.
Acaba ella de ser apresentada á camara, e, confiado, espero que os oradores distinctissimos hão de associar-se-lhe com os accentos eloquentes da sua palavra commovida.
Um melindre, mesmo, que creio todos os membros d'esta casa comprehenderão, porque é um dever dictado pela posição especial que aqui occupo, me leva a não insistir mais n'este assumpto e a deixar apenas n'estas singelas palavras a saudosissima expressão da dôr que me vae n'alma!
Não concluirei, porém, sr. presidente, sem recordar um facto passado n'esta mesma casa ha annos, e que embora de significação diversa tem estreita afinidade com a moção que mandei para a mesa.
Em 1880, a camara dos deputados de Portugal, tendo tido conhecimento de que se achava na aguas do tejo a fragata Veja, de regresso da victoriosa travessia da «passagem do nordeste», inscreveu nas suas actas um voto de congrutulação, por tão ousado emprehendimento, mandando em seu nome comprimentar o audacioso marinheiro que, n'uma hora de boa fortuna, logrará encontrar a chave d'esse mysterioso caminho, debalde procurado desde Wilhem Barentz, por dez gerações de navegadores!
Honra seja á camara, que tal fez!
Portugal acabava n'esse dia de se associar ao jubilo do mundo inteiro, por tão importante descoberta.
Pois bem! srs. deputados, se então partilhámos as alegriasda civilisação, n'esse dia festivo, partilhemos hoje do seu lucto, porque Hugo, a mais completa e radiosa incarnação dos anceios e das esperanças do seculo XIX, morreu deixando nos orphãos.
Desde este momento não póde haver nem duvidas, nem divergencias, que seriam sombras indeleveis e impias ante