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SESSÃO DE 23 DE MAIO DE 1885

Presidencia do exmo. sr. Luiz Frederico de Bivar Gomes da Costa

Secretarios- os exmos. srs.:

Francisco Augusto Florido de Monta e Vasconcellos
Augusto Cesar Ferreira de Mesquita

SUMMARIO

Dá-se conta de um officio do ministerio da marinha, remettendo, em satisfção a um requerimento do sr. Luciano Cordeiro, copia authentica da consulta enviada ao governo pela commissão central de geographia, em dezembro de 1876, ácerca da expedição scientifica portugueza a Africa central. - Tem segunda leitura o projecto de lei do sr. Sant'Anna e Vasconcellos, apresentado na sessão antecedente.- O sr. Joaquim José Alves apresenta um projecto de lei, auctorisando o governo a despender a quantia de réis 6:000$000 para ser dividida pelos operarios das differentes classes do quadro do arsenal da marinha. - O sr. Santos Viegas pede á mesa que o informe ácerca do cumprimento de uma resolução que a camara tomara, approvando um requerimento do sr. Ferreira de Almeida, para se publicar o relatorio do superior da missão do Congo, e faz a este respeito algumas considerações. - Responde-lhe o sr. presidente e o sr. Luciano Cordeiro, explicando o que havia ácerca da publicação do referido relatorio. - O sr. Emygdio Navarro insta pela remessa dos documentos que pediu a respeito da reforma do general Placido de Abreu, pedindo ao sr. presidente que não pozesse em discussão o projecto, que já fora distribuido, e que se refere aquelle general, emquanto não viessem os documentos que pedira, e de que precisava. - O sr. presidente disse que se renovaria o pedido, e que pela sua parte evitaria que o projecto se discutisse antes de virem os documentos, mas que não podia obstar a qualquer resolução que a camara tomasse a este respeito. - A proposito de algumas considerações que o sr. Consiglieri Pedroso fez sobre a necessidade de vir a camara quanto antes o resultado da trabalhos da commssão de inquerito ao imposto do sal, o sr. Correia Barata, depois de historiar o que se tem feito para colher infirmações ácerca do imposto, pede que o dispensem de pertencer á mesma commissão, porque, sendo substituido, talvez a questão se resolvesse em menos tempo.- Sobre este assumpto trocam algumas explicações os srs. Mattoso e Azevedo Castello Branco. - O sr. Elvino de Brito, referindo-se a administração da camara municipal do Lisboa, procurou mostrar que ella era ruinosa para os interesses do municipio, contraria ao bom senso e em opposição a lei.- Referem--se com palavras sentidas á morte de Victor Hugo, e apresentam propostas para que se lance na acta um voto de sentimento, os srs. Consiglieri Pedroso e Antonio Candido. - Levantam-se duvidas por parte de alguns srs. deputados sobre se havia numero ou não na sala para se proceder a uma votação, outros sustentavam que havia, e este tumulto de opiniões obriga o sr. Presidente a interromper a sessão por meia hora. - Reaberta a sessão meia hora depois, foram as propostas dos srs. Consiglieri Pedroso e Antonio Candido declaradas urgentes.-Tomam parte n'este debate os srs. ministro do reino, apoiando o sentido das propostas, se não tinham significação politica, Arroyo, Consiglieri Pedroso, Antonio Candido e Azevedo Castello Branco.- Por ultimo, e opprovada por acclamação a proposta do sr. Antonio Candido (moção que concluia por se passar a ordem do dia), ficando prejudicada a do sr. Consiglieri Pedroso. - O sr. Francisco Beirão pergunta ao governo o que havia de exacto n'um telegramma de Paris, que tinha publicado um jornal de Lisboa, sobre terem-se levado a effeito dois emprestimos, sendo um para a camara municipal de Lisboa, e outro para as obras do porto da mesma cidade. - Responde o sr. ministro do reino, que não podia dar informações cabaes, e que julgava que nenhum contrato havia feito com o governo.
Na ordem do dia continua a interpellação do sr. E. J. Coelho ao sr. ministro do reino, ácerca dos actos violentes praticados pelo administrador do concelho de Chaves e sobre a dissolução da mesa da misericordia da mesma villa, em que tornam parte os srs. Eduardo José Coelho e ministro do reino.

Abertura - As duas horas e meia da tarde.

Presentes á chamada - 39 srs. deputados.

São os seguintes: - Agostinho Lucio, Alfredo Barjona de Freitas, A. J. da Fonseca, Moraes Machado, A. M. Pedroso, Santos Viegas, Ferreira de Mesquita, Ferreira Leite, Conde de Thomar, E. Coelho, Elvino de Brito, Emygdio Navarro, Sousa Pinto Basto, Correia Barata, Mouta e Vasconcellos, Francisco de Campos, Castro Mattoso, Guilherme de Abreu, João Arroyo, Teixeira de Vasconcellos, Ponces de Carvalho, J. J. Alves, Teixeira Sampaio, Amorim Novaes, Ferreira de Almeida, José Frederico, Oliveira Peixoto, Simões Dias, Luciano Cordeiro, Luiz de Lencastre, Bivar, Luiz Dias, Manuel d'Assumpção, Miguel Dantas, Miguel Tudella, Pedro Franco e Consiglieri Pedroso.

Entraram durante a sessão os srs.: - Adriano Cavalheiro, Moraes Carvalho, Garcia de Lima, Albino Montenegro, Sousa e Silva, Antonio Candido, Antonio Centeno, Garcia Lobo, A. J. D'Avila, Lopes Navarro, Pereira Borges, Cunha Bellem, Fontes Ganhado, Carrilho, Sousa Pavão, Almeida Pinheiro, Seguier, A. Hintze Ribeiro, Urbano de Castro, Augusto Barjona de Freitas, Augusto Poppe, Fuschini, Barão de Ramalho, Bernardino Machado, Sanches de Castro, Lobo d'Avila, Carlos Roma du Bocage, Ribeiro Cabral, Goes Pinto, E. Hintze Ribeiro, Estevão de Oliveira, Fernando Geraldes, Firmino Lopes, Francisco Beirão, Mártens Ferrão, Guilhermino de Barros, Sant'Anna e Vasconcellos, Silveira da Motta, Costa Pinto, J. C. Valente, Scarnichia, Franco Castello Branco, Souto Rodrigues, Ferrão de Castello Branco, J. Alves Matheus, Joaquim de Sequeira, Coelho de Carvalho, Simões Ferreira, Avellar Machado, Correia de Barros, Azevedo Castello Branco, José Borges, Elias Garcia, Laranjo, Lobo Lamare, Pereira dos Santos, Figueiredo Mascarenhas, José Luciano, Ferreira Freire, Reis Torgal, Correia de Oliveira, Manuel de Medeiros, M. J. Vieira, M. P. Guedes, Pinheiro Chagas, Marçal Pacheco, Santos Diniz, Dantas Baracho, Pereira Bastes, Tito de Carvalho, Vicente Pinheiro, Visconde de Alentem, Visconde de Ariz, Visconde das Laranjeiras e Visconde de Reguengos.

Não compareceram á sessão os srs.: - Adolpho Pimentel, Lopes Vieira, Agostinho Fevereiro, A. da Rocha Peixoto, Anselmo Braamcamp, Torres Carneiro, Silva Cardoso, Pereira Corte Real, Antonio Ennes, Jalles, Pinto de Magalhães, Neves Carneiro, Avelino Calixto, Barão de Viamonte, Caetano de Carvalho, Conde da Praia da Victoria, Conde de Villa Real, Cypriano Jardim, Filippe de Carvalho. Vieira das Neves, Wan-zeller, Frederico Arouca, Barros Gomes, Matos de Mendia, Baima de Bastos, Franco Frazão, J. A. Pinto, Augusto Teixeira, Melicio, Ribeiro dos Santos, Sousa Machado, J. A. Neves, Dias Ferreira, J. M. dos Santos, Pinto do Mascarenhas, Julio de Vilhena, Lopo Vaz, Lourenço Malheiro, Luiz Ferreira, Luiz Jardim, Luiz Osorio, M. da Rocha Peixoto, Aralla e Costa, Mariano de Carvalho, Martinho Montenegro, Guimarães Camões, Pedro de Carvalho, Pedro Correia, Gonçalves de Freitas, Pedro Roberto, Rodrigo Pequito, Sebastião Centeno, Visconde do Balsemão, Visconde do Rio Sado e Wenceslau de Lima.

Acta -Approvada.

EXPEDIENTE

Officio

Do ministerio da marinha, remettendo, em satisfação ao requerimento do sr. Luciano Cordeiro, copia authentica da consulta enviada ao governo pela commissão central de geographia em dezembro de 1870, ácerca da expedição scientifica portugueza á Africa central.
Á secretaria.

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1748 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Segundas leituras

Projecto de lei

Senhores. - A carta de lei de 26 de abril de 1882, no seu artigo 4.°, dá a graduação de aspirantes a guardas-marinhas, aos ajudantes machinistas da armada que se matricularem na escola naval, no sen respectivo curso; mas nada determina com relação a esses individuos quando acabam o curso.
Sendo esses alumnos aspirantes aguardas-marinhas, logo que se matriculam na escola naval, quando acabam os dois annos de curso, e recebem as suas cartas scientiticas de engenheiros machinistas theoricos e praticos, não podem nem devem, por forma alguma, voltar a ser ajudantes.
Não se devendo desconsiderar, nem os alumnos, nem a escola naval, quando reconhece para todos os effeitos esses alumnos como engenheiros machinistas navaes;
Não devendo os engenheiros machinistas, theoricos e habilitados pela escola naval, que e a unica subordinada ao ministerio da marinha, ser desconsiderados como veremos que até agora têem sido se os compararmos com os individuos que entram para a armada na qualidade de aspirantes a officiaes de fazenda, a quem se da a patente de guardas-marinhas, e com os pharimcenticos, a quem se dá a entrada a graduação de segundos tenentes:
Proponho o seguinte projecto de lei:
Artigo 1.º Os ajudantes machinistas da armada, que em virtude da lei de 26 de abril de 1882 têem a graduação de aspirantes a guardas-marinhas, assim que acabarem os dois annos do curso na escola naval e obtiverem a sua carta de engenheiros machinistas theoricos e praticos, serão desde logo graduados em terceiros engenheiros machinistas, com a patente de guardas-marinhas e vencimento annual de 300$000 reis.
Art. 2.° As vantagens que de futuro se derem na classe dos terceiros engenheiros machinistas effectivos da armada serão preenchidas: dois terços pelos terceiros engenheiros graduados (theoricos), e um terço pelos ajudantes praticos.
Art. 3.° Fica revogada a legislação em contrario. = O deputado, Henrique Sant'Anna Vasconcellos.
Enviado a commissão de marinha, ouvida a de fazenda.

REPRESENTAÇÕES

1.° Dos proprietaries, negociantes, armadores de navios e constructores de predios urbanos, contra o projecto de lei do sr. Barbosa Centeno, que tem por fim elevar o direito da telha franceza.
Apresentada pelo sr. deputado A. Carrilho e enviada á commissão de fazenda.

2.° Dos fabricantes de pós de gomma na cidade de Lisboa, pedindo para ser deferida a representação que fizeram a camara, em Janeiro de 1883, com o fim de obter protecção para a sua industria.
Apresentada pelo sr. deputado A. Carrilho e enviada á commissão de fazenda.

REQUERIMENTOS DE INTERESSE PUBLICO

1.° Requeiro que, pelo ministerio do reino, sejam enviados a esta camara, com a maior urgencia, os seguintes esclarecimentos:
Numero e especie de estabelecimentos municipaes de beneficencia, instrucção e educação criados pela camara municipal de Lisboa, nos ultimos dez annos da sua gerencia.
Numero e especie de estabelecimentos de beneficencia, educação e instrucção, que não estando a cargo da sua administração, são comtudo, por serem considerados de utilidade do municipio por ella subsidiados. Desde quando e como o são.
Numero e extensão das estradas construidas, em construção e estudadas; e despeza orçada e effectuada em cada um dos annos do referido periodo de tempo.
Qual a verba despendida com a reparação e conservação das estradas concelhias em cada um dos annos do ultimo decenio.
Numero de partidos creados para facultativos, boticarios, parteiras e veterinarios no referido decenio, e dos que actualmente existem. Encargos effectivos resultantes no ultimo anno civil.
Numero dos empregados da administração municipal, que actualmente vencem pelo cofre do municipio. Natureza do serviço que desempenham e vencimentos ou outras quaesquer remunerações que lhes são abonadas, devendo-se especificar, em separado, a natureza dos serviços incumbidos ao pessoal dependente da repartição technica, desde o engenheiro ate ao empregado da menor hierarchia, com a designação do ordenado mensal e das gratificações que percebem.
Nota dos empregados municipaes, incluindo os chamados technicos, que receberam gratiticações extraordinarias no ultimo anno civil, e a quanto montaram as gratificações abonadas a cada um d'elles. = Elvino de Brito.

2.° Requeiro, por parte da commissão de fazenda, que se inste pela informação pedida ao governo sobre o projecto de lei n.° 31-D, ao sr. deputado Franco Castello Branco, concedendo a misericordia de Aviz parte do convento de S. Bento, n'aquella villa. O pedido tinha sido feito em 28 de abril ultimo. =A Carrilho; secretario.
Mandaram-se imprimir.

JUSTIFICAÇÕES DE FALTAS

1.ª Declaro que faltei a algumas sessões por motivo justificado. = O deputado, Augusto Barjona.

2.ª Declaro que tenho deixado de comparecer a algumas sessões por motive justificado. = O deputado, Santos Diniz.
Para a acta.

O sr. J. J. Alves: - Mando para a mesa um projecto de lei, cuja intenção e melhorar os salarios dos operarios do quadro do arsenal de marinha, projecto que pego licença para ler.
(Leu.)
Abstenho-me, sr. presidente, de fazer mais considerações sobre este projecto, porque o assumpto a que se refere e trio justo, que não duvido de acreditar que tanto as commissões como o governo hão de dispensar-lhe todo o seu valimento.
E n'esta supposição eu pego a v. exa. se digne dar-lhe o destino competente.
O sr. Santos Viegas: -Desejava que v. exa. tivesse a bondade de me informal- sobre o que ha a respeito do cumprimento de uma resolução tomada pela camara ácerca do requerimento feito pelo nosso collega, o sr. Ferreira de Almeida, a que eu me associei, cujo objecto se referia á publicação do relatorio do superior da missão do Congo, o reverendo padre Barroso, enviado ao ministerio da marinha e ultramar.
O sr. Presidente: - Parece-me que foi publicado esse relatorio, mas vou mandar saber d secretaria informações mais circumstanciadas.
O Orador: -Agradeço a explicação que v. exa. acaba de me dar.
Eu sei que foi essa effectivamente a resposta que veiu do ministerio da marinha, e julgo extraordinario que tal resposta se tivesse dado.

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Diz-se n'essa resposta que esse relatorio estava publicado nos boletins da sociedade de geographia.
Parece-me que isso não tem nada que ver com a resolução tomada pela camara. (Apoiados.)
Nós resolvemos que fosse publicado o relatorio e distribuido profusamente pela camara e outras pessoas que sejam n'este assumpto interessadas.
Parece-me que o ministerio da marinha respondendo que esse relatorio tinha sido publicado nos annaes da sociedade de geographia ou ha via de ir pedir á sociedade de geographia que enviasse o numero de exemplares necessarios para serem distribuidos pelos differentes membros da camara, ou então mandal o publicar no Diario da camara ou no Diario do governo ou em folheto, como a camara tinha resolvido.
Portanto não posso acceitar a resposta que me foi enviada e contra ella reclamo.
Desejava por isso, que v. exa. se dignasse providenciar no sentido de ser publicado o mesmo relatorio no Diario do governo ou no Diario das sessões ou em folheto separado. O que desejo e que se cumpra a deliberação da camara, e do ministerio se não responda com evasivas, porque esta camara não tem parentesco ou afinidade alguma com a sociedade de geographia de Lisboa.
Resolveu a camara que o relatorio fosse publicado, nada ha que oppor. Insurjo-me contra a resposta, porque me parece attentatoria das deliberações d'esta assembléa.
O sr. Presidente: - Como se não declarára para o ministerio da marinha os motivos por que a camara resolvera a publicação do relatorio, talvez se entendesse lá, que não era para ser distribuido pelos srs. deputados.
Comtudo a mesa vae informar-se mais circumstanciadamente e providenciará de modo a satisfazer os desejos do sr. deputado.
O Orador: - Agradeço a v. exa. a explicação do procedimento havido, e espero que dará as suas ordens no sentido que indico. O que peço tambem a v. exa. e que se interprete e declare bem, qual o pensamento da camara, ou o do sr. Ferreira de Almeida, a que me associei na occasião em que apresentou esse requerimento.
Que a sociedade de geographia publicou esse relatorio e um facto, mas o que queriam?
Que a sociedade de geographia enviasse um exemplar para esta camara para ser publicado? Ainda que fosse este o desejo da camara, não foi elle cumprido.
A resposta, portanto, do ministerio da marinha parece-me uma evasiva que não tem rasão de ser, alem d'isso ha uma circumstancia que eu apresento como para robustecer o meu pedido. Pedia a v. exa. a bondade de attentar bem sobre a rasão que me parece de superior peso para justificar o meu pedido, não direi, mas para classificar o procedimento do ministerio da marinha.
O relatorio do sr. juiz Pinto, acha-se publicado por conta do estado. E um documento importante, mas não é de menor valia e merecimento aquelle a que me refiro. É justo que o paiz o conheça, que avalie este trabalho, e que se de consideração publica a quem grandes sacrificios e incommodos soffre para honrar o paiz, que n'elle confiou enviando-o para uma missão, que tantos serviços presta á civilisação.
O sr. Luciano Cordeiro: - Se v. exa. me dá licença, eu dou-lhe uma explicação.
A sociedade de geographia não publicou o relatorio d'esse sr. Pinto, relatorio contidencial que nunca lhe foi communicado, nem tinha de ser.
A sociedade de geographia publicou os relatorios que o benemerito superior da missão portugueza de S. Salvador do Congo, pelo desenvolvimento da qual a sociedade só tem sempre empenhado, lhe enviou, directameute.
Não foi por intermedio do governo; o relatorio do sr. padre Barroso e o de outro sacerdote, que o acompanha, foram já publicados, como disse, no Boletim da sociedade, e acabámos de publicar tambem o mappa que acompanhou esses relatorios, indispensavel para a boa comprehensão d'elles.
Consta-me que o relatorio enviado ao governo pelo sr. padre Barroso, e precisamente o mesmo, mas nem nos, realmente, temos nada com a resolução da camara, que não se referia a sociedade nem a secretaria do ultramar pertence iniciativa alguma na publicação d'este relatorio.
A secretaria podia mandar o relatorio á socidade de geographia para esta o publicar, em virtude do contrato que tem com o governo, nem isso se deu, e o documento, a que com tanta rasão e justiça s. exa. se referiu, e que e um documento interessante, estaria hoje, como outros igualmente importantes, sepultado nos archivos do ministerio da marinha, se a sociedade o não tivesse publicado.
Não objectou aquelle ministerio a publicidade pedida para o relatorio perfeitamente confidencial de um juiz de direito que foi mandado proceder a quaesquer operações, que me abstenho de commentar, nas feitorias do Zaire. Com bem mais rasão devêra adherir agora aos desejos da camara, em relação ás communicações verdadeiramente importantes e sérias do benemerito padre Barroso.
O Orador: - Muito bem, em todo o caso, agradeço as explicações que me deu o illustre deputado o sr. Luciano Cordeiro, e presto ainda a minha homenagem de respeito e admiração pelo trabalho da sociedade de geographia, e pelo empenho, que ella tem em tomar bem conhecidos os relatorios que se referem a assumptos do ultramar.
Mas este facto mais me leva a rogar a v. exa. que por todos os meios ao seu alcance, faça sentir ao ministerio da marinha, que a publicação do relatorio a que alludo e a que alludiu, o sr. Ferreira do Almeida, publicado nos boletins da sociedade de geographia, nada tem que ver com a deliberação tomada pela camara.
Apesar da sociedade de geographia, se incumbir de publicar aquelle relatorio, peço á camara e a v. exa. que o mandem publicar em folheto, ou no Diario das sessões, o que julgo de mais valor por ser lido por todos a quem interessam estes assumptos.
N'este sentido, insisto com v. exa. para que inste com o ministerio da marinha, a fim de que seja cumprido o que esta camara resolveu.
A resposta por elle dada não me satisfaz, como já disse, e não me satisfaz pelas rasões allegadas, e outras direi, se elle for, permitta-se-me a phrase, ainda perguiçoso, em não obdecer ás exigencias, que v. exa. com a auctoridade, de que está revestido n'esta casa, lhe fizer em cumprimento do que por esta camara foi resolvido.
Fico por aqui, pois que me não e agradavel pôr bem em relevo a falta de consideração pelos pedidos feitos a este ministerio por um qualquer deputado, que no exercicio de um direito e em beneficio do paiz lhe são dirigidos, especialmente quando esses requerimentos são apoiados e tornados em alta consideração pela camara.
O sr. Emygdio Navarro: - Pedi a palavra a v. exa. para que me informasse se já vieram os documentos que pedi pelo ministerio da guerra e que dizem respeito a reforma do general Placido de Abreu.
Hontem foi aqui distribuido o parecer impresso sobre o projecto de lei para que este militar seja readmittido ao serviço activo.
Como precise d'estes documentos para entrar na discussão d'este projecto, eu pedia a v. exa., se elles ainda não vieram, para instar pela sua remessa, visto que elles podem ser copiados facilmente, e ao mesmo tempo que não ponha o projecto em discussão, emquanto elles não forem remettidos.
O sr. Secretario: - O officio pedindo os documentos a que s. exa. se refere foi expedido em 15 do corrente e ainda não teve resposta.
O sr. Presidents: - Vae ser renovado o pedido.
O Orador: - Posso contar que v. exa. não porá o pro-

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jecto em discussão, sem que os documentos sejam enviados á camara?
O sr. Presidente: - O projecto está dado para ordem do dia e eu não posso, pela minha parte, evitar que elle seja discutido, emquanto não chegarem os documentos pedidos pelo ministerio da guerra.
Só posso evitar que elle se discuta, se a camara consentir no seu adiamento.
O Orador: - A camara tem tanta deferencia para com v. exa., que basta v. exa. mostrar o desejo de que elle não se discuta, para a camara annuir.
O sr. Mattoso Côrte Real: - Desejava chamar a attenção do sr. Carrilho, como relator da commissão de fazenda, sobre um projecto de lei que aqui foi distribuido.
Como s. exa. não está presente eu peço a v. exa. me reserve o use da palavra.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, peço a v. exa. me reserve a palavra para quando estiver presente o sr. ministro da fazenda, a quem desejo interrogar sobre um facto, de que não tratarei n'este minutos, por tencionar occupar durante alguns momentos a attenção dos meus collegas em assumpto infelizmente bem diverso!
Terá de certo advinhado já a camara o motive das palavras que vou proferir, em presença da noticia que o telegrapho, com o seu impiedoso laconismo, acaba de transmittir-nos.
Morreu Victor Hugo! Quer dizer, transpoz os humbraes da mais radiosa immortalidade que em tempo algum tem coroado um genio, esse homem assombroso, esse gigante, alvo durante sessenta annos da admiração do mundo inteiro!
Morreu Victor Hugo! Quer dizer, emmudeceu para sempre a mais inspirada lyra, que n'uma lingua romanica tem desferido os seus cantos!
Morreu Victor Hugo! Quer dizer, calou-se alfim essa voz, que ha meio seculo pleiteava com a sua poderosa eloquencia a causa de todos os opprimidos contra o arbitrio de todos os oppressores!
Morreu Victor Hugo, senhores deputados, e póde sem receio affirmar-se que o mundo civilisado está de lucto e pranteia em commovedora confraternidade tão enorme perda! E é justa a dôr universal, que n'este momento se levanta, como um côro sentido e palngente ante o athaude, que encerra os restos mortaes do poeta da humanidade. São os funeraes do genio!
Que homenagem mais digna, com effeito para quem tão nobres lagrimas derramou sobre as desditas e a miseria da nossa sociedade, do que estas lagrimas expontaneas que de toda a parte lhe vêem humedecer a lousa do sepulchro?!
Interpretando, pois, o pensamento de todos os meus collegas e para que o parlamento portuguez não deixe de consignar n'esta hora solemne a expressão da sua respeitosa saudade pelo grande morto, mando para a mesa a seguinte moção:
«A camara resolve que se lance na acta um voto de sentimento pela morte de Victor Hugo. = Consiglieri pedroso.»
peço licença a v. exa. e á camara para ainda proferir em defeza da minha moção algumas brevissimas palavras, cujo alcance e cuja intenção não podem nem devem ser feridos pela posição do deputado que as pronuncia, mas que traduzem, creio eu, o sentimento unanime d'esta assembléa, que na presente occasião ha de saber collocar-se acima de todas as paixões partidarias, acima de toda e qualquer idéa que não seja a de, sem pensamento reservado, render o culto que se deve prestar a quem ascendeu pela sua gigante estatura a essa esphera altissima, em que se transpõe de vez todas as fronteiras nacionaes para se pertencer unicamente a humanidade! (Apoiados.)
Associem-se, pois, os representantes da nação portugueza, á derradeira homenagem prestada ao grande vulto literario, a um dos philosophos mais eminentes, a um dos corações mais generosos e esmaltado das mais brilhantes qualidades que tem adornado um filho da raça latina! (Apoiados.) d'esta nobilissima raça a que nós pertencemos e da qual a generosa França é a mãe espiritual!
N'outro qualquer logar, sr. presidente, poderia eu prestar uma differente homenagem, e com diverso sentido, ao gigante que acaba de sumir-se nas trevas da morte, deixando em redor de nós um enorme vacuo; mas no parlamento portuguez é unicamente ao apostolo das idéas grandes, nobres e generosas; ao intemerato defensor dos direitos dos povos pequenos e fracos, e das nacionalidades escravisadas e opprimidas que eu envio o ultimo e sentido adeus!
É ao cantor da jovem Grecia emancipada, d'essa Grecia heroica de Canaris e de Botzaris; é ao poeta que tantas vezes nos seus cantos evocou a nacionalidade polaca, esmagada pelo despotismo russo; a nacionalidade Servia opprimida pela barbarie turca; e a nacionalidade irlandeza absorvida e maltratada pelo egoismo saxão; que eu dirijo estas palavras de lucto, que hão de tambem dispertar um echo sympathico entre os representantes de uma nação pequena, que não tem poderosos exercitos nem formidaveis esquadras para fazer valer o seu direito, e que por isso mesmo maior gratidão deve áquelle que durante os dias gloriosos de uma larga existencia fez de cada estrophe dos seus immortaes poemas um escudo, contra o qual mais de uma vez veiu quebrar-se impotente o brutal direito da força!
O voto que eu proponho não irá, pois, ferir quaesquer susceptibilidades por muito miticulosas que ellas sejam. Pelo contrario só encontrará n'esta camara a mais completa adhesão e a mais perfeita concordancia! (Apoiados.)
O acso da inscripção permittiu que fosse e o primeiro a apresentar esta proposta. Creio, porém que se não a tivesse feito, por parte da opposição monarchica ou da maioria teria surgido a mesma idéa á qual todos nós de bom grado nos associariamos! (Apoiados.)
Assim, sr. presidente, nada mais direi, nada mais acrescentarei á minha proposta.
Acaba ella de ser apresentada á camara, e, confiado, espero que os oradores distinctissimos hão de associar-se-lhe com os accentos eloquentes da sua palavra commovida.
Um melindre, mesmo, que creio todos os membros d'esta casa comprehenderão, porque é um dever dictado pela posição especial que aqui occupo, me leva a não insistir mais n'este assumpto e a deixar apenas n'estas singelas palavras a saudosissima expressão da dôr que me vae n'alma!
Não concluirei, porém, sr. presidente, sem recordar um facto passado n'esta mesma casa ha annos, e que embora de significação diversa tem estreita afinidade com a moção que mandei para a mesa.
Em 1880, a camara dos deputados de Portugal, tendo tido conhecimento de que se achava na aguas do tejo a fragata Veja, de regresso da victoriosa travessia da «passagem do nordeste», inscreveu nas suas actas um voto de congrutulação, por tão ousado emprehendimento, mandando em seu nome comprimentar o audacioso marinheiro que, n'uma hora de boa fortuna, logrará encontrar a chave d'esse mysterioso caminho, debalde procurado desde Wilhem Barentz, por dez gerações de navegadores!
Honra seja á camara, que tal fez!
Portugal acabava n'esse dia de se associar ao jubilo do mundo inteiro, por tão importante descoberta.
Pois bem! srs. deputados, se então partilhámos as alegriasda civilisação, n'esse dia festivo, partilhemos hoje do seu lucto, porque Hugo, a mais completa e radiosa incarnação dos anceios e das esperanças do seculo XIX, morreu deixando nos orphãos.
Desde este momento não póde haver nem duvidas, nem divergencias, que seriam sombras indeleveis e impias ante

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a irradiação que já corôa de brilhante aureola o nome do poeta fallecido; mas irá consagrar-se por uma votação unanime a idéa que nos reune n'este momento a todos - de prestar culto e homenagem ao grande homem que já pertence á historia, e que será sempre na galeria dos genios da humanidade uma das maiores encarnações poeticas e artisticas da nossa raça! (Apoiados.)
Tenho dito.
Vozes: - Muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara resolve que se lance na acta um voto de sentimento pela morte de Victor Hugo. = Consiglieri Pedroso.

O sr. Antonio Candido: - Peço a palavra sobre esta proposta.
O sr. Presidente: - Não posso dar a palavra ao sr. deputado sobre a proposta, sem ella ser admittida a discussão, e não ha numero na sala para se proceder á votação.
O sr. Antonio Candido: - Então peço a palavra para um negocio urgente.
O sr. Elvino de Brito: - Peço que se leia a inscripção.
O sr. Presidente: - Estão inscriptos: primeiro o sr. Elvino de Brito, depois o sr. Correia Barata por parte da commissão de inquerito ao imposto do sal, e depois o sr. Antonio Candido.
O sr. Elvino de Brito: - Cedo da palavra.
O sr. Presidente: - Então como não esta na sala o sr. Correia Barata, tem a palavra o sr. Antonio Candido.
0 sr. Antonio Candido: - Pedi a palavra sobre a ordem. A proposta, que tenho a honra de mandar para a mesa, e redigida nos seguintes termos:
«A camara resolve lançar na acta um voto de sentimento pela morte de Victor Hugo, e passa a ordem do dia.»
O illustre deputado republicano, o sr. Consiglieri Pedroso, precedeu-me n'esta homenagem á memoria do grande poeta, dizendo sentidas e eloquentes palavras sobre a morte do homem de mais extraordinarias faculdades, que produziu este seculo. (Apoiados.) Eu trazia no meu coração o lucto d'esta morte, e no meu espirito o pensamento de convidar a camara a que, de qualquer fórma, se associasse ao sentimento universal que os telegrammas de hontem causaram em todo o mundo! E vinha afoitamente com esta intenção, porque o nome de Victor Hugo nada tem que não seja sympathico, attrahente e glorioso. (Apoiados.)
A França, a ditosa patria d'aquelle grande espirito, começou já a render-lhe todas as homenagens do seu respeito e a sagrar-lhe todas as provas do seu amor. No senado e na camara dos deputados, onde estão representados todos os partidos, desde o clerical até ao socialista, mal se soube que Victor Hugo morrera, suspenderam-se immediatamente as sessões; e nem uma palavra de divergencia ou de protesto quebrou a votação das propostas apresentadas pelos respectivos presidentes. (Apoiados.)
Durante a doença, que desgraçadamente o levou, o grande poeta recebeu as maximas provas de consideração e condolencia de todos os homens mais considerados da França, independentemente das cores politicas que representavam e das escolas scientificas o que pertenciam.
Citarei os principes de Orleans; e, se presentisse hesitações em algum dos illustres deputados, poria em relevo o que houve de digno e levantado no procedimento de monsenhor Freppel, o austero e eloquente chefe da politica clerical, que foi, pessoalmente, informar-se todos os dias do estado do grande poeta...
O espirito humano está de lucto. (Muitos apoiados.) Victor Hugo era, com toda a certeza, a maior culminação espiritual da raça latina n'este seculo. (Apoiados.) Era verdadeiramente um genio, quero dizer, tinha a maior intelligencia que póde existir n'um cerebro e a maior bondade que pode mover-se n'um coração. (Muitos apoiados.)
Na montanha de luz, em que se levanta aquella figura immortal, ao lado de todos os attributos da sua immensa gloria litteraria, estarão sempre as provas vivas do seu coração, que foi tão genial como a sua cabeça. (Muitos apoiados.) O amor das crianças, a defeza da mulher, a protecção dos desvalidos, a convicção da justiça, o odio da tyrannia, a paixão e o culto da liberdade humana - terão sempre emblemas e symbolos no pedestal das suas estatuas! (Apoiados.)
Posto em qualquer dos grandes capitulos da historia, o nome de Victor Hugo iguala, se não excede, os maiores nomes... Na Grecia, teria produzido a immensa obra de Eschylo; em Roma, vibraria a satyra como Juvenal e teria, como Lucrecio, mettido n'um poema toda a encyclopedia do seu tempo; na idade media, seria visionario, sublime e creador como o Dante; é muito maior que Rabellais; e da raça de Shakspeare, mas tem, a seu favor, mais tres seculos de civilisação e de arte... (Muitos apoiados. - Vozes: - Muito bem.)
Esta ainda sobre a terra o corpo do enorme poeta. E o momento das profundas impressões; não é ainda a hora de fazer a critica serena, alta e completa d'essa gloriosa existencia, que e a grande luz inescurecivel d'este seculo. E este seculo é o maior, porque é o ultimo!
Não deve ser sómente luctuosa e funebre a commemoração d'este acontecimento.
Lamentando que se extinguisse a vida preciosissima de Victor Hugo, devemos saudar o seu immenso espirito, levantado a immortalidade da gloria, fixado, para sempre, na suprema constellação dos genios.
Organisações, como a d'elle, em tudo são privilegiadas. Vivem, como não vivem as outras; e quando acabam, a impressão da sua morte participa da alegia triste e do hymno trimnphal (Muitos apoiados.)
A humanidade chora a morte de Victor Hugo.
Todos os povos trazem hoje o lucto e a saudade d'esta perda.
Tendo vivido da alma fecunda dos grandes poetas e dos grandes pensadores, que vêem desde Byron e Chateaubriand até Littré e victor Hugo, o seculo termina melancholicamente, e parece que ha em todos nós o presentimento de alguma cousa estranha, mysteriosa, que o futuro nos reserva... Diante do tumulo de Victor Hugo, este presentimento aggrava-se. É natural. Mas levantemo-nos do nosso abatimento, e pensemos que a humanidade é grande, que a justiça é um sentimento vivo, e que é uma honra e uma felicidade ser do tempo d'esse altissimo poeta, que até entre as sombras da sua morte e os fumos da nossa saudade tem uma irradiação soberba e fulgurante...
O lucto de todos os povos é insufficiente para envolver, n'este momento, toda a significação do seu nome; fica alguma cousa inaccessivel ás contingencias da vida terrenal; fica de pé, n'uma culminação incomparavel, a pyramide deslumbradora do seu genio, que se vê de todos os lados do pensamento! (Muitos apoiados.)
Peço a v. exa., sr. presidente, e peço a todos os illustres deputados, sem distinção de côr politica, que, pela solidariedade da nossa raça, em homenagem á justiça, para honra do nosso paiz e por amor do nosso tempo, votem, sem discussão, a proposta que eu tive a honra de apresentar. (Muito apoiados.)
Vozes: - Muito bem, muito bem.
Leu-se na mesa a seguinte

Proposta

A camara resolve que na acta se consigne um voto de sentimento pela morte de Victor Hugo, e passa á ordem do dia. = Antonio Candido.

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1752 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

O sr. Presidente: - Acontece o mesmo que se deu com a proposta identica apresentada pelo sr. Consiglieri Pedroso, não ha numero na sala para qualquer deliberação, e por isso vou dar a palavra ao sr. Correia Barata.
O sr. Correia Barata: - Pedi a palavra, por parte da commissão de inquerito do sal, para fazer algumas observações em resposta ao sr. Consiglieri Pedroso, não porque s. exa. me chamasse a dar explicações a respeito do assumpto, pois parece que ao sr. Carrilho compete esse encargo, mas per ser chegado o momento em que entendo dever fallar.
Têem sido tantas as accusações feitas á commissão de inquerito do sal, têem se posto em duvida tantas vezes, ou tem-se dado a entender isso, que aquella commissão não se tem occupado, como devia, do importante assumpto que esta sujeito ao seu exame, que eu não podia deixar de pedir a palavra para restabelecer a verdade dos factos.
Tenho fugido systematicamente de dar explicações a este respeito, porque não gosto de gastar tempo sem proveito, mas vejo me collocado hoje na obrigação de dizer o que ha de verdade quanto ao modo como a commissão do sal se tem desempenhado do seu encargo.
Parece-me que a camara não ignora que a grande commissão de inquerito do sal se dvidiu em duas secções ou sub-commissões, sendo a primeira incumbida de proceder a colleccionação de todos os dados estatisticos que nas repartições officiaes, tanto da capital como das provincias, se podessem obter a esse respeito, e a segunda foi encarregada de proceder a inqueritos directos e indirectos, a fim de avaliar como foram affectadas pelo imposto as industrias que empregam o sal.
A primeira commissão nomeou para presidente o illustre e talentoso deputado sr. Barros Gomes, e eu acceitei a honra de ser nomeado presidente da segunda.
Os trabalhos da segunda sub-commissão, d'esde que ella se constituiu, continuaram incessantemente.
Logo que foi organisado por uma commissão especial de tres membros o questionario para o inquerito, resolveu reunir-se ás terças, quintas e sabbados para receber as declarações verbaes que os interessados quizessem fazer perante ella.
No meado de março esta sub-commissão, não querendo protelar o inquerito indefinidamente, e sendo precise pôr um termo a este trabalho, officiou a todos os governadores civis dos districtos do reino e ilhas adjacentes, aos quaes fizera logo a principio enviar exemplares do dito questionario, para que enviassem a dita sub-commissão todas as informações que lhes tivessem sido fornecidas, ou tivessem sido obtidas pelas auctoridades suas delegadas, em resposta ao questionario elaborado pela commissão especial.
De então para cá têem chegado quasi todos os dias documentos de diversos districtos, uns officiaes e outros de origem particular.
Todos esses documentos foram mandados imprimir, porque era impossivel que, tendo os membros da segunda sub-commissão de dar parecer sobre uma massa tão importante de materiaes, andassem os originaes de mão para mão, o que levaria muito tempo. Foram por consequencia para a imprensa nacional, estão já impressos mais de cincoenta grandes documentos, e continua a impressão dos restantes, que já attinge o numero de mais de setenta, constituindo os já impressos um forte volume.
É d'este conjuncto de informações que um empregado requisitado pela camara está extractando o que ha de importante e positivo, para sobre este trabalho se poder concluir o que haja de verdade na questão que se estuda.
Sei que tanto na imprensa como no parlamento se tem feito d'isto questão politica.
Tem-se insistido constantemente em que a commissão, de mãos dadas com o governo, e não sei se eu tambem com cousa alguma.
Não quero declarar a v. exa. que estas suspeitas apenas têem o valor das pessoas que as fazem correr, nem tão pouco que são apresentadas para magoar-me, porque até aqui tenho estado calado.
Estas informações não podem ser desconhecidas, visto que não é um negocio que se passe só no seio das commissões, nem um negocio secreto, e por consequencia não pode ser absolutamente ignorado.
Em todo o caso, a obrigação da imprensa periodica, que se tem queixado, era informar se, e não publicar artigos attentatorios da dignidade da camara e dos membros da commissão, que tem de fazer trabalho longo e meticuloso, de sua natureza demorado, e que se não pode fazer por isso com precipitação, para se poder dar uma opinião sensata sobre a materia.
A commissão vê-se na situação de ser aggredida diariamente, pondo-se em duvida a inteireza das suas intenções, emquanto pacientemente e sem ruido prepara os seus trabalhos.
Tenho pena de não ter aqui todos os documentos, mas mandei-os buscar a minha casa, porque não ha exemplares na secretaria, e ficarão sobre a mesa para serem observados por todos os srs. deputados que o queiram fazer.
Aproveito a occasião para dizer que me levanto hoje, por esta unica vez, a fim do responder ás arguições que se têem feito. As accusações da imprensa periodica respon-de-se na imprenaa; já o fiz por mais de uma vez; e ás que se fazem no parlamento responde-se no parlamento. Mas faço-o por esta só vez.
Eu vou mandar todos os documentos para a mesa, e pego á camara que nomeie para esta commissão pessoa mais competente do que eu, dignando-se acceitar a minha exoneração de tal encargo.
Sendo eu substituido n'este logar, é possivel que dentro de muito pouco tempo os trabalhos estejam concluidos, e satisfeitos os desejos dos reclamantes e do paiz.
Nomeie, pois, a camara, pessoa que me substitua, o que e bem facil, porque d'esta maneira resolvera uma questão que parece estar paralysada por minha culpa.
Resolvido a não continuar a fazer parte d'esta commissão, renuncio á gloria de ser discutido no parlamento e na imprensa, embora indirectamente, porque é tão grande esta gloria que não pode com ella a minha humildade. N'estas condições entendo que presto um serviço enorme ao paiz, entregando a mãos mais habeis a direcção dos trabalhos da segunda sub-commissão.
Deixarão assim de fazer se insinuações mais ou menos directas a boa fé, ao caracter dos deputados da nação, suppondo-os de coniventes em quaesquer combinações a fim de não cumprirem com os seus deveres. Se taes insinuação significam que ha n'esta camara um deputado que esquece ou ignora a tal ponto a natureza das suas responsabilidades, ou comprehende tão mal a sua missão, que é capaz de entrar em combinações, seja com quem for, a fim de não cumprir as suas impreteriveis obrigações, eu declaro que as repillo energicamente.
É uma dupla satisfacão para mim n'este momento, ficar alliviado de um trabalho realmente pesado, e ter a convicção de que presto um serviço ao meu paiz.
Ao principio havia quem pensasse que um mez ou mez e meio bastariam para se concluirem os trabalhos d'esta commissão. Os factos vieram provar o contrario, e já mudaram de opinião algumas pessoas que mais se interessavam em que o governo fosse habilitado convenientemente para tomar alguma resolução a este respeito.
Uma questão economica é sempre grave, delicada e difficil; não se resolve precipitadamente.
Creio que a camara dará rasão ás minhas palavras e aos meus desejos.

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SESSÃO DE 23 DE MAIO DE 1885 1753

Logo que cheguem os documentos os mandarei para a mesa.
Tenho dito.
O sr. Elvino de Brito: - Referiu-se á administração da camara municipal de Lisboa, classificando-a de ruinosa para os interesses do municipio, contraria ao bom senso e em flagrante e persistente opposição á lei e aos bons principios da sciencia administrativa.
Sentia não ver presente o sr. ministro do reino, porque desejava desde logo, embora sem as formalidades de uma interpellação antecipadamente annunciada, referir a camara a serie de irregularidades e abusos, que dia a dia mais compromettem e desprestigiam a administração do primeiro municipio do reino. Reservava-se para em outra occasião, e quando o governo estive-se convenientemente representado, trazer á téla do debate muitos factos que se relacionam com a gerencia do municipio de Lisboa, e analysar detida e resolutamente os actos que nos ultimos annos têem sido praticados pela respectiva vereação, e que elle (orador) reputava contraries aos legitimos interesses dos municipes e a moralidade publica.
Tinha assistido com verdadeira mágua á impensada direcção que o municipio de Lisboa tem imprimido aos mais vitaes negocios sujeitos á sua administração, e não lhe soffria o animo o calar-se, hoje que tinha voz no seio da representação nacional, diante dos despropositos da gerencia da camara municipal de Lisboa.
Folgava de peder declarar á camara e ao paiz que se impoz a si o dever de se occupar largamente d'aquella gerencia, que andava divorciada das mais rudimentares regras da administração e quasi entregue aos caprichos da vereação.
Um só exemplo apresentava desde já para corroborar o que tinha affirmado.
Pelo codigo administrative, artigo 130.°, a camara municipal era obrigada todos os annos a discutir e approval o seu orçamento ordinario, expol-o em seguida ao publico por dez dias e remettel-o á junta geral do districto até ao 1.° de novembro de cada anno.
A despeito, porém, d'esta disposição, clara e espressa da lei, podia affirmar ao parlamento que a camara municipal de Lisboa não tem ultimamente cumprido aquelle preceito, em nenhuma das suas partes.
Pelo referido codigo, artigo 142.°, as contas da camara municipal, organisadas dentro do praso de sessenta, dias, depois de findo o exercicio, serão apresentadas no governo civil do districto no espaço de um mez, a fim de poderem as mesmas contas ser julgadas pelas estações competentes.
A camara municipal de Lisboa, que se arrogava soberanamente o direito de substituir a lei pela sua vontade propria, tambem não tem, n'esta parte, cumprido o seu dever; nem tão pouco respeitava o disposto no artigo 143.° do codigo administrativo, pelo qual e obrigada a patentear ao publico durante dez dias, na casa da camara, as respectivas contas municipaes.
Emfim, e para não antecipar a exposição de factos, que melhor cabimento tem na presença do governo, só diria que a gerencia economica e financeira da camara municipal de Lisboa corre arbitraria e sem a minima fiscalisação.
As ultimas contas do municipio de Lisboa, julgadas pelo tribunal de contas, referem-se ao anno de 1878-1879, depois do que tem sido a vereação repetidas vezes multada sem que procure corrigir-se dos seus erros e da sua incuria.
Referiu-se ainda a outros factos relativos á administração municipal de Lisboa e prometteu não largar mão do assumpto, que considera grave e importante.
Sentia ainda não ver presente qualquer membro do gabinete, porque desejava perguntar se o governo garante o ultimo emprestimo de 1.800:000$000 réis que a camara municipal de Lisboa acabava de contrahir em Paris, e de que os jornaes davam noticia.
Prometteu voltar a questão, e mandou para a mesa alguns requerimentos, que declarou constituiam a primeira serie dos que tem de apresentar sobre os diversos ramos da administração municipal de Lisboa.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Sr. presidente, um mau fado persegue a commissão de inquerito ao imposto do sal. Os seus membros, que fallam n'esta camara, parece que não se entendem previamente sobre as declarações que têem a fazer e quando algum deputado lhes dirige a palavra, affigura-se-me que não comprehendem ou não querem comprehender as suas intenções, por isso que lhe attribuem propositos que em seu espirito não abrigam!
É o que acaba mais uma vez de dar-se n'este mesmo instante.
O sr. Correia Barata fallou ha pouco em taes termos e com tal excitação, que eu não sei explicar, como as palavras que na sessão anterior proferi com relação ao imposto do sal foram por s. exa. interpretadas como uma allusão a seu respeito.
Eu até, para provar a minha innocencia, vou penitenciar-me perante a camara de um feio peccado, que só agora lhe confesso: ignorava absolutamente que o sr. Correia Barata tivesse algum cargo na commissão. Já v. exa. vê que estava completamente innocente, do que me imputa o meu collega, quando tratei d'este assumpto.
S. exa. pareceu tambem notar desfavoravelmente ter eu dirigido perguntas ao sr. Carrilho, quando o sr. Carrilho não tem no seio da commissão posição alguma proeminente! Tambem não foi por motivo de proeminencia de posição que dirigi ao sr. Carrilho as palavras que se lêem no extracto da sessão anterior.
Na sessão de 5 de maio, repare s. exa., dirigi-me ao sr. presidente da camara e pedi para que me dissesse, na sua qualidade de presidente nato de todas as commissões, qual o andamento dos trabalhos da commissão de inquerito sobre o sal. N'essa occasião não foi o sr. presidente que me respondeu; levantou-se o sr. Carrilho, em nome da commissão, e declarou categoricamente a camara, que podia estar certa de que brevemente os documentos sobre tal assumpto, assim como os inqueritos directos e indirectos, seriam discutidos. Aqui tem o illustre deputado a explicação da intervenção do sr. Carrilho n'este debate.
A respeito de censuras a commissão tão pouco as fiz. Pedi-lhe apenas uma resposta official e categorica ácerca do praso maximo para a apresentação dos seus trabalhos.
Eu sei que a um membro d'esta casa. que tem de accompanhar a discussão, e de intervir na decisão das questões que se ventilam, não se póde exigir como a qualquer funccionario salariado que desempenha um certo serviço em praso fatal. Mas se eu não fiz tal exigencia, tinha e tenho direito a uma resposta, que me habilite a interrogar o sr. ministro da fazenda, sobre as suas intenções, quanto a conservação do imposto. Aqui está, pois, na sua maxima simplicidade o que se passou, e não sei como de uma occorrencia tão correcta parlamentarmente o sr. Barata tirou motivo para a sua exaltação.
O sr. Mattoso Corte Real: - Tenho por differentes vezes fallado n'esta camara na questão do sal, porque represento um circulo que e deveras interessado n'ella.
Nunca me referi á commissão parlamentar, nomeada para dar parecer sobre a suppressão do imposto; mas ao projecto por mim apresentado propondo essa suppressão durante o tempo em que durarem os trabalhos da commissão.
É por isso que ainda ha pouco pedi que me fosse reservada a palavra para quando estivesse presente o sr. relator d'essa commissão.
Dada esta explicação, pego ao sr. Correia Barata, presidente da sub-commissão, que desista do seu pedido.
Todo o retardamento é prejudicial.
Tendo de ser nomeado outro presidente, sabe Deus o

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1754 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

tempo que isso levará, e portanto entendo que a camara não póde nem deve dar a demissão pedida pelo sr. Correia Barata.
São estas as explicações que tenho a dar a este illustre deputado, de quem me prezo de ser amigo ha muitos annos.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Depois das explicações dadas pelo sr. Correia Barata, entendia eu que podia dispensar-me de fallar na questão do sal; no entanto, as ultimas observações do sr. Consiglieri Pedroso fizeram-me comprehender que me corre a obrigação de varrer a minha testada e dar algumas explicações ácerca do nosso procedimento.
Tem sido, é verdade, demorado o resultado do inquerito, mas isso prova que a commissão deseja proceder com justiça e ao mesmo tempo não andar tão levianamente que vá aggravar a já difficil situação do thesouro.
Nomeou-se uma commissão que se dividiu em duas subcommissões, sendo a uma d'ellas incumbido fazer o inquerito directo e recto.
A minha opinião é que o inquerito directo daria resultados mais proveitosos e que seria de preferir por ser o menos demorado. Para o inquerito directo era necessario enviar ás localidades os individuos que haviam de estudar a questão e isto não se podia fazer sem uma grande despeza. Para evitar isto entendeu-se melhor fazer um questionario e submettel-o ás pequenas industrias dos pescadores, aos proprietarios e administradores de salinas, e isto tem dado em resultado alguns terem respondido promptamente, mas outros têem sido mais morosos na resposta; mas sem estes estudos não se póde chegar á solução do complicado problema sobre o imposto do sal. Desde o momento em que se tinha admittido a idéa de que se fizesse um inquerito indirecto, e que, se não desse resultado satisfatorio, se procedesse ao inquerito directo, nós tinhamos que fazer outra cousa que não fosse esperar pelos resultados do inquerito indirecto.
Nós temos já publicado uma serie de documentos que são as respostas dadas por alguns proprietarios e administradores de salinas e pescadores ou representantes d'esta classe. Temos perto de sessenta respostas ao nosso questionario e isto é já um grande elemento para se armar o ministro da fazenda e poder tomar uma resolução satisfactoria, e aprece-me que é uma injustiça suppor que não estamos seriamente empenhados na resolução d'este problema, como disse o sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. Consiglieri Pedroso: - Perdão; mas não disse isso.
O orador: - Seria injusto suppor que nós tinhamos em menos consideração a classe piscatoria do que qualquer membro da opposição. A todos nos merece muito interesse a sorte d'aquella infeliz classe, d'aquelles valentes luctadores do mar, para quem a sorte é ás vezes tão avara.
Em todos nós produz uma extraordinaria condolencia a situação d'aquella classe, que merece todas as protecções, e todas que se lhe queiram dar não são de sobejo para o seu trabalho e para o risco que correm. (Apoiados.)
Isto está no espirito de todos, e é um pleonasmo estar cada um de nós a dizer do dó que elles nos causam. Do que devemos é tratar de remediar, o que se não faz com nenias. (Apoiados.) É para isso que trabalhâmos.
Desejava o illustre deputado saber o que fará o sr. ministro da fazenda. Eu não sei, nem estou auctorisado a dizer o que o sr. ministro fará; mas o que me parece que deve fazer é sobreestar em qualquer resolução emquanto a commissão, que tem a sua confiança e a da camara que a elegeu, não apresentar um trabalho completo.
Nós não podemos fazer senão aquillo que está materialmente dentro das nossas forças e dentro do tempo. Se o inquerito não estiver terminado ao tempo em que esta sessão se encerre, o ministro sobre estas bases pouco ou nada deverá fazer, o que é maos do que poderá fazer.
Por emquanto o que deve é manter o imposto como está, até que o relatorio da commissão de inquerito o possa habilitar a fazer alguma cousa.
Disse s. exa. que nós temos feito pouco. É certo. Nós temos deito o que os outros têem querido que nós façamos. Se todos fossem solicitos em mandar as suas informações, nós tinhamos feito mais. até agora temos feito o que nos tem sido possivel.
Eu pela minha parte declaro que represento uma parte muito insignificante da commissão de inquerito do sal, mas posso affiançar que entrei para essa commissão com desejo de ser util ao paiz alguma vez, e de concorrer com os meus esforços para melhorar a situação da classe piscatoria. E este desejo não é só meu, é de toda a commissão. Se, porém, não temos feito mais, repito, não é por nossa causa, é porque os outros não têem sido tão solicitos como nós em promover o inquerito.
O sr. Presidente: - Passa-se á ordem do dia.
Vozes: - E a proposta que foi mandada para a mesa?
O sr. presidente: - Ainda não ha numero na sala para, sobre a sua urgencia e admissão, ser consultada a camara.
O sr. Elvino de Brito: - Requeiro que se verifique se ha numero, e peço a v. exa. que mande tocar a campainha.
O sr. presidente: - Vou verificar se ha numero.
Peço aos srs. deputados que occupem os seus logares.
Vozes: - Estão a retirar-se.
O sr. presidente: - Estão presentes 49 srs. deputados, e, portanto, não ha numero legal para a camara deliberar; mas logo que o haja eu consultarei a camara.
Vozes: - Mande v. exa. tocar a campainha, porque os srs. deputados talvez não saibam o que se vota.
O sr. Presidente: - Eu não posso impedir que os srs. deputados se retirem da sal, nem exigir que voltem para votar.
Vozes: - Mas é o costume, sempre que ha uma votação, mandar-se tocar a campainha.
(Grande susurro.)
vozes: - Isto não póde ser.
Augmentando o susurro e agitação o sr. presidente cobriu-se e interrompeu a sessão.
Eram tres horas e meia.
Ás quatro horas da tarde reabriu-se a sessão.
O sr. Presidente: - Sinto que sem motivo justificado se alterasse a ordem e me visse obrigado a suspender a sessão.
A mesa tinha verificado que não havia numero sufficiente na sala para se deliberar, e, portanto, não podia deixar de proceder, como sempre procede em casos identicos.
A camara de certo estará lembrada de que ainda na ultima sessão se reclamou por falta de numero contra uma votação; e este facto não póde deixar de me aconselhar a ser cada vez mais escrupuloso nas votações.
Agora vou consultar a camara, em primeiro logar, sobre a urgencia das propostas, e depois sobre se as admitte á discussão.
Leram-se as propostas.
O sr. Presidente: - Segundo o regimento, a proposta do sr. Antonio Candido é a primeira a votar-se; mas antes da votação tenho a consultar a camara sobre se admitte a urgencia, e agora vou dar a palavra ao sr. ministro do reino, que a pediu.
O sr. Ministro do reino (Barjona de Freitas): - Eu estava n'esta casa quando me annunciaram a apresentação de propostas pedindo se lance na acta um voto de sentimento pela morte de Victor Hugo, e estando eu n'este logar representando o governo, não posso deixar de prestar tambem a minha opinião sobre essas propostas.
Se se trata do grande poeta Victor Hugo, que todos conhecem, do grande homem de letras da França, que acaba de fallecer, por parte do governo, não tenho duvida em

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me associar a esse voto de sentimento pela perda, que não chamo franceza, mas que é universal. (Apoiados.)
Creio que todos diante da lousa de um sepulchro, estamos longe de questões partidarias, portanto tratamos unicamente do grande homem de letras, (Apoiados.) e a camara de certo se convence de que o genio não tem partido nem patria. (Apoiados.)
N'este sentido não tenho duvida, por parte do governo, em me associar ao voto de sentimento proposto pelos illus-tres deputados, se effectivamente as suas propostas têem esta significação, como creio, e a camara, na sua alta sabedoria, fará o que julgar mais conveniente.
O sr. Presidente: - Como disse ha pouco, vou consultar a camara sobre a urgencia das propostas.
Consultada a camara foi approvada a urgencia, e em seguida admittidas as propostas á discussão.
O sr. João Arroyo: - Nos termos por que acaba de exprimir-se o nobre ministro do reino, entendo que a moção apresentada pelo sr. dr. Antonio Candido não se discute nem se vota; approva-se por acclamação. (Muitos apoiados.)
Quando fallecem homens politicos notaveis, o mundo culto curva-se respeitoso perante o seu sepulchro, lastimando o desapparecimento de importantes forças dirigentes de determinadas nacionalidades.
Quando succumbem homens de sciencia de merito superior, a humanidade lamenta a perda de elementos valiosos para a conquista incessante da verdade.
Mas perante o corpo inanimado de Victor Hugo, a extraordinaria individualidade cujo nome todos nos venera-mos desde creança, chora o mundo inteiro alguma cousa mais do que tudo isso: chora a morte do homem que era o maior alento de todas as mocidades ha mais de meio seculo, que reunia as manifestações de genio inoxcedido e de trabalhador indefesos o patriotisms ardente e a iusuperavel generosidade de coração! (Vozes: - Muito bem.)
Dante esculpiu no poema a synthese da funcção social do catholicismo; Camões construiu a epopeia dos commettimentos portuguezes que completaram o feixe dos elementos indispensaveis á civilisação moderna; Hugo fez uma litteratura inteira - a correspondente á emancipação social dos povos pelo advento da idade da democracia europea. (Muitos apoiados.)
Approvando o parlamento portuguez por acclamação a moção do sr. Antonio Candido rende o merecido preito de homenagem a gigantesca obra do mestre que Zola, o seu mais severo critico, considera como rei indiscutivel dos poetas lyricos. Fica-nos bem ser gratos ao vulto austero e heroico que, n'um esforço titanico, dominou a corrente do classicismo e dirigiu a primeira revolução litteraria do seculo XIX. (Vozes: - Muito bem.)
O sr. Consigrlieri Pedroso: - O illustre deputado que me precedeu disse que uma proposta como esta, significando um voto de sentimento pela morte do Victor Hugo, não se discute, mas approva-se por acclamação. Completamente de accordo. E por isso não virei eu, tendo alem d'isso ha pouco justificado já a minha proposta, não virei eu, repito, fundamental-a novamente. Corre me, porém, o dever, como primeiro apresentante d'esta idéa a camara e ao mesmo tempo pelas especiaes circumstancias em que me encontro n'esta casa, de responder ás palavras do sr. ministro do reino, para tranquillisar s. exa. e a maioria, assegurando-lhes que a intenção que dictou a minha moção de sentimento está longe de tudo quanto seja uma especulação politica, e accentuo de proposito esta phrase, porque foi a proferida, embora talvez por inadvertencia pelo sr. ministro do reino.
Tenho seis mezes de camara, sr. presidente, e pelo meu procedimento durante este tempo, o parlamento já sabe, por experiencia, que conforme posso, e dentro dos limites da meus recursos, faço com toda a energia a propaganda das idéas do meu partido; mas não ignora ninguem que eu tenho tambem a franqueza e a lealdade bastante, para que, quando affirmo não haver numa proposta que apresento intenção alguma partidaria, todos sem distincção de partido, me devam acreditar! (Apoiados.)
Tranquillise-se portanto sr. ministro da reino, pode tranquillisar-se a maioria, ou se porventura não exprimo bem o meu pensamento, pode tranquillisar-se toda a camara, pois devem ficar convencidos de que n'esta iniciativa não ha senão a manifestação do sentimento de que todos estamos possuidos, e que tão eloquentemente acaba mesmo agora de ser exposto pela voz da sr. Arroyo!
O sr. Antonio Candido: - Direi poucas palavras. O sr. ministro do reino interpretou perfeitamente o sentido da proposta que tive a honra de apresentar.
As palavras com que fundamentei a minha moção tiravam-lhe toda a significação politica.
Quiz apenas expor ao sentimento e a admiração da camara o grande nome de Victor Hugo, n'este momento solemne para toda a raça latina.
As minhas palavras valiam e valem apenas como uma homenagem ao maior genio d'este seculo, como um agradecimento commovido áquelle que nos edificou com as melhores consolações e com os mais dignos exemplos, e como uma saudação affectuosa ao grande espirito, que ainda hontem era o venerado mestre de todos nós, e hoje e o ultimo e brilhantissimo nome da genealogia do pensamento e da historia litteraria da humanidade. (Muitos apoiados.)
Eu tinha diante de mim, quando fallava, a obra genial de Victor Hugo.
Cantavam no meu espirito as suas estrophes divinas; deslumbrava me o pensamento e a sensibilidade o aspecto da sua obra dramatica; e o seu estylo incomparavel, feito de joias preciosissimas, scintillava aos meus olhos admirados... Escreveu livros politicos e desenvolveu theses sociaes o grande mestre; mas estas obras hão de valer sempre, hão de ficar, menos pela sua doutrina, que pela fórma artistica, superior e exemplar, que Victor Hugo soube dar-lhes. (Muitos apoiados.)
Victor Hugo é muito grande. N'um só dos seus aspectos cabem a vontade as homenagens e os votos desta camara... (Apoiados.)
Agradeço ao sr. ministro do reino a acceitação da minha proposta.
Impressionou-me agradavelmente ver que o meu pensamento entrava, sem difficuldade, no seu alto espirito, e que s. exa. contribuia assim para que o parlamento portuguez se honrasse com um acto que lhe fica bem, com um acto que e perfeitamente justo e digno. (Apoiados.)
Vozes: - Muito bem.
O sr. Azevedo Castello Branco: - Direi tambem muito poucas palavras sobre este incidente, porque não desejo por fórma alguma lançar uma nota discordante n'esta questão tal como ella foi posta depois de reaberta a sessão.
Entretanto permitta-me a camara que eu faça uma pequena observação.
A morte de Victor Hugo impõe-se effectivamente mais ainda ao nosso sentimento do que a nossa rasão.
Escuso de dizer quanta admiração cada um de nos sente pelo genio que acaba de extinguir-se, e qual é o preito de homenagem - que aos povos da nossa raça merece aquelle collossal genio.
Não serei eu que lhe regateie louvores.
Perante este acontecimento e que me parece que a attitude d'esta camara deveria talvez ser muito differente d'aquella que eu vejo tomar; entretanto eu vou explicar como, ainda não concordando com a ordem de idéas apresentadas, sinto prazer em votar a moção do sr. Antonio Candido.
É preciso convencer-nos de que esta assembléa e sobretudo uma assembléa politica e não uma academia; e é sem-

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pre difficil apreciar o caracter de um individuo qualquer, sejá elle quem for, de modo a poder destrinçar o que havia n'elle de politico e de litterario, mormente quando, como em Victor Hugo, toda a sua politica foi servida só pela sua palavra, fallada ou escripta.
Não quero n'este momento por fórma alguma relembrar a historia politica do gigante de que se trata, porque desde que a camara chega ao ponto de poder no seu espirito converter uma moção, que podia ter um caracter politico, n'uma moção que tem simplesmente o caracter litterario; isto é, desde que a camara tem dentro de si a faculdade de abdicar um momento a sua qualidade de assembléa politica para se tornar n'uma academia, como a academia dos occultos, ou como qualquer das que fizeram o enlevo dos eruditos do principio d'este seculo, não tenho duvida em me collocar n'esse ponto de vista e votar a moção do sr. Antonio Candido.
Declaro mesmo que não me repugnava votar uma moção ainda mais lata do que a que foi apresentada pelo illustre deputado.
Acho difficil separar, em relação á camara dos deputados, a idéa politica da idéa litteraria; mas, visto que muitos dos meus collegas têem esta noção tão clara, eu acceito com muito prazer a moção tal qual foi acceita pelo governo.
Posta á votação a proposta do sr. Antonio Candido, foi approvada por acclamação, ficando prejudicada a do sr. Consiglieri Pedroso.
O sr. Presidente: - Vae passar-se á ordem do dia.
O sr. Francisco Beirão: - V. exa. dá-me a palavra?
O sr. Presidente: - Já declarei que ia passar-se á ordem do dia, e a quem pertence a palavra, para sustentar a sua interpellação ao sr. ministro do reino, é o sr. Eduardo Coelho.
O sr. Francisco Beirão: - Desejo apenas fazer umas simples perguntas ao governo.
O sr. Presidente: - Como o sr. Eduardo Coelho ainda não começou a fazer uso da palavra, não tenho duvida em a conceder ao sr. Francisco Beirão para fazer as perguntas que annunciou, uma vez que o sr. Eduardo Coelho não reclama.
O sr. Francisco Beirão: - São simples as perguntas que desejo fazer ao governo, representado, n'este momento, pelo sr. ministro do reino.
N'um dos jornaes mais considerados que sepublicam na capital li hoje este importantissimo telegramma:
«Ao Commercio de Portugal. - Lisboa. - Paris, 22. - Parte hoje em direcção a essa capital o sr. conselheiro Mendonça Cortez, portador do contrato para os melhoramentos do porto de Lisboa; o capital foi tornado firme. As obras devem estar concluidas em doze annos e custarão 180 milhões de francos ou 32:400 contos de réis. As obrigações, que são de 500 francos, foram tomadas todas a 444. A amortisação será feita era vinte e cinco annos.
«O emprestimo municipal foi contratado com o banco transatlantico e é de 10 milhões de francos, ou 1:800 contos de réis, nominaes.
«A subscripção será aberta em Lisboa, Paris e Londres. O preço das obrigações será o da cotação do dia dos fundos portuguezes.»
As minhas perguntas são estas: com relação a primeira parte do telegramma, direi que, se este contrato, de que aqui se falla, representa apenas uma proposta que qualquer particular ou grupo de particulares apresentou ou tenciona apresentar ao governo, e de que este, até, póde não ter conhecimento, é claro que os ministros não têem responsabilidade do facto, e, se assim for, e naturalmente, responder-se-me-ha que os ministros não têem noticia alguma do que se fez em Paris, que nada sabem do que ali se passou.
Se porém assim não é, pergunto mais se o governo auctorisou, por qualquer fórma, alguém a que, desde já, contrahisse um emprestimo em Paris com destine as obras dos melhoramentos do porto de Lisboa?
Não discuto nem aprecio n'este momento o projecto de melhoramentos do porto de Lisboa, não emitto opinião alguma, nem a respeito d'essas obras, nem a respeito da sua importancia e vantagem, nem até a respeito da fórma por que este contracto parece ter sido feito; pergunto simplesmente ao governo se elle por qualquer fórma auctorisou alguem a fazer este contrato, que em todo o caso não podia deixar de ser provisorio e que teria por isso de ser submettido á deliberação do parlamento.
Quanto a segunda parto do telegramma, que e a que se refere ao emprestimo a camara municipal de Lisboa, pergunto ao governo se, estando a discutir-se nas commissões respectivas, uma nova organisação do municipio da capital, organisação em que o sistema financeiro ha de ser segundo creio, muito diverso do que era até aqui, se entendeu como qualquer representante da camara de Lisboa para o auctorisar a que contrahisse este emprestimo.
Já vê v. exa. que as minhas perguntas são muito simples, e o sr. ministro do reino, se estiver habilitado, de certo se não recusara a responder-me.
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Dos negocios a que se referiu o illustre deputado, a primeira parte não corre pela minha pasta; pertence á pasta das obras publicas, e por consequencia não posso a esse respeito dar informações a s. exa. e á camara.
Não direi que a noticia do jonial se refira ao contrato feito pelo governo, mas a qualquer proposta que terá de ser apresentada ao governo para resolver sobre ella.
Não posso dar outras explicações, mas creio poder affirmar que não ha nenhum contrato com o governo a esse respeito.
Emquanto a outra pergunta a que se referiu o illustre deputado, tenho a dizer que os emprestimos da camara municipal são approvados pela junta geral do districto, e é esta corporação que tem de conhecer este negocio, que ha de seguir os tramites naturaes e que estão estabelecidos na lei.

ORDEM DO DIA

Interpellação do sr. Eduardo José Coelho ao sr. ministro do reino, ácerea dos actos violentos, praticados pelo administrador do concelho de Chaves, e sobre a dissolução da mesa da misericordia da mesma villa.

O sr. Presidente: - Tem a palavra o sr. Eduardo Coelho para realisar a sua interpellação.
O sr. Eduardo Coelho: - Vou proseguir nas considerações que hontem não pude concluir, relativas ás violencias da auctoridade, no concelho de Chaves, por occasião de se proceder á eleição da commissão recenseadora.
Já disse, e agora repito, que foram presos seis cidadãos inermes, unicamente por suspeitos, por serem tidos e havidos por progressistas, como se diz no officio, documento n.º 1, ou como guarda-costas dos chefes da opposição, segundo se affirma no documento n.° 2, officio dirigido ao governo civil.
(Leu.)
Não insistirei mais sobre este grave capitulo de accusação.
Dizia eu hontem tambem, que as melhores informações faziam suppor que não houvera na povoação de Nantes aquelle ajuntamento de quarenta individuos armados para, violentamente, attentarem contra o exercicio dos direitos politicos de certos quarenta maiores contribuintes, como nebulosamente se exprime o administrador do concelho.
Prova-se isto, ou, pelo menos, é verosimil a supposição, combinendo a saída do administrador do concelho á frente de cavallaria e infanteria, em a noite de 4 de janeiro, com os documentos n.ºs 3,4 e 5. Vê-se que o administrador do concelho enviou ao administrador do concelho de Miran-

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D'ella o officio, documento n.° 3. Noto que fosse só mandado o extracto d'este officio. Pedia-te n'este officio, que fosse restituido á liberdade o quarenta maior contribuinte. F. Chaves, que estava era carcere privado, na povoação de Valle Telhas, concelho de Mirandella, em casa de Domingos Sarmento; e pedia-se mais, que se procedesse contra os originarios causadores d'este crime, como fosse de justiça, é notavel que não se diga quaes os originarios criminosos.
O administrador do concelho de Mirandella não podia de certo adivinhar, e é claro que não podia saber em Mirandella quem, no concelho de chaves, tinha raptado o alludido eleitor.
Estes factos mostram, que houve outra correspondencia, a qual, por ser compromettedora, se sonegou ao exame do parlamento. (Apoiados.)
Fazendo-se obra pelos documentos apresentados, vejo que no dia 4, de manhã, o administrador do conselho de Mirandella respondeu pelo telegrapho, o que consta do documento, n.º 4
(Leu.)
Não deixará a camara de admirar este zêlo pelas garantias individuaes.
O telegrapho ficava de prevenção toda a noite, á esperado que de Chaves fosse communicado.
Vê-se, pois que, realisada a diligencia pelo administrador do conselho de Mirandella no dia 4 de janeiro, o administrador do conselho de Chaves saíu n'esse dia, á noite, d'aquella villa é frente de cavallaria e infanteria, não para restabelecer a ordem na povoação de nantes, mas para receber na afronteira do concelho o cidadão restituido á liberdade, e os originadores d'aquelle nefando crime. (carcere privado.)
Não podem os factos, devidamente concatenados, soffrer outra interpretação.
Emquanto o general em chefe d'esta campanha aguardava na fronteira do concelho os enciados de valle Telhas, deram-se as peripecias, de que já fallei hontem, com a prisão de seis cidadãos pacificos, bons, e que, apesar de elevados á altura de guarda costas dos chefes da opposição, não levavam comsigo um alfinete, que podesse servir de arma defensiva?
Mas o que occorreu em Valle Telhas?
Dil o o documento n.º 4, que é a copia do auto ali lavrado pelo administrador do concelho de Mirandella. Todo o edificio, architectado em falsos alicerces, esboroou, e foi todo ruinas.
Quando o administrador de Chaves aguardava receber quarenta maiores constituintes, para fazer a sua entrada triunphal em Chaves, recebeu a noticia de que o cidadão F. Chaves protestava contra a violencia, de que era victima, declarando que esteve em casado benemerito Domingos Sarmento, não só livremente, mas por obsequiosa amisade e por isso repelli toda a protecção que a auctoridade lhe offerecia, e solemnemente declarava que d'ella não carecia!
São estes os factos, e agora póde aprecial-os a camara. A carta constitucional, artigo 145.º, n.º 7, affirma que o cidadão tem em sua casa um asylo inviolavel, e só a auctoridade póde n'elle entrar em casos extraordinarios, e mediante cautelas rigorosas.
Cumprio a auctoridade administrativa de Chaves as solemnidades, que a lei determina para deprecar a diligencia de que se trata? Não.
Não basta dizer que os filhos de F. Chaves e informações fidedignas denunciaram aquelle crime; era mister reduzir a auto estas inculcadas queixas, e improvisadas denuncias; proceder a informação summaria, e só então é que poderia ordenar-se a violenta diligencia, que foi requisitada ao administrador do concelho de Mirandella. Frustrada a diligencia, como na especie do que se trata, a auctoridade tinha nos autos e diligencias previas salva a sua responsabilidade. E porque nada se fez, é evidente o proposito partidario do agente do governo, o qual, sobre falsos pretextos, ordenou visitas domiciliarias sem rasão, e por este abuso deve responder; aliás é melhor dizer, que qualquer esbirro póde invadir a casa do cidadão, quando e como lhe aprouver. (Apoiados.)
Cumpre-me agora tratar do segundo assumpto, objecto d'esta interpellação.
Refiro-me á dissolução da mesa da misericordia, no concelho de Chaves, por alvará do governador civil de 4 de dezembro de 1884.
O cavalheiro que referendou este alvará é nosso collega n'esta casa; não o vejo presente, e isso nada importa.
Não só nada direi, que lhe possa ser pessoalmente desagradavel, mas a verdade é que, pelos actos dos seus subordinados, responde o governo.
Nada tenho, pois, com os actos do illustre cavalheiro, n'aquella epocha governador civil de Villa real, mas não posso deixar de prestar homenagem ás suas qualidades pessoaes, e muito respeito ás suas intenções.
Não obsta tudo isto a que exprima a minha opinião com inteira isenção, e affirme que aquella dissolução fôra na essencia injusta, e tumultuaria na fórma. Quero crer, até que s. exa. fôra illudido por informações de todo inexactas.
Os documentos que me foram fornecidos, não deixam a menor duvida a este respeito.
O documento n.º 5 é uma exposição de alguns mesarios, ardendo em santo zêlo pelos interesses d'aquelle santo instituto, e arguem a mesa dissolvida de muitas maleficios, entre elles de pertencerem os seus membros á politica contraria ao governo.
O primeiro signatario é o sr. João Gualberto da Fonseca Padrão, filho do candidato governamental por aquelle circulo, e muito envolvido por isso nas luctas politicas do concelho.
Eu afasto as questões pessoaes d'esta questão; mas arguir de politicos os mesarios dissolvidos, e dar credito aos adversarios politicos d'esses mesarios será commodo, mas é caír directamente na theoria das suspeições politicas. (Apoiados.)
Por esta fórma, não ha mesa de misericordia quem escape aos furores da politica do governo, e os irmãos não devem gastar tempo em eleger quem lhes mereça mais confiança.
É por isso que eu digo que a dissolução foi, alem de injusta em si, muito tumultuaria na fórma, porque teve por fundamento uma doutrina de politica partidaria.
Mas os fundamentos invocados são inteiramente insensatos.
Agora invoco a theoria do sr. ministro do reino, exposta ha poucos dias n'esta casa, e que é verdadeira.
Como se provaram as accusações feitas á mesa dissolvida?
Nem sequer o tentaram fazer, porque o fim era expulsal os e introduzir na administração d'aquelle pio instituto amigos e parciaes. (Apoiados.) A verdade é esta.
E não preciso fazer-me cargo de defender cavalheiros de asserções gratuitas, mas não posso deixar de affirmar aqui, bem alto e sem receio de que alguem me desminta, que o provedor e mais mesarios dissolvidos são cavalheiros que gosam da mais illimitada confiança entre os seus concidadãos, são dignos entre os dignos, e não ha quem frente a frente ouse pôr em duvida a sua probabilidade. Estes precedentes são deploraveis, porque conduzem ao retrahimento os homensbons, ou os leva ao desespero e os predispõe ás resoluções violentas. (Apoiados.)
É claro que não nego ao governador civil o direito de dissolver n'este caso, porque elle é expresso na lei; mas o que eu lhe nego é o direito de dissolver arbitraria e despoticamente. (Apoiados.)
A natureza da denuncia era evidentemente politica; e

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se n'ella se individualisavam factos, a auctoridade superior andaria melhor, ouvindo os arguidos, e mandando syndicar em seguida, se não julgasse completa a defeza. (Apoiados.)
Sabe v. exa. e a camara o que aconteceu? Depois que a mesa foi dissolvida, ninguem quiz já saber das tremendas accusações. E que a questão resumiu-se toda em fazer entrar para a administração da santa casa parciaes do governo.
Não digo que fosse esta a intenção do magistrado superior do districto; mas o intuito do seu delegado era evidente. Vencendo esta campanha, suppoz que ficava dominando o concelho! Uma illusão, como qualquer outra, e eu não me magoaria com isso, se as illusões de agente do governo se não traduzissem em violencias auctoritarias e em vexames repetidos.
Alem do exposto, quer v. exa. e a camara mais uma prova, de quanto a dissolução da misericordia de Chaves foi injusta, precipitada, e tumultuaria? Já disse que um dos signatarios contra a mesa dissolvida era João Gualberto da Fonseca Padrão; e quer v. exa. saber o nome de outro? E José Maria da Silva Junior e este nome figura no alvará do governo civil para constituir a commissão administrativa, em substituição da mesa dissolvida. Como se explica este facto? Quando, e aonde se praticou tal anomalia igual? Qualquer individuo arvora-se em accusador de outro; imputa-lhe faltas e até crimes no desempenho de seus deveres officiaes. Pois bem. Dispensam-se todas as provas, demitte-se o funccionario arguido, e nomeia-se para o substituir o dennuciante, e encarrega-se de informar das faltas que encontrar no serviço da victima dos seus rancores. É justo? é digno? e moral? Ninguem ousará affirmal-o. (Apoiados.) E todavia, é isto o que se fez na dissolução da mesa da misericordia de Chaves. Tendo de voltar ao assumpto, porque de certo hei de responder ao sr. ministro do reino, não faço agora mais considerações. Aguardo, pois, a resposta do nobre ministro, e folgarei muito agradecer-lhe a sua resposta, se ella me der a certeza, ou pelo menos a esperança, de que a justiça será desaggravada, os opprimidos defendidos, e as audacias criminosas dos seus agentes reprimidas. Se assim não acontecer, espero que o nobre ministro não estranhe, que lhe responda com menos serenidade de animo, o que não significa que não respeite as suas intenções, mas quer isso dizer quanto é cruel a minha desillusão, por não poder imaginar que taes violenciaes e até crimes não merecem dos poderes publicos do meu paiz a prompta e devida correcção. (Apoiados.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Em primeiro logar cumpre-me agradecer ao illustre deputado as palavras benevolas que no principio do seu discurso teve a bondade de me dirigir.
Effectivamente essas palavras ecoaram no meu corajao, porque me lembro ainda do tempo em que o illustre deputado era um dos meus mais intelligentes discipulos.
Mas foi bom que no principio do discurso do illustre deputado houvesse essas palavras benevolas, por isso que em todo o resto d'elle teve uma severidade de tal ordem para com o ministro e para com todas as suas auctoridades, que, se não fosse a benevolencia do principio do seu discurso, eu diria que s. exa. estava n'um momento de mau humor. S. ex. levou tão longe do seu espirito partidario que chegou a imaginar que eu tinha um tal interesse, e uma tal intolerancia nas eleições, que cada membro do partido progressista era uma victima do meu despotismo em materia eleitoral.
Ora eu escuso de me desculpar a este respeito. A camara toda conhece-me, conhece os meus actos, sabe como eu tenho procedido em assumptos d'esta natureza; (Apoiados.) e de certo não imagina que eu procure violentar a consciencia do eleitor, tolher a liberdade individual, ou impedir que qualquer, seja quem for; manifesto as suas opiniões e de com toda a liberdade o seu voto. (Muitos apoiados)
Mas, se o illustre deputado tem esta experiencia a respeito do eleições em larga escala, como pode imaginar o contrario quando se trata da eleição da commissão de recenseamento do concelho de Chaves?
Porque é que o ministro, que tinha feito respeitar a liberdade de uma e a liberdade individual em toda a parte, havia de deixar esquecer os preceitos que a lei lhe impunha, e os deveres a que era obrigado tratando-se da eleição da commissão de recenseamento de Chaves? Que grande importancia tinha para a politica do paiz e para a renovação d'esta politica a eleição d'essa commissão recenseadora? (Apoiados.)
Eu comprehendo que s. exa., deputado por aquelle circulo, se interesse por todos os negocios locaes, e que no seu espirito algumas vezes os anteponha a outros negocios, embora de igual ou superior categoria, e tendencia natural, mas o que eu não comprehendo e que s. exa. imagine que quem pratica o seu dever em toda a parte se esqueça d'elle sómente quando se trata de assumptos eleitoraes.
O sr. Eduardo Coelho: - Eu não argui.
O Orador: - Deduzia-se, pelo menos das suas palavras, porque s. exa., lamentando o facto da intervenção violenta da auctoridade a respeito da commissão recenseadora de Chaves, parecia attribuir ao governo uma certa cumplicidade nessa intervenção. Mas, se s. exa. não quiz fazer-me esta censura, agradeço-lhe, porque agora estamos n'um tempo em que é preciso agradecer o que é de justiça.
Vamos examinar o que fez a auctoridade. E quando eu digo que s. exa. queria de algum modo envolver-me na censura que dirigiu as auctoridades de Chaves, é porque começou o seu discurso dizendo que me tinha ido procurar nas vesperas das eleições para me dizer que lá se estavam praticando grandes attentados contra a liberdade individual.
S. exa. effectivamente escreveu-me uma carta, e depois foi procurar-me e contou-me o que se pretendia praticar, o que eu não acreditei, segundo disse s. exa. Mas o que s. exa. não disse á camara, e creio que não ha inconveniente em dizel-o, é que immediatamente e na presença do illustre deputado, expedi um telegramma terminante para o governador civil, dizendo-lhe que se attribuia as auctoridades a intenção de praticar uns certos attentados, e que portanto tratasse de obstar a elles, e até o illustre deputado fez o obsequio de ser o portador do telegramma a fim de que não houvesse demora nem extravio.
Creio que desde este momento o illustre deputado tinha rasão para acreditar que, quaesquer que fossem as intenções das auctoridades de Chaves, o governo tinha todo o empenho em obstar a um attentado.
Devo dizer a v. exa. e á camara que não julgo da minha obrigação defender a auctoridade, porque ella é destinada principalmente ao cumprimento da lei, e tem uns certos deveres que se chamam paternaes e de conciliação em differentes circumstancias, que não são incompativeis com a lei.
Portanto estou resolvido a dar rasão ás auctoridades que cumprirem a lei e evitarem abusos, quer elles partam da opposição ou não; mas quando ellas saírem para fora do seu dever e me convencer de que abusaram, hei de castigal-as.
Portanto, já vê o illustre deputado que não venho para aqui dizer senão o que é verdade em relação aos factos que attribue ao administrador do concelho de Chaves.
Creio que os factos taes quaes s. exa. os apresenta são explicaveis. Póde explical-os o administrador de Chaves como os explicou, e póde o illustre deputado suppor que foram praticados com má intenção.
Quaes são os factos a que alludiu o illustre deputado? Foram principalmente o ter o administrador do concelho de Chaves ido com uma força armada á povoação de Vil-

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lar de Nantes, e esta povoação ter sido cercada; mas auctoridade contesta este facto.
O que fez o administrador do concelho n'essa excursão com a força armada á povoação de Villar de Nantes? Nada.
Mas ía juntamente com o administrador um official de diligencias, e o administrador deu-lhe ordem para que seguisse com é praças de infanteria por um certo caminho.
O official de diligencias diz que n'esse caminho encontrou seis individuos, e que, parecendo-lhe suspeitos, os revistou, para ver se traziam armas e que lh'as não encontrando, os tinha deixado seguir o seu caminho.
Este era o attentado a liberdade, que principalmente e illustre deputado carregou de negras cores, dizendo-o praticado pela auctoridade de Chaves.
Peço licença a camara para tornar a dizer que esse facto não foi praticado pelo administrador, mas sim por um official de diligencias, que elle tinha mandado por aquelle caminho, e nem mesmo consta a pessoa alguma, nem por documento algum, que elle tivesse procedido por essa fórma com ordem do administrador. A unica cousa que o illustre deputado póde dizer é que, desde que o administrador teve conhecimento do facto, ficou com a responsabilidade d'elle, mas não póde dizer mais nada.
Ora aqui está tudo quanto se lê nos papeis que o illustre deputado apresenta e que foram fornecidos pelo ministerio do reino.
Mas o que fez o official de diligencias? Prendeu os homens? Não consta; o que consta unicamente e que os revistou para tomar conhecimento se traziam armas, e nada mais.
Ora o illustre deputado é muito illustrado, é um magistrado antigo, e quando digo antigo não quero dizer que é velho; felizmente é novo, mas já tem uma longa carreira publica; já foi de mais a mais governador civil, e de certo se compenetrou perfeitamente do seu papel n'essa occasião; portanto sabe que á auctoridade administrativa cabem uns certos deveres de policia preventiva, que é preciso não desprezar, e quando a algumas d'essas auctoridades chega o conhecimento de que qualquer crime se pretende perpetrar, tem obrigação de prevenir esse crime por todos os modos ao seu alcance, sem attentar contra as liberdades individuaes, já se vê, mas adoptando as medidas que julgar convenientes para chegar a um resultado pratico e não ser illudida.
Ora, o que diz o administrador do concelho, assim como o regedor da freguezia de Villar de Nantes? Tanto um como o outro dizem que lhes tinham communicado que se tencionava levantar uma partida de 40 homens armados para impedir que os eleitores que estavam no concelho de Mirandella viessem votar em Chaves, na eleição dos quarenta maiores contribuintes. E por isto é que disse ha pouco que o facto póde ser explicavel como o conta o administrador e como o conta o illustre deputado.
Desde que o administrador tinha a denuncia de que se tencionava attentar contra a liberdade eleitoral dos cidadãos que tinham direito a votar na commissão de recenseamento, é claro que não podia ficar de braços cruzados; nem ficava o illustre deputado, no tempo em que era governador civil, se lhe viessem fazer essa denuncia, porque, se ficasse, tinha faltado ao cumprimento do seu dever, visto que uma das primeiras obrigações impostas pela lei as auctoridades administrativas é garantir o livre exercicio dos direitos politicos.
Poderá o illustre deputado dizer que esta denuncia era falsa, o proprio administrador diz que foi a Villar de Nantes e que não encontrou vestigio algum dos factos que lhe tinham sido communicados por denuncia e que apenas foram encontrados aquelles seis homens que o official de diligencias revistou a fim de ver se traziam armas. Mas isto não prova que não tivesse havido tentativa, nem porventura que essa tentativa deixasse de ter logar em consequencia das medidas preventivas tornadas pela auctoridade.
E demais a mais, o crime da auctoridade n'este ponto, limitou-se a ir com força armada, seguir por certos caminhos, e não fazer mal a ninguem.
Não me parece que esta prevenção, que aliás estava nas attribuições da auctoridade...
(Interrupção do sr. Eduardo Coelho, que não se ouviu.)
Eu já disse ao illustre deputado que este facto não foi praticado pelo administrador.
Se tratassemos de uma eleição politica da camara, ou de deputados, ainda podia dizer-se que o administrador podia ter o intuito de indo com força armada, assustar ou desviar os eleitores da urna; mas tratando-se de uma eleição de commissão de recenseamento, que toda a gente sabe é eleita pelos quarenta maiores contribuintes, de certo estes não he assustavam com o apparato da força publica.
Eu não sei qual seria o intuito da auctoridade de Chaves, nem posso conceber que ella fosse facciosa, ou fanatica e não tivesse diante de si senão a idéa de vencer a commissão de recenseamento.
O illustre deputado sabe que nenhum crime se pratica sem haver motivo.
Deve pois procurar-se o motivo que houve para que o administrador...
(Interrupção do sr. E. Coelho que não se ouviu.)
Isso é exactamente a ausencia de explicações.
Quando nós não sabemos explicar um facto, para que havemos de dizer que o individuo que o praticou é mau ou é bom?
O illustre deputado diz que é mau, eu continue dizendo exactamente o contrario.
Se eu soubesse quaes eram os intuitos da auctoridade, poderiamos chegar a ter bases sufficientes para duvidar d'ella, mas quando o illustre deputado é o primeiro a confessar que desconheço os fins do seu procedimento, e que é de tal modo inexplicavel...
(Interrupção do sr. E. Coelho, que não se ouviu.)
Foi isto o que disse o illustre deputado.
S. exa. sabe que quando se trata de um facto criminoso a primeira cousa a saber é, com que fim?
Quando se desconhece a rasão, o que se costuma fazer é considerar o individuo fóra das suas faculdades mentaes, ou embriagado.
Vamos seguindo.
O outro facto a que se referiu s. exa. foi que o administrador de Chaves, tinha deprecado ao administrador do concelho de Mirandella, para que verificasse se effectivamente um dos quarenta maiores contribuintes, estava ou não em carcere privado, em casa de um cidadão d'aquella localidade.
O que fez o administrador de Mirandella?
Foi a casa d'esse cidadão e lá encontrou um dos quarenta maiores contribuintes, que lhe declarou não estar ali obrigado nem preso, mas sim de muito sua livre vontade, e que não precisava que o acompanhassem para parte alguma.
Foi o que elle disse ao administrador do concelho.
O que disse o illustre deputado relativamente ao procedimento do administrador do concelho?
Porventura este administrador procedeu correctamente na fórma porque fez a diligencia?
Torno novamente a perguntar com que interesse o administrador do concelho de Chaves havia de dizer ao administrador do concelho de Mirandella, que lhe asseveravam que um certo individuo, que era um dos quarenta maiores contribuintes, estava em carcere privado, e que visse se aquelle individuo declarava que não estava ali por vontade?
Diz o illustre deputado que se devia ter lavrado o auto para proceder com toda a circumspeção em caso tão grave como era uma visita domiciliaria a casa de um cidadão, para verificar esse facto.
Mas note, o illustre deputado que o administrador do

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concelho procedeu assim porque o proprio filho d'esse individuo, que era um dos quarenta maiores contribuintes, foi declarar á administração que o pae estava em carcere privado.
Já se vê que não foi um motivo futil que levou o administrador a deprecar a outro administrador, dizendo que verificasse o facto.
Póde, portanto, s. exa. demonstrar pelas suas accusações e pelos documentos que estão presentes, que houve, ou que póde ter havido, ma intenção da parte da auctoridade?
Não póde nem está provado o facto.
O facto arguido por s. exa. é a respeito do official de diligencias e não a respeito do administrador do concelho.
S. exa. indignou-se porque o official de diligencias declarou que tinha revistado seis homens porque eram tidos e havidos como galopins eleitoraes e como agentes da opposição.
O sr. Eduardo José Coelho: - Indigno-me contra o administrador do concelho.
O Orador: - O administrador do concelho diz o que o official de diligencias lhe narrou.
S. exa. referiu-se naturalmente ao officio do official de diligencias. Se fosse o illustre deputado que como auctoridade tivesse de dar conta d'este facto, tinha a certeza de que não escrevera esta phrase, porque é sufficientemente cauteloso. Mas o official de diligencias escreveu a.
O sr. Eduardo José Coelho: - Foi o administrador quem a escreveu.
O Orador: - Escreveu será cautela, o que aliás prova a tranquilidade da sua consciencia. (Riso.)
Qual era o facto de que se tratava? O administrador do concelho dizia ao regedor: - ha uns homens que se vão armar para impedir que no dia da eleição passem para o concelho de Chaves alguns dos 40 maiores contribuintes que estão em Mirandella. Naturalmente o administrador do concelho não suppôz que esses homens que se íam armar eram da partido ministerial, suppôz que eram do partido da opposição. Não era provavel que fossem do outro partido.
Aqui está a explicação da phrase.
Não digo que ella seja eloquente, não digo que ella seja das mais cautelosas; mas póde ser sincera e verdadeira.
Em todo o caso não quer isto dizer que houvesse a intenção de perseguir ninguem pelas suas opiniões politicas.
Supponha o illustre deputado que ámanhã diziam a um qualquer administrador de concelho que um homem do partido regenerador queria impedir uns eleitores de irem exercer os seus direitos; e que esse administrador ía inquirir do facto por ter, como tem effectivamente todo o administrador, obrigação de garantir a todos os cidadãos e livre exercicio dos seus direitos.
Supponha ainda que encontrava uns homens que lhe parecia serem do partido regenerador.
Está claro que não havia de ir procurar ninguem ao partido progressista, uma vez que lhe diziam que taes homens pertenciam ao partido regenerador.
Eram regeneradores os homens que encontrava, e revistava-os só por serem regeneradores.
Quer isto dizer que elle queria perseguir o partido regenerador? Não. Isto quer dizer que elle revistava aquelles porque só os do partido regenerador eram suspeitos do attentado. (Apoiados.)
Portanto, pelos documentos, não me consta que houvesse nenhum attentado contra a liberdade nos termos em que o illustre deputado o annunciou.
Ha um facto que póde ser verdadeiro ou falso, o que eu ainda não sei bem.
É o de serem presos alguns individuos.
O administrador do concelho e o official de diligencias asseveram que não se prendeu ninguem, que se revistaram apenas alguns individuos.
O illustre deputado, creio que fundado nas declarações dos individuos revistados n'aquella occasião, parece querer asseverar que aquelles individuos foram presos effectivamente.
Este facto não sei se é verdadeiro.
O que é certo é que o administrador do concelho e o official de diligencias asseveram que aquelles individuos não foram presos, e appellam para o testemunho da força armada.
Eu, que gosto de proceder sempre escrupulosamente, declare ao illustre deputado que hei de mandar averiguar o que houver a este respeito.
Quero saber este caso todo, quero conhecer o sen alcance, e todas as condições em que elle se deu.
E creia o illustre deputado que, se eu verificar que houve qualquer abuso da parte da auctoridade, esse abuso não ha de ficar sem correctivo.
Declaro, como já declarei, que para mim esse facto não está provado.
Não sei com que fundamento o illustre deputado o assevera, porque as provas faltam.
Mas, apesar das provas faltarem, o facto póde ter existido?
Póde, e por isso é que eu vou inquerir, para ver se as auctoridades cumpriram o sen dever, e para, se o não tiverem cumprido, lhes impôr a responsabilidade que lhes competir.
Creio que o illustre deputado podia ficar satisfeito com esta declaração, a qual prova que eu não protejo auctoridades que violam os direitos politicos dos cidadãos e dos partidos, que eu protejo apenas as auctoridades que cumprem rigorosamente os seus deveres. (Apoiados.)
Mas arguiu-me ainda o illustre deputado a respeito de outro facto, a respeito da dissolução da mesa da misericordia de Chaves.
Chaves dá para tudo. (Riso.)
Se eu quizesse entrar por outro lado; se eu quizesse fallar nas accusações que se fazem á camara municipal de Chaves, se eu quizesse fallar nas accusações que se fazem ao agente do ministerio publico n'aquella comarca, e estas accusações não são feitas aos governamentaes, são feitas aos da opposição, se eu quizesse fallar nos pedidos de syndicancias que têem sido dirigidos ao governo, se eu quizesse fallar de todos estes assumptos, tinha muito que dizer, mas eu declare que desadoro este systema de fazer politica. Infelizmente existe em diversas localidades do paiz.
Tratando agora da misericordia de Chaves, e queixando-se o illustre deputado de que tivesse sido dissolvida a mesa d'aquella misericordia, devo dizer que o administrador de concelho, e alem d'elles varios signatarios de uma representação, accusavam a mesa da misericordia de Chaves de taes abusos de administração, que realmente a mesa não podia subsistir um minuto, se qualquer d'aquelles factos fosse verdadeiro.
Mas o que havia de fazer a auctoridade quando uns poucos de cidadãos que ella considerava respeitaveis lhe faziam constar factos d'aquella ordem? Consultou o conselho de districto, como manda a lei, e o conselho de districto declarou por unanimidade que a mesa d'aquella misericordia devia ser dissolvida.
E para saber se havia fundamento para que aquella mesa fosse dissolvida, basta considerar quem era o magistrado que, estava á testa dos negocios publicos n'aquelle districto. Era o sr. Wenceslau de Lima, que ninguem considera faccioso, e que desmente no seu procedimento de todos os dias qualquer accusação n'esse sentido.
Resolveu, pois, o conselho de districto que a mesa da misericordia de Chaves fosse dissolvida, e nomeou uma commissão para a administrar, marcando logo o dia em que havia de fazer-se nova eleição.

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SESSÃO DE 23 DE MAIO DE 1885 1761

O conselho de districto, procedendo d'este modo, não fez o que costumava fazer-se em muitos alvarás em que se dissolviam as mesas da misericordia, e as eleições ficavam para quando fossem.
Não estou censurando ninguem, nem a comparar procedimentos, estou fazendo a historia dos factos.
Em relação ao facto que o illustre deputado apontou de serem presos seis cidadãos, elle póde ser verdadeiro ou não, embora se appelle para a declaração feita pelo official de diligencias que acompanhou a força, porque, repito, o acto não foi praticado pelo administrador do concelho, mas o administrador podia ter acreditado nas declarações do official.
Eu hei de tomar informações ácerca do caso para convencer a camara, e a todos, se a auctoridade cumpriu ou não com o seu dever.
(S. exa. não revê as notas tachygraphicas dos seus discursos.)
O sr. E. J. Coelho: - Confesso que a resposta do sr. ministro do reino me não satisfez. Depois de accusações tão claras e tão fundamentadas, eu esperava que a resposta do nobre ministro não fosse equivoca e pouco firme.
Toda a argumentação do sr. ministro se reduz a affirmar que os factos podem ser explicados como eu tive a honra de o fazer á camara, mas que tambem podem ter a explicação que lhes dá o administrador do concelho de Chaves.
D'aqui a impunidade vae pouca distancia. O nobre ministro apenas se mostra hesitante quanto a innocencia do administrador do concelho de Chaves, relativamente a prisão dos seis individuos de que fallei largamente. Parece que ainda carece de novas informações.
Confesso que desespero de obter justiça dos poderes publicos. Não me parece que podesse ser-me dada as resposta de que a prisão foi effectuada pelo official da administração, e não directamente pela auctoridade administrativa. É notavel esta resposta. Os factos já narrados por mim não deixam duvida de que essa prisão foi effectuada pelo administrador do concelho; e, quando assim não fosse, elle assumiu a responsabilidade legal d'ella, por não fazer punir o auctor do crime das prisões de que se trata. Houve aqui um crime grave, verdadeiramente caracterisado; e quem me responde por elle?
Tambem me parece que o nobre ministro não viu criminalidade no facto, ou omissão da auctoridade administrativa, relativamente a não levantar auto contra os quarenta amotinados de Nantes, resolvidos a commetter um crime contra individuos que pretendiam exercer direitos politicos.
Eu já disse que as melhores informações eram contra a existencia d'este facto; mas o agente do governo affirma-o em dois officios. (Leu.) Logo, o crime não se realisou por circumstancias alheias aos agentes do crime; e, n'este caso, quem duvida que ha uma tentativa de crime publico punivel? Bastaria o ajuntamento de quarenta individuos na fórma indicada officialmente, porque a lei pune estes ajuntamentos, ainda que não haja principio de execução (artigo 180.° da nova reforma penal).
E, sendo assim, quem duvida que o agente do governo tem responsabilidade moral e criminal? Pois o artigo 206.° n.° 22.° do codigo administrativo e o artigo 287.° do codigo penal são letra morta para os agentes do governo?
É notavel! Nunca ha provas sufficientes contra os agentes do governo, e as victimas nunca logram fazer-se acreditar nos seus justos queixumes. O agente do governo não se defende; confunde tudo.
As victimas da prepotencia auctoritaria queixam se na imprensa, reiteram os seus queixumes perante a propria auctoridade, que consigna em auto publico essas queixas; eu peço copia d'esse auto, que compromette a auctoridade, e por isso é sonegado a publicidade e ao exame.
E depois d'isto affirma-se que não ha provas! (Apoiados repetidos.)
Não quero fazer a historia das violencias praticadas era Chaves, desde certa epocha; sou forçado a respeitar certos melindres, mas não posso deixar de dizer ao nobre ministro, que a tibieza dos ministros passados prejudicou até os proprios que n'aquella epocha pareciam os protegidos. Uma censura a tempo teria dado satisfação aos offendidos, e não haveria a lamentar incommodos e desgostos para uns e outros. Não desejo ser mais explicito.
Não posso conter-me em frente de taes desmandos, cuja impunidade parece certa. Não defendo o agente do ministerio publico da comarca de Chaves, porque o proprio ministro foi o primeiro a duvidar das accusações, que diz lhe são feitas; posfo affirmar que é um distinctissimo funccionario, a quem a comarca deve relevantissimos serviços, que jamais poderá esquecer.
Não sei tambem a que proposito vieram as accusações feitas á camara, quando o nobre ministro sabe que fui eu o primeiro a dizer aqui, que a camara, conscia dos seus direitos e zelosa da sua dignidade, já havia solicitado da auctoridade superior syhdicancia aos seus actos.
Perdida a esperança de obter justiça, declaro que os offendidos só da propria força podem confiar a defeza dos seus direitos. É louco quem espera ainda salvação das chamadas luctas incruentas da urna; é preciso trocar o bilhete, a lista pela espingarda, e poupar do que o fisco leva a mais alguma cousa para compra de polvora. (Susurro.) Não faço affirmações partidarias, nem venho queixar-me das violencias passadas com receio da lucta eleitoral; o partido governamental, tão valente em atropellar a lei, deixa o campo livre ao partido progressista, porque me consta que não apresenta candidato na presente conjunctura.
Isto, porém, nada tem com as violencias e attentados, de que me tenho occupado.
Tenho concluido. (Apoiados.)
O sr. Ministro do Reino (Barjona de Freitas): - Se o illustre deputado me não tinha surprehendido no seu primeiro discurso, porque vi n'elle um homem de partido, e mais do que isso, pareceu-me o agente do ministerio publico promovendo o castigo dos culpados, s. exa. acaba de me surprehender agora com as suas declarações.
Não discuto n'este momento a sua doutrina de substituir a lei pela espingarda, o dinheiro com que os povos hão de pagar as suas contribuições, pela polvora e bala e talvez até com a dynamite.
Deixo essa opinião e essa responsabilidade ao illustre deputado.
Não posso tambem deixar de estranhar que, em toda esta discussão, o unico facto sobre que o illustre deputado insiste, e sobre a chamada prisão dos seis homens feita pelo official de diligencias da administração de Chaves, embora queira attribuir a responsabilidade ao administrador, que só teve conhecimento do facto posteriormente.
A respeito d'este facto declarei que, não estando provado que a auctoridade procedesse mal, o illustre deputado não podia forçar a minha consciencia a vir declarar uma cousa que não era conforme com o meu sentir; mas disse tambem que, em vista das affirmações do illustre deputado, eu ía tomar novos esclarecimentos para castigar os culpados quando os houvesse; porque tenho para mim que se o illustre deputado estivesse sentado na cadeira de juiz não dava o facto como provado com os documentos que tem.
Eu disse que ía mandar de novo averiguar, e depois d'isto o illustre deputado declara que se não póde dar por satisfeito com a minha resposta, e entende que se deve substituir a lei pela espingarda.
Eu desejo proseguir no caminho legal, e o illustre deputado entende o contrario - falla em polvora e bala.
N'este campo não o acompanho.

Página 1762

1762 DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS

Creio que fiz declarações categoricas.
No concelho de Chaves, e não e só no concelho de Chaves, n'uma grande maioria de concelhos do districto de Villa Real e já velho este systema de fazer politica de odios e de vinganças, que não aproveita a nenhum partido, nem aproveita a ninguem. (Apoiados.)
Infelizmente isto é um facto; e eu não attribuo a culpa ou a responsabilidade d'elle nem aos partidos organisados nem aos chefes dos partidos; mas o facto é mau, e os governos vêem-se embaraçados para discriminar de entre as accusações, que partem de todos os lados, o que ha de verdadeiro ou falso nas accusações que são dirigidas, ou ao partido da opposição ou ao partido do governo. (Apoiados.)
Eu acabei de dizer que tinha accusações contra a camara municipal de Chaves, que pertence ao partido progressista, creio eu.
O sr. Eduardo Coelho: - Eu pedi para só fazer uma syndicancia aos actos d'aquella camara.
O Orador: - Eu vou dizer a rasão por que não fiz nada e d'isto é que me podem accusar.
Tenho accusações contra o agente do ministerio publico de que se tornou chefe de partido, invertendo assim a natureza dos seus deveres, e por outro lado tenho as accusações que o illustre deputado me fez contra as auctoridades de Chaves. Descriminar onde está a verdade d'estas accusações todas, cuja exageração para mim é evidente, é uma grande difficuldade.
O facto que s. exa. considera como um attentado é a prisão de seis individuos.
O administrador diz que não prendeu, e appella para a força militar que acompanhava o official de diligencias para que diga se houve prisão. Mas como este facto é duvidoso, eu declarei que ía investigar. Que mais quer o illustre deputado? (Apoiados.)
E tanto mais que s. exa. não sabe explicar a rasão d'este attentado praticado pela auctoridade de Chaves, explique-me s. exa. que interesse pode ter o governo na protecção a esta auctoridade. (Apoiados.)
Quando s. exa. acabou de declarar que ámanhã ía ferir-se a batalha, declara tambem que os candidatos da opposição não têem competidor, parece-me que este appello para a revolta, para a polvora, para as espingardas, para a dynamite, e uma eloquencia fóra de proposito. (Muitos apoiados.)
Vejam que tyrannia, que despotismo que se está exercendo!
Quando os partidos da opposição não encontram competidores diante de si, abandonam a eleição e appellam para as espingardas!
(S. exa. não revê os seus discursos.)
O sr. Eduardo José Coelho: - Não posso insistir na minha argumentação; e seria até indelicadeza da minha parte tomar mais tempo á camara, attendendo ao adiantado da hora. O nobre ministro do reino acha injusta a minha replica, quando é certo que s. exa. prometteu ainda informar-se, pois tem duvidas quanto á prisão dos seis individuos. Não illiba o administrador do concelho, mas tambem o não condemna. Eu tenho pouca fé nas demoradas indagações, quando é certo que as provas me parecem completas, e a legislação applicavel clara, que não torno a citar, para não ser importuno.
Não pareça que estou em contradicção, quando affirmo que o partido governamental abandonou a urna, o que mostra que não tinha interesse em praticar violencias. Confundem-se epochas distinctas. E porque se não póde levar de assalto a eleição da commissão recenseadora, não ha agora coragem para a lucta; mas isso nada tem com os attentados passados. Peço desculpa se proferi palavras excessivas, que n'este caso retiro.
Sendo sincera a minha indignação, não admira que alguma phrase mais severa me saísse dos labios. No entretanto se alguma ha, que não seja propria do logar, e possa parecer pouco correcta, nenhuma duvida tenho em a retirar, não fui chamado á ordem, e por isso creio que não proferi expressão, que possa arguir-se de violenta. Tambem dei pleno testemunho, que discuti factos auctoritarios, sem a menor referenda as pessoas, e só fallei n'estas quanto era indispensavel para tratar das cousas. Já alguem escreveu, que hontem fallei só para os meus eleitores de Chaves, e é de crer que o mesmo se diga do meu modesto discurso d'hoje. Não me magoa esta apreciação.
Creio que fallei contra os abusos da auctoridade, e advoguei a causa da justiça; mas se tivesse de fallar só para os meus eleitores, nem por isso me pouparia a este pequeno sacrificio, pois n'isso ía o cumprimento do meu dever; e este sacrificio é bem inferior ao que elles praticaram em defeza da minha eleição, e ao heroico esforço de todos os dias para não perderem um palmo do terreno conquistado era luctas reiteradas e successivas. Tenho dito (Muitos apoiados.)
O sr. Presidente: - Ficou pendente de votação na sessão anterior um projecto de lei, por não haver vencimento e segundo o regimento devia ser hoje votado, mas como não ha numero na sala fica a votação adiada para a proxima sessão.
A ordem do dia para segunda feira e na primeira parte a eleição de um vogal substituto para a junta do credito publico, e na segunda parte a discussão da lei do sêllo, e mais os projectos n.ºs 80 e 84.
Está levantada a sessão.
Eram seis horas da tarde.

Redactor = Rodrigues Cordeiro.

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