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SESSÃO DE 23 DE MAIO DE 1885 1751

a irradiação que já corôa de brilhante aureola o nome do poeta fallecido; mas irá consagrar-se por uma votação unanime a idéa que nos reune n'este momento a todos - de prestar culto e homenagem ao grande homem que já pertence á historia, e que será sempre na galeria dos genios da humanidade uma das maiores encarnações poeticas e artisticas da nossa raça! (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara resolve que se lance na acta um voto de sentimento pela morte de Victor Hugo. = Consiglieri Pedroso.

O sr. Antonio Candido: - Peço a palavra sobre esta proposta.
O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao sr. deputado sobre a proposta, sem ella ser admittida a discussão, e não ha numero na sala para se proceder á votação.
O sr. Antonio Candido: - Então peço a palavra para um negocio urgente.
O sr. Elvino de Brito: - Peço que se leia a inscripção.
O sr. Presidente: - Estão inscriptos: primeiro o sr. Elvino de Brito, depois o sr. Correia Barata por parte da commissão de inquerito ao imposto do sal, e depois o sr. Antonio Candido.
O sr. Elvino de Brito: - Cedo da palavra.
O sr. Presidente: - Então como não esta na sala o sr. Correia Barata, tem a palavra o sr. Antonio Candido.
0 sr. Antonio Candido: - Pedi a palavra sobre a ordem. A proposta, que tenho a honra de mandar para a mesa, e redigida nos seguintes termos:
«A camara resolve lançar na acta um voto de sentimento pela morte de Victor Hugo, e passa a ordem do dia.»
O illustre deputado republicano, o sr. Consiglieri Pedroso, precedeu-me n'esta homenagem á memoria do grande poeta, dizendo sentidas e eloquentes palavras sobre a morte do homem de mais extraordinarias faculdades, que produziu este seculo. (Apoiados.) Eu trazia no meu coração o lucto d'esta morte, e no meu espirito o pensamento de convidar a camara a que, de qualquer fórma, se associasse ao sentimento universal que os telegrammas de hontem causaram em todo o mundo! E vinha afoitamente com esta intenção, porque o nome de Victor Hugo nada tem que não seja sympathico, attrahente e glorioso. (Apoiados.)
A França, a ditosa patria d'aquelle grande espirito, começou já a render-lhe todas as homenagens do seu respeito e a sagrar-lhe todas as provas do seu amor. No senado e na camara dos deputados, onde estão representados todos os partidos, desde o clerical até ao socialista, mal se soube que Victor Hugo morrera, suspenderam-se immediatamente as sessões; e nem uma palavra de divergencia ou de protesto quebrou a votação das propostas apresentadas pelos respectivos presidentes. (Apoiados.)
Durante a doença, que desgraçadamente o levou, o grande poeta recebeu as maximas provas de consideração e condolencia de todos os homens mais considerados da França, independentemente das cores politicas que representavam e das escolas scientificas o que pertenciam.
Citarei os principes de Orleans; e, se presentisse hesitações em algum dos illustres deputados, poria em relevo o que houve de digno e levantado no procedimento de monsenhor Freppel, o austero e eloquente chefe da politica clerical, que foi, pessoalmente, informar-se todos os dias do estado do grande poeta...
O espirito humano está de lucto. (Muitos apoiados.) Victor Hugo era, com toda a certeza, a maior culminação espiritual da raça latina n'este seculo. (Apoiados.) Era verdadeiramente um genio, quero dizer, tinha a maior intelligencia que póde existir n'um cerebro e a maior bondade que pode mover-se n'um coração. (Muitos apoiados.)
Na montanha de luz, em que se levanta aquella figura immortal, ao lado de todos os attributos da sua immensa gloria litteraria, estarão sempre as provas vivas do seu coração, que foi tão genial como a sua cabeça. (Muitos apoiados.) O amor das crianças, a defeza da mulher, a protecção dos desvalidos, a convicção da justiça, o odio da tyrannia, a paixão e o culto da liberdade humana - terão sempre emblemas e symbolos no pedestal das suas estatuas! (Apoiados.)
Posto em qualquer dos grandes capitulos da historia, o nome de Victor Hugo iguala, se não excede, os maiores nomes... Na Grecia, teria produzido a immensa obra de Eschylo; em Roma, vibraria a satyra como Juvenal e teria, como Lucrecio, mettido n'um poema toda a encyclopedia do seu tempo; na idade media, seria visionario, sublime e creador como o Dante; é muito maior que Rabellais; e da raça de Shakspeare, mas tem, a seu favor, mais tres seculos de civilisação e de arte... (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Esta ainda sobre a terra o corpo do enorme poeta. E o momento das profundas impressões; não é ainda a hora de fazer a critica serena, alta e completa d'essa gloriosa existencia, que e a grande luz inescurecivel d'este seculo. E este seculo é o maior, porque é o ultimo!
Não deve ser sómente luctuosa e funebre a commemoração d'este acontecimento.
Lamentando que se extinguisse a vida preciosissima de Victor Hugo, devemos saudar o seu immenso espirito, levantado a immortalidade da gloria, fixado, para sempre, na suprema constellação dos genios.
Organisações, como a d'elle, em tudo são privilegiadas. Vivem, como não vivem as outras; e quando acabam, a impressão da sua morte participa da alegia triste e do hymno trimnphal (Muitos apoiados.)
A humanidade chora a morte de Victor Hugo.
Todos os povos trazem hoje o lucto e a saudade d'esta perda.
Tendo vivido da alma fecunda dos grandes poetas e dos grandes pensadores, que vêem desde Byron e Chateaubriand até Littré e victor Hugo, o seculo termina melancholicamente, e parece que ha em todos nós o presentimento de alguma cousa estranha, mysteriosa, que o futuro nos reserva... Diante do tumulo de Victor Hugo, este presentimento aggrava-se. É natural. Mas levantemo-nos do nosso abatimento, e pensemos que a humanidade é grande, que a justiça é um sentimento vivo, e que é uma honra e uma felicidade ser do tempo d'esse altissimo poeta, que até entre as sombras da sua morte e os fumos da nossa saudade tem uma irradiação soberba e fulgurante...
O lucto de todos os povos é insufficiente para envolver, n'este momento, toda a significação do seu nome; fica alguma cousa inaccessivel ás contingencias da vida terrenal; fica de pé, n'uma culminação incomparavel, a pyramide deslumbradora do seu genio, que se vê de todos os lados do pensamento! (Muitos apoiados.)
Peço a v. exa., sr. presidente, e peço a todos os illustres deputados, sem distinção de côr politica, que, pela solidariedade da nossa raça, em homenagem á justiça, para honra do nosso paiz e por amor do nosso tempo, votem, sem discussão, a proposta que eu tive a honra de apresentar. (Muito apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara resolve que na acta se consigne um voto de sentimento pela morte de Victor Hugo, e passa á ordem do dia. = Antonio Candido.